a eficÁcia normativa das medidas provisÓrias emanadas da corte interamericana de direitos humanos...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
A EFICÁCIA NORMATIVA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS EMANADAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Juliana Mara Marchesani
Belo Horizonte 2008
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Juliana Mara Marchesani
A EFICÁCIA NORMATIVA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS EMANADAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Público Linha de Pesquisa: Direitos humanos, processos de integração e constitucionalização do Direito Internacional. Orientador: Mário Lúcio Quintão Soares
Belo Horizonte 2008
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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Marchesani, Juliana Mara M317e A eficácia normativa das medidas provisórias emanadas da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro / Juliana Mara Marchesani. Belo Horizonte, 2008.
137f. Orientador: Mário Lúcio Quintão Soares Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Direitos humanos. 2. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. 3.
Medida provisória. I. Soares, Mário Lúcio Quintão. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.
CDU: 342.7(100)
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Juliana Mara Marchesani A Eficácia Normativa das Medidas Provisórias emanadas da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, área de concentração Direito Público, linha de pesquisa Direitos humanos, processos de integração e constitucionalização do Direito Internacional. Belo Horizonte, 09 de maio de 2008.
___________________________________________________ Orientador: Mário Lúcio Quintão Soares
__________________________________________________ Bruno Wanderley Júnior – PUC Minas
__________________________________________________ Aziz Tuffi Saliba – Universidade de Itaúna
___________________________________________________ José Luiz Quadros de Magalhães – PUC Minas (suplent e)
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por iluminar meu caminho rumo ao desconhecido, encorajando-me sempre.
Aos meus pais, Ronaldo e Sandra, pelo carinho e cumplicidade com que têm
cuidado de mim, pelos valiosos ensinamentos e por me iniciarem no maravilhoso
mundo do saber.
Ao meu irmão, Bruno, pela amizade que nos une e alegra minha existência.
Ao Daniel, por fazer parte da minha vida, confiando no meu amor e acreditando na
minha capacidade.
Ao meu mestre, Mário Lúcio, por ser exemplo de compromisso com a ciência do
Direito e pelo inesgotável estímulo à pesquisa.
Aos amigos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, especialmente, Cristina
Timponi e Bartira Nagado, por gentilmente viabilizarem este estudo.
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A espada sem a balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do direito. Ihering
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RESUMO O objetivo deste trabalho é dimensionar o alcance e as possibilidades de atuação no sistema interamericano de proteção aos direitos humanos. Os casos abordados privilegiaram o estudo de um instituto processual de importância prática incomensurável, apesar de pouco difundido nos meios acadêmicos. No exercício de sua função jurisdicional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos adota medidas provisórias com o escopo de evitar que a demora de um provimento decisório acarrete danos irreparáveis aos direitos humanos. O monitoramento do cumprimento de recomendações neste sentido, pelo Estado brasileiro, permitirá avaliar o grau de comprometimento desse com o sistema interamericano e, mais, com a causa dos direitos humanos. Palavras-chave: Direitos Humanos; Sistema Interamericano; Medidas Provisórias
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ABSTRACT This research aims to delineate the scope and possible actions performed by the inter-american system of human rights protection. Although it is not well-known in the academic community, the immeasurable importance of a procedural institute was highlighted in the cases which were contemplated in this study. In the exercise of its judicial function, the Inter-American Court of Human Rights has adopted provisional measures aiming to prevent irreparable damages to human rights that may be caused by decisions which are dismissed with delay. Monitoring the observance of these recommendations through the Brazilian State will make it possible to assess how committed to the human rights cause Brazil and the Inter-American System are.
Key-words: Human Rights; Inter-American System; Provisional Measures
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LISTA DE ABREVIATURAS
Art.- Artigo Coord. - Coordenador Ed. - Editor E.g. - Exemplo Org. - Organizador Sra. - Senhora Vs. - Versus
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LISTA DE SIGLAS
ACAT - Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura AMAR - Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco CAJP - Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos CASA - Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente CEJIL - Centro pela Justiça e Direito Internacional CF - Constituição Federal da República Federativa do Brasil CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos CTV - Comissão Teotônio Vilela ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente ECOSOC - Conselho Econômico e Social das Nações Unidas FEBEM - Fundação Estadual de Bem Estar do Menor FIDDH - Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos MNDH - Movimento Nacional de Direitos Humanos OAB - Ordem dos Advogados do Brasil OC - Opinião Consultiva OEA - Organização dos Estados Americanos OIT - Organização Internacional do Trabalho OMCT - Organização Mundial Contra a Tortura ONG - Organização Não-Governamental ONU - Organização das Nações Unidas
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................11
2 HISTORICIDADE DOS DIREITOS HUMANOS ................................................................................15 2.1 Processo Histórico de Consolidação ...........................................................................................15 2.2 A Internacionalização dos Direitos Humanos .............................................................................18 2.3 A Concepção dos Direitos Humanos na Atualidade ..................................................................23
3 SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HU MANOS ...................................27 3.1 A Coexistência entre os Sistemas Global e Regio nal de Proteção aos Direitos Humanos e a
Prevalência da Norma mais Benéfica ................................................................................................27
4 SISTEMA INTERNACIONAL GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIRE ITOS HUMANOS ...................30 4.1 Sistema Global de Proteção das Nações Unidas .......................................................................30 4.1.1 Procedimentos Convencionais ..................................................................................................32 4.1.1.1 Mecanismo Convencional Não Contencioso ........................................................................35 4.1.1.2 Mecanismo Convencional Quase Judicial .............................................................................36
4.1.2 Procedimentos Não Convencionais ..........................................................................................38
5 SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS H UMANOS ................................41 5.1 A Gênese de um Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos na América ............41
5.1.1 Convenção Americana sobre Direitos Humanos (P acto de São José da Costa Rica) ........43 5.1.2 Outros Instrumentos de Normatização do Sistem a Interamericano .....................................46 5.2 Comissão Interamericana de Direitos Humanos ........................................................................48
5.2.1 Composição .................................................................................................................................49 5.2.2 O papel da Comissão ..................................................................................................................50 5.2.2.1 Sistema de Petições e Comunicações ...................................................................................52 5.3 Corte Interamericana de Direitos Humanos ................................................................................59
5.3.1 Composição .................................................................................................................................60 5.3.2 Competências da Corte ..............................................................................................................61 5.3.3 Atuação perante a Corte .............................................................................................................66 5.3.3.1 Legitimidade .............................................................................................................................70
5.3.4 Acesso direto do indivíduo à Corte ...........................................................................................71 5.3.5 Responsabilização dos Estados ...............................................................................................74 5.3.6 Medidas Provisórias na Corte Interamericana .........................................................................78
6 ANÁLISE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS ADOTADAS PELA COR TE INTERAMERICANA EM
RELAÇÃO AO ESTADO BRASILEIRO ................................................................................................88 6.1 Uma Afronta à Dignidade dos Presos no Brasil .........................................................................88
6.1.1 Estudo de Caso da Penitenciária Urso Branco ........................................................................91
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6.1.2 Estudo de Caso do Complexo de Tatuapé .............................................................................102 6.1.3 Estudo de Caso da Penitenciária de Araraquara ...................................................................115
7 CONCLUSÃO ...................................................................................................................................125
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................................129
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1 INTRODUÇÃO
A contextualização dos direitos humanos remete a uma viagem pela história
da humanidade em busca de sua origem e do que representa na
contemporaneidade.
A análise da eficácia normativa das medidas provisórias adotadas pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos em relação ao Estado brasileiro é um
importante instrumento para averiguar o impacto do sistema interamericano de
proteção no ordenamento jurídico interno.
O processo histórico responsável pela legitimação dos direitos humanos
perpassa a Antiguidade, a Idade Média e a Idade Moderna, reafirmando sua força
normativa através dos tempos.
A Magna Carta Inglesa, de 1215, seguida da Declaração da Independência
Americana, de 1776, e da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789, são marcos importantes na trajetória de construção dos direitos
humanos.
Com o Estado Liberal, caracterizado pelo abstencionismo estatal, surgiu o
capitalismo voraz, agravado pela Revolução Industrial, desestruturando as bases da
sociedade.
O primeiro capítulo assevera que os direitos humanos foram relegados a
segundo plano, e as misérias sociais acometiam a realização dos direitos
fundamentais de toda uma nação.
Contudo, os efeitos devastadores da segunda Guerra Mundial impulsionaram
a reconstrução dos direitos humanos, a partir de um paradigma global de proteção,
em que a garantia desses direitos passou a ser de interesse internacional.
A conscientização de que não bastava que os direitos humanos fossem
tratados apenas no âmbito interno dos Estados resultou no primeiro passo rumo à
internacionalização dos direitos humanos. A Organização das Nações Unidas
promulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, como um
conjunto de princípios e valores universais a serem considerados internamente pelos
Estados e, também, em suas relações com outros Estados.
