À esquerda de tordesilhas: uma experiência democrática popular

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO À ESQUERDA DE TORDESILHAS: UMA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA POPULAR DE EDUCAÇÃO NO MUNICÍPIO DE BARRA DO GARÇAS - Mato Grosso. . Marcos Macedo Fernandes Caron Brasília 2010

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  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    ESQUERDA DE TORDESILHAS:

    UMA EXPERINCIA DEMOCRTICA POPULAR DE EDUCAO NO MUNICPIO

    DE BARRA DO GARAS - Mato Grosso.

    .

    Marcos Macedo Fernandes Caron

    Braslia

    2010

  • 2

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    ESQUERDA DE TORDESILHAS:

    UMA EXPERINCIA DEMOCRTICA POPULAR DE EDUCAO NO MUNICPIO

    DE BARRA DO GARAS - Mato Grosso.

    Marcos Macedo Fernandes Caron

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade de Braslia/UnB como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Doutor em Educao, sob a orientao da Professora Doutora Regina Vinhaes Gracindo.

    Braslia, 16 de dezembro de 2010

  • 3

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    TESE DE DOUTORADO

    Marcos Macedo Fernandes Caron

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dra. Regina Vinhaes Gracindo - PPGE/FE/UnB

    (presidente)

    Prof. Dr. Gaudncio Frigotto PPG - PPFH/ UERJ

    Prof. Dr. Sadi Dal Rosso PPGS/SOL/UnB

    Prof. Dr. Erasto Fortes Mendona PPGE/FE/UnB

    Prof. Dr. Manoel Francisco de Vasconcelos Motta - IE/UFMT

    Prof Maria Abadia da Silva (Suplente) PPGE/FE/UnB

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    A fora da experincia histrica nos mostra que uma tese acadmica, por maior que tenha

    sido o esforo pessoal do autor, sempre feita por muitas mos. Impe-se, portanto,

    independente da extenso da lista, cit-las na sua integralidade ao final da luta, para que

    ento possamos repartir, ao menos no campo moral e afetivo, os frutos do trabalho com

    todos os colaboradores do estudo. Nesse sentido, estendo meus agradecimentos:

    - CAPES, pelo apoio dado ao desenvolvimento da pesquisa e s condies necessrias e

    indispensveis ao empreendimento final desta tese.

    - minha esposa Cntia, querida, sempre, pelo amor, pelo apoio e por toda a compreenso.

    Aos meus filhos amados, Bruno e Tamires, por entenderem os momentos de distanciamento

    e ausncia. minha me e meu pai, pela formao moral e de vida. Ao meu irmo Mrio,

    pela convivncia diuturna nos debates polticos em prol da igualdade e da justia, bem como

    pelo meu acolhimento nesta Braslia de todos os brasileiros.

    - A minha cara orientadora, Regina Vinhaes Gracindo, Professora e Educadora de primeira

    linha da Universidade de Braslia, por sua amizade e infinita pacincia nos meus momentos

    de ansiedade e dvidas, bem como nas inestimveis sugestes neste trabalho;

    - Aos membros da banca examinadora - Professores, Gaudncio Frigotto, Erasto Fortes

    Mendona, Maria Abadia da Silva, Sadi Dal Rosso e Manoel Francisco de Vasconcelos

    Motta - por aceitarem o convite de participao.

    - Ao Professor Odorico Ferreira Neto, Kiko, companheiro de jornada acadmica na UFMT

    e vereador pelo PT na cidade de Barra do Garas (2009/12), na paciente disposio de

    fornecer as informaes necessrias e fundamentais ao desenvolvimento do tema, sem as

    quais a elaborao desta tese no seria possvel.

    - Ao companheiro e amigo Zzimo Wellington Chaparral, pela recepo, abertura e

    liberdade de ao minha pesquisa durante sua gesto como Prefeito de Barra do Garas

    (PCdoB, 2005/ 2008)

    - Professora Ftima Resende, pelas informaes prestadas e o desafio de gerir, como

    Secretria de Educao de Barra do Garas (2005-08), um projeto educacional de larga

    incluso social;

    - Ao Bispo Emrito Dom Pedro Casaldliga, lder espiritual catlico e militante da Teologia

    da Libertao de renome internacional, por me receber de alma e braos abertos em sua

    distante, mas aprazvel, So Flix do Araguaia, fornecendo-me valiosas informaes

    complementares sobre a histria de luta das organizaes populares indgenas e no-

    indgenas do Vale do Araguaia mato-grossense.

  • 5

    - Ao Professor Jos Pessoa, um dos fundadores do PCdoB na cidade de Barra do Garas e

    pr-reitor do Centro Universitrio do Araguaia (UFMT), pelo auxlio e presteza nas

    informaes da entrevista.

    - Ao Deputado Federal Carlos Abicalil, Senadora Serys Slhessarenko e ao Deputado

    Estadual e atual Secretrio de Educao do estado, Sguas Moraes, todos do PT de Mato

    Grosso, por me receberem nos seus gabinetes em meio s agendas ocupadas, dada s

    necessidades prementes do movimento social deste vasto estado, vido por novas

    demandas de cidadania e incluso.

    - Aos Secretrios Municipais do governo Chaparral, Jos Roberto Mazon (Fazenda), Jairo

    Marques (Viao e Obras), Snia Cavalari (Sade), bem como aos assessores pedaggicos

    Edson Oliveira e Gecileide Vilela, por todo o auxlio e informaes prestadas.

    - Vereadora de Barra do Garas Antnia Jacob, que, independente das nossas

    divergncias no campo poltico e social do municpio, recebeu-me em seu gabinete com

    dedicao e abertura ao dilogo, contribuindo assim para o enriquecimento das

    investigaes sobre o tema da pesquisa.

    - s Diretoras, Professoras e Professores das Escolas municipais Miguel Sutil, Padre

    Sebastio Teixeira, Moreira Cabral, Laudelino Sousa Santos e da Escola Indgena Xavante

    Ir onpe (do Tatu), pela fundamental e indispensvel presena na pesquisa. Sem elas e

    eles, esta tese no teria razo de ser;

    - Ao jovem Rubens Sella, pelo inestimvel auxlio e sugestes nas tcnicas de informtica e

    diagramao, como tambm a Robson Freire, pelo primoroso trabalho de impresso e

    encadernao final da tese;

    - Ao povo de Mato Grosso e da cidade de Barra do Garas, estado e cidade que aprendi a

    admirar ainda mais ao longo dos oito anos de convvio nesta terra, a qual me abriu

    caminhos para novas oportunidades profissionais e amadurecimento acadmico.

    - Aos amigos que me deram apoio ou a felicidade de compartilhar a amizade.

    A todos vocs, meus sinceros agradecimentos.

  • 6

    [...] Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado, a escovar palavras. Logo a turma perguntou: o

    que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a eles, meio entresonhado, que eu estava

    escovando palavras. Eles acharam que eu no batia bem. Ento eu joguei a escova fora.

    (Manoel de Barros, Poeta Nacional Mato-Grossense: 1916)

    Perdi-me dentro de mim Porque eu era um labirinto,

    E hoje, quando me sinto com saudades de mim

    (Mrio de S Carneiro: 1890 1916)

    Uma coisa pr idias arranjadas. Outra lidar com um pas de carne e sangue,

    de mil e tantas misrias... tanta gente...

    (Joo Guimares Rosa: 1908 1967)

    Afinal, no fcil liderana, que emerge por um gesto de adeso s massas oprimidas, reconhecer-se como

    contradio exatamente de com quem aderiu

    (Paulo Freire: 1921- 1997)

  • 7

    RESUMO

    Esta tese analisa os desafios do projeto educacional democrtico popular num dos aspectos

    mais relevantes da sua tradio histrica: o momento em que se torna, aps a vitria

    eleitoral, o principal mediador das aes polticas de uma administrao municipal de

    esquerda. Tendo como objeto de estudo a gesto do ensino pblico municipal de Barra do

    Garas - a maior cidade da histrica regio do Vale do Araguaia, no Estado de Mato Grosso

    - investigamos os limites e as possibilidades de um projeto educacional progressista na

    tentativa de superar, no embate direto com as foras oligrquicas locais, as prticas e as

    posturas clientelistas mais usuais nos municpios do interior brasileiro. O perodo

    pesquisado concentra-se nos anos de 2005 a 2008, quando a cidade se encontrava, de

    forma indita na histria da regio e do estado, sob administrao do Partido Comunista do

    Brasil, ao qual se aliaram o Partido dos Trabalhadores e alguns extratos das foras

    tradicionais da poltica local. Como base terica de pesquisa, recorremos consulta da

    historiografia regional sob as lentes da filosofia da prxis, ambas mediadas pelas reflexes

    mais pertinentes da pedagogia crtica-progressista nacional e latino-americana. A coleta

    emprica de dados diversificou-se entre acervos originais, publicaes jornalsticas, estudos

    acadmicos e documentos oficiais da prefeitura. Tambm foram entrevistadas, durante o

    referido mandato e na campanha pela reeleio em 2008 (que resultou na derrota da

    esquerda local frente s foras oligrquicas tradicionais da cidade), 48 personalidades entre

    o prefeito, secretrios municipais de governo, representantes da Teologia da Libertao,

    parlamentares dos partidos de esquerda da bancada estadual e federal de Mato Grosso,

    sindicalistas do magistrio local e estadual, educadores indgenas da etnia Xavante e, base

    fundamental da amostragem da tese, profissionais da educao de cinco escolas municipais

    de perfis variados, os quais se constituram como os sujeitos principais nas anlises sobre o

    tema. Nossa hiptese partiu da constatao inicial de que, a despeito do crescimento

    eleitoral da esquerda brasileira nas duas ltimas dcadas, a organizao popular,

    notadamente nas cidades pequenas e mdias, continua frgil no que tange construo de

    um programa poltico calcado na independncia de classe. Nesse sentido, alm da

    necessidade de se estabelecer negociaes polticas especficas para permitir as condies

    de governabilidade dos partidos de esquerda locais, conclumos que o discurso de

    prioridade mxima educao tem-se mostrado insuficiente para desconstruir,

    isoladamente, as posturas eleitorais clientelistas de amplas camadas das populaes destes

    municpios.

    Palavras Chave: Educao e Eleies; Educao Municipal; Educao Progressista; Prioridade

    Educao; Projeto Educacional Democrtico Popular; Tradio Marxista.

