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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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A EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: A CONTRIBUIÇÃO HUMANISTA NO ESTUDO DO LUGAR
MARIA DO SOCORRO P. DE SOUSA ANDRADE1 ARMSTRONG MIRANDA EVANGELISTA2
Resumo: O trabalho discute pesquisa realizada sobre a educação geográfica com alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo como fundamentação teórica referenciais da geografia humanista, na perspectiva fenomenológica, para estudar o conceito de lugar. Descreve a opção metodológica utilizada no desenvolvimento do trabalho, baseada na pesquisa-ação de cunho hermenêutico-fenomenológico ou prático colaborativa, desenvolvida com pedagogos que lecionam geografia com o intuito de buscar a ressignificação do conceito de lugar. Para isso comenta sobre a análise da conceituação das professoras e a mediação pedagógica desse conceito conforme orientações teórico-metodológicas da geografia Escolar, tendo como produção um conjunto de metodologias de ensino desenvolvidas através do trabalho colaborativo. Palavras-chave: Geografia; fenomenologia; lugar. Abstract: The paper discusses survey on geographical education with students of the early years of elementary school, having as theoretical basis references of humanistic geography, phenomenological perspective, to study the concept of place. Describes the methodological approach used in development work, based on research-action-hermeneutic phenomenological or collaborative practical nature, developed with teachers who teach geography in order to seek the redefinition of the concept of place. For that comments on the analysis of the concept of the teachers and the mediation of this concept as theoretical and methodological guidelines of the School geography, with the production a set of teaching methodologies developed through the collaborative work. Key-words: geography; phenomenology; place.
1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Piauí E-mail de
contato: [email protected] 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Piauí.
E-mail de contato: [email protected]
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1 Introdução
O presente trabalho tem como objetivo apresentar a discussão desenvolvida na
pesquisa que realizamos acerca da educação geográfica com crianças nos anos
iniciais do ensino fundamental buscando como aporte as bases conceituais
humanistas no estudo do lugar. Essa pesquisa emergiu da minha experiência como
professora da disciplina de Geografia nos Anos Iniciais em escola da rede privada
de Teresina e da necessidade de aperfeiçoamento dos conhecimentos no tocante a
conteúdos e metodologias específicas da Geografia, especialmente a busca por
aprofundamento e atualização conceitual. Nesse sentido, este trabalho consistiu no
estudo de um conceito-chave da Geografia diretamente relacionado ao espaço
concreto de vivência das crianças iniciantes no processo de alfabetização
geográfica. Acreditamos que a partir da compreensão das primeiras noções sobre o
espaço elas poderão desenvolver com eficácia o senso de lugar e entender melhor
outras dimensões da análise geográfica no transcurso de sua trajetória escolar,
sendo capazes de articular diversas escalas de abordagem da realidade. Assim,
investigamos o desenvolvimento de uma proposta de ensino desse conceito na
perspectiva humanista de matriz fenomenológica, envolvendo professores de
Geografia do 2º, 3º e 5º ano dos anos iniciais do Ensino fundamental de uma escola
da rede pública de Teresina, valendo-se de atividades que articulavam afetividade,
interesse e aperfeiçoamento de faculdades cognitivas. A opção metodológica para a
realização da pesquisa foi a Pesquisa-ação de inspiração hermenêutica-
fenomenológica, ou prático-colaborativa, por seu potencial formativo ao procurar
compreender e interpretar os fenômenos relacionados ao processo de ensino
realizado no trabalho docente. Buscamos para isso sustentação teórica em Martins
(1992), Bicudo ( 2011), Holzer (1992), Franco e Lisita (2014), Diniz-Pereira (2011),
Kemmis e Wilkinson (2011), Thiollent (2011), Pimenta (2012), Sánchez Gamboa
(2012), Machado (2014) e Flickinger 2014). Na pesquisa-ação, procuramos
aproximar sujeito e objeto, assumindo a colaboração como essencial ao processo de
intervenção para descobrir os sentidos da realidade. Para compor a base teórica da
pesquisa foram realizados estudos sobre o conceito de lugar na Geografia e sobre
seu ensino, especialmente na vertente humanista, partindo de autores expressivos
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da área, tais como Straforini (2011),Cavalcanti (2011), Callai (1998), Tuan (1983),
Kaercher (2014), Buttimer (1982), Marandola Jr.(2012) e Lowenthal (1985). Outra
vertente teórica convergente para o objeto de pesquisa diz respeito aos trabalhos
sobre afetividade e cognição por reconhecer sua importância para os estudos
envolvendo a aprendizagem de crianças, principalmente as contribuições de Arantes
(2003) e Oliveira (1992). Acreditamos que esse trabalho constitui-se em uma
contribuição importante para a Geografia Escolar nas séries iniciais, especialmente
para o entendimento das etapas de alfabetização geográfica dos alunos ao
desenvolverem a leiturização do espaço vivido durante o seu processo de formação
para a cidadania.