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No segundo capítulo, percebe-se que paralelamente surgiram os sistemas
regionais de proteção, com o objetivo de propiciar a aproximação da demanda
regional à efetivação desses direitos.
Atuando, conjuntamente, com o sistema global da Organização das Nações
Unidas, os sistemas regionais americano, europeu e africano, foi possível aliar as
particularidades de cada região aos valores e parâmetros gerais construídos para
toda a humanidade.
No terceiro capítulo, metodologicamente, demonstra-se como os mecanismos
internacionais de proteção dos direitos humanos se consubstanciaram em
instrumentos de superação das deficiências internas na administração da justiça.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos, progressivamente, consolidou
suas bases normativas, contribuindo para a solidificação de um consistente sistema
internacional de proteção dos direitos humanos.
Os Estados, em busca da promoção dos direitos e liberdades fundamentais,
vincularam-se às convenções, tratados, pactos e protocolos, assegurando à
comunidade internacional o reconhecimento dos direitos humanos, como garantia do
convívio harmônico entre os povos.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos tem como propósito resguardar
o cumprimento das obrigações internacionais de proteção por parte dos Estados e
em relação a todos os indivíduos sob suas jurisdições.
As várias esferas de proteção dos direitos humanos proporcionam segurança
jurídica às pessoas a medida que reafirmam a supremacia dos direitos humanos.
O primado da dignidade da pessoa humana deve orientar todo o processo de
reconhecimento da universalidade, indivisibilidade e interdependência destes
direitos.
No capítulo quarto, há uma reflexão sobre o Sistema Interamericano,
composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, órgãos instituídos com o propósito de
promover e proteger os direitos humanos na América. A par da estruturação,
organização e funcionamento destes órgãos, entende-se que nenhum abuso ou
violação aos direitos humanos passam despercebidos por esta instituição. É
necessário, para tanto, a conscientização dos cidadãos quanto ao papel que podem
assumir perante estes órgãos no processo de viabilização de direitos humanos.
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A Comissão Interamericana é entidade autônoma da Organização dos
Estados Americanos, cujas competências foram estabelecidas pela Carta da OEA e
pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A Corte Interamericana é órgão jurisdicional, que não faz parte dos quadros
da OEA, mas atua em função da competência estabelecida pela Convenção
Americana. Como órgão responsável pela interpretação e aplicação das normas da
Convenção Americana de Direitos Humanos, definir o alcance e significado das
decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, especificamente, no que
tange a eficácia das medidas provisórias, é tarefa essencial para se compreender a
dinâmica de todo o Sistema Interamericano.
Ademais, a análise da repercussão política e social destas decisões no
ordenamento jurídico brasileiro permite concluir se, de fato, o Brasil está
compromissado com o ideal dos direitos humanos.
A compreensão da potencialidade dessa instância internacional de proteção é
fundamental para que os indivíduos, interessados diretos, possam ser concebidos
como verdadeiros sujeitos de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Por isso, a propagação do conhecimento, em relação aos recursos
disponíveis no sistema interamericano, é de extrema relevância para se alcançar
uma postura mais agressiva de combate às violações de direitos humanos.
O acesso restrito do indivíduo ao sistema interamericano, unicamente através
da Comissão Interamericana, é um obstáculo a ser transposto para permitir, além de
sua participação direta no procedimento, a legitimidade processual para acionar
autonomamente a Corte.
As implicações decorrentes do ius standi in iudicio, ainda, são desconhecidas,
mas as expectativas de sua implementação são positivas, em que pese
entendimento recente de parte da doutrina.
No capítulo quinto, a análise de casos concretos envolvendo o Estado
Brasileiro, relativamente às medidas provisórias determinadas pela Corte
Intermericana, permitirá avaliar o significado do sistema interamericano na efetiva
proteção dos direitos humanos.
A impotência do Estado brasileiro em conter a crise do sistema prisional
expôs ao mundo sua fragilidade ao permitir que a violência e a desordem
prevalecessem em detrimento dos direitos humanos.
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O reconhecimento da legitimidade das intervenções internacionais reforça a
tese da transcendência desses direitos.
O constrangimento, como forma de pressão social, tem sido considerado
significativo impulso para que o Estado brasileiro altere a sua prática em relação aos
indivíduos privados de liberdade sob sua jurisdição.
Considerando que os atos atentatórios dos direitos humanos em questão
significam um risco à vida e à integridade dos internos, a adoção de medidas
provisórias parece ser oportuna por evitar que a demora de uma decisão, no âmbito
do sistema interamericano, resulte em danos irreparáveis aos direitos fundamentais.
A eficácia da tutela jurisdicional, proporcionada pela adoção de medidas
provisórias, gera credibilidade no sistema interamericano de proteção, fortalecendo
sua estrutura institucional por se tratar de resposta imediata a direitos que não
podem deixar de ser exercidos sob qualquer pretexto.
Este estudo permitirá avaliar o comprometimento dos Estados-partes,
sobretudo, o Brasil, com o fortalecimento das instituições do sistema interamericano
de proteção dos direitos humanos, quanto às iniciativas empreendidas na
implementação de suas recomendações, decisões, resoluções e opiniões
consultivas.
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2 HISTORICIDADE DOS DIREITOS HUMANOS
2.1 Processo Histórico de Consolidação
Os direitos humanos surgiram da necessidade premente de se intervir nas
relações intersubjetivas das comunidades, ao controlar e limitar o poder político.
Com o advento do Estado, a noção de poder positivou-se e a consolidação dos
direitos humanos tornou-se indispensável à legitimação desse poder.
Para Trindade, “Este processo (histórico) partiu das premissas de que os
direitos humanos são inerentes ao ser humano, e como tais antecedendo a todas as
formas de organização política, e de que sua proteção não se esgota na ação do
Estado.” (2003a, p.90)
A concepção de direitos humanos remonta à Antiguidade, acompanhando o
Cristianismo durante a Idade Média, mas consagrando-se apenas no Estado
Moderno com a idéia de eficácia destes direitos através da positivação.
O ideal de direitos humanos começou a se desenvolver, a partir da
conscientização das sociedades humanas, de que há lugar para seus interesses
dentro de uma nação.
Neste sentido, estas sociedades procuraram adquirir uma identidade própria,
mediante embates políticos, na busca da consolidação do seu espaço, no intuito de
se libertar da opressão, dos preconceitos, da violência e da espoliação social.
Às custas de muita dor, luta e sofrimento, as sociedades desenvolvidas
passaram a reivindicar do Estado garantias ao exercício dos direitos do homem,
inicialmente, sem contornos definidos, mas com grandes propósitos a serem
perseguidos.
Na Antiguidade, os gregos recorriam a um direito natural, de proporções
universais, inato, imprescritível e inalienável do homem.1
1 A partir do momento em que os pensadores gregos percebem a existência de uma grande diversidade de leis e costumes nas várias nações e povos, que colocam a seguinte questão: “existem princípios superiores a estas normas específicas que sejam válidas para todos os povos, em todos os tempos, ou a Justiça e o Direito são uma mera questão de conveniência?” Este é o ponto de partida para o pensamento do Direito Natural que se desenvolverá através dos tempos, e a resposta a esta questão se transformou na conquista gradual, permanente e ainda distante para nós, do que hoje conhecemos por Direitos Humanos. (MAGALHÃES, 2000, p.10).
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Na Idade Média, os filósofos cristãos desenvolveram a noção de Direito
Natural, de forma a afirmar sua hierarquia. Distinguiram o Direito Natural absoluto do
Direito Natural relativo, este a justificar a falibilidade da natureza humana, o pecado.2
A doutrina de SANTO AGOSTINHO (354-430 d.C.) tem um importante papel nos postulados do Direito Natural absoluto. Ele considerava o governo, o direito e a propriedade, a civilização toda como produto do pecado, e a Igreja, como guardiã da Lei Eterna de Deus, poderia intervir nestas instituições quando julgasse oportuno. [...] Novecentos anos mais tarde, a doutrina de SÃO TOMÁS DE AQUINO (1226-1274) mostra, em maior grau, a necessidade da realidade mostrada através do conceito de Direito Natural relativo expressar os ideais cristãos. (MAGALHÃES, 2000, p.17-18).
Na Idade Média, inexistiram direitos humanos, pois as relações de servidão e
vassalagem não permitiam ao cidadão que perseguisse seus direitos.
Na Inglaterra, redigiu-se a Magna Carta, em 1215, imposta pelos barões
burgueses como forma de limitar o poder do Estado, representado pelo Rei João
Sem Terra. Sua importância, como marco histórico, não pode ser diminuída pelo fato
de ser mais uma garantia dos direitos dos Barões, proprietários de terra, do que de
uma ampla garantia dos direitos de todo o povo.3
Na experiência inglesa, contribuíram para a construção da história dos direitos
humanos, o Habeas Corpus Act, de 1679, e o Bill of Rights, de 1698.
