a entrada em analise e sua demonstracao pelo algoritmo

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  • 8/11/2019 A Entrada Em Analise e Sua Demonstracao Pelo Algoritmo

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    ARTIGOS

    A ENTRADA EM ANLISE E SUA DEMONSTRAO PELOALGORITMO DA TRANSFERNCIA

    Maria Lcia Arajo

    Este trabalho foi elaborado tendo como objetivo trazer algumasreflexes sobre a demonstrao da entrada em anlise, a partir do fragmentode um caso de minha prpria clnica, pois, quando considera que o sujeitoentrou em anlise, o analista supe que seja possvel uma demonstrao.

    Mas como comea uma anlise?Quais so os indicativos da entrada em anlise? A anlise comea no

    momento em que o sujeito chega ao consultrio, ou aps vrios encontros?Coloco essas questes porque a experincia clnica mostra que algunssujeitos j chegam sob transferncia e engajados com a psicanlise,enquanto outros precisam de vrias sesses preliminares, e outros nemsequer chegam a este momento. No entanto, isto no nos livra de tentarmosprecisar o momento da entrada em anlise de cada sujeito que nos procura,ou seja, no nos livra de tentarmos precisar qual foi o momento em que oanalista pde estabelecer com o sujeito uma relao de linguagem. Nas

    consideraes de Nogueira,Lacan d um passo no sentido de tentar encontrar uma linguagem que no sejamais uma linguagem apenas conceitual pela linguagem natural, mas eleprocura justamente criar smbolos que possam simplificar ainda mais aexperincia analtica (NOGUEIRA, 1997).

    Sendo assim, a entrada em anlise mostra que ocorreu uma operaoque propiciou ao sujeito se constituir e surgir como efeito da articulaosignificante S1-S2 e entrar em jogo o saber colocando o SsS como piv datransferncia.

    Em 1967, no texto A proposio de 9 de outubro, Jacques Lacandiz que O sujeito suposto saber , para ns, o eixo a partir do qual searticula tudo o que acontece com a transferncia. (...) Suposto,

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    ensinamos ns, pelo significante que o representa para outro significante(LACAN, 1967).

    Vale lembrar que a entrada em anlise no natural e implica umaconstruo operada pelo analista. Portanto, uma anlise comea quando h asuposio de um Sujeito suposto Saber, situado no lugar do analista, pois uma clnica sob transferncia. Ele consequncia da estrutura da situaoanaltica, aquilo que Lacan chamou discurso analtico e que podemosrepresentar por S1, S2, S e a.

    Sendo assim, o sujeito procura um significante que possa represent-lo,e neste momento que pode se deparar com uma falta, quer seja pelosilncio ou por alguma pontuao do analista.

    No seminrio 11,Os quatro conceitos fundamentais da Psicanlise ,Lacan vai interrogar em torno do que gira esta confiana por parte daqueleque procura o analista, e vai considerar que a formao do analista exigeque ele saiba [...] em torno do qu o movimento gira (LACAN, 1964).

    Ora, se A transferncia um fenmeno em que esto includos, juntos,o sujeito e o psicanalista, nada mais preciso do que designar este pontopiv como o desejo do analista (LACAN, 1964).

    Todavia, ressaltamos que sim o desejo do analista, mas no seuencontro com o desejo do analisante. O analista no lugar de sujeito supostosaber apenas um efeito da situao analtica. Ento SsS no algo que seobserve, mas que surge a partir ou como consequncia direta doprocedimento da regra fundamental da psicanlise, a associao livre.

    A posio que o analista ocupa enquanto Sujeito suposto Saber s possvel porque h o enganche a um Sq (significante qualquer do analista)que encontra a cadeia significante do sujeito.

