a escola produtora da exclusão e as perspectivas dos alunos do

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL À EDUCAÇÃO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS A ESCOLA PRODUTORA DA EXCLUSÃO E AS PERSPECTIVAS DOS ALUNOS DO PROEJA INSTITUTO FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – CAMPUS BENTO GONÇALVES Jussára Biscoli De Pizzol Orientador: Prof. Vilmar Alves Pereira Bento Gonçalves 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSION AL À

EDUCAÇÃO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

A ESCOLA PRODUTORA DA EXCLUSÃO E AS PERSPECTIVAS DOS ALUNOS DO PROEJA INSTITUTO FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – CAMPUS BENTO

GONÇALVES

Jussára Biscoli De Pizzol Orientador: Prof. Vilmar Alves Pereira

Bento Gonçalves

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA ___________________________________________________________________________ D363-e Del Pizzol, Jussara Biscoli

A escola produtora da exclusão e as perspectivas dos alunos do PROEJA Instituto Federal do Rio Grande do Sul – Campus Bento Gonçalves / Jussara Biscoli Del Pizzol ; orientador Vilmar Alves Pereira . – Bento Gonçalves, 2009.

24 f. Trabalho de conclusão (Especialização) – Universidade Federal do Rio Grande do

Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Curso de Especialização em Educação Profissional integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, 2009, Porto Alegre, BR-RS.

1. Educação. 2. Educação profissional. 3. Programa Nacional de Integração da

Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 4. PROEJA. 5. PROEJA – Escola – Exclusão – Inclusão. 6. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Bento Gonçalves – PROEJA. I. Pereira, Vilmar Alves. II. Título

CDU 374.7

_____________________________________________________________________________ CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. (Jaqueline Trombin – Bibliotecária responsável - CRB10/979)

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A ESCOLA PRODUTORA DA EXCLUSÃO E AS PERSPECTIVAS DOS ALUNOS DO PROEJA INSTITUTO FEDERAL

DO RIO GRANDE DO SUL – CAMPUS BENTO GONÇALVES

Jussára Biscoli De Pizzol1 Vilmar Alves Pereira2

Resumo: Este artigo tem por finalidade denunciar o processo de exclusão da escola através da história e como os agentes do processo são vítimas de uma política excludente, massificadora, dualista; as consequências da exclusão em suas vidas e, a esperança de um futuro melhor através do PROEJA . Sendo assim, estaremos desenvolvendo o estudo em três momentos. No primeiro, estaremos desenvolvendo a revisão bibliográfica. No segundo, apresentaremos uma pesquisa de campo, realizada com os alunos do IFRS-Campus Bento Gonçalves. Finalmente, apresentaremos sugestões para atenuar a exclusão, através de intervenção pedagógica.

Palavras-chave: exclusão, escola, inclusão, PROEJA

Sommario: Questo articolo ha per scopo denuncia il processo dell'esclusione della scuola con storia e come gli agenti del processo sono le vittime di una politica di esclusione, massificadora, dualista; i consequenze dell'esclusione nelle relative vite e, la speranza di un futuro migliore con il PROEJA. Essendo così, svilupperemo lo studio a tre momenti. In quello primo, svilupperemo la revisione bibliografica. In come, presenteremo una ricerca del campo, portata a termine con le pupille di IFRS-Campus Bento Gonçalves. Per concludere, presenteremo i suggerimenti per attenuare l'esclusione, con intervento pedagogico.

Parole-chiave: esclusione, scuola, inclusione, PROEJA

Introdução

A educação no Brasil não foi pensada para todos, embora todos tenham o direito a ela.

Historicamente percebe-se que o ensino sempre foi elitizado, sobrando aos mais carentes

uma educação falha, sem qualidade, que não prima pela individualidade, e que acima de tudo,

não prepara para os altos setores da sociedade, mas para: a domesticação, a obediência e a

servilidade; além de gerar um grande número de fracasso escolar, evasão, enfim , exclusão.

1 Aluna do curso de Especialização Em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos. 2 Orientador da Pesquisa. Doutor em Educação pela UFRGS. Atualmente atua na Universidade Federal do Pampa na área de Fundamentos da Educação

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O excluído da escola é um excluído dos seus direitos essenciais, da sua cidadania,

incapaz de perceber que é uma vítima de um sistema de dominação que o faz servil, que o

subestima e que o reduz a condição de objeto de manobras.

Pretende-se com esse estudo analisar a escola como produtora da exclusão,

reprodutora do sistema; investigando as suas causas históricas e as consequências provocadas

na vida dos seus egressos.

Nesse trabalho levantaremos as seguintes hipóteses: acreditamos que a exclusão no

ensino regular deve-se a uma metodologia de ensino que não contempla os saberes dos

alunos; que ao modelo econômico atual não é interessante que haja cidadãos autônomos,

conhecedores de direitos e deveres , portanto, faz com que as pessoas comecem a trabalhar

cada vez mais cedo; que ao começar a trabalhar cedo o aluno releva a segundo plano os

estudos, fracassando e evadindo da escola; que ao retornar à escola, anos depois, na

modalidade PROEJA, o sujeito consegue resgatar a sua cidadania e elevar a autoestima.

Esta análise será apresentada em três momentos: no primeiro, este trabalho terá um

enfoque teórico em que serão consultados vários autores e educadores que estudam sobre o

assunto como, Perrenoud, Freire, Becker, Dubet, Saviani, Gentili, Teixeira, Aranha, e outros.

Após, a pesquisa será voltada para um estudo de campo realizado com vários estudantes de

níveis diferenciados do PROEJA no IFRS-Campus Bento Gonçalves. Por fim, vamos

apresentar ideias ou sugestões metodológicas de avaliações mais humanizantes e menos

excludentes.

1 A exclusão Escolar

1.1 Definição de Exclusão

Neste capítulo tentaremos definir o que é exclusão em seus vários aspectos, mais

especificamente exclusão escolar, sob a ótica de alguns autores.

Segundo o dicionário de língua portuguesa Aurélio (1986), excluir é pôr à margem;

afastar; eliminar; omitir; ser incompatível com; isentar-se; privar-se; pôr-se fora.

