a educaÇÃo prisional no mercosul, … · benigno núñez novo ... humanos é assegurar a qualquer...

172
UNIVERSIDAD AUTÓNOMA DE ASUNCIÓN FACULTAD DE CIENCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS Y SOCIALES DOCTORADO EN DERECHO INTERNACIONAL A EDUCAÇÃO PRISIONAL NO MERCOSUL, UNIDADE PRISIONAL DE BOM JESUS, ESTADO DO PIAUÍ, BRASIL Benigno Núñez Novo ASUNCIÓN, PARAGUAY 2010

Upload: dangdan

Post on 20-Sep-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDAD AUTNOMA DE ASUNCIN

    FACULTAD DE CIENCIAS JURDICAS, POLTICAS Y SOCIALES

    DOCTORADO EN DERECHO INTERNACIONAL

    A EDUCAO PRISIONAL NO MERCOSUL, UNIDADE

    PRISIONAL DE BOM JESUS, ESTADO DO PIAU, BRASIL

    Benigno Nez Novo

    ASUNCIN, PARAGUAY

    2010

  • Benigno Nez Novo

    A EDUCAO PRISIONAL NO MERCOSUL, UNIDADE

    PRISIONAL DE BOM JESUS, ESTADO DO PIAU, BRASIL

    Tese apresentada Universidad Autnoma de Asuncin como requisito parcial para a

    obteno do ttulo de Doctorado en Derecho Internacional.

    Orientador/tutor: Prof. Dr. Gustavo Abrahan Auadre Canela

    ASUNCIN, PARAGUAY

    2010

    http://e.uaa.edu.py/user/view.php?id=789&course=1

  • Novo, Benigno N. (2010). A educao prisional no MERCOSUL, unidade prisional

    de Bom Jesus, Piau, Brasil. Benigno Nez Novo. 156 p.

    Orientador: Prof. Dr. Gustavo Abrahan Auadre Canela.

    Tese acadmica em Doutorado em Direito Internacional UAA, 2010.

    http://e.uaa.edu.py/user/view.php?id=789&course=1

  • Benigno Nez Novo

    A EDUCAO PRISIONAL NO MERCOSUL, UNIDADE

    PRISIONAL DE BOM JESUS, ESTADO DO PIAU, BRASIL

    Esta tese foi avaliada e aprovada para a obteno do ttulo de licenciado, Doutor em

    Direito Internacional pela Universidad Autnoma de Asuncin UAA.

    ____________________________________________________________

    ____________________________________________________________

    ____________________________________________________________

    _____________________________________________________________

    _____________________________________________________________

  • Agradecimento

    Em primeiro lugar a Deus pela disposio e sade para realizar este trabalho.

    Ao professor Dr. Gustavo Abrahan Auadre Canela que orientou a minha pesquisa com

    competncia, sempre se mostrando solcito e incentivando a dissertao em torno do tema.

    Aos reeducandos (detentos) que de forma especial contriburam para que a presente

    avaliao pudesse transcorrer de forma harmoniosa e satisfatria.

    A Gerncia que nos deu toda a liberdade de acesso as dependncias da Unidade

    Prisional para que pudssemos realizar a coleta de dados e informaes para embasar a

    presente dissertao.

    Aos Coordenadores, agentes penitencirios, policiais militares, professores da escola

    da penitenciria, Gerente da 14 Gerncia Regional de Educao de Bom Jesus que de forma

    sensvel se dispuseram a colaborar e atender as solicitaes que lhes foram encaminhadas.

    Aos pais, Ramn e Eduvigis pela fora, incentivo e com os quais deixei de estar

    presente por muitas horas e em muitas oportunidades para elaborao deste trabalho.

    Por fim, gostaria de prestar uma homenagem aos amigos conquistados ao longo do

    desenvolvimento deste trabalho e a todos que contriburam para a concretizao.

    http://e.uaa.edu.py/user/view.php?id=789&course=1

  • Os direitos humanos so um conjunto de princpios aceitos universalmente,

    reconhecidos constitucionalmente e garantidos juridicamente. O objetivo dos direitos

    humanos assegurar a qualquer pessoa o respeito sua dignidade, na sua dimenso

    individual e social, material e espiritual. garantir que qualquer pessoa, independentemente

    de sua nacionalidade, sua religio, suas opinies polticas, sua raa, sua etnia, sua

    orientao sexual tenha a possibilidade de desenvolver plenamente todos os seus talentos.

    (Pierre Toussaint Roy

    Srgio Haddad)

  • SUMRIO

    Lista de Figuras....................................................................................................................... vii

    Lista de Tabelas..................................................................................................................... viii

    Lista de Grficos...................................................................................................................... ix

    Lista de Abreviaturas, Siglas e Smbolos................................................................................... x

    Resumo.................................................................................................................................... xi

    Resumen.................................................................................................................................. xii

    INTRODUO..........................................................................................................................1

    1 A PRISO................................................................................................................................7

    1.1 Histrico....................................................................................................................7

    1.2 Sistemas Penitencirios Clssicos.............................................................................8

    1.2.1 Sistema Pensilvnico........................................................................................8

    1.2.2 Sistema Auburniano.........................................................................................9

    1.2.3 Sistema Progressivo Ingls..............................................................................9

    1.2.4 Sistema Progressivo Irlands.........................................................................10

    1.2.5 Sistema de Elmira..........................................................................................11

    1.2.6 Sistema de Montesinos...................................................................................11

    1.2.7 Sistema Brostal..............................................................................................13

    2 A FALTA DE ACESSO A EDUCAO PRISIONAL...............................................22

    2.1 As Realidades do Sistema Prisional Brasileiro....................28

    2.2 Reintegrao Social..........................40

    2.3 Educao de Detentos..................................42

    2.3.1 A Educao prisional nos Estados Unidos..........................54

    2.3.2 A Educao prisional na Europa.........................56

    2.3.3 A Educao prisional na Amrica Latina...........58

    2.3.4 A Educao prisional no MERCOSUL......................................66

    2.3.5 A Educao prisional no Brasil..................................................78

    2.3.6 A Educao prisional no Estado do Piau..................................83

    3 EDUCAO E TRABALHO............................................................................................84

    3.1 Necessidade de Estmulo................................................................................................85

    3.1.1 As Dificuldades do Exerccio do Direito Educao...........................................85

  • 3.2 A Escola Virtual..............................................................................................................86

    4 O SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DO PIAU...........................................................94

    4.1 A Unidade Prisional de Bom Jesus................................................................................97

    4.2 Marco Operacional.........................................................................................................99

    4.3. Pressupostos................................................................................................................102

    4.3.1 Pressuposto 1......................................................................................................102

    4.2.2 Pressuposto 2......................................................................................................102

    5 METODOLOGIA DA PESQUISA.....................................................................................102

    5.1 Descrio do Lugar do Estudo......................................................................... 102

    5.2 Fontes de Dados................................................................................................104

    5.3 Tipo e Mtodo de Estudo..................................................................................104

    5.3.1Tipo..........................................................................................................104

    5.3.2 Mtodo....................................................................................................104

    5.4 Populao e Amostra......................................................................................... 104

    5.4.1 Populao..................................................................................................104

    5.4.2 Amostra.....................................................................................................105

    5.5 Tcnicas de Coletas de Dados............................................................................105

    5.6 Tcnicas de Anlise de Dados............................................................................105

    6 DISCUSSO E ANLISE DOS RESULTADOS..............................................................105

    7 CONCLUSES E RECOMENDAES...................................................................125

    BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................135

    ANEXOS...............................................................................................................................144

    Anexo 01. Ofcio solicitando permisso e acesso a Penitenciria Regional Dom Abel Alonso

    Nez......................................................................................................................................144

    Anexo 02. Questionrio apresentado e dirigido ao Gerente da Unidade Prisional de Bom

    Jesus, Estado do Piau, Brasil..................................................................................................146

    Anexo 03. Questionrio apresentado e dirigido aos detentos (reeducandos) que frequentam a

    Escola da Penitenciria Regional de Bom Jesus, Estado do Piau, Brasil..............................148

    Anexo 04. Questionrio apresentado e dirigido aos professores que ministram aulas na Escola

    da Penitenciria Regional de Bom Jesus, Estado do Piau, Brasil..........................................149

    Anexo 05. Fotografias.............................................................................................................151

    Figura 3 - ENTRADA DA PENITENCIRIA REGIONAL DE BOM JESUS, PIAU,

    BRASIL..................................................................................................................................151

    Figura 4 - VISO DA ENTRADA DA ESCOLA DA PENITENCIRIA...........................152

  • Figura 5 - JARDIM DA ESCOLA UM DOS TRABALHOS DOS REEDUCANDOS DA

    ESCOLA.................................................................................................................................152

    Figura 6 - REEDUCANDOS EM SALA DE AULA.............................................................153

    Figura 7 - PROFESSORA MINISTRANDO AULA DE GEOGRAFIA..............................153

    Figura 8 - PROFESSORA MINISTRANDO AULA DE PORTUGUS..............................154

    Figura 9 - REEDUCANDOS CORRIGINDO TAREFAS EM SALA DE AULA................154

    Figura 10 - ARTESANATO PRODUZIDO POR DETENTO QUE FREQUENTA A

    ESCOLA DA PENITENCIRIA...........................................................................................155

    Figura 11 - JARDINS DO PRDIO DA ADMINISTRAO DA PENITENCIRIA

    CONSTRUDOS PELOS REEDUCANDOS.........................................................................155

    Figura 12 - PLANTAES REALIZADAS PELOS REEDUCANDOS..............................156

    Figura 13 - VISO DE CIMA DOS PAVILHES DA PENITENCIRIA REGIONAL DE

    BOM JESUS...........................................................................................................................156

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Organograma da Secretaria da Justia e de Direitos Humanos do Estado do

    Piau..........................................................................................................................................96

    Figura 2 Organograma da Unidade de Reintegrao Social e Penitenciria da Secretaria da

    Justia e de Direitos Humanos do Estado do Piau onde se encontra a Coordenao de ensino

    dos presdios do Estado do Piau...............................................................................................97

    Figura 3 - Entrada da Penitenciria Regional de Bom Jesus, Piau, Brasil.............................151

