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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111 São Luís - MA, Jan/Jun de 2010 - Ano XIX - Nº 6 28 “A Ética e a Ilusão da Cobertura em Tempo Real no Jornalismo Online” CHRISTYANN LIMA CAMPOS BATISTA – É acadêmico do 8º semestre do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão IZABEL CAROLINE GOMES DE ALMEIDA –É acadêmica do 7º semestre do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFMA FRANCISCA ESTER DE SÁ MARQUES - Orientadora. Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade de Brasília, Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade de Lisboa e Professora Assistente pela Universidade Federal do Maranhão. Resumo: O presente trabalho aborda os desafios éticos relativos à cobertura “em tempo real” realizada por sites de notícias. A valorização do imediatismo, superando em importância a observação e apuração dos fatos, fatores importantes no estabelecimento do contrato de leitura entre veículo e leitor, que acaba se enfraquecendo. Palavras - chave: ética, imediatismo, contrato de leitura, noticias Abstract: The present work shows the ethic challenges related to the “breaking news” coverage made by news websites. The valorization of immediatism overcomes observation and investigation of facts, important factors on the reading agreement between press and reader, which, as a consequence, has been weakening. Key-words: ethics, immediatism, reading agreement, news 1 Introdução Os gêneros jornalísticos sofrem alterações em suas definições, dependendo de sua localização geográfica, cultural e histórica. O jornalista e pesquisador José Marques de Melo é uma referência quando tratamos da definição de gêneros jornalísticos no Brasil. Para ele, não

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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da

Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111 São Luís - MA, Jan/Jun de 2010 - Ano XIX - Nº 6

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“A Ética e a Ilusão da Cobertura em Tempo Real no Jornalismo Online”

CHRISTYANN LIMA CAMPOS BATISTA – É acadêmico do 8º semestre do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do

Maranhão IZABEL CAROLINE GOMES DE ALMEIDA –É acadêmica do 7º semestre do

Curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFMA FRANCISCA ESTER DE SÁ MARQUES - Orientadora. Mestre em

Comunicação e Cultura pela Universidade de Brasília, Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade de Lisboa e Professora Assistente pela

Universidade Federal do Maranhão.

Resumo: O presente trabalho aborda os desafios éticos relativos à cobertura “em tempo real”

realizada por sites de notícias. A valorização do imediatismo, superando em importância a

observação e apuração dos fatos, fatores importantes no estabelecimento do contrato de leitura

entre veículo e leitor, que acaba se enfraquecendo.

Palavras - chave: ética, imediatismo, contrato de leitura, noticias

Abstract: The present work shows the ethic challenges related to the “breaking news”

coverage made by news websites. The valorization of immediatism overcomes observation

and investigation of facts, important factors on the reading agreement between press and

reader, which, as a consequence, has been weakening.

Key-words: ethics, immediatism, reading agreement, news

1 Introdução

Os gêneros jornalísticos sofrem alterações em suas definições, dependendo de sua

localização geográfica, cultural e histórica. O jornalista e pesquisador José Marques de Melo é

uma referência quando tratamos da definição de gêneros jornalísticos no Brasil. Para ele, não

CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da

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temos o jornalismo digital como um gênero destacável dentre a sua classificação: jornalismo

informativo e opinativo.

Entretanto, outros autores não compartilham da mesma idéia. Seixas (2003), ao fazer

uma longa discussão sobre a terminologia de jornalismo digital pretende situar este tipo de

transmissão midiática como gênero jornalístico. Segundo a autora, as categorias definidoras

das mídias digitais (interação, recepção, contrato social, linguagem, tempo, formato, suporte e

mídia), indicam relações que poderiam ser feitas entre as características das mídias digitais e

dimensões interdiscursivas, ao mesmo tempo em que mostram os aspectos indicados por

algumas das mais importantes classificações de gêneros jornalísticos.

Barbosa (2003) acredita ser possível a definição de jornalismo digital como uma nova

categoria do jornalismo. Segundo a autora, embora notícias com atualização contínua e em

fluxo estejam presentes nos mais diversos sítios é no portal que esse modelo se consolida,

principalmente em virtude dos investimentos feitos para a construção das redações

específicas.

