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III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1700 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA BRASILEIRA: uma construção histórica na perspectiva das transformações sociais Patrícya Karla Ferreira e Silva 1 Cecília Bezerra Leite 2 Rita Fabiana Arrais do Nascimento 3 Paulo Cesar Figueredo dos Santos 4 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da construção histórica da educação escolar indígena brasileira considerando os rebatimentos do desenvolvimento da educação formal. A breve reflexão traz a tona o processo de alargamento da política de educação e as interferências históricas do sistema capitalista no seu percurso. A partir daí perscrutamos as contradições entre a educação indígena e a educação escolar indígena e seus avanços no transcorrer da sociedade brasileira. Apontamos também os relevantes desafios que possui a educação escolar indígena, sobretudo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando os índios deixam de ser considerados uma categoria social em fase de extinção e passaram a ser respeitados como grupos étnicos diferenciados, com direito a manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições culturais vislumbrando assim as transformações sociais das quais se faz tão necessária a este segmento social. Palavras-chaves: Educação; Educação Escolar Indígena; Transformações sociais. INTRODUÇÃO A educação é inerente à sociedade humana e como é sabido “o estágio de desenvolvimento de uma sociedade deve ser avaliado pelo domínio que ela exerce sobre a natureza [...]”, assim “nas comunidades primitivas não se encontram escolas nem método de educação reconhecido como tal [...]” (SAVIANI, 2003, p. 02) 1 Mestre em Serviço Social pela UFPB e Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade Leão Sampaio (FALS). E-mail: [email protected] 2 Especialista em Docência do Ensino Superior pela FALS e em Língua Portuguesa e Arte e Educação pela URCA. Professora do Curso de Serviço Social da FALS. E-mail: [email protected] 3 Mestre em Sociologia pela UFPB e professora do Curso de Serviço Social e do Curso de Administração da FALS. E-mail: [email protected] 4 Contador (UFPB) e Especialista em Controladoria e Auditoria pela FALS. E-mail: [email protected].

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III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil

1700

A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA BRASILEIRA: uma construção histórica na

perspectiva das transformações sociais

Patrícya Karla Ferreira e Silva1

Cecília Bezerra Leite 2

Rita Fabiana Arrais do Nascimento3

Paulo Cesar Figueredo dos Santos4

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da construção histórica da educação escolar

indígena brasileira considerando os rebatimentos do desenvolvimento da educação formal. A breve

reflexão traz a tona o processo de alargamento da política de educação e as interferências históricas do

sistema capitalista no seu percurso. A partir daí perscrutamos as contradições entre a educação

indígena e a educação escolar indígena e seus avanços no transcorrer da sociedade brasileira.

Apontamos também os relevantes desafios que possui a educação escolar indígena, sobretudo após a

promulgação da Constituição Federal de 1988, quando os índios deixam de ser considerados uma

categoria social em fase de extinção e passaram a ser respeitados como grupos étnicos diferenciados,

com direito a manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições culturais

vislumbrando assim as transformações sociais das quais se faz tão necessária a este segmento social.

Palavras-chaves: Educação; Educação Escolar Indígena; Transformações sociais.

INTRODUÇÃO

A educação é inerente à sociedade humana e como é sabido “o estágio de

desenvolvimento de uma sociedade deve ser avaliado pelo domínio que ela exerce

sobre a natureza [...]”, assim “nas comunidades primitivas não se encontram escolas

nem método de educação reconhecido como tal [...]” (SAVIANI, 2003, p. 02)

1 Mestre em Serviço Social pela UFPB e Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade Leão Sampaio

(FALS). E-mail: [email protected] 2 Especialista em Docência do Ensino Superior pela FALS e em Língua Portuguesa e Arte e Educação pela

URCA. Professora do Curso de Serviço Social da FALS. E-mail: [email protected] 3 Mestre em Sociologia pela UFPB e professora do Curso de Serviço Social e do Curso de Administração da

FALS. E-mail: [email protected] 4 Contador (UFPB) e Especialista em Controladoria e Auditoria pela FALS. E-mail: [email protected].

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Ao tratarmos de educação, particularmente de educação escolar indígena na sociedade

brasileira, perscrutamos que o processo de educação se iniciou aqui muito antes de sua

colonização. Uma vez que nas terras brasileiras já vivia um povo com costumes e crenças, o

que revela que este fazer ao qual denominamos de “educação” não acontece só na escola nem

se aprende apenas a partir do formalismo de programas implementados e articulados por meio

de currículos específicos, a educação possui uma amplitude maior e definitivamente

considerável.

Nesta perspectiva, a Educação Escolar Indígena é assegurada às comunidades

indígenas como um direito que garante uma educação escolar diferenciada e uma utilização de

suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Estes aspectos são garantidos

pelos instrumentos jurídico-legais a exemplo da Constituição Federal de 1988 e a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.

Assim, embora na prática os desafios sejam imensos, nos aspectos assegurados pela

Constituição Federal de 1988, os índios deixam de ser considerados uma categoria social em

fase de extinção e passaram a ser respeitados como grupos étnicos diferenciados, com direito

a manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições culturais.

1.1 História da Educação Brasileira

Historicamente conforme Romanelli (1980) o marco inicial da história da educação

brasileira se dá no ano de 1549, quando aqui chegaram com Tomé de Souza, quatro padres

jesuítas chefiados por Manoel da Nóbrega, o qual tratou de traçar um plano de instrução que

se iniciava com o aprendizado do português (para os indígenas) a doutrina cristã, e com a

escola de lê e escrever e, ainda o aprendizado agrícola de um lado e, do outro lado, com a

gramática latina para os que se destinavam as realizações de estudos superiores na Europa.

Esta ação foi denominada como Plano de Nóbrega5. O referido plano continha uma

preocupação voltada para os interesses dos colonos. Era um plano universalista, adotado por

todos os jesuítas. E ao mesmo tempo elitista para serem destinados aos filhos dos colonos e

excluíam os indígenas, tornando-se um instrumento de formação da elite colonial, voltado

5 Ver: CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As Aulas Régias no Brasil. In: STEPHANOU, Maria (org.). Histórias

e Memórias da Educação no Brasil.. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. P. 179 - 191.

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para os objetivos do português colonizador, manter a população, através da ignorância,

pacífica e obediente. Pois assegurar a posse da terra era seu objetivo principal.

Destarte, conforme Ribeiro (2007, p. 96):

Os jesuítas não se limitaram às instruções das primeiras letras, pois mantinham

cursos de Letras e Filosofia, entendidos como auxiliares, e o curso de Teologia e

Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes. Os filhos de

famílias ricas que tinham intuito de seguirem outras carreiras precisariam estudar

fora do país, nas universidades europeias.

O contexto ora citado decorreu anteriormente aos períodos pelos quais a educação

formal foi constituída. Deste modo, podemos entender que a política educacional no Brasil foi

marcada por uma periodização influenciada pelos modelos específicos da economia brasileira

conforme Barbara Freitag (1986).

Nesta perspectiva, Freitag (1986) apresenta estes períodos assim caracterizando-os:

primeiro momento, que abrange o Período Colonial, o Império e a I República (1500 – 1930).

Para esse período é característico o modelo agroexportador de nossa economia. Ao segundo

período, que vai de 1930 a 1960, corresponde o modelo de substituição das importações. E o

terceiro período vai de 1960 até os nossos dias e foi caracterizado como o período da

“internacionalização do mercado interno”. Ainda conforme as análises realizadas pela autora

neste ponto, enfatizar-se-á um pouco mais de cada período acima citado.

Para Freitag (1986), o período de 1500 a 1930 foi um período marcado pela

organização da economia na produção de produtos primários, destinados à exportação para as

metrópoles. A economia centrava-se em produtos específicos de exportação6. A política

educacional estatal era quase que inexistente, apenas contava-se com um restrito sistema

educacional estruturado pelos padres jesuítas, que cumpriam uma série de funções

consideradas importantes para a coroa de Portugal.

Portanto, a igreja católica além de assumir a hegemonia na sociedade civil, também

penetrava na política, através da educação. Ela tinha como função, subjugar a população

indígena, tornando-a mais dócil. Dessa forma auxiliava também a classe dominante da qual

6 Produtos como o açúcar, o ouro, o café, e a borracha.

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participava, subjugando de forma especifica as classes subalternas assim como a relação de

produção.

Entretanto, com a expulsão dos jesuítas do Brasil no fim do século XVIII, a igreja

preservou sua influência na sociedade civil. Na fase do império e da república, poucas foram

às mudanças na economia. Mas, no final do império traços embrionários de uma política

estatal se mostravam presentes.

Os jesuítas estiveram no comando da educação brasileira de 1549 até 1759. O

Marquês de Pombal, primeiro ministro de Portugal (1750–1777) defendia as ideias

“despotismo esclarecido7”, empreendeu reforma no campo educacional, implantando a escola

pública. Ao expulsar os jesuítas em 1759, o Marquês de Pombal, pois um fim ao único

modelo de educação até então existente no país. A reforma pombalina8 trouxe consequências

no campo educacional, com a saída dos jesuítas e a falta de professores, levando ao

fechamento de muitas escolas, entretanto mantiveram-se algumas missões, residências e

alguns estabelecimentos de ensino nas capitais mais importantes do país.

Já a partir 1808, com a instalação da família real no Brasil, fugidos da invasão

polonesa, sua preocupação educacional principal restringiu-se apenas a formação das elites do

governo e dos quadros da segurança do país. Criou o curso de cirurgia e anatomia em 1808.

Em 1810 deu-se a criação dos cursos técnicos e artísticos.

Em 1891, a Constituição Republicana instituiu a neutralidade do ensino religioso

ministrado nos estabelecimentos públicos. Após a instauração da independência em 1822

foram criadas no Brasil (1827) duas faculdades de direito, uma em São Paulo e outra em

Recife, onde se formavam as elites, consolidando-se o ensino discriminatório e dualista do

modelo anterior, uma vez que faziam parte deste sistema, aqueles que possuíam condições.

Destarte podemos afirmar que até a Proclamação da República em 1889, praticamente

nada se fez de concreto pela educação brasileira. Portanto, como afirma Romanelli (1978):

7 Despotismo esclarecido foi a prática de apoio e incentivo dos monarcas em relação às novas ideias (exaltação

do Estado e do poder do soberano, é animada pelos ideais de progresso). 8 Esta reforma teve por objetivo proceder a uma adequação da instituição escolar à nova configuração necessária

ao Estado moderno, e nesse sentido, agenciar o ensino de maneira a atender os interesses seculares da coroa.

(BOTO, 2008, p. 170).

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Com a Proclamação da República a Constituição de 1824 é substituída pela Primeira

vez Constituição da República em 24 de fevereiro de 1890 promulgada em 1891

“[...] que instituiu o sistema federativo de governo, consagrou também a

descentralização do ensino [...]” (ROMANELLI, 1978, p. 41).

O segundo período que vai de 1930 a 1960 pode ser compreendido a partir da análise

da questão econômica. De acordo com Behring e Boschetti (2007), a política econômica de

1930 a 1945 foi marcada pela crise mundial de 1929 que encaminha mudanças estruturais que

vão caracterizar o modelo substitutivo das importações. Os latifundiários, cafeicultores, são

forçados a dividir com a burguesia emergente. Como consequência dessa nova situação, há

uma reorganização dos aparelhos repressivos dos estados. Com apoio da burguesia e de certos

grupos militares, o presidente Getúlio Vargas assume o poder em 1930, e implanta o Estado

Novo9 com uma política ditatorial.

Nesta perspectiva Freitag (1979) afirma que:

A política educacional do Estado Novo visa transformar o sistema educacional em

um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas, reproduzindo

em sua dualidade a dicotomia estrutural da classe capitalista. (FREITAG, 1979, p.

39).

Na realidade educacional brasileira vê-se que a compreensão da política educacional

enquanto política pública de natureza social implica necessariamente no reconhecimento de

que o contexto socioeconômico, cultural e político são elementos fundamentais dos processos

que geram a sua formulação e implementação. Compreender esses processos é fundamental

para entender a base educacional da sociedade brasileira.

Neste sentido, como afirma Martins (1994), se a cultura de um povo é a democracia,

ele atua nas decisões políticas e é provável que sua política educacional acate as sugestões e

os anseios da população, mas em contextos autoritários, nos quais o povo é subjugado por

uma cultura extremamente dominadora, é comum predominar uma política educacional que

não se materializa na prática.

9 Estado Novo é o nome que se deu ao período em que o Presidente Getúlio Vargas governou o Brasil de 1937 a

1945. Este período ficou marcado, no campo político, por um governo ditatorial.

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Nos primeiros anos do século XX, os sucessivos governos criaram diversas escolas de

formação profissional para a educação primária, considerando o analfabetismo do povo

brasileiro como o cerne das crises sociais do país.

Surge nesse período o movimento cívico patriótico, destacava-se o nome de Olavo

Bilac que combatia o analfabetismo. Nesse contexto é criado em 1924 a Associação Brasileira

de Educação (ABE), que reunia os maiores nomes da educação brasileira, e resultou no

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 193210

. Esse movimento era em favor do

ensino fundamental público, gratuito e obrigatório. A ideia de que a Constituição de 1934

assegurou um capítulo reservado sobre a educação todos os direitos referentes a educação não

satisfazia os estudiosos da época. Esse período foi marcado por inúmeras reformas no campo

educacional, procurando criar uma boa estrutura de funcionamento do ensino básico e

superior.

Com a revolução de 1930, ocorreram grandes mudanças no campo educacional,

criação do Ministério da Educação e o Estatuto das Universidades Brasileiras. A criação da

Universidade de São Paulo. Um dos primeiros atos do governo após a vitória da revolução de

30 foi à criação do Ministério da Educação e Saúde para cuidar prioritariamente da

reformulação educacional a qual era muito reivindicada pela sociedade, o então ministro da

educação Clemente Mariano apresentou a Assembleia Legislativa o projeto da primeira Lei de

Diretrizes e Base da Educação brasileira em 194811

, que significou um avanço para a política

de educação daquele momento.

Referimo-nos agora ao terceiro período da educação brasileira, a partir da década de

1960 que evidencia-se os governos militares e suas ações. Ações deste governo que abrira

naquele momento o ensino para a iniciativa privada, assim como a educação as políticas de

saúde e habitação também foram direcionadas a iniciativa privada. Tal iniciativa possuía

justificativa para o regime militar. Neste sentido, Bravo (2007), aponta:

10

Este manifesto consolidava a visão de um segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições

ideológicas, vislumbrava a possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da

educação. Ele foi um marco inaugural do projeto de renovação educacional do país, onde propunha que o Estado

organizasse um plano geral de educação e defendia a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e

gratuita. 11

Esta lei foi encaminhada pelo poder executivo ao legislativo em 1948, entretanto ela foi publicada apenas em

1961, passados treze anos até o texto ser finalizado.

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Em face da “questão social” no período 64/74, o Estado utilizou para sua

intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política assistencial ampliada,

burocratizada e modernizada pela máquina estatal com a finalidade de aumentar o

poder de regulação sobre a sociedade, suavizar as tensões sociais e conseguir

legitimidade para o regime, como também servir de mecanismo de acumulação do

capital. (BRAVO, 2007, p. 93)

Nesta perspectiva, para Bravo (2007) a ditadura, significou para a totalidade da

sociedade brasileira a afirmação de uma tendência de desenvolvimento econômico-social e

político que modelou um país novo. Os grandes problemas estruturais não foram resolvidos,

mas aprofundados, tornando-se mais complexos e com uma dimensão definitivamente ampla

e dramática.

Não obstante o Regime Militar por suas propostas ideológicas de governo acabou

reproduzindo na educação um caráter antidemocrático. E com o intuito de erradicar o

analfabetismo da época foi instituído o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL),

que em sua ideológica didática possuía o Método Paulo Freire. Entretanto de acordo com

Bello (2001), o movimento não conseguiu erradicar o analfabetismo no Brasil como

propunha. Posteriormente, acabou ser extinguindo e, no seu lugar criou-se a Fundação

Educar.

Dentre outras ações que ocorreram neste período o corte de verba para a educação, foi

um dos mais preocupantes. O regime militar ficou marcado no campo educacional por suas

mudanças dentre elas a do ensino superior (1968) e a do ensino básico (1971) que passou a

chamar-se 1º e 2º grau, confirmando a tendência tecnicista e burocrática na educação pública.

De acordo com Vieira (2008) em meados dos anos 80, com o fim do regime militar a

nação pôde respirar os ares da liberdade política, mas a situação econômica foi de arrocho

salarial e crises em todas as esferas do poder público culminando com uma década

considerada “perdida” do ponto de vista econômico para a maior parte da população

brasileira.

Nesta perspectiva, em 1988 com a promulgação da Constituição Federal brasileira, no

seu capítulo próprio para a educação, ela é definida como prioridade absoluta do estado e

direito do cidadão. Como observamos no artigo 205, da Constituição Federal de 1988:

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A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, CAPÍTULO III, ARTIGO 205)

A educação de acordo com o artigo 206 da constituição defende que o ensino será

ministrado com base nos seguintes princípios12

:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o

saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições

públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de

carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso

exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade.

Na política e nas ações nacionais de educação para a Constituição Federal (art.211,

§1º), a união deve exercer “função supletiva e redistributiva” em matéria de educação, por

meio de “assistência técnica e financeira” o estado, distritos federal e municípios, tem o

objetivo de assegurar a equidade e o padrão de qualidade da educação escolar. Segundo a

LDB (art. 8º, § 1º), cabe à união a coordenação da política nacional de educação, articulando

com os diferentes níveis de sistema de ensino.

A partir da constituição deu-se a criação da nova Lei de Diretrizes e Base da Educação

Nacional (LDB - Lei n. º 9.394, de 12 de dezembro de 1996), que representa um grande passo

para a educação, um marco legal de toda a reforma e expansão do sistema educacional

brasileiro.

A nova LDB demarcou a educação infantil, o ensino fundamental e o médio em um

único nível de ensino passando a ser chamada de educação básica, representando o referencial

de universalização da educação básica para toda a população, com requisito mínimo de acesso

à cidadania.

12

Artigo 206, Capítulo III, Constituição Federal, 1988.

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Estas condições postas pela constituição e posteriormente pela Lei de Diretrizes e

Bases da Educação constituem elementos básicos para a materialização de uma educação

comprometida com a defesa de condições de igualdade para todos.

É neste contexto que a população brasileira passa a contar, pelo menos numa

perspectiva jurídica e legal com o direito a educação, incluindo também os segmentos

diferenciados, como os povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas.

1.2 Educação Escolar Indígena

No Brasil a implementação da educação escolar indígena tem sido marcada de um lado

pela imposição de um modelo de educação dominadora, negando a identidade étnica dos

povos indígenas, homogeneizando as culturas e por outro lado fica evidenciado a educação

defendida pelos índios, buscando a valorização e o respeito a sua cultura.

Ao nos reportarmos a história acerca da política de educação escolar indígena

brasileira se faz necessário à compreensão dos processos citados anteriormente pela educação

formal. Vale salientar que um olhar de valorização da educação escolar indígena é bem

recente. Emerge, sobretudo com a organização dos próprios povos indígenas e o avanço da

perspectiva de garantia de direitos dos segmentos diferenciados revelado com o advento da

Constituição Federal de 1988.

Tratando dos aspectos históricos a educação escolar desenvolvida entre os povos

indígenas no Brasil pode ser compreendida por algumas fases. A primeira delas situa-se no

contexto do Brasil Colônia, quando a escolarização do índio esteve a cargo exclusivo de

missionários católicos, conhecido como jesuítas. A segunda fase se inicia a partir da criação

em 1910 do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), demonstrando que o Estado resolveu

formular uma política indigenista não mais baseada no extermínio dos povos indígenas, mas

através de estratégias positivistas13

que marcaram as ações do Estado no começo do século

XX. A terceira fase começa no final dos anos 70 quando o termo Educação Escolar Indígena

13

Para Ribeiro (1996), a formulação dessa nova política está baseada no evolucionismo humanista de August

Comte, defendendo a autonomia das nações indígenas na certeza de que evoluiriam espontaneamente, uma vez

libertadas das pressões externas e amparadas pelo Estado.

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passa a ser utilizado para diferenciar a educação autóctone14

que pode ser entendida como a

aprendizagem espontânea em que a criança ou jovem aprendem no convívio social nas

aldeias, das atividades formais transmitidas aos alunos por professores. Segundo Collet (2006)

já a Educação Escolar Indígena é a educação transmitida formalmente através da escola.

Para Meliá (1979) o conceito de educação indígena parte do pressuposto de que as

sociedades indígenas possuem mecanismos próprios para transmitir seus conhecimentos às

novas gerações, incluindo seus costumes, sua visão de mundo, as relações com os outros, sua

religião. Desta forma, a educação é “para o índio um processo global” ligado ao viver e a sua

cultura, “distinto do que normalmente se entende por educação de tipo escolar”. Desse modo:

Nas sociedades de parentesco a qual nos referimos aqui prevalece à ideia da

comunidade, o sujeito encontra seu lugar no mundo porque está inserido em uma

coletividade, ali ele aprende seus deveres e os deveres da coletividade para com ele

(CALEFFI, 2008, p. 36).

Assim, percebemos que há diferenças entre a educação indígena e a educação escolar

indígena. No caso particular da educação oferecida aos povos indígenas há esperanças que

através de uma educação formal seja garantido o respeito à cultura, a diversidade e a

valorização das suas tradições no seu próprio território. Ou seja, conforme diz Libâneo (1998)

que a educação não intencional, informal, que se refere às influências do meio natural e social

sobre o homem e interfere em sua relação com o meio social não seja abandonada através de

um processo de aculturação que não permite aos indígenas resistir diante de tamanha

interferência sociocultural.

Entretanto, muitas escolas de aldeias indígenas espalhadas pelo Brasil têm sido, com

raras exceções, réplicas das escolas das cidades, configurando a mesma proposta de

currículos, de critérios de avaliação, carga horária, e estrutura de funcionamento. A escola

sendo pensada como possibilidade de que os grupos indígenas se "incluam" na sociedade

nacional, abandonando com o passar do tempo o seu modo próprio de ser.

Logo,

14

O mesmo que “educação indígena”. Veja: CALEFFI, Paula. Educação Autóctone nos séculos XVI ao XVIII

ou Américo Vespúcio tinha razão? In: STEPHANOU, Maria (org). Histórias e Memórias da Educação no Brasil.

2008. p. 32 – 44.

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As escolas indígenas, por conseguinte, deverão ser específicas e diferenciadas, ou

seja, as características de cada escola, em cada comunidade, só poderão surgir do

diálogo, do envolvimento e do compromisso dos respectivos grupos indígenas, como

agentes e co-autores de todo o processo. (DIRETRIZES PARA A POLÍTICA

NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, 1994, p. 01)

Destarte, o desafio da educação escolar indígena é propor um sistema de ensino de

qualidade e diferenciado, no sentido de atender as especificidades de um povo diferente da

sociedade nacional, considerando que seus horizontes de futuro não são os mesmos.

Entretanto, de acordo com Meliá (1996), quanto ao desenvolvimento da educação

indígena que atualmente se inscreve no contexto dos movimentos e lutas por direitos

indígenas, esta ainda não tem recebido a atenção necessária por parte dos educadores,

governantes e demais categorias ligadas a esta esfera, uma vez que o caminho ainda pode ser

considerado longo e sinuoso.

CONCLUSÕES

Diante da contextualização realizada aqui, assim como de todo o processo histórico da

educação no Brasil mencionado no decorrer deste breve estudo, podemos compreender que a

sociedade brasileira foi experimentando novas formas de culturas, educação e modos de

produção, segundo interesses políticos e econômicos representados por cada período

histórico.

Assim, a política de educação vem mudando seu sentido e seu objetivo ao longo dos

tempos. E apesar de todas as evoluções contidas nesse processo, tal política brasileira não

progrediu muito em relação ao sentido universalista e gratuito garantidos em lei, conforme

deveria ser direcionada segundo a noção de proteção social aos seguimentos diferenciados

como os povos indígenas.

De acordo com Plano Nacional de Educação (2001), desde o século XVI no Brasil, a

oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela

catequização, civilização e integração forçada dos índios à sociedade nacional. Dos

missionários jesuítas aos positivistas do Serviço de Proteção aos Índios, do ensino catequético

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ao ensino bilíngue, a tônica foi uma só: negar a diferença, assimilar os índios, fazer com que

eles se transformassem em algo diferente do que eram. Nesse processo, a instituição da escola

entre grupos indígenas serviu de instrumento de imposição de valores alheios e negação de

identidades e culturas diferenciadas.

Portanto, no processo pelo qual a educação escolar indígena passou, alguns

instrumentos jurídicos legais foram criados para garantir uma educação que possibilite o

respeito e a valorização da diversidade cultural e o processo de aprendizagem dos alunos das

escolas sejam elas indígenas ou não. Neste sentido, resta, sobretudo implementar as diretrizes

contidas nos arcabouços jurídicos legais que são resultados de diversas lutas e mobilizações

sociais.

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A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS: uma análise da

aplicação dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município de Ereré no período de 1998

a 201015

Franciclézia de Sousa Barreto Silva16

RESUMO

O artigo apresenta suscintamente, resultados da pesquisa realizada no município de Ereré no período

de 1998 a 2010. Tratou-se de um trabalho descritivo e exploratório, de natureza bibliográfica e

documental que objetivou analisar a aplicação dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município,

com fins a demonstrar os avanços do financiamento da educação no Brasil; bem como as

possibilidades existentes na promoção da melhoria da qualidade do ensino no município escolhido

como lócus da pesquisa. Pode-se considerar o FUNDEF e o FUNDEB um avanço no sistema de

financiamento da educação e, consequentemente, na busca da melhoria da qualidade do ensino, por

permitiu o aumento de recursos financeiros, dos salários dos professores, da qualificação docente, da

melhoria das condições de trabalho e do ensino. No entanto, ressalta-se que os resultados do município

de Ereré apresentados, não correspondem às expectativas, não repercutiu na qualidade de ensino

pretendida, pelo menos no nível desejado. Perduram e é de fácil detecção problemas relacionados às

condições de trabalho, do ensino; ausência de melhor preparo dos professores, quando se registrou

queda no número de profissionais qualificados, pouca participação e acompanhamento das famílias no

processo educacional dos filhos, entre outros.

Palavras- Chave: Brasil. Políticas Públicas. Educação.

INTRODUÇÃO

Políticas Públicas podem ser compreendidas pelo termo, “Estado em ação”, estas não

podem se resumir a políticas de governo. É o Estado implementando e mantendo ações, a

partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes

organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada. É, portanto, um

15

Este trabalho é um recorte da monografia de graduação, intitulada: O FUNDEF e o FUNDEB no município de

Ereré/CE – expectativas e resultados, apresentado ao curso de Ciências Econômicas do Campus Avançado Prof.ª

Maria Elisa de Albuquerque Maia - CAMEAM/UERN – 2012, de autoria de Antonia Félix de Lima (in

memoriam), recorte para este artigo feito pela orientada, Prof.ª Ma. Franciclézia de Sousa Barreto Silva,

DEC/UERN. Atualmente professora do Departamento de Economia da UERN. 16

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), E-mail: [email protected], Fone: (84)

81161635.

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instrumento de ação coletiva. Na concepção de Matias-Pereira (2009) cabe ao Estado prover

bens e serviços demandados pela população, objetivando um bem maior, de todos.

Avançando nesta abordagem, passamos a dimensão das políticas públicas como

políticas sociais, para a qual se torna oportuna às considerações utilizadas por Azevedo (2001

apud MARTINS, 2010: p. 498), quando considera que estas políticas “referem-se a ações que

determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado no que concerne à

redistribuição dos benefícios sociais”. O objetivo é claro: “[...] diminuir as desigualdades

estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico”. Destaca também que estas

têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos

entre capital e trabalho.

Nestes termos, para Höfling (2001, p.32), a educação é uma política social, pública de

corte social, de responsabilidade do Estado, mas “[...] não pensada somente por seus

organismos”. Pois para esta, “[...] as políticas sociais – e a educação – se situam no interior de

um tipo particular de Estado. São formas de interferência do Estado, visando à manutenção

das relações sociais de determinada formação social”. Nesse ínterim as políticas públicas

sociais assumem faces diferentes em diferentes sociedades, cujas concepções de Estado

também divergem. Höfling (2001) destaca que é impossível se ter uma ideia de Estado fora de

uma concepção política e de uma teoria social que abranja a sociedade na sua totalidade.

Desta forma, o Estado tem o papel primordial de oferecer a Educação,

prioritariamente, em sua rede oficial de ensino. No entanto, para que isto aconteça são

necessários meios, que são obtidos, a partir de um sistema de financiamento baseado na

arrecadação de impostos pagos pela população.

No caso brasileiro, foi somente com a Constituição de 1988 no seu Art. 212 que a

Educação ganha expressão em se tratando de financiamento. Representou um acontecimento

bastante significativo, pois, entre outras coisas, se determinou quanto deveria ser gasto em

cada sistema se ensino, de acordo com a esfera administrativa de governo, ou seja, a União

aplicaria, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos,

compreendida a proveniente de transferências, na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

(MDE).