    Figura 4 - Viso da entrada da escola da penitenciria...........................................................152

    Figura 5 - Jardim da escola um dos trabalhos dos reeducandos da escola..............................152

    Figura 6 - Reeducandos em sala de aula.................................................................................153

    Figura 7 - Professora ministrando aula de geografia..............................................................153

    Figura 8 - Professora ministrando aula de portugus..............................................................154

    Figura 9 - Reeducandos corrigindo tarefas em sala de aula....................................................154

    Figura 10 - Artesanato produzido por detento que frequenta a escola da

    penitenciria............................................................................................................................155

    Figura 11 - Jardins do prdio da administrao da penitenciria construdos pelos reeducandos

    .................................................................................................................................................155

    Figura 12 - Plantaes realizadas pelos reeducandos.............................................................156

    Figura 13 - Viso de cima dos pavilhes da Penitenciria Regional de Bom Jesus...............156

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Dados Consolidados do Ministrio da Justia, em 2006...................................29

    http://pessoas.hsw.uol.com.br/framed.htm?parent=presidios.htm&url=http://www.mj.gov.br/depen/sistema/consolidado%202007.pdf

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Grau de escolaridade dos detentos da Penitenciria Regional de Bom

    Jesus....................................................................................................................................... 105

    Grfico 2 Avaliao do processo ensino-aprendizagem pelos detentos da escola da

    penitenciria........................................................................................................................... 106

    Grfico 3 Processo ensino-aprendizagem voltado para a realidade do

    detento.................................................................................................................................... 107

    Grfico 4 Avaliao dos detentos sobre a carga horria da escola da Penitenciria Regional

    de Bom Jesus.......................................................................................................................... 107

    Grfico 5 Avalia o que pode ser feito para melhorar o processo ensino-aprendizagem

    segundo os detentos (reeducandos)........................................................................................ 108

    Grfico 6 - O que pode ser feito para aumentar as vagas na escola da penitenciria segundo os

    detentos.................................................................................................................................. 109

    Grfico 7 - O que pode ser melhorado para que o processo ensino-aprendizagem e a carga

    horria atendam seus objetivos segundo os professores........................................................ 109

    Grfico 8 - O que pode ser modificado na rea de ensino e aprendizagem para melhorar o

    aproveitamento dos reeducandos segundo os professores..................................................... 110

    Grfico 9 - O que pode ser modificado na rea de ensino e aprendizagem para melhorar o

    aproveitamento dos reeducandos segundo o gerente da Penitenciria................................... 111

  • LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SMBOLOS

    LEP Lei de Execuo Penal

    Art. Artigo

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ONU Organizao das Naes Unidas

    CF Constituio Federal

    RDD Regime Disciplinar Diferenciado

    AIDS Sndrome da Imunodeficincia Adquirida

    EUA Estados Unidos da Amrica

    LEP Lei de Execuo Penal

    US$ Dlar

    R$ Real

    CPI Comisso Parlamentar de Inqurito

    DEPEN Departamento Penitencirio Nacional

    FUNAP Fundao de Amparo ao Trabalhador Preso

    MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetizao

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    PEB Programa de Educao Bsica

    CESU Centro de Exames Supletivos

    MEC Ministrio da Educao

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    SEDUC Secretaria Estadual da Educao e Cultura

    PL Projeto de Lei

    PT Partido dos Trabalhadores

    SP So Paulo

    PSDB Partido Socialista Democrtico Brasileiro

    GO Gois

    PDT Partido Democrtico Brasileiro

    RS Rio Grande do Sul

    SECAD Secretaria Nacional da Administrao

    MJ Ministrio da Justia

    SNDH Secretaria Nacional de Direitos Humanos

  • PL Partido Liberal

    RJ Rio de Janeiro

    MEB Movimento de Educao de Base

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    INFOPEN Sistema de Informaes Penitencirio Nacional

    EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    BB Educar Programa da Fundao Banco do Brasil

    EMATER/PI Instituto de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Piau

  • RESUMO

    Esta tese tem por objetivo demonstrar um panorama atual da situao em que se encontra o

    sistema educativo prisional no MERCOSUL que administrado na penitenciria de Bom

    Jesus, Estado de Piau, Brasil, tendo como primeira hiptese examinar o papel da educao

    dentro do "Programa de Recuperao" na poltica de transformao e recuperao do

    condenado. Como segunda hiptese procura demostrar importncia do ensino ministrado na

    escola com base na realidade local do condenado. O desenho desse estudo no experimental,

    transversal, do tipo descritivo. Atravs da anlise de diversos documentos, das experincias

    com os estudantes e de uma recopilao dos questionrios com professores, detentos e gerente

    a respeito do sistema implementado que o modelo de poltica pblica para a educao

    aplicada na escola da priso de Bom Jesus, tendo uma histria recente, busca-se entre outras

    questes, compreender o papel que desempenha a educao bsica na penitenciria, buscando

    descrever e analisar a relao entre a educao escolar e a recuperao dos presos. Ademais, o

    trabalho se determina a examinar a educao desenvolvida na priso com base no prprio

    exame interno que foi realizado com os condenados a respeito do programa educativo de que

    eles participam. Dada a especificidade da questo e a ateno a escassa produo de literatura

    cientfica neste campo de estudo, acredita-se que este material pode contribuir para levantar a

    discusso no mbito da educao penitenciria que existe at hoje, na realidade, a recuperao

    dos condenados tem sido uma preocupao para os advogados, cientistas sociais e psiclogos,

    quando deveria ser uma preocupao de toda a sociedade.

    Palavras-chave: Condenados; Sistema educativo administrado na penitenciria; Educao de

    jovens e adultos; Recuperao; Preocupao de toda a sociedade.

  • RESUMEN

    Esta tesis tiene por objetivo disertar un panorama actual de la situacin en que se encuentra el

    sistema educativo prisional del MERCOSUR que es administrado en la penitenciara de Bom

    Jesus, del Estado de Piau, Brasil, y tiene como primera hiptesis examinar el papel de la

    educacin dentro del "Programa de Recuperacin" en la poltica de transformacin y

    recuperacin del condenado. Como segunda hiptesis se busca la importancia la enseanza

    ministrado en la escuela con base en la realidad local del condenado. El dibujo de ese estudio

    es no experimental, transversal, de tipo descriptivo. A travs del anlisis de diversos

    documentos, de las experiencias con los estudiantes, y de una recopilacin de los

    cuestionarios con profesores, detentos y gerente, respecto del sistema implementado, que es el

    modelo de la poltica pblica para la educacin aplicada en la escuela de la prisin de Bom

    Jesus, misma que tiene una historia reciente, buscamos entre otras cuestiones, comprender el

    papel que desempea la educacin bsica en la penitenciaria, buscando describir y analizar la

    relacin entre la educacin escolar y la recuperacin de los presos. Adems, el trabajo se

    determina a examinar la educacin desarrollada en la prisin, con base en el propio examen

    interno que han realizado los condenados respecto del programa educativo en el que ellos

    participan. Dada la especificidad de la cuestin, y en atencin a la escasa produccin de

    literatura cientfica en este campo de estudio, se cree que este material puede contribuir para

    insertar la discusin respecto al mbito de la educacin penitenciaria, ya que hasta hoy, en la

    realidad, la recuperacin de los condenados slo ha sido una preocupacin para los abogados,

    cientficos sociales, trabajadores sociales y psiclogos, cuando que debera de ser una

    preocupacin de toda la sociedad.

    Palabras clave: Condenados; Sistema educativo administrado en la penitenciara; Educacin

    de jvenes y adultos; Recuperacin: Preocupacin de toda la sociedad.

  • 1

    INTRODUO

    O estabelecimento da priso como instrumento da pena se deu pelo Cdigo Penal

    Francs em 1791 e generalizou-se no mundo. A priso surgiu no fim do Sculo XVIII e

    princpio do Sculo XIX com o objetivo de servir como pea de punio. A criao de uma

    nova legislao para definir o poder de punir como uma funo geral da sociedade, exercida

    da forma igual sobre todos os seus membros. Foucault (1987) diz que a priso se fundamenta

    na privao de liberdade, salientando que esta liberdade um bem pertencente a todos da

    mesma maneira, perd-la tem, dessa maneira, o mesmo preo para todos, melhor que a

    multa, ela o castigo, permitindo a quantificao da pena segundo a varivel do tempo:

    Retirando tempo do condenado, a priso parece traduzir concretamente a ideia de que a

    infrao lesou, mais alm da vtima a sociedade inteira (Foucault, 1987, p. 196).

    O crescimento vertiginoso da populao prisional e do dficit de vagas, a despeito dos

    esforos dos governos dos estados e da federao para a gerao de novas delas, por seu

    turno um elemento revelador de que a construo de novas unidades no pode mais ser o

    componente fundamental das polticas penitencirias, seno que apenas mais um componente,

    dentro de um mosaico bem mais amplo. Pesquisas recentes estimam, por exemplo, que mais

    de 60% (sessenta por cento) da populao prisional seja composta por reincidentes (talvez no

    no sentido tcnico-jurdico do termo, mas no sentido de que saram do sistema e a ele vieram

    a retornar, em situao de reincluso), o que aponta, dentre outras coisas, para o papel

    absolutamente deficitrio que vem sendo desempenhado pelo assim chamado tratamento

    penal, nas unidades prisionais do pas. bem verdade que entre a superlotao de

    estabelecimentos penitencirios e a qualidade desses servios subsiste uma relao de mtua

    implicao. Mas ainda assim, restam ainda outros fatores que devem ser trabalhados junto

    gesto dos sistemas penitencirios estaduais, como estratgias para torn-los melhores.

    O nvel educacional geralmente baixo das pessoas que entram no sistema carcerrio

    reduz seus atrativos para o mercado de trabalho. Isso sugere que programas educacionais pode

    ser um caminho importante para preparar os detentos para um retorno bem-sucedido

    sociedade. Reconhecendo essa possibilidade, a LEP determina que os detentos recebam

    oportunidades de estudo, garantindo-lhes, em especial, educao escolar primria. A lei

    tambm promete aos detentos treinamento vocacional e profissional.

