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1 A ESCOLA DO CAMPO RECEBE AS REDES SOCIAIS: UM ESTUDO PAUTADO PELA MODERNIDADE LÍQUIDADE BAUMAN Maria Fatima Menegazzo Nicodem Universidade Estadual de Maringá e Universidade Tecnológica Federal do Paraná Teresa Kazuko Teruya Universidade Estadual de Maringá INTRODUÇÃO Utilizando dados da pesquisa pós-doutoral “Muito além da calmaria: o ensino no campo, a modernidade líquida e as tecnologias contemporâneas de informação e comunicação”, institucionalmente vinculada à Universidade Estadual de Maringá, com o apoio da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Medianeira-PR, promoveu-se evento de extensão com a realização de Oficinas no Colégio Estadual do Campo no distrito de Maralúcia, Medianeira-PR. Participaram 19 professores/as que também concordaram em responder às questões da pesquisa ação. Este trabalho analisa a parte da pesquisa relacionada às redes sociais e o seu uso permeado pela “modernidade líquida” preconizada por Bauman (1999). Foi pensado, primordialmente, para investigar, observar, sentir e analisar de que forma professores/as de uma escola do campo fazem uso das tecnologias representadas pela internet, neste caso as redes sociais, como estratégias de ensino impulsionadoras da aprendizagem de alunos/as, de conteúdos curriculares de suas disciplinas. O objetivo desta etapa da pesquisa, visando à geração deste trabalho, foi fazer um apanhado parcial dos dados levantados, inventariando o uso pedagógico das redes sociais nas dinâmicas de ensino da citada escola, voltando-se a analisar a aceitação, por parte dos professores envolvidos, da atual perspectiva cultural inserida na modernidade líquida”, expressão cunhada por Bauman (1999). Em decorrência deste objetivo, na parte teórica enfoca-se essa “modernidade líquida” e a “vida líquida moderna”, discorrendo sobre elas em seu caráter de instrumentos inalienáveis e indispensáveis da contemporaneidade; os resultados apontam percursos de produção de sentido para o conhecimento permeado por esses objetos da cultura, quais sejam: a internet, pela qual fluem as redes sociais e os blogs; afirmar, ainda, ao final dos presentes estudos, a

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A ESCOLA DO CAMPO RECEBE AS REDES SOCIAIS: UM ESTUDO

PAUTADO PELA “MODERNIDADE LÍQUIDA” DE BAUMAN

Maria Fatima Menegazzo Nicodem

Universidade Estadual de Maringá e Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Teresa Kazuko Teruya

Universidade Estadual de Maringá

INTRODUÇÃO

Utilizando dados da pesquisa pós-doutoral “Muito além da calmaria: o ensino no

campo, a modernidade líquida e as tecnologias contemporâneas de informação e

comunicação”, institucionalmente vinculada à Universidade Estadual de Maringá, com

o apoio da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Medianeira-PR,

promoveu-se evento de extensão com a realização de Oficinas no Colégio Estadual do

Campo no distrito de Maralúcia, Medianeira-PR. Participaram 19 professores/as que

também concordaram em responder às questões da pesquisa ação.

Este trabalho analisa a parte da pesquisa relacionada às redes sociais e o seu uso

permeado pela “modernidade líquida” preconizada por Bauman (1999). Foi pensado,

primordialmente, para investigar, observar, sentir e analisar de que forma professores/as

de uma escola do campo fazem uso das tecnologias representadas pela internet, neste

caso as redes sociais, como estratégias de ensino impulsionadoras da aprendizagem de

alunos/as, de conteúdos curriculares de suas disciplinas.

O objetivo desta etapa da pesquisa, visando à geração deste trabalho, foi fazer

um apanhado parcial dos dados levantados, inventariando o uso pedagógico das redes

sociais nas dinâmicas de ensino da citada escola, voltando-se a analisar a aceitação, por

parte dos professores envolvidos, da atual perspectiva cultural inserida na “modernidade

líquida”, expressão cunhada por Bauman (1999). Em decorrência deste objetivo, na

parte teórica enfoca-se essa “modernidade líquida” e a “vida líquida moderna”,

discorrendo sobre elas em seu caráter de instrumentos inalienáveis e indispensáveis da

contemporaneidade; os resultados apontam percursos de produção de sentido para o

conhecimento permeado por esses objetos da cultura, quais sejam: a internet, pela qual

fluem as redes sociais e os blogs; afirmar, ainda, ao final dos presentes estudos, a

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inexistência de obstáculos para o uso de tecnologias contemporâneas da informação e da

comunicação na escola do campo, tanto quanto na escola urbana.