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Porém, apesar desses avanços, ainda existiam algumas lacunas que precisavam ser

preenchidas, como a questão das competências em relação ao ensino oferecido nas redes

oficiais. Em função disso, a LDB Lei Nº 9.394/96, surge como uma tentativa de aperfeiçoar e

solucionar estas questões e seu Art. 11 especifica que os municípios incumbir-se-ão de

oferecer a Educação Infantil em Creches e Pré-Escolas, e, com prioridade, o Ensino

Fundamental, sendo permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando

estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos

acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal ao MDE.

Contudo, ainda foi preciso se criar novos mecanismos de distribuição e vinculação de

recursos destinados à educação. A despeito disso, foi criado em 1996 o Fundo de Manutenção

e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Com

vigência de 1997 a 2006, este Fundo tinha como um de seus principais objetivos priorizar o

Ensino Fundamental através da vinculação de recursos e promover a qualidade do ensino. A

maioria das críticas feitas ao FUNDEF foi justamente em relação ao fato de que todos os

olhares e atenções teriam se voltados para este nível de ensino, em detrimento dos demais

como a Educação Infantil e o Ensino Médio. Em função disso, foi implantado em 2007 o

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (FUNDEB) e que cobriria toda a educação básica.

Diante do abordado, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados de pesquisa

realizada no município de Ereré, no período de 1998 a 2010, a análise se voltou à aplicação

dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no referido município. Trabalho de conclusão

apresentado ao curso de Ciências Econômicas do Campus Avançado Profª Maria Elisa de

Albuquerque Maia (CAMEAM/UERN, 2012). Buscou-se identificar os avanços e os limites

dos respectivos fundos; bem como as possibilidades existentes na promoção da melhoria da

qualidade do ensino.

2 QUADRO GERAL DA EDUCAÇÃO DE ERERÉ

O Município de Ereré localiza-se no Sudeste do Ceará, divisa com o Estado do Rio

Grande do Norte, possui uma população de 6.840 habitantes numa área territorial de 396,016

km² (IBGE, 2010). Mais de 50% da população reside na sede do município. Trata-se de um

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município pobre, que enfrenta sérios problemas sociais e econômicos, reflete sem dúvida

aspectos da região que se insere – a Nordeste. Região que possui 28% da população pobre do

país, 50% desta ocupada percebendo um salário mínimo. (ARAÚJO, 2009). Os dados

socioeconômicos explicam por si só, vejamos: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no

ano de 2000 estava no valor de 0,619 ocupando a 114 posição no Ranking Estadual; Índice de

Desenvolvimento Municipal (IDM) que em 2008 era 21,60 e se encontrava na posição 148;

Índice de Desenvolvimento Social de Oferta (IDS-0) no mesmo ano com o valor 0,370 e a

112 lugar e Índice de Desenvolvimento Social de Resultado (IDS-R), que no ano 2008

possuía o seguinte valor 0,335 e a 169 posição no Ranking.

No referente a taxas de analfabetismo funcional para pessoas com 15 anos ou mais,

segundo dados do IBGE (apud IPECE, 2011), no ano de 2010 o município possuía uma

população residente nessa faixa etária equivalente a 5.139 pessoas. Sendo 3.560 alfabetizados

e uma taxa de 30,73 de analfabetos funcionais. Quando analisados os dados referentes ao

estado do Ceará veremos uma taxa de analfabetismo inferior ao verificado no município de

Ereré. Esta taxa no estado sofreu uma queda de -7,76, entre os anos de 2000 e 2010, passando

de 26,54 no primeiro ano para 18,78 em 2010. Houve no período considerado, um aumento de

1.459,879 no número de pessoas alfabetizadas, passando de 3.627,614 em 2000 para

5.087,493 em 2010 (IBGE apud IPECE, 2011).

Conforme informações do IPECE (2011), o município de Ereré apresentou uma

matricula inicial total no ano de 2010 de 1.810 alunos, sendo: 169 alunos da rede estadual e

1.641 alunos pertencentes à rede municipal de ensino, divididos da seguinte forma: 322

encontram-se na Educação Infantil (0 a 5 anos), 1.104 estão matriculados no Ensino

Fundamental (6 a 14 anos) e 215 na Educação de Jovens e Adultos.

Em relação ao número de estabelecimentos de ensino existente no município

constatamos que o município possui uma total de 15 estabelecimentos, sendo que 12 desses

encontram-se na zona rural, enquanto a zona urbana apresenta apenas 03, onde 01 é da rede

estadual e 02 da municipal, distribuídos da seguinte forma: 01 creche e 01 escola de ensino

fundamental. Ressalta-se que a maior concentração dos alunos regulamente matriculados se

dá na sede do município, no Ensino Fundamental, atendidos pela Escola de Ensino

Fundamental 04 de Junho.

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Quanto aos indicadores educacionais do Ensino Fundamental e Médio do município

de Ereré no ano de 2010, o mesmo possuía em termos percentuais uma escolaridade liquida

de 26,5%, onde 90,9% desses alunos foram aprovados, 3,0% reprovados e 6,1% abandonaram

as salas de aulas (SEDUC apud IPECE, 2011). Para cada sala de aula existia em média 33

alunos. No tocante ao número de professores das redes municipais e estaduais de ensino, o

município contava com um total de 99 professores, distribuídos da seguinte forma: 7

professores na rede estadual e 92 na municipal (SEDUC apud IPECE, 2011).

Quanto à formação de seus docentes para o ano de 2010, este contava com os

seguintes percentuais: docentes com Nível Médio na Educação Infantil equivalente a 82,76%

e com Nível Superior 17,24% (SEDUC apud IPECE, 2011). Já quanto aos professores do

Ensino Fundamental, com Nível Superior, no ano de 2004 era de 69,74% mas, para o ano de

2010 esse valor sofreu uma queda para 63,46%. Quando comparados esses valores com

estado do Ceará verificamos, a ocorrência inversa, pois em 2004 o Estado contava apenas

com 60,68% de seus docentes com nível superior, ou seja, 4,6% a menos que o município de

Ereré, porém em 2010 esse quadro se inverte e o Ceará supera os valores do município de

Ereré, em 6,91%. Ver gráfico 01.

GRÁFICO 01 – Percentual de docentes com nível superior no Ensino Fundamental em Ereré

2004-2010

Fonte: IPECE (apud LIMA, 2012).

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No que se refere à diminuição na qualificação docente dos professores do município

de Ereré, pressupomos ser esta proveniente, das aposentadorias compulsórias dos professores

efetivos qualificados, bem como, do ingresso de substitutos sem qualificação pedagógica em

nível superior.

A rede municipal de ensino de Ereré oferece a Educação Infantil, constituída de

Creche Parcial: de 02 a 03 anos e Pré-Escolar: de 04 e 05 anos, e o Ensino Fundamental do 1º

ao 9º Ano; além da Educação de Jovens e Adultos e do processo de inclusão de alunos com

deficiência nas salas de aulas regulares. Seu principal desafio é oferecer uma educação de

qualidade e com sustentabilidade.

3 APLICAÇÃO DOS RECURSOS DO FUNDEF E DO FUNDEB NO MUNICÍPIO DE

ERERÉ NO PERÍODO DE 1998 A 2010

Analisando a educação do município de Ereré constatamos que esta pode ser dividida

basicamente em três fases: antes, durante e depois do FUNDEF. Significa que este fundo foi

significativo na educação pública deste município.

A primeira etapa vai desde o surgimento da rede oficial de ensino de Ereré em 1990, à

implantação do FUNDEF neste município em janeiro de 1998. A educação era mantida,

exclusivamente, com recursos resultantes de receitas provenientes de impostos e

transferências, conforme assegura a Constituição de 1988, art. 122. Este percentual,

estabelecido era de 25%, teria que ser aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

(MDE). A segunda etapa é a compreendida durante o período de implantação do FUNDEF no

município, ou seja, de 1998 a 2006. A terceira e última etapa é a considerada pós - FUNDEF e

inicia-se com o funcionamento do FUNDEB em Ereré, em 2007, até os dias atuais,

considerando o recorte da pesquisa (até 2010).

Não obstante, o dispositivo constitucional referido (art.122) anteriormente tenha

representado um grande avanço no sentido de garantir recursos para a manutenção e

desenvolvimento da educação pública brasileira, este não especificava de que modo e em que

os recursos deveriam ser gastos. Neste sentido, é que depois de um intenso debate no

Congresso Nacional, foi instituído pela Emenda Constitucional Nº. 14, de 12 de setembro de

1996 e regulamentado pela Lei Nº. 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano e pelo Decreto

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Nº. 2.264, de 27de junho de 1997, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). No entanto, sua implantação só

acontece a partir de 1º de janeiro de 1998, quando passa a vigorar em todo o país, exceto no

Pará, onde esta aconteceu ainda em junho de 1997, por força de lei estadual. Segundo o MEC

(2004, p. 7).

A maior inovação do FUNDEF consistiu na mudança de estrutura de financiamento

do Ensino Fundamental Público no País, pela subvinculação de uma parcela dos

recursos da educação a esse nível de ensino, com distribuição de recursos realizada

automaticamente, de acordo com o número de alunos matriculados em cada rede de

ensino fundamental, promovendo a partilha de responsabilidades entre Governo

Estadual e os Governos Municipais. As receitas e as despesas correspondentes, por

sua vez, deverão estar previstas no orçamento e a execução, contabilizada de forma

específica.

Assim, a propaganda oficial da época encarregou-se de criar um sentimento de fortes

expectativas na sociedade em torno da implantação e do funcionamento do FUNDEF e que

este seria uma espécie de panaceia que resolveria os problemas da educação, principalmente

os do Ensino Fundamental Público. As expectativas eram alimentadas por argumentos

defendidos de segmentos organizados da sociedade, principalmente de sindicatos ligados à

educação, intelectuais e organismos internacionais, de que a melhoria da qualidade da

educação se associava à questão da quantidade de recursos destinados a esta, ou seja, mais

recursos significariam melhor qualidade do ensino. Isso se justificava no fato de que o

aumento do volume de recursos para a educação proporcionaria necessariamente melhorias na

formação, valorização e nas condições de trabalho dos profissionais da educação; além de

melhorias no ensino, através da dotação de uma infraestrutura física, como livros, materiais e

equipamentos didáticos, merenda e transporte escolar, entre outros, adequados à oferta de uma

educação de qualidade, que deveriam ser expressos pelo aumento dos índices de aprovação e

diminuição da reprovação e, concomitante, abandono escolar.

As diferentes abordagens apresentadas nos motiva ao estudo referente à aplicação dos

recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município de Ereré no período de 1998 a 2010. Será

uma oportunidade de avaliamos alguns dos elementos apontados como pertinentes a qualidade

de ensino, se podem estes ser aplicados ao município em analise. Para isso, utilizaremos as

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seguintes variáveis: matrícula, recursos, salário e formação dos professores, aprovação,

reprovação e abandono escolar.

Como o mecanismo de distribuição dos recursos do FUNDEF era baseado no número

de matrículas do ano anterior significava que quanto mais alunos fossem matriculados no

Ensino Fundamental, mais recursos seriam repassados para este nível de ensino. Inclusive

uma das críticas feitas por especialistas, estudiosos e autoridades em relação ao FUNDEF foi

justamente por este priorizar apenas um nível de ensino e de certa forma estimular a sua

matrícula deliberada, sendo verificados em vários municípios, principalmente das Regiões

Norte e Nordeste, casos de “alunos fantasmas”.

No caso do município de Ereré, a trajetória das matrículas do Ensino Fundamental de

sua rede oficial apresentou o seguinte comportamento: em 1998, primeiro ano de implantação

do FUNDEF no município analisado, a matrícula cresceu mais de 31%, acontecimento

previsto se considerado, o estímulo em matricular o maior número de alunos no Ensino

Fundamental, positivamente quando se gerou uma oportunidade de se universalizar o acesso a

este nível de ensino. No ano seguinte este crescimento passou para algo em torno de 11,2%,

em 2002 para próximo de 11,5% e em 2004 para 1,1%. Todos os demais anos do referido

fundo, no caso, 2000, 2001, 2003, 2005 e 2006, foram marcados por quedas sucessivas.

Porém, conforme os dados do INEP/MEC (2012), as matrículas no Ensino Fundamental no

Município de Ereré durante a vigência do FUNDEF, ou seja, de 1998 a 2006, tiveram um

decréscimo total de - 9,4% e anual de -1,04%.

Sobre as razões das matrículas terem apresentado índices decrescentes nos cincos anos

referidos, quando, na verdade, pela nova lógica implantada com o FUNDEF, elas deveriam

crescer, podem ser atribuídas aos seguintes fatores: queda no percentual da população de 0 a

14 anos, na qual estão inseridos os alunos em idade ideal de estarem matriculados no Ensino

Fundamental, ou seja, de 6 a 14 anos, que segundo o IBGE apud IPECE (2011), passou de

42,41% em 1991 para 24,87% em 2010; aumento no número de transferências desses alunos

para outros municípios e elevação dos índices de abandono escolar neste nível de ensino,

como veremos posteriormente quando formos analisar os indicadores educacionais do

município de Ereré.

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As matrículas do Ensino Fundamental do município de Ereré com o FUNDEB no

período de 2007 a 2010 apresentaram o seguinte quadro: crescimento negativo de -15,5% no

período e de -4% ao ano, sendo que as razões para justificarem tal comportamento das

matrículas são consideradas as mesmas referidas para o período do FUNDEF. De forma geral

constatamos que as matrículas do Ensino Fundamental do município de Ereré no período de

1998 a 2010 tiveram o seguinte comportamento: decréscimo total de -26% e anual de -2%;

sendo que com o FUNDEF, 1998 a 2006, este foi de -9,4% e -1,04% e com o FUNDEB, de

2007 a 2010, -15,5% e -4%, respectivamente.

No entanto, com implantação do FUNDEB, passam a serem consideradas, para efeitos

de cálculos dos recursos deste fundo, não só as matrículas do Ensino Fundamental, mas de

toda a Educação Básica, que segundo o Manual de Orientação do FUNDEB (FNDE/MEC,

2009), são as seguintes: Educação Infantil (Creche e Pré-Escolar): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008

e 3/3 em 2009; Ensino Fundamental (Regular e Especial): 3/3 em 2007, 2008 e 2009; Ensino

Fundamental (EJA): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008 e 3/3 em 2009; Ensino Médio (Regular,

Profissional Integrado e EJA): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008 e 3/3 em 2009. Lembrando que até

2011 são considerados por todo o período de 2008 a 2011, os dados das matrículas do Censo

Escolar de 2006.

Desta forma, as matrículas do município de Ereré, mesmo considerando a Educação

Infantil (Creche e Pré-Escolar), o Ensino Fundamental (Regular, Especial e EJA), excluindo

apenas o Ensino Médio por não ser oferecido pela rede municipal de ensino, tiveram uma

queda de -10,4% total de e anual de -2,6% no período de 2007 a 2010, conforme dados do

INEP-MEC/SME (2012), enquanto o Ensino Fundamental Regular analisado separadamente

teve um decréscimo de -15,5% e -4% respectivamente, ou seja, maior do que o sistema de

ensino como um todo.

Após a análise das matrículas, passamos para o estudo recursos financeiros. De 1998 a

2010 o município de Ereré recebeu proveniente do FUNDEF e FUNDEB o valor de R$

15.116.133,44, o que representa uma média anual de R$ 116.779,49 e mensal de R$

96.898,29. Em termos percentuais estes recursos tiveram um crescimento de 618,60% durante

o período considerado, sendo 47,6% anual e 3,96% mensal. No entanto, se consideramos

apenas os recursos do FUNDEF, de 1998 a 2006, o referido município teve uma receita de R$

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6.358.611,26, com uma média de R$ 706.512,36 ano e R$ 58.876,03 ao mês. Isto significa

um crescimento de 222,73% no período, com 24,74%, anual e 2,06% mensal.

Em relação ao FUNDEB, de 2007 a 2010, os recursos foram de R$ 8.757.522,18,

numa média anual de R$ 2.189.380,54 e mensal de R$ 182.448,40, representando um

crescimento de 48%, 12% e 1% respectivamente. Observa-se uma trajetória positiva, ou seja,

sempre crescente, muito embora com índices anuais distintos. Vale destacar que em 2006

acontece um decréscimo de aproximadamente -4%. Momento que caracteriza todo o período

de 1998 a 2010 e ocorre em função da queda das matrículas e das receitas, mas

principalmente pelos ajustes necessários realizados pelo Governo Federal na preparação da

implantação do FUNDEB que ocorreria em todo o país a partir de janeiro de 2007.

Outro aspecto que consideramos importante diz respeito ao mecanismo valor

aluno/ano utilizado para calcular os recursos, tanto do FUNDEF, quanto do FUNDEB, bem

como, a forma na qual deveriam ser gastos. A esse respeito, cabe-nos uma indagação: se mais

matrículas significam mais recursos, como explicar o fato dos recursos do município de Ereré

no período de 1998 a 2010 terem crescido uma média anual de 47,6%, enquanto as matrículas

do Ensino Fundamental decresceram -2%? As principais hipóteses são as seguintes: os

impactos provocados pelo FUNDEB que passou a considerar também as matrículas da

Educação Infantil, da EJA e da Educação Especial e, principalmente o fato do valor aluno/ano

ser reajustado anualmente, como demonstrado na tabela abaixo.

TABELA 01 – Valor Mínimo Nacional por Aluno/Ano: 1997-201017

17

Atos legais de fixação dos valores mínimos nacionais por aluno/ano de 1997 a 2010: 1997: Art. 6º, § 4º da Lei

n.º 9.424, de 24.12.1996; 1998: Dec. Nº. 2.440, de 23.12.1997; 1999: Dec. Nº. 2.935, de 11.01.1999; 2000: Dec.

Nº. 3.326, de 31.12.1999; 2001: Dec. Nº. 3.742, de 01.02.2001; 2002: Dec. Nº. 4.103, de 24.01.2002: 2003: Dec.

Nº. 4.861, de 20.10.2003; 2004: Dec. Nº. 5.299, de 07.12.2004; 2005: Dec. Nº. 5.374, de 17.02.2005; 2006: Dec.

Nº. 5.690, de 03.02.2006; 2007: Portaria Interministerial Nº. 1.030, de 06/11/2007; 2008: Portaria

Interministerial Nº. 1.027, de 19/08/2008: 2009: Portaria Interministerial Nº. 788, de 14/08/2009 e 2010: Portaria

Interministerial Nº. 538-A, de 26/04/2010.

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Fonte: FNDE/MEC, 2012. Legenda: EE-Educação Especial; SI-Series Iniciais, SF-Series Finais; ZR-Zona

Rural; ZU-Zona Urbana. (apud LIMA, 2012).

Conforme o Manual de Orientações do FUNDEF (MEC, 2004), a Lei Nº. 9.424/96,

que criou o FUNDEF, um valor mínimo nacional por aluno/ano é fixado, assegurado ao

governo estadual e aos governos municipais para aqueles onde a relação entre o total da

receita do referido Fundo e o total de alunos do Ensino Fundamental das respectivas redes de

ensino for menor do que esse valor estabelecido.

Para o ano de 1997 esse valor foi estabelecido pela própria lei que regulamentou o

FUNDEF, em 1998 passou a ser fixado por meio de Decreto Federal, e a partir de

2000 a fixação passou a ocorrer definindo-se valores diferenciados para a 1ª a 4ª

série e 5ª a 8ª série e Educação Especial (MEC, 2004: p. 6).

Além disso, no âmbito de cada estado haverá um valor por aluno/ano, calculado com

base na receita do FUNDEF ou do FUNDEB e no número de alunos do Ensino Fundamental

(Regular e Especial) das redes públicas estaduais e municipais do ano anterior (MEC, 2004).

A partir de 2008, são computadas para efeito de cálculo do FUNDEB, as matrículas

também da EJA e seus valores aluno/ano no estado do Ceará, inclusive usados para a

efetuação dos repasses ao município de Ereré, referente à modalidade Avaliação no Processo,

foram os seguintes: 2008: R$ 792,64; 2009: R$ 1.080,07 e 2010: R$ 1.132,78. Ademais, vale

ressaltar que para cada Estado é calculado um valor por aluno/ano, tomando-se como base

apenas os recursos provenientes da contribuição do governo estadual e dos governos

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municipais daquele Estado (sem recurso da complementação da União), o número d alunos e

os fatores de ponderação.

Caso o valor por aluno/ano fosse inferior ao mínimo nacional por aluno/ano vigente,

torna-se necessário à garantia de recursos federais a título de complementação do Fundo no

âmbito do Estado. Essa complementação ocorre, portanto, com o objetivo de assegurar o valor

mínimo estabelecido. Dessa forma, haverá apenas naqueles Estados cujo per capita se situe

abaixo do mínimo nacional. A complementação não alcança todos os Estados, apenas aqueles

com menor valor per capita. (MEC, 2004).

A complementação da União ao FUNDEB para o Estado do Ceará no período de 2007

a 2010, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e MEC (2012),

foram os seguintes: em 2007, R$ 280.785.300,00; 2008, R$ 419.601.400,00; 2009, R$

662.277.200,00 e em 2010, R$ 876.233.219,81.

Com o advento do FUNDEB, que passa a vigorar a partir de janeiro de 2007, como já

mencionado, passou-se a computar as matrículas, no caso específico dos municípios, tanto do

Ensino Fundamental Regular, quanto da Educação Infantil, EJA e Educação Especial no

cálculo do valor aluno/ano a partir de fatores de ponderação. A tabela abaixo demonstra os

valores aluno/ano nos quatros primeiros anos do FUNDEB, para os segmentos educacionais

do município em questão.

TABELA 02 - Valor Mínimo Nacional Aluno/ano (R$) no período de 2007 a

201018

Fonte: FNDE/MEC, 2012, construção LIMA (2012).

Legenda: SIU- Séries Inicias Urbanas; SFU- Séries Finais Urbanas; SIR- Séries Iniciais Rurais; SFR- Séries

Finais Rurais; EE- Educação Especial; EJA- Educação de Jovens e Adultos

18

Fatores de Ponderação: Creche, (0,80); Pré-escolar, (1,00); Séries Inicias Urbanas, (1,00); Séries Finais

Urbanas, (1,10); Séries Iniciais Rurais, (1,05); Séries Finais Rurais, (1,15); Educação Especial, (1,20) e

Educação de Jovens e Adultos com Avaliação no Processo, (0,80).

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A terceira variável utilizada na análise do FUNDEF e do FUNDEB, no município de

Ereré diz respeito à valorização salarial dos professores. No entanto, faz-se necessário,

incialmente, que se compreendam os critérios de utilização dos recursos dos referidos Fundos.

Em relação ao FUNDEF, o MEC (2004, p. 14), determina que: Os recursos do FUNDEF

devem ser empregados exclusivamente na manutenção e desenvolvimento do Ensino

Fundamental público, particularmente, na valorização do seu magistério, devendo ser

aplicados de modo que: o mínimo de 60% seja destinado à remuneração dos profissionais do

magistério e o restante dos recursos (de até 40% do total) seja direcionado para as despesas

consideradas de manutenção e desenvolvimento do ensino.

De acordo com dados do Banco do Brasil (2012), durante a vigência do FUNDEF no

município de Ereré, período de 1998 a 2006, este recebeu recursos da ordem de R$

6.358.611,26, sendo que 60% desse valor correspondiam a R$ 3.815.166,75 e 40% a R$

2.543.444,50. Isto significa que o referido município recebeu por ano em média R$

706.512,36, com R$ 423.907,41 referentes aos 60% e R$ 282.604,94 aos 40% e dispôs de

uma média mensal de R$ 58.876,03, em que R$ 35.325,62 (60%) foi para o pagamento de

professores e R$ 23.550,04 (40%) para gastos com a manutenção e desenvolvimento do

ensino. Tratando-se do FUNDEB, a obrigatoriedade do cumprimento das exigências na

utilização dos seus recursos são as mesmas:

Cumprida a exigência relacionada à garantia de 60% para remuneração do magistério,

os recursos restantes (de até 40% do total), deveriam ser destinados para despesas diversas de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), realizadas na educação básica, na forma

prevista no artigo 70 da Lei Nº. 9.394/96 (LDB), observado o seguinte critério por ente

governamental: Estados: despesas com MDE no âmbito dos ensinos fundamental e médio;

Distrito Federal: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e dos ensinos

fundamental e médio; e Municípios: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e no

ensino fundamental (MEC, 2009: p. 21).

Os valores do FUNDEB destinados os município de Ereré, no período de 2007 a 2010,

foram da ordem de R$ 8.757.552,18, com média de R$ 2.189.380,54 por ano e R$ 182.448,40

por mês (BANCO DO BRASIL, 2012). De acordo com as determinações do MEC expostas

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acima esses valores foram os seguintes: 60%: total: R$ 5.254.531,31; ano: R$ 1.313.628,32 e

mês: R$ 109.469,04; e 40%: total: R$ 3.503.020,87; ano: R$ 875.572,21 e mês: R$ 72.979,36.

Desta forma, os recursos oriundos do FUNDEF e do FUNDEB, e aplicados no citado

município, de 1998 a 2010, foram: total: R$ 15.116.133,44, representando uma média anual

de R$ 116.779,46 e mensal de R$ 96.898,29. Os gastos com o magistério (60%) foram o

seguinte: total: R$ 9.069.680,06; anual: R$ 70.067,67 e mensal: R$ 46.711,78; e com MDE

(40%): total: R$ 6.046.453,37; anual: R$ 46.711,78 e mensal R$ 38.759,31.

Portanto, constatamos que houve um aumento significativo no volume de recursos

injetados no referido município. Isto deveria, consequentemente, promover um impacto

positivo nos salários dos professores, na melhoria da sua formação profissional e nas suas

condições de trabalho e do ensino.

Diante do exposto, quando analisamos a evolução dos salários de professores

percebemos que no primeiro ano de implantação do FUNDEF no município de Ereré, em

1998, houve um aumento de mais de 405%. Apesar de este parecer exorbitante, temos que

levar em consideração que os salários de 1997 eram irrisórios, ou seja, R$ 62,32, colocando

inclusive, estes profissionais na categoria de “sub-assalariados”, pois o salário mínimo deste

ano era de R$ 120,00. Em 1998 o salário mínimo era de R$ 130,00, seus salários alcançaram

os R$ 315,00. Esse ponto carece de esclarecimento: de 1998 a 2001, os professores não

tiveram reajuste, nem aumento salarial, além do fato de que estes recebiam salários iguais,

independentemente da formação e tempo de serviço no magistério. Mudanças dessa

substancial, somente seria possível mediante a implementação de um Plano de Cargos,

Carreiras e Remuneração do Magistério Municipal (PCCR/MAG), fato ocorrido em 2002 e

que passou a tratar da valorização da categoria. Introduziu-se nesse plano inclusive, uma das

exigências do FUNDEF, remunerando estes profissionais, com base na sua formação,

desempenho e tempo dedicado ao ensino.

Percebemos que apesar do aumento de salário de mais de 405% durante o período do

FUNDEF, 1997 a 2006, a qualificação docente do Ensino Fundamental não ocorreu de forma

significativa, pelo contrário, caiu de 56,8% em 2002, para 35,4% em 2006, principalmente,

até o último ano da existência do FUNDEF. As explicações mais prováveis para este

acontecimento têm como base as seguintes hipóteses: a) que os professores teriam se

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qualificado com o FUNDEF, e antes do término deste, se aposentado por tempo de serviço,

sendo substituídos por pessoas não qualificadas; b) o fato de ter aumento o número de

professores considerados leigos na função, ou seja, que lecionam no Ensino Fundamente do 6º

ao 9º ano, mas não têm a formação, com habilitação por área, exigida pela LDN Nº. 9.394/96,

mesmo tendo formação pedagógica, como Licenciatura em Pedagogia.

Com a implantação do FUNDEB que passou também a custear a Educação Infantil, a

formação profissional e atuação dos professores do município não mudou muito. Segundo os

dados coletados junto ao IPECE (2011) verificamos que 17,24% dos que atuam na Educação

Infantil têm formação pedagógica em Nível Superior, já no Ensino Fundamental este índice é

se aproxima dos 64% em 2010, menor que o ano de 2004, quando 69,74% dos profissionais

possuíam ensino superior. Logicamente o ponto ideal não foi alcançado, o referido município

não avançou muito no quis diz respeito à qualificação docente, ou seja, possuir o maior

número possível de seus professores com formação em Nível Superior, com Licenciatura em

Pedagogia, Habilitação por Área de Ensino, e inclusive, Pós-graduados. As razões para isso

estão no fato de que esta qualificação docente ocorreu, na sua grande maioria, com os

professores que atuavam na Educação Infantil e no Ensino Fundamental do 1º ao 5º Ano e que

a apenas a formação em Nível Médio Pedagógico, ou Magistério, ou em Nível Superior com

Licenciatura em Pedagogia seriam suficientes para que eles fossem considerados a lecionar

nestes níveis de ensino.