    A educao no sistema penitencirio iniciada a partir da dcada de 1950. At o

    princpio do Sculo XIX, a priso era utilizada unicamente como um local de conteno de

    pessoas uma deteno. No havia proposta de requalificar os presos. Esta proposta veio a

  • 2

    surgir somente quando se desenvolveu dentro das prises os programas de tratamento. Antes

    disso, no havia qualquer forma de trabalho, ensino religioso ou laico.

    Assim, somente nos meados dos anos 50, constatou-se o insucesso deste sistema

    prisional, o que motivou a busca de novos rumos, ocasionando na insero da educao

    escolar nas prises. Foucault (1987, p. 224) diz: A educao do detento , por parte do poder

    pblico, ao mesmo tempo uma precauo indispensvel no interesse da sociedade e uma

    obrigao para com o detento, ela a grande fora de pensar.

    A grande maioria dos indivduos presos no tiveram melhores oportunidades ao longo

    de suas vidas, principalmente a chance de estudar para garantir um futuro melhor. Nesse

    sentido, o tempo que despender atrs das grades pode e deve ser utilizado para lhe garantir

    estas oportunidades que nunca teve, por meio de estudo e, paralelamente, de trabalho

    profissionalizante. Alm de ajeitar as celas, lavar corredores, limpar banheiros etc., os

    detentos precisam ter a chance de demonstrarem valores que, muitas vezes, encontram-se

    obscurecidos pelo estigma do crime. Existem casos de detentos que demonstram dotes

    artsticos, muitos deles se revelando excelentes pintores de quadros e painis de parede, alm

    de habilidades com esculturas, montagens, modelagens, marcenaria etc. Tambm, decoram as

    celas de acordo com sua criatividade e sua personalidade. Estas artes devem ser incentivadas,

    pois uma forma de ocupar o preso, distraindo-o e aumentando sua autoestima. a chance de

    mostrar a ele de que existe a esperana de um amanh melhor alm das grades que o separam

    do mundo exterior.

    As superlotaes, os envolvimentos de presos em organizaes criminosas e a falha de

    pessoal, so os principais problemas enfrentados pelas penitencirias brasileiras. Outro fator

    que estamos acostumados a ver nos noticirios a questo das rebelies em presdios, sempre

    com resultados lastimveis de sentenciados que so mortos por seus prprios companheiros,

    funcionrios e familiares de detentos transformados em refns, resgates e fugas audaciosas e

    espetaculares realizadas por criminosos, e por fim, a incapacidade das autoridades em face de

    organizaes de criminosos, cada vez mais presente nos Estados brasileiros.

    Assistncia ao Preso, ao Internado, ao Egresso e aos seus Dependentes faz referncia a

    um movimento de promoo dos direitos dos apenados, internados, egressos, dependentes e

    familiares, criando condies para que estes possam exercer a sua autonomia. Esse processo

    deve ser mediado pela incluso dos beneficirios na agenda das polticas pblicas de governo

    e pelo apoio a aes de instituies pblicas e privadas, de carter permanente, que tenham

    como objetivo prestar atendimento aos beneficirios, na forma e nos limites da lei: material,

  • 3

    jurdica, educacional, social, religiosa e principalmente sade ao egresso, aps a edio do

    Plano Nacional de Sade no Sistema Penitencirio.

    Com efeito, a educao precisa transmitir significados presentes na vida concreta de

    quem se pretendem educar ou reeducar; de modo diverso, no produz resultado,

    aprendizagem.

    Mediante a conscincia reflexiva, simblica, o homem desenvolve a linguagem,

    utilizando-se da palavra; d sentido vida, segundo os significados que advm

    fundamentalmente dos smbolos, das palavras, dos nomes. Assim, os conceitos (smbolos) so

    necessrios s experincias dos indivduos em conexo realidade. Logo, o processo da

    aprendizagem precisa mobilizar tanto os significados, os smbolos, quanto os sentimentos, as

    experincias a que eles se referem.

    O sistema prisional dos Estados Unidos tem seus alvos. As minorias so as mais

    afetadas. Seus clientes so basicamente pobres, negros e latinos (rabble class). Os negros

    representam a minoria da populao, mas so a maioria dentro dos presdios. Um de cada 19

    homens negros est na priso. Enfim, segundo John Irwin, o encarceramento serve para

    governar a ral.

    Na Europa, numerosos pases aprovaram leis que garantem o direito dos presos

    educao. Essas normas legais apresentam geralmente muita semelhana, embora,

    principalmente nos pases do Leste europeu, observe-se uma distncia considervel entre o

    que prescrevem as leis e a vida cotidiana nas prises.

    Na Amrica Latina, a reabilitao prisional, pretendida pela legislao penal, tem

    patenteado, na prtica, o desalento, a aflio e a definitiva rebeldia contra uma sociedade que

    fecha as portas ao egresso.

    A educao deve ser vista como um direito, no para a reintegrao. Claro que isso

    muito importante, mas se a reintegrao for impossvel, a educao continua a ser um direito.

    No devemos instrumentalizar a educao unicamente para um papel social ou do tipo

    poltico-social. A educao pode ser uma soluo se for uma educao ao longo da vida, no

    apenas do tipo profissional ou a reeducao. para muitos presos a primeira oportunidade de

    compreender sua histria e de tratar de desenvolver seu prprio projeto de vida.

    No Estado do Piau os presos de todas as penitencirias pblicas estaduais so

    beneficiados com o programa Educando para a Liberdade.

    Na priso, o trabalho, qualquer que seja sua traduo em atividades, considerado

    educativo; a educao escolar, por sua vez, no considerada trabalho intelectual.

  • 4

    A remio pelo estudo, no entanto, deve vir acompanhada de outras medidas que

    possibilitem e valorizem as atividades educativas no interior dos presdios.

    A pesquisa uma atividade voltada para a soluo de problemas, atravs do emprego

    de processos cientficos, e que parte de uma dvida ou problema que com o uso do mtodo

    cientfico busca uma resposta ou soluo.

    O desenho desse estudo no experimental, transversal, de tipo descritivo. A pesquisa

    foi sem manipular deliberadamente as variveis trata-se de uma pesquisa em que no fazemos

    variar intencionalmente as variveis independentes. O modelo transversal por que o

    procedimento consiste em situar um grupo de pessoas num contexto.

    A educao importante na recuperao, muitos detentos tm baixos padres de

    escolaridade. Uma parcela significativa no domina as competncias bsicas de leitura e

    escrita, esse baixo nvel de escolaridade afetou suas vidas e pode ter contribudo para que

    cometessem delitos, por isso os programas e projetos de educao nos presdios so

    importantes para desenvolver nos encarcerados seu senso de autovalorizao.

    Nossa pergunta do problema a seguinte:

    De que maneira a educao prisional pode se tornar um instrumento na recuperao de

    detentos do MERCOSUL, na Unidade Prisional de Bom Jesus no Estado do Piau, Brasil?

    O objetivo geral da pesquisa o seguinte: Investigar como a educao pode se tornar

    um instrumento na recuperao de detentos da Unidade Prisional de Bom Jesus no Estado do

    Piau, Brasil.

    Os objetivos especficos da pesquisa so: 1) Descrever os projetos, tcnicas e mtodos

    educacionais que podem ser aplicadas para resultados no melhoramento dos ndices de

    recuperao de detentos da Unidade Prisional de Bom Jesus no Estado do Piau, Brasil; 2)

    Verificar as condies para aumentar a oferta de ensino na unidade Prisional de Bom Jesus; 3)

    Identificar a realidade carcerria atual no aspecto da formao adequada dos profissionais da

    rea de educao voltado para a realidade da Unidade Prisional de Bom Jesus.

    Esta pesquisa justifica-se da seguinte maneira: A educao um dos instrumentos

    importantes na recuperao, muitos detentos tm baixos padres de escolaridade. Uma parcela

    significativa no domina as competncias bsicas de leitura e escrita, esse baixo nvel de

    escolaridade afetou suas vidas e pode ter contribudo para que cometessem delitos.

    Os programas e projetos educacionais precisam ser desenvolvidos dentro das prises

    para que se trabalhe a conscientizao dos educandos ajudando a desenvolver seu senso de

    autovalorizao. Pois um indivduo que nasceu na misria e por consequncia no teve acesso

  • 5

    a uma educao satisfatria ou a de nenhum tipo, no pode agir com discernimento em seus

    atos.

    A delimitao e alcance desta pesquisa so relevantes cientificamente e contribuem

    para mudar e melhorar o processo ensino-aprendizagem da escola da penitenciria de Bom

    Jesus que se diga no se finda por aqui tal estudo devendo ser continuado porque como

    dissemos anteriormente a educao processo que necessita constantemente ser aprimorado,

    melhorado e que no se esgota.

    Os resultados sero teis para os Estados Partes do MERCOSUL, para a Secretaria da

    Justia e dos Direitos Humanos do Estado do Piau, Secretaria Estadual de Educao e

    Cultura do Estado do Piau, Gerncia da Penitenciria Regional de Bom Jesus e para a 14

    Gerncia Regional de Educao de Bom Jesus.

    Em efeito, este estudo est estruturado em captulos da seguinte forma: No captulo

    primeiro feita a reviso do tema Priso, os Sistemas Penitencirios Clssicos e um histrico

    sobre a priso.

    Nos captulos segundo e terceiro tratado o marco terico do estudo. Nele se

    desenvolvem os fundamentos tericos de diferentes autores sobre o objeto de estudo. A Falta

    de Acesso Educao e as Realidades do Sistema Prisional Brasileiro, a Reintegrao Social

    demonstrando que o grande desafio recuperar e reintegrar o detento na comunidade, mas

    para isso necessrio diagnosticar os que desejam trabalhar e estudar. Os efeitos nocivos do

    encarceramento sobre os condenados impossibilitam qualquer tentativa de recuperao, no

    havendo como se falar em reinsero e reeducao em um ambiente de excluso e explorao

    ao quais os presos esto submetidos, caractersticas estas que exercem, na verdade, uma

    funo marginalizadora, sendo um fator crimingeno de educao e promoo ao crime e ao

    trabalho praticamente escravo.

    Na priso, o trabalho, qualquer que seja sua traduo em atividades, considerado

    educativo; a educao escolar, por sua vez, no considerada trabalho intelectual.