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Freire (1980) refere-se aos excluídos como marginalizados, numa relação de

dependência: “Se a marginalidade não é uma opção, o homem marginalizado tem sido

excluído do sistema social e é mantido fora dele, quer dizer, é um objeto de violência”.

(FREIRE, op.cit., p.74)

Spozati (2000) conceitua bipolarmente a exclusão social: “A exclusão social opõe-se

à inclusão, não há um ‘estado puro’ de exclusão, mas esta é sempre relativa a um dado

padrão de inclusão”. A autora afirma que a exclusão social é relativa, cultural, histórica e

gradual, portanto, não relaciona exclusão à pobreza, mas sim, a um padrão de costumes,

desenvolvimento humano, autonomia, equidade.

No darwinismo social do neoliberalismo, a vida é um processo seletivo que distingue e premia os mais fortes por sua exemplaridade. Nesse sentido, é um processo homogêneo e elitista, já que não parte da qualificação humana perante várias situações, inclusive as das desvantagens sociais geradas pela idade, etnia, sexo, dentre outras. Em uma perspectiva reducionista, o pensamento neoliberal afirma a educação como fundamental, mas a considera responsabilidade do indivíduo e de sua família, descartando as condições objetivas de acesso a esse processo. A qualificação individual, o aprendizado e a educação aparecem nesse pensamento como a "tábua de salvação" de todos os problemas. (SPOZATI, op. Cit. , p.31)

Spozati op.cit. também ressalta que a educação é o caminho mais curto para estender

a cidadania a todos os cidadãos, todavia este processo deve estar embasado no princípio de

equidade, na construção de uma sociedade que respeite a diversidade.

Dubet (2003) denuncia que a massificação da escola democrática preconiza a

igualdade de direitos e talentos , mas não de oportunidades:

[...]a escola é meritocrática. Ela ordena, hierarquiza, classifica os indivíduos em função de seus méritos, postulando em revanche que esses indivíduos são iguais. Os indivíduos devem portanto perceber-se como os autores de seus desempenhos, como seus responsáveis. A escola apresenta-se um pouco à maneira de uma prova esportiva que postula a igualdade dos concorrentes e a objetividade das regras. A ética esportiva é a da responsabilidade dos desempenhos: que vença o melhor! (DUBET, 2003, p.40-41)

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A exclusão produzida na escola se manifesta de muitas formas: fracasso escolar,

evasão, violência, enfim, desigualdade. E quando a desigualdade é tratada de uma forma

igual na instituição, acaba por sancionar mais exclusão. “A igualdade formal que regula a

prática pedagógica, na verdade, serve de máscara e de justificação às desigualdades reais

frente ao ensino e frente à cultura ensinada ou, exatamente, exigida.” (BOURDIEU, 1966

apud PERRENOUD, 2001, p.66)

Além da negação à educação, a exclusão escolar gera efeitos políticos, sociais e

econômicos, precedidos da privação de outros direitos essenciais para a cidadania.

Os excluídos da escola são também excluídos de outros direitos básicos: direito à saúde, alimentação, saneamento, habitação, organização, lazer. E, o que é mais grave, são excluídos do direito ao trabalho, para ganharem a vida dignamente, do direito à terra, aos bens de produção e às riquezas que produzem. São excluídos, enfim, das decisões, da participação. Têm negado o direito de serem cidadãos. (ADAMS, 1996 apud SANTOS,2001)

Ao nos dirigirmos a esse tema tão vasto quanto exclusão escolar e, consequentemente

social e suas consequências, não podemos deixar de fazer um breve histórico sobre a

sociedade e o reflexo dela na educação do Brasil, que a partir de um padrão estabelecido,

sempre foi excludente e dualista, embora esteja garantido em lei :

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho .( LEI Nº 9.394/96 apud STREHL; RÉQUIA, 2000)

1.2 Contextualização Histórica

A educação no Brasil não foi pensada para todas as pessoas, mas sim para a elite.

Conforme Teixeira (1963), a sociedade brasileira até a 1ª Guerra Mundial constituía-se de

elite e povo iletrado, e também, de uma classe média sem prestígio social.

Para a elite, um sistema de escolas superiores, predominantemente públicas, para a formação dos quadros de governo e das profissões liberais, acompanhado de escolas secundárias, preparatórias àquele ensino superior, de caráter predominantemente privado; para a nascente classe média, ainda desprovida de qualquer validade política, um sistema de escolas primárias e escolas normais e vocacionais. As massas iletradas constituíam a grande fôrça de trabalho e produção agrícola sobre que assentava a nação em sua ainda vigorosa estrutura dual de elite e massa. ( TEIXEIRA, op.cit., p.8)

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Teixeira op.cit. afirma que somente após a 2ª Guerra Mundial é que a estrutura da

sociedade brasileira começa a mudar , através do crescimento industrial. Essa mudança

reflete diretamente no sistema escolar, pois este, adequa-se ao contexto e a demanda do

mercado de trabalho.

Para Vale (2001), o papel da escola é antagônico, é impulsionado a formar mão-de-

obra qualificada, ou útil e por outro lado tenta impedir, através dos mais diferentes

mecanismos o acesso da classe trabalhadora ao saber.

De acordo com Saviani (2005) podemos diferenciar três momentos da política

educacional no Brasil, ao longo do século XX. O primeiro momento, função do Estado,

oferecia escolas primárias, de ideário iluminista republicano, de 1890 a 1931. “ No fundo, era

uma escola mais eficiente para o objetivo de seleção e formação das elites.” (SAVIANI, op.

cit., p.31) O segundo momento, até 1961 de responsabilidade da União, buscava

regulamentar o ensino do país incorporando, de forma contraditória, o ideário pedagógico

renovador. No final da década de 40 e ao longo dos anos 50, desencadearam campanhas de

alfabetização de adultos. A política educacional da época continuava dualista: ensino

secundário de formação das elites condutoras e ensino técnico para o povo conduzido.

Somente o ensino secundário daria acesso, mediante vestibular, ao ensino superior.