De acordo com os dados da SME (2011) de Ereré coletados através das avaliações

realizadas pelas escolas para aferição da aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental,

durante o período de 1998 a 2010, a aprovação apresentou o seguinte desempenho: 1999:

aumento de 14,5%; 2000: diminuição de 16,6%; 2001: aumento de 20,7%; 2002: diminuição

de 1,7%; 2003: o índice permaneceu o mesmo em 86%; 2004: aumento de 1,7%; 2005:

diminuição de 18,3%; 2006: aumento de 4,2%; 2007: aumento de 4,7%; 2008: diminuição de

3,2%; 2009: aumento de 3,5% e 2010: aumento de 20,6%.

Analisando ainda os índices de aprovação do referido município constatamos que este

apresentou uma média de cerca de 80% de aprovação em termos absolutos, em termos

relativos temos o pior desempenho foi do ano 2005, com apenas 71,5%, e o melhor o

apresentado em 2010 que foi de 90,5%, além deste índice durante o período considerado ter

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sido marcado por aumentos e quedas sucessivas. Verificamos também que no segundo ano de

implantação do FUNDEF, portanto em 1999, este índice teve um desempenho significativo de

14,5%, saindo de 76% no ano anterior para 87% neste ano. Já em relação ano FUNDEB, no

ano antes da sua implantação, em 2006, a aprovação era de 74,5% e em 2007 tem um

aumento de 4,7%, subindo para 78%.

Quando comparados os indicadores do Ensino Fundamental do referido município

com os do estado do Ceará, a partir da implantação do FUNDEB, que apresentou seguintes

indicadores: 2007: aprovação 83,8%, reprovação: 11,4% e abandono 4,8%; 2009: aprovação

87%, reprovação 9,5% e abandono 3,6%; 2010: aprovação 88,4%, reprovação 8,7% e

abandono 2,9%. Comparando estes índices com os apresentados pelo município de Ereré, no

mesmo período, conforme a tabela 17 temos: 2007: aprovação 78%, reprovação 14,5% e

abandono 7,5%; 2009: aprovação 75%, reprovação 20,5% e abandono 4,5%; 2010: aprovação

90,5%, reprovação 8% e abandono 1,5%. Por tanto, constatamos que o único ano em que os

indicadores do município analisado tiveram o desempenho melhor do que o do estado foi em

2010. O gráfico a seguir demonstra as variáveis analisadas.

GRÁFICO 02 – Desempenho do Ensino Fundamental de Ereré (%): 1998-2010.

FONTE: SME- Ereré(2011)/IPECE (2011)/Banco do Brasil (2012). Construção de Lima (2012).

Os dados acima demonstram definitivamente que apenas aumentar os recursos não é

suficiente para garantir a promoção da melhoria do ensino, é preciso considerar a

complexidade do processo educacional, a existência de outros fatores que precisam ser

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lavados em consideração, como: desinteresse dos alunos, despreparo dos professores e demais

profissionais do ensino, condições inadequadas para a realização de um ensino de qualidade,

falta de planejamento e monitoramento das escolas e ausência de participação e

acompanhamento das famílias nas atividades escolares dos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concepção predominante que se tem acerca da educação, enquanto política pública

social, é que esta se constitui um direito fundamental da família e um dever exclusivo do

Estado. Apesar de a família ser a principal responsável pelo acompanhamento da educação

escolar dos seus filhos, é o Estado que tem a grande obrigação de oferecê-la

institucionalmente e os governos são encarregados de garanti-la através dos mecanismos

legais existentes. Significa afirmar, que as políticas públicas constituem-se num conjunto de

ações que os governos utilizam para alcançar determinados objetivos, ou seja, representam o

Estado em ação, em que este implementa projetos de governo através de programas e ações

voltadas para setores específicos da sociedade, inclusive, não devendo ser reduzidas apenas as

políticas estatais.

Neste sentido, as políticas públicas sociais, que têm suas raízes nos movimentos

populares do século XIX voltados aos conflitos surgidos entre capital e trabalho, referem-se a

ações na garantia de um padrão social utilizado pelo Estado no que diz respeito à

redistribuição dos benefícios sociais, de forma a diminuir as desigualdades estruturais

produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico.

A educação é considerada como uma política pública, de corte social, apesar de ser

responsabilidade do Estado, não é pensada apenas por seus organismos, mas assumem feições

de acordo com suas diferentes concepções, pois se estão inseridas num Estado Capitalista,

suas políticas educacionais acabam funcionando como um instrumento na obtenção dos

interesses deste tipo de Estado.

Em relação ao financiamento da educação pública brasileira, ficou evidente que seu

histórico basicamente pode ser divido em duas etapas: uma antes e outra depois da

Constituição de 1988. Com constituição avanços significativos foram observados e garantidos

no Art. 205 da nossa última Carta Cidadã.

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O FUNDEF teve como principal objetivo corrigir as desigualdades socioeducacionais

presentes na sociedade brasileira através de um ajuste econômico no campo educacional e

trouxe avanços importantes para o Ensino Fundamental, como aumento das matrículas, dos

recursos financeiros, dos salários dos profissionais do magistério, da qualificação docente e da

melhoria das condições de ensino. No entanto a limitação de abrangência lhe rendeu

duramente críticas.

Em razão disso, foi criando em 2007 o FUNDEB e sua principal finalidade tem sido

ampliar o financiamento a toda a educação básica, sendo necessário, também, aumentar seus

recursos, que passaram de 15% para 20% das receitas resultantes de impostos e destinadas

esta etapa educacional. Desta forma, o objetivo foi dar continuidade à busca pela melhoria do

ensino, por meio de ajustes na forma de distribuição dos recursos e criando um padrão

nacional de qualidade do ensino público brasileiro.

Desta forma, constatamos que no período de vigência do FUNDEF e do FUNDEB no

município de Ereré, CE, de 1998 a 2010, os indicadores do Ensino Fundamental apresentaram

matrículas em decréscimo, intervalo de 26%, uma queda anual de 2%. Isto ocorreu em

função, principalmente, da diminuição da população de 0 a 14 anos de idade; aumento no

número de transferências de alunos para outros municípios e elevação dos índices de

abandono escolar neste nível de ensino. Se comparados os dados relativos às matrículas no

período compreendido entre o FUNDEF e FUNDEB, percebemos que a tendência no âmbito

nacional se repete no município em questão, tais como nos anos iniciais do FUNDEF em que

foi observado aumento considerável no número das matrículas. No entanto nos anos seguintes

verificam-se sucessivas quedas.

Em relação aos recursos financeiros, estes apresentaram um crescimento de 618,6%

durante o período considerado e uma média anual de 47,6. O que foi constado é que o

aumento de tais recursos ocorreu, não por ocasião das matrículas, verificadas em queda, mas

das elevações do valor/aluno/ano promovidas pelo Governo Federal. Este aumento no volume

de recursos promoveu, por conseguinte, a valorização dos profissionais do magistério, através,

especialmente, da melhoria dos seus salários. No entanto, como observamos tal

acontecimento deveria ter provocado um salto na qualificação docente, que inclusive, está

ligada intrinsicamente a esta questão. As razões para que isso não acontecesse, foi o fato de

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alguns profissionais terem se aposentado compulsoriamente e seus substitutos não possuírem

formação pedagógica em nível superior. Após desses dados, se observou que a média de

aprovação ficou em torno de 80%, apesar da mesma em alguns períodos tenha decaído.

O que análises nos apontaram, é não existe necessariamente uma relação categórica

entre aumento dos recursos e a garantia da melhoria do ensino. É preciso se levar em conta

outras questões, pertinentes, que demonstram a complexa análise que o objeto pesquisado

envolve, como: as condições de trabalho, que devem ser adequadas aos profissionais da

educação, metodologias adequadas que despertem o interesse dos alunos pelos estudos,

professores capacitados e comprometidos, gestão democrático-participativa, acompanhamento

pedagógico efetivo, participação dos pais na vida escolar dos filhos, pois a família continua

sendo referência inicial.

REFERÊNCIAS

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Disponível em: http://www.fpabramo.org.br/artigos-e-boletins/artigos/entrevista-tania-

bacelar-nordeste-foi-regiao-mais-beneficiada-no-governo-. Acesso em: 20 de mai.2011.

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dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. – 5. ed. –

Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. Disponível em:

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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E OS LIMITES ABSOLUTOS DO CAPITAL:

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHADOR QUALIFICADO E CONTRADIÇÃO DA

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM TEMPOS DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

Edilvan Moraes Luna19

Ana Paula dos Santos Brito20

Resumo- O referente trabalho é parte de um projeto de pesquisa em que objetiva estudar a

precarização do trabalhador qualificado e a contradição da educação superior em tempos de crise

estrutural do capital, procurando analisar diante das declarações da vigência de uma nova sociedade

baseada no conhecimento. Em que diz prezar pela informação, aqueles que adquirem níveis de

formação mais elevado, não encontram espaço no mercado de trabalho ao nível de sua formação.

Sendo essas limitações imposta pelo próprio mercado e não justiçada pela falta de competência do

indivíduo.

Palavras-chave: Precariado- inovação- conhecimento

Introdução

A partir da década de 70, observou-se nas economias capitalistas um movimento na

organização socioeconômica que apontava para uma tendência de esgotamento da promessa

do welfare state e dos “anos dourados” que se seguiram após a segunda guerra mundial. O

movimento de esgotamento do sistema capitalista pode ser visto por meio das crises que o

mesmo enfrenta e as estratégias usadas na tentativa de superá-las.

As crises do sistema capitalista, a partir da década de setenta, apresentou as suas

peculiaridades que distaram das crises anteriores. Enquanto as crises anteriores à década de

setenta tendiam a ser restrita a esferas específicas do sistema capitalista, atingindo mercados

locais, com prazos limitados e cíclicos e, por fim, com erupções e colapsos abruptos, as crises

após setenta serão vistas como de caráter universal, de alcance global com escala de tempo

19 Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Tel: (88) 9692-4125, E-

mail: [email protected] 20

Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Tel: (87) 9965-4711, E-

mail: [email protected]

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contínua e com modos de desdobramentos rastejantes, características estas que fazem das

crises atuais crises estruturais do capital (MÉSZÁROS, 2002).

Na tentativa de superar as crises que ameaçam sua legitimidade, surgem formas de

reestruturação produtivas que acentuam a pressão sobre a natureza, o homem e,

principalmente, sobre o operário e o trabalhador assalariado. Figura mais emblemática da

tentativa de reestruturação produtiva é o sistema Toyota de produção, que por meio da

doutrina difundida por Taiichi Ohno, criador do Sistema Toyota de Produção, se apropria

tanto do físico como do subjetivo do trabalhador (ALVES, 2011). Essa dupla apropriação,

apoiada em valores-fetiches, expectativas e utopias de mercado tendem a gerar pressões

psicofísicas que colocam os indivíduos diante de uma situação de “subjetividade em

desefetivação” (ALVES, 2011). Essa tentativa de reestruturação em tempos de crise também

coloca em xeque os sonhos e esperanças dos indivíduos, principalmente dos jovens, que

experimentando da promessa do consumismo e alcançando padrões de escolaridade elevada,

se veem diante de uma organização econômica incapaz de suprir com seus sonhos (ALVES,

2012).

Diante do cenário de crise estrutural do capital, a educação formal, “ativo” apontado

como capaz de gerar a almejada mobilidade social na organização socioeconômica capitalista,

se vê desvalorizado na prática. Em um ambiente no qual a educação é valorizada

simbolicamente, ou em outras palavras, em um ambiente em que reina a “apologia da

aprendizagem útil para a empregabilidade” (LIMA, 2012, p. 27), o mercado não é capaz de

cumprir com a promessa de empregabilidade para todos, se revelando, o capitalismo, uma

sociedade do desperdício, já que desperdiça a “futuridade de jovens altamente escolarizados,

penhorando-se suas perspectivas de carreira e mobilidade social” (ALVES, 2012). Isso

acentua ainda mais a precariedade do trabalho, acrescendo ao conceito de trabalhador

precariado uma nova dimensão, a que corresponde à inserção em trabalhos precários de um

número cada vez maior de jovens qualificados com nível superior.

Nos países em desenvolvimento, a precariedade do trabalho se torna imperceptível

devido ao ofuscamento causado por um valor-fetiche da empregabilidade, de forma que se o

emprego cresce mesmo em condições precárias, ele é divulgado e celebrado como vitória de

um povo, não trazendo a luz as contradições e limitações presentes no momento, confundindo

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o real com o existente. Enquanto o existente é estático, visão de um momento em particular, o

real é um processo dinâmico e complexo (TEIXEIRA & FREDERICO, 2008). O existente da

empregabilidade, portanto, esconde o processo dinâmico que compõe o mundo do trabalho

contemporâneo.

É no contexto de procurar observar a realidade do trabalho e do trabalhador brasileiro

que este projeto de pesquisa pretende dar início a uma pesquisa que tem como foco central o

precariado brasileiro, especificamente, a sua face escolarizada e altamente qualificada,

buscando responder a pergunta: neste início de século, diante das declarações da vigência de

uma nova sociedade (pós-industrial, pós-moderna, pós-fordista, sociedade da informação,

etc.) baseada no conhecimento e na informação, será que há espaço no mercado de trabalho

brasileiro para todos aqueles que terminam um curso de graduação, espaço aquele, que esteja

à altura de sonhos e pretensões que acompanham o sentido de possuir um nível superior?

A hipótese que fundamenta a pesquisa é delineada da seguinte forma: a organização

socioeconômica capitalista tende a limites absolutos, e que no cenário da luta de classes, dos

conflitos de interesses e das relações de poder, estes limites não são aceitáveis, pois

representam a perda de legitimação de um sistema que se mantém por meio de um poder

simbólico calcado na promessa de bem-estar e democracia da riqueza. Embora não aceitáveis

os limites absolutos do sistema capitalista, estes são cada vez mais presentes, tornando as

promessas legitimadoras contraditórias. Assim, em termos do precariado que se estar proposto

a estudar, se na procura por manter os padrões de crescimento de uma economia, se enfatiza o

papel do conhecimento como insumo para a inovação, por outro lado, na mesma sociedade

dita do conhecimento e da informação, aqueles que alcançam níveis de escolarização mais

altos, diplomas de nível superior, não encontram espaço no mercado de trabalho no nível de

sua formação e de sonhos e pretensões. Longe de tal tendência ser justiçada pela falta de

competência do indivíduo, a dificuldade de jovens altamente escolarizados se enquadrarem no

mercado de trabalho a altura dos sonhos que idealizaram é devida a limitações do próprio

mercado, da própria economia, do próprio sistema capitalista, que por seguir a lógica da

valorização do capital, age em detrimento do trabalho por ser este considerado um custo ou

despesa. Assim, restam para muitos jovens com nível superior empregos precários, ou seja,

aqueles trabalhos; a) cuja duração e continuidade no emprego é incerto; b) direitos sociais e

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trabalhistas tendem a ser desrespeitados; c) baixa remuneração (1 a 2 salários mínimos,

aproximadamente); d) condições de trabalhos inadequadas além de ; e) não permitirem a

realização da ascensão social e de uma maior qualidade de vida. Os trabalhos precários são,

portanto, os “trabajos que reducen de forma significativa la capacidad del trabajador de

planificar y controlar su presente y su futuro” (CANO, p. 80, p. 1996).

A pesquisa objetiva estudar o precariado brasileiro na sua dimensão escolarizada ao

longo deste início de século e milênio (2000 a 2013), por ser esse período representado tanto

por um crescimento da economia brasileira, marcada fortemente pela expansão do poder de

consumo da classe média brasileira, como também pela expansão do ensino superior,

envoltos, ambos, por um contexto político de despolitização da classe trabalhadora no

governo do partido do trabalhador (PT) e de políticas públicas federais que centradas no

aumento do consumo da população escondem as crises existentes no mundo do trabalho na

sociedade brasileira (BRAGA, 2012).

Para alcançar o objetivo proposto anteriormente, contudo, de maneira específica, serão

cumpridos antes os seguintes objetivos: estudar o conceito de crise estrutural do capital

presente nos trabalhos de István Mészáros, principalmente em sua obra Para Além do Capital,

além de outros autores consagrados da sociologia e da economia do trabalho de forma que se

obtenha subsidio teórico para reflexões a cerca do mundo do trabalho contemporâneo;

observar o conceito de precariado, procurando captar sua complexidade e suas diferentes

faces (repercussões no âmbito social, econômico, político); observar o contexto econômico e

educacional do Brasil nos últimos dez anos, descrevendo a evolução de variáveis quantitativas

tais como Produto Interno Bruto (PIB), renda, emprego, expansão das Instituições de Ensino

Superior (IES), dos cursos de nível superior, do número de concludentes de ensino superior;

relacionar a expansão do número de concludentes do nível superior com o incremento da

precarização do trabalho no Brasil.

Espera-se que com o desenvolvimento da pesquisa possa-se contribuir para o debate

acerca da precarização do trabalho no Brasil, apontando tanto o real como o existente,

favorecendo a superação do desafio humano de “dar sentido ao trabalho humano, tornando a

nossa vida também dotada de sendo” instituindo “uma nova sociedade dotada de sentido

humano e social dentro e fora do trabalho” (ANTUNES, 2009, p. 238).

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A sociedade do conhecimento e da informação

Nas últimas décadas, de forma específica, a partir da década de 70 e 80, se intensificou

nos meios intelectuais uma discussão que tem por base o fim da sociedade do trabalho e o

advento de uma nova sociedade, a do conhecimento. Diante do avanço tecnológico

presenciado, chegou-se a conjeturar o fim do trabalho abstrato, com a substituição do trabalho

humano pelo trabalho de autômatos (SCHAFF, 1990) ou até mesmo uma Computopia na

Terra com sugere Masuda21

(KUMAR, 2006).

Tendo em vista o contexto histórico, econômico e político, que alteraram as condições

de vida humana nas últimas décadas, alguns autores, afirmam estarmos vivendo uma nova

sociedade, um novo cenário socioeconômico distinto do de duas, três décadas atrás. Esse novo

cenário, ora definido como pós-moderno, ora definido como pós-industrial, para ficarmos nas

duas definições mais comuns, possuem um leque de distinções com seus antecessores (a

sociedade moderna ou a sociedade industrial)

Dentre os eixos principais, ressaltemos aquele a qual é fundamental para

desenvolvermos a tese do presente trabalho: o conhecimento e a informação. Estes dois

elementos, na caracterização da sociedade pós-industrial serão alçados ao status de modo de

produção, matéria-prima e mercadoria. Porém, estes três status serão compreendidos pelos

autores que defendem a nova sociedade como que detentores de aspectos específicos que o

tornam diferentes das características que possuíam os modos de produção e as mercadorias

tradicionais antes do advento da Revolução científico-tecnológica.

Um dos primeiros intelectuais a popularizar o conceito de sociedade pós-industrial foi

Daniel Bell, em seu livro O Advento da Sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão

social. No livro, Bell (1977) propõe separar a evolução da sociedade em três etapas: a

21

Estamos nos dirigindo para o século XXI com o nobre objetivo de construir uma Computopia na terra, em cujo

monumento histórico haverá apenas vários chips, um em cada polegada quadrada de uma pequena caixa. Essa

caixa, porém, armazenará numerosos registros históricos, incluindo o de como 4 bilhões de cidadãos mundiais

venceram a crise de energia e a explosão demográfica, conseguiram a abolição das armas nucleares e o

desarmamento completo, eliminaram o analfabetismo e criaram uma rica simbioses entre Deus e homem, sem a

coação do poder ou da lei, mas pela cooperação voluntária dos cidadãos... Assim, a civilização que será

construída... não terá o caráter de uma civilização material caracterizada por edificações imensas, mas será

virtualmente uma civilização invisível. Para sermos precisos, ela deveria ser chamada de “civilização da

informação”... (MASUDA 1985, p. 633-634 apud KUMAR, 2006, p. 54)

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sociedade pré-industrial, industrial e pós-industrial. A primeira compõe a sociedade

organizada em torno da terra e da sua propriedade, sendo a produção, portanto, de tipo agrário

e em moldes tradicionais a base da organização socioeconômica. A sociedade industrial, por

sua vez, gira em torno da produção industrial, sendo caracterizada, principalmente, pela

materialidade da mercadoria, a mensuração dos fatores de produção usados e a predominância

do fator capital e trabalho como fatores de produção determinantes. Na sociedade industrial, a

teoria do valor-trabalho possui um significativo caráter explicativo das relações sociais de

produção.

Contudo, com a redução do setor industrial como motor dinâmico da economia,

perdendo lugar, por sua vez, para o setor de serviços, surge uma nova sociedade pautada nas

tecnologias de comunicação e informação, no conhecimento e na informação, sociedade a

qual Bell (1977) nomeia de pós-industrial. Essa sociedade tem como postulado o fato de que

“conhecimento e informação estão se tornando os recursos estratégicos e os agentes

transformadores da sociedade pós-industrial [...]”(Bell 1980 apud KUMAR, 2006, p.48). O

quadro 1 abaixo descreve as distinções societárias segundo Bell.

Quadro 1 – divisão da sociedade de acordo com Daniel Bell

Pré-industrial Industrial Pós-industrial

Modo de produção Extrativo Fabril Processo; reciclagem;

serviços

Setor econômico Primário

Agricultura,

mineração, pesca,

madeira

Óleo e gás

Secundário

Produção de

mercadorias,

manufatura, produtos

duráveis

Produtos não-

duráveis, indústria de

construção

Terciário

Transportes

Utilidades

Quartanário

Comércio, Finanças

Seguros,

Setor imobiliário

Quinário

Saúde, educação,

pesquisa, governo,

recreação

Fonte de

transformação

Força natural

Vento, água, tração

animal, músculos

Energia criada

Eletricidade – óleo,

gás, carvão, força

Informação

Computadores e

sistema de

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humanos, matéria-

prima

nuclear transmissão de dados

Recursos

estratégicos

Matéria-prima Capital financeiro Conhecimento

Tecnologia Artesanato Tecnologia

maquinaria

Tecnologia

intelectual

Base de

competências

Trabalho artesão,

manual, fazendeiro

Engenheiro,

trabalhadores semi-

qualificados

Cientistas, técnicos e

profissionais liberais

Metodologia Senso comum,

tentativa e erro,

experiência

Empiricismo,

experimentação

Teorias abstratas,

modelos, simulações,

teorias das decisões,

sistema de análises,

Perspectiva de

tempo

Orientação ao

passado

Adaptações ad hoc,

experimentação

Orientação para o

futuro: previsão e

planejamento

Design Jogo contra a

natureza

Jogo contra futuro já

feito

Jogo contra futuros

Princípio axial Tradicionalismo Crescimento

econômico

Codificação do

conhecimento teórico Fonte: Bell (1979) apud KARVALICS (2007)

Tendo diante de si o cenário pós-industrial descrito anteriormente, Bell (1977) atribui

uma centralidade para o fator conhecimento e informação a ponto de propor não mais uma

teoria do valor-trabalho como instrumento de compreensão social, mas sim uma teoria do

valor conhecimento (KUMAR, 2006).

Assim, com o setor de serviços ocupando um espaço cada vez maior na economia,

como propõe Bell (1977), o autor defende a tese que na sociedade pós-industrial há a

diminuição da sindicalização operária enquanto ocorre o aumento da sindicalização de outros

profissionais assalariados da classe média. Essa característica da sociedade pós-industrial é

devida, vale ressaltar, pela perda de espaço da indústria para o setor de serviços, criando um

mercado de trabalho que demanda profissionais tais como engenheiros, economistas,

publicitários e administradores, por exemplo, em detrimento de operários para a linha de

montagem. Não é sem razão, portanto, que De Masi (2000, p. 35) afirma que Bell “fixa em

1956 a data do nascimento da sociedade pós-industrial, ano em que, pela primeira vez nos

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Estados Unidos, os trabalhadores da área administrativa superaram em termos numéricos os

da área da produção”.

Essa nova configuração social, muda, no entender de Bell (1977), as relações entre

classes sociais, de maneira que o conflito de classes deixa de ser entre operários e capitalistas

para ser entre os que detêm conhecimento e os que não o detêm. Nesta nova sociedade, pelo

fato de o saber deter uma centralidade, o conhecimento, a informação, a ciência se tornam

base de novas relações de poder, diferindo da sociedade industrial onde as relações de poder

se centravam na posse da propriedade privada.

Além de Bell, Alain Touraine também teorizou sobre a sociedade de sua época,

preferindo defini-la como sociedade programada. Como a sociedade pós-industrial de Bell, a

sociedade programada de Touraine (2008) também tem no conhecimento a força motriz da

economia contemporânea e os vínculos sociais são desenvolvidos por meio de redes de

comunicação, em um cenário onde os bens materiais dão lugar a bens de conhecimento e

culturais. Para o autor,

[...] o caráter mais geral da sociedade programada é o facto de as decisões e os

combates económicos já não possuírem, nessa sociedade, a autonomia e a

centralização que tinham num tipo anterior de sociedade, definido pelo seu esforço

de acumulação e de recolha antecipada de lucros sobre o trabalho directamente

produtivo. (TOURAINE, 1970, p. 9)

A precarização do trabalho na Sociedade do Conhecimento e da Informação

Após a Segunda Guerra Mundial, as economias capitalistas dão um longo passo em

direção a e recuperação de suas economias. Essa marcha será marcada tanto pelo crescimento

econômico como pela construção de um sistema de proteção e seguridade social comandado

pelo Estado. Desta forma, de 1947 a 1973, “os países desenvolvidos viveram uma fase

conhecida como anos dourados, com alto crescimento econômico, estabilidade monetária,

pleno emprego e redução das desigualdades sociais” (POCHMANN, 2008, p. 54). Durante

este “anos dourados”, os Estados Unidos da América desempenhou papel de liderança

mundial, já que durante toda a II Guerra Mundial, embora tenha entrado em combate, não

experimentou a destruição que o território Europeu havia experimentado. Com uma posição

bem melhor do que a Europa pós-guerra, os EUA passou a financiar a recuperação da Europa

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e do Japão, conseguindo o que, no entender de Arrighi (1996), nenhum outro país conseguiu

até então, transformar grande parte da sua dívida externa em ativos.

Contudo, ao longo dos anos dourados, os padrões de crescimento econômico e de

seguridade do welfare state apontavam contradições e limitações que acenavam para o

esgotamento de um modelo de organização social que por longos anos se concentrou em volta

de padrões tecnológico fordista, com uma estrutura social rígida e tendo no setor industrial o

sinônimo de progresso.

Como exemplo das contradições e limitações presentes nos anos de recuperação pós-

guerra da economia global, encontra-se: as próprias limitações a exploração a força de

trabalho impostas pela própria constituição do welfare state (ALVES, 2011); o acirramento da

concorrência nos mercados globais, por volta da década de 1960, provenientes da recuperação

da Europa e do Japão e da entrada de países do Terceiro Mundo no cenário industrial por

meio de suas políticas de substituição de importação e o movimento das empresas

multinacionais em direção de condições empresariais mais favoráveis (ALVES, 2011); o

agravamento de problemas de natureza socioeconômica que atingiam o coração do

capitalismo pós-guerra, os EUA, como por exemplo, o agravamento dos “problemas fiscais

decorrentes, por um lado, da queda da produtividade e da lucratividade, por outro, do combate

à pobreza e da guerra do Vietnã [...]” (ALVES, 2011, p. 13), que só seriam tratados a custa da

aceleração da inflação; e a crescente importância das finanças em detrimento da economia

real, com mudanças de direção das poupanças, saindo dos investimentos em direção a

especulação (NEFFA, 2010).

Os limites que surgem nas economias globais para manter suas taxas de crescimento e

bem-estar crescentes se fazem sentir de forma intensa a partir da crise de 1973, crise esta vista

por Mészáros (2002) como o início das crises estruturais do capital. É neste cenário em que

foram adotadas as ações intervencionistas que geraram impactos significativos no mundo do

trabalho. As principais ações intervencionistas adotadas foram: a introdução progressiva do

capital privado nas empresas estatais de serviços públicos como um passo em direção há

privatização; o incremento das tarifas de serviços públicos para reduzir, assim, os subsídios, e

a penetração da lógica mercantil no funcionamento das instituições de seguridade social; a

atração de investimentos estrangeiros diretos; redução de barreiras aduaneiras para obtenção

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de acesso aos mercados exteriores, o que acirra a competência não só entre firmas, mas entre

nações; o desregulamento dos mercados para estimular a competência; o aumento das taxas de

juros para frear o consumo e estimular a poupança e os investimentos das famílias; maior

controle dos gastos públicos sociais para reduzir o déficit fiscal, considerado como causador

de inflação; moderação nos aumentos de salário para compensar a inflação, estando eles

abaixo do incremento da produtividade; e freio à demanda para aumentar as taxas de

investimento (NEFFA, 2010).