Em seguida à Bill of Rights (1689), surge o Two Treatrises on Government, de Locke, comentário lúcido e prospectivo desta declaração, demonstrando que a sociedade civil origina-se do consentimento, tendo como finalidade básica garantir a vida, as liberdades públicas, a propriedade privada e outros bens inalienáveis de seus associados, através de leis positivas, que traduzem o sentimento da maioria dos representantes do povo. (SOARES, 2000, p.32).
Na segunda metade do século XVIII, as declarações de direitos começaram a
ser mais precisas, no intuito de garantir a real observância de objetivos mais
específicos. De fato, propugnava-se cumprir uma exigência de novos tempos.
Nesse momento, o movimento Iluminista foi fundamental para pensar-se nos direitos e na cidadania, e foi a partir da influência de pensadores como Voltaire, Rousseau, Lavoisier e Kant, que foram possíveis as manifestações concretas das declarações de direitos nos dois marcos fundamentais para a
2 Vê-se o quanto destoa do ideal de justiça e verdade. 3 (...) em todo o documento ficou implícito que ali estava uma lei que ficava acima do rei e que nem ele mesmo poderia violar. Esta afirmação de uma lei suprema e sua expressão numa Carta geral é o grande valor da Magna Carta. (BICUDO, 1997, p.31)
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história dos direitos humanos: a Declaração da Independência Americana, em 1776 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, como resultado da Revolução Francesa de 1789. (MARTINS, 1999, p.255).
Ambos os documentos consagraram direitos, no sentido de considerar que
todos os homens foram criados igualmente e que nascem e permanecem livres,
corporificando Direitos Fundamentais diante do poder do Estado.4
As liberdades fundamentais, proclamadas na Revolução francesa e na
Constituição americana, influenciaram todas as Constituições ibero americanas, do
início do século XIX.
No Estado Moderno, o movimento iluminista adquiriu força como corrente de
pensamento, fundada no racionalismo, difundindo-se, primeiramente, por toda a
Europa ocidental. O poder estatal passava a ser compreendido como força da
vontade popular e, não mais, pela força divina, operando mudanças na relação entre
o Estado e aquele que se pode chamar agora de cidadão.5
As ideologias surgidas levaram a queda das Monarquias e ao surgimento do
Estado Liberal.
Princípios liberais políticos e econômicos sustentavam o Estado Liberal,
caracterizado pelo abstencionismo do Estado frente às questões sociais e
econômicas. Daí, surgiu o capitalismo voraz e desumano contaminando o século XIX
com misérias sociais, agravadas pela Revolução Industrial.
Após a Primeira Guerra Mundial, o Estado comprometeu-se a assegurar que
a sociedade fosse estruturada de forma a permitir o desenvolvimento de questões
sociais, ampliando o conteúdo dos Direitos Fundamentais.6
No início do século XX, surgiu um novo marco: o Constitucionalismo Social. A
Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 (Alemanha)
foram as primeiras constituições sociais.
4 A Modernidade encerra, assim, uma nova era jurídica, sedimentada por meio da consolidação da idéia de uma Constituição como a Lei Suprema de um Estado, que limita o poder político ao mesmo tempo em que reconhece, declara e assegura os direitos mais basilares do ser humano. (FRANCO, 2007, p.16) 5 Com efeito, no plano político o liberalismo trouxe, com a expansão geográfica do constitucionalismo, a positivação crescente das declarações de direitos pelo Direito Público dos Estados nacionais e, concomitantemente, um interesse internacional pela tutela dos direitos humanos. (LAFER, 1988, p.138) 6 Além dos direitos individuais, dos direitos políticos, que foram se afirmando nas democracias-liberais, estão também consagrados os direitos sociais, nas Constituições Modernas. (MAGALHÃES, 2000, p.29).
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Os direitos sociais emergiram como mecanismo de realização dos direitos
individuais de toda uma nação.
O conteúdo conceitual de direitos humanos, nesta fase, compreende direitos sociais, econômicos e culturais, não se tratando mais de admitir direitos naturais, anteriores à sociedade e inerentes à pessoa humana. São direitos que exigem a ação positiva do Estado. (MAGRIN, 1999, p.299)
2.2 A Internacionalização dos Direitos Humanos
Com a criação da Sociedade das Nações, iniciou-se o processo gradativo de
internacionalização dos direitos humanos, submetendo os Estados a princípios
comuns, de dimensões que extrapolavam o universo individualizado de cada um
deles. Os direitos humanos ganharam contornos mais definidos, observando-se sua
eficácia em relação à paz e à segurança mundiais.
“Evidenciou-se o fato de que no plano internacional, há limites à liberdade e à
autonomia dos Estados, apontando à necessidade de relativização da soberania.”
(PIOVESAN, 2004, p.126)
A crise econômica de 1929, que afetou substancialmente os Estados Unidos,
expôs a fragilidade do mundo liberal e introduziu o Direito Econômico como
elemento essencial dos direitos humanos. Diante do aumento da influência da idéia
fascista do Estado Totalitário, o Estado Social decaiu, cedendo lugar a um Estado
opressor e violento. (MAGALHÃES, 2000, p.33).
Em termos de evolução do constitucionalismo, desde Weimar e de Queretaro, passando pela Primeira Guerra e pelas crises econômicas de 1929, com as transformações advindas do New Deal, procurou-se democraticamente superar o espectro do Estado liberal – individualismo e abstencionismo estatal – pelo intervencionismo estatal, estabelecendo-se a inserção constitucional de direitos socioeconômicos, protegidos pelas garantias do Estado de direito. (SOARES, 2004, p.206).
As atrocidades ocorridas nas duas grandes Guerras Mundiais revelaram
graves abusos aos direitos humanos. A proteção internacional destes direitos
começou a se desenvolver, como resposta aos crimes cometidos contra a pessoa
humana, na era nazi-fascista. Os primeiros passos rumo à internacionalização dos
direitos humanos remontam ao final do primeiro grande conflito mundial, quando
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surgiram o Direito Humanitário7, a Liga das Nações8 e Organização Internacional do
Trabalho- OIT9.
Para Piovesan, “registra-se o fim de uma época, em que os Direito
Internacional era, salvo raras exceções, confinado a regular relações entre Estados,
no âmbito estritamente governamental.” (2004, p.128)
Nesta fase, o Direito Internacional passou a limitar a atuação do Estado em
favor da coexistência pacífica entre os povos.
No pós-guerra, desenvolveram-se os direitos de solidariedade ou direitos de
terceira geração, concluindo que os direitos do povo são, ao mesmo tempo, direitos
individuais e direitos coletivos interessando a toda a humanidade. (MAGRIN, 1999,
p.300).
A consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos deu-se em
meados do século XX, como conseqüência da Segunda Guerra Mundial. Trata-se de
um “fenômeno do pós-guerra”.10
Como explicam Richard Pierre Claude e Burns H. Weston: “(...) A doutrina em defesa de uma soberania ilimitada passou a ser crescentemente atacada, durante o século XX, em especial em face das conseqüências da revelação dos horrores e das atrocidades cometidas pelos nazistas contra os judeus durante a Segunda Guerra, o que fez com que muitos doutrinadores concluíssem que a soberania estatal não é um princípio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitações em prol dos direitos humanos. (...) No período do pós-guerra, os indivíduos tornaram-se foco de atenção internacional. A estrutura do contemporâneo Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a se consolidar. Não mais poder-se-ia afirmar, no fim do século XX, que o Estado pode tratar de seus cidadãos da forma que quiser, não sofrendo qualquer responsabilização na arena internacional. Não mais poder-se-ia afirmar no plano internacional that king can do no wrong.” (PIOVESAN, 2004, p.133)
Até 1945, a proteção dos direitos dos indivíduos era matéria de domínio
exclusivo dos Estados. A transcendência dos direitos humanos, relativamente aos
valores estatais, despertou o legitimo interesse internacional sobre a matéria.11
7 O Direito Humanitário, legitimado como o direito da guerra, tratou do respeito à condição humana nos conflitos armados. 8 A Liga das Nações representou a primeira tentativa de fomentar a cooperação entre as nações, estabelecendo a paz duradoura e a segurança mundial como metas. Entretanto, esse organismo internacional não foi capaz de evitar a eclosão da 2ª Guerra Mundial. 9 A OIT estabeleceu padrões internacionais de condições de trabalho e bem-estar. 10 Segundo Thomas Buergenthal, citado por Piovesan (2004, p.131). 11 Os desmandos dos totalitarismos que aterrorizavam vários países da Europa e que levaram ao megaconflito haviam consolidado a percepção Kantiana de que os regimes democráticos apoiados nos direitos humanos eram os mais propícios à manutenção da paz e da segurança internacionais. Daí a necessidade de apoiar em normas internacionais o ideal dos direitos humanos. Sobretudo,
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A necessidade de intervenção internacional na proteção dos direitos humanos
impulsionou o processo de internacionalização destes direitos, tornando possível a
criação de uma sistemática normativa internacional.12
Nesse contexto, foi criada a Organização das Nações Unidas em 24 de
outubro de 1945, que sucedendo a Liga das Nações, ampliou o campo de aplicação
do Direito Internacional. Aos propósitos de manutenção da paz e segurança, a Carta
das Nações Unidas (1945) acrescentou a promoção e o estímulo ao respeito dos
direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos, mediante a cooperação
internacional.