Essa política preconizava, pois, uma separação entre o ensino das elites que se destinariam ao trabalho intelectual e o ensino popular voltado para a preparação e o adestramento dos trabalhadores manuais. Eis por que, além dos ensinos industrial, comercial e agrícola, foram criados também os Senai, Senac e , embora de vida efêmera, o Senar ( Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) . (SAVIANI, 2005, p.3)

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Esse dualismo entrava em contradição com o ideário renovado, “ Manifesto dos

Pioneiros da Educação”3 que preconizava uma educação para todos. O ideário renovador foi

participando aos poucos do governo e em 20/12/61 foi promulgada a LDB. ( Lei n. 4.024/61)

A nova lei tornou possível que, mediante aproveitamento de estudos, os alunos pudessem se transferir de um ramo para outro do ensino médio e, após concluir qualquer ramo desse nível de ensino, viessem a ter acesso, por meio do exame vestibular, a qualquer curso de nível superior. (SAVIANI , op.cit., p.34)

O terceiro momento, década de 60, houve o declínio do ideário renovador. Após o

golpe militar, o ensino do Brasil foi “ reorientado”. Não seria necessário uma nova LDB,

bastava ajustar a organização do ensino à nova situação, pela Lei n. 5.540/68, que reformulou

o ensino superior, e pela Lei n.5.692/71, que alterou os ensinos primário e médio,

modificando sua denominação em 1º Grau com duração não mais de quatro anos , mas sim,

de oito anos e 2º Grau com duração de três anos, de caráter profissionalizante.

[...] essa mesma Lei n. 5.692 introduziu a distinção entre terminalidade ideal ou legal, que corresponde à escolaridade completa de primeiro e segundo graus com a duração de onze anos, e terminalidade real, a qual implicava a antecipação da formação profissional de modo a garantir que todos, mesmo aqueles que não chegassem ao segundo grau ou completassem o primeiro grau, saíssem da escola com algum preparo profissioal para ingressar no mercado de trabalho.[...] Ora, através desse mecanismo a diferenciação e o tratamento desigual foram mantidos no próprio texto da lei, [...] “ terminalidade legal para os nossos filhos e terminalidade real para os filhos dos outros”. (SAVIANI , 2005, p.35)

Em 20/12/1996 foi promulgada a nova LDB, Lei n. 9.394, também conhecida como

Darcy Ribeiro, normatizadora da educação em seus vários aspectos, unificando, a

regulamentação do ensino no país. “[...] a política educacional brasileira continuou marcada

pelo dualismo antes referido”. (SAVIANI, op. cit., p. 37) O autor ressalta o dualismo em

vários aspectos: tais como, a separação do ensino técnico do ensino médio de caráter geral,

no ensino superior para as elites, ensino de qualidade articulado com a pesquisa em centros

3 O Manifesto dos Pioneiros da Educação, dirigido ao “povo e ao governo”, foi anunciado por Nóbrega da Cunha, na IV Conferência Nacional de Educação, realizada no Rio de Janeiro, em dezembro de 1931, por iniciativa da Associação Brasileira de Educação. Surgiu quando um grupo quis se diferenciar de alguns grupos católicos e defender que o Estado se responsabilizasse pela escola pública, atendendo a um direito básico de cada um.

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de excelência, contrapondo-se com instituições que oferecem um ensino sem pesquisa. Esse

dualismo também é sentido no ensino fundamental da rede pública ao se propor uma

promoção automática e professores sem uma formação adequada, em contraste às escolas

destinadas às elites, que têm professores mais cultos.

1.3 A Exclusão na Escola

Sobre a promoção automática Freitas (1994) comenta e se preocupa com professor,

principalmente o de escola pública, que submete-se à hierarquia do sistema educacional e

econômico, e apenas reproduz modelos estabelecidos. Apesar da modernidade, a escola

pública legitima a ignorância e contribui para se manter inalterados os índices de evasão e

reprovação.

Nossa escola pública, aparentemente democrática – oportuniza a todos o acesso ao conhecimento -, na realidade serve para legitimar a “ignorância” da maior parte da população. A falta de um posicionamento crítico e/ ou de visão da totalidade social por parte dos educadores é um obstáculo que precisa ser superado para a transformação radical da atual prática pedagógica. (FREITAS, 1994, p.10)

Esse modelo de escola referido por Freitas, op. cit., é conivente por deixar as coisas

como estão, não promovendo o conhecimento , mas sim a ignorância. O “não-saber” deve-se

à concepção epistemológica empirista ,tributária , de forma externa ao sujeito.

Um de nossos pressupostos fundamentais é que, ao contrário do que se pensa, a escola não promove conhecimento, mas produz ignorância. Como não tolera que seus alunos falem, perguntem, duvidem, “errem”...nada sabe sobre eles, propondo, então, conteúdos alienados e métodos absurdos. Esse “não-saber” assume dimensões diferenciadas nas diversas classes sociais. E nas camadas populares ( a maioria da população brasileira) que ele se torne mais agudo, porque a escola aplica a todos um modelo de educação que serve somente à burguesia e atribui os maus resultados que obtém às condições psicossócio-econômicas de seus alunos. Assim, as crianças das classes populares, após repetirem uma e outra vez uma mesma série ( a grande maioria a 1ª série do 1º grau), saem da escola analfabetas ( ou quase), com o rótulo de incapazes, problemáticas, preguiçosas, ignorantes. (FREITAS, op.cit., p.13)

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Becker (2003) também se refere ao modelo epistemológico empirista citado por

Freitas op.cit.. Para ele a aquisição do conhecimento é como algo externo ao sujeito,

atribuído aos seus sentidos, por transferência.

A postura epistemológica empirista caracteriza-se por atribuir aos sentidos a fonte de todo o conhecimento. [...] A concepção de aprendizagem como aquisição de algo externo ao sujeito, na concepção de objeto própria do positivismo [...] Conhecer consiste na apreensão de uma verdade, e não na sua construção. ( BECKER, 2003, p.99-100)

Freire (1980) compara o modelo epistemológico empirista como “bancário”, que

deposita os saberes aos estudantes, e estes por sua vez, acumulam por algum tempo o que foi

depositado, o conhecimento é o sujeito, o aluno o objeto da aprendizagem. Neste modelo

epistemológico os alunos aprendem por repetição.