  • 8

    ABSTTRACT

    This thesis considers about the popular democratic educational projects in one of most

    relevant aspects of its historical tradition namely: the moment becomes, after his elections

    victory, in main mediator of politics actions of a municipal left-wing administration. As object

    of study the management of municipal public education of Barra do Garas the biggest city

    of the historical Araguaia Valley area in Mato Grosso state - we investigated the limits and

    possibilities of a progressive educational project in an attempt to overcome, in direct

    confrontation with local oligarchic family forces, the practical and clientelistics postures most

    used in Brazilian inland towns. The research period concentrates on the years 2005 to 2008,

    when the city was, unprecedented in the history of the region and state, under the

    administration of the Communist Party of Brazil which allied to Partido dos Trabalhadores

    (Workers Party) and some extracts of traditions forces of local politics. As theoretical basis

    of research, we consult the regional historiography under the lenses of historical and

    dialectical materialism, both mediated by the most relevant considerations in national and

    Latin America critical-progressive pedagogy. Collecting empirical data diversified in original

    documents, news publications, academic studies and official town hall documents. Were also

    interviewed, during that mandate and the re-election campaign in 2008 which resulted in

    the defeat of the local left-wing against the traditional oligarchic family city 48 personalities

    among the mayor, municipal government secretaries, representatives of Liberation Theology,

    state and federal left-wing parliamentary of Mato Grosso, union leaders of local and state

    teachers, indigenous teachers of Xavante ethnicity and, the fundamental basis of sampling

    of the thesis, teachers from five municipal school of different profiles which constituted the

    main spokesmen of the analysis on the topic. The hypothesis came from initial observation

    that - despite growth and electoral victories of the Brazilian left-wing in the last two decades -

    the popular organization noticed that small and midtowns continues fragile in terms of

    building a political programme underpinned by the class independence. Accordingly, beyond

    the need to establish specific political negotiations to permit local left-wing party governance

    conditions, we conclude that the maximum priority to education speech has proved

    insufficient to deconstruct, alone, the clientelist electoral postures of large sections of the

    populations of these municipalities.

    Keywords: Education and Elections; Municipal Public Education; Progressive Education;

    Priority to Education; Popular Democratic Educational Projects; Marxist Tradition.

  • 9

    RSUM

    Cette thse est une rflexion sur les dfis du projet ducationnel dmocratico-populaire dans

    un des aspects les plus notables de sa tradition historique : le moment o il devient ,aprs la

    victoire aux lections, le principal mdiateur des actions politiques dune administration

    municipale de gauche. Pour avoir comme objet dtudes, la gestion de lenseignement

    public municipal de Barra do Garas - la plus grande ville de la rgion historique de la valle

    du fleuve Araguaia dans lEtat de Mato Grosso nous avons enqut sur les limites et les

    possibilits dun projet ducationnel progressiste dans la tentative de vaincre en opposition

    directe avec les forces oligarchiques locales,les pratiques et les postures commerciales les

    plus frquentes rencontres dans les communes de lintrieur du Brsil. La priode de

    rflexion se concentre dans les annes de 2005 2008,quand la ville sest trouve dune

    faon indite pour la rgion et pour lEtat, administre par le parti communiste du Brsil, alli

    au Parti des Travailleurs et quelques forces individuelles locales. Comme base thorique

    de recherche, nous avons recouru une consultation de lhistoriographie rgionale, sous les

    regards du matrialisme historique, tous deux mesurs par les rflexions les plus pertinentes

    de la pdagogie critico-progressiste nationale et latino-amricaine.La collecte empirique

    dinformations sest diversifie entre des archives originales,des publications

    journastiques,des tudes acadmiques et des documents officiels de la Mairie. On a aussi

    interview ,pendant la dure du mandat du maire et la campagne lectorale de 2008 (qui a

    eu pour rsultat la perte du mandat de la gauche locale face aux forces oligarchiques

    traditionnelles de la ville) 48 personnalits dont le Maire, les secrtaires dEtat du

    gouvernement, des reprsentants de la thologie de la Libration, des parlementaires des

    partis de gauche de la chambre des dputs du gouvernement du Mato Grosso, des

    sindicalistes du professorat local et dEtat, des ducateurs indignes de lEthnie Xavante et

    des professionnels de lEducation des cinq coles municipales aux profils varis, lequels se

    sont constitus dans la complmentation principale des analyses sur le thme. Notre

    hypothse est partie de la constatation initiale que,par manque de considration de la

    croissance de llectorat de la gauche brsilienne ces deux dernires dcennies,

    lorganisation populaire, surtout dans les villes petites et moyennes continue fragile en ce qui

    concerme la construction dun projet politique bas sur lindpendance de classe. Dans ce

    sens, en plus de la ncessit dtablir des ngociations pour permettre des conditions de

    gouvernement des partis de gauche locaux, nous avons conclu que le discours de priorit

    maximum lEducation sest montr insuffisant pour dtruire, isolment, les postures

    clientlistes des grandes couches des populations de ces communes.

    Mots cls: Education et lection; Education municipale; Education progressiste; Priorit lEducation;

    Projet Educationnel Dmocratique Populaire; Tradition Marxiste.

  • 10

    LISTA DE ABREVIATURAS:

    ANC Assemblia Nacional Constituinte

    ANPED Associao Nacional de Ps Graduao e Pesquisa Nacional

    ARENA Ao Renovadora Nacional (partido poltico conservador, j extinto)

    CEBs Comunidades Eclesiais de Base

    CF Constituio Federal (Constituio da Repblica Federativa do Brasil)

    CNM Confederao Nacional de Municpios

    CNTE Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao

    CPI Comisso Parlamentar de Inqurito

    CUT Central nica dos Trabalhadores

    DEM Democratas (partido poltico de perfil empresarial/conservador; ex-PFL))

    DRU Desvinculao de Receita da Unio

    EAD Educao Distncia

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    FHC Fernando Henrique Cardoso (Presidente da Repblica pelo PSDB, 1995/2002)

    FUNAI Fundao Nacional do ndio

    FUNASA Fundao Nacional de Sade

    FUNDEB Fundo de Desenvolvimento da Educao Bsica

    FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental

    GDP Governo Democrtico e Popular

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Ansio Teixeira

    LDB Lei de Diretrizes e Bases Nacional

    LULA Luiz Incio Lula da Silva (Presidente da Repblica pelo PT, 2003/2010)

    MEC Ministrio da Educao

    MINC Ministrio da Cultura

    MPE Ministrio Pblico Estadual

    MPU Ministrio Pblico da Unio

    MST Movimento dos Sem-Terra

    PCB Partido Comunista Brasileiro

    PCdoB Partido Comunista do Brasil

    PCI Partido Comunista Italiano

    PCs Partidos Comunistas

    PCUS Partido Comunista da Unio Sovitica

    PDS Partido Democrtico Social

    PDT Partido Democrtico Trabalhista

  • 11

    PF Polcia Federal

    PEDP Projeto Educacional Democrtico Popular

    PFL Partido da Frente Liberal

    PHS Partido Humanista da Solidariedade

    PIB Produto Interno Bruto

    PL Partido Liberal

    PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro

    PMN Partido da Mobilizao Nacional

    PNE Plano Nacional de Educao

    PP Partido Progressista

    PPS Partido Popular socialista

    PR Partido da Repblica

    PSB Partido Socialista Brasileiro

    PCS Partido Social Cristo

    PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

    PSDC Partido Social Democrata Cristo

    PSL Partido Social Liberal

    PSOL Partido do Socialismo e Liberdade

    PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado

    PT Partido dos Trabalhadores

    PTB Partido Trabalhista do Brasil

    PTC Partido Trabalhista Cristo

    PTN Partido Trabalhista Nacional

    PV Partido Verde

    SINTEP/MT Sindicato dos Trabalhos no Ensino Pblico de Mato Grosso

    STN Secretaria do Tesouro Nacional

    SUS Sistema nico de Sade

    TRE Tribunal Regional Eleitoral

    TCE - MT Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso

    TSE Tribunal Superior Eleitoral

    UNE Unio Nacional dos Estudantes

    UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

    UnB Universidade de Braslia

    UP Unidade Popular (Frente de partidos de esquerda no Chile, 1970/73)

  • 12

    ndice de Grficos, Tabelas, Quadros, Mapas e Figuras

    I - NDICE DE GRFICOS

    GRFICO TTULO PGINA

    1 Pesquisa nacional sobre os problemas brasileiros 67 2 Comparativo das despesas com educao, esporte e cultura em

    Barra do Garas MT, 2004/08 70

    3 Pesquisa nacional: PENUD (2009) 72 4 Pesquisa nacional: PENUD (2009) 73 5 Crescimento populacional de Mato Grosso (1940-2010) 118 6 Exportaes de Mato Grosso (U$) 1998-2010) 119 7 Evoluo dos gastos em educao por ente federado 200 8 Repasses Constitucionais FUNDEF/FUNDEB Barra do Garas

    - MT 206

    9 Principais problemas apontados pelas unidades escolares (amostragem) de Barra do Garas no Plano Municipal de Educao em 2007

    213

    10 Diretrizes da Secretaria de Educao de B. do Garas (2006/07) 214 11 Comparativo 2005/2007 do IDEB: anos iniciais do ensino

    fundamental nas cidades plo do Estado de MT 218

    12 Total de matrculas na rede pblica municipal de Barra do Garas/MT (2004 a 2008)

    222

    13 Quantidade de alunos matriculados na rede municipal de ensino de Barra do Garas/MT Creche, Ed. Infantil, Ensino Fundamental sries iniciais e finais .

    224

    14 Total de matrcula em todas as dependncias no municpio de Barra do Garas (2004 a 2008)

    225

    15 Despesa realizada em educao: comparao da mdia do governo Chaparral com o ano de 2004

    229

    16 Despesa realizada (educao + esporte + cultura), 2004/08. Barra do Garas

    230

    17 Despesa realizada em educao proporcional receita oramentria (%) 2004/08. Barra do Garas - MT

    231

    18 Despesa realizada em educao + esporte + cultura proporcional ao gasto oramentrio: 2004/08, B. do Garas (%)

    231

    19 Consumo de material em esporte: 2004/08. B. do Garas. 232 20 Consumo de material em cultura: 2004/08. Barra do Garas 232 21 Consumo de material em educao: 2004/08, B.do Garas 233 22 Despesas / obras em educao: 2004-08, Barra do Garas 234 23 Comparativo entre receitas oramentrias: 2004/08, B. do

    Garas 239

    24 Relao entre as receitas oramentrias e despesa com pessoal: 2004/08, Barra do Garas - MT

    242

    25 Despesa com pessoal em educao (incluindo FUNDEF e FUNDEB) e com recursos prprios: 2004/08, Barra do Garas

    244

    26 Despesa com pessoal em relao ao oramento total: 2004/08, Barra do Garas - MT

    245

    27 Influncia dos professores na vitria eleitoral das esquerdas 255 28 Repercusso poltica/partidria das eleies 2004 258 29 Repercusso poltica/partidria das eleies 2004 por escola 259 30 Reflexo da gesto na perspectiva dos princpios do Projeto

    Democrtico popular pelos professores 263

    31 Comparao da gesto do governo Chaparral com as gestes anteriores

    265

  • 13

    32 e 33 Compreenso e postura da populao em relao ao projeto educacional do governo Chaparral