2 A pesquisa-ação prático-colaborativa: uma possibilidade de pesquisar fenomenologicamente
“O mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que vivo, sou aberto ao mundo,
me comunico indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável.”
(Merleau-Ponty)
Acreditamos que a abordagem dos conteúdos de Geografia, fundadas no
conceito de lugar segundo a perspectiva da Geografia Humanista, será capaz de
oportunizar condições ao aluno para que compreenda várias relações no espaço
geográfico, envolvendo aspectos cognitivos e afetivos, através da interação com o
lugar em que vive, possibilitando-lhe conhecer melhor a sua constituição identitária e
seus determinantes multiescalares, no espaço e no tempo. Assim, estudando o lugar
o aluno poderá entender melhor o mundo e intervir nele criativamente.
Com a presente pesquisa reconhecemos a importância dessas questões no
ensino da Geografia. De início, constatamos dificuldades a respeito da identidade
geográfica pelo aluno, referentes ao conhecimento do espaço vivido no cotidiano. Na
verdade, notamos a prevalência de aspectos pontuais, fragmentários acerca do
mundo, com pouca organização de certas relações que se manifestam
espacialmente de grande significância para o aprendizado geográfico, havendo
mesmo pouca orientação pedagógica valorizando o estudo do lugar; fato
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comprometedor de um discernimento fenomenológico dessa dimensão da
abordagem geográfica.
Compreendemos que tal orientação pedagógica, pode ser alcançada através
da contribuição do conhecimento disponível pela Geografia Escolar, fundamentos
que devem constar nos programas de formação inicial do pedagogo e nos
programas de formação continuada das instituições escolares ou das redes de
ensino nas quais trabalham esses professores. Isso exige um maior investimento
teórico-metodológico no aperfeiçoamento e atualização curricular da geografia
ensinada na escola fundamental, bem como nos programas de formação continuada
do pedagogo.
O presente estudo nos assegura essa interpretação ao relatar uma experiência
de ensino de geografia com crianças 2º, 3º e 5º ano do Ensino Fundamental, nos
quais nos propusemos a mediar o estudo dos fundamentos do conceito de lugar
para esse nível de ensino. Essa experiência foi desenvolvida em colaboração com
as professoras de Geografia dessas turmas, baseando-se em um corpus de
atividades inspiradas em referenciais fenomenológicos. Nesse sentido, buscamos
apoio nos trabalhos metodológicos de cunho colaborativo que enfatizam o binômio
pesquisa-ação, modalidade investigativa que trataremos de caracterizar daqui por
diante.
Na perspectiva de novas tendências epistemológicas da pesquisa educativa,
como a “pesquisa participante” e a “pesquisa-ação”, pressupõe-se “que o
conhecimento seja essencialmente um produto social, que se expande ou muda
continuamente, da mesma maneira que se transforma a realidade concreta, e que,
como ato humano, não está separado da prática”. (SÁNCHEZ GAMBOA, 2012,
p.31). Nessas modalidades de pesquisa o objetivo central é a transformação da
realidade social e o melhoramento da vida dos sujeitos envolvidos nessa realidade.