Assim, a educação passa a ser ‘o ato de depositar’, no qual os alunos são os depósitos e o professor aquele que deposita. Em lugar de comunicar, o professor dá comunicados que os alunos recebem pacientemente, aprendem e repetem. É a concepção ‘acumulativa’ da educação (concepção bancária). Na concepção bancária da educação, o conhecimento é um dom concedido por aqueles que se consideram como seus possuidores àqueles que eles consideram que nada sabem. Projetar uma ignorância absoluta sobre os outros é característica de uma ideologia de opressão. É uma negação da educação e do conhecimento como processo de procura. [...] Os alunos, alienados como o escravo na dialética hegeliana, aceitam sua ignorância como justificativa para a existência do professor, mas diferentemente do escravo, jamais descobrem que eles educam o professor. (FREIRE, op.cit., p.79)

A partir desse modelo citado, Freitas (1994) revela que a escola como instituição,

reproduz e legitima a cultura de dominação, estabelecendo os padrões dominantes, que são

aplicados indistintamente a todos, sem respeitar a diversidade. Legitimando os interesses e

os valores da classe dominante e não valorizando os conhecimentos prévios dos grupos

oprimidos. Freire op.cit., classifica esses grupos oprimidos como “ ingênuos” pois, não se

dão conta e não se percebem como tais, ao contrário, se identificam com os opressores:

“ Durante a fase inicial da luta, os oprimidos encontram no opressor seu tipo de

homem.”( FREIRE , op. cit., p.58)

Schilling (2004) em sua análise, identifica a escola como vítima da violência e,

também criadora dela, de forma invisível a escola seria um “ local de silenciamento cultural

de ‘colonização’, de ‘apagamento do outro’ .” (SCHILLING, op. cit., p.60)

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“ La pedagogia del outro que debe ser borrado es la pedagogia de siempre; uma pedagogia que niega dos veces y que lo hace de uma forma contradictoria : niega que el outro haya existido como el outro y niega el tiempo em que aquello – la própria negación ‘colonial’ del outro – pueda haber ocurrido. ( SKLIAR 2002 apud SCHILLING, 2004, p.60 )

A escola também é produtora do fracasso escolar até pela própria organização do

trabalho pedagógico, normas de excelência instituídas, algumas arbitrariedades, nível de

exigência em conflito com as desigualdades reais de capital cultural dos alunos, Perrenoud

(2000).

[...] certas desigualdades reais coincidem muito com as formas de excelência que a escola valoriza: ler, escrever, contar, evidentemente, mas também dominar certas línguas estrangeiras, certas disciplinas científicas ou técnicas ou, ainda, diversas “qualidades”- polidez, autonomia bem-balanceada, capacidade de integrar-se a um grupo, etc. ( PERRENOUD, op. cit.,p.19)

Essas normas de excelência escolar citadas acima, correspondem às finalidades que a

sociedade atribui ao ensino.

Perrenoud op.cit. afirma que a escola tem o poder de fabricar hierarquias a partir de

alguns erros, que farão a diferença entre os “ bons e maus” alunos, isso decidirá o seu

futuro:“ o fracasso escolar só existe no âmbito particular, que tem o poder de julgar, de

classificar e de declarar um aluno em fracasso”. (PERRENOUD, op. cit., p.22) Também

ressalta que o sentimento de fracasso acontece quando a pessoa não alcança seus objetivos a

que se propunha, porém o fracasso acontece independentemente do seu projeto pessoal.

Numa visão antagônica sobre a escola Schilling op.cit, destaca alguns pensamentos

da sociedade: “[...] a escola é, por momentos, vista como a instituição que construirá a

democracia, potencializará os talentos existentes. A escola é promotora de justiça.”

(SCHILLING, 2004, p.62) Também é pensada como reprodutora das desigualdades sociais e

da divisão do trabalho:

Educá-los, mas não demasiadamente, o bastante para que aprendesse a respeitar a ordem social, mas não tanto que pudessem questioná-la. O suficiente para que conhecessem a justificação de seu lugar nesta vida, mas não ao ponto de despertar neles expectativas que lhes fizessem desejar o que não estavam chamados desfrutar. (ENGUITA,1989 apud SCHILLING, op.cit., p.62 – 63)

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1.4 A Escola Idealizada

Apesar da instituição escola, modelos epistemológicos e econômicos, a educação é

um dos direitos humanos. “A educação, materializada na escola, é um dos direitos humanos

fundamentais para a realização de uma série de outros direitos humanos.“ (SCHILLING, op.

cit., p.69)

Perrenoud (2000) propõe uma pedagogia diferenciada ou racional, que consiste numa

diferenciação pedagógica às diferenças, para que todos tenham chances de aprender.”Se o

objetivo é dar a todos chances de aprender, quaisquer que sejam sua origem social e seus

recursos culturais, então, uma pedagogia diferenciada é uma pedagogia racional.”

(PERRENOUD, op. cit.,p.28)

Essa diferenciação pedagógica, entre outras, é não tratar os alunos de forma igual,

pois para Perrenoud ( 2001), a escola transforma as diferenças e desigualdades em fracasso

escolar.

Com o olhar voltado para o homem, como sujeito de sua própria história , inacabado,

Freire (1980) destaca a educação como prática dialógica entre a ação e reflexão. Nesse

modelo epistemológico dialético o homem é sujeito do conhecimento, a educação é

emancipatória, inclusiva, humanizadora, problematizadora. “O diálogo é o encontro no qual a

reflexão e a ação, inseparáveis daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é

preciso transformar e humanizar". (FREIRE, op.cit., p.83) É na dialogicidade que o homem

gera a mudança social, e a mudança a si mesmo.