Para desenvolver o trabalho, a metodologia utilizada foi a pesquisa-ação,

embasada em Richardson (2010), por meio de ação de extensão, na forma de oficinas

realizadas durante o segundo semestre de 2016. Organizadas as etapas do trabalho, os

19 professores participantes responderam um questionário composto por 10 questões

com 6 alternativas que poderiam ser quantificadas (gradadas) entre 0 e 5. Deste

questionário, utilizou-se somente os resultados levantados pelas questões nove e dez

para alavancar as discussões do presente trabalho. A questão nove: “sobre a afirmação

de que as pessoas, na atualidade, precisam estar cientes do compromisso com os

desafios que as cercam”, os professores participantes deveriam fazer uma gradação

entre 0 e 5 aos itens relacionados à afirmação, quais sejam: esses desafios são de caráter

econômico e social; esses desafios são de caráter cultural, ético e profissional; esses

desafios são de caráter político; esses desafios são de caráter pessoal e particular; esses

desafios são pluridimensionais, envolvendo diversas faces: econômica, social, cultural,

ética, profissional, política e pessoal; esses desafios têm importância na vida escolar dos

alunos provenientes dessa sociedade. A questão dez: “as dimensões que chegam no bojo

das tecnologias da informação e da comunicação são de cunho social, cultural, político,

ético, religioso, entre outras dimensões. Isto significa que:”, também deveria ser

respondida com gradação entre 0 e 5 para os seguintes itens relacionados à afirmação:

incluem a pobreza e a individualidade sendo expostas nas redes sociais; incluem o

desemprego e a invasão de privacidade; Incluem as crises identitárias, a poluição visual

e auditiva; iários fatores que contribuem para a complexidade das vivências atuais que

levam a refletir sobre o uso das tecnologias contemporâneas; as reflexões sobre as

tecnologias contemporâneas da informação e da comunicação passam por seu uso na

educação, orientação e exploração de conhecimentos; incluem aspectos culturais que

compreendem planejamento docente para o uso das tecnologias em questão. Depois de

analisar as duas questões, tecem-se as considerações à luz de Bauman (1999)

considerando-se as perspectivas da “modernidade líquida”.

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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A base teórica das discussões sobre o uso das redes sociais na escola do campo,

passa pela abordagem que Bauman tece a respeito da Modernidade Líquida. Ao cunhar

a expressão “modernidade líquida”, Bauman (1999) se propõe a tratar da fluidez das

relações, de sua volatilidade no mundo contemporâneo. Reporta-se ao conjunto de

relações e dinâmicas intrínsecas ao meio em que vivemos na atualidade. Estas relações e

dinâmicas apresentam diferenças com relação às que se estabeleceram na proposta que

Bauman denomina “modernidade sólida”. A ideia de modernidade líquida é constituída

sobre o conceito sócio histórico de modernidade, que percorre um vasto período da

história humana e, no mesmo ritmo, marca alterações na forma humana de pensar e nas

relações entre os seres humanos e entre instituições sociais.

Ao acessar o viveiro das incertezas, Bauman (2007) pensa um ambiente novo e

de fato sem precedentes para as atividades da vida individual, levantando uma série de

desafios inéditos. Em primeiro lugar, pontua a passagem da fase “sólida” da

modernidade para a “líquida”, ou seja, para uma condição em que as organizações

sociais (estruturas que limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a

repetição de rotinas, padrões de comportamento aceitável) não podem mais manter sua

forma por muito tempo – nem se espera que o façam – pois se decompõem e se

dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, a

fim de que se estabeleçam. Em segundo lugar, a separação e o iminente divórcio entre o

poder e a política, a dupla da qual se esperava, desde o surgimento do Estado moderno e

até muito recentemente, que compartilhasse as fundações do Estado-nação “até que a

morte os separasse” (BAUMAN, 2007). Em terceiro lugar, segundo Bauman (2007), a

retração ou redução gradual, embora consistente, da segurança comunal, endossada pelo

Estado, contra o fracasso e o infortúnio individuais retira da ação coletiva parte da

atração que esta exercia no passado e solapa os alicerces da solidariedade social. Em

quarto lugar, o colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo.

Conforme Bauman (2007), também ocorre o desaparecimento ou enfraquecimento das

estruturas sociais nas quais estes poderiam ser traçados com antecedência, levando a um

desmembramento da história política e das vidas individuais numa série de projetos e

episódios de curto prazo que são em princípio, infinitos e não combinam com os tipos

de sequências aos quais conceitos como “desenvolvimento”, “maturação”, “carreira” ou

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“progresso”. Bauman aponta que todos sugerem uma ordem de sucessão pré-ordenada.

Em quinto lugar, aparece a responsabilidade em resolver os dilemas gerados por

circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogada sobre os ombros dos

indivíduos.

Diante desses cinco fatores, Bauman (2007) afirma que é o momento de

perguntar como essas mudanças modificam o espectro de desafios que homens e

mulheres encontram em seus objetivos individuais e portanto, obliquamente, como

influenciam a maneira como estes tendem a viver suas vidas.