    266/269

    34 Compreenso e postura dos professores municipais em relao ao projeto pedaggico do governo Chaparral

    270

    35 Comparao da gesto da Secretaria de Educao (2005/2008) com as gestes anteriores

    271

    36 e 37 Gesto democrtica: reflexo dos professores da amostragem 372/274 38 e 39 Resultado eleitoral de Barra do Garas em 2008. Amostragem

    da votao por perfil residencial (aproximado) 287

    II - NDICE DE TABELAS

    TABELA TTULO PGINA 1 Amostragem do resultado da reeleio para prefeito

    (2000/2004) nas pequenas e mdias cidades brasileiras 68

    2 Resultado das eleies municipais para Prefeito Barra do Garas -- MT, 2004

    138

    3 Resultado das eleies municipais para Vereadores - Barra do Garas MT, - 2004

    139

    4 Voto em legenda nas eleies municipais de Barra do Garas - MT

    141

    5 Voto em legenda nas eleies municipais de Barra do Garas (2004) por perfil programtico

    143

    6 Repasses Constitucionais FUNDEF/FUNDEB Barra do Garas MT

    205

    7 Transferncias da Unio/ Emendas Constitucionais/ Educao: Barra do Garas: 2004-2009

    207

    8 Comparativo 2005/2007 do IDEB. Cidades Plos mato-grossenses e Barra do Garas: MT

    217

    9 Comparativo 2005/2007 do IDEB: Barra do Garas/Brasil 218 10 Comparativo dos anos iniciais e finais do IDEB 2005 /2007

    Cidades Plos do MT e Barra do Garas 218

    11 Comparativo do IDEB 2005/2007: Escolas da amostragem. Anos Iniciais. Barra do Garas

    219

    12 Comparativo do IDEB 2005/2007: Escolas da amostragem. Anos Finais. Barra do Garas

    220

    13 Comparativo entre o programa de campanha eleitoral da Coligao Barra de Todos, Barra Melhor (2004) e os resultados obtidos em 2008

    221

    14 Proporo de docentes pblicos municipais por habitante nas Cidades Plos do MT

    238

    15 Reajustes Salariais dos Professores Municipais de Barra do Garas: 2005/2008

    243

    16 Escolas da amostragem: diferenciao poltica por residir numa cidade governada pelo PCdoB

    260

    17 Resultado Eleitoral p/ Prefeito, 2008: Barra do Garas 286

    III - NDICE DE QUADROS QUADRO TTULO PGINA

    1 Campos de ao e sujeitos pesquisados 44 2 Delineamento das entrevistas realizadas 45 3 Detalhamento do campo do objeto de tese 46 4 Delineamento das entrevistas do campo interno do objeto 47 5 Caracterizao bsica das escolas pesquisadas 48 6 Pesquisa na Imprensa de Barra do Garas:2006/2008 164 7 Avaliao do Governo Chaparral, 2007/08. 172

  • 14

    8 Formao histrica bsica do Projeto Democrtico Popular e derivaes atuais: 1)Programa Revolucionrio, 2) Frente de Esquerda; 3) Programa Negociado; 4) Programa Democrtico Popular negociado em condies de fragilidade

    178

    9 Quadro Funcional da Educao Municipal de Barra do Garas (2008)

    236

    10 Nmero de entrevistados por escolas da amostragem 250 11 Comparativo das aspiraes do eleitorado majoritrio com

    as do projeto educacional democrtico popular 295

    IV - NDICE DE MAPAS

    MAPA TTULO PGINA 1 A Grande Barra: 1950/1970 111 2 Municpios emancipados de Barra do Garas: 1970/1990 112 3 Barra do Garas: entroncamento rodovirio da BR 158 e 070 113 4 Projetos particulares de colonizao em Mato Grosso: 1970:

    1990 116

    5 Planta do Municpio de Barra do Garas: 2000 121 6 Zona rural e urbana de Barra do Garas 122 7 Mato Grosso diviso municipal no ano de 1980 202 8 Mato Grosso diviso municipal no ano de 2000 203 9 Cidades Plos de Mato Grosso 204 10 Localizao geogrfica da temtica da tese: Brasil / Mato

    Grosso 316

    V - NDICE DE FIGURAS

    FIGURA TTULO PGINA 1 Quadros e pinturas clssicas dos rios e sertes mato-

    grossenses 83

    2 Apresentao do Plano de Governo: Candidatura Chaparral - 2004

    132

    3 Plano de Governo: Candidatura Chaparral -2004 133 4 Programa de educao da candidatura Chaparral: 2004 181

  • SUMRIO PG

    APRESENTAO: Sombras nas luzes: interrupo de um projeto educacional democrtico popular.

    18

    INTRODUO: Referenciais tericos, metodolgicos e organizacionais do estudo: a experincia da gesto democrtico popular no campo de estudo como base para novas reflexes das polticas educacionais do campo da esquerda progressista.

    25

    PARTE I: O discurso educacional democrtico popular: atualizando problemas e conceitos.

    51

    CAPTULO I: O discurso educacional progressista como suporte ideolgico de prtica poltica e transformao social: elementos histricos e atuais para uma nova reflexo crtica.

    51

    1.1- Das barricadas sala de aula: resgate das lutas educacionais pelo campo democrtico popular.

    52

    1.2- Antecedentes histricos da educao transformadora: dos iderios ticos liberais transformao social da esquerda democrtica.

    55

    1.3 - Dos cus terra: a esquerda educacional progressista nos anos de 1990. 59

    1.4 - Todos pela educao ?: convergncias e dissimulaes no sculo XXI. 62

    1.5 - A Educao como Prioridade Mxima Social: faltou perguntar ao povo? contradies entre o sonho educacional da esquerda e a vontade popular.

    65

    1.6 Do todo unidade: o caso de Barra do Garas como possibilidade de contribuio ao debate da temtica educacional.

    76

    PARTE II: Espaos dinmicos; elites conservadoras: contexto histrico, cultural geogrfico e poltico do tema.

    CAPTULO II: - Utopia s margens do rio: tradio e mudana nos domnios das oligarquias familiares no Vale do Araguaia.

    82

    2.1 - 2004: os ventos sopram esquerda no leste do Mato Grosso. 84

    2.2 Oligarquias autctones: a tradio coronelista em Barra do Garas. 89

    2.3 - Intelectualidade garimpeira: imaginrio e consentimento social na cultura histrica de Barra do Garas.

    93

    2.4 - Semeadores da igualdade: recapitulando as primeiras lutas dos movimentos sociais de esquerda na regio do Vale do Araguaia mato-grossense. (1970-1990).

    105

    2.5 Elites que no circulam: mudanas no espao e conservadorismo na poltica local (1950/2004)

    109

    CAPTULO III: Brechas e oportunidades: a alternativa democrtica popular no ambiente oligrquico barra-garcense e a vitria eleitoral das esquerdas nas eleies municipais de 2004.

    124

  • 16

    3.1 Alianas na campanha eleitoral: oportunismo ou oportunidade histrica? 125

    3.2 Oligarquias cambiantes, mas no comando. 135

    3.3 - Chegada ao poder ou ocupao alternativa da ordem? Reexaminando os resultados eleitorais de 2004.

    137

    3.4 A posse: abertura e transparncia X clientelismo paternalista. 143

    CAPTULO IV: Chuva de canivetes: a oposio ao governo democrtico popular da cidade de Barra do Garas e as contradies da esquerda enquanto Governo. (2005/2008).

    148

    4.1 Direita, volver !: a velha oligarquia se rearticula. 149

    4.2 - Heranas malditas e pacincia burocrtica: contradies da esquerda enquanto governo.

    150

    4.3 Alapes do passado: armadilhas administrativas herdadas pelo governo Chaparral.

    157

    4.4 Trincheira Conservadora: a oposio da Cmara dos Vereadores Prefeitura Popular.

    160

    4.5 Mdia Feroz: ataque dos meios de comunicao ao governo popular. 164

    4.6 Fogo Amigo: divises no campo da esquerda. 167

    4.6.1 O velho drama: sindicatos de esquerda x governos populares. 167

    4.6.2 A foice sem o martelo: crise interna do Partido Comunista do Brasil de Barra do Garas. (2006/2008).

    169

    4.7 - Um modelo democrtico popular especfico, em condies determinadas. 176

    PARTE III - Sonhos alm dos limites?: experincia educacional das esquerdas progressistas; vitria democrtica e derrota eleitoral.

    181

    CAPTULO V: A Escola Pblica como estratgia central de construo do governo democrtico popular: riqueza terica, limites na prtica.

    182

    5.1 : De cidade plo a Plo Educacional: perspectivas tericas, polticas e programticas das esquerdas barra-garcenses na construo de um projeto educacional transformador.

    183

    5.2 - Programa petista com tempero comunista? 187

    5.3 - Escola de quadros: o SINTEP-MT na formao da esquerda mato-grossense. 194

    5.4 Alm do neoliberalismo?: breve recorte da municipalizao da educao brasileira no contexto especfico do campo de estudo

    197

    5.5 Pensar a escola no Cho da escola: projetos pedaggicos do governo popular (2005/2008)

    207

  • 17

    CAPTULO VI: Intramuros pedaggico: governo das escolas ou governo da cidade?

    227

    6.1 - Anlise emprico-comparativa da administrao democrtica popular. 228

    6.2 Olhares internos: experincia democrtica popular na viso dos professores. 247

    6.3 Realizadores X Educadores: quando o asfalto supera a escola. 277

    CONSIDERAES FINAIS: Contradies da esquerda popular democrtica: repensando o discurso educacional progressista como estratgia de mobilizao social.

    289

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 304

    NDICE ONOMSTICO 316

    APNDICE:

    1- Informaes geogrficas da temtica da tese (dados e mapa)

    317

    2- Paisagens da pesquisa: fotos de personagens, escolas, aldeias indgenas e bairros da cidade de Barra do Garas

    319

  • 18

    APRESENTAO

    Sombras nas luzes: interrupo de um projeto educacional democrtico popular.

    A educao libertadora continua sendo uma meta por alcanar, no obstante as muitas e ricas experincias levadas a cabo durante as duas ltimas dcadas. possvel que os resultados no correspondam aos esforos realizados e aos recursos empenhados, no por culpa dos grupos de educadores comprometidos, mas porque vivemos em um mundo de injustias onde os sistemas de ensino, mais que libertar os explorados, colaboram com a estrutura dominante. (GUTIRREZ, 1988: 109) Para as geraes atuais e ainda para as prximas, prioritrio o estudo crtico das tentativas e das derrotas da esquerda. Nenhuma complacncia se admite na revelao e anlise das responsabilidades de correntes polticas e de lideranas individuais, se no quisermos o triste privilgio da infindvel repetio dos erros. (GORENDER, 1990) Soou o terceiro sinal. A platia inquieta se aquieta e silencia. A luz se apaga. (Abre a cortina). O espetculo se inicia. O corifeu irrompe e comea a contar a histria de uma regio e de um povo o povo mato-grossense (Alcides Moura Lott: O teatro em Mato Grosso, 1987;17)

    Na manh do dia 1 de janeiro de 2009, ltimo dia dos trabalhos de campo da

    presente tese, durante a posse do (ento) novo prefeito do municpio mato-grossense de

    Barra do Garas um ex-prefeito ligado s oligarquias familiares locais que acabara de

    derrotar a breve experincia do mandato do PCdoB nos ltimos 4 anos pensvamos sobre

    a enorme distncia que separa o iderio socialista das prticas polticas dos pequenos e

    mdios municpios do centro-oeste brasileiro.