Preleciona Duran que:
(...) a viabilidade dos sistemas políticos, o desenvolvimento econômico, e a estabilidade da ordem internacional, dependem, substancialmente, do respeito e da promoção dos direitos humanos. Portanto, a Carta já destacava, em 1945, a interdependência e a íntima relação existente entre a paz, o desenvolvimento e os direitos humanos. (DURAN, 1996, p.33, tradução nossa)13
Em 10 de dezembro de 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos
Direitos do Homem14. Nos seus trinta artigos, a Declaração fixou, em âmbito
internacional, os direitos humanos até então constantes de declarações e outros
instrumentos existentes apenas nas esferas nacionais.
“A Declaração Universal foi adotada como uma resolução da Assembléia
Geral da ONU. Não é um tratado e, consequentemente, não está sujeito a ratificação
insinua-se, entre os líderes democráticos, a percepção de que os direitos humanos não podem mais constituir matéria do domínio exclusivo dos Estados e que algum tipo de controle internacional faz-se necessário para conter o mal ativo e passivo prevalecentes no mundo. LAFER, Celso. A ONU e os direitos humanos. p.174. Estudos Avançados. vol.9. nº 26. São Paulo. Dezembro/1995. p.169-185. Texto extraído de www.scielo.br. Acesso em 17/10/06. 12 Vale dizer, no âmbito do Direito Internacional, começa a ser delineado o sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos. É como se se projetasse a vertente de um constitucionalismo global, vocacionado a proteger direitos fundamentais e a limitar o poder do Estado, mediante a criação de um aparato internacional de proteção de direitos. (PIOVESAN, 2006, p.11) 13 (...) la viabilidad de los sistemas políticos, el desarrollo económico y la estabilidad del orden internacional, dependen, sustancialmente del respeto y la promoción a los derechos humanos. Por tanto, ya la Carta ponía de relieve en 1945 la interdependencia y la íntima relación existente entre la paz, el desarrollo y los derechos humanos. (DURAN, 1996, p.33) 14 O plano geral era de uma Carta (Bill) Internacional de Direitos Humanos, da qual a Declaração seria apenas a primeira parte, a ser complementada por uma Convenção ou Convenções (posteriormente denominadas Pactos) e medidas de implementação. (TRINDADE, 2003a, p.57-58).
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ou adesão. Todavia, apresenta valor normativo.” (BUERGENTHAL, SHELTON,
1995, p.18, tradução nossa)15
Trata-se de valor normativo de cunho principiológico e, também,
consuetudinário.
A Declaração Universal delineou o alcance dos direitos consagrados na Carta
da ONU ao estabelecer valores a serem atingidos por todos os povos.16
Conforme Alves, “contrariamente ao que se costuma afirmar, a Declaração
não representa um “mínimo denominador comum” de distintos sistemas e culturas.
Ela se proclama “o ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações.” (1997,
p.27)
Ainda que eventualmente violados, os direitos estabelecidos na Declaração
estão amplamente consolidados no universo jurídico mundial.
A Declaração tem sofrido importantes transformações desde sua adoção em 1948. Atualmente, a doutrina sustenta, quase unanimemente, que a Declaração é um instrumento normativo que cria obrigações legais para os Estados-membros da ONU. A disputa sobre seu caráter legal, no caso de existir, não se refere a sua falta de força obrigatória. O desacordo se reduz a saber se todos os direitos proclamados têm força obrigatória e em que circunstâncias. (BUERGENTHAL, GROSSMAN, NIKKEN, 1990, p.25-26, tradução nossa)17
Ao fixar parâmetros mínimos de proteção, a Declaração Universal incitou a
adoção de tratados de proteção aos direitos humanos, nas esferas global e regional.
Foram adotados dois Pactos Internacionais pela Assembléia Geral da ONU: o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Aprovados em 1966 e em vigor desde 1976).
15 The Universal Declaration was adopted as a resolution of the UN General Assembly. It is not a treaty and consequently is not subject to ratification or adherence. Nonetheless, it does have normative value. (BUERGENTHAL, SHELTON, 1995, p.18) 16 Com o advento da Declaração de 1948, portanto, o mundo jurídico finalmente consagra, inconteste, a universalidade dos direitos humanos, decorrentes basicamente dos valores da liberdade, igualdade, solidariedade e dignidade humana. E tal reconhecimento, cumpre salientar, faz-se de modo imperativo e vinculante, portanto obriga os Estados signatários a observar in totum as disposições constantes da Declaração. (FRANCO, 2007, p.22) 17 La Declaración ha sufrido importantes transformaciones desde su adopción en 1948. Actualmente la doctrina sostiene casi unánimemente que la Declaración es un instrumento normativo que crea obligaciones legales para los Estados miembros de la ONU. La disputa sobre su carácter legal, en caso de existir, no se refiere a su falta de fuerza obligatoria. El desacuerdo se reduce a saber si todos los derechos proclamados tienen fuerza obligatoria y en qué circunstancias.(BUERGENTHAL, GROSSMAN, NIKKEN, 1990, p.25-26)
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22
Seguiram-se os seguintes documentos: Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem (Bogotá, 1948), Convenção Americana dos Direitos do Homem
(São José da Costa Rica, 1969), dentre outros18.
Os Direitos Humanos foram perdendo, pouco a pouco, o caráter unicamente
de generalidade, através da realização de pactos internacionais direcionados a
proteção de grupos determinados de cidadãos ou de situações específicas, como a
Convenção Internacional sobre a Eliminação das formas de Discriminação Racial
(1965), Convenção Internacional contra a Tortura (1984), Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989).
Portanto, o princípio da reciprocidade esvazia-se no campo dos tratados de
proteção de direitos humanos. A elaboração das convenções internacionais de
proteção aos direitos humanos consagrou o conceito do respeito a certos direitos
devido à natureza dos mesmos e não devido à qualquer lógica de oportunidade e
reciprocidade. O resultado é que não se pode falar de vantagens ou desvantagens
individuais – os chamados interesses materiais – dos Estados no tocante à proteção
dos direitos humanos.(...) Esse caráter objetivo das obrigações de respeito a direitos
humanos assumidas pelo Estado põe em evidência que a responsabilização
internacional do Estado por violação de direitos humanos tutela o interesse do
indivíduo e não um interesse material do Estado. (RAMOS, 2002, p.34-35)
No entanto, o sistema de proteção das Nações Unidas aos direitos humanos,
nos moldes existentes, saiu fortalecido da Conferência Mundial de Viena sobre
Direitos Humanos, de 199319, ao reafirmar a sua universalidade acima de quaisquer
particularismos.20
18 Segundo Trindade, as três Convenções regionais gerais sobre direitos humanos também contêm referências expressas em seus preâmbulos à Declaração Universal de 1948: é o caso da citada Convenção Americana, assim como, da Convenção Européia de Direitos Humanos (1950) e da Carta Africana de direitos Humanos e dos Povos (1981). A Declaração Universal afigura-se, assim, como a fonte de inspiração e um ponto de irradiação e convergência dos instrumentos sobre direitos humanos em nível tanto global quanto regional. Este fenômeno vem sugerir que os instrumentos globais e regionais sobre direitos humanos, inspirados e derivados de fonte comum, se complementam, desviando o foco de atenção ou ênfase da questão clássica da estrita delimitação de competências para a da garantia de uma proteção cada vez mais eficaz dos direitos humanos. (2003a, p.65) 19 A Conferência de Viena reuniu delegações de 171 Estados, teve 813 organizações não-governamentais acreditadas como observadores da Conferência e mobilizou duas mil organizações não-governamentais no Fórum paralelo das ONGs. A abrangência de sua representatividade conferiu, assim, legitimidade inédita tanto aos avanços conceituais que logrou na área dos direitos humanos quanto aos parâmetros que fixou para nortear o desenvolvimento da estrutura internacional montada para sua proteção e promoção. LAFER, Celso. A ONU e os direitos humanos. p.181.Estudos
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23
No âmbito do Secretariado das Nações Unidas, foi instituída a figura do Alto
Comissário para os Direitos Humanos, conforme recomendações da Conferência de
Viena, de 1993. Dotado de autonomia, responsabilizou-se pela coordenação de todo
o sistema de promoção e proteção universal dos direitos humanos.