Seguindo esta linha de pensamento, Bauman (2016) destaca que a presente crise

(da modernidade líquida) de volatilidade, que afeta todos os aspectos da nossa condição,

atinge profundamente “tudo o que criamos para desenvolver e aperfeiçoar o mecanismo

da democracia, tendo em vista nos proteger nas nossas vidas em conjunto”. Na verdade,

segundo o autor, atinge sim. De forma súbita, todos nós nos sentimos vulneráveis –

individual, grave e simultaneamente, como nação ou como espécie humana. No entanto,

Bauman aponta para Thomas Paine quando este adverte nossos ancestrais em “senso

comum” (1776), um dos documentos mais seminais da era moderna.

Quando sofremos, ou somos expostos por um governo às

mesmas misérias que poderíamos esperar de um país sem

governo, nossa calamidade é ampliada pela reflexão de que nós

mesmos suprimos os meios pelos quais sofremos. Governos,

como o vestuário, são o emblema da inocência perdida; os

palácios dos reis são construídos sobre as ruínas das choupanas

do paraíso. (...) Consequentemente, sendo a segurança o

verdadeiro propósito e fim do governo, decorre

irretorquivelmente que qualquer forma de governo que nos

pareça mais capaz de garanti-la, com o mínimo de aventura e o

máximo de benefício, é preferível a todas as demais.

(BAUMAN, 2016)

As redes sociais, objeto deste estudo, assim como o planeta, andam pelas “auto-

estradas da informação”. Nada que aconteça nas redes sociais, assim como no planeta,

permanece do “lado de fora” intelectual. Não há terra nula, segundo o autor. Não há

espaço em branco no mapa mental, não há terra nem povo desconhecidos, muito menos

incognoscíveis.

Essas redes, segundo Bauman (2007), apresentam a miséria humana de lugares

distantes e estilos de vida longínquos, assim como a corrupção de outros lugares

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distantes e estilo de vida longínquos, são apresentadas por imagens eletrônicas e

trazidas para casa de modo tão nítido e pungente, vergonhoso ou humilhante como o

sofrimento ou a prodigalidade ostensiva dos seres humanos próximos de casa, durante

seus passeios diários pelas ruas das cidades.

1.1 BAUMAN E O ESPAÇO SOCIAL EM TRANSFORMAÇÃO: O LUGAR DAS

REDES SOCIAIS

Ao aportar as reflexões sobre este tema, Bauman (2016) se refere a um romance

de Hans Fallada (de 1947) – “Todo homem morre só”, traz imediatamente à mente que,

na atualidade, “a soma de generosidades privadas não resulta numa cultura coletiva”, já

que exatamente o mesmo poderia ser dito sobre a soma crescente de aflições privadas,

os sofrimentos daqueles na ponta receptora da generosidade genuína, com certeza

minúscula em comparação com a escala de privação.

Bauman (2016) percebe neste movimento um “contrato” não escrito, ditado pela

necessidade que impõe um limite natural não transponível à desigualdade social. As

redes sociais se encontram no caminho para a mobilidade social ascendente. Por outro

lado, percebe também que esses caminhos foram bloqueados e se tornaram

intransponíveis para os que no passado foram convencidos a enxergar a escada da

desigualdade como uma chance e um estímulo par ao progresso e a autoafirmação

pessoais.

O autor conduz à visão de que os mitos de ir “da pobreza à riqueza”, “de

empregado a profissional autônomo e daí a empregar terceiros”, de um caminho direto –

mesmo que difícil – para o topo, aberto aos interessados em trabalho árduo e com muito

suor, perdeu seu brilho e seu poder de sedução diante da frustração maciça dos

universitários forçados a aceitar “empregos de segunda” em lugar dos “prêmios”

prometidos.

1.2 AS REDES SOCIAIS E A VIDA LÍQUIDO-MODERNA

Bauman (2007) afirma que num planeta aberto à livre circulação de capital e

mercadorias, o que acontece em determinado lugar tem um peso sobre a forma como as

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pessoas de todos os outros lugares vivem, esperam ou supõem viver. Por inferência,

percebe-se que as redes sociais são decisivas nesse trânsito.

As pressões voltadas à perfuração e à quebra de fronteiras,

comumente chamadas de “globalização’, fizeram seu trabalho;

com poucas exceções, que estão desaparecendo rapidamente.

Todas as sociedades são agora total e verdadeiramente abertas,

seja material ou intelectualmente. Junte os dois tipos de

“abertura” – a intelectual e a material – e verá por que toda

injúria, privação relativa ou indolência planejada em qualquer

lugar é coroada pelo insulto da injustiça: o sentimento de que o

mal foi feito, um mal que exige ser reparado, mas que, em

primeiro lugar, obriga as vítima a vingarem seus infortúnios...

(BAUMAN, 2007, p.12)

O autor se reporta ao “grau de abertura” da sociedade aberta que ganhou um

novo brilho, jamais imaginado por Karl Popper, que cunhou o termo. Afirma também

que o termo se refere a uma sociedade que admite francamente sua própria

incompletude, e portanto é ansiosa em atender suas próprias possibilidades ainda não-

intuídas, muito menos exploradas. As redes sociais se situam no interior dessas

reflexões. Significa, além disso, uma sociedade impotente, como nunca antes, em

decidir o próprio curso com algum grau de certeza em proteger o itinerário escolhido,

uma vez selecionado.