A fé no homem é uma exigência primordial para o diálogo; “ o homem do diálogo” crê nos outros homens, mesmo antes de encontrar-se frente a frente com eles. Sem dúvida, sua fé não é ingênua. “ O homem de diálogo “ é crítico e sabe que embora tenha o poder de criar e de transformar tudo, numa situação completa de alienação, pode-se impedir os homens de fazer uso deste poder. (FREIRE, op. cit., p.83)

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A mudança social esperada, necessita que as pessoas exerçam a cidadania com

liberdade, autonomia , emancipação, para isso, não é possível que haja alguém à margem da

sociedade e da cultura. “Um ser excluído socialmente é marginalizado [...].”(FREIRE, op.

cit., p.74)

A escola deve ser a instituição que faça esse indivíduo deixar de estar à margem, mas

sim integrado na sociedade. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), o ensino

deve ser de qualidade para formar cidadãos capazes de mudar a sua realidade e a do meio que

os cercam, desenvolvendo competências e habilidades para o mundo do trabalho.

Aranha (1997), reforça a idéia de que deve-se lutar por uma escola democrática, não

excludente, não dualista: “[...] na luta pela escola democrática, que não exclua os pobres e os

trabalhadores manuais e nem esteja dividida em escola acadêmica para os ricos e

profissionalizante para o ‘povão’ ”. (ARANHA, op. cit., p.37) . E que os alunos tenham a

criticidade de perceber as relações que acontecem no mundo do trabalho: “ a escola pode

recriar para os estudantes condições para compreensão e crítica de como se dá o trabalho em

nosso tipo de sociedade” . (WHITAKE,1997, p.138)

1.5 Reinserção dos Excluídos

Aos excluídos vitimados por todos os motivos já citados, surge a necessidade de

reinserção na escola, na busca da continuidade da formação escolar interrompida, e

consequentemente, da mudança de sua própria prisão para a libertação, “liberdade mesmo

que tardia”.

Porém, de acordo com o Documento Base (2007), a educação de jovens e adultos

passou por muitos processos de descontinuidade marcada por políticas públicas tênues

insuficientes. Gentili (1995) denuncia que a educação popular, especialmente voltada para o

emprego, aplicado à maioria excluída é uma sentença à educação para o desemprego e a

marginalidade, pois mais uma vez a educação mostra-se dualizada e desigual. Segundo o

Documento Base, op. cit., a educação de jovens e adultos deve abandonar a perspectiva

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exclusiva de formação para o trabalho, para assumir a formação dos sujeitos para a

autonomia, para a emancipação e para a compreensão do mundo. Sempre levando em conta

seus saberes , seu tempo e suas individualidades.

Segundo os PCNs (1997), o ensino deve contemplar oportunidades para que os alunos

tenham uma formação de valores e atitudes de sujeito em relação a si e ao outro, e com isso

sair da margem e participar da sociedade em que estão inseridos.

Um ensino de qualidade, que busca formar cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la, deve também contemplar o desenvolvimento de capacidades que possibilitem adptações às complexas condições e alternativas de trabalho que temos hoje e a lidar com a rapidez na produção e na circulação de novos conhecimentos e informações, que têm sido avassaladores e crescentes. A formação escolar deve possibilitar aos alunos condições para desenvolver competência e consciência profissional, mas não restringir-se ao ensino de habilidades imediatamente demandadas pelo ‘mundo do trabalho’ (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1997, p.47)

1.6 Educação de Adultos e o PROEJA

Não obstante aos obstáculos enfrentados, ao nos referimos a reinserção escolar e

inclusão, nos remetemos a Paulo Freire; nome mais significativo na educação brasileira,

principalmente, na educação popular. Ele considerava educação de adultos como educação

popular, e referia-se a ela como facilitadora do entendimento dos movimentos sociais, na

superação do senso comum e, portanto, na compreensão da história, que recusa qualquer

fatalismo a seu respeito, tornando os sujeitos senhores de seu tempo e fazedores de sua

história.

Este movimento de superação do senso comum implica uma diferente compreensão da História. Implica entendê-la e vivê-la, sobretudo vivê-la, como tempo de possibilidade, o que significa a recusa a qualquer explicação determinista, fatalista da História.[...]o tempo histórico sendo feito por nós e refazendo-nos enquanto fazedores dele. Daí a Educação Popular, praticando-se num tempo-espaço de possibilidade, por sujeitos conscientes disto, não possa prescindir do sonho.[...]É possível vida sem sonho, mas não existência humana e História sem sonho. (FREIRE ,In GADOTTI, ROMÃO, 2006, p.17)

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Freire, op. cit., refere-se ao adulto aprendiz como construtor de sua própria história

criando sua autoestima, pois a sua ignorância lhe traz um grande complexo de inferioridade,

tensão e angústia, muito embora seja um trabalhador atuante na sociedade, pensante, com

conhecimentos e saberes que não devem ser desprezados ou esquecidos. A oportunidade de

ocupar um espaço que antes não era seu, o faz reconhecer-se como alguém importante, e

reconhecido como portador do direito a aprender, emancipado e livre para ousar decidir sobre

sua vida.

A educação de adultos é a extensão e garantia da busca dos direitos à cidadania, numa

caminhada em direção à construção de uma sociedade mais justa e igualitária. “ [...] se, de

um lado, a educação não é alavanca das transformações sociais, de outro, estas não se fazem

sem ela”. ( FREIRE 1997 apud SANTOS, 2001, p.7)

Surge o PROEJA4 , como forma de decreto, n°5.478 de 24 de junho de 2005,

substituído pelo decreto n° 5.840, de 13 de julho de 2006, mas com o intuito de integrar e

qualificar os sujeitos em várias dimensões, dentro de uma ótica emancipatória de inclusão,

pensando o trabalho como forma estruturante para a cidadania numa condição humana

transformadora, de si e do contexto ao qual está inserido.