    Presente solitariamente1 na Cmara Municipal da cidade, em meio a um pblico que

    v e pensa o mundo de forma conservadora, independente da classe social qual pertena,

    observvamos a forma como chegava ao fim o estudo de campo que empreendramos nos

    18 meses anteriores. Ao presenciar velhas oligarquias festejando com jbilo sua vitria no

    pleito municipal, aps uma campanha impregnada pelo fisiologismo clssico e encabeada

    por um candidato processado por enriquecimento ilcito, apropriao indbita de bens

    pblicos quando prefeito (1997/2004), malversao na privatizao de empresa municipal e

    1 Exceto pela companhia de Kiko (Odorico Ferreira Cardoso Neto), tomando posse como vereador eleito pelo Partidos dos

    Trabalhadores, de sua companheira (Deise David Oliveira), e da Secretria de Educao do municpio ao longo dos quatro

    anos do governo democrtico popular, Professora Ftima Resende. Em razo do nvel acirrado da campanha, bem como da

    oposio implacvel dos partidrios do novo prefeito gesto anterior, decidiu-se, por parte da esquerda - para evitar maiores

    constrangimentos e atritos - que no haveria troca de faixas entre o ex-prefeito (Zzimo Wellington Chaparral, do Partido

    Comunista do Brasil) e o que tomava posse (Wanderlei Farias, do Partido da Repblica, PR). Isso, naturalmente, levou

    ausncia praticamente completa da equipe do ex-prefeito e da militncia da esquerda local no evento.

  • 19

    irregularidades na formao da chapa, ficava claro que a organizao poltica e a

    mobilizao popular no Brasil ainda correm sobre bases muito frgeis.

    Contudo, estvamos ali como cientistas, e tal afirmao consiste em apenas mais

    uma hiptese, dentre tantas outras, que procura explicar a complexidade do universo

    poltico brasileiro. Afinal, tratava-se de um tema na contramo dos acontecimentos do

    Brasil e da Amrica Latina nesta primeira dcada do sculo XXI. Enquanto naquele

    momento os partidos de esquerda assumiam a conquista de quase 600 prefeituras dentre os

    5564 municpios brasileiros2 e no Mato Grosso eles saltavam de 7 para 18 municpios em

    relao ao quadrinio 2004/2008 - o ato de posse em Barra do Garas simbolizava a

    interrupo brusca, talvez at traumtica, de um projeto popular no qual a gesto do sistema

    pblico de ensino tinha sido, entre uma srie de demandas sociais, o cerne de todas as

    aes do jovem e inexperiente governo de esquerda que esteve a frente da prefeitura.

    Vivencivamos, portanto, o primeiro momento concreto desta tese. At ento, nossos

    estudos ocupavam-se mais em registrar a movimentao dos fatos, em especial a

    campanha pela reeleio do governo popular, levada cabo por uma ampla coligao de

    diferentes partidos entre os meses de julho a outubro de 2008. Nunca, em funo da

    natureza e dos objetivos da pesquisa, nos vimos to dependentes do resultado de um

    processo eleitoral, pois somente a partir dele que poderamos desenvolver o texto na sua

    plenitude.

    Assim, refeita as malas e a viagem de volta para casa (Cuiab), inicivamos a partir

    dali o novo ciclo de reflexes que culminaria no desenvolvimento final desta tese.

    Voltvamo-nos, ento, para a ao vital de decifrar a montanha de dados que coletamos

    no tempo em que permanecemos na cidade, os quais iriam se somar aos estudos tericos j

    levantados na poca da qualificao do projeto da tese, defendido em maio de 2008. Diante

    de ns, muitas cpias de documentos da prefeitura, panfletos polticos, dezenas de

    exemplares dos jornais locais, anotaes feitas em cartrios, pesquisas nos acervos

    histricos da cidade e, principalmente, quase cem horas de gravao de entrevistas com

    dirigentes polticos, professores da rede pblica municipal, debates e atos pblicos,

    inauguraes de obras, horrio eleitoral e discursos em comcios ao longo da campanha de

    2008.

    Adicionamos a este material a produo de um documentrio pessoal de duas

    horas de filmagens e entrevistas com o nosso Emrito - e para sempre querido - Bispo Dom

    2 Para fins da nossa pesquisa, foram considerados como tais o Partido dos Trabalhadores e Partido Comunista do Brasil . Nas

    eleies municipais de 2008, ambos obtiveram respectivamente 559 e 40 prefeituras. Portanto, em relao a 2004, o primeiro

    cresceu 38% (de 411 para 559), ao passo que o segundo foi de mais de 300% (de 10 para 40, o maior crescimento percentual

    de todos os partidos). No caso do Mato Grosso, o aumento do nmero de municpios governados pela esquerda em 2008 foi

    exclusivamente do PT (de 7 para 18, ou seja, 157% a mais do que em 2004). Com a derrota eleitoral em Barra do Garas, o

    PCdoB perdeu a nica prefeitura que tinha no estado.

  • 20

    Pedro Casaldliga, feitas de forma intercalada ao longo de trs dias na sua residncia em

    So Flix do Araguaia, em outubro de 2008. Foram conversas de fundamental importncia

    na construo de uma viso mais completa do municpio de Barra do Garas, bem como

    das lutas populares na regio Leste mato-grossense. Alm disso, graas s pesquisas nos

    arquivos da prelazia local, elas tambm nos permitiram uma recapitulao histrica mais

    aproximada do papel da esquerda catlica na formao do projeto democrtico popular

    brasileiro e latino-americano. Mais informaes sobre o tema obtivemos nos gabinetes do

    Congresso Nacional em Braslia, com a Senadora Serys Slhessarenko e o Deputado

    Federal Carlos Abicalil, ambos do PT de Mato Grosso, como tambm com o atual

    (2007/2010) Secretrio de Educao do referido estado, Sguas Moraes, Deputado

    Estadual pelo mesmo partido.

    No esforo de dar sentido a esse vasto material, nossa ambio maior era extrair, a

    partir do estudo de caso local, algumas reflexes originais no campo nacional da esquerda

    popular. Buscvamos, naquela derrota eleitoral, explicaes tericas para as seguidas

    vitrias da esquerda brasileira nos ltimos dez anos, como tambm entender, no sentido

    inverso, aquela derrota a partir dessas vitrias. Afinal, embora com 54.000 habitantes, a

    cidade de Barra do Garas fornecia-nos, graas ao seu histrico poltico, social e geogrfico,

    uma excelente amostragem do universo produtivo e cultural das cidades mdias do interior

    brasileiro, particularmente da Regio Centro Oeste. No mais, o projeto educacional levado a

    cabo pela prefeitura democrtica popular era de porte e horizontes grandiosos, uma vez que

    almejava transformar o sistema municipal de ensino, no curto espao dos quatro anos de

    gesto, num modelo inovador de incluso social pela educao pblica:

    [...] o sistema escolar dever ser um dos elementos-chave na estrutura social de Barra do Garas. Para tanto, todo o sistema operacional da Educao Pblica do municpio deve se colocar a servio do povo, com projetos desenvolvidos pelas escolas, tendo a perspiccia de que no se pode falar em mudana profunda no sistema de ensino sem um projeto social e um projeto de escola (Documento Oficial do Relatrio de Gesto 2005. Secretaria de Educao de Barra do Garas. Relatrio dos 365 dias de governo).

    Como no podia deixar de ser, descobrimos muitos fatos interessantes ao longo

    desta pesquisa. As contradies de uma administrao popular no interior de uma regio

    ainda marcada pelo mandonismo tradicional so impressionantes, o que nos fez recordar,

    ora pelo distanciamento, ora pela proximidade exagerada, as estruturas um tanto

    esquecidas da bgerliche gesellschaft - a sociedade burguesa, na clssica definio de

    Marx dada sociedade civil. Muitas das formas de alianas e articulaes polticas nestes

    municpios, necessrias e fundamentais para se garantir a governabilidade local, eram e

    continuam sendo novidades para ns. A fragmentao do programa da esquerda no mbito

    das cidades pequenas e mdias levada ao extremo, e as relaes de clientelismo e

  • 21

    afetividade que se sobrepe ao jogo do poder so, por mais que se evite, parte integrante

    da gesto pblica municipal (DA MATTA, 1997: 65-104)3.

    Porm, a maior contradio verificada deu-se no campo inicialmente menos

    esperado, ou seja, o campo da educao municipal pblica. Foi a partir da derrota dos

    partidos de esquerda na eleio de Barra do Garas que passamos a perceber, com muito

    mais propriedade, as dificuldades do iderio educacional transformador em se consolidar

    como referencial importante nas preferncias eleitorais. Essa foi a descoberta central que

    nos fez refletir sobre a nossa prpria histria de vida como educadores do campo

    progressista, bem como a razo maior de querermos buscar outras possibilidades de

    renovao deste discurso, descritas aqui ao final desta tese.

    Por outro lado, a pesquisa no observou s empecilhos, mas tambm registrou

    possibilidades. O mandonismo das oligarquias locais familiares permanece forte em Barra

    do Garas, mas a base social que o sustenta encontra-se dividida e sua influncia eleitoral

    diminuiu em relao s eleies do passado. Setores dela, ainda que de forma tbia,

    incipiente e contraditria, comearam a assumir posturas polticas diferenciadas no sentido

    de mais respeito democracia e ao trato adequado com a coisa pblica. Alm disso, ao lado

    da forte incluso social das polticas municipais de educao nas comunidades indgenas da

    regio, parte significativa da populao e do funcionalismo pblico municipal, notadamente

    os profissionais da educao, experimentou uma nova maneira de administrar sua cidade,

    ou seja, de forma mais transparente, solidria e democrtica. Mais do que nos grandes

    centros urbanos, vimos de perto o quanto podem ser efetivas as polticas pblicas

    municipais calcadas na promoo da cidadania e na valorizao dos sistemas de ensino

    locais.