Os jornalistas que trabalham nesta área diferem de outros seus colegas de profissão no

sentido em que usam as características particulares da Internet no seu trabalho diário:

multimídia, interatividade e hipertexto. O webjornalista tem, consequentemente, de tomar

decisões sobre qual o formato ou formatos de media que melhor se adaptam a uma

determinada estória, de considerar opções que permitam ao público responder, interagir ou

mesmo personalizar certas estórias (interatividade), e pensar nas maneiras de relacionar a

estória com outras estórias, arquivos, e outros recursos através de hiperligações (hipertexto).

Esta é a ‘ideal-típica’ forma de jornalismo online, tal como professada por um número

crescente de profissionais e acadêmicos de todo o mundo. Ao fazê-lo, ambos usam o discurso

das características únicas da Internet de modo a definir o ciberjornalismo como algo de

diferente de outros jornalismos, como um ‘quarto’ gênero de jornalismo, próximo da

imprensa, rádio e televisão (DEUZE, 2003).

Porém, não podemos sobremaneira definir puramente o jornalismo digital como um

gênero novo, definido e claro. Em muitas situações percebemos que o discurso jornalístico

on-line é o mesmo discurso utilizado em versões impressas de veículos que possuem versões

na internet. Não há parâmetros claros de linguagem definida, ou de modos de produção. O

simples fato de o texto on-line ser menor, mais direto e menos cansativo não nos dá condições

de situá-lo como um novo gênero jornalístico. Como afirma Alves (2006) o modelo dos

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jornais diários foi naturalmente adotado como metáfora para a organização e apresentação dos

conteúdos no novo ambiente gráfico da Internet, um meio ainda precário e com

predominância de texto.

Antes mesmo de discutir gêneros jornalísticos, ainda é muito difícil encontrar

definições claras de jornalismo digital e suas variadas vertentes. Adotamos o conceito de Pena

(2005), quando aponta que o “jornalismo digital, pode ser precariamente definido como a

disponibilização de informações jornalísticas em ambiente virtual, o ciberespaço, organizadas

de forma hipertextual com potencial multimidiático e interativo”.

No Brasil, é comum utilizar-se duas terminologias para definir este campo:

“jornalismo on-line” ou “jornalismo digital”. Mielniczuk (2003) mostra em quadro-resumo as

principais definições de nomenclaturas sobre práticas de produção e disseminação de

informação no jornalismo contemporâneo:

• Jornalismo eletrônico: utiliza equipamentos e recursos eletrônicos;

• Jornalismo digital ou jornalismo multimídia: emprega tecnologia digital, todo e

qualquer procedimento jornalístico que implica no tratamento de dados na forma de

bits;

• Ciberjornalismo: envolve tecnologias que utilizam o ciberespaço;

• Jornalismo on-line: é desenvolvido utilizando tecnologias de transmissão de dados em

rede e em tempo real;

• Webjornalismo: diz respeito à utilização de uma parte específica da Internet, que é a

web.

Percebemos nestas definições que existe certa hierarquia na abrangência dessas

práticas. Temos o jornalismo digital como a maior esfera, um grande grupo que engloba os

demais. É também perceptível que as rotinas de produção da informação estão se tornando

calibradamente guiadas por valores notícia ligados ao imediatismo.

Atualmente, percebemos como tendência crescente a especialização do jornalismo em

ambientes virtuais. Blogs, site, portais, relacionamento pessoal... Existe uma gama de suportes

on-line que se diferenciam em linguagem, modos e meios de produção e utilização.

Tanto, que é crescente e popular a idéia de um jornalismo em tempo real na internet.

Com o intuito de ter ou pertencer o título de “primeiro a dar a notícia” os sites de jornalismo

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tem dedicado extensa parte de sua produção para critérios de noticiabilidade que se

relacionam com a brevidade e a novidade.