[...] a qualificação nunca é apenas “profissional”, mas sempre “social”. Pode-se falar, portanto, em qualificação social e profissional para denominar as ações de formação voltadas para uma inserção autônoma e solidária no mundo do trabalho. A qualificação social e profissional permite a inserção e atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas. (BRASIL, 2003, apud DOCUMENTO BASE, 2007, p. 46)

O PROEJA trabalha com sujeitos marginais ao sistema, que retornaram aos bancos

escolares com a certeza de que a escolaridade fez falta em suas vidas, e que a negativa de

emprego se associa à baixa escolaridade. Essa forma de trabalho produz um projeto social,

num processo de formação permanente de valorização do sujeito. De acordo com o

Documento Base:

4 Programa de Integração da educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), do Ministério da Educação da Secretaria deEducação Profissional e Tecnológica.

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O fundamental nesta proposta é atentar para as especificidades dos sujeitos do EJA, inclusive as especificidades geracionais. Por isso, é essencial conhecer esses sujeitos; ouvir e considerar suas histórias e seus saberes bem como suas condições concretas de existência. ‘Assim, a educação [...] deve compreender que os sujeitos têm história, participam de lutas sociais, têm nome e rostos, gêneros, raças, etnias e gerações diferenciadas. O que significa que a educação precisa levar em conta as pessoas e os conhecimentos que estas possuem’. (BRASIL, 2005, apud DOCUMENTO BASE, op.cit., p. 43)

2 Pesquisa de Campo: A Baixa Escolaridade – Causas e Consequências- Constatações

e Perspectivas de Mudanças Sociais.

Nesta análise, apresentaremos os resultados da pesquisa de campo realizada com os

alunos do curso PROEJA, no IFRS-Campus Bento Gonçalves os objetivos da aplicação do

questionário foram: conhecer a história da vida escolar na infância, as causas e as

consequências da evasão, as razões pelas quais retornaram aos estudos anos depois, nessa

modalidade; suas perspectivas e expectativas com o PROEJA. Os entrevistados são todos

adultos, com mais de 35 anos, oito mulheres e dois homens, apresentam níveis de

escolaridade diferenciados. Foi desenvolvido um questionário em que engloba as memórias

da vida escolar e as razões da evasão, bem como a valorização dos saberes dos sujeitos, ou

não; a grande decisão de retorno aos estudos depois de muitos anos afastados; as expectativas

de uma vida nova; os obstáculos e os incentivos às mudanças; as transformações observadas

na cotidiano destes estudantes.

2.1 Questionário Aplicado aos Sujeitos do PROEJA – IFRS – Campus Bento

Gonçalves:

1. Conte como foi tua vida escolar na infância:

2. Quais os motivos que o levaram a parar de estudar?

3. Na época da tua saída da escola, sentiu-se aliviado por não ter mais aquela rotina? Ou

pelo contrário, sentiu-se triste? Por quê?

4. Quando estudavas sentia-se valorizado pelos educadores? Explique:

5. Quando tiveste a decisão de voltar a estudar? Por quê?

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6. Houve alguma indicação para estudar no IFRS-Campus Bento Gonçalves? Por que a

modalidade PROEJA?

7. O PROEJA está alcançando as tuas expectativas? Como?

8. Alguma sugestão que gostarias de deixar para o IFRS-Campus Bento Gonçalves?

9. Pretendes cursar uma universidade?

10. Quais as mudanças que percebes que aconteceram contigo depois de voltar a estudar?

11. Sentiste motivação dos amigos, família e/ou trabalho; ou pelo contrário, enfrentaste

vários obstáculos para voltar a estudar?

2.1.1 A História da Vida Escolar e a Evasão

Todos os sujeitos do PROEJA entrevistados, relataram que um dos grandes motivos

da evasão foi a necessidade de transporte escolar, pois moravam longe da cidade. Cursaram

os anos iniciais em suas comunidades, enfrentavam horas de caminhadas até a escola.

Entretanto , para dar continuidade aos seus estudos necessitavam de transporte. Assim

acabava o sonho deles e de todos os seus amigos e familiares que viessem após. De uma

forma incisiva e determinante vem a questão financeira, pois estes alunos, eram filhos de

pessoas simples, pobres, não percebiam a real importância do conhecimento, que poderia

mudar a vida de todos . E assim, de estudantes esses meninos, transformaram-se em mão-de-

-obra barata , necessária para seus familiares e para a sociedade. Concluimos que as políticas

públicas tratavam o assunto com descaso. Os alunos repetiram por várias vezes sobre as

dificuldades de estudar com dignidade. João em seu relato diz: “ Uma vez era tudo difícil, a

escola era longe e não tinha transporte. Um dos motivos que me levaram a parar de estudar

foi a aquisição de uniforme e material escolar, só meu pai trabalhava na época”. Percebemos

no relato do educando João que mais uma vez o modelo econômico dominante seleciona,

exclui, massifica, e releva à uma segunda classe os desafortunados.

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2.1.2 Inocentes Vítimas do Sistema

A evasão escolar para os nossos entrevistados foi um fato marcante em suas vidas.

Todos eles sentiram-se tristes por serem obrigados a abandonarem os estudos, os colegas, a

escola, as tarefas, as brincadeiras. Porém, a vontade de ajudar os pais era uma necessidade

maior, muito frequente nos seus meios de convivência e nem perceberam o quanto vítimas do

sistema eram. Inocentes e resignados encaminharam-se aos postos que lhes eram destinados,

ao trabalho barato. Com o objetivo de ajudarem as suas famílias, ingressaram ao mundo do

traballho pela porta dos fundos, pois a maioria deles, no início, exerceram trabalhos

informais. A educanda Rosangela relata os motivos que a levaram parar de estudar:

“ Necessidade econômica de meus irmãos, somos em seis e eu sou a mais velha, já cheguei a

trabalhar em dois empregos para que meus irmãos pudessem ter uma vida melhor”. Seus

direitos pessoais nunca foram questionados, levando-os à margem da sociedade, sem ao

menos terem escolhido e percebido. Passaram muitos anos longe dos bancos escolares, em

média 23 anos.

2.1.3 Uma Grande Decisão: Voltar à Escola

Por mais que pensassem na necessidade de voltar aos bancos escolares, os

entrevistados se deparavam com grandes impecilhos: filhos pequenos, problemas de

relacionamentos conjugais, distância, falta de incentivo, baixa autoestima.