    Contudo, passado um ano e seis meses das ltimas eleies municipais, algumas

    dvidas ainda pairam sobre as nossas reflexes. Vrias indagaes sobre a potencialidade

    transformadora da educao pblica continuam a rondar nossos pensamentos, como

    tambm a forma pela qual a esquerda democrtica pode vir a renov-las. Reconhecemos,

    portanto, as limitaes da investigao inicialmente traada. Mesmo com todo esforo

    empreendido, temos a certeza de que ela revela apenas uma pequena parte do complexo

    problema levantado. A relao dos processos eleitorais com a educao ainda consiste

    numa questo relativamente nova, a qual precisa ser investigada por um leque muito mais

    amplo de pesquisas. Em razo do carter dinmico e extremamente mvel da sociedade

    3 Referimo-nos, pois, ao que Roberto Da Matta chama de Universo Relacional, considerado pelo autor o elemento

    estruturante da sociedade brasileira. Assim, o que o mais lhe impressiona no Brasil essa capacidade de relacionar numa

    corrente comum no s pessoas, partidos e grupos, mas tambm tradies sociais e polticas diferentes. Desse modo, ao

    contrrio das naes de formao anglo-sax, nas quais a comunidade seria homognea, igualitria, individualista e

    exclusiva, no Brasil ela seria heterognea, desigual, relacional e inclusiva. Num caso, o que conta o cidado; noutro, o que

    vale a relao (DA MATTA, 1997: 77-78)

  • 22

    brasileira, nenhuma afirmao sobre o problema se sustenta sem observaes empricas e

    exaustivamente selecionadas, bem como o registro das percepes subjetivas dos

    principais atores envolvidos no processo, ou seja, eleitos e eleitores4.

    No poderamos deixar de mencionar, de forma antecipada, os trs personagens que

    consideramos fundamentais nos acontecimento narrados nesta tese: Odorico Cardoso Neto,

    o Kiko; a professora Ftima Resende, secretria municipal de educao ao longo de todo o

    mandato; e Zzimo Wellington Chaparral, prefeito do primeiro mandato popular na cidade

    de Barra do Garas. Considero-os como tpicos e verdadeiros quadros do que melhor se

    produziu na esquerda brasileira no perodo ps-redemocratizao. So, como a maior parte

    da populao do estado de Mato Grosso, imigrantes que l chegaram em busca de uma

    vida melhor. A diferena que no a buscavam somente para si, mas para todos aqueles

    que vivem do suor e do sacrifcio do trabalho.

    O primeiro deles, professor Kiko, nascido em Assai, nos planaltos temperados do

    oeste paranaense, migrou para o escaldante Vale do Araguaia em meados dos anos de

    1980. Trabalhador disciplinado e infatigvel, de formao catlica libertria e reunindo todas

    as qualidades do militante socialmente engajado - pensamento intelectual aliado prxis

    transformadora5 - atuou como chefe de gabinete num importante perodo de reestruturao

    administrativa e poltica da prefeitura, ou seja, na segunda metade do mandato popular.

    Teve o mrito do seu trabalho reconhecido pelos diversos segmentos sociais da cidade,

    tanto nas urnas como nas ruas (como pudemos constatar), o que lhe permitiu conquistar seu

    primeiro mandato como vereador pelo Partido dos Trabalhadores nas eleies municipais de

    2008.

    A professora Ftima Resende uma obstinada lutadora em prol da melhoria da

    educao mato-grossense e brasileira. Migrante paulista, chegou mocinha s margens do

    Araguaia h 34 anos. Exerceu as profisses mais simples at galgar, por mrito e esforo

    prprios, condio de professora e vereadora pelo PT por dois mandatos na Cmara

    Municipal da cidade (1997/2000 e 2001/2004). Com profundas convices libertrias no

    4 A diferena, as distines clssicas entre urbano e rural est esmaecendo. H coisas por a para as quais nem temos o

    conceito para lidar com elas. Precisamos pesquisar para tentar entender. Os fenmenos no tm continuidade absoluta com o

    que havia antes (Gilberto Velho, em entrevista Carta Capital, ano XVIII, n 429, 22/11/2006)

    5 Kiko publicou o livro Dissensos no consenso (2004, Ed, UFMT), resultado da sua pesquisa de mestrado no Instituto de

    Educao da UFMT, sob orientao da professora Artemis Torres. Nele, o autor retrata a importncia fundamental do Sindicato

    dos Trabalhadores em Educao de Mato Grosso (SINTEP-MT) na luta pela implementao da gesto democrtica no sistema

    educacional pblico do estado, entre as dcadas de 1980 e 90. Alm disso, a obra tambm permite compreender a ascenso

    poltica do deputado Carlos Abicalil (PT), presidente da referida entidade naquele perodo e que acabou por se tornar o

    deputado federal com a maior votao nas eleies de 2006. Depois de anos de docncia na rede estadual mato-grossense,

    Kiko doutorou-se em 2007 pela UFG, tornando em 2008, mediante concurso pblico, professor universitrio da UFMT no

    campus de Barra do Garas. Assim, com larga experincia na militncia educacional e nos crculos de esquerda da regio,

    Kiko foi sem dvida o nosso principal interlocutor na elaborao e desenvolvimento desta tese, seja no fornecimento de dados

    empricos e histricos, seja no compartilhamento das minhas angstias pessoais de pesquisa.

  • 23

    campo pedaggico, comandou a secretaria de educao com a intrepidez de um almirante

    em alto mar: firme nas decises necessrias, mas calorosa e preocupada com a vida e a

    integridade da tripulao. Zelou pela sua pasta com o mesmo cuidado e paixo que os

    velhos marinheiros dedicam s suas embarcaes, mrito este reconhecido tanto pelos

    defensores como os mais ferrenhos adversrios com quem conversamos.

    J o prefeito Zzimo Wellington, nomeado carinhosamente pela populao de

    Chaparral nome poltico que adotou, desde meados dos anos 80, na militncia estudantil

    local e na vereana que exerceu por dois mandatos pelo PCdoB, entre 1993 e 2000 - uma

    daquelas pessoas que se destacam pela a habilidade discursiva e o carisma pessoal,

    qualidades estas, a exemplo de Ftima, igualmente admitida pelos prprios adversrios.

    Porm, se os dois personagens anteriores se notabilizam na militncia social pela seriedade

    um tanto religiosa nas suas feies e modos de agir (afinal, de l que vieram), este

    comunista simboliza a essncia do humor bem humorado que marca a prosa e o jeito

    brasileiro de levar a vida. Migrante das populaes mestias das regies quilombolas de

    Calvalcante (GO) e banhado na cultura poltica do Distrito Federal (onde foi criado por toda

    a infncia e adolescncia na cidade satlite de Planaltina), Chaparral poderia ser

    comparado, nos modos e no temperamento poltico, a um JK de esquerda, tal a seduo

    que imprime nas conversas de cunho poltico ou mesmo nas brincadeiras corriqueiras do

    dia-a-dia. Perdeu a eleio em parte pelos seus erros, decerto, mas tambm em parte pelos

    seus mritos, uma vez que no arredou p de priorizar a rea social em detrimento das

    obras pblicas mais visveis. Saiu da prefeitura com problemas administrativos e jurdicos

    que ainda merecem ser tecnicamente investigados (h muito revanchismo poltico nas

    acusaes), embora comprovadamente, at o momento, sem nenhum benefcio pessoal

    relacionado negociao fraudulenta.

    Todos os trs personagens constituem-se atualmente como os quadros mais

    importantes da esquerda barra-garcense, e sacrificaram seus tempos pessoais e

    profissionais para atender aos anseios desta pesquisa. Deixaram, medida de suas

    possibilidades, portas e arquivos abertos s nossas investigaes, a despeito das crticas -

    por vezes severas - que imprimamos administrao popular que ousaram dirigir.

    Por fim, cremos que, aps 216 meses de viagens constantes ao universo scio-

    territorial do municpio de Barra do Garas - corao e capital do histrico Vale do

    Araguaia mato-grossense -, encontramos de certa forma o que buscvamos. O leitor ver

    neste estudo um esforo de sntese dos problemas prticos e virtudes tericas da tradio

    6 Nossas pesquisas de campo comearam em julho de 2007, estendendo-se ininterruptamente (exceto para a defesa de

    qualificao de projeto, em maio de 2008) at 1 de janeiro de 2009. Porm, em funo de algumas necessidades

    complementares da pesquisa, tivemos que exercer duas viagens pontuais cidade entre janeiro e julho de 2009, quando

    ento encerramos, definitivamente, as pesquisas de campo.

  • 24

    da esquerda de matriz popular e democrtica, na qual as figuras de Marx, Gramsci e Paulo

    Freire ocupam o posicionamento central. Que as lies da obra desses autores, aliadas

    profunda diversidade cultural e tnica do povo brasileiro, continuem a servir como

    instrumentos dinmicos para os estudos das novas lutas de transformao social nos

    municpios brasileiros.

  • 25

    INTRODUO

    O incio da exposio e o incio da investigao so coisas diferentes. O incio da investigao casual e arbitrrio, ao passo que o incio da exposio necessrio. (KOSIK, 1962: 31). Numa discusso, desconfiar do ecletismo sem contorno, sem rigor, sem fora. (LEFEBVRE, 1991: 179)

    1 Foco do objeto: categorias de anlise e questionamentos centrais do estudo.

    Trs foram os campos de investigao que compuseram a estrutura prtica e terica

    desta tese. O primeiro, de corte essencialmente poltico, voltou-se aos atuais desafios do

    campo democrtico popular no contexto nacional e municipal das administraes de

    esquerda, priorizando o momento em que estas se expandem para as cidades de porte

    pequeno e mdio no interior do pas. O segundo campo concentrou-se em examinar a

    institucionalizao deste projeto histrico, notadamente no tocante gesto prtica de sua

    teoria educacional, ou seja, na presente etapa de transformao do iderio pedaggico

    progressista em poltica pblica oficial de Estado. J o terceiro dirigiu-se ao foco especfico

    da tese, procurando investigar, com base nos dois campos anteriores, a experincia poltica

    do mandato popular em Barra do Garas (2005/2008), examinando as contradies

    enfrentadas pelo projeto educacional da prefeitura na tentativa de consolidar-se como

    instrumento de transformao social local.

    Como se percebe, nosso esforo consistiu em incorporar os trs campos citados

    num corpo nico de pesquisa, no qual duas indagaes deram impulso aos estudos iniciais.

    A primeira delas, apresentado na defesa de qualificao do projeto de tese (maio de 2008),

    voltava-se aos aspectos gerais de um mandato popular no interior mato-grossense, embora

    j direcionasse, ainda que de forma um tanto abstrata - como bem o apontaram trs

    membros da banca -, o foco da pesquisa para o campo educacional:

    - Quais as contradies entre um programa educacional universalista, pautado na

    organizao e na tradio de luta das massas populares (nas quais se incluem, entre

    as principais bandeiras, as reivindicaes por uma educao pblica universal e de

    qualidade), e os desafios impostos pela administrao cotidiana de polticas pblicas

    educacionais no mbito de um municpio mdio mato-grossense?.