    O captulo quarto apresenta a necessidade do estmulo para educao e trabalho, as

    dificuldades do exerccio do direito educao e como o uso das tecnologias como a escola

    virtual podem ajudar na recuperao de detentos.

    No quinto captulo o estudo do Sistema Prisional do Estado do Piau com destaque

    para a Unidade Prisional de Bom Jesus.

    No captulo sexto tratada a Metodologia. Neste captulo se prepara o projeto para o

    trabalho de campo, descrevendo brevemente o lugar de estudo, identificando as fontes de

  • 6

    dados, explicando o tipo e mtodo de estudo, especificando a elaborao e validao dos

    instrumentos de pesquisa, e aclarando as tcnicas de anlise de dados.

    O captulo stimo apresenta a discusso e a anlise dos resultados. Nele se elaboram

    um sistema de organizao e apresentao dos dados.

    No oitavo captulo se apresentam as concluses e recomendaes. As concluses mais

    importantes, os pontos fortes da pesquisa a partir dos objetivos atingidos, o alcance dos

    objetivos especficos e a confirmao das hipteses atravs dos resultados obtidos.

  • 7

    1 A PRISO

    1.1 Histrico

    Ao buscar a origem da priso a partir do surgimento da civilizao, constata-se que na

    antiguidade, mais precisamente na Roma Antiga prevaleciam as penas corporais e de morte,

    sendo que a priso constitua meio para encarcerar os acusados somente at o julgamento ou

    execuo.

    Naquela poca, no existia um local certo com uma arquitetura prisional definida para

    recolher os encarcerados, os quais ficavam geralmente em fortalezas reais, calabouos, torres

    ou edifcios diversos. Messuti (2003, p. 28) registra que existiam em Jerusalm quando houve

    a invaso dos caldeus, trs prises que se localizavam uma no portal de Benjamin, outra no

    palcio do rei e a ltima na residncia de um funcionrio pblico.

    Afora estas experincias isoladas de priso, segundo Leal (2001, p. 33) foi a Igreja

    que, na Idade Mdia, inovou ao castigar os monges rebeldes ou infratores com o recolhimento

    em celas localizadas em uma ala prpria do mosteiro com o fim de recolhimento e orao.

    A Idade Mdia, tambm, marcada pelo aspecto estritamente punitivo da pena atravs

    do sofrimento fsico corporal infligido aos acusados para libertao da alma com os suplcios,

    a forca, a roda.

    No sculo XVI, com a crise do sistema feudal e a migrao da populao dos campos

    para as cidades com cenrio de pobreza e misria na Europa, o aumento da criminalidade foi

    inevitvel e forou a construo de vrias prises para segregar mendigos, prostitutas e

    vagabundos com o fim disciplinar e corretivo atravs do trabalho, especialmente pelos crimes

    cometidos contra o patrimnio que no se solucionariam com a pena de morte que fatalmente

    exterminaria milhares de delinquentes assolados pela fome.

    Nesta poca, a priso mais antiga de acordo com Leal (2001, p. 34) foi a House of

    Correction, inaugurada em 1552 na cidade de Bridewell, na Inglaterra, com disciplina

    extremamente rgida para emenda dos delinquentes.

    Outro modelo de inspirao para poca foi o de Rasphuis de Amsterdam, inaugurado

    em 1596, onde o trabalho era obrigatrio, a cela individual era utilizada somente a ttulo de

    punio com vigilncia contnua e leituras espirituais.

    Percebe-se, desta forma, que a priso surgiu para a segregao de mendigos,

    prostitutas e vagabundos, fato sociolgico que merece registro pela atualidade da

    problemtica da populao carcerria atual, no se olvidando da sua finalidade: corretiva

    atravs do labor.

  • 8

    A partir desta poca, comeou a se desenvolver estudos e ideias sobre o sistema

    penitencirio, especialmente a preocupao com a questo humanitria da priso, destacando-

    se dentre os mais importantes: a obra Reflexes sobre as prises monsticas de Jean Mabillon

    (1695), o clssico revolucionrio Dos Delitos e das Penas de Cesare Beccaria (1764), O

    Estado das Prises na Inglaterra e no Pas de Gales de John Howard (1776).

    1.2 Sistemas Penitencirios Clssicos

    As teorias de execuo das penas, sustentadas por Cesare Beccaria, John Howard e

    Jeremias Bentham, germinaram, nos Estados Unidos, no sculo XVIII, o movimento de

    criao de sistemas penitencirios padronizados, cujos mais famosos foram experimentados

    em colnias prisionais sob o influxo do notvel poltico Benjamin Franklin, autor da

    Constituio norte-americana de 1787, que, no campo do Direito Penal, escreveu, em 1723, a

    obra From Liberty and From Necessity of Penaltys Pleasure (Da Liberdade e da Necessidade

    do Prazer da Pena).

    Os Sistemas Penitencirios Clssicos, que prosperaram nos Estados Unidos, na Europa

    e serviram de modelo para o mundo, a partir do sculo XIX, foram tambm incitados por

    organizaes comunitrias, objetivando suavizar a vida dos condenados nas prises. A mais

    famosa dessas organizaes foi a Philadelphia Society for Alleviating the Miseries of Public

    Prisons (Sociedade de Philadephia para Aliviar a Misria das Prises Pblicas), criada em

    1787, que conseguiu introduzir modificaes nas leis penais, como a abolio dos trabalhos

    forados, dos aoites e das mutilaes, alm de restries ao emprego da pena de morte que

    passou, em 1794, a ser aplicada, na Philadephia, apenas aos homicdios dolosos.

    Os Sistemas Penitencirios Clssicos so:

    1. Sistema Pensilvnico; 2. Sistema Auburniano; 3. Sistema Progressivo Ingls; 4.

    Sistema Progressivo Irlands; 5. Sistema de Elmira; 6. Sistema de Montesinos; e 7. Sistema

    Borstal.

    1.2.1 O SISTEMA PENSILVNICO

    O Sistema Pensilvnico, tambm conhecido como Sistema de Philadephia, foi

    implantado na Eastern Penitentiary, na Philadelphia, em 1829, cuja construo foi inspirada

    na Penitenciria Panopticon idealizada por Jeremias Bentham, na Inglaterra. A base do

    Modelo Pensilvnico era o isolamento celular, com trabalho no prprio interior da cela,

    separando os presos para evitar promiscuidade e fazer com que todos meditassem sobre seus

    crimes com o objetivo de melhora pessoal. A solido foi to cruel, no estado de esprito dos

    enclausurados, que muitos foram vtimas de loucura. Somente podiam visitar os presos o

  • 9

    diretor do estabelecimento, os guardas, o capelo e os membros da Sociedade de Philadelphia

    para Aliviar a Misria das Prises Pblicas.

    A nica leitura permitida era a Bblia. O completo isolamento em relao ao mundo

    exterior no permitia nem mesmo receber ou enviar cartas. O Modelo Pensilvnico serviu de

    orientao para os regimes celulares da Europa, comeando em prises da Inglaterra,

    Alemanha e Blgica com as devidas adaptaes nesses pases.

    1.2.2 O SISTEMA AUBURNIANO

    O Sistema Auburniano foi implementado na Penitenciria de Auburn, em Nova Iorque,

    a partir do ano de 1818. Impunha o trabalho em comum durante o dia, sob absoluto silncio,

    punindo com variados castigos qualquer tentativa de comunicao. noite, o isolamento

    celular tambm era absoluto para descanso da labuta diria e como meio de evitar a corrupo

    dos condenados. Por isso, ficou conhecido nos Estados Unidos como silent system. Os presos

    no podiam, inclusive, receber visitas, nem mesmo de familiares e eram proibidos exerccios e

    distraes de qualquer espcie, com direito apenas a rudimentar instruo e aprendizado

    proporcionados pelos funcionrios da priso. Interessante anotar que a desumana imposio

    das regras do silncio propiciou o aparecimento da linguagem indireta, utilizada,

    universalmente, at hoje pelos presos, por via de gestos, leitura dos dedos ou dos lbios e

    pancadas nas paredes.

    Uma lei de 1821, do Estado de Nova Iorque, determinou que os presos de Auburn

    ficassem divididos em trs classes: a) delinquentes mais velhos e mais perigosos, que

    deveriam ficar em isolamento celular completo; b) delinquentes que deveriam ficar trancados,

    em suas celas, trs dias por semana; c) delinquentes que deveriam ficar isolados apenas um

    dia por semana. Nos demais dias, os delinquentes da segunda e da terceira classes deveriam

    trabalhar em silncio absoluto.

    A Penitenciria de Auburn foi construda pelos prprios presos, com 108 celas

    propcias ao silncio e ao isolamento. As crticas ao sistema comearam, quando foram

    constatados vrios casos de mortes provocadas pela tuberculose e pela loucura. Mesmo assim,

    o Sistema Auburniano era o sistema da preferncia norte-americana, enquanto que o Sistema

    Pensilvnico era o mais adotado na Europa.

    1.2.3 O SISTEMA PROGRESSIVO INGLS

    O Sistema Progressivo Ingls surgiu na Inglaterra, em 1840, motivado pelas

    deficincias correcionais e reformadoras do Modelo Pensilvnico e do Modelo Auburniano.

    Sua origem atribuda ao capito da Marinha real inglesa Alexander Maconochie que,

    sensibilizado com as pssimas condies dos presos, especialmente os que eram deportados

  • 10

    nos enfers flottants para a Austrlia, resolveu idealizar um sistema diferenciado que

    representasse a substituio dos anteriores sistemas de represso. Maconochie introduziu esse

    novo sistema, chamado de Mark System, na Priso da Ilha de Norfolk, na Austrlia, onde era

    diretor, e l cuidava dos presos deportados pela Justia da Gr-Bretanha.

    O Mark System estabeleceu uma forma de indeterminao da pena, que era medida em

    razo do trabalho, da boa conduta do condenado e levando em conta a gravidade do delito

    praticado. Com base nesses trs fatores, eram atribudas marcas ou vales, diariamente, que

    poderiam ser subtradas em razo de faltas praticadas. Ao obter determinado nmero de

    marcas ou vales, o condenado era posto em liberdade.