Portanto, levantamos como tese principal deste artigo, não só a descrição da ilusão da

transmissão de notícias em tempo real, como também uma pesquisa que pretende delimitar se

há detrimento da ética da informação por conta de rotinas de produção que podem levam o

profissional ao ritmo de trabalho desgastante e imediato.

2 Jornalismo digital no Brasil: a ilusão do tempo real.

A história dos media sempre propôs a cada novo veículo que se inventava, uma série

de novas significações: será que o antigo veículo desaparecerá? Será este o mais rápido? Será

este capaz de suprir de maneira significativa a “necessidade” do público pela brevidade?

Assim foi com rádio, que em sua origem se propôs a ser o veículo mais imediato que

até então surgira. Logo veio a TV e em seguida a internet que também se propôs a realizar

esta tarefa. Popularizaram-se os portais que tem áreas destacadas apenas para a atualização

em “tempo real”. Podemos destacar neste seguimento os populares “Em cima da hora” da

Folha Online (Folha de São Paulo) e o “Ultimo Segundo” do Portal Ig. Este formato é

resultado de um processo histórico que forneceu o suporte tecnológico para tal realização.

Destacado ou não como uma categoria ou gênero jornalístico temos 3 formas

principais de delimitar o jornalismo digital: (1) divisão por editorias ou canais – categoria

com mais recursos agregados como áudio e vídeos, a construção dos textos é mais elaborada;

(2) alteração no conceito e formato da notícia e o (3) hard news, ou seja, notícias em tempo

real que mudam a rotina das redação (BARBOSA, 2003). Esta ultima forma é similar ao

formato breaking news das emissoras de TV que transmitem notícias 24 horas (CNN, Globo

News, Record News e Band News, como exemplo).

Para Mielniczuc (2003), o formato últimas notícias, também chamado de breaking

news sempre é anunciado na primeira tela. É composto de informações em formato de notas

que são disponibilizados de maneira imediata, explorando a possibilidade de atualização

contínua. Geralmente, o índice é composto pelo título da notícia e pela hora de postagem das

mesmas. Quando se clica, lê a notícia em formato de “pílula”, em poucas linhas. Este formato

que vemos hoje é o resultado da própria possibilidade aberta pela tecnologia e pelo formato

que esse suporte alcançou.

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É possível identificar-se três fases distintas na ultima década de desenvolvimento da

internet: (1) modelo transpositivo, ou seja, os produtos oferecidos, em sua maioria, eram

reproduções de partes dos grandes jornais impressos, que passavam a ocupar o espaço na

Internet; (2) modelo da metáfora (perceptivo)

- quando, mesmo ‘atrelado’ ao modelo do jornal

impresso, os produtos começam a apresentar experiências na tentativa de explorar as

características oferecidas pela rede e (3) modelo hipermidiático - surgimento de iniciativas

tanto empresariais quanto editoriais destinadas exclusivamente à Internet. São sites

jornalísticos que extrapolam a idéia de uma versão para a Web de um jornal impresso,

constituindo, assim, o webjornalismo (PALACIOS et. al., S/D).

Foi, entretanto, na segunda fase onde existem as transposições de conteúdos impressos

para a web, que surgiu o formato para preencher o espaço entre as edições (chamadas de

"Plantão" ou "Últimas Notícias"). Aqui, vemos a utilização de ferramentas pelos jornalistas,

como o e-mail, para que essa atualização fosse a mais contínua e breve possível.

Neste contexto, desprezou-se nesta construção histórica a própria percepção de tempo,

que não permite em momento algum a afirmação de “jornalismo em tempo real”. Existe um

processo, uma rotina, um procedimento que não pode ser mais imediato que a notícia.

Ao apurar um fato, o profissional se depara com a situação que expressamente é

inerente ao seu trabalho. A observação do fato, a consulta das diversas fontes, a coleta de

informação, a preparação da notícia... Enfim, uma série de procedimentos que precisam ser

minimamente superados para que a notícia possa integrar o plantão de notícias.

Portanto, é errônea a assertiva que temos um literal jornalismo em tempo real.