Nesse sentido, Pimenta (2012) propõe que os procedimentos metodológicos
inscrevam-se em metodologias qualitativas, com vistas a procedimentos formativos
e emancipatórios, “que emanam dos pressupostos epistemológicos que nos
identificam enquanto grupo”. A partir desse entendimento, com a intenção de realizar
uma investigação para além do visível, do aparente das práxis, é que elegemos a
pesquisa-ação de inspiração hermenêutica-fenomenológica ou prático-colaborativa
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para a realização desta pesquisa com a professora colaboradora. O mote do estudo
sobre a prática pedagógica da professora foram os conhecimentos da Geografia
relevantes nessa etapa da escolaridade, elegendo dentre estes o conceito de lugar
conforme o pensamento geográfico atual. Como os significados dos conceitos
variam conforme a tendência de pensamento considerada, optamos aqui pelo
estudo do lugar na perspectiva da Geografia Humanista, sob influência do método
fenomenológico.
A pesquisa prático-colaborativa de inspiração hermenêutica-fenomenológica é
uma modalidade da pesquisa-ação. Kemmis e Wilkinson (2011), ao discutirem o
contexto da pesquisa na formação e no trabalho docente, fazem referência a
aspectos que interessam a nossa pesquisa; eles caracterizam a pesquisa-ação
como sendo participativa, além de prática e colaborativa, dentre outras
características. Para os autores essa abordagem investigativa é participativa porque
“envolve pessoas para o exame de seu conhecimento (entendimentos, habilidades e
valores) e categorias interpretativas (os modos pelos quais elas interpretam a si
mesmas e sua ação no mundo social e material)”. Cada indivíduo do grupo procura
participar, nesse processo, “da condução de como seu conhecimento modela sua
noção de identidade e de ação, e refletir criticamente sobre como seu conhecimento
atual estrutura e restringe sua ação”. A pesquisa-ação é também prática e
colaborativa na medida em que “envolve as pessoas para o exame das ações que
as ligam a outras pessoas na interação social”. (KEMMIS E WILKINSON, 2011, p.
42). Podemos entender que nesse processo de investigação a interação entre as
pessoas permite explorar seus atos de comunicação, produção e organização social.
Sobre a concepção de pesquisa-ação na formação docente, Franco e Lisita
(2014, p. 50) ressaltam que “quando se fala em pesquisa-ação, há que se definir o
sentido epistemológico que lhe estamos imprimindo”. As autoras destacam Grundy
(1988) que, fundamentando-se no pensamento habermasiano, identifica três
modalidades de pesquisa-ação: técnico científica, prático-colaborativo e crítico-
emancipatória. Essa autora caracteriza a Pesquisa-ação prático-colaborativa como
uma pesquisa que tem como base filosófica a Fenomenologia, valendo-se dos
seguintes aspectos: a) da hermenêutica e da historicidade; b) da natureza múltipla
da realidade pesquisada, construída e multirreferencial; c) do problema definido em
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situação; d) da relação sujeito/objeto interacional, subjetivista e dialógica; e) do foco
de ação voltado para a compreensão mútua e a busca de sentidos por mecanismo
indutivo; do caráter descritivo da produção do conhecimento; f) da duração
relativamente longa da mudança, na dependência dos sujeitos; g) da compreensão e
ressignificação dos eventos por meio de trabalho reflexivo; h) do propósito da
pesquisa em compreender os contextos em que se vive para descobrir os sentidos
atribuídos.
Como já mencionamos, interessamo-nos por essa linha de investigação com o
intuito de compreender aspectos da consciência das professoras, para descobrir os
sentidos que elas atribuíam ao conceito de lugar no ensino de Geografia dos anos
iniciais do Ensino Fundamental. A partir dessa compreensão, mediar
pedagogicamente o estudo do lugar segundo referenciais teórico-metodológicos da
Geografia Escolar e sugerir o desenvolvimento de atividades de ensino com o
estudo desse conceito na perspectiva da Geografia Humanista sob a influência do
método fenomenológico. Este método permite desvendar o fenômeno pesquisado
além da aparência, não se limitando a uma descrição3 passiva. “É simultaneamente
tarefa de interpretação4 (tarefa da Hermenêutica) que consiste em pôr a descoberto
os sentidos menos aparentes, os que o fenômeno tem de mais fundamental”.
(MASINI, 2006, p.63).