No Brasil, a democratização, iniciada em 1985, possibilitou a incorporação do
Direito Internacional dos Direitos Humanos.21
Os fundamentos últimos da proteção dos direitos humanos transcendem o direito estatal, e o consenso hoje generalizado quanto à necessidade de internacionalização de sua proteção corresponde a uma manifestação cultural contemporânea, juridicamente viabilizada pela coincidência de objetivos entre o direito internacional e o direito interno quanto à proteção da pessoa humana. (TRINDADE, 1992, p.40)
2.3 A Concepção dos Direitos Humanos na Atualidade
Os direitos humanos têm como imperativo uma sociedade organizada,
segundo os ditames da justiça, ao assegurar aos seus cidadãos liberdade e
dignidade para conviverem pacificamente com seus pares.
Os direitos humanos participam na própria organização do Estado, enquanto
instrumentos politizadores capazes de legitimar toda e qualquer relação de poder
entre o Estado e seus cidadãos.
Galli e Dulitzky consideram “as violações de direitos sistemáticas como sendo
conseqüência direta das circunstâncias estruturais e conjunturais do processo de
transição democrática dos países da América Latina.” (2000, p.54)
O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com
a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses,
Avançados. vol.9. nº 26. São Paulo. Dezembro/1995. p.169-185. Texto extraído de www.scielo.br. Acesso em 17/10/06. 20 Conforme a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), em seu artigo primeiro: “A natureza universal desses direitos e liberdades está fora de questão.” 21 Neste sentido, constatou-se a dinâmica e a dialética da relação entre democracia e direitos humanos, tendo em vista que, se o processo de democratização permitiu a ratificação de relevantes tratados internacionais de direitos humanos, por sua vez, esta ratificação permitiu o fortalecimento do processo democrático, através da ampliação e do reforço do universo de direitos fundamentais por ele assegurado. (PIOVESAN, 2004, p.311-312)
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24
das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das
transformações técnicas, etc. (BOBBIO, 1992, p.18).
Percebe-se que os direitos humanos não são enumerados de forma
taxativa22, pois seu fundamento está em atender às aspirações do homem, enquanto
sujeito de Direito Internacional, na dinâmica história da humanidade.
O homem, como sujeito da história, deve ser agente transformador da
realidade23, ainda mais, quando percebe a força contida no grupo em que está
inserido, para reivindicar seus próprios interesses.
Os cidadãos atribuem a legitimidade a um Estado, proporcionalmente, na
medida em que se sentem seguros para exercer os direitos humanos. A força e o
poder de um Estado estão diretamente ligados às condições de confiabilidade que
são transpassadas aos seus cidadãos.
Embora os direitos humanos possam ser considerados como uma conquista
das lutas populares e movimentos sociais que se realizaram no decorrer da história,
sobretudo, nos séculos XVIII, XIX e XX, a experiência cotidiana demonstra que
novos obstáculos e desafios trazem novos direitos a ser superados.24
Como ser essencialmente histórico, o homem não pára de se inter-relacionar.
Nas suas múltiplas relações, o homem ultrapassou os limites do Estado para se
socializar no âmbito internacional. Nesta perspectiva, as relações humanas
intensificaram-se, de forma a tornarem-se menos amistosas, pois passaram a
envolver questões relativamente à soberania de Estados.
Embora a ONU esteja envidando esforços para a diminuição da violência e
para a propagação da paz no mundo, favorecendo, desta forma, a afirmação dos
Direitos Humanos, o choque de soberanias, ainda, é uma realidade.
Esclarece Soares que:
A conexão entre soberania e violência, que emerge de sua dimensão histórica, revela-se a cada momento no qual a violência se torna soberana.
22 Segundo Ramos, se enquadra como direito fundamental da pessoa humana, então, aquele direito cujo conteúdo é decisivamente constitutivo da manutenção da dignidade da pessoa humana em determinado contexto histórico. Tais margens móveis do conceito de direitos humanos também denomina-se eficácia irradiante dos direitos fundamentais. (2002, p.3). 23 O valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem. (LAFER, 1988, p.118) 24 Contudo, se a identificação dos diferentes direitos humanos varia na História, a sua referibilidade em conjunto ao homem todo e a todos os homens tem sido incontestavelmente invariável. COMPARATO, Fábio Konder. Fundamento dos Direitos Humanos. 1997. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Texto extraído de www.iea.usp.br/artigos. Acesso em 06/10/06.
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25
A consciência da violência, como problema fundamental da sociedade, perpassa toda a modernidade, mas há, ao mesmo tempo, tranqüilizadora autoconfortação de que desincorporada a violência do conjunto do sistema social e incorporada no sistema de direito e da política, torna possível a existência da ordem social. (2004, p.113-114).
A relativização do conceito de soberania torna-se indispensável à
harmonização das relações de poder, para que se chegue a um discurso comum em
relação aos direitos humanos, considerados universalmente.25
Para MARTINS, “a contemporaneidade pede a redefinição conceitual do
universalismo dos direitos humanos em multiculturalismo como via emancipatória
dos indivíduos, na esfera nacional, e dos Estados, na esfera internacional” (1999,
p.272).
Entretanto, a uniformização dos direitos humanos em direção à universalidade
não é tarefa das mais fáceis, pois os interesses políticos ditam o curso dos
acontecimentos históricos e, os direitos humanos estão vinculados a estes
interesses, quando deveriam prevalecer como meio de resistência ao processo de
globalização. Mas, jamais como justificativa de afirmação de poder, de intervenção
armada ou legitimação de atrocidades, pelo que se teme a sua descontextualização.
No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. (PIOVESAN, 2004, p.132).
Por isso, é importante restabelecer o curso do processo histórico, no sentido
de resgatar a plena condição de exercício dos direitos humanos26, na busca da
universalização destes direitos. Dessa forma, a realidade somente poderá ser
representada, segundo princípios maiores, reguladores da coexistência humana.
Apenas a reconstrução dos direitos humanos é potencialmente capaz de
remodelar o quadro do mundo, paralisado pelo cenário regressivo da violência.
25 Prenuncia-se, desse modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania. (PIOVESAN, 2006, p.12) 26 Para Fiorati, somente com a proteção legislativa e a real implementação dos direitos humanos é que se poderá preservar a dignidade humana eliminando o risco que implica o processo de coisificação do ser humano representado, quer pelo totalitarismo, quer pelo desenvolvimento econômico, que não leve em conta o fato de que é o homem o seu sujeito e não o seu objeto. (1995, p.190)
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26
Como instrumentos políticos, os direitos humanos devem acompanhar as
exigências de seu tempo, fortalecendo-se como bem maior da humanidade, único
capaz de perpetuar a existência do homem na terra.27
27 Em uma dimensão mais ampla e elevada, o que almejamos é em última análise a criação de uma cultura de direitos humanos. (TRINDADE, 1992, p.40)
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27
3 SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HU MANOS
3.1 A Coexistência entre os Sistemas Global e Regio nal de Proteção aos
Direitos Humanos e a Prevalência da Norma mais Bené fica
A essência do sistema internacional de proteção dos direitos humanos
consiste em somar, aperfeiçoar e proteger integralmente a pessoa humana. Assim,
os diversos sistemas coexistem em benefício do indivíduo.
Para Jayme, “(...) sistema de direitos humanos existe para reconhecer direitos
e liberdades às pessoas, e não para facultar aos Estados fazê-lo.” (2005, p.88).
A Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, inspira a
normatização relativa à proteção dos direitos humanos em escala global e regional,
apesar de ter sido promulgada posteriormente a Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem.28
Os sistemas universal e regional29 de proteção se interagem, de forma a
garantir a representatividade dos povos nas suas diferentes manifestações de ser,
viver e contribuir para o desenvolvimento da humanidade.
Segundo Trindade, “a universalidade, no entanto, não equivale à uniformidade
total; pelo contrário, é enriquecida pelas particularidades regionais. Cada sistema
regional vive seu próprio momento histórico.” (2003a, p.30).
Para Piovesan, “os sistemas não são dicotômicos, mas, ao revés, são
complementares.” (2000, p.24). Enquanto, o sistema global deve definir parâmetros
mínimos de proteção, sob aspectos generalistas, o sistema regional deve preocupar-
se em retratar a realidade de determinada região.
Não existe hierarquia entre ambos os sistemas de proteção dos direitos
humanos.30 Além disso, igualmente não existe hierarquia entre o sistema
internacional, seja global ou regional, e o sistema jurídico dos países.31
28 No tocante a sua projeção normativa, constituíram ambas as Declarações um ímpeto decisivo, como já indicado, no processo de generalização da proteção internacional dos direitos humanos que as quase cinco últimas décadas têm testemunhado. Esse processo passou a visar a proteção do ser humano como tal, e não mais sob certas condições ou em setores circunscritos como no passado. (TRINDADE, 2003a, p.62-63) 29 Sistema Interamericano, Europeu e Africano. Pode-se falar em um incipiente Sistema Árabe e a proposta de criação de um Sistema Regional Asiático.