    O Mark System alcanou excelentes resultados, por isso passou a ser aplicado em toda

    a Inglaterra, com a adoo de trs perodos progressivos, da o nome Modelo Progressivo. O

    primeiro perodo era chamado de perodo de prova, implicava em isolamento celular completo

    diurno e noturno, com trabalho isolado e obrigatrio durante o dia. Quando atingia quatro

    marcas ou vales, o apenado passava para o segundo perodo, onde era imposto o isolamento

    noturno, porm, durante o dia, ele era submetido a trabalho em comum sob a regra do silncio

    nos Public Work-Houses (Casas de Trabalho Pblico). Continuando a ser beneficiado com

    quatro marcas ou vales, o condenado chegava ao terceiro perodo, onde, aps certo tempo e

    com bom comportamento, alcanando as quatro marcas ou vales, podia obter o ticket of leave,

    uma espcie de livramento condicional.

    1.2.4 O SISTEMA PROGRESSIVO IRLANDS

    O Sistema Progressivo Irlands foi criado por Walter Crofton, em 1854, ento diretor

    das prises da Irlanda.

    Esse sistema difere do Sistema Progressivo da Inglaterra em dois pontos. Em primeiro

    lugar, o Sistema Ingls contm trs perodos de execuo da pena, enquanto no Irlands h

    quatro, pois Crofton introduziu um perodo intermedirio entre a priso em comum (segundo

    perodo do Sistema Ingls) e o livramento condicional. Nesse perodo intermedirio, com o

    feitio de antecedente da priso aberta, foi adotado o trabalho externo que preparava o preso

    para o futuro livre com a obteno do ticket of leave (liberdade condicional).

    Outro detalhe diferenciado do Sistema Progressivo Irlands, em relao ao Ingls,

    residia no fato dos detidos no serem obrigados aguardar silncio durante o trabalho em

    comum.

    O Sistema Progressivo Irlands, pelas benficas modificaes experimentadas, no

    sentido de oferecer ao condenado vantagens por etapas, passou a influir, positivamente, nos

  • 11

    aprimoramentos dos regimes da Europa e dos Estados Unidos, espraiando-se posteriormente

    por todos os continentes.

    1.2.5 O SISTEMA DE ELMIRA

    Com base no Sistema Progressivo Irlands, surgiram nos Estados Unidos, os Regimes

    de Reformatrios, cujo mais famoso foi o Sistema do Reformatrio de Elmira, no Estado de

    Nova Iorque em 1869.

    Com o Reformatrio de Elmira, a reao contra a criminalidade pela cura do

    condenado se apresenta mais claramente na evoluo prtica da poltica penitenciria. Criou-

    se o sistema unitrio de pena e medida de segurana, mediante o critrio de avaliao do

    condenado. S admitia jovens delinquentes entre 16 e 30 anos de idade, sujeitos a uma pena

    relativamente indeterminada com a fixao de um mnimo e de um mximo. Aps o

    condenado passar por uma classificao inicial, era submetido a um sistema de marcas ou

    vales, concedidas em razo da evoluo no trabalho, boa conduta, instruo moral e religiosa.

    O aprendizado de um ofcio era obrigatrio e a disciplina era do tipo militar. Quando

    alcanava a terceira fase, o apenado tinha direito ao livramento condicional e recebia um

    peclio, como forma de ajuda financeira para as primeiras necessidades.

    Em 1915, no s Elmira, mas todos os regimes de reformatrios comearam a declinar

    nos Estados Unidos. As crticas mais fortes residiam no fato de que os jovens ficavam

    deprimidos com a rigorosa disciplina militar, castigos pesados e um ambiente de segurana

    mxima que no condizia com o sentido terico de reformulao moral para a regenerao do

    condenado. Na verdade, comeava a surgir nos Estados Unidos, com repercusso na Europa, o

    entusiasmo pela adoo das prises abertas.

    1.2.6 O SISTEMA DE MONTESINOS

    Em 1835 o coronel Manuel Montesinos e Molina foi nomeado governador do Presdio

    de Valncia, na Espanha, onde procurou implantar um diferenciado e eficiente regime

    prisional, cujo xito lhe valeu o reconhecimento pelo grande esforo empreendido em busca

    de um exerccio humanitrio na priso. Seu lema era: os maus tratos irritam mais do que

    corrigem e afogam os ltimos alentos da moralizao.

    O Sistema de Montesinos, como ficou conhecido sua experincia, apresentou

    peculiaridades na vida prisional, que distinguiram esse modelo espanhol dos outros existentes

    na Europa e nos Estados Unidos.

    Foram estas as caractersticas do sistema de Montesinos:

    a) No admitiu o regime celular, porque alm de gerar a mortificao apenado, no

    permitia a socializao em absoluto isolamento.

  • 12

    b) Influiu eficazmente no esprito dos reclusos com menos castigo e mais autoridade

    moral.

    c) Procurou o equilbrio entre o exerccio da autoridade e a misso pedaggica, com

    vistas correo do recluso.

    d) Nenhuma sano disciplinar deveria ter carter infamante.

    e) O poder de disciplina estava em conformidade com o princpio da legalidade, por

    isso instituiu um Cdigo Interno com regulamento para os presos.

    f) Ocupava o preso com o trabalho por ser o melhor instrumento para se conseguir o

    propsito reabilitador da pena.

    g) O trabalho do preso era remunerado para despertar o seu interesse por alguma

    atividade produtiva.

    h) Editou uma prtica penitenciria que se constituiu em importante antecedente da

    priso aberta, visto que o Presdio de Valncia no possua um s ferrolho que pudesse

    resistir ao arrombamento de qualquer apenado, os guardas eram, na maioria, pessoas idosas,

    pois o mais importante era criar no preso a ideia de que ele deveria ser corresponsvel pela

    segurana do estabelecimento, em respeito aos seus hbitos de subordinao e moralidade.

    i) Introduziu no sistema uma espcie de liberdade condicional, reduzindo um tero da

    condenao como recompensa boa conduta do preso, apoiado numa interpretao do art. 303

    da Ordenao Geral dos Presdios do Reino, de 1834, que lhe serviu de fundamento jurdico.

    Frequentemente se atribui a Manuel Montesinos e Molina o pioneirismo pela criao do

    instituto da liberdade condicional.

    j) Estabeleceu a prtica da concesso de licenas de sada temporria dos presos. No

    se conhecia antes essa iniciativa em nenhum outro Sistema.

    l) Considerar benfica a integrao de grupos de presos mais ou menos homogneos,

    quer dizer, sem uma rgida separao entre perigosos e no perigosos, no encontrando

    nenhum inconveniente nessa mesclagem, pois entendia que os bons poderiam auxiliar os

    maus no estmulo modificao do interior humano.

    Manuel Montesinos e Molina foi realmente notvel com seu Sistema. No somente

    pela viso, mas principalmente pela excelente e inovadora prtica prisional, que representou

    um marco no penitenciarismo da Espanha e do mundo.

    Interessante anotar que sua rica experincia com priso adveio do tempo em que, aps

    a Guerra da Independncia, na Espanha, em 1809, foi submetido durante trs anos a severo

    encarceramento em um Arsenal Militar em Tolon, na Frana.

  • 13

    Em 1854, ele pediu demisso do cargo de Governador do Presdio de Valncia. Suas

    contrariedades resultaram, principalmente, da crise em torno do trabalho do preso.

    O regime laboral do Sistema de Montesinos era to eficiente que os fabricantes e

    artesos, em virtude da competio, apresentaram reclamao contra essa concorrncia,

    alegando, inclusive, que a mesma no estava sujeita onerosa carga de impostos. O Governo

    atendeu aos clamores dos empresrios livres e logo a produo na priso foi diminuindo,

    perdendo a qualidade, chegando ao ponto de no conseguir matria-prima e sofrer forte

    campanha publicitria colocando em descrdito o trabalho na priso.

    Sem ajuda do Governo e sem o apoio da comunidade, Manuel Montesinos e Molina

    deixou o comando do Presdio que, lamentavelmente, a partir da, se tornou ineficiente no

    mister de soerguimento social e moral dos apenados.

    1.2.7 O SISTEMA BORSTAL

    O estabelecimento do tipo Borstal, implantado para jovens delinquentes, na Inglaterra,

    em 1902, merece tambm destaque na trajetria dos Sistemas Penitencirios Clssicos.

    A priso Borstal ficava no Condado de Kent, inaugurada desde 1893 para presos

    adultos, que l ficavam em condies pessoais no recomendveis. Com a reforma, Borstal se

    transformou em uma priso para delinquentes, entre 16 e 21 anos, bem adaptada para oferecer

    instruo moral e profissional aos presos.

    O grande avano do Sistema Borstal foi o pioneirismo no modelo de regime

    penitencirio aberto na Inglaterra. Isso comeou quando, em 1930, um grupo de jovens presos

    se deslocou para um acampamento na cidade de Nottinghamshire e l construiu uma moradia

    para eles e para os que viessem posteriormente. Os prprios presos concebiam a moradia

    como priso.

    Estava, assim, semeada a primeira casa penal aberta, bem acolhida pela comunidade,

    tanto que, nos anos posteriores, o prprio Governo apoiou a fixao de outras unidades do

    Borstal, com o mesmo perfil, para jovens delinquentes, na Inglaterra.

    Verifica-se, pelo exposto, a louvvel disposio de se conseguir bons resultados pela

    via da priso. No h dvida de que enorme foi o esforo dos Sistemas Penitencirios

    Clssicos, no sentido de dotar o modelo de privao de liberdade com crescentes iniciativas,

    visando aliviar o pesadelo da contnua violao dos direitos humanos nos crceres e

    possibilitando, igualmente, a real correo dos delinquentes.

    Veja-se que os Sistemas Penitencirios Clssicos serviram de ponte para a orientao

    do tratamento prisional, desenvolvido no sculo XX, sob a gide de duas vertentes:

  • 14

    a) individualizao cientfica da pena e de sua execuo com mtodos de investigao

    e conhecimento de personalidade do preso;

    b) administrao penal sustentada pelas opes de regime fechado, regime semiaberto

    e regime aberto de cumprimento de pena.

    Os resultados prticos no geraram as mais produtivas e infalveis experincias,

    todavia valeu a contribuio desses Sistemas Clssicos, como ingrediente merecedor de

    reconhecimento, na luta incessante em busca de prestgio para o processo regenerador que a

    anormalidade prisional no permite alcanar.