O nosso estudo procurou levar em conta a fenomenologia existencial de
Merleau Ponty como o fundamento teórico para o método desenvolvido. As
concepções existenciais deste autor são os conceitos-chave que levam à elaboração
da trajetória para a pesquisa fenomenológica, seguindo os seguintes passos: a
descrição, a redução, a análise e a interpretação fenomenológicas; a análise
ideográfica e a análise nomotética, desvelando e descrevendo as verdades gerais
sobre a concepção de lugar das professoras que ensinam Geografia nos anos
iniciais do Ensino Fundamental da escola pesquisada. Buscamos, assim, revelar a
3 Descrição- em fenomenologia é um caminho de aproximação do que se dá, da maneira que se dá e
tal como se dá, ou seja, refere-se ao percebido do fenômeno, pressupõe alcançar sua essência. 4 Interpretação- trabalho do pensamento que consiste em decifrar o sentido aparente, em desdobrar
os sinais de significação implicados na significação literal... há interpretação onde houver sentido múltiplo e é na interpretação que a pluralidade de sentidos torna-se manifesta.”
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intencionalidade dessas professoras ao ensinarem a construção do conceito de
lugar na Geografia.
3 A construção do conceito de lugar no ensino de Geografia nos primeiros
anos do ensino fundamental
A compreensão dos sentidos atribuídos pelas professoras ao conceito de lugar
no ensino da Geografia levou-nos a constatar limites em relação à compreensão
desse conceito na perspectiva da Geografia Humanista. Nessa linha de pensamento
o sentido de lugar revela-se “enquanto essência da experiência geográfica (ser-no-
mundo)5, ligados de diferentes maneiras à paisagem e ao território”. (MARANDOLA
JR., 2012, p.XV). A noção de lugar nessa perspectiva não deve se confundir com a
definição de espaço ocupado, com sítio, povoação, localidade, região, país, posição
geográfica, etc. como é comum encontrarmos em consulta aos dicionários ou
mesmo no ensino da Geografia Tradicional. É essa ideia que, geralmente, está na
mente das professoras quando definem lugar ao ensinarem Geografia para as
crianças, como uma crença unívoca do conceito de lugar. Por meio de processos
reflexivos, ela pode ser problematizada, mediante a suspensão dessa crença.
Assim, surgiu a possibilidade de transformar as expressões habituais das
professoras em expressões próprias que sustentam o discurso do conceito de lugar
na perspectiva da análise geográfica que nos propomos nesse estudo. Para isso,
procuramos discutir com as professoras o conceito de lugar à luz de concepções
teórico-conceituais atuais da área possibilitando assim a compreensão dos
significados dos dados obtidos no universo do conhecimento científico.
Para ressignificar a noção de lugar realizamos uma espécie de suspensão da
crença conceitual das professoras e mediamos pedagogicamente o estudo do lugar
segundo referenciais teórico-metodológicos da Geografia Escolar. Os nossos
estudos envolveram discussões acerca das temáticas: “Geografia e a realidade
escolar contemporânea: avanços, caminhos, alternativas” (CAVALCANTI, 2010);
5 Em Ser e Tempo, com o conceito de ser-no-mundo, Heidegger pretendia caracterizar a
simultaneidade de mundo e homem, mostrando que a existência do homem recebe seu sentido da sua relação com o mundo e que este obtém sua significação através do homem.
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“Conceitos geográficos, conhecimento e autonomia do aluno” (COSTELLA, 2012);
“O significado do Lugar na Geografia” (EVANGELISTA et all, 2010) e “Estudar o
lugar para compreender o mundo” (CALLAI, 2012). A partir desse estudo planejamos
as intervenções pedagógicas para possibilitar a construção do conceito de lugar na
perspectiva humanista-fenomenológica da Geografia Escolar.
Machado (2010, p. 13), desejando encontrar um novo jeito de pensar a
infância questiona: “Existe uma educação fenomenológica a ser dada às crianças?”.