    Porm, em que pese a abrangncia da questo levantada, a prtica de campo nos

    levaria a reconhecer as limitaes desta primeira indagao no desenvolvimento da

    temtica da tese. Contradies, no sentido dialtico do termo, so sempre infinitas na ao

    prtica de qualquer projeto de transformao social, e registr-las por si mesmas no

    ofereceria novas possibilidades de investigao acadmica. Era preciso, portanto, no s

  • 26

    identific-las, como tambm dot-las de sentido, ou seja, inclu-las no movimento das

    tendncias reais do processo de desenvolvimento da sociedade (LUKCS, 2003: 80-84)7.

    Obviamente que, num estudo de caso de foco local, no nos seria possvel a

    determinao da globalidade deste movimento. A demonstrao exigida s seria vivel por

    meio de recortes tericos nos campos de investigao citados, concentrando-se

    primordialmente no contexto histrico e na trajetria poltica do fato pesquisado. Portanto,

    tendo a abertura democrtica e a promulgao da Constituio de 1988 como os marcos

    iniciais de investigao, partimos do reconhecimento de que, apesar da crise do iderio

    socialista e da ofensiva neoliberal desencadeada ao longo das dcadas de 1980 e 908,

    vivenciamos no Brasil um novo perodo de atuao das foras polticas relacionadas ao

    campo educacional democrtico popular, caracterizado pelos seguintes aspectos centrais:

    A crescente institucionalizao da esquerda democrtica nas trs esferas de poder

    do Estado, reforada pela sua expanso no mbito municipal e pela vitria do

    Partido dos Trabalhadores nas eleies presidenciais de 2002 e 2006.

    O acmulo de experincia administrativa municipal, estadual e federal dos quadros

    polticos da esquerda.

    A maior possibilidade de intercmbio sobre os problemas cotidianos destas

    administraes, diminuindo assim a presso do isolamento que tanto se abateu

    sobre as experincias pioneiras das duas dcadas passadas.

    O maior conhecimento (ou, num outro ngulo de observao, a maior

    popularidade) das teorias educacionais progressistas por parte dos trabalhadores

    em educao, particularmente das interpretaes derivadas da obra de Paulo Freire.

    7 Referimo-nos aqui conhecida crtica marxista sobre a impossibilidade metodolgica das sries causais do materialismo

    vulgar, bem como das relaes funcionais das aes recprocas de Mach, expostas por LUKCS na polmica e ontolgica

    obra de 1922, Histria e Conscincia de Classe. Nela, Georg Lukcs rebate no s as assertivas peremptrias e eternas da

    ideologia burguesa a qual se recusa a admitir seu carter transitrio e histrico como classe dominante e como detentora dos

    modos de produo - como tambm volta sua crtica aos mtodos de investigao que almejavam explicar as causalidades

    histricas desta sociedade pela simples naturalizao das suas contradies sociais, ou seja, em demonstr-las de forma

    isolada da totalidade do desenvolvimento scio/histrico e produtivo da ordem capitalista.

    8 No projeto de qualificao de tese, partamos da seguinte assertiva de BLACKBURN ( 1993:107), com a qual at o presente

    concordamos: Ao iniciar-se a ltima dcada do sculo XX, o comunismo "marxista-leninista" sofre um desmoronamento to

    amplo que elimina a possibilidade de esse sistema constituir uma alternativa para o capitalismo, e chega a comprometer a

    prpria idia de socialismo. A derrocada do stalinismo arrastou consigo a reforma do comunismo e em nada beneficiou o

    trotskismo, a social-democracia ou qualquer outra corrente socialista. Porm, complementando a questo, concordvamos

    tambm (e continuamos a concordar) com a continuidade desta anlise pelo mesmo autor: Contudo, talvez possvel um

    novo comeo, a partir de um socialismo disposto a enfrentar a histria e empenhar-se numa crtica mais acurada do projeto

    socialista. Ainda existem movimentos anticapitalistas expressivos, alguns deles influenciados pela tradio comunista. Mas

    falta-lhes um programa capaz de nos levar a superar o capitalismo (BLACKBURN, 1993:107; grifo nosso)

  • 27

    A elevao do nmero de profissionais da educao bsica com formao superior,

    bem como maior acesso, ainda que precrio, aos cursos de formao, atualizao e

    capacitao profissional.

    A expanso das potencialidades de convivncia democrtica, em funo da

    ampliao das eleies diretas para diretores de escola e dos conselhos escolares.

    A possibilidade de maior experincia dos conselheiros escolares e dos rgos

    oficiais em lidar com as instncias de participao da sociedade civil, alm do

    avano e aperfeioamento da legislao educacional em todas as esferas do poder

    do estado.

    Assim, a despeito das crticas que vem a presente institucionalizao da esquerda

    democrtica como uma regresso do potencial de transformao das foras progressistas,

    nosso foco de pesquisa concentrou-se exatamente na relevncia deste processo no

    desenvolvimento poltico das esquerdas brasileiras9, o que nos levou a examinar com maior

    afinco os processos eleitorais que estruturaram esse novo cenrio, denominados por NEGRI

    (2009) como o Movimento dos Movimentos:

    [...] O movimento dos movimentos nasce essencialmente como reao crise dos anos setenta e oitenta (sculo XX), uma crise muito profunda na extrema esquerda. o momento em que no movimento dos movimentos se registra uma nova situao do ponto de vista econmico, do ponto de vista poltico e do ponto de vista geral do seu programa e de sua capacidade de ao. [...] O movimento dos movimentos nasce, justamente, sobre uma base que tem um carter histrico de novidade terica. Portanto, trata-se de interpretar a nova figura que a democracia assume, a nova figura do capitalismo e a nova figura do poder; isto , os limites da democracia, os limites do desenvolvimento do capitalismo e os limites da definio do poder moderno.[...] (Antnio Negri,no Encarte CLACSO, Cadernos da Amrica Latina IX, L Monde diplomatique, n 20, maro de 2009)

    Dessa forma, medida que os trabalhos de campo avanavam, surgiu a

    necessidade de investigarmos a repercusso das polticas educacionais em estudo sobre as

    9 Contrapomo-nos, portanto, a um conjunto de anlises crticas que avalia o atual perodo do governo Lula como um refluxo

    dos movimentos sociais e das organizaes de esquerda, avaliao esta com presena expressiva em determinados ncleos

    da intelectualidade acadmica e do movimento social. Publicadas com relativa frequncia nas revistas e peridicos de

    esquerda e em semanrios culturais, elas so explicitadas nas afirmaes recentes de Chico de Oliveira (O governo Lula

    uma regresso poltica: entrevista a revista CULT, n 146, maio de 2010, pginas 12-18); na viso de Carlos Nelson Coutinho

    (vivenciamos um momento de refluxo;eu acho que a chegada de Lula ao governo foi muito nociva para a esquerda; Revista

    Caros Amigos, n153, dezembro de 2009, p. 32-35); nas colunas de Jos Arbex Jr. e Gilberto Felisberto Vasconcelos (o qual

    afirma que o modelo econmico do regime militar no mudou em nada com a democracia, idem, n 148, agosto de 2009); no

    comentrio do Coordenador Nacional de Consulta Popular do MST, Ricardo Gebrim, para quem a frustrao com o governo

    Lula obriga agora a esquerda a se repensar (idem, n136, julho de 2008); na definio de Roberto Schwarz de que tanto Lula

    como Fernando Henrique Cardoso so governos de atualizao capitalista, que tem p e cabea, ao contrrio dos anteriores,

    que no tinham direo (Jornal Folha de So Paulo, 28/11/09, Ilustrada :E4); na entrevista de Virgnia Fontes, que anuncia

    que atingimos topo das mobilizaes(Caros Amigos, n 150, setembro de 2009).

  • 28

    preferncias eleitorais da populao barra-garcense. Obviamente que no tratava de

    preocupaes de ordem eleitoreira, nem de possveis adaptaes dos princpios bsicos

    da educao progressista s exigncias implacveis do marketing eleitoral. Trata-se, sim,

    de buscar respostas frente a uma problemtica real, que desafia no s a academia como o

    prprio avano qualitativo da educao pblica brasileira.

    Se a consolidao da educao transformadora depende, por princpio, da vontade e

    da soberania popular e se as eleies peridicas representam, apesar dos vcios e

    imperfeies, a expresso mxima desta soberania tnhamos que inclu-las como um dos

    vrtices estruturais da nossa pesquisa. Da mesma forma, se a perspectiva do mandato

    popular de Barra do Garas era democratizar as relaes polticas, pedaggicas e

    administrativas da escola no sentido de transform-la em instrumento de profundas

    mudanas sociais10, o resultado da eleio municipal de 2008 tornar-se-ia, em tese, numa

    prova importante do grau de amadurecimento da conscincia poltica das camadas

    populares da cidade, especialmente em relao s tradicionais prticas de mandonismo das

    oligarquias locais. Alm disso, os elevados gastos da prefeitura popular com a educao

    pblica ao longo dos quatro anos de mandato eram o nico instrumento poltico da esquerda

    local para se contrapor, com alguma possibilidade de vitria, s promessas de retorno ao

    crescimento e de investimentos em obras feitas pelos adversrios conservadores.

    Como era de se esperar, a derrota eleitoral da esquerda barra-garcense nas eleies

    de 2008, em praticamente todas as urnas da cidade, exigiu de ns respostas

    complementares aos propsitos originais do estudo. O modo como ela se deu, aliado a

    outras trs pesquisas publicadas sobre o assunto nos ltimos anos na imprensa e nos

    crculos acadmicos (demonstradas no captulo 1), foi de fundamental importncia para que

    refletssemos sobre muitos aspectos do discurso educacional da esquerda democrtica

    brasileira. A partir daquele revs especfico, passamos a perceber, com muito mais

    propriedade, o quanto o governo popular tinha subestimado o poder de mando das

    oligarquias familiares da cidade, bem como o controle poltico e discursivo que elas

    detinham sobre amplas camadas daquela populao.

    A pouca percepo deste fato, entre finais de 2007 e incio de 2008, deu-se em

    razo da prpria etapa na qual se encontravam as investigaes. Como no ramos da

    cidade, nossas incurses iniciais de pesquisa concentravam-se no ambiente das escolas

    municipais e nos crculos militantes da esquerda local. Porm, ao expandirmos nossas

    observaes para alm daquele espao de convivncia, um outro questionamento comeou

    a se sobrepor indagao original de pesquisa, sobre o qual se desenvolveram os demais

    assuntos envolvidos na tese:

    10 Como constava no seu programa de governo poca das eleies municipais de 2004.

  • 29

    Qual a perspectiva do projeto educacional democrtico popular na construo de

    uma nova base social que, concorrendo s eleies, possa superar, por meio da

    elevao da conscincia poltica das classes populares, o poder oligrquico e as

    prticas clientelistas mais arraigadas nos mdios e pequenos municpios

    brasileiros?