    A priso surgiu no fim do Sculo XVIII e princpio do Sculo XIX com o objetivo de

    servir como pea de punio. A criao de uma nova legislao para definir o poder de punir

    como uma funo geral da sociedade, exercida da forma igual sobre todos os seus membros.

    Foucault (1987) diz que a priso se fundamenta na privao de liberdade, salientando que

    esta liberdade um bem pertencente a todos da mesma maneira, perd-la tem, dessa maneira,

    o mesmo preo para todos, melhor que a multa, ela o castigo, permitindo a quantificao

    da pena segundo a varivel do tempo: Retirando tempo do condenado, a priso parece

    traduzir concretamente a ideia de que a infrao lesou, mais alm da vtima a sociedade

    inteira (Foucault, 1987, p. 196).

    Alm disso, a priso possibilitou a contabilizao dos castigos em dias, em meses, em

    anos se estabeleceu equivalncias quantitativas delito-durao, da vem expresso de que

    a pessoa presa est pagando sua dvida.

    A priso, como hoje se configura, representa um grande fracasso da justia penal.

    Convive-se com denncias ou constataes que a no ser pela mudana dos nmeros

    estatsticos se repetem desde os primrdios da criao da instituio-priso: - as prises no

    diminuem a taxa de criminalidade, ao contrrio tende a aument-las; a priso provoca

    reincidncia; a priso fabrica delinquentes pelo tipo de existncia que os obriga a levarem,

    como a promiscuidade, imposio de trabalhos inteis e sem nenhum carter educativo; abuso

    de poder, corrupo e incapacidade dos gerenciadores do sistema; favorecimento de

    organizaes criminosas e prontas para cumplicidades futuras; proibies e falta de condies

    aos egressos para se inserirem na sociedade, fazendo-os retornarem priso; desestruturao

    familiar indiretamente causada pela falta do seu provedor, dentre outras.

    Segundo Foucault (2004, p. 223) a resposta s crticas ou colocaes acima apontadas

    tem se repetido:

    H um sculo e meio que a priso vem sendo dada como seu prprio remdio; a

    reativao das tcnicas penitencirias como a nica maneira de reparar seu fracasso

  • 15

    permanente; a realizao do projeto corretivo como o nico mtodo para superar a

    impossibilidade de torn-lo realidade.

    Clamar pela ajuda da sociedade para auxiliar na efetivao de mudanas neste quadro

    tem sido um chamamento muitas das vezes, dirigido ao vazio, pela realidade com a qual se

    depara, e pela falta de se vislumbrar perspectivas de melhora. O trabalhador brasileiro, mesmo

    estando na contingncia de trabalhar cerca de quatro meses e meio por ano apenas para estar

    em dia com seus impostos, v-se refm da marginalidade, pois a ningum, at ao indivduo

    medianamente informado, escapa percepo de que as prises no esto cumprindo o seu

    papel, isto , no recuperam, no ressocializam o detento e a bandidagem (termo

    utilizado popularmente) prolifera e est sempre um passo frente da lei. Depara-se na mdia,

    ou em outros meios de comunicao com expresses como: a Cadeia uma escola do crime

    na cadeia o indivduo entra primrio e sai ps-graduado no crime bandido bom bandido

    morto, e assim por diante.

    Tal situao se prolifera com a conivncia do Estado, permitindo a perpetuao de

    uma cultura arcaica. De acordo com Frei Betto (apud Kotscho, 2003, p.41):

    O sistema penitencirio, tal como ele existe na sociedade capitalista, principalmente

    aqui no Brasil, extremamente cruel, no s porque confina fisicamente o homem, sem que

    esse homem possa compreender o problema da liberdade, seno em relao sua locomoo

    fsica, mas ele destri a subjetividade do homem, no sentido de no lhe oferecer nenhuma

    possibilidade de racionalizao da situao em que se encontra.

    De acordo com Foucault (1987) a priso tambm se fundamenta pelo papel de

    aparelho para transformar os indivduos, servindo desde os primrdios como uma:

    [...] deteno legal [...] encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de

    modificao dos indivduos que a privao de liberdade permite fazer funcionar no sistema

    legal. Em suma o encarceramento penal, desde o incio do sculo XIX, recobriu ao mesmo

    tempo a privao de liberdade e a transformao tcnica dos indivduos.

    A histria do sistema penitencirio no Brasil revela que, desde o incio, a priso foi

    local de excluso social e questo relegada a segundo plano pelas polticas pblicas,

    importando, consequentemente, a falta de construo ou a edificao inadequada dos edifcios

    penitencirios, na maioria das vezes improvisados.

    Estabelecia o Livro V das Ordenaes Filipinas do Reino, Cdigo de leis portuguesas

    que foi implantado no Brasil durante o perodo Colonial que decretava a Colnia como

    presdio de degredados. A pena era aplicada aos alcoviteiros, culpados de ferimentos por

  • 16

    arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistncia a

    ordens judiciais, falsificao de documentos, contrabando de pedras e metais preciosos.

    A utilizao do territrio colonial como local de cumprimento das penas se estende at

    1808, ano marcado por mudanas significativas rumo autonomia legal e aos anseios de

    modernidade, to em voga naqueles tempos, segundo assinala Pedroso.

    A instalao da primeira priso brasileira mencionada na Carta Rgia de 1769, que

    manda estabelecer uma Casa de Correo no Rio de Janeiro.

    Registra-se, tambm, a Cadeia construda na cidade de So Paulo entre 1784 e 1788,

    conhecida simplesmente como Cadeia e estava localizado no ento Largo de So Gonalo,

    hoje Praa Joo Mendes. Era um grande casaro assobrado, onde funcionava tambm a

    Cmara Municipal. Na parte inferior, existiam as salas destinadas priso e, no piso superior,

    os espaos para as atividades da Cmara. Para l eram recolhidos todos os indivduos que

    cometiam infraes, inclusive escravos, e era onde aguardavam a determinao de penas

    como o aoite, a multa e o degredo; uma vez que no existia, ainda, a pena de priso.

    A Constituio de 1824 estabelecia, no art. 179, que as prises deveriam ser seguras,

    limpas, arejadas, havendo a separao dos rus conforme a natureza de seus crimes.

    O Cdigo Criminal de 1830 estabeleceu a pena de priso com trabalho para vrios

    crimes, implicando a construo de Casas de Correo com celas individuais e oficinas de

    trabalho e uma arquitetura prpria para a pena de priso. O caf e a industrializao

    proporcionavam um estmulo cada vez maior para o crescimento populacional e tambm

    econmico do pas, mas as casas de recolhimento de presos do incio do sculo XIX

    mostravam condies deprimentes para o cumprimento da pena por parte do detento,

    inclusive local onde se recolhiam escravos, menores e loucos.

    O Cdigo Penal de 1890 estabeleceu novas modalidades de penas: priso celular,

    banimento, recluso, priso com trabalho obrigatrio, priso disciplinar, interdio, suspeio

    e perda do emprego pblico e multa. O artigo 44 do Cdigo considerava que no haveria

    penas perptuas e coletivas. As penas restritivas de liberdade individual eram temporrias e

    no deveriam exceder trinta anos, eram elas: priso celular, recluso, priso com trabalho

    obrigatrio e priso disciplinar.

    A priso celular, inspirada no modelo pensilvnico e de Roquete foi a grande novidade

    da reviso penal de 1890 e foi considerada punio moderna, base arquitetural de todas as

    penitencirias.

    No entanto, o aumento gradativo e constante da populao carcerria confrontou-se

    com as limitaes de espao das prises, inviabilizando o direito cela individual.

  • 17

    No interior do pas o problema alcanou dimenses grandiosas e por muitos anos e que

    nem o Cdigo Penal de 1940 conseguiu apaziguar, segundo assinala Brito, dada a

    insuficincia das prises municipais onde se acumulam, entre paredes e grades, homens de

    todas as condies sociais, e at menores, mulheres e loucos. E o que mais chocante , muitas

    delas de fachadas modernizadas, por exigncias de urbanismo, mas cujo interior vale por um

    escrnio e por um contraste desalentador do que se mostra fora (Brito, 1947, p. 442).

    Registra-se que no sculo XIX j existia uma sociedade para melhoria das prises, um

    movimento para torn-la mais eficaz.

    No sculo XX, comearam os primeiros estudos para a elaborao de uma legislao

    penitenciria, conforme ressalta Barbosa (1993, p. 87), mencionando que em 1937 elaborou-

    se o Projeto de Cdigo Penitencirio pelos juristas Cndido Mendes, Lemos Brito e Heitor

    Carvalho, enquanto em 1957, outro Anteprojeto de Cdigo Penitencirio foi elaborado por

    Oscar Stevenson e em 1963, o Professor Roberto Lyra elaborou o Anteprojeto de Cdigo de

    Execues Penais.

    No entanto, nenhum destes Anteprojetos vingou vindo a ser promulgada em 1984 a

    Lei n 7.210, que estabeleceu sobre a execuo penal, fruto de comisso nomeada pelo ento

    Deputado Abi-Ackel, marco do Direito Penitencirio no pas.

    O crime no apenas uma questo de no educao, mas tambm de muitos outros

    fatores que fazem parte de nossa realidade, entretanto, podemos adequar esta sua afirmativa

    questo do condenado pena privativa de liberdade, afirmando que o meio mais seguro de

    tornar o homem menos inclinado a reincidir no crime respeitando os seus direitos como

    cidado e ser humano que .

    A Lei de Execuo Penal diz que o preso, tanto o que ainda est respondendo ao

    processo, quanto o condenado, continua tendo todos os direitos que no lhes foram retirados

    pela pena ou pela lei.

    Significa, portanto, que o preso ao receber sua condenao, perde a liberdade, mas no

    seu direito a um tratamento digno, sem violncia fsica ou moral.

    senso comum que a violncia somente gera violncia. Faz parte da natureza humana

    comportar-se de forma hostil em um ambiente destrutivo, at como forma de integrar o

    indivduo ao meio em que vive. A violncia, infelizmente, est hoje institucionalizada em

    decorrncia de uma estrutura mantida a fora, que privilegiam poucos, em prejuzo de muitos.