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28
O sistema internacional funciona como garantia adicional de proteção,
atuando sempre quando o Estado não se mostra apto a implementar direitos e
liberdades fundamentais em seu território.
Segundo Trindade, “(...) é certo que os tribunais internacionais de direitos
humanos - as Cortes Européia e Interamericana - não substituem os tribunais
internos, e tampouco operam como tribunais de recursos ou de cassação de
decisões dos tribunais internos.” (1997, p.212-213)
A tendência da coexistência dos distintos instrumentos aludidos é no sentido
de ampliar e fortalecer a proteção dos direitos humanos, importando, em última
análise, o grau de eficácia da proteção. Assim, será aplicada ao caso concreto, a
norma que melhor proteger a vítima, independentemente de ser de Direito
Internacional ou de Direito Interno. (PIOVESAN, 2000, p.25)
O indivíduo possui a prerrogativa de acionar o procedimento internacional que
se mostrar mais conveniente. Se acreditar que uma solução no âmbito regional
atenderá perfeitamente às suas pretensões, renunciará ao sistema global. Não
significa que os instrumentos de caráter universal tenham que ser afastados, mas
deixarão de prevalecer, por existir norma regional mais favorável à vítima de
violação de direitos humanos. Pouco importa quais normas, universais ou regionais,
estejam sendo utilizadas, se os direitos humanos estiverem sendo resguardados na
sua integralidade.
(...) resulta claro não haver lugar para pretensões ou insinuações de supostos antagonismos entre soluções nos planos universal ou regional, porquanto a multiplicidade de instrumentos- universais e regionais, gerais ou especializados – sobre direitos humanos tem tido o propósito e acarretado a consequência de ampliar o âmbito da proteção devida às supostas vítimas. (TRINDADE, 2003a, p.29).
Segundo explicação de Henry Steiner, citado por Piovesan em nota:
30 As duas sistemáticas podem ser conciliadas em uma base funcional: o conteúdo normativo de ambos os instrumentos internacionais, tanto global como regional, deve ser similar em princípios e valores, refletindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é proclamada como um código comum a ser alcançado por todos os povos e todas as nações. (PIOVESAN, 2006, p.54) 31 O gradual reconhecimento pelos Estados da natureza subsidiária dos procedimentos internacionais de solução de supostas violações de direitos humanos contribuiu consideravelmente para tornar possível o progresso nesta área. Os indivíduos passaram a poder exercer direitos emanando diretamente do direito internacional (droit des gens), cuja implementação haveria de inspirar-se e fortalecer-se na noção da garantia coletiva dos direitos consagrados. Tornou-se patente, na operação
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29
Hoje, não tem havido grandes conflitos de interpretação entre os regimes regionais e o regime da Nações Unidas. Teoricamente, os conflitos devem ser evitados mediante a aplicação das seguintes regras: (1) os standards da Declaração Universal e de qualquer outro tratado das Nações Unidas acolhido por um país devem ser respeitados; (2) os standards de direitos humanos que integram os princípios gerais de Direito Internacional devem ser também respeitados; e (3) quando os standards conflitam, o que for mais favorável ao indivíduo deve prevalecer. (2000, p.25)
Ou seja, o critério da prevalência da norma mais benéfica para a vítima de
violações de direitos humanos possibilita maior coordenação entre os instrumentos
de proteção, resguardando a integridade do indivíduo.
O sistema interamericano consagra o princípio da prevalência da norma mais
benéfica para a vítima, conforme dispõe o artigo 29 da Convenção Americana.32
A Convenção Americana, com as peculiaridades que apresenta, somente
será aplicada no caso de ampliação do grau de proteção de direitos humanos.
Este princípio há de prevalecer e orientar a interpretação e aplicação da normatividade de direitos humanos, ficando afastados princípios interpretativos tradicionais, como o princípio da norma posterior que revoga a anterior com ela incompatível, ou o princípio da norma especial que revoga a geral no que apresenta de especial. A interpretação a ser adotada no campo do Direito dos Direitos Humanos é a interpretação axiológica e teleológica, que conduza sempre à prevalência da norma que melhor e mais eficazmente proteja a dignidade humana. (PIOVESAN, 2000, p.26)
de tal sistema de proteção internacional, o reconhecimento de que os direitos humanos protegidos são inerentes à pessoa humana e não derivam do Estado. (TRINDADE, 1992, p.26) 32 Artigo 29, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados; c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.
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30
4 SISTEMA INTERNACIONAL GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIRE ITOS
HUMANOS
4.1 Sistema Global de Proteção das Nações Unidas
A Carta das Nações Unidas prevê expressamente obrigações legais
concernentes aos direitos humanos33, observando-se que a maior parte dos Estados
aderiu à Carta, colaborando para a propagação de seus ideais.34
A Comissão de Direitos Humanos, órgão da ONU, subordinado ao Conselho
Econômico e Social, de caráter intergovernamental, promove os tratados e
declarações sobre direitos humanos, em sua maioria, ao atuar como um dos
principais foros internacionais.
O sistema global de proteção dos direitos humanos, idealizado pela
Organização das Nações Unidas, compõe-se de normas de alcance geral e especial.
As normas de alcance geral, destinadas, genérica e abstratamente, a todos
os indivíduos, são os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e o de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.35
A Declaração de 1948 e os dois Pactos Internacionais de 1966 formam a
Carta Internacional dos Direitos Humanos.
As normas de alcance especial, direcionadas a indivíduos ou grupos
específicos, abrangem a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou
33 Artigo 1º da Carta das Nações Unidas (1945): “Os propósitos das Nações Unidas são: 3. (...) promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.” 34 Não dispondo a ONU de poder de coerção- salvo para os casos previstos no Capítulo VII de sua Carta, atinentes a ameaças à paz e à segurança internacionais, de competência do Conselho de Segurança- suas construções na esfera dos direitos humanos têm relevância pelo conteúdo moral. Sem configurar uma jurisdição supranacional, o sistema de proteção tem, ainda assim, preeminência respeitável. A adequação das legislações nacionais a seus parâmetros confere legitimidade jurídica às instituições estatais. As recomendações, exortações e condenações dos comitês e outros mecanismos de controle confirmam ou retiram legitimidade às postulações e denúncias de violações normalmente veiculadas pelos meios de comunicação, ONGs e outros atores importantes nesse campo. (ALVES, 1996, p.238-239) 35 Em contraste com a rapidez da Declaração, a elaboração e a adoção dos instrumentos jurídicos que deveriam conferir obrigatoriedade aos direitos por ela consagrados levaram 20 anos. O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foram adotados por unanimidade pela Assembléia Geral em 10 de dezembro de 1966. E as 35 ratificações necessárias à entrada em vigor de cada um somente foram conseguidas dez anos depois, em 1976. (ALVES, 1996, p.240)
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31
Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes36, a Convenção para a Eliminação da
Discriminação contra a Mulher37, a Convenção para a Eliminação de todas as formas
de Discriminação Racial38 e a Convenção sobre os Direitos da Criança39.
Firma-se, assim, no âmbito do sistema global, a coexistência dos sistemas geral e especial de proteção complementares. O sistema especial de proteção realça o processo da especificação do sujeito de direito, no qual o sujeito passa a ser visto em sua especificidade e concretude (ex.: protege-se a criança, os grupos étnicos minoritários, os grupos vulneráveis, as mulheres,...). Já o sistema geral de proteção (ex.: Pactos da ONU de 1966) tem por endereçada toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. (PIOVESAN, 2000, p.21)
Esse tratamento dispensado aos direitos humanos não significa uma ruptura
do seu caráter universal, mas uma ampliação de seus efeitos protetivos.40
O sistema ONU apresenta também dois tipos de procedimento41: os
convencionais e os não convencionais.
Para Piovesan, a escolha do procedimento adequado a um caso específico
deve levar em consideração: “ser ou não o Estado violador parte de uma convenção
determinada, haver ou não suficiente pressão política para sensibilizar órgãos de
proteção essencialmente políticos, existir ou não o interesse em se construir
precedentes normativos.” (2004, p.223)
36 Adotada em 1984, em vigor desde 1987. 37 Adotada em 1979, em vigor desde 1981. 38 Adotada em 1965, em vigor desde 1969. 39 Adotada em 1989, em vigor desde 1990. 40 A busca de meios e modos para assegurar garantias especiais aos indivíduos e grupos mais vulneráveis ou para reforçar as salvaguardas internacionais contra as violações mais recorrentes é esforço louvável dos tempos modernos que tem por objetivo fortalecer- e não debilitar -o caráter universal dos direitos entronizados na Declaração de 1948. (ALVES, 1997, p.84) 41 À atividade normativa da ONU, sucintamente resenhada, que teve o mérito de conferir hierarquia e prioridade axiológica ao tema dos Direitos Humanos no plano internacional, a Comissão de Direitos Humanos veio a instituir gradativamente um sistema de controle das violações de direitos humanos em todo o mundo. LAFER, Celso. A ONU e os direitos humanos. p.178. Estudos Avançados. vol.9. nº 26. São Paulo. Dezembro/1995. p.169-185. Texto extraído de www.scielo.br. Acesso em 17/10/06.