Estas medidas, contudo, ao invés de superar os limites absolutos do capital

(MÉSZÁROS, 2007), tendem a intensificá-lo, já que, se as reformas nas relações de produção

vencem os obstáculos, em curto prazo, para a acumulação de capital, em longo prazo, os

limites são de ordem socioeconômica e se relacionam a própria constituição do sistema do

capital, que em busca de maiores retornos para o capital, termina por gerar pressões sobre o

ecossistema e sobre o homem em seu trabalho. A lógica do capital, centrada em torno de

variáveis quantitativas possuem seus limites, pois, como observou Mészáros (2007, p. 250-

251):

[...] a verdade da questão é que a quantificação auto-orientada não pode, na

realidade, sustentar-se de maneira alguma como uma forma de estratégia

produtivamente viável mesmo no curto prazo. Pois é parcial e míope (senão

inteiramente cega) preocupada apenas com as quantidades correspondentes aos

obstáculos imediatos que impedem a realização de uma dada tarefa produtiva, mas

não com os limites estruturais necessariamente associados ao próprio

empreendimento socioeconômico que – quer se saiba ou não – decide tudo em

ultima instancia [...].

Tanto as pressões sobre o ecossistema como sobre o mundo do trabalho apontam

como limites a expansão da lógica capitalista. Ambas as pressões merecem atenção detalhada,

contudo, por questões metodológicas, a serem explicadas posteriormente, se limitou aqui a

estudar as pressões sobre o mundo do trabalho, principalmente, a sua forma mais perversa

sentida na forma da precarização do trabalho.

No sistema do capital, a geração de lucro surge a partir da exploração do trabalho

vivo, que por transformá-lo em um fator de produção e submetê-los a condições técnicas,

terminam por pressionar tanto o físico como o subjetivo do trabalhador (HARVEY, 2005;

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ALVES, 2011). É neste ponto que as observações de Harvey (2005, p. 131), de que “um

maior padrão material de vida para o trabalhador não é necessariamente incompatível com um

aumento da taxa de exploração”, desmistifica a visão de autores que por verem na

contemporaneidade uma sociedade da informação e do conhecimento e, portanto, capaz de

tornar o trabalho atrativo e melhor, distante do cenário do trabalho industrial do século XIX

descrito por Engels (2010) e Thompson (1997), escondem a importância do trabalho como

categoria sociológica fundante do ser social (LUKÁS, 2010), chegando ao ponto de

substituírem a teoria do valor trabalho por uma teoria do valor conhecimento (BELL, 1977).

É a partir do conhecimento como nova categoria determinista das relações

socioeconômicas que se desenvolverá um fetiche sobre a sociedade do conhecimento. A

intenção, aqui, não consiste em uma tentativa de eliminar a importância e os impactos das

tecnologias de comunicação e informação nas relações socioeconômicas, mas sim observar a

hipótese de que por trás da exaltação da sociedade da informação – recorde-se a computopia

na terra de Masuda (KUMAR, 2006) ou as previsões de Schaff (1990) – e do fim do

proletariado, esconde-se a exploração e a precarização do trabalho, pois “[...] o que se vê não

é o fim do trabalho, e sim a retomada de níveis explosivos de exploração do trabalho, de

intensificação do tempo e do ritmo de trabalho. Vale lembrar que a jornada pode até reduzir-

se, enquanto o ritmo se intensifica [...]” (ANTUNES, p. 202).

Assim, a precarização do trabalho, escondida por trás da exaltação do crescimento

econômico impulsionado pelas inovações, estas, filhas da sociedade do conhecimento e da

informação, aponta como uma das faces mais intensas da pressão do sistema do capitalismo

sobre o trabalho e a vida humana, pois, embora o conceito de precarização ainda esteja longe

de um consenso, o mesmo pode ser entendido por uma perspectiva social mais ampla, já que

as pessoas terminam por ter “[...] un tipo de empleo que no le permite consolidar un estatus o

un nivel de vida, una profesión, una estabilidad que permita planificar el futuro” (ALÓS, 1988

apud CANO, 1996, p. 80).

O trabalho precário pode ser entendido como sendo relações de trabalho: a) cuja

duração e continuidade no emprego é incerta; b) direitos sociais e trabalhistas tendem a ser

desrespeitados; c) baixa remuneração; d) condições de trabalhos inadequadas. Estas condições

de trabalho tanto pressionam a qualidade de vida do trabalhador no seu lugar de trabalho

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como, no contexto mais amplo e complexo da vida, estando o trabalhador inserido em um

contexto sociocultural que estabelece padrões mínimos (embora de custos altos) de consumo

como forma de bem-estar e de inserção social, a incapacidade de gerar uma renda capaz de

suprir com seus anseios terminam conduzindo o trabalhador tanto para o esgotamento físico –

aqueles que trabalham em mais de um posto de trabalho para incrementar a renda – como

psicológico, que Giovanni Alves observa como um processo no qual se tem a “subjetividade

em desefetivação”, expressa, fortemente, por exemplo, “pelo surto de estresse que atinge a

civilização do capital” (ALVES, 2011, p.152).

É desta forma que a precarização do trabalho como limite e sinal das contradições da

lógica da sociedade do capital, pois se estar, cada vez mais notório que o sonho do bem-estar

promovido pelo capitalismo não está mais tão próximo e evidente como se imaginava. E isso

se acentua ainda mais, quando se insere na fileira dos trabalhadores precários jovens

altamente escolarizados, com nível superior, que, por estarem na “sociedade da informação”

e, portanto, deveriam ser os agentes principais dessa sociedade, terminam por se encontrar

diante de trabalhos precários não por culpa própria, mas sim pela incapacidade do mercado de

gerar trabalho a altura das pretensões e dos sonhos que almejam e que corresponde a ideia tão

bem valorizada pela mesma sociedade da informação. Em outras palavras, a contradição estar

no fato de em uma sociedade onde a inovação e, por conseguinte a informação são os arautos

do desenvolvimento econômico, da geração de emprego, renda e, principalmente, qualidade

de vida, os agentes que se com alta escolaridade não encontram espaço nessa sociedade.

Desta forma, tanto o conceito de precariado se estende, não se limitando apenas a

noção comum de os mais precários postos de trabalhos estão para os que não se qualificam,

como revelam o fetiche da sociedade da informação e as contradições do sistema do capital,

corroborando a afirmação de Mészáros (2002) que estamos a presenciar as crises estruturais

do capital e de que, possamos estar caminhando para um sociometabolismo da barbárie,

caracterizado pelas “suas tendências [do capitalismo] destrutivas e seu companheiro natural, o

desperdício catastrófico” (MÉSZÁROS, 2003, p. 45).

Diante do exposto, trazendo a análise para o Brasil, a exposição de Mészáros (2003)

sobre o caráter destrutivo e de desperdiçador catastrófico do sistema do capital é observável

na precarização do trabalho no Brasil. Essa precarização adota varias faces no cenário

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brasileiro, atingindo diferentes parcelas da população em menor ou maior grau de intensidade.

Assim, para uma sociedade na qual o trabalho compõe a base da pirâmide social

(POCHMANN, 2012), a precarização do trabalho se encontra, por exemplo, em proporção

significativa, nos trabalhos terceirizados e nos trabalhos com contratos temporários

(POCHMANN, 2012), na forma “louvável” do empreendedorismo (VASAPOLLO, 2005), na

feminização do trabalho (NOGUEIRA, 2004) ou, como já abordado, mesmo nos setores mais

informatizados da economia (WOLFF & CAVALCANTE, 2006). São relações de trabalho

precárias que, na linha de pensamento de Mészáros (2003), destrói e desperdiça tanto força

física como sonhos (ALVES), pois em um Brasil que desde os anos 2000 “aponta para a

constituição de um novo modelo de desenvolvimento, que procura combinar de maneira

favorável os avanços econômicos com os progressos sociais (POCHMANN, 2012, p. 31),

sobre a sombra do crescimento econômico se encontra, por exemplo: baixa remuneração: não

mais de 1,5 salário mínimo mensal no setor primário e autônomo; trabalho temporário, que no

Brasil, em 2009, observou que “os micro e pequenos empreendimentos registram 13,3% de

seus empregados com contrato de trabalho inferior a três meses de tempo de serviço”

enquanto “as grandes empresas apresentam somente 8% do total de seus ocupados nessa

condição de emprego temporário”. Tais porcentagens em um contexto onde “do total de 4,3

milhões de postos de trabalho na condição de curta duração, 47,5%” pertencem à micro e

pequenas empresas (estabelecimentos com até 49 funcionários; trabalho terceirizado formal,

que no país, entre 1985 e 1995, cresceu a uma média de 9% seguida do crescimento das

empresas de terceirização a media de 22,5% ao ano, enquanto entre 1996 e 2010 foi de 13,1%

o crescimento do trabalho terceirizado seguido por 12,4% a média anual para o crescimento

das empresas de terceirização.

A esses pontos acrescenta-se a situação dos que possuem maior escolaridade,

principalmente, os com diplomas de nível superior. Embora um diploma repercuta fortemente

no rendimento salarial, tem-se que observar que um diploma em si, não é garantia de

empregabilidade, nem de empregabilidade em setores não-precários. Como bem observa

Pochmann (2012, p. 36):

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Na década de 2000, quase 85% do total das vagas abertas destinavam-se a

trabalhadores de salário de base com escolaridade equivalente ao ensino médio, ao

passo que aos ocupados que possuíam ensino superior restou uma parcela bem

menor do total dos postos de trabalho. Nos anos 1990, as vagas abertas aos

trabalhadores de salário de base com ensino médio representaram 68,3% do total;

com ensino superior, menos de 5%.

Ou, como reporta Alves (2012):

(...) no decorrer da década de 2000, o desemprego aumentou significativamente

entre aqueles com mais de 11 anos de estudos (36,82% em 2002, 39,84% em 2003;

43,16% em 2004; 46,19% em 2005; 47,81% em 2006; 50,70% em 2007; 52,92 em

2008; e 56,46% em 2009, segundo dados do IBGE/PME), com um leve

decrescimento entre aqueles de 18 a 24 anos (1,5% entre 2002 e 2009) e um

pequeno crescimento entre aqueles de 25 a 49 anos (2,4% entre 2002 e 2009).

Tudo isso em um contexto onde o número de universitários cresceu

significativamente, já que “segundo dados do Censo da Educação Superior, de 2001 a 2011, o

crescimento de universitários no País foi de 110%” (ALVES, 2012). Se em um primeiro

momento a economia pode se beneficiar da expansão da mão de obra cada vez mais

qualificada, por outro lado, a expansão do ensino superior em um contexto socioeconômico

no qual o setor de serviços comerciais (responsável por absorver 8,5 milhões do pessoal

ocupado assalariado em 2011) é predominante e no qual o paradigma empresarial dominante é

o de poupador de mão de obra (salário é custo ou despesa, portanto deve ser reduzido ao

máximo sem afetar a produtividade), a propagada ideia de que educação pode tudo, até

mesmo romper com a desigualdade socioeconômica, se encontra obstaculizado pela

incapacidade das economias de absorver a mão de obra qualificada que cresce a cada ano, o

que enfatiza ainda mais os limites absolutos do sistema do capital, como já exposto

anteriormente.

Além do mais, para realçar o caráter do novo precariado, aquele altamente

escolarizado com relações de trabalho precárias, recordemos das observações de Bourdieu

(2007) sobre a inflação de diplomas, no qual estas são desvalorizadas de acordo com que o

crescimento de número de portadores de diplomas é mais rápido do que o crescimento da

quantidade de cargos para os quais são destinados os diplomas. A perda de valor dos diplomas

conduz a procura de níveis educacionais cada vez mais altos, freando a mobilidade social, ou

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até mesmo, como apontou Peugny (2009), conforme aumentam as credenciais, o perigo de

mobilidade descendente no futuro aumenta.

Assim, a figura do novo precariado (ALVES, 2012) deixa transparecer

questionamentos acerca dos limites da educação superior como elemento de mobilidade

socioeconômica ascendente (PEUGNY, 2009), além de evidenciar os limites da sociedade do

capital (MÉSZÁROS, 2002), trazendo à luz as relações de trabalho precário contemporâneo

existente em pleno tempo da “sociedade da informação e do conhecimento”.

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A EXPLORAÇÃO DO LABOR À REDUÇÃO ONTOLÓGICA DO SER: ANÁLISE

DAS CONDIÇÕES ESTRUTURANTES DO TRABALHO INFANTIL

Wellington Gomes Aguiar22

José Mario Pontes de Vasconcelos Filho23

João Adolfo Ribeiro Bandeira24

RESUMO: Este trabalho trata especificamente do trabalho infantil em face do capitalismo, sabendo-

se que existem, além de questões sociais, questões legislativas e resolutivas, que é o caso das leis e das

políticas publicas, respectivamente. Traz um estudo sobre a importância da positivação dos direitos

intrínsecos ao homem, mostrando o porquê não basta apenas ter regras, mas sim ter regras e estas

serem aplicadas de forma efetiva. Apresenta ainda uma evolução histórico-social do trabalho infantil

junto ao capitalismo, vinculando a exploração da mão-de-obra infantil ao sistema capitalista e como

acontece essa relação. Por fim, estabelece as causas e consequências do trabalho precoce, tanto para as

crianças e adolescentes quanto para a sociedade de modo geral. Mostra também a forma cabível para a

resolução deste problema, que seriam as Políticas Públicas.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho infantil; Capitalismo; Exploração.

INTRODUÇÃO

A reprodução do capital em todas as suas composições e vertentes ocorre de forma

totalitária, ainda que se discuta contemporaneamente o fenômeno de relativização dos

processos de produção, atrelando-se à pós-modernidade.

Neste intuito, a problemática acerca das relações de trabalho soma-se à análise

contínua da evolução do sistema capitalista, adentrando nas relações socioeconômicas e

político-jurídicas, ocasionando assim o processo de reificação e alienação dos axiomas,

processo este que será abordado nas linhas que seguem.

22

INSTITUIÇÃO: Faculdade Leão Sampaio; Telefone (88): 9202 6153; e-mail:

[email protected] 23

INSTITUIÇÃO: Faculdade Leão Sampaio; Telefone (88): 9995 7292; e-mail: [email protected] 24

INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB; Telefone: (88) 9944-9943; e-mail:

[email protected]

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O propósito encontra-se me desnudar a relação trabalho-capital como um fator de

alienação capaz de subverter e subjugar o ser humano à condição de res em sua independente

da fase em este se encontra.

A análise, por tanto, abordará o trabalho infantil no território brasileiro, utilizando da

metodologia de revisão bibliográfica e pesquisa documental tendo como referencial teórico as

teorias marxianas sobre trabalho alienado e redução ontológico por meio da deturpação

axiológica.

TRABALHO INFANTIL: ANÁLISE HISTÓRICA

O trabalho infantil é um fenômeno antigo e relaciona-se com as primeiras formas de

exploração do povo e territórios nacionais.

Ainda na época da colonização os filhos de escravos já eram submetidos ao trabalho,

exercitando tarefas tecnicamente impossíveis, pois exigiam esforços extremamente superiores

às suas condições físicas. Com a revolução industrial e o desenvolvimento social e econômico

que esta trouxe ao Brasil, o trabalho infantil sofreu transformações que estenderam as formas

do trabalho precoce e logo ganhou um espaço em setores informais como a prostituição,

tráfico de drogas, trabalho doméstico, entre outros.

Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2011)25

, mostram que em São

Paulo, em 1890, as crianças e adolescentes totalizavam 15% do total de empregados em

setores industriais. Ainda neste ano, no setor têxtil da capital paulista, o Departamento de

Estatística e Arquivo do Estado de São Paulo registra que um quarto da mão-de-obra

empregada neste setor era composto por crianças e adolescentes. Passados vinte anos esse

número evoluiu para 30%, em 1919 o número atingiu os 37% do total de trabalhadores do

setor têxtil.

Ao analisar o Censo 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE)2,

pode-se perceber algumas conclusões em relação ao trabalho infantil. Vê-se em primeiro lugar

que o trabalho infantil possui relação com a classe socioeconômica, visto que crianças de

classe média alta geralmente não trabalham.

25

Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/content/emprego-juvenil. Acesso em: 10 de set. de 2013.

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Em um segundo plano encontramos que quando as famílias são chefiadas por

mulheres é aumentada a probabilidade de crianças trabalhando, visto que são famílias que só

possuem uma fonte de renda. O planejamento familiar é outro ponto determinante para o

trabalho infantil. O número de irmãos, escolaridade dos pais, gastos e renda mensal,

alfabetização, entre outros são fatores que influenciam na hora de expor crianças ao trabalho.

Analisamos ainda que quanto maior for o número de integrantes da família, mais

possibilidades esta tem de inserir crianças, geralmente as mais velhas, no trabalho como

forma de auxiliar na renda familiar para conseguir suprir todas as necessidades e sustentar a

casa.

Por último e não menos importante fica expresso que o trabalho infantil está

diretamente relacionado com o grau de desenvolvimento do país, sabendo que países mais

ricos possuem indicadores de trabalho infantil reduzido, enquanto países não desenvolvidos

possuem números elevados3.

É de fácil percepção que há uma inversão de valores. Uma grande parcela da

sociedade acredita que é benéfico que a criança trabalhe para auxiliar na renda mensal, mas

não percebem que esta é uma inversão de papeis, pois compete à família garantir o sustento às

crianças e se esta não consegue assegurar esse sustento deve procurar políticas públicas que

efetivem esses direitos. Existe também uma inversão de valores quanto à exploração infantil

em afazeres domésticos, de acordo com o Censo do IBGE 2010, mais de 130 mil famílias

brasileiras possuem como responsáveis por seus domicílios crianças e adolescentes de 10 a 14

anos, que cuidam desde os afazeres domésticos, cuidando dos irmãos mais novos, até a

trabalhar para obter renda e sustentar a casa.

QUANDO A BRINCADEIRA É COISA SÉRIA

A prática do trabalho infantil interfere de forma incisiva no desenvolvimento físico,

psicológico, social, emocional e educacional das crianças e dos adolescentes. O pediatra

Roberto Teixeira Mendes, do Departamento de Pediatria Social da Faculdade de Medicina da

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que o trabalho precoce afeta o

desenvolvimento da criança, além de acarretar em doenças mais imediatas como doenças

infecciosas e traumas. Por conta da exposição destas crianças ao trabalho muitas vezes rígido,

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estão sujeitas a sentir dores musculares, assim como ter deformações ósseas e sofrem com

frequência dores de cabeça e de coluna, fadiga, insônia e mutilações.

Danos morais também são decorrentes da exploração do trabalho infantil, visto que

essas crianças e adolescentes estão sendo privadas de fases essenciais para o desenvolvimento

integral. Sofrimento, sentimento de abandono, autoestima rebaixada, entre outros são algumas

das consequências morais que as crianças ficam sujeitadas.

No âmbito social são provocados danos como a evasão escolar, que certamente será

motivo para uma desqualificação profissional e logo uma baixa renda, as crianças e

adolescentes que não vão à escola contribuem para a formação de um grupo desqualificado e

consequentemente desempregado. Outro fator importante é o impedimento de viver a infância

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e adolescência, sem ter assegurados direitos básicos como, por exemplo, direitos à educação,

saúde, lazer.

Segundo Mendes (2011), os efeitos danosos vão depender da faixa etária e dos

trabalhos que a criança efetua, porém estes efeitos sempre vão estar presentes em crianças e

adolescentes que trabalham.

O trabalho pode ser exaustivo, pesado, insalubre e trazer efeitos imediatos, como

intoxicação e traumas. Mas mesmo que o trabalho não tenha nada disso, só por ser

trabalho vai tirar a criança do seu momento específico de vida que é brincar,

fantasiar e elaborar o mundo que a cerca à sua maneira. E a criança precisa de tempo

e condições para fazer isso.

O trabalho infantil fere não apenas o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, mas

fere também a nossa lei maior, a Constituição Brasileira de 1988. Após assinar a convenção

138 e a Recomendação 146 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi implantado

no Brasil o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, mas o que se percebe é que com as

alterações feitas no Programa a Política de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) tem se

dissolvido e, por conseguinte diminuído seu grau de eficácia.

A especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes e psicóloga do

Centro de Defesa Pe. Marcos Passerini, Nelma Silva (2008), afirma em uma entrevista

exclusiva para o Jornal Pequeno do Maranhão que o trabalho precoce traz consequências

gravíssimas às crianças e adolescentes.

O trabalho precoce traz consequências gravíssimas que interferem diretamente no

desenvolvimento, físico, emocional e social das crianças e adolescentes. Uma das

principais consequências apontadas é a queda no desempenho escolar. Muitos dos

que trabalham abandonam as salas de aula e os que permanecem são reprovados

devido ao cansaço e ao tempo reduzido para se dedicar aos estudos. A criança gasta

todas as suas energias no trabalho e não consegue acompanhar o ritmo escolar.

Este ponto é bem tratado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu

artigo 53, que diz que “a criança e o/a adolescente têm direito à educação, visando ao pleno

desenvolvimento de sua pessoa, preparo para exercício da cidadania e qualificação para o

trabalho”.

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O trabalho infantil é tratado como um problema milenar, como afirma o professor

Segadas Vianna ao tratar do Código de Hamurabi, com data de mais de dois mil anos antes de

Cristo, que já fazia menção protetiva às crianças e aos adolescentes que trabalhavam como

aprendizes. O que deixa claro, que desde os tempos mais remotos havia uma utilização da

mão-de-obra infantil. Porém os métodos para a erradicação desta prática injusta e desumana

estão sendo ainda conquistadas, só após a década de 80 foi que medidas jurídicas, sociais e

políticas foram tomadas para com o problema do trabalho infantil. E mais que apenas leis

deu-se por entendido que as crianças também são cidadãos, tratando cidadania em seu

conceito amplo, logo passou a ser questões dos direitos humanos.

Dentre essas medidas a que mais vem ganhando força são as políticas públicas sociais,

pois surge ai um apoio da sociedade que se incomoda com o trabalho infantil e suas

consequências para a sociedade como no geral. Alguns órgãos ficam encarregados de

fiscalizar se há a efetivação de políticas públicas, assim como das leis. Um destes órgãos é o

Ministério Público do Trabalho (MPT)

O MPT aposta em políticas públicas, campanhas educativas, entre outras formas como

meio de transformação dessa realidade. Encontramos três segmentos de auxilio na erradicação

do trabalho infantil no Brasil. O primeiro destes segmentos é o projeto “Políticas Públicas”

que é uma forma de garantir a efetivação de políticas públicas, programas e serviços pelos

municípios. E ainda políticas que visam a profissionalização e proteção do adolescente

trabalhador.

Como segundo segmento, encontramos o projeto “Aprendizagem Profissional” que

visa garantir o cumprimento da cota mínima de aprendizes nas empresas, garantir os direitos

trabalhistas mínimas do menos aprendiz. Essa tarefa se volta para a constatação, proteção e

correção de possíveis situações ilícitas onde se possa ser verificada alguma irregularidade na

contratação de jovens aprendizes, sendo assim buscando efetivar a aplicação eficaz da Lei de

Aprendizagem Profissional.

Por terceiro, o projeto “MPT na Escola” que busca a disseminação dos malefícios e

mitos do trabalho infantil, rompendo com as barreiras culturais/costumeiras de aceitação do

trabalho infantil. Este projeto capacita e sensibiliza a escola e comunidade sobre os direitos da

criança e do adolescente, fazendo assim uma divulgação do estatuto da criança e do

adolescente.

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Não existe apenas uma política que, sozinha, elimine o trabalho precoce. Uma prova

clara é a persistência desse fato por volta de dois séculos. Apesar de não haver uma solução

fácil para o problema do trabalho infantil, hoje encontramos um entendimento mais eficiente

das causas e das consequências do trabalho infantil, logo permitindo pesquisar políticas

públicas para erradicar ou reduzir este problema com maior eficácia.

A RESSIGNIFICAÇÃO DO SER: POLÍTICAS PÚBLICAS DE

ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL

O trabalho precoce deve ser abolido, e este pensamento é unanime, assim como o

pensamento de que os investimentos na qualidade da educação devem ser mais incentivados.

Embora pareça clichê ou repetitivo, acredita-se que a educação é sim basilar para a

transformação social, assim como para a diminuição do trabalho precoce. Crianças que se

ocupam com os estudos e que evidentemente são asseguradas por outras políticas que

garantam saúde, alimentação, moradia, entre outros direitos básicos, consequentemente não

precisará trabalhar por nenhum motivo.

Há a necessidade de uma mudança do modelo de atuação Governamental, planejando

e apoiando melhor as Políticas Públicas para reduzir cada vez mais o numero de crianças que

trabalham e inseri-las em escolas que tenham uma educação qualificada, permitindo então que

as crianças que antes se ocupavam com trabalho explorador, possam usufruir de uma boa

educação e no futuro tenha uma boa qualificação, não tendo assim que também submeter

filhos ao trabalho precoce. Os gastos com a educação devem ser vistos como investimentos

com retorno social e econômico garantido.26

É de extrema importância que haja medidas aplicadas pelo Poder Público que operem

tanto no objetivo de erradicar o trabalho infantil, quanto para o fortalecimento do

planejamento familiar, assim dando cada vez mais noção da importância da educação para o

processo de formação da criança, como também alertando os malefícios causados pelo

trabalho precoce.

Para que as medidas sejam eficazes é necessário que as Políticas Públicas se interaja

com outras Políticas, como exemplo os programas de transferência de renda para famílias

26

Liebel (2004) destaca que o sistema escolar é de suma importância neste processo, pois quando têm-se um

sistema educacional ineficaz, as crianças consequentemente podem ser dirigidas ao mercado de trabalho.

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menos favorecidas (bolsa família); as políticas de educação, para garantir uma educação de

mais qualidade; políticas de fiscalização, como forma de fiscalizar a prática das demais

políticas aplicadas.

Percebe-se, contudo, que o trabalho infantil atinge principalmente àquelas famílias que

não tem condições de se manter, famílias de baixa renda. Essa prática tende a deixar sequelas

pro resto da vida da criança ou adolescente, pois gerará um baixo nível de escolaridade, logo

um baixo nível de salário.

Acreditamos que com estas medidas os indicadores de desenvolvimento social serão

mais positivos, por consequência serão ampliadas as formas de inserção ocupacional e

aumentarão as chances de termos trabalhadores obtendo salários mais elevados na vida adulta.

PROCESSO DE COISIFICAÇÃO: DO SER AO TER DA CRIANÇA

EXPLORADA

O Sistema Capitalista tem seu estopim com a queda do Sistema Feudal, no fim da

Idade Média. A partir de então, o panorama social das coletividades que o aderiu vêm

sofrendo transformações essencialmente no que diz respeito à mão-de-obra e o trabalho. O

capitalismo, inicialmente chamado de mercantilista, traz uma nova realidade para a sociedade,

principalmente a europeia, que se lançaram ao mar atrás de novas rotas comerciais com a

finalidade de por fim a hegemonia italiana (COTRIM, 1999):

O desenvolvimento do Capitalismo foi impulsionado pela expansão marítimo-

comercial da Europa, nos séculos XV e XVI. Dessa expansão resultaram o

descobrimento de novas rotas de comércio para o Oriente e a conquista e

colonização da América.

Contudo, o Capitalismo, quanto sistema econômico e social, alcança seu apogeu com

o fim da União Soviética, assim, se consolidando em todo o mundo.

Esse Sistema trouxe mudanças radicais aos grupos de indivíduos, destacando-se o modo de

trabalho. O Capitalismo, desde quando foi instituído, vem proporcionando uma instigação ao

ferimento de diversos princípios dos direitos humanos em detrimento da busca, incessante, de

mãos-de-obra, sejam infantil ou adulta, com a finalidade de mais lucros e, consequentemente,

seu acúmulo. Dentre essas mãos-de-obra se destaca a Escrava, que se solidificou na primeira

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fase do Capitalismo, o Comercial, e a Infantil. Essa será abordada de forma minuciosa

apresentando suas características conforme a fase do Capitalismo.

Como já foi exposta, a Primeira fase do Capitalismo é o Mercantilista ou Comercial.

Nesse momento, conhecido também de transição, é marcado pela chegada de um Sistema que

traz uma nova visão de mundo inclusive de trabalho. Trata-se da concepção escravocrata.

Vários africanos saem de sua terra natal, para um lugar distante, como escravos, obrigados a

trabalharem em grandes fazendas, nas terras recém “achadas”.

João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p.165) afirma que o Capitalismo

Comercial “foi o período das Grandes Navegações e descobrimentos, das conquistas

territoriais e também da escravização e genocídio de milhões de nativos da América e da

África”.

Essa realidade, considerada altamente desumana, trata-se, apenas, do início de uma era

de exploração, pois, com o acúmulo de capital, através das explorações das colônias

europeias, eclodem uma nova fase do Capitalismo.

Essa fase, o Capitalismo Industrial, muda parcialmente às características da anterior.

Não é mais lucrativo o trabalho escravo, uma vez que é necessário o trabalhador ganhar um

salário, para, o mesmo, gastá-lo nas compras de mercadorias produzidas por ele. Não

obstante, essa fase se confunde com a Revolução Industrial que, a partir de então, acompanha

todo o processo evolutivo do Capitalismo. Essa Revolução ocasionou um grande êxodo rural

na Europa, essencialmente na Grã-Bretanha. A população rural estava se direcionando para a

urbana, atrás de emprego, e, também, fugindo da política dos Cercamentos. Desse modo,

ocorreu um inchaço da zona urbana, ocasionando graves problemas na mobilidade urbana,

saúde e o pior, a explosão da mão-de-obra infantil. Não era do interesse dos grandes donos

das indústrias, que nasciam, terem prejuízo quanto ao pagamento dos salários.