Tomamos para tal justificativa, a afirmação de Pena (2005) quando não só comenta a

infestação de sites imediatos como o anonimato dos diversos produtores que não nos levam a

uma identidade na informação:

“Uma das conseqüências dessas fantasias de produção da identidade é a crença de que qualquer um pode ser mediador com a mesma eficiência e preparo. Nesse caso, não haverá, por exemplo, a necessidade de jornalistas, idéia abordada por alguns teóricos, entre eles Pierre Lévy, que, no livro Cibercultura, pergunta: seria ainda necessário, para se manter atualizado, recorrer a esses especialistas da redução ao menor denominador comum que são os jornalistas clássicos?” (PENA, 2008, p.181).

Ao estudar as características do jornalismo desenvolvido para a Web, Bardoel e Deuze

(2000), apontam os elementos: interatividade, customização de conteúdo, hipertextualidade e

multimidialidade, como parte deste processo. De forma semelhante, Palacios (1999)

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estabelece cinco características que são a multimidialidade/convergência, a interatividade, a

hipertextualidade, a personalização e memória.

Nem todas essas características estão presentes no dito jornalismo em tempo real.

Temos um quadro de combinações e reorganizações que permitem a visualização de forma

resumida. Em termos gerais, a notícia é resumida num texto curto que raramente possui outros

suportes (vídeos, imagens, áudio).

Silva Junior (2003) ao trabalhar com a temática de repetição dos conteúdos no

jornalismo transposto à internet se deparou com uma realidade interessante. O autor relata que

a prática jornalística não é muito heterogênea. Há uma repetição dos conteúdos, isto

constatado no estudo de três grandes sites de notícias no Brasil. Desta forma, segundo o autor,

ocorre uma repetição dos conteúdos de forma sistemática, o que leva à uma pobreza no

discurso jornalístico.

Afirmativas como esta, do autor supracitado, nos levam a questionar certos problemas

que podem afligir o jornalismo de internet no formato que é praticado no Brasil. Um desses

problemas, que por vezes foi inserido nesta discussão, é sobre a ética neste tipo de formato.

Tendo como referencial a realidade de que o “jornalismo em tempo real” inexiste numa

perspectiva conceitual e prática, como então analisar do ponto de vista ético, os conteúdos que

tais veículos nos transmitem em função de um imediatismo extremo.

4 Universo de pesquisa: Metodologia

Para tentar responder as questões que aqui foram elencadas, decidimos analisar,

durante uma semana, os conteúdos de dois portais de grande acesso quando tratamos de

cobertura em tempo real. A coluna/editoria “Em cima da hora” do jornal Folha de S. Paulo

(Folha Online) e o “Ultimo Segundo” do portal Ig.

Nesta análise, pontuamos de forma sistemática, alguns conceitos que foram abordados

por alguns estudiosos da área de jornalismo digital e de ética da informação. Pretendemos,

destarte, destacar rotinas de constrangimento do jornalista que podem levar à ausência do

aspecto ético da informação.

5 A ética da informação nas rotinas de produção do jornalismo digital

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O discurso jornalístico surge como uma forma de transformação das ocorrências

cotidianas em notícias. Necessita e percorre um caminho que pauta a sua organização em

rotinas que são inerentes ao próprio processo de produção da notícia. “Os jornalistas

produzem discursos, como o pintor pinta telas, o músico compõe músicas e o arquiteto projeta

edifícios” (RODRIGUES, 1997, p.217).

Transformar esses acontecimentos exige certo padrão processual de trabalho e

fundamentação técnica. Seja na referencialidade, onde o discurso se baseia numa realidade

pautada concretamente, seja na opinião onde o mesmo se distancia desse universo, o discurso

jornalístico permeia campos de produção que o torna um elemento fundamentador das

discussões na esfera pública dos diversos campos sociais.

A internet, assim como as novas mídias, pretende ser uma nova esfera pública, mais

democrática e mais participativa. Neste novo processo de ressignificação, esta ferramenta nos

dá a impressão de que pode ser completa. Pode ser um campo onde o universo de hipertextos

é infinito, onde o discurso encontra sua forma plural e participativa. Mais do que isso, a

internet se propõe a ser mais “enxuta”, mais limpa e adaptada às necessidades dos

‘ciberconsumidores’.