    2- Referenciais tericos/metodolgicos:

    Apesar das variveis que se sobrepuseram aos fatos pesquisados, o resultado das

    eleies em pauta no foi um acontecimento totalmente inesperado para ns. Como j

    dissemos, no foi o desfecho das urnas que nos surpreendeu, mas o processo poltico que

    levou quele resultado. Afinal, a derrota da esquerda se encontrava no rol das

    possibilidades dinmicas com as quais teramos que nos deparar no desenvolvimento do

    estudo. Assim, apesar das correes de rota impostas pelas urnas, incluindo-se a a

    necessidade de se ampliar a abrangncia da hiptese de investigao (como veremos

    adiante), o resultado eleitoral de 2008 permitiu a manuteno de parte importante do

    contedo original do projeto de qualificao de tese. Tanto o universo dos entrevistados

    como as questes a eles lanadas mantiveram-se coerentes e atualizadas frente nova

    situao. Em alguns casos, o que antes parecia relativamente suprfluo como objeto de

    anlise tornou-se necessrio diante do novo quadro (como a pesquisa de campo na prelazia

    de So Felix do Araguaia e a respectiva entrevista com Dom Pedro Casaldliga). Alm

    disso, especificamos apenas um dentre os 5.564 municpios brasileiros, o que obviamente

    no nos autoriza a empreender definies absolutas ou generalizadas sobre a temtica

    estudada.

    Portanto, no que tange ao marco terico, distinguimos derrota eleitoral de derrota

    de projeto, uma vez que, embora correlatas, ambas representam categorias

    qualitativamente diferenciadas na perspectiva de transformao social. Nesse sentido, a

    proposta metodolgica deste trabalho no consistiu num julgamento poltico ou numa

    avaliao tcnica do governo popular em estudo. Isto cabe, legitimamente, populao do

    municpio de Barra do Garas. A ns coube a investigao acadmica sobre as

    consequncias polticas/educacionais que derivam do fato pesquisado. Por conseguinte,

    distanciamo-nos dos conceitos de avaliao assentados unicamente na perspectiva

    positivista de produto, isto , como uma objetivao artificialmente mensurvel e

    atemporal. Em consonncia com os debates das correntes progressistas da educao,

    procuramos analisar o projeto pedaggico da prefeitura sob a tica do processo

    participativo, no qual os parmetros de eficcia, eficincia e efetividade tomam novos

    significados para se adequarem s aspiraes das vertentes educacionais em questo

  • 30

    (BONAMINNO, 2003: 190-219 e 2004: 71; BELLONNI, 2003: 43-79 e 81; SOBRINHO, 2005:

    67).

    Em sntese, evitamos um balano meramente comparativo entre as propostas

    educacionais da campanha eleitoral de 2004 e o "resultado final" ao trmino do mandato. Ao

    invs de um debate exclusivamente setorizado esforamo-nos em compreender as aes da

    Secretaria de Educao com base na concepo scio-histrica dos novos paradigmas da

    administrao educacional11,12, ou seja, inserindo-as no conjunto da plataforma poltica

    global da prefeitura e, simultaneamente, contextualizando-as na histria contempornea da

    cidade de Barra do Garas e na trajetria das esquerdas locais no desenvolvimento dos

    seus projetos:

    As relaes sociais de produo e troca so muito mais importantes do que qualquer coisa que possa ocorrer na escola: so historicamente prvias e seu tratamento prioritrio na hora da anlise. Uma vez dentro da escola, as relaes sociais da educao devem ser sublinhadas e priorizadas frente transmisso ou ao discurso ideolgico, quer dizer, frente ao contedo do

    currculo (ENGUITA, 1993: 232)

    Para tanto, recorremos interconexo da historiografia local com a tradio terica

    da esquerda brasileira e mundial, ambas mediadas pelas reflexes mais pertinentes da

    pedagogia crtica-progressista nacional e latino-americana. Sob este prisma, orientamo-nos

    pelas referncias centrais do materialismo histrico-dialtico, ao qual agregamos o legado

    de Paulo Freire como suporte de anlise do referido programa e da postura poltica dos seus

    dirigentes na conduo da prefeitura:

    Complementamos a metodologia de trabalho utilizando-nos de algumas estratgias

    da pesquisa etnogrfica (CHIZOTTI, 2006), principalmente no processo de aproximao,

    dilogo e convivncia com os dirigentes entrevistados, como tambm com os educadores

    pblicos nas escolas investigadas (demonstradas adiante na exposio das estratgias de

    campo):

    A adoo crescente da etnografia em diferentes disciplinas cientficas como a sociologia, a educao e a psicologia, e a sua utilizao em diferentes reas de pesquisa como a planificao, a avaliao de polticas sociais, direitos humanos, organizao empresarial, estudos culturais, estudos feministas, enfermagem etc. tm assumido o pressuposto fundamental da etnografia, ou seja: a interao direta com a pessoa na sua vida cotidiana pode auxiliar a compreender melhor suas concepes, prticas, motivaes,

    11 Isto , no sentido de se evitar compreender a escola ou o sistema de ensino como espaos distintos, independentes e

    isolados, mas, ao contrrio, tom-los como partes de uma mesma realidade dialtica. (MENDONA, 2000:14).

    12 SANDER (2007: 432 e 433), expe a consolidao desta perspectiva terica no cenrio educacional brasileiro.

    Reexaminando os estudos sobre poltica e gesto da educao no Brasil, o autor afirma que, do exame dos primeiros

    nmeros da Revista Brasileira de Administrao da Educao, Pereira e Andrade (2005: 1403-1404; 2007,137-151) concluem

    que pelo menos cinco artigos podem ser mencionados como responsveis pelo deslocamento de toda discusso terica para

    o mbito scio-histrico, seguramente de inspirao marxista (SANDER, 1983; ARROYO, 1983; WITTMANN, 1983;

    FRIGOTTO, 1984; CURY, 1985). O autor ainda conclui que a abordagem scio-histrica da administrao escolar pode ser

    interpretada como o processo democrtico de gesto escolar em oposio administrao burocrtica. (idem, 433).

  • 31

    comportamentos e procedimentos, bem como os significados que atribuem a essas prticas. A inscrio em um texto compreensivo pode assumir modos, estilos e linguagem consentneos com os objetivos da etnografia e com o pblico a quem se destina (CHIZZOTTI, 2006: 65).

    A ampliao do foco do objeto deu-se em razo da necessidade de responder

    complexidade da investigao proposta. Dada forte influncia das correntes marxistas no

    desenvolvimento histrico do projeto educacional democrtico popular, trouxemos ao debate

    da tese algumas reflexes atualizadas sobre determinadas categorias daquela tradio,

    quais sejam: conscincia poltica, conscincia de classe, luta de classes e emancipao

    social. Assim, em consonncia com a crtica de SANTOS (2005) sobre o esvaziamento

    terico de muitas anlises voltadas ao acompanhamento de microproblemas13 - hbito

    comum em tempos ps-marxistas e de profunda fragmentao terica no campo da

    cincia social - preocupamo-nos em desenvolver a singularidade do tema sem nos

    prendermos aos excessos de particularismos, o que poderia sobrecarregar em demasia a

    matria sob investigao.

    Todavia, a despeito da nossa proximidade poltica/ideolgica com o tema em estudo

    no sentido gramsciano de parte interessada na questo, como nos recorda MXIMO

    (2000:71) - preocupamo-nos, sempre, com a veracidade das aes pesquisadas, uma vez

    que a luta pela qualidade da educao bsica no patrimnio exclusivo do projeto

    democrtico popular. Afinal, em ltima instncia, lidvamos com um governo no exerccio do

    poder na esfera municipal do Estado, sujeito s presses do cotidiano administrativo e aos

    inmeros interesses individuais de ordem burocrtica ou corporativa. Em funo disto,

    recorremos tambm, ao lado dos referenciais citados, reflexo metodolgica da dvida

    radical (BOURDIEU, 1995), cuja essncia consiste em precaver-se da fora ideolgica e

    persuasiva dos discursos oficiais de estado.

    Embora se tratasse de uma pequena frao do poder estatal direcionada pelo

    referencial democrtico popular, a experincia histrica revela que sempre h algo oculto

    nas normas e diretrizes governamentais, mesmo quando orientadas por princpios

    emancipatrios. Desse modo, em muitos momentos foi preciso estabelecer o distanciamento

    necessrio diante da "seduo exercida pelas representaes do Estado" (idem, 1996: 95),

    a qual faz da "burocracia um grupo dotado de intuio e vontade de interesse universal":

    no domnio da produo simblica que particularmente se faz sentir a influncia do Estado: as administraes pblicas e seus representantes so grandes produtores de "problemas sociais" que a cincia social apenas ratifica, retomando-os por sua conta como problemas sociolgicos (para

    13 As anlises so, de um modo geral, desligadas da realidade social como um todo, contentando-se freqentemente com o

    exame parcelado de microproblemas e com um enfoque onde a sociedade em movimento est ausente. Um imenso coro de

    literatura pde assim ser escrito e difundido sem, entretanto, contribuir para o conhecimento da realidade (SANTOS, 2005:

    55).

  • 32

    prov-lo, bastaria avaliar a proporo, varivel, sem dvida, de um pas para outro e conforme a poca, das pesquisas que tratam dos problemas do Estado, apresentada de maneira mais ou menos cientfica). (BOURDIEU, 1996:95)

    Em razo deste alerta, somaram-se s nossas investigaes a seleo de alguns

    importantes dados emprico-quantitativos referentes prefeitura durante o mandato popular

    (2005/2008), bem como o acompanhamento dos resultados das avaliaes do governo

    federal sobre o sistema de ensino do municpio. Os primeiros voltaram-se aos ndices de

    matrcula, ao volume de investimentos prprios e as despesas com pessoal e material de

    consumo, todos com foco na Secretaria da Educao. Os segundos concentraram-se na

    observao dos dados do IDEB registrados nos anos de 2005 e 2007, ou seja,

    correspondentes ao incio e ao tero final do mandato popular em Barra do Garas.

    Promovemos tambm, em carter complementar, uma comparao sinttica entre os quatro

    anos da gesto do PCdoB e o ltimo ano da administrao que a antecedeu (Wanderlei

    Farias, do PFL, de 1997 a 2001, e no PSDB de 2001 a 2004), centralizada na oferta de

    matrculas e nas despesas oramentrias na educao do municpio.

    Como era de se esperar, foram nestas comparaes que as dvidas radicais se

    manifestaram com maior nfase, uma vez que o aumento dos investimentos e a expanso

    das matriculas constituram-se no mote principal da prefeitura popular na campanha pela

    reeleio de 2008. Assim, como se ver no captulo 5, se o primeiro revelou-se francamente

    verdadeiro, o mesmo no ocorreu com a segunda, visto que, exceto nas sries iniciais do

    ensino fundamental, a referida expanso no apareceu nos ndices oficiais informados ao

    Ministrio da Educao. Ao contrrio dos discursos de palanque e das falas dos

    entrevistados, houve, segundo os dados do INEP e do IBGE, uma diminuio no nmero

    geral de matrculas ao longo dos quatro anos de administrao dos partidos de esquerda em

    Barra do Garas, tema este que nunca foi suficientemente explicado nas conversas que

    mantivemos com os dirigentes em questo, seja por questes de tempo, seja por opes de

    interpretaes, tais como a contagem (ou no) dos projetos pedaggicos complementares

    considerados como novos acessos - e a incorporao das matrculas efetivadas nas

    creches conveniadas prefeitura.

