a empatia do visitador e os cuidados no fim da vida

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1 A EMPATIA DO VISITADOR E OS CUIDADOS NO FIM DA VIDA Jean Francesco Afonso Lima Gomes 1 Um dos assuntos que mais ouvimos em sala de aula e nos comprometemos no momento da visita é o fator empatia. Sem empatia para com o paciente ou a pessoa que está do outro lado é impossível fazer uma visita satisfatória. Há uma diferença entre simpatia e empatia. A primeira palavra, simpatia, pode ser definida em termos gerais como a ação de sentir com o outro utilizando a nossa imaginação e tentar encarar os problemas da pessoa com o seu próprio ponto de vista. Já a empatia, a meu ver, se refere a algo mais profundo. É tentar fazer parte daquilo que está no íntimo da pessoa a qual está se visitando. Se simpatia é sentir com o outro, empatia é tentar fazer parte do sentimento mais profundo da pessoa, é sentir no íntimo da pessoa. Isso é possível através de um comprometimento sincero com a pessoa por trás da doença. Ser empático não é algo fácil, pois se identificar com alguém em um estado visivelmente aterrador sem se mostrar assustado com a pessoa ou o momento exige muito treino, disciplina e principalmente, amor. Outro aspecto importante sobre empatia é que ao mesmo tempo em que o visitador deve se identificar com o íntimo do visitando, ele deve saber que não é o paciente e nem pode sofrer com a mesma intensidade que ele. Logo, a tarefa do visitador em toda visita é se sensibilizar com a dor do outro e em seguida, literalmente “sair” do estado do visitando se deseja de alguma forma ajuda-lo. Com o passar do tempo nas visitas e nas discussões em sala, fica claramente perceptível que ser uma pessoa empática consiste em a pessoa ser bem treinada em dois momentos da visitação: o de “entrar” na vida, na dor, na alegria , no visceral do visitando, e o segundo movimento é o de “sair”, isto é, perceber que você não é o paciente, que a dor não é a última palavra na vida dele. Não precisamos obrigatoriamente ter a resolução para os problemas dos outros. O que podemos fazer é compartilhar o fardo das pessoas, ouvi-las empaticamente; deixar que elas exponham suas emoções mais profundas e receber 1 Jean está no 4° ano do curso de Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas, 2009-2012.

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Page 1: A empatia do visitador e os cuidados no fim da vida

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A EMPATIA DO VISITADOR E OS CUIDADOS NO FIM DA VIDA

Jean Francesco Afonso Lima Gomes1

Um dos assuntos que mais ouvimos em sala de aula e nos comprometemos

no momento da visita é o fator empatia. Sem empatia para com o paciente ou a

pessoa que está do outro lado é impossível fazer uma visita satisfatória.

Há uma diferença entre simpatia e empatia. A primeira palavra, simpatia,

pode ser definida em termos gerais como a ação de sentir com o outro utilizando a

nossa imaginação e tentar encarar os problemas da pessoa com o seu próprio ponto

de vista. Já a empatia, a meu ver, se refere a algo mais profundo. É tentar fazer

parte daquilo que está no íntimo da pessoa a qual está se visitando.

Se simpatia é sentir com o outro, empatia é tentar fazer parte do sentimento

mais profundo da pessoa, é sentir no íntimo da pessoa. Isso é possível através de

um comprometimento sincero com a pessoa por trás da doença. Ser empático não é

algo fácil, pois se identificar com alguém em um estado visivelmente aterrador sem

se mostrar assustado com a pessoa ou o momento exige muito treino, disciplina e

principalmente, amor.

Outro aspecto importante sobre empatia é que ao mesmo tempo em que o

visitador deve se identificar com o íntimo do visitando, ele deve saber que não é o

paciente e nem pode sofrer com a mesma intensidade que ele. Logo, a tarefa do

visitador em toda visita é se sensibilizar com a dor do outro e em seguida,

literalmente “sair” do estado do visitando se deseja de alguma forma ajuda-lo.

Com o passar do tempo nas visitas e nas discussões em sala, fica claramente

perceptível que ser uma pessoa empática consiste em a pessoa ser bem treinada

em dois momentos da visitação: o de “entrar” na vida, na dor, na alegria, no visceral

do visitando, e o segundo movimento é o de “sair”, isto é, perceber que você não é o

paciente, que a dor não é a última palavra na vida dele.

Não precisamos obrigatoriamente ter a resolução para os problemas dos

outros. O que podemos fazer é compartilhar o fardo das pessoas, ouvi-las

empaticamente; deixar que elas exponham suas emoções mais profundas e receber

1 Jean está no 4° ano do curso de Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, em

Campinas, 2009-2012.

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as pessoas; acolhê-las, como gostaria que elas fizessem por nós.Neste sentido, me

colocando do outro lado, não de visitados, mas de paciente, eu pessoalmente não

gostaria de falatórios extensos, lições de moral.

Quando tento me colocar na posição do sofredor, na verdade, quero alguém

para se encontrar comigo e que tente entender como me sinto. Entendo empatia não

em tentar experimentar a situação que a pessoa está vivenciando, mas em tentar

entender que por trás da dor, da doença, do luto, da perda, há alguém que precisa

de um encontro pessoal para compartilhar o seu momento e assim promover algum

tipo de cura.

Nós podemos executar este segundo passo, o de “sair” do paciente

principalmente através das manifestações do nosso corpo. Ter um rosto calmo,

olhos fitos no paciente sem alarmes, pernas bem firmes, compaixão, ouvidos mais

atentos do que a boca e a partir de ouvidos bem treinados, palavras podem ser ditas

com bastante cuidado para o bem da visita e do visitando.