Quando os entrevistados se sentiram fortalecidos e encorajados pelos amigos ,

familiares, pensaram em fazer EJA, não sabiam que haveria a possibilidade de cursar um

curso técnico de qualidade gratuito e integrado, sentiam-se incapazes e inseguros.

Por intermédio de conhecidos, amigos, vizinhos conheceram o PROEJA do IFRS-

Campus Bento Gonçalves, sinal que a sua divulgação é falha, devendo ser mais ampliada

para chegar nas empresas, no chão de fábrica, diretamente ao público alvo.

Um dado interessante sobre a volta aos estudos é que os entrevistados não pensaram

em melhorar as condições financeiras da família, na obtenção de um cargo mais elevado no

trabalho. Mas sim, melhorar o seu relacionamento com as pessoas, perder a timidez, ter

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auto-confiança na troca de ideias. Naira relata que percebeu o desinteresse da filha pelos

estudos, “...voltei a estudar para incentivá-la e poder ajudá-la nas tarefas escolares”. Ilo

pretendia falar mais articuladamente sem cometer tantos erros de Português, “...voltei a

estudar pela necessidade de ter um bom português no meu trabalho”. Melhorar a autoestima,

se sentir mais valorizado na sociedade, Beatriz desabafa “... sentia vergonha de muitas vezes

falar palavras erradas e outros rirem de mim.” Até para tratamento terapêutico contra a

depressão. “...fiquei com depressão e o médico me pediu para voltar a estudar”,Teresinha.

O relato de um educando da UNED de Júlio de Castilhos, no dia 08/11/08, no

Seminário Diálgos do PROEJA, nos faz pensar sobre a importância do retorno à escola:

“ Pra mim a vida tinha acabado, foi então que voltei a estudar e estou muito feliz. Sei que

vou levar adiante o que aprendi aqui neste Seminário”

2.1.4 PROEJA e as Expectativas dos Educandos

Todos os entrevistados relataram em suas respostas que houve sim um progresso

pessoal muito significativo, tanto no trabalho como nas relações interpessoais. A autoestima

elevou-se, sentem-se mais confortáveis e seguros no contato com outras pessoas, diálogos

formais e informais. Sentem-se mais valorizados dentro de suas famílias, na sociedade, e

acima de tudo, por eles mesmos.

O PROEJA segundo os educandos, está atendendo às suas expectativas, apesar de

ainda ter muitas arestas a serem aparadas, como por exemplo, os educadores. Percebem

alguns engajados à educação popular, tanto em suas falas quanto em suas ações, sentem-se

valorizados por eles, principalmente seus saberes, que não podem ser ignorados. Outros

“educadores” entretanto, ainda presos no conceito de escola tardicional, não sabem construir

saberes coletivamente assumindo-se como sujeitos do processo e seus “educandos” objetos.

Segundo alguns relatos, certos “educadores” partem do princípio que os “educandos” estão

no ensino médio e, portanto, devem saber os pré-requisitos necessários, o fato de esses

sujeitos estarem há tempo fora da escola não é considerado.

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Mesmo tendo alguns problemas com o PROEJA, os sujeitos do processo , na maioria,

pretendem ingressar à universidade, se possível na mesma instituição. Sentem-se agora,

capazes de enfrentar problemas e de como superá-los.

3 Considerações Finais

Ao expormos o desenvolvimento desta análise, nosso objetivo principal foi perceber a

exclusão escolar e as consequências na vida dos sujeitos. Ao lermos e estudarmos as ideias

dos teóricos, percebemos que nosso objetivo foi atingido, por meio de seus argumentos. Os

autores apresentam diversas definições de exclusão escolar e por conseguinte, social.

Denunciam também a escola de caráter dualista que ao longo da história massifica os

educandos por tratá-los como iguais, não respeita as suas individualidades e os seus saberes ,

não promove oportunidades iguais a todos, produzindo assim a exclusão.

A partir desse objetivo levantamos algumas hipóteses, sendo que a primeira foi que,

a exclusão do ensino regular deve-se a uma metodologia de ensino que não contempla os

saberes dos sujeitos, porque classifica-os pelos seus méritos sem nenhum princípio de

equidade, não levando em conta a diversidade, legitimando a ignorância. Em seguida,

pressupomos que ao modelo econômico vigente não é interessante cidadãos autônomos,

conhecedores de direitos e deveres que possam construir uma sociedade melhor participando

de movimentos sociais. Portanto, os indivíduos ingressam no mundo do trabalho muito cedo,

desinteressando-se pelos estudos e muitas vezes, produzindo a violência escolar, o fracasso e

a evasão. E por fim, acreditamos que os egressos que retornam à escola, na modalidade

PROEJA, conseguem resgatar a cidadania e autoestima perdidas a longa data e projetam um

futuro melhor. Todas as hipóteses foram corroboradas através desse trabalho. Percebemos

que pelas falas dos sujeitos IFRS-Campus Bento Gonçalves, a educação é o caminho mais

preciso para a realização pessoal e profissional.

Estar inserido numa sociedade e fazer parte dela, pode parecer óbvio, mas há muita

diferença. Os sujeitos do PROEJA IFRS-Campus Bento Gonçalves foram excluídos por

muitos anos de suas vidas e hoje eles têm essa consciência, conseguem fazer uma leitura de

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mundo por que alguns educadores lhes possibilitaram as condições para o desenvolvimento

de um pensamento crítico-reflexivo, porém nem todos docentes da instituição têm a mesma

caminhada educativa de educação popular.

Constatamos , por meio de entrevista, que não há uma unidade de pensamento sobre

educação popular, a inclusão não é completa, alguns educadores não respeitam as

individualidades e os saberes dos sujeitos. Existiria também a massificação dos alunos do

IFRS-Campus Bento Gonçalves como na escola regular? O processo seletivo dos sujeitos

PROEJA não seria uma forma de excluí-los novamente? Os educandos PROEJA têm uma

história de vida com saberes que lhe são peculiares, por isso a necessidade e importância de

serem levados em conta, respeitados e valorizados. A inclusão realmente existe na instituição?