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32
4.1.1 Procedimentos Convencionais
Tais procedimentos pressupõem previsão expressa em tratados, pactos e
convenções internacionais42, funcionando mediante sistema de denúncias, relatórios
e investigações pelos Comitês.
O sistema convencional possui três grandes divisões: a não-contenciosa, que é a mais antiga e elaborada a partir de técnicas de solução de controvérsias do Direito Internacional clássico, tais como os bons ofícios e a conciliação. Há ainda o sistema quase-judicial, que é a criação recente do pós 2ª Guerra Mundial e por sua vez possui duas espécies: a responsabilização iniciada por petições de Estados e ainda por petições de particulares contra Estados. Finalmente, há o sistema judicial ou contencioso, no qual a responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos é estabelecida através de um processo judicial, processado perante uma Corte internacional. (RAMOS, 2002, p.120)
A ONU criou órgãos com competência para receber petições ou
comunicações de indivíduos, vítimas de violações de direitos humanos, com a
função de monitorar as obrigações assumidas pelos Estados-partes.
Aderindo a um tratado, os Estados concordam, automaticamente, em
fornecer relatórios periódicos a respeito das medidas tomadas para a preservação
dos direitos constantes do tratado.
O sistema de petições, no entanto, é facultativo, pois a mera ratificação do
tratado não implica aceitação deste mecanismo de controle pelo Estado.
O Brasil ratificou a maior parte dos instrumentos internacionais de proteção
aos direitos humanos do sistema global43, tais como: a) o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos44, em 24/01/92; b) o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais
42 Os mecanismos convencionais monitoram a implementação, pelos Estados-partes, dos Pactos e Convenções, das obrigações decorrentes de sua ratificação ou adesão aos instrumentos pertinentes, tendo por primeira atribuição, o exame de relatórios elaborados pelos governos. (ALVES, 1997, p.84) 43 Longe de significar abdicação de soberania, a adesão a esses pactos assegura ao Estado signatário o seu direito de ingresso no grupo de nações que se podem definir como minimamente civilizadas. (HERKENHOFF, 1998, p.38) 44 Tratado que confere o caráter de obrigação legal internacional, para os Estados-partes, aos direitos humanos chamados “de primeira geração”- aqueles que historicamente foram reconhecidos mais cedo como direitos humanos, pelos filósofos do Iluminismo e nas declarações norte-americanas de 1776 e francesa de 1789-, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos descreve, aprofunda, modifica e amplia o conjunto de direitos do indivíduo consagrados na Declaração Universal. (ALVES, 1997, p.35)
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33
e Culturais45, em 24/01/92; c) a Convenção para a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher46, em 01/02/84; d) a Convenção para a Eliminação
de todas as formas de Discriminação Racial47, em 27/03/68; e) a Convenção sobre
os Direitos da Criança48, em 24/09/90; f) a Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes49, em 1989.
O mínimo que se pode esperar é a adoção de disposições de direito interno,
capazes de tornar efetivos os direitos e liberdades, enunciados nos tratados em que
o Estado brasileiro seja signatário.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos determinou,
obrigatoriamente, a implementação imediata dos direitos por ele reconhecidos.
Inversamente, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais possibilitou que
os Estados-partes adotassem, de forma progressiva, as medidas necessárias à
efetivação dos direitos por ele enunciados.50
Relativamente ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais , Steiner assevera que a necessária e obrigatória cooperação internacional
45 Primeiro e único instrumento jurídico de abrangência genérica e escopo mundial a conferir obrigatoriedade à promoção e proteção dos direitos humanos “de segunda geração” – reconhecidos como fundamentais apenas intuitivamente pelo Iluminismo e consagrados como direitos pela primeira vez na Declaração Universal de 1948-, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a exemplo de seu homólogo sobre direitos civis e políticos, descreve, aprofunda e amplia os direitos da pessoa humana como ser social, estabelecidos nos artigos 23 a 27 da Declaração de 1948. (ALVES, 1997, p.44) 46 (...) a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher- ou, mais simplesmente, a Convenção sobre a Mulher- é abrangente, embora não-exaustiva, abordando tanto os direitos civis e políticos como os direitos econômicos, sociais e culturais. Endossa, portanto, pela ótica da situação e das necessidades específicas da mulher, e com a cogência inerente a instrumento normativo formal, a noção da interdependência e indivisibilidade de todos os direitos. (ALVES, 1997, p.112-113) 47 À repugnância pelas práticas racistas do nazismo nos anos 30 e 40, particularmente as anti-semitas, associou-se, assim, o forte sentimento anticolonialista predominante no mundo da década de 60, para a definição de normas internacionais contrárias à discriminação racial e ao fenômeno do racismo em todas as suas dimensões, com validade e aplicabilidade em qualquer região do planeta. (ALVES, 1997, p.88-89) 48 A Convenção sobre os Direitos da Criança é atual sobretudo em termos de enfoque. Ela supera as divergências doutrinárias sobre as “gerações” de direitos, afirmando o conceito do desenvolvimento integral da criança. Reconhece, pela primeira vez, a criança como sujeito de direitos, cujas opiniões devem ser ouvidas e respeitadas em todas as instâncias pertinentes. Dispõe-se a regular a observância desses direitos, individuais e coletivos, em todas as esferas, utilizando com critério interpretativo essencial o interesse maior de seus titulares. (ALVES, 1997, p.161-162) 49 De todos os tipos de violação de direitos humanos necessariamente particularizada à dimensão individual, a tortura é, muito provavelmente, a que mais repugna à consciência ética contemporânea. (ALVES, 1997, p.134) 50 Alves questiona o fato de que: “propicia aos governos a possibilidade de relegar os direitos econômicos e sociais a um segundo plano, atribuindo-lhes o caráter de objetivos a serem alcançados quando factível. Nessas condições, acaba-se assumindo, ainda que involuntariamente, em termos práticos, a interpretação liberalista tradicional de que eles não seriam efetivamente direitos, mas simples metas a serem perseguidas. (ALVES, 1997, p. 45)
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é o traço que mais o distingue do Pacto de Direitos Civis e Políticos. Ocorre que, os
direitos assegurados neste último pressupõem o aperfeiçoamento de medidas
internas no Estado. (2000, p.40)
Inobstante a elaboração de dois Pactos diversos, a indivisibilidade e unidade
dos direitos humanos era reafirmada pela ONU, sob a fundamentação de que sem
direitos sociais, econômicos e culturais, os direitos civis e políticos só poderiam
existir no plano nominal e, por sua vez, sem direitos civis e políticos, os direitos
sociais, econômicos e culturais também apenas existiriam no plano formal.
(PIOVESAN, 2004, p.166)
O Brasil, ainda, não reconheceu a competência dos órgãos de supervisão e
monitoramento, os respectivos Comitês de Direitos Humanos, contra a
Discriminação Racial e contra a Tortura, impedindo a apreciação de denúncias de
casos graves de violação de direitos humanos e impossibilitando a devida
fiscalização quanto ao cumprimento das obrigações assumidas internacionalmente.
Segundo o sistema de petições ou denúncias individuais, tais órgãos
receberiam denúncias de casos de violações de direitos humanos ocorridos no país,
possibilitando aos outros órgãos internacionais de supervisão, além da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da OEA, atuação na garantia de proteção dos
direitos humanos no Brasil.
O Pacto dos Direitos Civis e Políticos preconiza o sistema de comunicações
interestatais, em que um Estado pode denunciar outro Estado-parte que tenha
incorrido em violação de direitos humanos.
Contudo, os Estados envolvidos devem reconhecer a competência do Comitê
de Direitos Humanos para intervir nestes casos.
O sistema global prevê outros mecanismos, como o sistema de investigações
e o sistema de relatórios. Assim, ao ratificar os tratados internacionais mencionados,
o Brasil assumiu a obrigação de enviar relatórios periódicos para os Comitês,
podendo ser submetido a eventual investigação sobre a situação dos direitos
humanos no seu território.51
51 O Brasil apresentou o seu relatório inicial ao Comitê de Direitos Humanos em 1994. Em 24 de julho de 1996, o Comitê apresentou seus comentários ao relatório brasileiro e recomendações de ações governamentais (de atribuição do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário). Como aspecto positivo, o Comitê reconheceu o comprometimento do Estado brasileiro em adotar medidas que melhoram a proteção dos direitos contemplados no Pacto, elogiando o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, através do Decreto federal 1904/96, que pretendeu acelerar o processo de respeito e observância dos direitos humanos no Brasil. Os principais pontos de preocupação do
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Nos moldes do Comitê dos Direitos Humanos, criou-se o Comitê dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, porém com competência restrita ao exame de
relatórios, não prescrevendo a possibilidade de queixas interestatais ou petições
individuais.