Ser empático com os pacientes em geral também significa demonstrar

cuidado por ela. Em especial ressalto a importância do capelão em ser empático

com o paciente quando sua vida está chegando ao fim. Maria Júlia Kovacs2 elenca

alguns cuidados paliativos que valem a pena serem pensados e praticados com

pacientes que estão claramente no fim da vida. No total são 9 cuidados, porém

elenco 4 cuidados que na minha opinião foram essenciais em minha experiência

como visitador no HC da UNICAMP:

1. Ser considerado como pessoa. Precisamos lidar com os pacientes

sempre lembrando que antes de serem doentes eles são pessoas, tem nome,

identidade, e de que eles fazem parte da própria restauração e tratamento.

Caso contrário os pacientes sempre se sentiram menos do que eles realmente

são, escondendo-se na total dependência ou na ideia da total inutilidade.

2. Busca por sentido ou ressignificação da vida. Quando um paciente

passa por uma doença muito grave isso não apenas altera a sua saúde física,

mas faz com que ele resignifique toda sua estrutura de valores pessoais

também. Em momentos de fim de vida no geral os pacientes tendem a pensar

2 KOVÁCS, Maria Julia. Espiritualidade e psicologia – cuidados compartilhados. Revista O

Mundo da Saúde, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 246-255, 2007.

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no sentido da vida, pensando nas respostas às perguntas que antes da dor e

do sofrimento ele não havia pensado. Este é um bom momento para o capelão

incentivá-lo a enxergar a sua finitude e ao mesmo tempo encorajá-lo a

encontrar forças para viver com intensidade os dias que ainda lhe restam.

3. Necessidade de descobrir algo além de sua própria existência.

Como é praxe na maioria das visitas, quando encontramos pacientes marcados

pelo sofrimento e também em casos de fim de vida, a maioria deles se abre

para Deus ou para o transcendente. Este é um bom momento para abordarmos

com o paciente que ao olharmos para a nossa finitude podemos encontrar a

beleza do Deus Infinito. Alguém que cuida de nós e que pode nos dar sentido

em meio à dor do momento e também em meio às nossas alegrias.

4. Necessidade de ser amado. Poucas pessoas, profissionais e

familiares, tem disposição para ficar com pacientes até o fim da vida. São

frequentes as queixas das pessoas próximas do seu fim um forte sentimento de

isolamento e solidão. Estas pessoas têm grande necessidade de sentirem-se

amadas, não descartadas, e que este amor seja expresso de maneira

carinhosa, podendo-se utilizar toques e palavras de conforto e esperança,

confirmando a significância da sua vida, lembrando-as de suas realizações e

das marcas deixadas na vida das pessoas próximas. Como diz Kovacs, “é

muito dolorosa a sensação de que a nossa morte não significará nada na vida

daqueles que amamos.”

Lembro-me de uma das visitas que fiz no HC da Unicamp. Uma senhora de

aproximadamente 45 anos que era portadora de um câncer no pâncreas. Em certo

momento perguntei a ela qual era o seu maior medo ou dor mais terrível, e para a

minha surpresa, seu maior medo não era o câncer, era ficar sozinha no escuro do

seu leito. A noite lhe instilava de medo, pois à noite ela ficava totalmente só

deparando-se com o seu terrível vazio e angústia.

Pacientes terminais como ela carecem de elementos essenciais em

momentos de fim da vida e não meros passatempos, brincadeiras, ou alegrias

maquiladas como dizer: “vamos lá, bote um sorriso nesta cara, mostre como você é

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feliz! Ou como já ouvi dizer, “se você não me der um sorriso hoje (dizia a capelã) eu

vou embora muito triste com você, paciente malcriado (em tom de voz infantilizado).”

A reação de pacientes terminais é sempre de indiferença a essas

metodologias. Quando não o são, no mínimo tem a ver com um teatro ou com um

discurso forçado e não genuíno. Se fizermos assim, até podemos colher alguns risos

dos pacientes, no entanto, os seus corações ainda continuam vazios e

esperançosos pelas verdadeiras palavras e atitudes de amor, sentido e

compreensão que carecem.

CONCLUSÃO

A tarefa de ser empático com as pessoas a serem visitadas estando em final

de suas vidas deve ser muito bem elaborada.

Precisamos ter a noção de que elas estão carentes de reafirmação de quem

elas são: pessoas que estão doentes, e não meros doentes-dependentes-inúteis.

Precisamos incentivar os pacientes que estiverem a nossa frente a uma busca por

sentido e ressignificação de suas vidas. A vida continuar apesar da dor. Elas são

muito mais do que doentes e podem encontrar propósitos antes não vistos nestes

momentos. A dor e o sofrimento não são nulos, mas podem nos apresentar aos

princípios essenciais da nossa existência.

Precisamos, como capelães cristãos, com toda tranquilidade e sabedoria,

apresentar o evangelho de Jesus Cristo como a necessidade humana além da

existência. Como já dissemos, “o fim da vida” é um bom momento para abordarmos

com o paciente que há alguém, o Criador, que nos criou com propósito de um

relacionamento pessoal e ele o faz conosco por intermédio do seu filho Jesus.

E por último, relacionar a nossa empatia com o momento final da vida das

pessoas é de suma importância, pois é mais um momento de amar e ser amado.

Temos a oportunidade de visitar as pessoas e aliviar o forte sentimento de

isolamento e solidão que elas têm. Ao visita-las podemos nos colocar a sua

disposição, rir com elas, chorar com elas, orar por e com elas, oferecer os nossos

olhos atentos e através de tudo o que fizermos oferecer-lhes mais uma pitada de

esperança, que é o que não apenas os pacientes precisam, mas todos nós.