Nessa perspectiva, os grandes sites de notícias ou até mesmo os portais de

entretenimento apostaram em propostas que destacaram a simplicidade narrativa como um

atrativo para o público. Usam o estereótipo “tempo real” como se a brevidade iminente de

produção jornalística fosse possível em tal precisão temporal a que se propõem. Esta busca,

como já exposto, se torna inacessível, visto que o processo de produção da notícia necessita

de um tempo de elaboração mínima, tal qual o é em qualquer jornal impresso ou televisivo.

A Internet, espaço privilegiado para a afirmação do ciberjornalismo, não abarca

apenas todas as capacidades dos media tradicionais (texto, imagens, gráficos, animação,

áudio, vídeo, distribuição em tempo real), como oferece novas capacidades, incluindo

interatividade, acesso on-demand, controle por parte do utilizador e personalização.

Utilizando estas potencialidades, os ciberjornalistas podem construir narrativas utilizando as

modalidades e formas de comunicação que mais se adequarem a cada estória em particular

(PAVLIK, 2001).

Sob esta ótica primária, observou-se a dinâmica dos sites de notícias mais visitados

aos quais propomos análise. Tentaremos, todavia, elencar as características relevantes, a

forma e o conteúdo dos (hiper)textos que tais sites contém.

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Na primeira página dos portais (www.folha.uol.com.br e www.ig.com.br), já é

possível observar a chamada dos sites. O “Em cima da hora”, localizado logo acima das

principais manchetes, apresenta um resumo das notícias mais recentes em forma dinâmica,

renovando os títulos num tempo de aproximadamente quatro segundos. Aqui, este espaço

também é usado para publicidade; No segundo portal, os links para a coluna tempo real

aparecem nos menus laterais (como primeira opção na área de notícias) e abaixo das

manchetes principais.

Acessando estas áreas podemos observar as transformações profundas de formato e

conteúdo: na coluna da Folha, logo abaixo das notícias mais acessadas que tem destaque,

aparecem as tradicionais chamadas das matérias (nome da editoria, hora exata da postagem da

matéria e título resumido); o formato segue até o fim da página e não há uma periodicidade

temporal (em minutos) das postagens, porém observamos que os intervalos não superam os 10

minutos. No “Ultimo Segundo” há uma diferenciação dos conceitos usuais de tempo real: o

seguimento já se transforma em portal independente, com diversas áreas temáticas e colunas

próprias. Diferentemente do site anterior, aqui há espaço para diversos outros suportes além

da inserção de blogs, outros sites, procura, vídeos, entre outros.

Quando se entra na notícia específica do “Em cima da hora”, o internauta é

direcionado para a própria matéria que foi lançada na editoria do site principal. Observamos

que os textos desta coluna não são independentes do site, sendo que é colocado no seguimento

tempo real apenas o link da matéria que é postada nas diversas editorias da Folha Online

(Mundo, Brasil, Ilustrada, Ambiente, Cotidiano e etc.). Ao se debruçar apenas no ramo

‘últimas notícias’ do “Ultimo Segundo”, temos uma lista composta por título da matéria, hora

exata da postagem e subtítulo. O portal se utiliza apenas de uma seleção das principais

agencias de notícias (AFP, Reuters, EFE e etc).

Os textos também se diferenciam. Enquanto o “Em cima da hora” ou a própria Folha

Online constrói as notícias em textos que tem entre cinco a dez parágrafos (de média de cinco

linhas) o “Ultimo Segundo” apenas se utiliza de trechos muito reduzidos da notícia, chegando

a poucas linhas, ou até mesmo nenhuma, resumindo-se apenas ao título e ao subtítulo

linkando-se apenas a um texto de uma ou duas linhas.

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Imagem do site “Último Segundo” no seguimento Ultimas Noticias do dia 29/06/2009, demonstrando o formato do site.

Imagem do site “Folha Online” no seguimento Em cima da hora do dia 29/06/2009, demonstrando o formato do site.