Com o aumento da produção industrial, a partir de meados do século XIX, as fábricas

passaram a necessitar de matérias primas, de energia, de mão-de-obra e de mercados para seus

produtos. (MOREIRA; SENE, 2009, p.167)

Os empresários queriam pagar pouco, mas os funcionários tinham que trabalhar muito.

Por isso, era mais viável o Trabalho Infantil, pois, assim, tinham altos lucros e, ainda por

cima, gastariam pouco com esse tipo de mão-de-obra, de certa forma, considerada

desqualificada. Nesse momento, de Revolução Industrial, a Inglaterra fervendo com as novas

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invenções, ficava incoerente falar em Direitos Trabalhistas. Assim, não existia lei proibindo o

trabalho infantil, como também, se destacava os piores meios de trabalhos. Muitas crianças

eram submetidas a trabalho árduo, sem protetores e sem um tempo definido resultando em

muitas horas de trabalhos.

Diante desse contexto, fundamenta-se que o Capitalismo trouxe uma nova forma de

exploração – a alienação – (MÉSZAROS, 2006) com o intuito de proporcionar o aumento

excessivo de lucros, excluindo o bem-estar de seus trabalhadores, ignorando suas idades e

exaltando o ganho exacerbado que, na maioria das vezes, é o resultado do trabalho de pessoas

que verdadeiramente deveriam estar estudando e brincando. Porém, não se falava nisso, já que

o capitalismo conseguiu usurpar as mentes dos indivíduos daquele momento afirmando que o

lucro é o verdadeiro sentido da vida, não importando o meio de obtê-lo (PERROT: 1996).

O Jovem operário entra então de vez na idade adulta? Seguramente não. Ele requer

proteção e controle. Proteção: segundo a lei de 1841(na Inglaterra), até os dezesseis

anos é proibido fazê-lo trabalhador aos domingos e mais de doze horas por dia. A lei

de 1892 estabelece a interdição do trabalho noturno e de descida ao fundo das minas

até dezoito anos, e limita a jornada dos menores de dezesseis anos a dez horas. Após

dezoito anos, o regime é o dos adultos(...). Quanto ao controle, (...) as famílias

cessam de trata-los como crianças, não lhes são mais infligidos castigos corporais e

podem ficar com uma parte do seu salário.

Esse mecanismo de exploração foi estudado e analisado por Karl Max, um dos

maiores pensadores do século XIX. Marx desenvolveu um conceito, chamado de Mais-Valia.

Nele, conseguimos extrair a verdadeira essência do Capitalismo, principalmente como o

trabalhador, inclusive o infantil, é visto e como o mesmo é golpeado tanto na estrutura do

trabalho quanto no seu próprio salário que é seu único meio de sobrevivência. De acordo com

João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 167).

A toda jornada de trabalho corresponde uma remuneração, que permitirá a

subsistência do trabalhador. No entanto, o trabalhador produz um valor a mais do

que recebe na forma de salário, e a quantidade de trabalho não-pago permanece em

poder dos proprietários das fábricas, lojas, fazendas, minas e outros

empreendimentos. Dessa forma, em todo produto ou serviço vendido está embutido

esse valor, que, entretanto, não é transferido a quem o produziu, permitindo o

acúmulo de lucro pelos capitalistas.

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Com esse trabalho infantil e engrandecedor dos donos das indústrias, ocorreu, enfim

um acúmulo de capital acarretando o surgimento de uma nova fase do capitalismo, o

Financeiro, possuidor de novas características, mas continua em parceria com o Industrial, até

mesmo no que diz respeito ao trabalho infantil. Desde a implantação do Capitalismo, ficou

visível que o trabalho infantil sempre esteve presente. As crianças foram vítimas do

Capitalismo Comercial, Industrial e, agora, o Financeiro. Elas são submetidas a trabalhos que

as reduzem a uma mera coisa, barata e ao caminho para se alcançar o capital e satisfazer a

luxuria dos capitalistas.

O Capitalismo Financeiro é consequência do desenvolvimento das indústrias, além de

suas fusões e incorporações. Surgindo, então, os monopólios. Esses monopólios estão

vinculados ao novo imperialismo, um tipo de colonização moderna. Como bem desenvolve

João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 170). “Foi nesse contexto do capitalismo

que ocorreu a expansão imperialista europeia na África e na Ásia”.

Na verdade, esse monopólio não se limita somente as indústrias, porém, aos

indivíduos. Desde o começo do Capitalismo, houve o aumento gradativamente das

desigualdades sociais, o surgimento de classes que sobressaem as outras impondo sua cultura

e seu poder sobre as demais. Nesse momento, o homem está hipnotizado com o capital, ele

somente se preocupa com o lucro e, assim, esquece-se de “SER” humano, começando a

pisotear os outros, inclusive, as crianças.

É concreto, que existe algo em comum em todas as fazes do Capitalismo, o capital.

Durante todo o processo evolutivo desse sistema, o acúmulo de capital sempre foi à base para

as transições e, também, para a própria existência do capitalismo. Nesse contexto, torna-se

mais do que necessário usar de todos os mecanismos possíveis para conseguir acumular

lucros. Desse modo, vimos que durante a fase mercantilista, o trabalho escravo foi de

fundamental importância para alcançar tais lucros. Por outro lado, durante as fases industrial e

financeira o trabalho infantil toma o lugar do escravo. As crianças, nesse momento além de

serem obrigadas a trabalhar um número de horas indefinidas, não possuíam nenhuma

segurança no trabalho e estavam submissas a uma área de total desconforto sem higiene e

propícia a contrair diversas doenças. Vale ressaltar, que por causa desse fato, nasce a luta da

classe proletariado, em busca de melhorias tanto no salário quanto na estrutura dos trabalhos.

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E por fim, existe a fase do Capitalismo Informacional. Esse, o mais atual, está

vinculado a globalização, merecendo destaque o avanço na propagação das informações e,

criticamente, a imposição da cultura norte-americana sob os diversos países do mundo.

Mesmo, com um capitalismo tão avançando e, inclusive, com o advento de direitos

fundamentais que protegem as crianças proibindo o trabalho infantil, ele ainda perdura.

Segundo Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick (1999, p.271):

No Brasil, o artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a contratação

de menores para trabalho noturno, perigoso, insalubre e penoso.(...) Mas o uso

indiscriminado da mão-de-obra infantil e adolescente, no Brasil, vem demonstrando

o quanto as leis em nosso país estão longe de se tornar realidade.

Hoje, falamos em um trabalho escravo, quando se referimos a esse tipo conduta social.

Nesses Estados, existe uma nova colonização que vai além da que ocorreu na Idade Moderna,

nessa há um imperialismo cultural (HOBSBAWM, 2011), econômico, informacional e social,

consequências da globalização. João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 175)

afirmam que “a globalização é o atual momento da expansão capitalista.

UMA POSSÍVEL CONCLUSÃO?

A questão em debate, atualmente, está além da imposição do trabalho de crianças

pelos grandes capitalistas, como foi um dia. Hoje esse meio de produção está relacionado com

a desigualdade que o capitalismo criou. Especialmente, nos países subdesenvolvidos e

emergentes, onde o trabalho infantil se solidifica a cada dia.

Um Estado soberano, em termos de capital, sobrepõe aos outros sua cultura destruindo

completamente todas as áreas sociais desse Estado que não passa de emergente. É Nele, que o

trabalho infantil é árduo, as crianças são obrigadas a trabalharem para conseguirem a

alimentação, vestimenta ou algo análogo, pois seu país não possui política social que tente

amenizar esse tipo de trabalho, uma vez que o mesmo está debaixo das garras dos grandes

Estados Globalizados, que subtraem toda sua riqueza, como é o caso dos países africanos

perdedores de suas riquezas naturais para os imperadores globalizados e ficando debaixo de

miséria, sem política social e proporcionando uma verdadeira seara de trabalho infantil,

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muitas vezes piores do que as proporcionadas pelas primeiras fábricas da Revolução

Industrial.

Para encontrar outra, dessas realidades, não é preciso ir longe. É somente olhar para o

Estado Brasileiro, possuidor de diversas normas, Estatuto da Criança e do Adolescente,

defensor dos Direitos Humanos, porém um berço do Trabalho Infantil. Nesse caso, ele

assemelha, muitas vezes, com o trabalho escravo que é realizado em canaviais ou, até mesmo,

em semáforos. Mesmo, nosso país possuindo políticas para por um fim a tal fato,

infelizmente, não está resolvendo. Podemos afirmar que essa é mais uma herança do

Capitalismo que percorrem as “veias” e “artérias” do Brasil.

REFERÊNCIAS

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, 2010.

HOBSBAWM, E. J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Ed.

Forense Universitária, 5ª edição, 2003.

LIEBEL, M. A Will of their Own: Cross-Cultural Perspectives on Working Children.

Zed Books. New York, 2004.

MENDES, Roberto Teixeira apud Agência Brasil. Fórum Paulista de Prevenção e

Erradicação do Trabalho Infantil, em São. http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-07-

25/trabalho-infantil-atrapalha-desenvolvimento-da-crianca-diz-pediatra. Acesso em: 07

de set. de 2013.

MESZAROS, Istevan. A teoria de alienação em Marx. São Paulo: Boitempo Editorial,

2006.

MONTE, Paulo Aguiar do. Exploração do Trabalho Infantil no Brasil: Consequências e

Reflexões. Revista EconomiA. Setembro/Dezembro 2008.

OIT. A eliminação do trabalho infantil: Um objetivo a nosso alcance. Organização

Internacional do Trabalho. Brasília: 2006.

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1763

SILVA, Nelma. Jornal Pequeno, São Luís-MA.

http://jornalpequeno.com.br/edicao/2008/08/10/entrevista-exclusiva-nelma-pereira-da-silva/,

Acesso em: 08 de set. de 2013.

VIANNA, Segadas. Et al. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr,

1997, p. 974.

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A INTERDISCIPLINARIDADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL E A

PERCEPÇÃO DAS EQUIPES SOBRE A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL

Carmen Silva Alves27

RESUMO: Este trabalho busca expor a percepção das equipes multidisciplinares em relação à prática

do assistente social no campo da saúde mental, tomando por referência o novo cenário psiquiátrico

brasileiro, adaptado a realidade da cidade de Campina Grande no ano de 2009. O estudo de cunho

quati-quanlitativo compreendeu 07 serviços substitutivos, onde a temática foi dialogada com 27

profissionais de nível superior. Para coleta de dados, optamos pela observação participante com

aplicação de questionários com roteiro semiestruturado, além dos registros sistematizados em diário de

campo, com devida autorização dos participantes por meio do TCLE. Ainda utilizamos da pesquisa

documental e bibliográfica. A análise evidenciou que o re-ordenamento proposto institui a

participação do assistente social como ator prioritário na intervenção do objeto de desospitalização, ao

considerar que esta identidade profissional conglomera, entre outros fatores, a superação das

desigualdades sociais através de uma perspectiva crítica de cunho politizador, com vistas à

democratização dos direitos sociais. Os profissionais entrevistados consideram que o assistente social

consegue desempenhar suas funções em conformidade com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica,

tendo em vista a utilização do instrumental teórico-metodológico, consistindo como mediador de um

processo social de afirmação de direitos individuais e coletivos, sob a perspectiva da

interdisciplinaridade.

Palavras Chave: Serviço Social. Prática Profissional. Saúde Mental.

1 INTRODUÇÃO

O novo cenário da assistência psiquiátrica brasileira aponta para uma significativa e

necessária mudança na dinâmica cultural de construção das identidades específicas de cada

profissão. A partir desta percepção, reconhece-se que o assistente social também é desafiado a

construir novas abordagens que possam subsidiar e enriquecer sua prática.

Neste viés, reconhecemos que a prática do assistente social se encontra devidamente

ancorada no projeto ético-político, que vem sendo içado pela categoria desde a segunda

metade da década de 1970, resultante de uma construção coletiva, capitaneada pelos

interesses da classe trabalhadora. Este dispositivo valoriza a liberdade e a justiça social como

27

Mestre em Serviço Social UFPB; Faculdade Santa Maria, Cajazeiras/PB; Telefones: 83 8680 1848/ 83 9646

7208; E-mail: [email protected]

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núcleos éticos centrais. Assim sendo, a profissão de Serviço Social encontra-se abarcada por

uma dimensão político-econômica disposta sob as várias interfaces que compõem a questão

social.

Nessa perspectiva, a profissão assume o compromisso com a efetiva transformação de

uma sociedade justa e igualitária, primando pela autonomia, pela emancipação, pela liberdade

e pela plena realização dos indivíduos.

2 Equipes multiprofissionais, interdisciplinaridade e Serviço Social

Na oportunidade de vivência, bem como, na troca de conhecimentos junto às equipes

multidisciplinares compositoras da Rede de Saúde Mental (RSM) em Campina Grande-PB,

percebe-se que as diferentes categorias profissionais (médicos, clínicos e psiquiátricos,

enfermeiros/as, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, pedagogos,

farmacêuticos, educadores físicos e fisioterapeutas) enfatizaram a importância da atuação do

assistente social, porém reduzem seu papel a meros executores da parte “mais difícil” do

trabalho, informando que acionam o Serviço Social, como o articulador das informações,

supondo uma ação em segundo plano que “ajuda” a amenizar os conflitos sociais existentes

na realidade das famílias e dos usuários, transcritos no interior dos serviços. Observem-se,

pois, o relato abaixo:

“Eu acho assim, que o assistente social tem uma importância muito grande,

principalmente no vinculo a respeito da família do usuário né, porque assim, o

assistente social ele vai buscar informações sociais que é muito importante pra o

tratamento do paciente. Porque o paciente, quando ele chega aqui, ele não é só um

dependente [...], ele ta dentro dessa situação devido vários fatores da vida dele e a

maioria desse fator é o fator social, então, eu sempre quando falo assim aos

usuários a questão de saúde, eu digo assim: ‘saúde não dá pra se afastar do social’.

Porque uma pessoa que não tem o que comer, uma pessoa que não tem emprego,

uma pessoa que não ta vivendo bem, como essa pessoa vai ter saúde mental? Então,

o social é muito importante e a assistente social, através das orientações que ela

faz, através de todo esse contato com a família, as informações que ela traz pro

serviço, eu acho que ajuda muito no tratamento” (Profissional Enfermagem).

A falta de conhecimento sobre a importância da atuação dos assistentes sociais ante os

propósitos da Reforma Psiquiátrica (RP), não reside apenas no fato de lhes delegar agouros,

mas, sobretudo diz respeito ao reducionismo ao qual demarcam tal atuação.

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No entanto, há de se convir que a formação crítica conferida a esta categoria propicia a

demarcação de um terreno favorável à execução de sua prática, visto que, é no contato direto

do cotidiano com as questões da saúde pública e de realidades sociais distintas, que estes

profissionais demarcam um campo fértil à medida que executam sua praticidade ante as

particularidades de cada profissão, intermediando como essas questões são vivenciadas pelos

sujeitos nas problemáticas do dia a dia. Tal habilidade é vista por outras categorias como um

processo reducionista da função tática do assistente social, e demonstram o conhecimento que

tem sobre os papéis desempenhados pelo assistente social no interior dessas equipes.

“Como todos os outros profissionais, existem aquele trabalho em comum né, como

acolhimento, as visitas domiciliares, mas a gente aproveita as particularidades

dessa área, tipo essas questões mais sociais, de encaminhamentos, as próprias

visitas são mais particularidades das assistentes sociais, essas questões mais

relacionadas à família, elas resolvem com muito mais facilidade, elas tem uma visão

melhor” (Profissional Pedagogo)

“[...] Faz tudo! É a mesma coisa dos outros, é como eu, [...] eu atuo nas minhas

atribuições [...], mas também sou assistente social, então a gente aprende um

bocado, que essa questão de interdisciplinaridade você aprende o que é ser um

pouquinho de educador físico, aprende o que é ser um pouquinho de psicólogo, de

assistente social, é aquilo que você se amarra mais, se identifica mais, você sempre

tem um elo, mas você acaba aprendendo um pouco de cada coisa, tanto que quando

chega numa questão social, [...] eu posso resolver e resolvo, sabe? Eu digo: ‘eu fiz

assim!’ [Então, respondem] ‘Não, isso aí é que deve ser feito mesmo!’” Então é

isso, faz de tudo, é tudo” (Profissional Serviço Social28

).

Avalie-se, pois, que a ausência de conhecimento expresso nas falas expostas a respeito

das ações próprias do Serviço Social dá vazão à interpretação equivocada dos entrevistados.

Arbitrariamente incumbem os assistentes sociais de “tarefas” fora do âmbito integralista das

ações desenvolvidas nos serviços. Dessa forma, o resultado do envolvimento/interação entre

os profissionais CAPSianos e o Serviço Social se torna míngue, possivelmente desencadeante

de um retrocesso do que se pretende promover no campo interdisciplinar.

Nesse sentido, a interdisciplinaridade torna-se pontual, à medida que uma ação não é

desenvolvida a partir do entendimento e do relacionamento estabelecidos entre as

especificidades de cada área. Assim, tem-se as dificuldades que circundam esse meio não

encontre respostas para a superação de práticas preconceituosas, pouco resolutivas, envoltas

28

Esse profissional é formado em Serviço Social, porém, desempenha função gerencial nos serviços.

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por disparidades complexas, gerando, por assim dizer, o descaso, o aborrecimento, e

possivelmente, a desacreditação de uma efetiva reforma.

Sobre a interação interdisciplinar tecida entre os membros das equipes e os assistentes

sociais, relacionada em nível de desenvolvimento de ações colaborativas x conflituosas,

demonstram claramente que desconhecem a finalidade interativa do exercício interdisciplinar,

relegando-o a condição pessoal do outro, ao mesmo tempo em que reafirmam existir uma

relação de poder pré-estabelecida pelas funções delegadas aos assistentes sociais e as suas

próprias funções. Por assim dizer, vejam-se:

“Não. Ela é colaborativa. Mas todas as relações eu acho, que existe entre os seres

humanos são conflituosas, em alguns momentos, ela vai ser conflituosa (já que

todas falam) e cada um é um ser único, então são conflituosas, se houver uma

harmonia total eu não acho que essa relação é boa entende?” (Profissional

Enfermagem).

“[...] não tem essa ‘inter’, ela existe, mas assim, ela é conflituosa, porque às vezes a

gente tem uma visão diferente, né. Os psicólogos têm uma visão diferente, o

enfermeiro tem uma visão mais analítica, o médico tem uma visão mais médico-

clínica que entra na questão da medicina, então há uns conflitos, há, há conflitos

sim, na questão, na aceitação da idéia do social, então isso acontece... Então, a

gente sempre questiona uma coisa ou outra, mas que sempre chega a um

denominador comum [...]” (Profissional Psicólogo).

Sob pena de se relegar a meros julgamentos, faz-se necessário abordar as

considerações tecidas por Carvalho (2008) a respeito da base conceitual que cerca o

desenvolvimento das práticas interdisciplinares e que chama a atenção para “os riscos cada

vez maiores da ampliação da fragmentação do conhecimento, corroborando ao mesmo tempo

para um saber não comprometido com uma integração científica maior” (p. 25). Assim,

considera-se que só é possível falar de interdisciplinaridade a partir do momento em que essa

prática apresente uma reciprocidade de conhecimentos entre as especialidades, em busca de

apresenta soluções viáveis para um problema real.

A disciplina operada pelas instituições disciplinares tem a capacidade de articular os

indivíduos como um aparelho eficiente. Neste aparelho, o individuo torna-se um

elemento que pode se movimentar e articular com os outros. Da mesma forma, o

tempo de uns devem se ajustar ao tempo dos outros, de modo que as forças

individuais sejam aproveitas em toda sua potencialidade e combinadas para um

resultado comum e eficaz (CARVALHO, 2008, p. 26).

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Assim, entendemos que os processos históricos ocasionam sérias e constantes

transformações no interior das diferentes instituições, que por conseguinte, influem no

desenvolvimento de novas especializações constituídas ao longo de um processo

industrialmente capitalizado, que marcará o campo teórico das novas profissões insurgidas ao

longo do século XIX, niveladas basicamente pelas relações do poder disciplinar, que segundo

Carvalho se caracterizará “pela fragmentação do objeto e pela crescente especialização do

sujeito científico e o fechamento em moldes cada vez mais estanques e com forte poder de

coesão” (2008, p. 28).

Considere-se, pois, que a interdisciplinaridade representa uma ação de envolvimento e

integração entre profissionais, o que pressupõe um trabalho respeitoso baseado no

acolhimento e na realidade social. Por assim dizer, acredita-se que no âmbito da saúde mental,

o desenvolvimento de atividades em parceria se torna indispensável, visto que, a problemática

que circunda esse campo encontra-se permeada por diversos fatores engendrados no decorrer

de processos históricos, os quais envolvem aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais e

éticos presentes na constituição coletiva e individual dos sujeitos.

Quanto à abordagem das falas dos entrevistados, inquirindo se a atuação do assistente

social, neste meio está em conformidade com os princípios que regem a Reforma Psiquiátrica,

respondem:

“Eu acredito que sim. Eu acho que como todo, todo profissional que ta dentro desse

processo de reforma, como já falei, da questão de ser um serviço novo, a gente

também ta num processo de construção e de conhecer o serviço e de conhecer as

nossas limitações enquanto profissional. A assistência social, ela tenta abranger, da

melhor forma possível, o que a reforma psiquiátrica preconiza” (Profissional

Terapeuta Ocupacional).

“Olhe, eu acho que não vão de encontro aos princípios, mas também não tá. Eu

acho que 100% não tá. Agora assim, não é por culpa do assistente social, mas por

conta do próprio sistema entendeu? Aqui já foram mandados algumas vezes pro

Ministério da Saúde, pela a assistente social, projetos que ela fez na questão de

geração de renda, entendeu, e não foi aprovado. Ele sempre procura fazer serviços

que vai ajudar cada vez mais. Mas às vezes, é o sistema, sempre tem alguma falha

né, então assim, nada funciona 100%, mas assim, eu acho que as pessoas estão

buscando, fazer as coisas conforme a reforma, entendeu? Claro que pode não

conseguir fazer completamente, mas se tenta” (Profissional Médico).

De acordo com as falas, torna-se possível perceber que os princípios reformistas

permeiam o campo de atuação de cada profissional imbricado no processo, logo expõem

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limitações que ultrapassam as possibilidades de cada área. No entanto, não concebem que tais

limitações só podem ser sanadas por meio de um processo mais amplo, o qual diz respeito à

responsabilização do poder público.

Ante o exposto, fica claro que seguir e/ou efetivar os princípios reformistas não está na

base de um ou de outro profissional ou categoria específica, mas sim, no desenvolvimento de

ações em nível de políticas públicas que propiciem o acesso a uma assistência digna, ao

mesmo tempo em que se criem novas relações entre loucura e sociedade. Para tanto, não basta

apenas implantar diversos serviços de Saúde Mental, faz-se necessário, também, vinculá-los a

um modelo assistencial mais amplo assumido pelo poder público.

Por outro lado, os obstáculos que se apresentam na atualidade encontram entraves nas

formas que o poder político conduz tais questões. A esse respeito perguntamos aos

entrevistados como incide as interferências do poder institucional ante a dinâmica de relações

tecidas entre os membros das equipes e na definição de seus papéis, e quanto ao assistente

social, até que ponto submete-se a tal interferência, ao passo em que respondem,

“Interfere. Na questão da gestão, na questão do próprio... Daquela questão que eu

falei, da questão de equipe, né, que você, você sabe o que deve ser feito, você sabe

como deve ser feito, mas por força maior da hierarquia aí não pode [...] você vai

até onde seu limite dá, parou ali... Acho que isso é pra qualquer profissional, parou

ali, não pode pular daquilo, porque você vai ta desrespeitando a hierarquia,

independente de que esteja na gestão, ou a gestão maior, mas pára ali, você tem um

certo limite” (Profissional Pedagogo)

“Pra que o serviço caminhe da uma melhor forma possível é necessário que todos

os envolvidos nesse trabalho também estejam falando a mesma língua, entendendo

as dificuldades, às vezes acontece de muita coisa não tá ao nosso alcance, a gente

sabe que é dever da gente, mas não tá, a gente não pode fazer por questão de

gestão, a principal dificuldade que eu vejo nesse sentido é isso, muitas vezes o

gestor né, os nossos superiores não entendem as nossas dificuldades, então assim, a

gente sabe que tem alguma coisa pra fazer, a gente tá recebendo a ordem, mas não

pode executar por questões executivas mesmo ou institucionais. A dinâmica não é

compartilhada, a gente tem um entendimento e a gestão tem outro” (Profissional

Farmacêutico).

Ao mesmo tempo, reafirmam as controvérsias impressas pelos gerenciadores dos

serviços, que acabam por afetar o exercício profissional, não só do assistente social, mas de

toda a equipe, o que acaba por comprometer o desempenho dos serviços substitutivos. Então,

quando questionados sobre quais as interferências que incidem sobre a prática do assistente

social, relatam suas percepções:

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“Eu não sei se diretamente com ele com o assistente social, mas assim, que há

interferência há, até porque nunca a política, ou o político, tentam falar com um

membro da equipe ou alguma coisa, eles direcionam logo pra a coordenação e meio

que ditam o que deve fazer, e ela chega aqui e diz o que passa pra ela e o que a

gente tem que fazer na instituição” (Profissional Médico).

“Percebo. Assim, práticas que a gente é, somos “obrigadas” a fazer que são

totalmente contra os princípios da gente né, e do assistente social também, por

exemplo: a realização de, promoção de atividades que gerem renda dentro do

serviço público, que não é obrigação da gente, a gente sabe que tem recursos pra

ser mantido, mas a gente faz por uma questão política (quer dizer, a renda é

destinada ao serviço e não ao usuário?) não, renda pra manter coisas do serviço

público, que é obrigação da gestão” (Profissional Enfermeiro).

Como se pode perceber, as falas apontam para um suposto desconhecimento da gestão

em relação ao desenvolvimento de uma política pública destinada à saúde mental, visto que,

não incide sobre essa prática a promoção de um conjunto integralizado de ações que estejam

em conformidade com a dimensão político-institucional, a qual priorize as diretrizes da

reforma psiquiátrica.

Complementa-se que, quando o aparelho estatal não se constitui como um conjunto

articulado estrategicamente, de forma a envolver outros entes administrativos, pressupõe

ações limitadas de cunho paliativo, impossibilitando a atuação democrática não só do

assistente social, mas também dos demais profissionais inseridos nos serviços substitutivos.

Assim pode-se ver que as respostas inerentes a influência sofrida pela a equipe recaem

também sobre as relações interpessoais estabelecidas pelos membros da equipe. Considere-se,

pois, que as diferentes categorias profissionais inseridas no âmbito da saúde mental, não

devem servir de pretexto para o apego burocrático a uma única função. Há de se convir, que

uma equipe de saúde deva compor-se de profissionais de diferentes áreas, que busquem

garantir uma diversidade de trocas de suas experiências, almejando soluções viáveis e assim,

poderem enriquecer mutuamente.

Assim, pode-se apreender que o caracterizante no trabalho em equipe é a capacidade

de participar coletivamente da construção de um projeto comum de trabalho, num processo de

comunicação que respeite as experiências de cada especificidade e que propicie as trocas.

Nesse sentido, Siqueira (2007), apresentando os resultados de sua pesquisa realizada em um

serviço substitutivo, enfoca que:

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[...] a democratização das relações de poder na equipe [...] deveria acontecer em toda

a prática numa relação de comunicação e reciprocidade entre os vários profissionais

da instituição. Poderia ser compreendida por um trabalho em comum [...] já que a

implementação da política de saúde mental é compromisso não apenas do assistente

social, mas de todos da equipe (SIQUEIRA, 2007, p. 73-74).

Não é o que acontece necessariamente com as equipes inseridas no âmbito da saúde

mental. Talvez porque as profissões constituídas ao longo do desenvolvimento do saber/poder

psiquiátrico gerem no interior dessas equipes a insatisfação com o trabalho demandado, e ao

longo da história constituem-se como detentores desse saber/poder. Nessa pesquisa, observa-

se que essa insatisfação está presente nos serviços coordenados por profissionais da ortodoxia

“psi”, não apenas no campo de atuação do serviço social, mas fica patente que atinge a equipe

como um todo, atando-os aos moldes hierárquicos. No entanto, alerta-se, para o fato de que o

saber fechado, reduzido a uma postura freudiana ou lacaniana não responde, por si só, ao

emaranhado de problemas complexos que circunavega a realidade vivencial do sujeito em

sofrimento psíquico.

Assim sendo, passa-se a inquirir sobre a possibilidade de desenvolver o trabalho e as

ações sem a participação do assistente social, ao passo em que respondem unanimente que

não, reafirmando a significativa contribuição deste profissional, principalmente no que diz

respeito à abordagem familiar. Vejam-se os depoimentos abaixo:

“Não. Seria muito difícil o funcionamento do serviço sem este elo que é o assistente

social, entre família, usuário, equipe e serviços” (Profissional Terapeuta

Ocupacional).