    Hodiernamente o fenmeno social que mais preocupa a sociedade. Por outro lado tambm

    questo de preocupao a violncia oficial que se revela na inexistncia de uma poltica

    carcerria eficaz e reeducadora.

  • 18

    O modelo de sociedade em que hoje vivemos no valoriza a condio humana e por

    esse motivo acaba tornando-se tambm fato gerador de violncia. A falta de percepo deste

    fenmeno social campo frtil s ideias fceis e bem acolhidas pela sociedade. H os que

    defendem o endurecimento da lei e que colocam as ideologias humanistas e os defensores dos

    direitos humanos como elementos contrrios ao combate da criminalidade. Acusam os

    organismos humanitrios de desconsiderarem o lado da vtima, porm somente apresentam

    como proposta para atenuar o sofrimento dos vitimados a subjugao do ofensor.

    As prises que surgiram como forma de humanizao das penas na verdade acabaram

    por se tornar um depsito de lixo humano. A pena continua a ser encarada por todos como

    mero ato de vingana. Muitos at entendem que a situao ideal seria torn-la at mais

    rigorosa.

    Verificamos, assim, que a estrutura do sistema carcerrio est voltada unicamente para

    o castigo, quanto aos direitos do preso descritos na Lei de Execues Penais, de 1.984, e

    normativos como a Constituio Federal e demais tratados sobre direitos humanos so

    reiteradamente descumpridos. H de se convir, entretanto, que no nada inteligente manter

    uma pessoa presa por longo perodo, submetendo-a a toda espcie de desrespeito ao ser

    humano que , para depois libert-la, fazendo com que a sociedade experimente o resultado

    de sua criao. Algo deve ser feito, ainda no curso do cumprimento da pena, para tentar

    devolver a pessoa ao convvio social munida de valores que no a faam enveredar pelo

    caminho da reincidncia.

    Ao reiterar sistematicamente que os Direitos Humanos s servem para proteger

    bandidos, acaba por ser aceito como verdadeiro, quando, na realidade, fruto de profunda

    ignorncia e acarreta, em nosso meio, a fragilizao de conquistas democrticas que a

    humanidade levou sculos para firmar. Na verdade, os Direitos Humanos existem para quem

    deles precisa, e, por no serem excludentes, acabam alcanando tambm queles que um dia

    os violaram. Os presos em nosso pas so vtimas de incessantes afrontas aos Direitos

    Humanos. As condies de nossas cadeias e penitencirias, j de todos conhecidas,

    transformam as penas privativas de liberdade em medidas de extrema crueldade. O grau de

    violncia contra acusados de praticar um crime parece ser aceito socialmente ou mesmo

    encorajado. O conceito de Direitos Humanos tido como forma de proteo a criminosos e a

    necessidade de acalmar a sensao generalizada de insegurana pblica alimenta o desejo da

    populao por medidas mais fortes e mais repressivas contra suspeitos de terem cometido

    crimes.

  • 19

    As regras mnimas da ONU sobre tratamento de presos soam como piada para ns. Os

    Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dos quais nosso Pas signatrio, so

    solenemente ignorados. Descumprimos, reiteradamente, a Lei de Execues Penais em

    inmeros dispositivos, com destaque, bvio, para os que dispem sobre os direitos do preso.

    Se acreditssemos que os rigores positivados da pena e da execuo fossem

    instrumentos eficazes no combate violncia e criminalidade, teramos resolvido alguns de

    nossos mais terrveis problemas. Na verdade, a violncia e a criminalidade so, na realidade,

    filhas das injustias sociais.

    remota a ideia de que os presos no tm direito algum. O condenado amaldioado

    e, sofrendo a pena, objeto da mxima censura da coletividade, que o priva de toda a

    proteo do ordenamento jurdico que ousou violar. O criminoso desprezvel e vil, servo da

    pena, perde a paz e est fora do direito. necessrio entender que, por fora da nossa ordem

    jurdica positivada, o encarcerado no perde a cidadania, sujeito de direitos na execuo. Ele

    titular, ainda, de todo o rol de direitos fundamentais previstos na Constituio que sejam

    compatveis com a situao em que se encontra. Qualquer medida restritiva de sua liberdade

    deve vir prevista em lei, ser proporcional pena atribuda ou virtualmente projetada,

    preservando-se sempre a liberdade jurdica residual que no foi tocada pela sentena

    condenatria.

    A perda ou restrio provisria da liberdade no acarretam a supresso de direitos

    fundamentais. O crime no retira do homem sua dignidade. O indivduo, por mais vil que

    possa parecer, sempre sujeito de direitos.

    Apesar de a Constituio Federal prever no seu artigo 5, inciso XLIX, do Captulo

    dos Direitos e Garantias Fundamentais, que " assegurado aos presos o respeito integridade

    fsica e moral", o Estado continua fracassando nas prerrogativas mnimas de custdia.

    incapacidade de gerenciamento do Estado some-se a incompetncia do modelo prisional

    vigente para a recuperao dos presos. O resultado desta mistura um local onde no existem

    as mnimas condies de respeito aos direitos humanos. E sem respeito pessoa humana,

    como a garantia da dignidade e da integridade fsica, o que se produz a cada dia so pessoas

    desprovidas de humanidade.

    O preso no s tem deveres a cumprir, mas sujeito de direitos, que devem ser

    reconhecidos e amparados pelo Estado. O recluso no est fora do direito, pois se encontra

    numa relao jurdica em face do Estado, e, exceto os direitos perdidos e limitados a sua

    condenao, sua condio jurdica igual das pessoas no condenadas.

  • 20

    Denota-se que muito embora tenhamos em nosso ordenamento ptrio dispositivo legal

    que visa garantir a integridade fsica do condenado e o respeito sua dignidade humana,

    infelizmente parecem estarem esquecidos. Falta na realidade, vontade poltica e seriedade na

    administrao pblica com atitudes srias, a fim de mudar a situao catica que chegou hoje

    nosso sistema prisional, porm, h que se ter em mente que somente teremos soluo quando

    nossos planos de segurana forem planejados com serenidade e no no calor de crises visando

    apenas saciar os anseios da sociedade.

    A verdade que apenas se tem procurado oferecer solues para os efeitos,

    esquecendo-se que o problema est a exigir remdios heroicos para as causas. Se atacarmos os

    efeitos, as causas persistiro e as consequncias crescero numa razo geomtrica.

    Tendo a pena privativa de liberdade o objetivo no apenas de afastar o criminoso da

    sociedade, mas, sobretudo, de exclu-lo com a finalidade de ressocializ-lo, note-se que a pena

    de priso atinge o objetivo exatamente inverso: ao adentrar no presdio, o apenado assume o

    seu papel social de um ser marginalizado, adquirindo as atitudes de um preso habitual e

    desenvolvendo cada vez mais a tendncia criminosa, ao invs de anul-la.

    preciso a transformao do sistema para que a reforma do condenado seja propiciada

    por instrumentos como a educao e o trabalho, de modo a dar-lhe condies de levar uma

    vida digna quando sair do estabelecimento prisional, e evitar que o crcere seja mais penoso

    do que deve ser.

    A inteno, ento, buscar alternativas para sancionar os criminosos, que no os isolar

    socialmente. Isto porque a pena de priso determina a perda da liberdade e da igualdade, que

    derivam da dignidade humana. E a perda dos direitos fundamentais de liberdade e igualdade

    representa a degradao da pessoa humana, assim como a tortura e o tratamento desumano,

    que hoje so expressamente proibidos pela Constituio Federal.

    Por mais que se pretenda que a pena privativa de liberdade deva preparar o sujeito

    para a vida livre, o certo que propicia a formao de uma sociedade antinatural, na qual o

    sujeito carece das motivaes da sociedade livre, adquirindo caractersticas rudes e primitivas,

    que costumam persistir aps a recuperao da liberdade, e, que ao entrar em conflito com a

    sociedade livre, tm a oportunidade de manifestar-se.

    A ideia dos direitos do preso tem origem bem recente. Decorre da consequncia lgica

    de se considerar a privao de liberdade como uma medida extremada, cujos limites devem

    ser estabelecidos, e que, em definitivo, reforado pela comprovao de que um mal, para o

    qual ainda no se encontrou substituto, e, nem mesmo parece existirem esforos srios para

    reduzi-lo, pelo menos em nosso pas.

  • 21

    Nossa Lei de Execuo Penal no passa de uma "carta de inteno".

    A falta de infraestrutura e o total descaso dos nossos governantes tem contribudo de

    forma significativa para a transformao das penitencirias brasileiras em verdadeiras

    "escolas do crime". Se por um lado, os maus tratos, as celas lotadas, as condies precrias, a

    falta de alimentao adequada e o meio insalubre trazem o arrependimento do preso pelo

    crime cometido, por outro, tambm trazem a revolta.

    Alm disso, a falta de um acompanhamento psiquitrico e a no utilizao de

    atividades intelectuais e esportivas acabam por arruinar a integridade fsica e moral do

    apenado, propiciando dessa forma ao cultivo de pensamentos perversos e banais, no

    contribuindo de forma alguma a sua reabilitao, pelo contrrio, prejudicando-o ainda mais.

    Como se no bastasse, quando o delinquente readquire a liberdade, depara-se com os

    obstculos impostos por uma sociedade preconceituosa e excludente que no consegue

    enxerg-lo como um indivduo normal (isso no caso de ele ter sido realmente recuperado),

    aplicando-lhe outras sanes igualmente severas, que a falta de oportunidade no mercado de

    trabalho, o desemprego, a falta de cidadania bsica, etc. Diante do exposto, a nica alternativa

    voltar a cometer os mesmos crimes, a fim de que possa sobreviver.

    Em 1991, O Instituto da UNESCO para a Educao (IUE), lanou um projeto para

    investigar e promover a educao nas prises tendo como pblico alvo os adultos

    sentenciados e encarcerados. Umas das metas do projeto consistia em contribuir para o

    desenvolvimento do potencial humano que se restringia devido s desvantagens sociais. Os

    objetivos principais do projeto eram identificar estratgias bem sucedidas da educao bsica

    nos contextos prisionais, de modo a dar a elas visibilidade, condies de refinamento e

    replicabilidade.