Diversos outros comitês foram criados para atender situações mais
específicas, como o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial, o Comitê
sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, o Comitê contra a Tortura e
outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e o Comitê para
os Direitos da Criança.52
Piovesan ressalta a importância de se instituir um Tribunal Internacional de
Direitos Humanos no âmbito da ONU, para efetivamente responsabilizar os Estados
violadores de direitos humanos, “uma vez que o sistema global se vê limitado à
atuação dos Comitês, que têm capacidade de impor sanções morais e políticas aos
Estados faltores, mas não sanções jurídicas.” (PIOVESAN, 2006, p. 58)
4.1.1.1 Mecanismo Convencional Não Contencioso
O sistema de relatórios periódicos53 é o mais importante mecanismo não
contencioso, pois, independentemente, de serem constatadas violações aos direitos
humanos, os Estados têm a obrigação de produzi-los, informando a situação das
políticas internas de promoção dos direitos humanos.
As Organizações de Direitos Humanos podem contribuir para o
funcionamento do sistema ONU, ao encaminhar relatórios próprios aos respectivos
Comitês, para que sejam analisados juntamente com os relatórios enviados pelos
Estados.
Comitê foram relacionados com casos de execução sumária e arbitrária, prevalência de tortura na investigação policial, impunidade dos membros das forças de segurança, condições intoleráveis dos presídios e cadeias, entre outros. (RAMOS, 2002, p.123) 52 Conforme Weis: “Todos operam através do sistema de relatórios, em que os Estados-partes devem apresentar as medidas criadas para dar eficácia interna às disposições da respectiva convenção. ” (2006, p.90). 53 O princípio informador do sistema de relatórios é o da cooperação internacional e a busca de evolução na proteção de direitos humanos, baseado no consenso entre o Estado e o órgão internacional. (RAMOS, 2002, p.121).
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Os Estados-partes devem submeter ao Comitê relatórios, a cada cinco anos,
que serão examinados em audiências públicas, ocasião em que haverá
possibilidade de diálogo.
O destino comum de todos os relatórios finais dos Comitês é a Assembléia
Geral da ONU, que os recebe no informe anual.54
Critica-se o sistema de relatórios periódicos por não contar com um
procedimento mais efetivo de responsabilidade internacional do Estado. O
descrédito no sistema deve-se a circunstância do relatório não ser corroborado com
uma decisão vinculante de constatação de violação de direitos humanos. (RAMOS,
2002, p.127)
4.1.1.2 Mecanismo Convencional Quase Judicial
Criado pelo Protocolo Facultativo do Pacto de Direitos Civis e Políticos55, o
Comitê de Direitos Humanos afirma-se como o órgão de maior projeção e o mais
bem estruturado para receber petições individuais.
Somente os Estados que tenham ratificado o Protocolo Facultativo podem ser
submetidos a denúncias.56 Em relação ao indivíduo que alega ser vítima de violação
de direitos, este pode ser cidadão ou residente do Estado-parte, contanto que esteja
sob a jurisdição do referido Estado.
Quanto aos direitos assegurados, tem-se que não possuem efeito retroativo.
Conseqüentemente, uma denúncia ou comunicação individual será declarada
inadmissível se tiver ocorrido antes da vigência do pacto e de seu protocolo
facultativo. Mas, se a violação for continuada e parte houver ocorrido na vigência de
tais instrumentos, o Comitê poderá considerá-la admissível.
Deve-se observar, quando da aceitação da comunicação pelo Comitê, se o
direito invocado segundo o pacto não foi objeto de reserva no momento de
ratificação pelo Estado-parte. Ademais, o Comitê deverá se certificar de que a
54 Ver Ramos, 2002, p.125. 55Ainda não ratificado pelo Brasil. 56 Sendo o Protocolo um instrumento jurídico equiparável a qualquer convenção, para que um Estado dele se torne parte é necessário que cumpra as formalidades habituais de assinatura e ratificação ou
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comunicação, relativamente às mesmas partes e objeto, não esteja sendo apreciada
por meio de outro procedimento de cunho internacional.57
À semelhança de outros órgãos internacionais de direitos humanos, o Comitê
não aceita comunicações se não houver esgotamento dos recursos internos ou se
tais recursos se mostrarem ineficazes ou injustamente prolongados.58
A petição encaminhada ao Comitê de Direitos Humanos não deve ser
anônima.59 Os peticionários podem se inspirar num modelo oferecido pelo Comitê,
não sendo obrigatória a sua utilização. Não há prazo específico para a submissão da
denúncia ao Comitê.
No curso da apreciação dos requisitos de admissibilidade da petição, o
Comitê pode requerer ao Estado que adote medidas cautelares.
O Comitê de Direitos Humanos estabeleceu que o ônus da prova não recai
apenas sobre o autor. Também, não considera suficiente a simples negação em
termos gerais da denúncia de violação pela parte contrária. Inexistem previsões de
oitiva das partes em audiência ou investigações in loco das denúncias. O Comitê
coloca seus bons ofícios à disposição dos Estados-partes interessados, no intuito de
alcançar uma solução amistosa entre as partes.60
Apuradas as informações relevantes, o Comitê formula suas recomendações,
enviando-as às partes.61 Ao final das sessões, as recomendações são publicadas,
sendo posteriormente reproduzidas no Relatório Anual do Comitê para a Assembléia
Geral.62 As recomendações não possuem caráter compulsório, não existindo
sanções para os Estados descumpridores. Contudo, segundo Ramos:
As interpretações fornecidas pelos Comitês representam um avanço no grau de proteção internacional dos direitos humanos, já que os Estados contratantes, ao acatar tais interpretações, tacitamente transferem a importante função interpretativa a um órgão internacional, o que fortalece a responsabilização internacional do Estado. (2002, p.126)
adesão. Somente podem fazê-lo, contudo, Estados que sejam partes do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.(ALVES, 1997, p.40) 57 Ver Alves, 1997, p.39. 58 Conforme Alves, 1997, p.39-40. 59 Art.3º, do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. 60 Art.41, e, do Art.3º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. 61 Art.5.4, do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. 62 Art. 6º, do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
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4.1.2 Procedimentos Não Convencionais
Tais procedimentos originaram-se da necessidade de corrigir as deficiências
dos procedimentos convencionais, incapazes de conter as graves violações de
direitos humanos.63
Esses procedimentos assumem formas variadas, conforme tratem da situação
de países específicos ou se refiram a mecanismos temáticos. Em regra, vêem-se
estabelecidos pela Comissão de Direitos Humanos e sua Subcomissão para
Promoção e Proteção dos Direitos Humanos.64
Os mecanismos não convencionais, a partir de simples Resoluções da
Comissão, supervisionam incisivamente a situação dos países, exigindo respostas
imediatas, motivo pelo qual têm sido consideradas mais eficazes do que os Comitês
dos Pactos ou Convenções.65
Esses mecanismos não convencionais podem ser acionados, até mesmo, nos
casos em que os países violadores de direitos humanos não estejam vinculados a
tratados internacionais, em uma situação específica de violação de alto impacto na
comunidade internacional.66
A ONU, então, analisa as violações, ao considerar requisitos como a
persistência, a sistematicidade, a gravidade e a prevenção, para decidir se intervêm
através de um dos seus órgãos, adotando providências concretas.
Estes mecanismos se desenvolvem, conforme informações prestadas por
indivíduos, grupos de indivíduos ou governos, podendo ser realizadas ainda visitas
63 O sistema extraconvencional é composto de procedimentos especiais no âmbito de órgãos da Organização da Nações Unidas, embasados no dever geral de cooperação internacional dos Estados em matéria de direitos humanos, reconhecido na Carta da Organização das Nações Unidas. (RAMOS, 2002, p.120) 64 Gradativamente estabelecidos pela Comissão dos Direitos Humanos a partir dos anos 70, alguns dos mecanismos não convencionais muitas vezes não contam sequer com normas declaratórias específicas como base para sua atuação. Sua fundamentação “legal” reside, nesses casos, na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos e no conjunto de normas e costumes que embasam o Direito Internacional dos Direitos Humanos, a partir das disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas. (ALVES, 1997, p.244). 65 Precisamente em função de sua informalidade jurídica, contam eles com uma agilidade de que não podem dispor os comitês estabelecidos por instrumentos formais. (ALVES, 1997, p. 244) 66 A aplicação dos mecanismos não convencionais independe da ratificação de algum tratado de direitos humanos ou de aceitação pelo Estado investigado.
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in loco67 em busca de fontes idôneas de informação. Posteriormente, o grupo de
trabalho ou o relator avalia a veracidade dos fatos apurados.
A Resolução 1.503