“Acredito que não, pois o assistente social tem um papel importante no âmbito da

reforma, principalmente pelos fundamentos de resgate a cidadania, conscientização

de direitos/deveres, questões que fazem parte do dia-a-dia desse profissional”

(Profissional Médico).

Avalie-se que o reconhecimento impresso nas falas em relação à participação dos

assistentes sociais nos serviços de saúde metal é fruto dos impactos ocasionados pela postura

crítica deste profissional presente nas mais diversificadas dimensões que preceituam sua

atuação. Nesse sentido, Siqueira reforça que:

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A participação do assistente social no processo de construção da integralidade na

assistência a saúde e particularmente na saúde mental tem como desafio identificar o

conjunto das necessidades da população usuária, buscar alternativas conjuntas em

prol dos cidadãos mediante um desempenho crítico e competente capaz de fazer

frente aos desafios impostos pela profissão, nos rumos da preservação e ampliação

das conquistas democráticas na sociedade brasileira (SIQUEIRA, 2007, p. 53).

Guiados por essas premissas e tendo em mãos os aportes teóricos metodológicos

construídos ao longo da profissão, a saber: o Código de Ética Profissional, a Lei de

Regulamentação da Profissão e mais recentemente os Parâmetros de Atuação dos Assistentes

Sociais na Saúde, é possível acionar um leque de opções e alternativas para o

desenvolvimento de atividades e de possibilidades de inserção social deste público usuário.

Seguindo esse raciocínio, observou-se necessário questionar sobre em qual ação e sob quais

perspectivas a prática do assistente social deixa a desejar. E assim, responderam:

“O que deixa a desejar? Não sei. Não é bem o que deixa a desejar, mas às vezes ele

não pode colaborar tanto dentro do serviço, em função de um trabalho externo

participativo, extra-muros, como a gente diz né, fora do CAPS, que às vezes deixa a

desejar assim, porque não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, tem essa

questão, não é que estejam em grupos e mais grupos, nas oficinas, às vezes fica

impossível porque tem muita coisa realmente importante pra ser resolvida fora”

(Profissional Psicólogo)

“Eu acho que justamente o que passa por todos, é o saber fechado sem dar uma

abertura pra se discutir certas problemáticas, certas construções de soluções que

muitas vezes, isso atrapalha na abertura, eu acho que é no diálogo que muitas vezes

falta que muitas vezes não acontece, não quer dizer que é sempre, mas em alguns

casos isso acontece, de se fechar no seu saber, de não abrir pra outro profissional

que seria um encontro de solução junto” (Profissional Terapeuta Ocupacional)

Aqui fica claro, que ao contrário do que se preceituam os discursos em favor da

interdisciplinaridade, encontram-se barreiras na prática dos assistentes sociais, tanto quanto

nas práticas dos demais profissionais. No entanto, também deixa claro que tais

posicionamentos não são em decorrência da atuação limítrofe das especialidades, e sim, da

forma como os serviços estão organizados administrativamente.

Retomando o discurso sobre a interdisciplinaridade, poderemos que os impedimentos

nem sempre estão impressos propriamente pela postura profissional, mas enfatizam outros

aspectos, como os direcionamentos da gestão, as práticas cronificadas e individualizadas, as

falhas na formação, as posturas egocêntricas, o jogo do poder político.

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1773

Essa cronificação do saber/poder está presentes nas diferentes especialidades que

interagem no campo da saúde mental. A nosso ver, as representações da saúde e da doença

perpassam por condicionantes históricos que se caracterizam pelas relações de poder

constituídas, pela estruturação de sistemas, pelo modo de produção capitalista e pela

diversidade cultural do povo.

Assim, pode-se considerar que foi no transcorrer da história que se estabelecem

alternativas para trabalhar tais conexões, o que levou ao aperfeiçoamento de sistemas de

saúde e de práticas assistenciais. Tais características ao longo do tempo foram se

modificando, assim, ao se analisar esse movimento, verifica-se a verticalização dos

conhecimentos, a maior divisão do trabalho e a marcante fragmentação das ações em saúde

mental, que geralmente, se evidenciam na centralidade das ações, a cargo da coordenação

geral do município, assim como na falta de articulação a política com os meios de

comunicação e com a sociedade em geral, além disso, as estruturas dos serviços apresentam

condições insalubres para o desenvolvimento e manutenção das atividades por hora propostos,

conforme se apresenta nos discursos colhidos no decorrer desta pesquisa no âmbito da saúde e

da saúde mental do município em questão.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se, pois, que o exercício da prática dos assistentes sociais quando aplicados

à saúde mental, irá requerer o envolvimento e a contribuição das diferentes categorias

profissionais presentes no processo de desospitalização, bem como da própria instituição na

qual o assistente social está inserido. Assim sendo, a prática do assistente social carece ser

desenvolvido numa perspectiva de cunho interdisciplinar, que segundo Vasconcelos (2002), é

entendida “como estrutural, havendo reciprocidade e enriquecimento mútuo, com uma

tendência à horizontalização das relações de poder entre os campos implicados”, o que requer

negociações entre os assistentes sociais e demais profissionais da equipe, e vice-versa,

apontando para uma recombinação de valores profissionais internos com vistas a práticas

interdisciplinares. Porém, a efetivação dessa prática incorre em limites relacionados aos

processos históricos constituintes das diferentes categorias profissionais, o que ocasiona

restrições que dificultam sua realização, como bem expressa o referido autor:

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A proposta da interdisciplinaridade convive na prática com uma “sombra” espessa

de um conjunto de estratégias de saber/poder, de competição intra e intercorporativa

e de processos institucionais e socioculturais muito fortes, que impõem barreiras

profundas a troca de saberes e a prática interprofissionais colaborativas e flexíveis

(VASCONCELOS, 2002, p. 53).

Sob esse olhar, observa-se achados da pesquisa que o profissional de serviço social

preza pelo desenvolvimento de práticas interdisciplinares, sendo em sua maioria valorizados

pelas demais categorias de trabalhadores inseridos na RSM/CG. No entanto, fica claro que as

limitações impostas pela conjuntura nacional se interpõem sobre o cotidiano institucional,

inviabilizando a implementação de métodos e técnicas que propiciem a efetivação de práticas

interdisciplinares.

Dentre as dificuldades enfrentadas, vale destacar a ampliação das políticas de cunho

neoliberal que perpassa a sociedade brasileira desde a década de 1990, proporcionando o

“desmanche” das políticas sociais, desconstruindo direitos conquistados pelo povo, numa

ação antidemocrática, a qual pauta a saúde sob a perspectiva privatista, contempla entre outros

aspectos a redução de gastos, a focalização da oferta, a descentralização dos serviços,

sobrepondo-se as necessidades de saúde da população. Sabe-se, pois, que historicamente o

cotidiano do profissional de Serviço Social é marcado por obstáculos interpostos pela

conjuntura política e pela cultura institucional, sendo constantemente cobrado a tomar

providências pontuais e imediatas frente a situações relacionadas à problemática econômica e

social da população atendida nestes serviços. O que, não se modifica na área da saúde mental.

No entanto, Iamamoto (2005) nos chama a atenção para o fato de que, o profissional

de Serviço Social não trabalha sozinho. Para execução de suas funções o mesmo necessita

acessar um conjunto de estruturas que viabilizem ao usuário o acesso aos serviços, seja de

propriedade privada ou pública, de entidades filantrópicas, governamentais ou não

governamentais, nesse sentido a autora ressalta:

O assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte de um

trabalho combinado ou de um trabalhador coletivo que forma uma grande equipe de

trabalho. Sua inserção na esfera do trabalho é parte de um conjunto de

especialidades que são acionadas conjuntamente para realização dos fins das

instituições (IAMAMOTO, 2005, p. 64).

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Portanto, se faz pertinente ressaltar que cabe ao assistente social efetivar sua prática de

acordo com os propósitos do projeto ético-político da profissão, em busca de respostas às

demandas resultantes das desigualdades sociais decorrentes do desenvolvimento histórico da

sociedade capitalista. Como consequência desse reconhecimento, aponta-se a relevância da

interdisciplinaridade e a necessidade de interação de outras esferas do conhecimento,

alargando o debate para espaços externos à prática restrita do campo do Serviço Social.

Tem-se, pois, que, embora existam entraves no cotidiano institucional, no que diz

respeito às barreiras existentes mediante a inabilidade da gestão em lidar com um conjunto de

ações complexas presente nesse tipo assistência, observou-se que é possível desenvolver e

vivenciar a interdisciplinaridade, embora de forma fragmentada e pouco clara para alguns

profissionais – conforme se vê nos relatos descritos –, porém, acabam executando ações

interdisciplinares sem, no entanto se darem conta de que o fazem.

Portanto, chega-se ao final das nossas considerações, entendendo que as limitações e

tensões postas pela conjuntura políticas do país, ocasionam desfalques para a efetivação da

Reforma Psiquiátrica, porém não a inviabilizam, sendo extraordinariamente importante a

participação do assistente social no interior destas equipes, posto a importante mediação que

exerce entre os diferentes níveis de assistência em defesa dos direitos sociais e de cidadania

destes usuários historicamente excluídos.

REFERÊNCIAS

ALVES, Carmen Silva. O Serviço Social na rede de saúde mental em Campina Grande –

PB: limites e possibilidades da prática profissional à luz da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

(Dissertação de Mestrado) – UFPB/CCHLA - João Pessoa, 2009.

BISNETO, J. A. Serviço Social e Saúde Mental: uma análise institucional da prática.

Cortez: São Paulo, 2007.

CARVALHO, R. N. As (im) possibilidades da prática interdisciplinar no programa saúde

da família em Campina Grande-PB: uma análise a partir da vivência dos profissionais do

distrito IV. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. UFPB/CCHLA João Pessoa, 2008.

CRESS - Coletânea de Leis - Lei de Regulamentação da Profissão. Lei nº 8.662/93. 16ª

Região, Maceió/AL: Gestão 2002/2005.

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1776

IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação

profissional. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.

SIQUEIRA, M. Z. A prática profissional do Serviço Social e a integralidade na

assistência a saúde. Dissertação de mestrado – UFPE. CCSA. Serviço Social, 2007.

VASCONCELOS, E. M. Práticas interdisciplinares em saúde mental e estrutura das

políticas sociais. In: ROSA, L. C. dos S. Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da

subjetividade e da interdisciplinaridade. 2ª ed. – São Paulo: Cortez, 2002.

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A TRAJETÓRIA DO EMPREGO FORMAL FEMININO - UMA ANÁLISE DA

INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO E EXTRATIVA MINERAL CEARENSE (1990-

2000)

Isabela da Silva Valois29

Rosane da Silva Valois30

RESUMO: No Brasil, a participação da mulher no mercado de trabalho se intensificou a partir da

década de 1970, num contexto de expansão econômica e acelerado processo de urbanização

brasileiro. Apesar da crise dos anos 1980, a escalada do trabalho feminino não foi interrompida. No

entanto, a rápida abertura comercial expôs a indústria nacional à concorrência internacional nos anos

1990, configurando um violento processo de ajustamento, reduzindo o número de trabalhadores na

indústria brasileira, com reflexos na ocupação feminina. Nesse cenário, o Ceará apresentou uma

inflexão na condução de sua política econômica, a partir de 1987, o que se refletiu positivamente na

dinâmica econômica e no desempenho do emprego formal estadual de 1990 a 2000, particularmente

no setor industrial. Como resultado verificou-se que o pioneiro ajuste fiscal, atrelado à uma política de

atração de investimentos dinamizaram a economia estadual, que apresentou elevação do PIB e do

número de empregos industriais. Neste cenário a mão-de-obra feminina foi favorecida em relação a

quantidade de mulheres empregadas, porém, elas ainda se concentram em setores tradicionalmente

femininos (setor de calçados e têxtil e vestuário) e, apesar de terem mais anos de estudo e estarem

teoricamente mais preparadas que os homens, a significativa incorporação da mulher no mercado de

trabalho cearense, não é acompanhada da diminuição das desigualdades salariais entre os sexos, pois

elas ainda enfrentam barreiras significativas quanto à ascensão profissional e ganham

sistematicamente menos que os homens, até quando ocupam cargos equivalentes, têm mais anos de

estudo e enfrentam a mesma jornada de trabalho.

Palavras-chave: Emprego, mulher, indústria.

1. INTRODUÇÃO

Para Marx (1994), a produção capitalista efetivamente começa quando trabalhadores deixam

de trabalhar para si mesmo e passam a vender sua mão-de-obra aos detentores dos meios de produção.

E, pela soma da força de trabalho, forma-se uma espécie de aglomeração que irá produzir de maneira

cooperativa.

29

Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri – URCA; Professora Substituta do

Departamento de Economia da URCA; e-mail: [email protected] 30

Graduanda em Direito pela Universidade Regional do Cariri – URCA; e-mail: [email protected]

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É nesse estágio de cooperação, que segundo Veblen (1964), o homem abandona o instinto

predatório intimamente ligado à exploração do que é novo ou inconquistado (inexplorado), ou o

substitui por um instinto construivo-produtor (embora ainda subjugado ou regido por leis predatórias

superiores), que por meio da força, instituiu a propriedade privada, na qual a mulher constituía parte

desta propriedade, e um objeto frágil com o qual as relações deveriam ser limitadas e distantes, além

de ser dedicadas a elas, tarefas rotineiras e vulgares que inspiravam fraqueza do gênero, imposta pela

forma com que foram conquistadas:

A luta, juntamente com outros trabalhos que envolvem um sério elemento de

exploração, se ressume em empregar homens fisicamente aptos; o trabalho diário e

rotineiro do grupo é entregue às mulheres e aos fracos [...]. A fraqueza, ou seja, a

incapacidade de explorar é desprezada. Uma das primeiras conseqüências desta

depreciação da fraqueza é um tabu em relação à mulher e ao seu trabalho (VEBLEN,

1964, p. 51-52).

A posição de objeto, ocupada há milênios pelas mulheres, foi transmitida de uma cultura para

outra, ao longo do lento passar do tempo, no qual errôneas idéias a respeito deste gênero se

solidificaram pelo hábito do pensamento predatório-combativo dos homens, que embora reduzidos,

lideravam os fracos e os comuns, servindo como modelos para todos os grupos humanos:

[Eles imprimiam o pensamento de que] o contato excessivo com as mulheres era

“cerimoniosamente errado para os homens”. Isto “durou e foi transmitido a culturas

posteriores, significando falta de valor ou incapacidade levítica das mulheres; por

isso, até hoje, achamos impróprio as mulheres se igualarem aos homens ou

representarem a comunidade em qualquer relação que exija dignidade e capacidade

representativa” (HUNT, 1981, p. 356).

Mas, com o surgimento do instinto construtivo-produtor e seu posterior desenvolvimento

estimulado pelo capitalismo, o instinto predatório foi se extinguindo de modo a atenuar a subjugação

da mulher, que iniciou uma escalada surpreendente no mundo do trabalho, em busca de independência

e da conquista de seu espaço na sociedade de modo que ela pudesse ser vista em relação ao homem

como igual no sentido de força, de trabalho, de renda e principalmente de direitos.

A inserção da mulher no mundo do trabalho é produto da própria tentativa de sobrevivência do

capitalismo, é fruto de sua reinvenção, ou seja, da reestruturação de suas formas produtivas em favor

sempre do capital, em detrimento do trabalhador. As transformações ocorridas entre meados do século

XVI e final do século XVIII são exemplos disso. Nesse período, onde a manufatura se desenvolve, e

as operações produtivas passam a constituir operações especializadas (parceladas), ocorrendo a

incorporação de inovações tecnologias (com a Revolução Industrial) como a introdução da maquinaria

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que veio simplificar ao extremo o trabalho manual artesanal, é que a mulher oficialmente aparece no

contexto do mundo do trabalho (dir-se oficialmente porque a mulher desde os primórdios sempre foi

obrigada a trabalhar seja por necessidade de se obter o sustento, seja pela cultura que impõe

obrigações ou tarefas caseiras, monótonas e diárias, embora não sejam consideradas atividades

econômicas, não sendo portanto, remuneradas, ou quando o são, o saldo obtido é tão ínfimo que não

pode sequer chamado de renda):

Nesse momento, em que a maquinaria acabou por tornar dispensável a força muscular do

trabalhador masculino (sendo substituída pela força motriz mecânica, a vapor ou hidráulica), abriu-se

espaço ao trabalho feminino (e ao infantil) nas primeiras indústrias. Mas essa inserção da mulher na

indústria desvalorizou o valor da mão-de-obra, fazendo com que elas tivessem que trabalhar muito

mais para alcançaram a remuneração de um homem adulto. Na verdade, as máquinas contribuíram

muito mais para aumentar a mais valia, do que para reduzir o tempo de trabalho humano, expondo

mulheres e crianças à exploração capitalista, aumentando a jornada de trabalho além dos limites

humanos (VALOIS, 2007, p. 20-21)

A primeira fase de introdução da mulher no mercado de trabalho foi também a mais extrema e

precária de todas elas. Nesse período, em que a indústria nascia com força, não apenas as mulheres,

mas também os homens eram submetidos a jornadas de trabalho subumanas e condições desumanas de

sobrevivência, pois quando não tinham família, dormiam amontoados em galpões sujos sem

saneamento básico, sem camas, sem privacidade, sem conforto, sem nada, vestindo trapos negros de

fuligem. Mas elas e principalmente elas, sofreram mais com a exploração devido ao peso do sistema

social patriarcal31

, dado que tinham que tinham que trabalhar muito mais que os homens, recebendo

muito menos que eles, tendo ainda que cumprir uma jornada dupla, que envolvia os trabalhos

domésticos e as responsabilidades de mãe. Devido à ausência de qualquer política de proteção ou

direito para a mulher, data-se desse período um dos maiores índices de mortalidade infantil de todos os

tempos, dado que extremamente ocupadas com o trabalho, as mulheres ficavam impedidas de cuidar

de suas crianças ou mesmo de educá-las, de modo que estas sofriam com a desnutrição, doenças,

acidentes e a própria marginalidade, quando não eram submetidas ao trabalho fabril que comumente as

exauria até a morte (MARX, 1994).

O trabalho nos campos e nas minas que também passou a ser enfrentado pelas mulheres que

não tinham acesso às cidades era igualmente difícil. Trabalhavam submetidas a regimes próximos à

escravidão, passando dias inteiros dentro das minas de carvão sem poder ver a luz, sob elevadas

temperaturas, e pouco oxigênio, dado que com a introdução do trabalho feminino nestas áreas, as

31

Regime da dominação-exploração das mulheres pelo homem (Saffioti, 1979).

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1780

galerias cavadas eram mais profundas e mais estreitas, alcançando distâncias que os homens jamais

poderiam ter alcançado. No entanto as mulheres não ganhavam mais por isso nem viviam em

condições melhores. Contrariamente, eram expostas a situações constrangedoras, tendo que dividir

galpões com os homens, e submetidas a toda e qualquer expressão de vulgaridade (MARX, 1994).

Com o passar do tempo, a intensificação do trabalho provocou reação da sociedade

que, depois de muitas manifestações, conseguiu com que a jornada fosse legalmente limitada

entre 1844 e 1850. Mesmo assim, já que para os capitalistas essa medida trazia prejuízo aos

lucros, o trabalho continuou intenso dado que, os capitalistas passaram a exigir do trabalhador

mais dinamismo e maior velocidade de trabalho num período mais curto, prejudicando a

saúde do operário e, por conseqüência, a própria força de trabalho, mas elevando a

produtividade ao mesmo nível do período anterior à limitação da jornada. Paralelo a isso,

lutas pela emancipação social e direitos humanos, trabalhistas, políticos e econômicos das

mulheres que já floresciam no século XVIII, em vários pontos da Europa foram fortalecidos a

partir do século XIX, principalmente nos Estados Unidos, onde foram registradas várias

manifestações protagonizadas por operárias de indústrias têxteis e de vestuário contra os

baixos salários, e as condições de trabalho, insalubres e perigosas, que eram motivo de graves

doenças e muitos acidentes.

Assim, o século XX foi marcado por fortes mudanças de paradigmas, tanto no âmbito

socioeconômico, como no campo das profissões. Nos países ocidentais, registrou-se o ingresso maciço

das mulheres no mercado de trabalho, caracterizado pelo avanço da escolaridade feminina, sobretudo

no nível superior de ensino, refletindo na ampliação do leque de profissões em que estas mulheres

começaram a se fazer presentes. As mulheres conquistaram, com dificuldades, sua parcela no mercado

formal de trabalho ao longo da história; mesmo assim, ainda enfrentam barreiras significativas quanto

à ascensão profissional e ganham sistematicamente menos que os homens, até quando ocupam cargos

equivalentes, têm mais anos de estudo e enfrentam a mesma jornada de trabalho.

No Brasil, a partir dos anos de 1970 fica evidente a ampliação da participação feminina no

mercado de trabalho. O crescimento significativo do Produto Interno Bruto - PIB durante o ‘‘Milagre

Econômico Brasileiro’’ (1968-73) aumentou consideravelmente a oferta de empregos industriais,

facilitando o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Essa tendência permanece durante toda a

década de 1970, quando são mantidos fortes investimentos no II Plano Nacional de Desenvolvimento

(II PND) e se consolida uma nova etapa do Processo de Substituição de Importações - PSI.

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1781

Na década de 1980, quando o Brasil teve que enfrentar a maior recessão de sua história, o

aumento da participação da mulher no mercado de trabalho desacelerou, mas não parou. A crise de

1981-1983, intimamente associada à situação das contas externas do país e ao segundo choque do

petróleo (1979), provocou uma reversão na tendência de crescimento anterior. O cenário de choques

externos expôs a vulnerabilidade da economia brasileira (quadro de inflação, crescimento da dívida

externa, elevadas taxas de juros, desestruturação do setor público), gerando necessidade de ajustes que

desaceleraram o crescimento econômico do país, refletindo-se no mercado de trabalho, notadamente

nos empregos industriais.

Nos anos 1990, quando a abertura comercial e financeira estimulou a entrada de

produtos importados e de capital estrangeiro, as condições de concorrência do mercado

interno sofreram alterações. As empresas nacionais foram obrigadas a implementar

``estratégias de sobrevivência``, através de novas técnicas de gerenciamento, baseadas

fundamentalmente na redução dos custos, estimuladas pela substituição da mão-de-obra por

máquinas e equipamentos. Observa-se, portanto, um processo de ajuste às condições impostas

pela concorrência internacional, marcado pela reestruturação produtiva, a qual associada aos

baixos investimentos e à terceirização da economia, provocou reflexos no mercado de

trabalho, causando desemprego da força de trabalho feminina. Apesar disso, a trajetória de

crescimento da incorporação da mulher no mercado de trabalho não foi interrompida, mas

modificada, pois detectou-se um envelhecimento da população feminina ocupada.

É importante enfatizar que as mudanças ocorridas atingiram a economia de forma

diferenciada, e seus efeitos, portanto, manifestaram-se diferenciadamente em níveis setoriais,

regionais, estaduais etc, na medida em que se observa, na economia nacional, uma forte

heterogeneidade entre os Estados da federação, os quais apresentam grandes assimetrias em

seus níveis de desenvolvimento e de integração às economias nacional e internacional.

Estudos como os de Melo (2002), Ikeda (2000) e Bruschini (1996), revelam que a redução do

emprego formal, verificada na economia brasileira, é ainda maior quando se trata do gênero

feminino, o que sugere ser esse segmento o mais atingido pelas transformações estruturais da

década de 1990.

No entanto, é justamente neste período, em meio a uma grave crise fiscal do Brasil,

caracterizada pela perda do crédito e aumento do déficit público, altas taxas internas de juros

e taxas de crescimento relativamente baixas – que o Ceará se destaca no cenário de

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estagnação nacional (com uma política fiscal pioneira, e políticas de incentivo à

industrialização). São observadas significativas alterações na dinâmica econômica do Estado

nos anos 1990, que são resultado do novo modelo de gestão implementado, tais como:

crescimento do PIB estadual superior ao crescimento do PIB do Brasil, com destaque para a

expressiva elevação do PIB industrial; aumento da participação do PIB estadual nos PIB

nacional e regional; significativo ganho da participação da indústria na geração de emprego ao

longo da década, em função da elevação no aumento do número de estabelecimentos

industriais implantados no período.

O cenário para esse comportamento da economia é um período de grandes mudanças

no modo de regulação do Estado. Desde a segunda metade da década de 1980, a partir da

primeira gestão do Governador Tasso Jereissati, uma nova estratégia de desenvolvimento

econômico começa a ser posta em prática no Ceará, envolvendo medidas de saneamento da

máquina estatal, forte contenção dos gastos públicos, enxugamento do quadro de pessoal,

além de uma política de incentivos fiscais e investimento em infraestrutura. O providencial

ajuste das contas públicas do Estado, permitiu que o Ceará revelasse um desempenho

financeiro acima do esperado. Como resultado, verifica-se equilíbrio das contas públicas,

disponibilidade financeira para investimentos em obras de infraestrutura econômica e obras

sociais que seriam capazes de alavancar o desenvolvimento econômico-industrial do Estado.

Ressalta-se que a indústria foi um setor fortemente atingido pelas transformações

estruturais da economia brasileira. Particularmente no Ceará, esse setor aumenta

consideravelmente sua participação na formação do PIB estadual. Assim, enquanto verifica-

se, em nível nacional, uma forte redução no emprego industrial, tendência mantida pelo

Nordeste brasileiro, o Ceará apresentou, nos anos 1990, considerável crescimento do emprego

industrial, criando 49.580 novos postos de trabalho na indústria (VALOIS; ALVES, 2006).

Numa análise mais qualitativa, apesar do crescimento no emprego formal, a

performance da indústria cearense em relação ao rendimento médio dos trabalhadores não se

mostra exatamente favorável, na medida em que se verifica uma queda nesta variável entre

1990 e 2000, diferentemente do observado na economia nacional. Assim, estão presentes na

indústria cearense níveis de salários extremamente precários, no ano 2000, por exemplo, 70%

dos trabalhadores industriais recebiam renda entre 1 e 2 SM (VALOIS; ALVES, 2006).

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Desta forma, identificam-se evidências de precarização nas relações de trabalho no

Ceará. Os dados revelam elevada rotatividade da mão-de-obra industrial, permanecendo

superior a já elevada rotatividade da indústria brasileira (VALOIS; ALVES, 2006).

Diante do exposto, dada a maneira ágil como Estado do Ceará reagiu ao cenário de

crise nacional e dada a tendência diferenciada apresentada pelo seu mercado de trabalho,

entende-se ser de fundamental importância a investigação de como a força de trabalho

feminina cearense se comporta dentro da dinâmica do emprego estadual. Considerando que

existem lacunas em relação a estudos que contemplem o comportamento dos gêneros em nível

estadual, é que se evidencia a relevância de uma análise das relações de gênero no seu

mercado de trabalho, tentando identificar os caminhos do emprego feminino no cenário de

transformações das economias nacional e cearense.

2. ASPÉCTOS METODOLÓGICOS

Escolhido a década de 1990 para estudo, quando transformações ocorridas no cenário

econômico do Brasil (crise fiscal, abertura econômica, reestruturação produtiva, etc.) fazem

com que as atenções se voltem para o Ceará que apresenta comportamento diferenciado dos

demais Estados nacionais, e tendo como objeto de análise a indústria, visto ser este setor

largamente atingido pelas modificações estruturais ocorridas na economia brasileira, as quais

forçam um processo de ajuste e reestruturação nos processo produtivos e na força de trabalho.

Trabalhar-se-á, para efeito deste estudo, apenas as indústrias extrativa mineral e de

transformação, dado que as mesmas contribuem com a grande maioria do emprego gerado

pelo setor.

A pesquisa em questão utiliza essencialmente dados secundários, obtidas junto aos

principais institutos de pesquisa, nacionais e estaduais (IBGE- Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística , IPECE – Instituto de Pesquisa Econômica Cearense, FIEC-

Federação das Indústrias do Estado do Ceará, etc), que trabalham com dados sobre o

comportamento da economia cearense e sobre mercado de trabalho de forma geral. O

tratamento analítico utilizado para a análise do mercado de trabalho tem como foco o setor

industrial, considerado aqui a partir dos dados da RAIS32 – Relação Anual de Informações

32

A RAIS fornece dados anuais cobrindo o setor formal em todas as regiões do país.

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Sociais, que se constitui em um registro administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego

– MTE, o qual fornece informações sobre o emprego formal em 31 de dezembro de cada

ano33, a partir do qual serão analisados dados sobre o mercado de trabalho industrial, com

destaque para a participação dos gêneros (em particular do gênero feminino).

3. OBJETIVOS

Analisar, o impacto das mudanças no mercado de trabalho formal da indústria

cearense na década de 1990, particularmente da indústria de transformação e extrativa

mineral, em relação ao gênero feminino.

4. PERFIL DAS TRABALHADORAS INDUSTRIASIS CEARENSES

A intensa abertura econômica, os baixos níveis de investimento e o processo de ajuste

e reestruturação produtiva observados na economia brasileira, tiveram reflexos nos níveis de

emprego da indústria nacional, prejudicando, consequentemente, a incorporação da mulher no

mercado de trabalho nos anos 1990.