2 A PROPÓSITO DA METODOLOGIA, DA ANÁLISE E DA REFLEXÃO

SOBRE OS DADOS COLHIDOS

A pesquisa foi realizada por meio de metodologia de cunho qualitativo e, para

levá-la a cabo, optou-se pela pesquisa-ação.

Nicodem (2013) aponta em sua tese de doutorado o ponto de vista de Richardson

(2010) sobre a pesquisa-ação, quando visa a produzir mudanças (ação) e compreensão

(pesquisa) , pois são duas dimensões que conduzem a importantes contribuições para a

elaboração do traçado da pesquisa. Diante disto, as possibilidades de uso são

significativas, tanto para um/a professor/a de uma instituição pequena localizada em

uma região retirada de centros urbanos, quanto para a geração de estudos sofisticados,

de instituições organizacionais com grandes equipes de pesquisadores, financiada por

organizações fomentadoras em larga escala.

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Diante disso, apontamos para três possibilidades, com apoio nesse autor:

[...] o[/a] professor[/a] individual que trabalha em uma sala de aula

para produzir determinadas mudanças ou melhorias no processo de

ensino-aprendizagem; a pesquisa feita por um grupo que trabalha

solidariamente, assessorados ou não por um[/a] pesquisador[/a]

externo e, em último lugar, um professor[/a] ou professores[/as] que

trabalham com um[/a] pesquisador[/a] ou uma equipe de pesquisa

com um relacionamento permanente. (RICHARDSON, 2010, p.39,

grifos e acréscimos entre colchetes são nossos)

Richardson (2010) indica para uma pesquisa-ação que procura a mudança, mas

uma mudança para melhorar. Sendo assim, esta metodologia de pesquisa apoia-se em

alguns pontos fundamentais: Melhorar: a) a prática dos participantes; b) a sua

compreensão dessa prática; e c) a situação em que se produz esta prática. Envolver: a)

assegurando a participação dos integrantes do processo; b) assegurando a organização

democrática da ação; e c) propiciando o compromisso dos participantes com a mudança.

Diante disto, o objeto desta pesquisa não poderia usufruir de escolha

metodológica mais adequada, dada sua eficácia, envolvimento e, efetivamente, ação.

Realizadas as necessárias reflexões sobre o método de pesquisa adotado, retorna-

se para a reflexão teórica do objeto escolhido para a pesquisa – as redes sociais em sua

características de tecnologias contemporâneas da informação e da comunicação e seu

uso em sala de aula em uma escola do campo.

Nessa perspectiva, as redes sociais se liquefazem junto aos padrões de

dependência e interação, tornando-se mais maleáveis até o ponto em que se percebe que

as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar a liquidez fluida

dos objetos da atualidade, mais nitidamente aqueles que fazem e desfazem a informação

que, de presente, se transforma em passado com uma rapidez sem precedentes. Dá

forma didática às redes sociais transportando-as para as salas de aula e, chama a atenção

para os blogs como artefatos mais elaborados para as rotinas didáticas para o ensino de

conteúdos curriculares que compõem as mais diversas disciplinas. São sólidos e

líquidos ao mesmo tempo.

A pesquisa completa valeu-se um questionário contendo dez questões

apresentadas como as que foram escolhidas para análise (questões nove e dez). A seguir

analisa-se primeiramente a Figura 1, que apresenta a questão nove.

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Figura 1: Questão nove do questionário completo utilizado na pesquisa (1)

Fonte: NICODEM (2016); dados colhidos pela autora.

Quando se chega à modernidade líquida, toda estrutura social montada em torno

da relativa fixidez moderna dilui-se. Para Bauman, as relações transformam-se, tornam-

se voláteis na medida em que os parâmetros concretos de “classificação” dissolvem-se.

Trata-se da individualização do mundo, em que o sujeito agora se encontra “livre”, em

certos pontos, para ser o que conseguir ser mediante suas próprias forças. A liquidez a

que Bauman se refere é justamente essa inconstância e incerteza que a falta de pontos de

referência socialmente estabelecidos e generalizadores gera.

São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos

conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de

orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que

estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos

contemporâneos sejam livres para construir seu modo de vida a

partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais

dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de

construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de

'grupos de referência' predeterminados a uma outra de

'comparação universal', em que o destino dos trabalhos de

autoconstrução individual (…) não está dado de antemão, e

tende a sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses

trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do

indivíduo. (BAUMAN, 2001)

1 e 2 Para cada uma das cinco alternativas de cada uma das dez questões, foi apresentada uma gradação de

0 a 5 para marcação, onde 0 foi a menos significativa e 5 a mais significativa. Os números em vermelho

se constituem na tabulação dos dados, apresentando a frequência de marcação em cada ponto (de 0 a 5)

pelos 19 professores participantes da pesquisa.