A observação dos sites nos deu subsídios para algumas prerrogativas que nos levam a

afirmar que, mesmo em não havendo ausência da ética, por conta do imediatismo, os

conteúdos não são completos e não se formatam como independentes. Vejamos como

exemplo, o Ultimo Segundo, que não formata sua própria notícia, se dá apenas ao trabalho de

resumir o resumido proposto pelas agências de notícias, e a Folha Online que utiliza do

artifício do “Em cima da hora” reportando-se a notícias que são colocadas nas próprias

colunas dos sites, servindo apenas como um chamamento à brevidade, sendo indicativo ao

horários das postagens e não a conteúdos específicos.

A internet, mesmo com sua grande popularidade, tem perdido confiabilidade e

credibilidade por diversos motivos, dentre os quais podemos destacar o livre acesso, a

possibilidade plural da construção dos conteúdos, a própria falta de controle e o excesso de

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“CTRL+C CTRL+V”, o famoso copiar e colar. Muitas vezes, precisamos esperar e ver o

discurso sendo repetido para confirmar tal notícia.

Diretamente, por se constituir em uma esfera pública renovada e ampla, que dá voz ao

diversos participantes, observamos que não há faltas graves de ética no período de

observação. Mas pela própria forma como os sites se reportam ao leitor, numa espécie de

‘ludibrialização’ ou maquiagem do conteúdo, podemos observar que não há um respeito total

a qualquer tipo de regra ética ou deontológica do exercício jornalístico.

6 Os constrangimentos profissionais nas rotinas de produção do jornalismo digital

Na perspectiva de Daniel Cornu (1996) observamos que são eleitas como categorias da

ética que foram transpostas para o jornalismo digital, sendo a principal delas a “ética

descritiva”. Outra ética citada pelo autor que pode ser englobada nesta discussão é a ética

reflexiva, ou seja, pensar no próprio processo de produção no jornalismo digital. O acesso

plural destituiu o antes concreto contrato de leitura, ou seja, o compromisso firmado entre o

jornalista e o leitor que garante confiabilidade e credibilidade à informação transmitida.

Enxergar a quebra do contrato de leitura no jornalismo online é uma atividade

complexa. Nessa categoria, vemos mais imperiosa a ação das pressões e dos constrangimentos

de produção. Isso não serve como justificativa para falhas éticas no jornalismo digital, caso

ocorram. Cabe mais pensar e estudar mais esse meio de difusão. Como pautá-lo mais na

realidade e como dosar exatamente velocidade e ética. Afinal, a apreciação pública dos média

não é passiva.

O jornalista, então, deve ser visto também como um ser dotado de subjetividade, um

produtor plural, pois a “responsabilidade gera conflitos internos e múltiplos: entre os diversos

poderes implicados pelo conteúdo, entre as diferentes obrigações para com terceiros e entre os

deveres e obrigações” do próprio jornalista (CORNU, 1996, p.11). Esta obrigação de

“produzir verdade” não pode ser quebrada, tanto do ponto de vista ética como do ponto de

vista deontológico. A informação, independente de forças internas e externas tem que ser um

produto ético, situação esta que fica cada vez mais difícil sob o imperativo da velocidade.

Na análise proposta, a própria rotina e a forma de produção do conteúdo na web se

justificam em práticas que são inerentes à produção jornalística. A pressa, a correria, a falta de

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tempo, os múltiplos conteúdos se fundem numa concepção dialética que funda uma cultura

dos jornalistas, onde certas práticas são comuns e rotineiras.

Além da própria construção midiática a notícia também é muito volátil. Segundo Park

(1940), as notícias são dotadas de um caráter efêmero e de qualidade transitória. Este fato é

citado como o “presente ilusório”, ou seja, de tão rápidas e instantâneas, as notícias estão se

tornando perecíveis que o mundo moderno parece ter perdido sua perspectiva histórica.

O jornalismo online está promovendo mudanças nos hábitos da população brasileira.

Ele é uma das fontes primárias e mais baratas de acesso às informações pelo cidadão. Os

números comprovam a mudança no comportamento dos receptores no trato com a nova mídia.