Ao perceber que esse questionamento continha um “erro metodológico”, a autora
ressalta que para “atingir uma pedagogia fenomenológica” é fundamental considerar
que esta, em coerência com o método em questão, é uma pedagogia sem
pressupostos iniciais, delineada pela compreensão da forma como a criança
compreende o mundo, tal qual ela se apresenta. Concordando com Machado(2010),
descobrimos na Fenomenologia uma justificativa para a nossa maneira de pensar a
educação e o ensino de Geografia que praticávamos.
Foi com base nesse método, aperfeiçoado por Merleau-Ponty, que procuramos
construir o conceito de lugar com crianças das turmas em estudo, assumindo junto
aos partícipes uma atitude fenomenológica. Nesse sentido, procuramos organizar
um conjunto de atividades sobre o conceito de lugar na perspectiva em tela. Na
seleção do conteúdo levamos em conta a programação que já vinha sendo
desenvolvida pelas professoras, com notória influência do livro didático. O diferencial
seria trabalhar o conteúdo a partir dos aspectos ligados ao conceito de lugar.
A educação de uma forma em geral precisa compreender melhor as
percepções infantis para elaborar situações didáticas que valorizem a forma da
criança de ser e estar no mundo para auxiliar no seu desenvolvimento cognitivo.
Assim, no 2º ano as atividades foram elaboradas com o objetivo de trabalhar as
percepções do aluno em relação aos lugares de vivência e mediar a construção do
conceito de lugar por meio das diferentes linguagens: escrita, gráfica (desenhos) e
oral. Ao pensar, sentir e refletir sobre o que as crianças nos disseram sobre esses
espaços vividos, percebemos que eles tornaram-se significativos pelas relações
afetivas envolvidas geradoras de aconchego e segurança.
A casa, nessa perspectiva, assume a condição daquele lugar expresso por
Dorothy Gale no filme “O mágico de Oz” ao despertar nela o sentimento que permitiu
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a ela afirmar que não existe lugar como o nosso lar. Nessa perspectiva não se trata
de considerar casa como “objeto”, não objetiva-se valorizar a descrição da
habitação, mas a importância do habitar, de compreender o valor da casa como
espaço vital, como nosso enraizamento, como “nosso canto no mundo”
(BACHELARD, 1988, p.111-112). Outras atividades como essa foram desenvolvidas
com o intuito de ampliar a dimensão espacial da criança, utilizando-se outras formas
de linguagem como o desenho.
No 3º e 5º ano planejamos uma aula de campo em consequência da afirmação
da professora de que os alunos não tinham a cidade de Teresina como referência de
vivência espacial. Essa abordagem metodológica pode ser vista como possibilidade
de propiciar ao aluno o interesse pelo estudo do lugar vivido e a compreensão de
que pertence a este lugar. Interessava-nos apresentar Teresina de alguma forma
para essas crianças, portanto decidimos planejar essa aula elaborando um roteiro
que levasse-nas a percorrerem as áreas mais conhecidas de Teresina, aquelas que
mais identificam essa cidade.
Em campo, orientamos o olhar das crianças desde a partida, observando o
entorno da escola e continuando com essa orientação ao percorremos as principais
ruas da cidade para que reconhecessem e interpretassem as paisagens do lugar.
Para não nos limitarmos em levar as crianças apenas a “verem”, dialogamos com
elas procurando entender o “porquê” da existência desses lugares, ora explicando,
ora ouvindo-nas sobre o que sabiam sobre eles. Isto porque concordamos com
Flickinger (2014, p.85), baseado no pensamento de Gadamer, que o diálogo vivo é
visto tradicionalmente como o meio em que a verdade aparece, mas que “está hoje
marginalizado, suplantado que foi pela primazia do ver. Dessa forma, o registro da
compreensão dos alunos ocorreu por meio da linguagem oral, em debate sobre as
percepções do lugar, por meio de desenhos e produção textual.