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Analisando as marcações de todas as alternativas, de forma geral, conduz a

pensar na rota de Bauman (2007) para quem se a ideia de “sociedade aberta” era

originalmente compatível com a autodeterminação de uma sociedade livre que cultivava

essa abertura, ela agora traz à mente da maioria de nós a experiência aterrorizante de

uma população heterônoma, infeliz e vulnerável, confrontada e possivelmente

sobrepujada por forças que não controla nem entende totalmente; uma população

horrorizada por sua própria vulnerabilidade, obcecada com a firmeza de suas fronteiras

e com a segurança dos indivíduos que vivem dentro delas – enquanto é justamente essas

firmeza de fronteiras e essa segurança da vida dentro delas que geram um domínio

ilusório e parecem ser a tendência de permanecer como ilusões enquanto o planeta for

submetido unicamente à globalização negativa.

No que tange aos desafios de caráter econômico e social preconizados pela

alternativa “a” desta questão, Bauman (2007) nos auxilia na reflexão sobre os

“mercados sem fronteiras” que são uma receita para a injustiça e para a nova desordem

mundial em que a conhecida fórmula de Clausewitz, segundo ele, foi revertida, de modo

que é a vez da política ser uma confirmação da guerra por outros meios. A

desregulamentação, que resulta na anarquia planetária, e a violência armada se

alimentam mutuamente, assim como se reforçam e se revigoram mutuamente. Como diz

outra advertência da sabedoria antiga, “quando as armas falam, as leis silenciam”. A

alternativa “b”, ao refletir sobre desafios de caráter cultural, ético e social, conduz a

pensar com Bauman (2013), quando este se refere à mediação de levar a arte ao público

– ação que não é nenhuma novidade. No passado, essa arte costumava estar para o bem

ou para o mal, sob o patrocínio do Estado, causando maior ou menor satisfação aos que

faziam arte. Hoje a Internet, por meio das redes sociais, é um forte veículo de condução

da arte. Isto se traduz num dado conceito de cultura que pressupõe ética e coletividade.

Um mercado de consumo trabalhando para satisfazer

necessidades de longo prazo, para não falar de necessidades

permanentes ou atemporais, é uma contradição em termos, um

oximoro. O mercado de consumo favorece e promove o giro

rápido e o intervalo de tempo mais curto possível entre uso e

descarte – com o objetivo de fornecer a reposição imediata dos

produtos que não sejam mais lucrativos. (BAUMAN, 2013,

p.102)

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O autor com o qual se dialoga, questiona: será que a cultura pode sobreviver à

desvalorização do ser e ao declínio da eternidade, possivelmente os tipos mais dolorosos

de danos colaterais causados pelo triunfo dos mercados de consumo? Conforme ele, não

sabemos, nem podemos saber ainda a resposta a essa pergunta. Assim, não seria a pior

atitude prestar atenção à sensata advertência do filósofo Hans, citado por Bauman

(2013). Para o filósofo, confiar mais, em tempos de incerteza, nas previsões sombrias

dos “profetas do apocalipse” que nas garantias reconfortantes dos promotores e fãs do

“maravilhoso mundo novo dos consumidores”.

A alternativa “e”, sobre os desafios de caráter pessoal e particular, a alternativa

“d”, sobre os desafios pluridimensionais e a alternativa “e”, desafios importam na vida

escolar dos alunos provenientes dessa sociedade plural, podem ser analisadas por meio

de Bauman (2016a) que se reporta ao estado de crise, cuja prerrogativa de escolha se

aplica de duas maneiras: o que foi feito pode ser desfeito; o que foi escolhido à vontade,

pode ser abandonado à vontade. O que foi soerguido ao status de norma universal

obrigatória, pode ser suspenso por um tempo, ou sua aplicação pode ser confinada a

uma norma menos universalmente obrigatória. O propositor pode escolher uma lei

segundo sua vontade, e segundo sua vontade, e somente a sua vontade pode abrir

exceções à aplicação.

É nessa aptidão do soberano, de não estar restringido pela

norma que ele mesmo criou, na sua aptidão de fazer exceções,

no seu direito e na sua capacidade de obrigar ou desobrigar,

impor uma norma tanto quanto uma exceção à norma, que jaz a

substância da soberania. Em última análise, “a ordem legal

repousa sobre uma decisão, e não sobre uma norma”.

(BAUMAN, 2016a, p.49)

Aponta ele que apegar-se às regras, seguir critérios estabelecidos e restringir a

visão ao campo estreito, delimitado e cercado definido a priori como “relevante para a

tarefa”, por outro lado, parece uma receita perfeita para o desastre.

A seguir, analisa-se a Figura 2, que apresenta a questão dez:

Figura 2: Questão dez do questionário completo utilizado na pesquisa (2)

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Fonte: NICODEM (2016); dados colhidos pela autora.