Apesar de algumas lacunas sobre a metodologia utilizada no IFRS-Campus Bento

Gonçalves, é inegável o progresso que esses sujeitos alcançaram, qualificaram suas relações

familiares e de trabalho e hoje têm uma perspectiva de dar continuidade aos estudos, pois

sentem-se competentes para tal.

Concordamos com as ideias apresentadas, pelos autores e educadores, nesse estudo, e

por isso estamos convencidos que a educação é o meio pelo qual o homem torna-se sujeito

cidadão. Sendo cidadão poderá promover mudanças sociais, atingir a liberdade e a

emancipação. A luta pela escola democrática se faz necessária. Uma escola que pense na

formação de sujeitos, que valorize os saberes de seus estudantes, que respeite o seu tempo e

suas individualidades, que seja “humanizadora”. Uma escola realmente para todos, que não

haja massificação, dualismos , repetência, evasão e exclusão .

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3.1 Proposta de Intervenção

3.2 Na Escola Regular

Conforme FREIRE (1987), "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os

homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo". Para que haja mudanças na escola, o

profissional que nela trabalha precisa mudar também, sendo educador problematizador.

Educador e educandos devem aprender juntos com a consciência do grande desafio, que não

é o bastante apenas pensar em êxitos, glórias e méritos sem pensar no grande “alicerce que

um povo se educa na cidadania” ARAÚJO (2008).

A metodologia de ensino deve ser repensada, para que possa contemplar as

habilidades e competências, e a avaliação não mais aplicada em caráter quantitativo, por nota,

submetendo o aluno a um controle de comportamento de mensuração, ratificando à

“educação bancária”, Mas sim qualitativo, onde envolve valores, ética, atitude, postura,

política, não mais existindo notas, mas sim conceitos e metas de contruções de saberes.

Assim, o educador, o educando e sua família podem perceber onde houve realmente a

construção de saberes, premiando o educando por isso, comparando-o consigo mesmo em

todo o processo de construção do conhecimento.

OSÓRIO (2002) conclui que “o ponto chave da educação deve ser o aluno aprender a

prender, saber pensar, ser crítico e analítico. E é dentro dessa perspectiva que a avaliação

deve trabalhar”.

Ser competente exige a aplicabilidade dos saberes, ou seja, muito mais do que

simplesmente saber para a prova, numa instantânea e mecânica decoreba, mas sim, conseguir

fazer o uso desses conhecimentos no cotidiano .

Para trabalhar as habilidades e competências o educador deve considerar um bom

planejamento, a partir da realidade de cada turma e da área de interesse, sempre sob a ótica

de interdisciplinaridade, estabelecer critérios a serem atingidos para cada componente

curricular de cada área do conhecimento que o educando deverá ser capaz de resolver.

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Por exemplo: o educando obtém as seguintes notas ao longo do ano letivo na

disciplina de matemática: 30 pontos no primeiro trimestre, 60 pontos no segundo trimestre e

70 pontos no terceiro trimestre. Considerando a média 60, esse educando estaria

tecnicamente reprovado no sistema atual, apesar de observamos que teve um progresso

cognitivo considerável através dos trimestres. Este educando num sistema de avaliação

qualitativa por competências e habilidades não seria avaliado por números, notas, mas por

habilidades específicas e individuais através de conceitos que se baseiam nas competências

adquiridas ao longo dos trimestres e no progresso que houve, jamais reprovaria. Pensamos

que esse sitema avaliativo e metodológico inibiria tanta evasão, desmotivação, despreparo do

educando, fazendo com que não seja derrotado pelo sistema.

As mudanças não são fáceis, mas necessárias para tentarmos minimizar a evasão,

repetência, exclusão escolar, fracasso, violência. A avaliação qualitativa conceitual respeita

as individualidades , as diferenças culturais, as crenças, as classes sociais , humaniza o

ambiente escolar e prepara o educando para o cotidiano.

3.2.1 No PROEJA

Quiçá não haja mais a exclusão nesse país, quando acontecer não será mais necessária

a modalidade PROEJA. Mas até esse avanço político-social acontecer, podemos contribuir

para que a inclusão realmente aconteça no PROEJA da IFRS-Campus Bento Gonçalves.

Constatamos que o processo seletivo dos candidatos ao PROEJA desta instituição é

gratuito e através de sorteio, o ideal é que não existisse, pois todo o processo seletivo é

excludente. Acreditamos que a instituição poderia manter contato com os canditados

eliminados, através de um banco de dados, extendendo convites para os possíveis eventos

dos sujeitos do PROEJA. Enfim, para que estes, não se distanciem da instituição e do sonho

de voltar a estudar e restabelecer a autoestima, sintam-se motivados para participarem dos

próximos processos seletivos.

Pensamos que na modalidade PROEJA também sejam observadas as competências e

habilidades dos sujeitos num processo contínuo, observando e respeitando o tempo de cada

um, e que a avaliação continue sendo qualitativa e conceitual.

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Podemos observar que a avaliação do PROEJA , na instituição estudada, prima a

emancipação dos sujeitos, numa concepção freireana de avaliação e construção e realização

das redes temáticas pelos educandos, sempre num processo dialógico.

Sugerimos a unificação de pensamentos sob uma ótica freireana entre os educadores

da instituição, nessa modalidade, através de formação continuada dos educadores. Uma vez

que toda a base do ensino do PROEJA é a dialogicidade, através de um olhar diferenciado

para captar as experiências dos sujeitos e através delas construir o processo de ensino e de

aprendizagem. Não devendo pevalecer a ideia e a experiência de vida do educador, já que

este, é também um sujeito singular, que re-constrói sua história pela experiência diária. Para

que haja segurança entre os educandos, já que estes percebem a dualidade do método e das

falas dos educadores. A prática do educador deve ser sustentada pelo referencial político e

pedagógico a qual se destina o PROEJA, de forma qualitativa. “Por estarem a serviço de um

direito a ser resgatado ou a ser preenchido, os cursos não podem se configurar para seus

demandantes como uma nova negação por meio de uma oferta desqualificada (...)” (CNE-CEB

1/2000, p. 76).

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