    O relatrio da UNESCO (1993: p. 60) indica que os prisioneiros so geralmente

    jovens, entre 18 a 25 anos. A maioria constituda por homens, e a presena feminina nas

    prises varia entre 2% e 7% da populao total prisional. A mulher uma minoria na priso,

    tanto em nmero quanto em visibilidade. As recomendaes de estudos prisionais indicam a

    necessidade de no continuar ignorando s necessidades de perfil prisional das mulheres

    apenadas. Em muitos momentos, as dificuldades das mulheres so as mesmas dos homens (o

    ambiente, o sistema, a superpopulao, etc.), entretanto existem questes especficas que

    precisam ser observadas (a situao dos filhos, a gravidez, o emocional, as necessidades, as

    habilidades, etc).

    Na esfera internacional, a educao prisional de qualidade e apropriada ao contexto em

    sido vista como uma parte obrigatria e essencial nas atividades de reabilitao prisional.

  • 22

    Entre as pesquisas que procuram esclarecer o perfil do universo prisional destaca-se a

    publicao da UNESCO - Instituto para a Educao denominada "Educao Bsica nas

    Prises" (1995). O documento oferece fundamentao, conceitos e relatos globalizados

    procurando resgatar iniciativas educacionais, a elucidao de contextos prisionais em

    diferentes culturas seguindo uma perspectiva de educao vitalcia e de direitos humanos.

    2 A FALTA DE ACESSO EDUCAO PRISIONAL

    O direito educao escolar como condio ineliminvel de uma real liberdade de

    formao (desenvolvimento da personalidade) e instrumento indispensvel da prpria

    emancipao (progresso social e participao democrtica) um direito humano essencial

    para a realizao da liberdade e para que esta seja utilizada em prol do bem comum. Desta

    forma, ao abordarmos a educao nas prises importante ter claro que os reclusos, embora

    privados de liberdade, mantm a titularidade dos demais direitos fundamentais. O acesso ao

    direito educao do recluso deve ser assegurado universalmente, a todos e todas, dentro da

    perspectiva acima delineada e em respeito s normas que o asseguram.

    Em mbito internacional, as Regras mnimas para o tratamento de prisioneiros,

    elaborado no 1 Congresso das Naes Unidas sobre Preveno do Crime e Tratamento de

    Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, estabeleceu uma garantia especfica

    educao nas prises. Em que pese este documento ser um marco na garantia do direito

    educao das pessoas presas, as orientaes previstas neste so restritivas, e no afirmam o

    carter universal deste direito.

    Em documentos internacionais mais recentes, tal como Declarao de Hamburgo, de

    1997, a abordagem do direito educao de pessoas presas avanou, afirmando-se

    expressamente na Declarao a preocupao de estimular oportunidades de aprendizagem a

    todos, em particular, os marginalizados e excludos (item 11) e no Plano de Ao para o

    futuro, aprovado neste encontro, no item 47, o reconhecimento do direito de todas as pessoas

    encarceradas aprendizagem: a) proporcionando a todos os presos informao sobre os

    diferentes nveis de ensino e formao, e permitindo-lhes acesso aos mesmos; b) elaborando e

    implementando nas prises programas de educao geral com a participao dos presos, a fim

    de responder a suas necessidades e aspiraes em matria de aprendizagem; c) facilitando que

    organizaes no-governamentais, professores e outros responsveis por atividades educativas

    trabalhem nas prises, possibilitando assim o acesso das pessoas encarceradas aos

    estabelecimentos docentes e fomentando iniciativas para conectar os cursos oferecidos na

    priso aos realizados fora dela. (Declarao de Hamburgo, 1997, tema 8, item 47).

    http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/DeclHamburgo.pdf

  • 23

    No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (L. 9394/96, que estabelece

    parmetros dos nveis e modalidades de ensino no pas) no traz nenhuma referncia

    educao de jovens e adultos presos. A abordagem especfica da educao nas prises foi

    estabelecida na Lei de Execuo Penal - LEP (L. 7210/84).

    Neste documento, a assistncia educacional do preso expressamente prevista como

    um direito no inciso VII, do artigo 41. Contudo, ao especificar nos artigos 17 a 21 (conferir

    nota) como se dar a assistncia educacional, observa-se certa restrio s oportunidades

    educacionais nos presdios se comparada educao fornecida aos jovens e adultos que no

    se encontram no sistema prisional: apenas o 1 grau (ensino fundamental) foi previsto como

    obrigatrio, no sendo prevista a possibilidade de acesso ao ensino mdio ou superior para os

    detentos que cumprem pena em regime fechado (que no pode sair da priso), o que viola

    normas constitucionais que postulam como dever do estado a progressiva universalizao do

    ensino mdio gratuito (artigo 208, inciso II) e o acesso aos nveis mais elevados do ensino,

    da pesquisa e da criao artstica, segundo a capacidade de cada um (artigo 208, inciso V).

    Alm disto, nos artigos da LEP possvel identificar uma forte valorizao do trabalho

    em detrimento ao direito educao: o artigo 126 assegura a remio penal atravs do

    trabalho, mas no garante educao o mesmo benefcio. Esta valorizao do trabalho frente

    educao, alm de no incentivar a procura por escolarizao, refora a sua

    descaracterizao como um direito, colocando a educao formal como um privilgio, um

    plus concedido aos detentos.

    Neste tema, tambm relevante apontar que hoje matria de discusso no Congresso

    Nacional a remio da pena pela educao (Projeto de Lei 5189/05). Este pode ser um

    importante passo para o fortalecimento e universalizao do direito educao nas prises,

    segmento to marginalizado e discriminado em nossa sociedade.

    A valorizao do direito ao trabalho frente educao traz tambm como

    consequncia um maior estmulo educao como mecanismo de acesso e preparo para o

    mercado de trabalho, em detrimento de outros objetivos do direito educao, como

    desenvolvimento pessoal ou a formao para a cidadania. Alm da LEP, a educao nas

    prises foi tambm abordada no Plano Nacional de Educao e no Plano Nacional de

    Educao em Direitos Humanos.

    O Plano Nacional de Educao estabeleceu em sua 17 meta que, no perodo de 10

    anos, os poderes pblicos devero: Implantar, em todas as unidades prisionais e nos

    estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educao de

    jovens e adultos de nvel fundamental e mdio, assim como de formao profissional,

    http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/Lei9.394de1996_LDB.pdfhttp://www.acaoeducativa.org.br/downloads/Lei10.172de2001_PNE.pdf

  • 24

    contemplando para esta clientela as metas n 5 (financiamento pelo o MEC de material

    didtico-pedaggico) e n 14 (oferta de programas de educao distncia).

    J no Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos, a meta 26 determina que os

    Poderes Pblicos devero: apoiar a elaborao e a implementao de programas para

    assegurar a educao bsica nos sistemas penitencirios.

    De maneira geral, as normas referentes educao penitenciria deixam margem a

    interpretaes ambguas, tanto na afirmao do direito educativo, como em relao

    responsabilidade por sua implementao. Os textos fazem insistentes referncias parceria

    entre Estado e sociedade civil.

    Se, de um lado isto pode ser positivo, uma vez que possibilita o controle social sobre o

    ambiente prisional, geralmente fechado em rgidas estruturas hierrquicas; de outro tende a

    estimular a transferncia da responsabilidade do Estado para as organizaes civis, muitas

    vezes impossibilitando a correlao com o sistema de ensino oficial.

    As pessoas privadas de liberdade constituem um dos grupos severamente

    marginalizados que esto submetidos violao endmica de seu direito a educao.

    Dos 440 mil presos no Brasil, 75% no completaram a educao bsica e 12% so

    analfabetos. Apenas 18% dos detentos tm acesso a alguma atividade educacional

    ainda assim, incluindo cursos como o de violo. Esses dados, colhidos entre setembro de 2008

    e fevereiro de 2009, constam do relatrio preliminar sobre a situao da educao nas prises

    brasileiras apresentadas junto Comisso de Educao e Cultura pela relatora brasileira

    da Organizao das Naes Unidas (ONU) para o Direito Humano Educao, Denise

    Carreira.

    De acordo com o relatrio, alm de a educao ser vista como um privilgio pelo

    sistema prisional, o processo educacional no contnuo: basta haver qualquer tumulto no

    presdio para ser interrompido.

    As condies de estudo so precrias: faltam salas de aula e os espaos que poderiam

    ser aproveitados so adaptados para funcionar como celas. Alm disso, os professores

    enfrentam a desconfiana dos agentes penitencirios, que interferem no contedo. "O contato

    fsico, como aperto de mos, cerceado. Professoras j foram afastadas sob acusao de

    envolvimento sentimental com detentos", disse a relatora.

    Outro problema apontado pelo relatrio o conflito entre horrio de trabalho e estudo.

    Quem trabalha segundo Denise, dificilmente vai encontrar tempo para estudar. E, como a

    demanda maior do que a oferta feita triagem por bom comportamento.

    http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/PNEDH.pdf

  • 25

    O controle "extremo" do acesso ao papel se constitui outro grave problema. Alm disso,

    materiais escolares so destrudos em busca de drogas.

    A educao um direito social assegurado pela Constituio Federal e consagrado na

    legislao internacional. No entanto, quando se trata da populao encarcerada, tal direito

    parece no ter o mesmo grau de reconhecimento. Se fato que as camadas pobres da

    populao so privadas de vrios direitos, entre eles, o direito a uma educao de qualidade,

    essa realidade torna-se ainda mais contundente e pior mais invisvel ou naturalizada em se

    tratando de pessoas condenadas pelo sistema de justia penal. No Brasil, em muitas

    instituies penais, a oferta de servios educacionais inexistente, insuficiente ou

    extremamente precria, o que se soma a regimes disciplinares e legais que no incentivam ou

    mesmo inviabilizam o engajamento de pessoas presas em processos educacionais.

    Nos ltimos anos, observa-se em escala mundial a perda do ideal reabilitador das

    prises, concomitante a um recrudescimento das polticas de segurana pblica, o que resulta

    em ampliao da populao presa e no abandono das medidas ditas ressocializadoras no

    interior dos sistemas penitencirios.

    As pessoas com discapacidades ou dificuldades para a aprendizagem tornam-se objeto

    de estigmatizao e discriminao em particular com respeito educao dos sistemas

    penitencirios que sistemati