Para analisar a marcação realizada pelos professores, em gradação, nas

alternativas da questão mostrada pela Figura 2, valemo-nos de Bauman (2013), para

quem durante séculos, a cultura existiu em desconfortável simbiose com toda sorte de

patrocinadores e empresários abastados. As redes sociais, na contemporaneidade,

apresentam outra configuração, que permite um patrocínio de pequenos e não tão

abastados assim e, em muitos casos, os simples “likes” ou “curtidas” em grande

número, são o suficiente par alavancar a atenção da mídia e a popularização gratuita de

comunicações nos mais diversos formatos: vídeos, imagens, fotografias, entre outras

formatações.

A cultura vai ganhar ou perder com a “mudança de gerência”?

Será que vai sair inteira depois da troca de guardas na torre de

vigia? Sobreviverá a essa mudança? Será que suas obras de arte

terão mais que a chance de uma vida efêmera e quinze minutos

de fama? Será que os novos administradores, sintonizados com

o estilo de gerenciamento hoje em moda, não limitarão suas

atividades tutelares ao “despojamento dos ativos”, levando

embora os ativos da dívida e se apropriando deles? Será que o

“cemitério de ventos culturais” não substituirá a “montanha que

aponta para o céu”, para usar a metáfora mais adequada ao

estado em que se encontra a cultura? Precisamos esperar um

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pouco mais para encontrar respostas a essas perguntas.

(BAUMAN, 2013, p.105)

O autor ainda assevera que não se deve parar de procurar essas respostas e se

deve fazê-lo com bastante energia e determinação. Tampouco, segundo ele, se deve

negligenciar a questão do formato que a cultura acabará assumindo em consequência de

nossas ações ou da falta dela.

Assim sendo, entende-se que as criações e escolhas culturais, assim como sua

utilização por seus “recebedores”, estão engajadas numa interação íntima – mais agora

do que em qualquer período do passado; além disso, dada a mutável localização das

artes na totalidade da vida contemporânea, essa interação destina-se, com toda

probabilidade, a se tornar ainda mais estreita no futuro. Na verdade, as obras de arte

contemporâneas tendem a ser indeterminadas, indefinidas, incompletas, ainda em busca

de seu significado, inseguras quanto seu potencial – e destinadas a assim continuar até

o momento do encontro com seu “público” – mais exatamente, o “público” que

invocam e/ou provocam e assim trazem à luz – um encontro ativo de ambos os lados.

“O verdadeiro significado (e, portanto, o esclarecimento e o potencial de promover

mudanças) das artes é concebido e amadurece durante esse encontro”. (BAUMAN,

2013).

A dinâmica apresentada na atualidade pelas redes sociais, apresentam uma

humanidade em movimento.

A nova “plenitude do planeta” – o âmbito global dos mercados

financeiro, de mercadorias e de trabalho, da modernização

administrada pelo capital, e portanto também do modo de vida

moderno – tem duas consequências diretas. A primeira delas é a

obstrução dos escoadouros que no passado permitiam a

drenagem e a limpeza regulares e oportunas dos “excedentes

humanos” dos relativamente poucos enclaves do planeta

modernizados e em modernização, excedentes esses eu o modo

de vida moderno tendeu a produzir numa escala sempre

crescente: a população supérflua, supranumerária e irrelevante.

(BAUMAN, 2007, p.35)

Numa outra análise, Bauman (2016), o lugar das pessoas desobrigadas de

responsabilidade é, como se aponta, a plateia. Pois seja o espetáculo atraente ou não,

agradável ou não, as pessoas na plateia não se sentem encarregadas dele, não

compreendem nem esperam ser acusadas de participação.

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A gente não faz fila para pegar o nosso quinhão de

responsabilidade. A maior parte de nós trataria as

responsabilidades como uma batata – repulsiva e

insuportavelmente – quente. Eis a verdade, por mais deplorável

que pareça. (BAUMAN, 2016, p.76)

As redes sociais fazem da humanidade, um grande conjunto de indivíduos

solitários que se comunicam com o mundo. É assustadoramente paradoxal, se olharmos

para o formato do conceito de solidão que ainda ronda os dicionários. Uma “rede” não é

um espaço para desafiar as ideias recebidas e as preferências de seu criador. Ela é, antes

uma réplica ampliada ou um espelho de aumento daquele ou daquela que a teceu,

povoada exclusivamente por pessoas de mesma opinião, dizendo o que a pessoa que os

admitiu deseja ouvir e prontas a aplaudir tudo o que quem as admitiu ou nomeou venha

a dizer.

Nas redes sociais, mesmo não sendo regra, dissidentes,

indivíduos que sustentam opiniões contrárias – ou estranhas, e

por isso desconcertantes – são exilados (ou pelo menos, de

modo reconfortante, são suscetíveis de exílio) ao primeiro sinal

de discordância. Como não há “formadores de opinião”

oferecendo alívio da responsabilidade pelo veredicto, muitos

dissidentes da rede optam pela segurança oferecida e sustentada

pela semelhança – não pela identidade – de opiniões e atitudes,

eliminando previamente as chances de dissidência, confronto

atrito ou choque. (BAUMAN, 2016, p.85)

Bauman (2016a) assegura que num tal ambiente, peculiaridades pessoais,

incluindo idiossincrasias bizarras e inclassificáveis outrora banidas do escritório e que

tiveram de ser deixadas no bengaleiro na entrada do prédio, passam a ser vistas como a

mais preciosa das vantagens e o capital mais promissor e lucrativo.