Acompanhando a nova dinâmica econômica estadual, com o crescimento do produto e

dos postos de trabalho industriais, observa-se que a mão-de-obra feminina apresentou, ao

longo da década de noventa, um crescimento de 22.401 novos postos de trabalho (Tabela 1).

Essa quantidade de novos empregos representa uma taxa de crescimento de 4,76% a.a.

para o Ceará, superior à taxa de crescimento do emprego industrial feminino nacional, que

fica em torno de 0,78% a.a. negativos, com extinção de 116.063 postos de trabalho (Tabela 1).

Na análise do desempenho do emprego segundo o ramo de atividade (Tabela 2),

evidencia-se a grande concentração do emprego formal no setor de serviços cearense, tanto

para homens quanto para mulheres, repetindo o desempenho da economia nacional. No caso

feminino, a distribuição do emprego entre os ramos mostra-se mais desigual, com serviços

concentrando em torno de 70% da mão-de-obra estadual, tanto em 1990 quanto em 2000

(enquanto que para homens concentra em torno de 50% nos dois anos em análise).

Verifica-se que ao longo da década, enquanto no Brasil diminui o número de mulheres

na indústria (Tabela 1), no Ceará há uma maior incorporação da mulher nesse setor, que

33

Mesmo considerando as limitações desta base de dados, já que a mesma é formada por informações prestadas

pelas empresas, sendo, portanto, passíveis de erros, além de se restringir ao mercado formal de trabalho, dado o

volume de informações apresentadas pela base é possível captar vários elementos da dinâmica do emprego no

Estado.

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atinge 18,99% do contingente das trabalhadoras industriais em 2000. Apesar de também

crescer o número de trabalhadores masculinos na indústria, com uma média anual de 3,34%, o

crescimento da força de trabalho feminino mostra-se superior, atingindo 4,75% a.a. entre

1990 e 2000 (Tabela 2).

Dado que o foco de nossa análise é o setor industrial, é preciso verificar em que setor

da indústria a mão-de-obra feminina se concentra. Na tabela 3, é possível observar a evolução

da participação feminina pelo diversos setores industriais.

A maior parcela das mulheres no total de trabalhadores, em 1990, concentrava-se nos

setores de atividade que exigiam maior criatividade e manuseio, como a indústria têxtil do

vestuário e artefatos de tecidos (53,81%) – tradicionalmente, grande locus do trabalho

feminino. Assim, nesse setor, o contingente da força de trabalho feminina supera a masculina.

Destacam-se, ainda, com ocupação de um grande número de trabalhadoras as indústrias de

produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (43,52%), calçados (34,43%), indústria da

borracha e similares (33,91%) e indústria química de produtos farmacêuticos, veterinários e

perfumaria (31,69%).

Os menores percentuais de participação feminina estão nos ramos de atividade que

exigem, em geral, maior força física, como a indústria extrativa mineral (7,47%), indústria de

produtos minerais não metálicos (8,53%), indústria mecânica (8,48%), indústria de material

de transporte (7,52%) e indústria de madeira e do mobiliário (8,03%), onde o número de

trabalhadores masculinos ultrapassa 90% do total da mão-de-obra da indústria.

No final da década, a distribuição da mão-de-obra feminina não se altera muito,

estando basicamente concentrada nos setores considerados tradicionais. O maior percentual de

mulheres ainda é apresentado pela indústria têxtil (assim como para os homens), que criou

9.628 novos postos de trabalho para a mão-de-obra feminina (Tabela 4). Isso ocorre a

despeito do que se verifica em nível nacional, onde se observa um processo de “retração nas

indústrias tradicionais femininas (têxtil/vestuário), expressando a dramática reestruturação e

falência das têxteis nacionais ao longo do período” (MELO, 2002, p.37), sofrendo reflexos da

abertura comercial e sobrevalorização cambial do Plano Real, que destruíram milhares de

postos de trabalho nesse setor.

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Apenas nos setores minerais não metálicos, material elétrico, borracha e similares,

química e produtos farmacêuticos, e indústria de produtos alimentícios, houve retração na

mão de obra feminina, como mostram as taxas de variação negativa para estes setores. O

grande destaque fica por conta da indústria de calçados, que em 1990 empregava apenas 525

trabalhadoras e passa a empregar 14.269 em 2000. O setor calçadista, portanto, se destaca

como ramo que acolhe mais intensamente a trabalhadora industrial, dado o salto de absorção

de apenas 1,43% em 1990 para 24,01% em 2000, enfatizando a maciça transferência da

indústria de calçados para o Ceará, através do incrível aumento do número de empregos neste

setor (Tabela 4).

A Tabela 4 mostra, ainda, que setores tradicionalmente masculinos como a indústria

mecânica, a de madeira e a de material de transporte também apresentaram números

favoráveis em relação ao ganho de participação da mulher no mercado de trabalho,

comprovando o fato de que a automação industrial facilitou o acesso feminino a setores antes

predominantemente masculinos.

Outro atributo do emprego industrial feminino a ser analisado é a faixa etária (Tabela

5). O envelhecimento da mão-de-obra feminina empregada é um fenômeno que se tornou

tendência em nível internacional e também nacional, segundo recentes estudos sobre os

gêneros no mercado de trabalho.

O Ceará repete os números apresentados pelo Brasil em relação à idade das

trabalhadoras industriais. Observa-se que houve envelhecimento da mão-de-obra feminina,

passando a concentração das mulheres da faixa de 18 a 24 anos, a qual detinha 30,03% em

1990, para a faixa de 30 a 39 anos, com 34,12% em 2000. Também houve crescimento

significativo na faixa dos 40 aos 49 anos, que apresentava 3975 trabalhadoras em 1990,

passando a apresentar 7601 no ano 2000.

No Ceará, houve queda ao longo da década, nas duas primeiras faixas de idade, onde a

população mais jovem está inserida (menos de 18 anos). O envelhecimento da mulher na

indústria é, provavelmente, resultado do aumento do nível de escolaridade feminino, do

acesso a informações e métodos anticonceptivos, e do adiamento da maternidade. Por outro

lado, a redução nas faixas de menor idade pode significar a ausência/insuficiência de políticas

públicas de incentivo ao primeiro emprego, dificultando a entrada da mulher jovem no

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mercado de trabalho, que não tem como comprovar experiência profissional (BRUSCHINI;

LOMBARDI, 1998) e ainda, o aumento do número de matrículas e do tempo de permanência

na escola.

Já é consenso, na literatura nacional, que o número de anos de estudo é maior entre as

mulheres do que entre os homens34

. A Tabela 6 confirma esta afirmação, com o Ceará

repetindo a tendência nacional.

Entre 1990 e 1995, há uma certa oscilação, mas a partir de 1996 cresce

ininterruptamente o número de estudos para homens e mulheres. As mulheres têm mais tempo

de estudo e em todos os anos da década de 1990, superam o gênero masculino. Observa-se

que em 1993 há um pico de 7,95 anos médios de estudo para as trabalhadoras industriais

cearenses, que chegam nos últimos anos da década com uma média superior aos setes anos de

estudo.

Desagregando a análise para faixas de níveis de escolaridade, a Tabela 7 mostra que,

no Ceará, em 1990, os maiores percentuais de mulheres trabalhadoras da indústria

concentravam-se em faixas salariais que iam desde a 4o

série incompleta até a 8o série

completa. Entre 1990 e 2000, acompanhando a tendência nacional, há ganho de anos de

estudo, favorecendo o aumento do percentual de mulheres em faixas mais elevadas de

escolaridade (desde a 8o série incompleta até o superior completo). Observando as taxas de

variação, identifica-se uma variação negativa para faixas de escolaridade mais baixas

(Analfabeto à 40 série completa). Isto indica que vem reduzindo o número de mulheres pouco

instruídas, principalmente em relação aos homens, que apresentam variações negativas

menores, além de variação positiva na faixa de analfabetos. É também neste Estado que

ocorre a maior variação positiva de mulheres que possuem o nível superior completo,

superando até o nível nacional35

, apesar do número de trabalhadoras nessa faixa escolaridade

ainda ser pouco representativo.

Estes números são reflexos provavelmente da queda da taxa de fecundidade e da

evolução dos valores sociais femininos que permite que as trabalhadoras percebam que

mulheres mais instruídas e com menor número de filhos (ou que retardam a decisão de

34

O número de anos médios de estudo é calculado através de média ponderada que considera o ponto médio em

anos de estudo para cada faixa de escolaridade e seu peso relativo na estrutura de emprego. 35

Para dados relativos à indústria nacional, referidos neste trabalho, ver Valois e Alves (2006).

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constituir família) têm mais chance de competição com os homens no mercado de trabalho

(BRUSCHINI; LOMBARDI, 1998). Outra possível explicação para a elevação da

escolaridade feminina está na criação de políticas de incentivo à educação, que interiorizaram

o ensino superior estadual e federal, além de centros de ensino tecnológico e

profissionalizante.

5. QUALIDADE NO EMPREGO INDUSTRIAL FEMININO

Dentro de uma análise mais qualitativa do emprego industrial, a Tabela 8 revela a situação

precária da mulher na indústria cearense, a partir da análise do tempo de serviço na indústria.

Um dos indicadores que tem caracterizado a tendência de precarização das relações de

trabalho no Brasil é a elevada rotatividade da mão-de-obra. O argumento utilizado é que a alta

rotatividade diminui, por exemplo, os investimentos em treinamento da mão-de-obra, o que pode

prejudicar a produtividade, além disso, incentiva a informalização da economia (GONZAGA, 1998).

Esse alto nível de rotatividade é explicado, segundo Baltar (1996), pela facilidade que as empresas têm

de admitir e demitir mão-de-obra (adequando o número de empregados ao ritmo de produção e das

vendas – contratações sazonais), o que influencia na qualidade do emprego no Brasil.

Acompanhando a tendência nacional, observa-se no Ceará, a ampla concentração de homens e

mulheres na faixa que caracteriza menos de dois anos de tempo de serviço, caracterizando a elevada

rotatividade na indústria cearense. Ao longo da década de 1990, aumenta ainda mais a rotatividade

entre as mulheres, onde se verifica um percentual de 58,68% de trabalhadoras com menos de dois anos

de permanência no emprego em 2000 (enquanto os homens mantém essa participação relativamente

estável). Observa-se, ainda, a diminuição da concentração de mulheres em faixas de serviço mais

estáveis, como cinco anos ou mais de serviço, seguindo a tendência nacional (ver Tabela 8).

A análise da remuneração da indústria cearense vem confirmar os estudos já existentes, onde

se evidencia que a remuneração da mão-de-obra feminina é inferior à masculina (Tabela 9 ).

Isso está presente em todos os anos da década de 1990, na qual a remuneração média das

trabalhadoras não chega a alcançar dois salários mínimos (com exceção de 1993 e 1995). Nesse

variável, portanto, as mulheres enfrentam forte segregação em relação ao sexo masculino.

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Faz-se necessário chamar atenção que a grande maioria da mão-de-obra industrial cearense

recebe níveis salariais extremamente precários, conforme enfatizado anteriormente. Porém, a situação

das mulheres é ainda pior que a dos homens, já que se constata, em 1990, 58,38% de trabalhadores

industriais recebendo entre 1 e 2 salários mínimos (contra 44,48% de homens). As péssimas condições

salariais se agravam ainda mais nos anos 1990, quando esse percentual atinge 69,09% no ano 2000.

Enfatiza-se que esses percentuais são significativamente maiores que os apresentados pela indústria

brasileira. Na faixa de maior remuneração, apenas 3,38% das trabalhadoras recebiam acima de cinco

salários mínimos (SM) em 1990, percentual que se mostra ligeiramente pior em 2000, passando a

representar 3,28% (Tabela 10).

Os dados mostram que a maioria das mulheres sem instrução até ensino fundamental

incompleto (53,3%) e com fundamental completo até o ensino médio incompleto (42,4%) recebiam

entre 1 e 2 SM em 1990. A precária situação da mão-de-obra feminina em relação à salários piora

quando se comparam os dados de 1990 e 2000. Observa-se que aumenta a quantidade de mulheres em

todas as faixas de escolaridade recebendo entre 1 e 2 SM, percentuais que se mostram superiores à

concentração de trabalhadores masculinos nessa faixa salarial.

Em 2000, 64,5% das trabalhadoras com nível superior completo recebiam acima de 5 SM,

enquanto 83,5% dos homens eram remunerados na mesma faixa salarial. Portanto, embora as mulheres

se mostrem mais instruídas, essa vantagem comparativa não tem se revertido na diminuição das

desigualdades de rendimentos entre os sexos.

Ikeda (2000, p.104) chama atenção que muitas vezes a diferença entre os rendimentos de

homens e mulheres tem a justificativa de que estas se concentram “no mercado informal,

especialmente em serviços domésticos, cujo trabalho é tipicamente precário”. Porém, o que se

observou é que essa “segregação por gênero” está presente mesmo no mercado formal de trabalho,

como ficou evidenciado na indústria cearense.

Com isso, pode-se dizer que fazer com que o trabalho feminino seja financeiramente

reconhecido é um dos grandes desafios a ser enfrentado pelas mulheres, seja em nível nacional ou no

Ceará, já que elas passam mais tempo na escola e estão intelectualmente melhor preparadas que os

homens, e a tecnologia tem cada vez mais contribuído para que a força física não seja um empecilho

para a entrada e ascensão das mulheres no mercado de trabalho industrial.

6. CONCLUSÕES

Apesar de ser histórica a luta da mulher na tentativa de se inserir em atividades

remuneradas do mercado de trabalho, isto só corre maciçamente partir do século XX, depois

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1790

que a Revolução Industrial introduziu tecnologias poupadoras de força física na execução de

grande parte das atividades produtivas industriais.

Em nível nacional, isso se dá a partir dos anos 1970, principalmente devido ao rápido

processo de industrialização e urbanização do país durante o Milagre Econômico (1968 a

1973) e durante o II PND, na segunda metade da década de 1970. Nos anos de 1980, apesar

do cenário de crise (hiperinflação, aumento dos juros externos e internos, políticas ortodoxas,

etc.), a escalada da mulher no mercado de trabalho continua a se definir. Já a partir de 1990,

com os processos de abertura comercial (que elevou a concorrência no mercado interno),

reestruturação produtiva e terceirização, o emprego feminino vai ser afetado. Porém, dado o

modo diferenciado como as mudanças atingiram os Estados brasileiros, verificou-se que o

Ceará se destacou no cenário de estagnação, apresentando performance positiva do emprego

industrial.

De fato, depois que a tradicional política coronelista saiu de cena, abrindo espaço para

um “governo de mudanças”, o providencial e pioneiro ajuste fiscal, atrelado à uma política de

atração de investimentos (enfatizando a desconcentração industrial), transformaram o Estado

num ambiente atrativo para o investimento produtivo, o que se reflete na dinamização da

economia do Ceará. Os primeiros resultados do sucesso na transformação política e

econômica foram sentidos principalmente a partir de 1990, quando houve elevação do número

de indústrias que procuraram se instalar no Estado. Desta forma, observa-se considerável

crescimento do PIB (inclusive a taxa superior ao nível nacional, que cresce 2,65% a.a. na

década de 1990, enquanto no Ceará, esse crescimento é de 4,24%), além do aumento da

participação da indústria na composição setorial do PIB do Estado.

Enquanto, na economia brasileira, o processo de ajuste imposto ao setor industrial se

reflete na diminuição dos postos de trabalho feminino, no Ceará há um crescimento de

emprego industrial para a mão-de-obra feminina, que cresce a taxas superiores às masculinas.

Mas, apesar desse crescimento, as mulheres ainda são minoria no mercado de trabalho

industrial do Estado.

As mulheres cearenses ainda estão concentradas onde é tradicional a participação da

mão-de-obra feminina; o grande destaque fica por conta do setor calçadista, que apresenta

uma performance extraordinária na criação de postos de trabalho e onde é brutal a elevação da

participação feminina. Porém, as trabalhadoras industriais começam a ser mais nitidamente

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1791

acolhidas em redutos tradicionalmente masculinos, como a indústria mecânica, possibilitado

pela maior automação nesses setores industriais.

Os fenômenos do envelhecimento da força de trabalho feminina e do aumento da

escolaridade desse segmento, onde mulheres apresentam mais anos de estudo que homens,

observados em nível nacional, também se repetem na indústria cearense. Porém,

acompanhando a tendência nacional, as disparidades entre os gêneros revelaram-se enormes

quando se comparam os salários; observou-se que a representatividade feminina está

maciçamente concentrada nas faixas salariais mais baixas. Além disso, a remuneração média

das mulheres é inferior a dos homens em todos os anos da série analisada.

Desta forma, apesar das fortes dificuldades para o ingresso no mercado de trabalho,

quando a mulher tem que enfrentar “dupla jornada de trabalho” e “a conciliação das esferas

familiar e produtiva” (IKEDA, 2000), observa-se que a significativa incorporação da mulher

no mercado de trabalho cearense, não é acompanhada da diminuição das desigualdades

salariais entre os sexos.

Logo, pode-se dizer que na indústria cearense, o maior desafio para as mulheres ainda

é igualar as remunerações com o gênero masculino. As mulheres ainda enfrentam barreiras

significativas quanto à ascensão profissional e ganham sistematicamente menos que os

homens, até quando ocupam cargos equivalentes, têm mais anos de estudo e enfrentam a

mesma jornada de trabalho. Portanto, para que haja maior equidade entre homens e mulheres,

é preciso que se implantem políticas públicas específicas que possam reduzir, ou até mesmo

eliminar a discriminação entre os gêneros, visando garantir a valorização da mão-de-obra

feminina.

REFERÊNCIAS

BALTAR, Paulo Eduardo de A. Estagnação da economia, abertura e crise do emprego urbano

no Brasil. Economia e Sociedade, nº 6, jun/1996, Campinas: IE/UNICAMP. 1996.

BRUSCHINI, Cristina; LOMBARDI, Maria Rosa. O trabalho da mulher brasileira nos

primeiros anos da décadas de noventa. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 10,

1996. Caxambu, MG, Anais... Belo Horizonte: ABEP, 1996..

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GONZAGA, Gustavo. Rotatividade e qualidade do emprego no Brasil. Revista de Economia

Política, vol.18, nº 1(69), janeiro-março/1998.

HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1981.

IKEDA, Marcelo. “Segregação por gênero” no mercado de trabalho formal. In: Revista do

BNDES, vol.7, n.13, junho/2000, Rio de Janeiro: BNDES, 2000.

MARX, Karl. O Capital: crítica à economia política. São Paulo: Abril Cultural, vol.1,

livro I. 1984.

MELO, Hildete. O trabalho industrial feminino. Rio de Janeiro: IPEA. 2002 ( Texto para

discussão n0 764).

SAFFIOTTI, Helleieth. I.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis:

Vozes, 1979.

VALOIS, Isabela da Silva. O mercado de trabalho feminino na indústria cearense nos anos

de 1990. Crato: Departamento de Economia – URCA, 2007 (Monografia de Graduação).

VALOIS, Isabela da Silva; ALVES, Christiane Luci B. O mercado de trabalho cearense no

ambiente de abertura comercial dos anos 1990. Relatório técnico-científico do Projeto de

Iniciação Científica URCA/CNPq. Crato: URCA, 2006.

VEBLEN, Thorstein. The beginings of ownership. In: Essays in our changing order. Nova

Iorque: Augustus M. Kelley, 1964.

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1793

ANEXOS

TABELA 1: Ceará e Brasil - Taxa de Crescimento do Emprego Industrial Feminino

(1990/2000)

Anos Ceará Brasil

1990 37.805 1.544.401

2000 60.206 1.428.338

Tx. Cresc. 4,76 -0,78

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS.

TABELA 2: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado por sexo segundo o ramo de

atividade (1990/2000)

Ramo de atividade

1990 2000

Homens % Mulheres % Homens % Mulheres %

Industria 66.650 22,98 37.805 15,25 92.583 24,75 60.206 18,99

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1794

Construcao civil 19.519 6,73 1.079 0,44 26.184 7,00 1.562 0,49

Comercio 40.774 14,06 21.704 8,76 58.874 15,74 34.379 10,84

Serviços 142.604 49,17 174.802 70,52 187.392 50,10 219.476 69,22

Agrop. extr veg, caca e pesca 10.749 3,71 1.342 0,54 8.970 2,40 1.464 0,46

Outros/ignorado 9.745 3,36 11.137 4,49 0 0,00 3 0,0009

Total 290.041 100 247.869 100 374.003 100,00 317.090 100,00

Fonte: RAIS

TABELA 3: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado segundo sexo por setor da

indústria (1990/2000)

Setores

1990 2000

Homem

(%)

Mulher

(%)

Homem

(%)

Mulher

(%)

Extrativa mineral 92,53 7,47 94,18 5,82

Indústria de produtos minerais nao metálicos 91,47 8,53 94,03 5,97

Indústria metalúrgica 89,99 10,01 89,39 10,61

Indústria mecânica 91,52 8,48 87,31 12,69

Indústria do material elétrico e de comunicações 74,09 25,91 74,41 25,59

Indústria do material de transporte 92,48 7,52 88,77 11,23

Indústria da madeira e do mobiliário 91,97 8,03 88,8 11,2

Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica 78,95 21,05 76,45 23,55

Ind. da borracha, fumo, couros, peles, similares, ind.

diversas 66,09 33,91 74,42 25,58

Ind. química de produtos farmacêuticos, veterinários,

perf. 68,31 31,69 76,94 23,06

Indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos 46,19 53,81 41,29 58,71

Indústria de calçados 65,57 34,43 47,71 52,29

Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool 56,48 43,52 65,19 34,81

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1795

etílico

Total 62,08 37,92 59,38 40,62

Fonte: RAIS

TABELA 4: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado por sexo segundo setor da

indústria (1990/2000)

Setor da indústria 1990 2000

Tx. Variaçao

(1990/2000)

H*

% M**

% H*

% M**

% Homem Mulher

Extrativa mineral 1.735 2,89 140 0,38 2.556 2,94 158 0,27 47,32 12,86

Ind. de prod min nao

metálicos 5.759 9,59 537 1,46 6.757 7,78 429 0,72 17,33 -20,11

Ind. Metalúrgica 4.884 8,13 543 1,48 4.918 5,66 584 0,98 0,70 7,55

Ind. Mecânica 1.435 2,39 133 0,36 2.064 2,38 300 0,50 43,83 125,56

Ind. do mat. elétr. e comum. 1.021 1,70 357 0,97 983 1,13 338 0,57 -3,72 -5,32

Ind. do material de

transporte 689 1,15 56 0,15 1.075 1,24 136 0,23 56,02 142,86

Ind. da madeira e do

mobiliário 3.091 5,15 270 0,74 4.400 5,06 555 0,93 42,35 105,56

Ind. papel, papelao, edit.

Graf. 2.933 4,88 782 2,13 3.315 3,82 1.021 1,72 13,02 30,56

Ind. borr, fumo, cour., peles,

… 3.264 5,44 1.675 4,57 2.898 3,34 996 1,68 -11,21 -40,54

Ind. Quím.. Farm., veter.,

perf. 3.571 5,95 1.657 4,52 4.741 5,46 1.421 2,39 32,76 -14,24

Ind. têxtil vest. e

artef.tecidos

16.16

9

26,9

3

18.83

9

51,3

5

20.01

8

23,0

4

28.46

7

47,9

0 23,80 51,11

Ind. De calçados 1.000 1,67 525 1,43

13.01

8

14,9

8

14.26

9

24,0

1 1201,80 2617,90

Ind. prod. Alim., beb. e

álc.etíl.

14.50

0

24,1

5

11.17

2

30,4

5

20.14

3

23,1

8

10.75

7

18,1

0 38,92 -3,71

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1796

Total

60.05

1 100

36.68

6 100

86.88

6 100

59.43

1 100 44,69 62,00

Fonte: RAIS (* H = Homem;

**M = Mulher.)

TABELA 5: Ceará - Faixa etária por sexo na indústria (1990/2000)

Faixa etária 1990 2000

H % M H M

10 a 14 anos 42 0,07 23 0,06 5 0,01 3 0,01

15 a 17 anos 649 1,08 581 1,58 668 0,77 439 0,74

18 a 24 anos 15.830 26,36 11.017 30,03 25.330 29,15 16.378 27,56

25 a 29 anos 13.818 23,01 9.285 25,31 18.351 21,12 13.252 22,30

30 a 39 anos 16.684 27,78 10.443 28,47 26.334 30,31 20.277 34,12

40 a 49 anos 8.198 13,65 3.975 10,84 11.190 12,88 7.601 12,79

50 a 64 anos 4.052 6,75 1.044 2,85 4.756 5,47 1.455 2,45

65 anos ou mais 263 0,44 23 0,06 241 0,28 24 0,04

Ignorado 515 0,86 295 0,80 11 0,01 2 0,00

Total 60.051 100,00 36.686 100,00 86.886 100,00 59.431 100,00

Fonte: RAIS (H = Homem; M = Mulher.)

TABELA 6: Ceará - Escolaridade média por sexo na indústria (1990-2000)

Anos Homens Mulheres

1990 5,51 5,84

1991 5,67 6,19

1992 5,75 6,02

1993 6,42 7,95

1994 6,04 6,34

1995 5,95 6,47

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1996 5,90 6,12

1997 6,22 6,57

1998 6,54 7,10

1999 6,72 7,40

2000 6,86 7,58

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da RAIS

TABELA 7: Ceará - Faixa de escolaridade por sexo na indústria (1990/2000)

Faixa de

escolaridade

1990 2000

Tx. Variaçao

(%)

H % M % H % M % H M

Analfabeto 2.701 4,5 891 2,43 2.815 3,24 554 0,93 4,07 -37,82

4ª série incom.

15.19

8

25,3

1 8.704

23,7

3

11.13

7

12,8

2 3.705 6,23 -26,72 -57,43

4ª série com.

10.80

3

17,9

9 5.652

15,4

1 9.507

10,9

4 4.831 8,13 -12 -14,53

8ª série incom.

11.97

3

19,9

4 8.699

23,7

1

21.07

4

24,2

5

16.44

3

27,6

7 76,01 89,02

8ª série com. 7.764

12,9

3 4.887

13,3

2

18.20

4

20,9

5

14.55

8 24,5 134,47 197,89

2º grau incom. 3.547 5,91 2.574 7,02 8.190 9,43 7.111

11,9

7 130,9 176,26

2º grau comp. 5.447 9,07 3.951

10,7

7

13.25

4

15,2

5

10.60

4

17,8

4 143,33 168,39

Superior incom. 731 1,22 343 0,93 1.008 1,16 592 1 37,89 72,59

Superior com. 1.252 2,08 658 1,79 1.701 1,96 1.033 1,74 35,86 56,99

Ignorado 635 1,06 327 0,89 0 0 0 0 -100 -100

Total

60.05

1 100

36.68

6 100

86.88

6 100

59.43

1 100 44,69 62

Fonte: RAIS

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1798

TABELA 8: Ceará - Tempo de serviço por sexo na indústria (1990/2000)

Tempo de serviço

1990 2000

Homens (%) Mulheres (%) Homens (%) Mulheres (%)

Menos de 2 53,73 49,68 53,91 58,68

2 a 3 12,17 14,21 12,81 13,13

3 a 5 16,10 19,19 14,34 14,19

5 ou mais 17,86 16,83 18,,88 13,95

Ignorado 0,13 0,09 0,06 0,05

Total 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte:RAIS

TABELA 9: Ceará - Remuneração média por sexo na indústria

1990-2000 (em salários mínimos)

Anos Homens Mulheres

1990 2,67 1,57

1991 2,86 1,75

1992 2,86 1,73

1993 4,11 2,88

1994 3,18 1,98

1995 2,96 1,75

1996 4,60 2,69

1997 2,99 1,73

1998 2,91 1,83

1999 2,71 1,72

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1799

2000 2,60 1,64

Fonte: RAIS

TABELA 10: Ceará - Faixa salarial por sexo na indústria (1990/2000)

Faixa salarial

1990 2000

Homens % Mulheres % Homens % Mulheres %

Até 1 7275 12,11 5811 15,84 10127 11,66 6820 11,48

Entre 1 e 2 26949 44,88 21417 58,38 46937 54,02 41058 69,09

Entre 2 e 3 10345 17,23 4658 12,70 12315 14,17 4273 7,19

Entre 3 e 5 7131 11,87 1423 3,88 7297 8,40 3801 6,40

Acima de 5 6098 10,15 1239 3,38 8369 9,63 1.949 3,28

Ignorado 2.253 3,75 2.138 5,83 1.841 2,12 1.530 2,57

Total 60.051 100,00 36.686 100,00 86.886 100,00 59.431 100,00

Fonte: RAIS

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1800

ANALISANDO O PERFIL DOS ALUNOS COM O BENEFÍCIO

SOCIOECONÔMICO DA UFSM campus PALMEIRA DAS MISSÕES E SUAS

IMPLICAÇÕES NA REGIÃO A PARTIR DA EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA

Cassia Engres Mocelin36

Jaqueline Sganzerla37

Joice Liara Both38

Luana Hanauer39

RESUMO: O presente artigo teve como objetivo traçar o perfil dos alunos da UFSM campus

Palmeira das Missões que possuem Benefício Socioeconômico (BSE), também abordando a expansão

universitária no CESNORS e sua contribuição e importância para a região norte do RS. Como

metodologia utilizou-se uma abordagem quantitativa descritiva dos dados, que foram disponibilizados

e coletados no Núcleo de Apoio Pedagógico-PM, através da técnica da pesquisa documental, levando

em conta questões como o curso de graduação, profissão e escolaridade dos pais, região de origem,

renda familiar e renda per capita, dentre outras. Posteriormente, os dados foram analisados

estatisticamente. Os resultados apontaram que a maioria dos alunos advém da mesorregião Noroeste

do RS, são oriundos de escolas públicas, possuem pais com ensino fundamental incompleto e

agricultores. O estudo concluiu que a expansão universitária está contribuindo para a ampliação da

oferta do ensino superior público na região, conforme os dados quantitativos apontados acima e

também quando se referem à cidade de origem dos alunos. Em virtude dos dados de matrículas,

podemos dizer que houve considerável expansão do ensino superior público mediante a criação dos

cursos da UFSM-PM, abrindo-se vagas a parcelas da população às quais a possibilidade de graduação

era dificultada. Também podemos verificar uma transição sócioeducacional de uma geração para outra

considerando a escolaridade que os pais ou responsáveis dos acadêmicos tiveram.