Um dos mais acessados portais informativos no Brasil atinge diariamente cerca de 2 milhões

de pessoas, número elevado, se comparado à tiragem dos principais jornais do país (LIMA,

2005).

Ao constatar essa realidade, é que nos deparamos com constrangimentos aos quais os

profissionais são cada vez mais e mais fortemente submetidos. Se com a tiragem diária dos

jornais, os jornalistas já se deparavam com rotinas limitadoras do ponto de vista ético, com a

brevidade ‘minuto-a-minuto’ essas rotinas se tornam mais evidentes. Segundo Cornu (1996),

o enquadramento jurídico da empresa, a prática jornalística como uma profissão liberal, as

forças múltiplas de pressão, jornalistas como integrante de redes sociais, o jornalista como

ser subjetivo e as condições imperiosas da velocidade tornam e vão tornar mais ainda o

discurso jornalístico dotado cada vez mais de perigos para as faltas éticas. Com isso, o freio

das regras profissionais parece inoperante, sob efeito acelerador da concorrência.

Com o advento das redes telemáticas e o desenvolvimento do jornalismo em outras

plataformas, mudanças drásticas afetaram as rotinas produtivas, alterando sensivelmente o

perfil dos profissionais envolvidos e gerando novos desafios para a prática diária de produzir

e distribuir notícias. A descentralização dos bancos de dados, a predominância da velocidade

sobre a correção e a precisão, a disseminação dos mecanismos para interatividade e a

convergência das mídias, tudo isso (e mais) trouxe à tona novas e velhas preocupações com a

ética. Como lidar com as fontes de informação em situações não-presenciais, quase sempre

mediadas ou assistidas por computador? Como desviar-se do anonimato e da falsa identidade

de algumas fontes? De que forma devem ser compreendidas e encaradas a privacidade, a

verificação das informações e a confiabilidade dos dados obtidos? Existe uma ética específica

para jornalistas que trabalham em blogs e portais? (CHRISTOFOLETTI, 2008).

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Todas estas questões podem estar longe de um seguimento final de observação, porque

afinal, a construção deste espaço como um novo campo de difusão do campo midiático não é

novo, mas está em uma construção e transformação diária, o que nos leva a um quadro

indefinido em uma realidade espaço-temporal. Tanto que na construção desta análise,

deixamos claro o lapso temporal de análise a que se propôs este artigo.

Os meios tecnológicos digitais representam uma nova etapa do jornalismo, um novo

meio, um novo suporte, mas não uma ruptura na maneira de criar e comunicar os conteúdos

do pensamento. A possibilidade de acesso aos jornais recentes e antigos, bem como a

arquivos primários de informação, modifica o patamar da comunicação cuja característica

passa a ser a acessibilidade aos conhecimentos e aponta para o potencial de informação sobre

sociedade (ARNT, 2002).

É plausível a afirmativa de que esse meio nos trouxe inúmeras vantagens, abriu novas

possibilidades de comunicação. Mas não é coerente que apenas as vontades e o poder do

empresariado prevaleçam fortalecidos pelo interesse público (ou este usado como justificativa

de práticas midiáticas indefinidas do ponto de vista ético). É necessário construir um veículo

democrático e verdadeiro, para exaurir dele toda a possibilidade de deturpação ética que possa

vir acometê-lo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARNT, Heris. Do jornal impresso ao digital: novas funções comunicacionais. XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Anais... Intercom 2002, Salvador. BARBOSA, Suzana. Jornalismo de portal: novo formato e categoria para o jornalismo digital. In: MACHADO, Elias; PALACIOS, Marcos (org). Modelos de jornalismo digital. Salvador: Edições GJOL; Candara, 2003 BARDOEL, Jo.; DEUZE, Mark. Network Journalism: converging competences of old and new media professionals. Disponível em: <http://home.pscw.nl/deuze/pub/9.htm>. Acesso em [20 jun 2009]. CHRISTOFOLETTI, Rogério. Preocupações éticas para o jornalismo online. Estudos em Jornalismo e Mídia. Ano V, n.1, p.199-201, jan/jun. 2008.

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