Sendo assim, a busca de sucesso, segundo o autor, exige que elas sejam nutridas,

não combatidas nem sufocadas. Asas devem ser abertas com mais envergadura, não

cortadas. Já não são mais empregados e funcionários que seguem regras e realizam os

gestos procurados, mas indivíduos autocontrolados, autônomos, autoconfiantes,

impetuosos e não convencionais. O fenômeno da ‘individualidade’, outrora visto com

contrariedade e desconfiança, com uma mistura de menosprezo e medo, e, feitas as

contas, tratado com suspeição, como ameaça à ordem das coisas, tem hoje novo lar na

família dos recursos mais desejáveis e das mais louváveis e invejáveis qualidades.

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Na contemporaneidade, conforme Bauman (2016a), no fundo da sociedade de

consumo, parece que a função do Estado capitalista é prover um ‘bloco de construção

essencial’ em tudo diferente do edifício capitalista, o qual há pouco substituiu seu

predecessor, como descreve Habermas citado por esse autor: ‘o encontro do comprador

com a mercadoria’.

As redes sociais são fomentadoras dessas condições de compras, oferecendo

dados que estampam a transação de compra/venda, não necessariamente monetária, cuja

regularidade consiste em garantir que o comprador esteja em posição de pagar o preço

da mercadoria oferecida, enquanto a mercadoria seja atraente o bastante para se

candidatar àquele preço.

No bojo da questão ora em análise está também a questão ética, sobre a qual se

reflete com Bauman (1997) na rota do moderno pensamento ético, em cooperação com

a moderna prática legislativa. Dado o impacto ambíguo dos esforços societários no

campo da legislação ética, deve-se reter que a responsabilidade moral – sendo para o

outro antes de poder ser com o Outro – é a primeira realidade do eu, ponto de partida

antes que produto da sociedade.

As redes sociais passam pela dimensão ética que vem no bojo da cultura. Sob

este aspecto, enceta-se para Bauman (1997) quando este discute responsabilidades

morais e normas éticas.

De muitas coisas podemos afirmar que quanto mais delas se

necessita tanto menos facilmente estão disponíveis. Essa

afirmação vale com certeza com respeito a normas éticas

comumente acordadas, de que também podemos esperar que

sejam comumente observadas: essas normas podem guiar nossa

conduta em nossas relações mútuas – nosso relacionamento

para com outros e, simultaneamente, dos outros para conosco –

de sorte que possamos nos sentir seguros em nossa presença

recíproca, ajudar-nos uns aos outros, cooperar pacificamente e

derivar de nossa presença mútua prazer não corrompido pelo

medo ou pela suspeição. (BAUMAN, 1997, p.23)

Isto gera um dilema ético, com efeito emancipatório oriundo do pluralismo,

indicando para uma teoria moral. Desta forma, encontra-se ressonância entre as

ambiguidades da prática moral e o dilema da ética, a teoria moral: a crise moral

repercute em crise ética. A ética – um código moral, que pretende ser o código moral, o

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único conjunto de preceitos harmonicamente coerentes ao qual deve obediência toda

pessoa moral – visualiza a pluralidade de caminhos e ideais humanos como um desafio,

e a ambivalência dos juízos morais como um estado mórbido de coisas que se deseja

corrigir.

Sob este aspecto, percebe-se que em toda a era moderna, o esforço dos filósofos

morais, segundo Bauman (1997), visou a reduzir o pluralismo e eliminar a ambivalência

moral. Da mesma forma como muitos homens e mulheres vivendo sob as condições de

modernidade, a ética moderna buscou uma saída do predicamento em que a moralidade

moderna foi lançada na prática da vida diária.

O cunho social preconizado pela questão também se expõe à análise e envolve

todas as alternativas que passaram pela gradação dos professores participantes da

pesquisa: na “a” apresenta-se a significação da inclusão da pobreza e da individualidade

em exposição nas redes sociais; em “b”, a questão social inclui o desemprego e a

invasão de privacidade; em “c”, aparecem as crises identitárias e as poluições visuais e

auditivas; em “d”, a discussão giram em torno de vários fatores que contribuem para a

complexidade das vivências atuais que levam a refletir sobre o uso das tecnologias

contemporâneas – aqui representadas pelas redes sociais; em “e”, incluem-se os

aspectos culturais que compreendem planejamento docente para o uso das tecnologias

em sala de aula.

Seguindo ainda pelas questões éticas, toma-se Bauman (2012a), quando aborda a

necessidade do cuidado para não se destruir num instante aquilo que se levou milênios

para construir. Afirma ele que bastam alguns minutos e um punhado de assinaturas para

destruir o que levou milhares de cérebros, o dobro de mãos e um bocado de anos para

construir.