    Enfim, a exposio em curso permite constatar que a metodologia de trabalho seguiu

    uma linha bastante especfica de anlise prtica e terica, na qual as singularidades do

    tema determinaram as estratgias de abordagem e aproximao. Nesta perspectiva, a

    postura autnoma das nossas aes foi primordial na coleta e interpretao dos dados

    evidenciados pela tese, o que naturalmente a enquadrou nas premissas bsicas da

    pesquisa qualitativa:

    As pesquisas qualitativas no tm um padro nico porque admitem que a realidade fluente e contraditria, e os processos de investigao

  • 33

    dependem tambm do pesquisador sua concepo, seus valores, seus objetivos. Para este, a epistemologia significa os fundamentos do conhecimento que do sustentao investigao de um problema.

    (CHIZOTTI, 2006: 26).

    3 - Hipteses de investigao.

    Os sonhos e planejamentos so fundamentais. Mas a realidade sempre supera nossas expectativas e controle. (Lcio Costa, autor do projeto do Plano-Piloto de Braslia).

    1 etapa de aproximao com a temtica da tese: A conscincia de classe como

    conscincia histrica:

    Inicialmente, resgatamos em nosso estudo a importncia da conscincia

    revolucionria na formao poltica dos quadros dirigentes dos partidos de esquerda.

    Porm, ao invs de foc-la sob a tica da ruptura com o capital ou no nvel de

    compreenso do proletariado de sua prpria posio no interior do processo de produo

    capitalista, conforme a concepo original marxiana concentramo-nos na perspectiva da

    responsabilidade histrica como elemento inerente quela forma de conscincia. Sob este

    prisma, partimos da hiptese de que a consolidao de uma administrao democrtica

    popular depende, em grande medida, da percepo desta responsabilidade por parte dos

    seus quadros dirigentes, seja no exerccio do cargo que ocupam, seja na postura poltica em

    relao ao trato com a populao:

    [...] resgatamos em nosso estudo o histrico debate sobre a conscincia revolucionria na formao dos quadros das organizaes de esquerda. No campo da tese, ela consiste na percepo da responsabilidade histrica de seus dirigentes no comando de diferentes instncias da esfera estatal, seja ela municipal, estadual ou federal. Isso implica que cada dirigente de esquerda tenha a compreenso de que, mesmo quando o contexto scio/histrico no permite a ruptura com o capital nos marcos do projeto socialista, sua administrao o resultado de uma longa tradio de lutas, sonhos e expectativas de libertao de importantes setores das massas populares, seja por meio de reformas paulatinas, da radicalizao revolucionria ou de rupturas institucionais democrticas de massa (Projeto de Qualificao de Tese, maio de 2008: 105)

    Desse modo, planejamento e execuo, sem hierarquias tradicionais (dirigentes

    tambm executam, quadro mdios tambm dirigem), deveriam voltar-se prioritariamente aos

    movimentos sociais e comunitrios no sentido de atend-los nas suas aspiraes mais

    orgnicas. Haveria, decerto, espao para o debate das reivindicaes da classe mdia

    tradicional e da elite empresarial, porm no mais de forma hegemnica, e sim

    subordinadas aos desejos da maioria da populao. Portanto, sem a profunda reflexo dos

    dirigentes da esquerda sobre a misso histrica dos seus mandatos o que ento

  • 34

    denominamos de conscincia revolucionria sem revoluo - a possibilidade de derrota de

    uma prefeitura popular torna-se real.

    Em suma, qualquer mandato que se pretende popular e almeja ultrapassar os limites puramente institucionais do sistema deve primar, a despeito dos eventuais erros de percurso, pelo esforo de construir um governo no qual a populao sinta-se de fato co-participante e co-autora dos projetos administrativos dos rgos executivos. Portanto, nossa hiptese a de que, sem a efetiva conscincia revolucionria das lideranas maiores do processo - bem como a intensa preparao tanto tica como poltica dos quadros mdios que atuam em cargos de confiana da administrao - o mandato de um programa democrtico popular, no sentido dos debates empreendidos at aqui, fracassa - o que diferenciamos de derrota eleitoral

    (Projeto de Qualificao de Tese de Doutoramento, pgina 106).

    2 etapa de aproximao com o objeto de estudo: ampliando o ngulo de

    observao.

    Em princpio, no retiramos nenhuma das afirmaes anteriores. Atribuir

    conscincia social dos quadros da esquerda a responsabilidade pela manuteno de um

    governo popular , em grande medida, coerente com a tradio histrica do movimento

    operrio e socialista. Boa parte do que dissemos - exceto, talvez, o conceito de conscincia

    revolucionria sem revoluo -, j de vasto conhecimento das lideranas intelectuais

    progressistas, especialmente das foras polticas identificadas com o campo democrtico

    popular. Paulo Freire, logo aps sua breve experincia como secretrio de educao da

    prefeitura de So Paulo (na gesto de Luza Erundina, PT, 1989/92), apontava a

    transparncia e a seriedade tica no trato administrativo como o cerne estrutural de

    qualquer governo de perspectiva terica socialista:

    Tudo deve se visvel. Tudo deve ser explicado. O carter pedaggico do ato de governar, sua misso formadora, exemplar, que demanda por isso mesmo dos governantes seriedade irrecusvel. No h governo que persista verdadeiro, legitimado, digno de f, se seu discurso no confirmado por sua prtica, se apadrinha e favorece amigos, se duro apenas com os oposicionistas e suave e ameno com os correligionrios. Se cede uma, duas, trs vezes a presses pouco tica de poderosos e amigos j no se detm. Da em diante, ento, os escndalos se sucedem, e a conivncia com eles termina por anestesiar os seus agentes e por gerar um clima tpico da democratizao da sem-vergonhice. (FREIRE,

    1992; 174) 14.

    Porm, tal como nos referimos na exposio do foco do objeto, a dinmica dos fatos

    acabaria por demandar a ampliao da hiptese inicial de pesquisa. Ao acompanhar mais

    diretamente os embates reais da poltica regional e local, percebemos que a temtica da

    14 Outros exemplos de Paulo Freire podem ser citados como complemento descrio apresentada: Se as massas associam

    sua emerso, a sua presena no processo, sobre sua realidade, ento sua "ameaa" se concretiza na revoluo. Chame-se

    a este pensar certo de "conscincia revolucionria" ou de "conscincia de classe", indispensvel revoluo, que no se faz

    sem ele. (FREIRE, 1993: 146)

  • 35

    tese no seria trabalhada de forma adequada tendo por base somente a conscincia de

    classe dos quadros dirigentes em estudo. Afinal, no atual cenrio institucional brasileiro,

    no se governa uma cidade moderna do interior (alis, nenhuma cidade atualmente do pas)

    atendo-se unicamente ao dilogo direto entre o ncleo dos quadros dirigentes e as

    massas populares. Como j se provou no curso da histria, h que se estabelecer

    mediaes e alianas com os oponentes de classe em diversos momentos de uma gesto

    popular, questo esta, alis, muito bem compreendida pelos principais quadros polticos

    entrevistados. Veja-se, por exemplo, o contedo crtico da Mensagem ao Dia do Professor,

    feita por um dos principais dirigentes da esquerda barra-garcense j mencionado

    anteriormente, o professor Odorico Ferreira Cardoso Neto (Professor Kiko), chefe de

    gabinete da prefeitura popular nos anos de 2007 e 2008 e atual vereador pelo Partido dos

    Trabalhadores em Barra do Garas:

    O dilogo no surdo: escuta o silncio e fala, diverge, debate, critica, negocia, delibera, estabelece consensos, contra-argumenta, expe dvidas e confirma certezas. parceiro da novidade, do pensamento inslito, da criao do novo a partir do conhecimento e da crtica do velho (Mensagem do Professor Kiko ao dia do Professor, em 15/10/2008)

    Como se v, no que compete experincia em movimentos sociais e a capacidade

    de formulao poltica, logo perceberamos, no avanar das entrevistas, que no faltavam

    quadros em funes de relevo da equipe municipal de governo, embora tal carncia fosse

    real nos cargos intermedirios e tenha permanecido, segundo os depoimentos dos prprios

    dirigentes entrevistados, at o fim do mandato popular.

    Diante disso, to importante quanto formao poltica das direes maiores do

    processo estava a investigao das articulaes internas e externas das foras em disputa,

    uma vez que estas influenciavam diretamente no comportamento poltico/eleitoral das

    camadas populares. Sem esta compreenso, corramos o risco de estabelecer, ainda mais

    no interior de uma unidade federativa marcada pela heterogeneidade cultural e econmica

    de sua populao, um estudo restrito tica educacional pura, ou, melhor dizendo, de

    restringir-se aos limites do purismo programtico, pedaggico e ideolgico reivindicado por

    alguns setores auto-intitulados esquerda do (ou contra o) campo educacional

    democrtico popular. Tal viso, centrada em mtodos sectrios de observao e sujeita

    arroubos de ordem puramente maniquesta, de pouco serviria no entendimento das novas

    contradies em curso. Nossas pesquisas seriam limitadas se continussemos fazendo o

    uso de antigas lentes que s vem duas posies quanto questo educacional do pas: de

    um lado, a elite perversa que h 500 anos no valoriza a educao pblica, cercada de

    um povo pobre, ingnuo, despolitizado e ainda incapaz de compreender o real valor da

    escola pblica como instrumento de transformao social. Do outro, os educadores

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    intrpidos, que, de bandeira em punho, seguem para o sacrifcio mesmo que

    incompreendidos ou com poucos votos nas eleies atuais.

    Embora esta perspectiva conte ainda com muitos adeptos na intelectualidade de

    esquerda e na militncia educacional progressista - bem como tenha dado, inegavelmente,

    contribuies fundamentais para o avano da educao pblica brasileira no campo

    acadmico e poltico15-, seu dogmatismo a leva retomar, provavelmente sem o saber (ou se

    sabe, ignora), concepo pr-dialtica do materialismo vulgar ps-hegeliano, to bem

    exposta por Marx na sua clssica crtica ao idealismo de Feuerbach em A Ideologia

    Alem, de 1845:

    A doutrina materialista que pretende que os homens sejam produtos das circunstncias e da educao, e que, conseqentemente, homens transformados sejam produtos de outras circunstncias e de uma educao modificada, esquece que so precisamente os homens que transformam as circunstncias e que o prprio educador pr