Considerando que as crianças do 3º ano, em sua maioria, ainda apresentavam
dificuldades para registrar por escrito a sua compreensão, além da oralidade
proporcionada pelo diálogo, pedimos que elas desenhassem o que aprenderam
sobre Teresina na aula de campo. Na perspectiva metodológica da nossa pesquisa
a análise dos desenhos ou de qualquer outra forma de expressão acerca da
construção do conhecimento pelas crianças, é realizada por meio de descrições que
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fazemos no intuito de narrar a maneira dela de ser e estar na relação com o espaço
vivido nesse momento da pesquisa. Segundo Machado (2010, p.104) “é próprio da
descrição fenomenológica não fazer juízo de valor”, portanto não analisamos os
desenhos estabelecendo classes segundo etapas de desenvolvimento do desenho e
nem julgando se a criança desenha bem ou mal, certo ou errado, se apresentam
perspectivas, proporções entre os elementos desenhados, etc.
Sabemos da importância do desenvolvimento dessas noções para as
construções e representações do espaço pela criança no processo de alfabetização
cartográfica. No entanto, o nosso objetivo com a atividade do desenho não envolvia
essa abordagem, mas uma abordagem que nos permitisse compreender a relação
que se estabeleceu entre a criança e a percepção que tiveram de Teresina, de como
ela vivenciou a experiência de observar e reconhecer a cidade como um espaço de
pertencimento.
No quinto ano, o registro da percepção dos alunos acerca da cidade de
Teresina como espaço vivido6 ocorreu por meio de uma produção textual orientada
por um roteiro que conduzia a sistematização das ideias solicitando informações
sobre a identidade da cidade, a importância dela para os discentes, a afetividade
pelo lugar e a descrição da experiência oportunizada pela aula de campo.
Defendemos a ideia de que a prática de escrita e leitura é responsabilidade de todas
as áreas do conhecimento, de tal forma que os textos produzidos apresentaram
conteúdo significativo em relação ao conceito em construção. O trecho a seguir
exemplifica o nível dos textos produzidos:
Teresina é a melhor cidade que existe porque tem coisas típicas importantes como a lenda do Cabeça-de-cuia, o rio Parnaíba e o encontro dos rios. Também tem suas comidas típicas como: o baião-de-dois, creme de galinha e a maria-isabel [...] eu amo viver em Teresina, não só eu, mas todos os que vivem nela [...] sabe o que eu mais gostei? Foi quando a gente viu o encontro dos rios, foi a coisa mais linda [...] (J. Ávila –aluna do 5º ano).
As práticas que ora descrevemos baseia-se na concepção de que, o aluno será
mais capaz para analisar outras identidades espaciais se entender melhor a sua, se
6 Espaço vivido: “conjunto contínuo dinâmico, no qual o experimentador vive, desloc-se e busca um
significado. É um horizonte vivido ao longo do qual as coisas e as pessoas são percebidas e valorizadas”. (BUTTIMER,1982, p. 174). “[...] conclusões similares sobre a experiência de lugar”. (BUTTIMER,1982,p.178)
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o lugar de vivência fizer parte significativamente de sua leitura geográfica do mundo.
Concordando com Costella (2012, p. 65), “o entendimento do contexto do aluno, de
como ele se vê, como se reconhece nesse lugar, como reconhece os outros, é o
primeiro passo para que compreenda outros elementos identitários em diferentes
escalas geográficas”.
4 Considerações Finais
Acreditamos que a partir de abordagens metodológicas como essas que
propusemos, propiciadoras do reconhecimento do espaço vivido, os alunos de
Geografia dos anos iniciais, etapa de ensino que ainda é empobrecida pela carência
dos fundamentos da Geografia Escolar, serão capazes de reconhecer a sua
identidade enquanto sujeitos pertencentes ao seu lugar de vivência. Com esse
reconhecimento construirá conhecimentos para agir como cidadãos responsáveis
pelas transformações espaciais de sua realidade. Além de que serão capazes de
comparar as paisagens locais e distantes nas suas manifestações naturais e
culturais com maior eficácia. Dessa forma, criam-se para esses alunos
possibilidades melhores de ser e estar no mundo.
Finalizamos a descrição das intervenções realizadas com a aspiração de que
elas sejam interpretadas como proposições que possam contribuir com o
desenvolvimento de práticas significativas para a educação geográfica,
principalmente para os professores pedagogos que trabalham com o ensino de
crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mas que não têm formação
específica na área, carecendo muitas vezes do domínio conceitual e metodológico
da Geografia Escolar.
REFERÊNCIAS
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