    Assim, no texto A proposio [...] Lacan nos deu a seguinteformalizao:

    _______S______ Sqs (S1, S2, S3,.....Sn)

    O algoritmo mostra que o S do numerador da frao o significanteda transferncia, enquanto que o Sq o significante qualquer do analista.Assim o S implica o Sq, ou seja, um significante do analisante

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    se dirige a um significante qualquer (Sq) que representa para o sujeitoaquele analista que ele escolheu e vai permitir o trabalho da cadeiasignificante que fica sob a barra, o saber inconsciente. Este matema quevai sustentar as intervenes do analista no trabalho de associao livre.Com esta formalizao, Lacan marca a diferena entre a transfernciaanaltica e a no analtica.

    Nesse sentido, o analista no alguma coisa especfica, ele umsignificante qualquer. a isto que ele e seu nome so reduzidos. O Sujeitosuposto Saber no o analista. Ele est do lado do analisante, evidenciadono matema da transferncia sob a barra onde se estabelece um significado.

    Este significado a relao do sujeito com o saber inconsciente a serconstrudo a partir deste resto, Sq, que o analista representa, pelo fato de terele mesmo se submetido anlise. Assim, o analista, no lugar de Sq, recebedo sujeito uma fala desordenada sobre seu sintoma que lhe enigmtica.

    Aqui entra um operador fundamental que o desejo do analista, pois ele que vai contrariar, vai barrar algo que poderia desembocar naidentificao com este SsS.

    Para ilustrar trago um fragmento da clnica, o caso Sra. M.A Sra. M., chegou ao consultrio com um pedido de anlise porque

    havia passado por um episdio traumatizante, nas palavras dela, devido aum estranho que entrou em sua casa e olhou suas coisas. Referia-se dessaforma a um assalto que ocorrera em sua residncia e que haviadesencadeado nela a crise de angstia acompanhada por uma crise de asma.

    Ela esperava que com o trabalho analtico isso mudasse. Esperavaque pudesse aceitar o fato de que o estranho entrou em sua casa e ela foiassaltada, revirada, atacada; queria esquecer isso. Tambm queria parar detomar os medicamentos para as crises de asma que se repetiam a cada vezque um acontecimento similar ocorria. Durante o episdio ela gritou que ele,O estranho, havia levado a criana. Considerou o fato como um surto.

    A partir desse dia estava em pnico e, como era uma profissional darea da sade e atendia em seu consultrio, seu pai passou a lhe fazercompanhia. Ele permanecia no consultrio durante todo o dia, enquanto elaatendia algum estranho. A sesso segue e em um

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    determinado momento ela disse: o estranho bagunou tudo na casa, tirou tudodo lugar.

    Aqui fao um parntese para dizer que a pessoa que a encaminhou erasua Amiga e tambm psicanalista com a qual ela queria fazer anlise, masno pde. O nome da analista sua amiga era parecido com o meu, mas aocontrrio. Ou seja, ela a analista era LM e eu ML. Sendo assim, Sra. M.considerava esta analista competente, de confiana, e algum que sabiatrabalhar. Mas, infelizmente, ela no poderia atend-la porque eram Amigas.Neste momento a analista cortou a sesso.

    Na sesso seguinte, ela relatou que ao entrar em sua casa e verificar quetudo ainda estava revirado, ficou atacada e a inverteu tudo: os lugares ondedormiam as pessoas, os mveis, as roupas, etc. No decorrer desta sesso disse:Amiga, voc me d um carto para eu colocar no meu consultrio, porque o

    carto de LM eu j tenho, s falta o seu.Com esta demanda a analista colheu a prova de que o corte, ocorrido nasesso anterior, implicou o sujeito em sua diviso subjetiva separando uminstante do outro. Ocorreu uma perda e agora faltava algo.

    Alm disso, consideramos que os dois significantes, Amiga e Estranho, searticularam. O significante Estranho dito de maneira repetitiva nas sesses foi oSignificante da transferncia que ela deixou cair com a inverso, ou seja,Amiga LM por Amiga ML, articulando assim o significante qualquer doanalista, mostrando dessa forma o estabelecimento da transferncia com estaanalista. Assim, ela entrou em anlise transformando o Estranho em Amiga eindicou que Amiga foi o significante que serviu de engate transferencial, o Sqdo analista.