Esta talvez tenha sido sempre a atração mais surpreendente e

sinistra, embora incontrolável, da destruição – ainda que a

tentação nunca tenha sido mais irresistível do que nas vidas

apressadas que se levam em nosso mundo obcecado com a

velocidade. Em nossa sociedade líquido-moderna de

consumidores, a indústria de eliminação, remoção e descarte de

dejetos é uma das poucas atividades com garantia de

crescimento contínuo e imune aos caprichos do mercado de

consumo. (BAUMAN, 2012a, p.36)

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As redes sociais, para finalizar a análise teórico-metodológica das duas questões,

estão inseridas num tempo, no tempo contemporâneo. É nesse tempo que vivemos, diz

Bauman (2012), na sequência da acumulação e congestão maciças do excesso e da

extravagância, e do resultante colapso do sistema de crédito, com suas incontáveis

baixas colaterais. Na estratégia da vida, sustentada pelo crédito, do “aprovado agora,

pague depois” – reforçada, alimentada e fomentada pelas forças conjuntas das técnicas

de marketing e das políticas governamentais – adestrando sucessivas coortes de

estudantes na arte e no hábito de viver a crédito – os mercados de consumo descobriram

uma varinha de condão, com ela transformaram multidões de cinderelas, consumidores

inativos ou inúteis, numa massa de devedores, geradores de lucro.

E para pontuar o fim da análise seguimos para a pergunta de Bauman (2012a):

só uma pergunta vazia para tempos vazios – talvez a última barreira entre a juventude e

sua destituição seja a capacidade recém-descoberta e possibilitada de servir como local

de armazenamento dos excessos da indústria de consumo em nossa era de

removibilidade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado na pesquisa com dezenove professores/as conduzem para

algumas considerações bem claras e outras postuladas nas entrelinhas. Sobre a relação

existente entre a educação no campo e as mídias e tecnologias contemporâneas da

informação e da comunicação, sugerem temores e instabilidades. E estes dois

fenômenos são fortemente perceptíveis no conjunto de respostas às alternativas

apresentadas nas questões aqui analisadas.

Se no mundo contemporâneo os fatores relacionados à cultura não se dissociam

das mazelas econômicas, políticas e sociais, é evidente que a transitoriedade para uma

perspectiva multicultural enfrente um árduo caminho, dado que as transformações

tecnológicas estão inseridas nesse universo. O locus da pesquisa, qual seja, a escola do

campo é, para os/as professores/as que lá atuam, um locus ambíguo: da ousadia e do

temor, paradoxalmente. Da ousadia para aqueles/as que usam as redes sociais como

estratégia em sua prática docente com os conteúdos de suas disciplinas; do temor para

aqueles/as que se sentem desconstruir e se deslocar ao se submeterem ao uso das redes

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sociais e blogs, uma vez que eles são espaços virtuais inconstantes e sujeitos ao fácil

rompimento das fronteiras geográficas e não-geográficas. No entanto, há resistências e

estas também são visíveis.

Se as resistências estão aí, estão também aí o universalismo e suas questões –

como bem apresenta Bauman (1997) – uma demanda sem endereço, como uma reflexão

sobre as práticas modernas de uma só natureza ou essência humana. Sob este aspecto é

preciso considerar o professor em sua condição humana, construtor de si mesmo e da

própria história, motivo bastante para observá-lo pela ótica da liberdade. A construir-se

a si, o/a professor/a se faz pelas próprias ações, em um processo interativo permeado

pelas condições e pelas circunstâncias que o/a envolvem.

De toda a forma e terminando as considerações, percebe-se que as redes sociais

estão na escola da cidade e na escola do campo, portanto, esta realidade já não é mais

possível alterar. Então, o que os dados nos revelaram é que, uma vez que elas estão lá

como artefatos da cultura pós-moderna, aos/às professores/as é facultada a liberdade de

escolher entre usá-los ou não em suas práticas docentes.

REFERÊNCIAS

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Alberto Medeiros, 1.ed., Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

BAUMAN, Zygmunt. Babel: entre a incerteza e a esperança. Tradução Renato

Aguiar, Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

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Medeiros, Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

BAUMAN, Zygmunt. Estado de Crise. Tradução Renato Aguiar, Rio de Janeiro:

Zahar, 2016a.

BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. Tradução João Rezende Costa, Rio de

Janeiro: Zahar, 1997.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien, Rio de

Janeiro: Zahar, 1999.

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BAUMAN, Zygmunt. Sobre Educação e Juventude. Tradução Carlos Alberto

Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012a.

BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros, Rio de

Janeiro: Zahar, 2007.

NICODEM, Maria Fatima Menegazzo. A obra literária vai ao cinema. Tese de

Doutorado em Educação. Programa de Pós Graduação, Universidade Estadual de

Maringá, Maringá/PR, 2013.

RICHARDSON, Robero Jarry (org). Pesquisa qualitativa crítica e válida. In.

RICHARDSON, Robero Jarry (org). Pesquisa Social: métodos e técnicas. 3.ed., São

Paulo: Atlas, 1999.