    Veremos mais adiante como se deu a passagem para o discurso do analista,e como o sintoma, ao se completar quando foi includo na transferncia, pdese transformar em sintoma analtico.

    Continuei a escutar a Sra. M. que afirmou estar preocupada com o seu pai,porque ele tropeou ao sair do consultrio e caiu. Ao se escutar fez um silncioprolongado e logo depois perguntou: Ser que meu pai est envelhecendo?Acho estranho, pois ele ainda um jovem senhor. Tenho medo da velhiceporque no consigo lidar bem com a morte. Este foi um momento delicado naanlise, gerador de angstia

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    que precisou ser manejada. Mas foi um material precioso no decorrer dotratamento.

    Nas intervenes, a analista procurou acompanhar o tempo de elaboraoda Sra. M. e, apoiada nas construes, pde fazer com que o sujeito abrisse para aOutra cena e dissesse O consultrio agora ficou o lugar mais seguro. Referia-seao seu consultrio. Em seguida, apontando para uma poltrona da analista, falou nomeu quarto tem uma poltrona como esta. E seguiu associando: eu no achoestranho que o meu pai, ou melhor, que o Patrcio, meu companheiro, sejamenor do que eu... Neste momento o sujeito fez um ato falho e passou do planodo enunciado para o plano da enunciao. Ao esquecer o nome do marido Patrcioe troc-lo por, pai pde abrir a srie associativa e deu-se propriamente a entrada emanlise.

    Assim, a entrada em anlise implica a implantao do Sq do analista euma passagem ao discurso do analista. Dessa maneira, o sintoma se completaao ser includo na transferncia e toma a forma de sintoma analtico que searticula com a fantasia abrindo para o campo do desejo.

    importante salientar que com SsS surge o amor e se d a trans-formao da demanda transitiva (demanda de algo) como por exemplo livrar-sede seu sintoma, em demanda intransitiva (demanda de amor, de presena).Como consequncia deste movimento, vai ocorrer a resistncia ao desejo comodesejo do Outro, e cabe ao analista responder a essa demanda elevando osintoma categoria de enigma pela ligao implcita do desejo de saber. Esseamor quer saber, mas a finalidade ltima o objeto causa de desejo. Assim, na estrutura do engano do Sujeito suposto Saber que o psicanalista [...] temque encontrar a certeza de seu ato [...] (LACAN, 1967).

    Referncias bibliogrficas

    LACAN, J. (1964)O Seminrio , livro 11,Os quatro conceitos fundamentaisda Psicanlise . Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 218-240.

    ______. (1967) A proposio de 9 de outubro de 1967. In: Escritos . Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 1998, p. 253.

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    ______. (1974)Televiso. O campo freudiano no Brasil . Rio de Janeiro: JorgeZahar Editor, 1993, p. 20.

    ______. (1967) O engano do sujeito suposto saber. In:Outros Escritos . Rio deJaneiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 339.

    NOGUEIRA, L.C. (1997) A psicanlise: uma experincia original. O tempo de Lacan e a nova

    RESUMO

    O objetivo do trabalho trazerpara a discusso um caso de nossaclnica e tentar demonstrar,atravs da formalizao que nosdeu Lacan pelo matema datransferncia, como se deu suaentrada em anlise.Palavras-chave : Transferncia;formalizao; Lacan.

    ABSTRACT

    In this article, I will bring into dis-cussion a case from our clinic andwill try to demonstrate how theanalysand, who will be referred toas Mrs. M., entered into analysis.I will use the matheme of transferformalized by Lacan.Keywords : Transfer; Lacan.

    MARIA LCIA ARAJO

    Psicanalista, membro do Frum do Campo Lacaniano So Paulo, membroda Escola de Psicanlise dos Fruns do Campo Lacaniano Brasil. E-mail:[email protected].

    Recebido: 22/05/2013Aceito: 30/08/2013

    MARRAIO, Rio de Janeiro, setembro 2013, (26), p. 11-16