Palavras-chave: Benefício Socioeconômico; Assistência Estudantil; Expansão Universitária.

INTRODUÇÃO E REFERENCIAL TEÓRICO

36

Assistente Social da Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões (UFSM-PM), Mestre

em Extensão Rural. [email protected] 37

Acadêmica do Curso de Enfermagem da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM

[email protected] 38

Acadêmica do Curso de Administração da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM

[email protected] 39

Acadêmica do Curso de Ciências Econômicas da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM

[email protected]

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1801

O sistema educacional brasileiro tem passado por um movimento no sentido de

democratização do acesso ao ensino superior, como é possível ser observado nos resultados

do Censo da Educação Superior (PACHANE E PEREIRA, 2004). Através do Decreto nº

6.096, de 24 de abril de 2007 foi instituído o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais (Reuni), sendo umas das ações integrantes do Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE) em reconhecimento ao papel estratégico das

universidades federais para o desenvolvimento econômico e social do país (BRASIL, 2007).

Dentre suas metas, o REUNI objetivava que através da expansão ocorra um acesso

democrático ao ensino superior público, aumentando o contingente de estudantes menos

favorecidos economicamente, assim como a elevação gradual da taxa de conclusão média dos

cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação

em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos (COSTA et al, 2009).

A necessidade de expansão da Educação Superior em nosso país é premente, visto

que, em média nacional, apenas 24,3% dos jovens brasileiros, com idade entre 18 e 24 anos,

têm acesso ao ensino superior. Com o Reuni, o Governo Federal adotou uma série de medidas

a fim de retomar o crescimento do ensino superior público (BRASIL, 2009).

Em 2005, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), através de seu Conselho

Universitário, aprovou a criação do Centro de Educação Superior Norte -RS (CESNORS)

com campus em Palmeira das Missões e Frederico Westphalen.

A expansão ocorreu no norte do estado do Rio Grande do Sul, em decorrência dos

baixos indicadores socioeconômicos da região, falta de oferta de ensino superior público e

gratuito neste território, e também para sanar as dificuldades decorrentes da grande distância

existente entre o extremo norte do Estado e as regiões onde estão localizadas outras

Instituições Federais, visando à expansão do ensino superior (UFSM/CESNORS, 2013).

Com a criação do CESNORS/UFSM perseguem-se duas metas, a interiorização da

educação pública e o estabelecimento de condições para a inversão do atual percentual de

alunos matriculados no ensino superior considerado muito baixo frente à demanda. O REUNI,

com a proposta de democratização do ensino superior público no Brasil, vem ao encontro do

aparato legal já instituído a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal,

quando a educação ganhou status de direito social, tornando-se assim, dever do Estado.

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1802

O ensino passou a ter como um de seus princípios a igualdade de condições para o

acesso e permanência. Nesse sentido, surgiu a necessidade de ações voltadas à permanência

dos estudantes, principalmente os que se encontram em vulnerabilidade social, através da

assistência estudantil.

As ações de assistência estudantil refletem a opção constitucional compreendendo a

educação superior pública, gratuita e de qualidade, como direito dos estudantes universitários,

tendo em vista a alocação dos recursos necessários às ações desenvolvidas, objetivando,

sempre, que os estudantes universitários em vulnerabilidade social também possam

desenvolver seus estudos com um bom desempenho curricular, minimizando o percentual de

abandono, trancamento de matrículas e evasão nos cursos de graduação e pós-graduação.

As ações de assistência estudantil fortalecem e complementam a proposta do REUNI,

considerando que não basta apenas incrementar o quantitativo numérico de vagas, mas

também pensar qualitativamente nesses alunos e na perspectiva social de educação. A

assistência estudantil está regulamentada pelo Decreto nº 7.234 de 19 de Julho de 2010, que

instituiu o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) representando um marco

histórico e de importância fundamental para essa questão.

Tais ações estão previstas no PNAES, Art. 4º, Parágrafo Único: “as ações de

assistência estudantil devem considerar a necessidade de viabilizar a igualdade de

oportunidades, contribuir para melhoria do desempenho acadêmico e agir, preventivamente

nas situações de retenção e evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras”

(BRASIL, 2010).

O PNAES tem como objetivos ampliar as condições de permanência dos jovens na

educação superior pública federal, democratizar a educação, minimizar os efeitos das

desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior,

reduzindo as taxas de retenção e evasão, e contribuindo para a promoção da inclusão social

pela educação (BRASIL, 2010). Na Universidade Federal de Santa Maria, as ações de

assistência estudantil são de responsabilidade da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis

(PRAE). O principal programa da UFSM que operacionaliza a Política de Assistência

Estudantil é o Benefício Socioeconômico (BSE) regulamentado no âmbito da UFSM através

da Resolução nº 005/2008, que possibilita aos estudantes a concessão da Bolsa Alimentação,

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1803

Bolsa Transporte, Moradia Estudantil, e também outras ações aos estudantes em situação de

vulnerabilidade social.

A Assistência Estudantil vem sendo executada na UFSM campus de Palmeira das

Missões através das ações desenvolvidas pelo Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP), órgão

setorial do campus que oferece apoio pedagógico e assistência estudantil, contribuindo com o

desenvolvimento, adaptação e permanência do estudante na universidade. A partir do

atendimento aos alunos, verificou-se a necessidade de sistematizar os dados cadastrais que

possuímos, para que além de conhecê-los, possamos também melhorar o atendimento

prestado, propor novas ações e avaliar os possíveis impactos de uma extensão universitária na

região e no perfil das famílias.

A justificativa do trabalho leva em conta que o diagnóstico/perfil dos alunos que

possuem o Benefício Socioeconômico pode subsidiar a exclusão, reformulação ou

implantação de novas ações de assistência estudantil na UFSM campus Palmeira das Missões,

considerando as especificidades e peculiaridades do CESNORS constituindo-se como um

campus de uma Universidade Pública fora da sua sede, mas que também demanda ações para

a permanência dos alunos que estão e que também chegarão.

A pesquisa teve como objetivo geral traçar o perfil dos alunos da Universidade Federal

de Santa Maria campus Palmeira das Missões que possuem Benefício Socioeconômico (BSE).

METODOLOGIA

Como metodologia a pesquisa foi do tipo quantitativo descritiva, conforme GIL (2007,

p. 44) as mesmas “tem por objetivo estudar as características de um grupo”. Em relação ao

método, será utilizado o estatístico, por meio deste é possível a redução de dados de natureza

social, política e econômica a termos quantitativos e permite também manipular

estatisticamente as relações dos fenômenos entre si, obtendo generalizações tanto sobre sua

natureza, ocorrência ou significado (MARCONI e LAKATOS, 2007).

A técnica utilizada na coleta dos dados foi a documental, através dos formulários dos

alunos que possuem o BSE, disponibilizados pela UFSM campus Palmeira das Missões,

disponibilizados através do NAP. A pesquisa documental se caracteriza pela coleta de dados

utilizando como fonte documentos escritos ou não oriundos de fontes primárias (MARCONI e

LAKATOS, 2007).

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1804

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A população foi os alunos que possuem o Benefício Socioeconômico nos anos de

2010 a 2013 (até o primeiro semestre letivo), totalizando 231 alunos. Dentre os resultados, o

estudo apontou que 87% dos alunos que possuem o BSE são do sexo feminino, e 13% do sexo

masculino, com as seguintes faixas-etárias, apresentadas graficamente a seguir:

Gráfico 1: Distribuição das idades dos alunos na data de solicitação do BSE- UFSM-

PM.

Fonte: elaborado pelos autores.

Os alunos são oriundos de escola pública de ensino médio 98,27%, e de escola

particular de ensino médio 1,73%, realizaram ensino fundamental em escola pública 99,14% e

0,86% fizeram em escola privada de ensino fundamental. Estão distribuídos nos seguintes

cursos de graduação presencial, conforme gráfico abaixo:

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1805

Gráfico 2: Distribuição dos alunos com BSE por cursos de graduação – UFSM-PM.

Fonte: elaborado pelos autores.

Os grupos familiares são formados em média por 3,45 pessoas por residência. Em

relação à responsabilidade pelo grupo familiar, 10,82% são realizadas pelos alunos, e 89,18%

pelos familiares, sendo que destes, 67,31% das famílias dos alunos que possuem o BSE, a

responsabilidade pelo grupo familiar foi atribuída a ambos os pais, 26,44% das famílias estão

sob responsabilidade das mulheres, enquanto que somente 2,88% das famílias são chefiadas

por homens, e 3,37% possuem outros familiares como responsáveis (tios, avós, etc.).

Quanto à escolaridade dos pais dos alunos, o gráfico a seguir nos dá o entendimento

através de percentuais que vão desde o analfabetismo até o ensino superior completo.

Gráfico 3: Distribuição da escolaridade dos pais dos alunos com BSE – UFSM – PM.

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1806

Fonte: elaborado pelos autores.

Em relação à profissão dos pais dos acadêmicos que possuem BSE, podemos verificar

as profissões e o percentual de cada, no gráfico abaixo:

Gráfico 4: Profissões dos pais dos alunos com BSE – UFSM – PM.

Fonte: elaborado pelos autores.

Com base no próximo gráfico, podemos observar a distribuição da renda total mensal

das famílias dos estudantes com BSE da UFSM – PM.

Gráfico 5: Renda familiar mensal total dos alunos com BSE – UFSM – PM.

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1807

Fonte: elaborado pelos autores.

O gráfico 6 especifica a renda per capita familiar dos alunos com BSE da UFSM

campus Palmeira das Missões.

Gráfico 6: Renda per capita familiar dos alunos com BSE – UFSM – PM.

Fonte: elaborado pelos autores.

Analisando os dados da cidade de origem dos alunos, percebe-se que 83,55% dos

alunos são oriundos da mesorregião da UFSM-PM, a Mesorregião Noroeste do Rio Grande do

Sul que apresenta 13 microrregiões. A UFSM-PM está localizada na microrregião de

Carazinho, mas apresenta em seu corpo discente, estudantes advindos de outras microrregiões

também pertencentes a mesorregião Noroeste, e alguns estudantes oriundos de outras

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1808

mesorregiões do Estado. O 7º gráfico apresenta em percentuais essa distribuição das

microrregiões de origem dos alunos com BSE – UFSM – PM.

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1809

Gráfico 7: Distribuição das microrregiões de origem dos alunos com BSE-UFSM-PM.

Fonte: elaborado pelos autores.

Em relação ao perfil do estudante que acessa ao benefício sócioeconômico pode se

dizer que o perfil que se sobressai a partir da análise dos dados é a estudante do sexo

feminino, mantida pelos pais, estudou em escola pública, tem renda familiar de 1000 reais a

1500 reais com grupo familiar, advinda de cidades da mesorregião Norte. Vale ressaltar que o

perfil é a característica mais presente em cada temática pesquisada.

CONCLUSÃO

Através desse estudo concluímos que a expansão universitária está contribuindo para a

ampliação da oferta do ensino superior público na região, conforme os dados quantitativos

apontados acima e também quando se referem a cidade de origem dos alunos.

Podemos inferir ainda que cerca de 34% dos estudantes são provenientes do campo ou

que os pais se relacionam com o campo através da agricultura. A partir do pesquisado

podemos questionar se a universidade contribui para o êxodo rural de jovens na região ou

garante a fixação destes estudantes nos seus municípios depois de formados, como

profissionais qualificados.

Também podemos verificar uma transição sócioeducacional de uma geração para outra

considerando a escolaridade que os pais ou responsáveis dos acadêmicos tiveram.

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1810

Em virtude dos dados de matrículas, podemos dizer que houve considerável expansão

do ensino superior público mediante a criação dos cursos da UFSM-PM, abrindo-se vagas a

parcelas da população às quais a possibilidade de graduação era dificultada.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto n. 6.096 de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos

de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm>. Acesso em:

25 de jul de 2013.

BRASIL. MEC/SESu/DIFES. Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão

das Universidades Federais. Reuni 2008 – Relatório de Primeiro. Ano, 2009. On Line.

Disponível em:

<http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=28>.

Acesso em 20 jul. 2013.

BRASIL. Decreto n. 7234 de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de

Assistência Estudantil – PNAES. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7234.htm>. Acesso

em: 25 de jul de 2013.

COSTA, A. M.; COSTA, D. M.; GOTO, M. M. M. Expansão da Educação Superior no

Brasil: uma análise descritiva dos Programas do Governo Federal. On Line. IX Colóquio

Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul, Florianópolis: 2009. Disponível

em:

<https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/37169/Expans%C3%A3o%20da%2

0educa%C3%A7%C3%A3o%20superior%20no%20Brasil%20Uma%20an%C3%A1lise%20

descritiva%20dos%20programas%20do%20governo%20federal.pdf?sequence=1>. Acesso

em 25 jul. 2013.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia científica. 6, Ed. São

Paulo: Atlas, 2007.

PACHANE, G. G.; PEREIRA, E. M. A. A importância da formação didático-pedagógica e

a construção de um novo perfil para docentes universitários. Revista iberoamericana de

educacion (Online), Iberoamérica, v. 33, n. 1, p. 1-13, 2004.

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1811

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. CENTRO DE EDUCAÇÃO

SUPERIOR NORTE – RS (CESNORS). Histórico. UFSM: 2013. On Line. Disponível em:

<http://www.cesnors.ufsm.br/index.php/institucional/historico> Acesso em 25 jul. 2013.

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1812

AS REPERCUSSÕES DA CRISE DO TRABALHO PARA O SERVIÇO SOCIAL

Maria Aparecida Vieira40

Suamy Rafaely Soares41

Géssica de Paula Lacerda42

Juliana Alves de Sá43

RESUMO: Atualmente alguns autores como Netto (2007) e Antunes (2003, 2009) fazem uma

discussão a respeito da relação entre Serviço Social e a categoria trabalho, ressaltando as disparidades

existentes quanto a aceitação da assistência social como forma de trabalho. Este artigo tem como

objetivo fazer uma discussão a respeito das transformações societárias advindas do processo de

acumulação do capital e o seu reflexo no trabalho do assistente social no mercado atualmente. Em

seguida, apresentaremos uma reflexão sobre as transformações na sociedade e a sua relação com a

crise do capital, assim como, as suas repercussões na sociedade brasileira. Tais discussões são

necessárias para que compreendamos que mesmo com uma absorção dos profissionais de Serviço

Social no mercado, ainda existam grandes taxas de desemprego e poucas melhorias nas condições de

trabalhos destes profissionais.

Palavras-chave: Trabalho. Crise do capital. Serviço Social

ABSTRACT: Currently some authors as Netto (2007) and Antunes (2003, 2009) make an argument

about the relationship between social work and work category, highlighting the disparities regarding

acceptance as a form of social work. This article aims to make a discussion about the societal changes

resulting from the process of capital accumulation and its reflection in the work of the social worker in

the market today. Next, we present a reflection on the changes in society and its relationship to the

crisis of capital, as well as their impact on Brazilian society. Such discussions are necessary for us to

understand that even with an uptake of Social Service professionals in the market, there are still high

rates of unemployment and little improvement in the conditions of work of these professionals.

Keywords: Job. Crisis of capital. Social Service

1. Introdução

40

Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; e-

mail [email protected] 41

Profa. Ma. do Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; e-

mail: [email protected]; 42

Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; e-

mail [email protected]; 43

Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; e-

mail, [email protected];

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1813

Este trabalho é o resultado de uma pesquisa sobre a metamorfose no processo de

constituição do capitalismo contemporâneo a partir das mudanças que ocorreram no mundo

do trabalho e suas consequências mais imediatas para a classe trabalhadora. As referências

bibliográficas utilizadas para a sua elaboração são compostas principalmente pelas obras do

autor Ricardo Antunes, sendo elas: “Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a

negação do trabalho” (2009), e o livro “Adeus ao trabalho?”, ensaio sobre as metamorfoses e

a centralidade do mundo do trabalho” (2003).

Na contemporaneidade existe uma discussão sobre a relação entre Serviço Social e a

categoria trabalho, uma polêmica que permeia a profissão quanto a ser considerado trabalho

ou não. Há uma discordância entre profissionais e estudiosos. Para alguns autores como

Yolanda Guerra (1995) e Marilda Yamamoto (1982) o Serviço social é trabalho, considerado

como uma profissão interventiva, pois, possui a finalidade de se utilizar de meios e

instrumentos para a intervenção em seu objeto ou matéria-prima, ou seja, a questão social e as

políticas sociais.

Por outro lado, autores como Sergio Lessa (2003) se embasam nos estudos de Marx e

Lukács para mostrar que Serviço Social não é trabalho. Na definição de Karl Marx só é

trabalho se acontecer à relação entre homem e a natureza, por isso que, nesse sentido, o

Serviço Social se enquadra como uma profissão em que não há a interação entre o homem e a

natureza para se realizar determinados trabalhos.

As transformações no mundo do trabalho foram marcadas decorrentes da crise de

produção e da forma de acumulação do capitalismo. Essas crises contemporâneas implicaram

e implicam em mudanças não apenas no mundo do trabalho, mas também na economia, na

cultura entre outros aspectos. Os projetos e sujeitos com as transformações e redefinições do

Estado e das políticas sociais, acabam desencadeando novas requisições e demandas ao

trabalho do assistente social. Desta dimensão surge um aspecto estrutural da crise do capital,

que resulta no conjunto de respostas imediatas à lógica do fim do capital e seus efeitos

negativos para o metabolismo social.

2. Trabalho: transformação da natureza e constituição do ser social

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1814

Na base da atividade econômica está o trabalho, é ele que torna possível a produção de

qualquer bem, criando valores que constituem a riqueza social. O trabalho é uma categoria

que além de indispensável para a compreensão da atividade econômica, faz referência ao

próprio modo de ser dos homens e da sociedade (LESSA, 2003).

As condições materiais de existência e reprodução da sociedade obtêm-se numa

interação com a natureza: a sociedade, através dos seus membros, transforma matérias

naturais em produtos que atendem às suas necessidades. Essa transformação é realizada

através da atividade a que denominamos trabalho. Portanto, o trabalho é um processo entre o

homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e

controla seu metabolismo com a natureza.

O trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se reduz ou esgota no

trabalho, no ser social desenvolvido, o trabalho é uma das suas objetivações. O ato de

produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho, é a partir do trabalho, em sua

cotidianidade, que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as formas não

humanas.

3. As repercussões da crise do trabalho

A crise do capital apresentou mudanças econômicas, sociais, políticas e ideológicas

que tiveram forte impacto no proletariado. Neste sentido, após um longo período de

acumulação de capital, ocorrido durante o apogeu do Fordismo44

e da fase keynesiana45

, o

capitalismo, a partir do início dos anos 1970, começou a dar sinais de um quadro crítico, cujos

traços mais evidentes foram: a queda da taxa de lucros; o esgotamento do padrão de

acumulação taylorista/fordista de produção; a crise do Welfare State e o incremento

acentuado das privatizações.

44

Fordismo é o nome dado ao modelo de produção automobilística em massa, instituído pelo norte americano

Henry Ford. Esse método consistia em aumentar a produção através do aumento de eficiência e baixar o preço do

produto, resultando no aumento das vendas que, por sua vez, iria permitir manter baixo o preço do produto. 45

A Escola Keynesiana ou Keynesianismo é a teoria econômica consolidada pelo economista inglês John

Maynard Keynes em seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (General theory of employment,

interest and money) e que consiste numa organização político-econômica, oposta às concepções neoliberalistas,

fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, com objetivo de

conduzir a um sistema de pleno emprego. Tais teorias tiveram uma enorme influência na renovação das teorias

clássicas e na reformulação da política de livre mercado.

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1815

Essa crise estrutural trouxe a implementação de um amplo processo de reestruturação

do capital, estruturado sobre o Taylorismo/Fordismo afetando fortemente o mundo do

trabalho. O Taylorismo/Fordismo caracterizado pela exploração intensa do trabalhador

baseava-se na produção em massa de mercadorias na indústria automobilística. Com a

organização do trabalho taylorista/ fordista criou-se um sistema que procurava delimitar o

campo da luta de classes, onde se buscava a obtenção dos elementos constitutivos do Welfare

State, ou Estado de Bem Estar Social que representou para o proletariado, a garantia de

‘seguridade social’, gerando direta ou indiretamente um salário, garantindo de algum modo o

direito ao trabalho, à moradia, à saúde, à educação, entre outros. Entretanto, o ciclo de

expansão e vigência do final da década de 1970 deu sinais de crise acentuando a luta de

classes.

As lutas por melhorias nas condições de trabalho e pelo controle social da produção

tiveram papel determinante no rompimento da separação entre elaboração e execução, uma

vez que reivindicaram uma maior participação do operariado na organização do trabalho.

Durante o período em que estiveram sob domínio dos trabalhadores, as empresas alteraram as

suas formas de funcionamento e reorganizaram-se intensamente. Percebeu-se então que, os

operários eram capazes de controlar o funcionamento das empresas, eles demonstraram que,

também, eram dotados de inteligência e capacidade organizacional, assim os capitalistas

compreenderam que poderiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação e a

capacidade de cooperação.

Como resposta do capital à confrontação do mundo do trabalho desenvolveu-se a

tecnologia eletrônica e os computadores, remodelando os sistemas de administração de

empresa, implantando assim, um novo modelo de produção conhecida como toyotismo46

, que

passou a vigorar o operário como polivalente e multifuncional capaz de trabalhar com

diversas máquinas simultaneamente. Portanto, com a derrota da luta operária pelo controle

social da produção inicia-se a retomada do processo de reestruturação do capital.

O ser humano tem idealizado em sua consciência a configuração que quer imprimir ao

objeto do trabalho antes de sua realização, isto ressalta a capacidade teleológica do ser social.

46

Toyotismo é o modelo japonês de produção, criado pelo japonês Taiichi Ohno e implantado nas fábricas de

automóveis Toyota, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, o novo modelo era ideal para o

cenário japonês, ou seja, um mercado menor, bem diferente dos mercados americano e europeu, que utilizavam

os modelos de produção Fordista e Taylorista.

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1816

De acordo com Antunes (2009), o trabalho é um ato consciente e, portanto, pressupõe um

conhecimento concreto de determinadas finalidades e de determinados meios, isto destaca, a

dimensão fundamental da subjetividade do ser, à dimensão teleológica.

Segundo Marx (apud Antunes 2009), o trabalho é o ponto de partida do processo de

humanização do ser social e ao se objetivar na sociedade capitalista torna-se degradado e

aviltado, em suma torna-se estranhado. O que deveria ser a forma humana de realização do

individuo reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído, isso mostra a

precariedade e a perversidade do trabalho na sociedade capitalista. Como resultante da forma

do trabalho na sociedade capitalista tem-se a desrealização do ser social como resultado do

processo de trabalho. Nesse caso, o produto aparece junto ao trabalhador como um ser alheio,

como algo alheio e estranho ao produtor e que se tornou coisa. Tem-se, então, que essa

realização efetiva do trabalho aparece como não efetivação do trabalhador. (ANTUNES,

2003).

Seguindo as ideias desses autores, dentro do modelo capitalista o trabalhador repudia o

trabalho, ou seja, não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece, mas se nega. O seu

trabalho não é, portanto, voluntário, mas compulsório, trabalho forçado, não é a satisfação de

uma necessidade, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. O

estranhamento, enquanto expressão de uma relação social fundada na propriedade privada e

no dinheiro é a abstração da natureza específica, pessoal do ser social, que atua como homem

que se perdeu a si mesmo, desumanizado. (ANTUNES, 2003).

No sistema capitalista tem-se que tudo é coisificado, ou seja, o individuo é tido como

mero objeto, completamente alienado. O capitalismo controla o processo de trabalho

extraindo o máximo de excedente da atividade do trabalhador, através da exploração da força

de trabalho e da intensificação do ritmo de trabalho.

4. Serviço social e processo de trabalho

O Serviço Social está inserido no processo de trabalho e consiste muitas vezes de

grandes divergências, primeiro por parte dos próprios profissionais, depois, entre os

estudiosos, criando uma linha divisória entre os que classificam o Serviço Social como

trabalho e os que não classificam a profissão nesta categoria.

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O Serviço Social consiste em uma especialidade do trabalho coletivo, sua atuação

como trabalho, cujo exercício profissional se dá mediante a inserção em processos de

trabalho. De acordo com Lessa.

O Serviço Social não se configura como um trabalho, pois não atua

diretamente com a transformação dos recursos da natureza necessários para a

reprodução social. Ele afirma que o Serviço Social se configura como um complexo

social, responsável pela organização dos indivíduos para o trabalho. (2001, P.18)

A relação de trabalhador assalariado do Assistente Social lhe enquadra na relação de

compra e venda de sua força de trabalho, e na sua inserção sócio institucional na sociedade.

Visto que estas relações de trabalho se transformam em relações desregulamentadas e

flexibilizadas no processo produtivo. Nesta perspectiva, a ação profissional se posiciona em

outra direção, pois agora o assistente social, também é um trabalhador assalariado, ou seja, ele

vende sua força de trabalho para intermediar as relações coletivas de trabalho.

No entanto, estas relações de trabalho envolvem os parâmetros institucionais e

trabalhistas que direcionam as relações de trabalho e estabelecem as normas que regulam as

relações coletivas nas instituições públicas e privadas. Identifica-se que a questão social se

constitui como a gênese da organização social do sistema produtivo, cuja função do assistente

social é trabalhar nos desdobramentos desta, visto que, busca seu respaldo na ética

profissional. Para isto, devem possuir grande flexibilidade frente às mudanças do cotidiano na

dinâmica da sociedade. Mudanças estas já vistas, como: o modo de vida, a cultura, as classes

sociais, o cotidiano, os valores, as crenças, e políticas.

No âmbito da sociedade capitalista o Serviço Social se gesta e se desenvolve como

profissão que tem como detentores e panos de fundo o fortalecimento do sistema capitalista

industrial e a expansão da urbanização. Tendo em vista que é diante desta efervescência do

capital e do acentuado processo de urbanização que emerge as respostas sobre as exigências

apresentadas pela realidade histórica, mas para tanto o maior contingente profissional vem das

camadas médias da sociedade que também sofre com os impasses da política econômica

amplamente desfavorável sobre os setores da sociedade.

No campo das relações sociais, o Serviço Social contribui para a construção de uma

sociedade que supere a contradição capital/trabalho, que despontencialize a questão social,

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pois, a intervenção profissional se consolida de forma diferenciada de acordo com o espaço

sócio-ocupacional no qual o assistente social está inserido. Diante desta perspectiva o Serviço

Social não atua de forma isolada com outros profissionais por está inserido em um processo

coletivo de trabalho para atender as demandas postas pelo sistema capitalista.

4. Considerações finais

Observamos que os aspectos societários na acumulação capitalista frente às formas do

processo de trabalho na sociedade, cujo tema tem como foco as repercussões que refletem a

crise do trabalho nas classes trabalhadoras, tiveram ainda têm repercussões em todo o

processo de trabalho, pois, abrangem todas as categorias profissionais dentro do processo

sócio histórico do capitalismo na contemporaneidade diante das crises do capitalismo.

Nesse contexto, consideramos que a crise do capital trouxe vários questionamentos

sobre o surgimento das lutas da classe trabalhadora em favor das expressões da questão social,

que levou a regulamentação da profissão de Serviço Social e o controle social da sociedade.

Referências

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mundo do trabalho. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2003, p.200.

__________________Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do

trabalho. 2. Ed. São Paulo: Bomtempo, 2009, p.287.

GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1995.

________________ A instrumentalidade no trabalho do assistente social.

http://www.cedeps.com.br/wp-content/uploads/2009/06/Yolanda-Guerra.pdf; Acesso em 10

de outubro de 2012.

IAMAMOTO, Marilda V. e CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no

Brasil - esboço de uma interpretação histórico metodológica. 2a. Ed. São Paulo: Cortez, 1982.

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LESSA, S. A materialidade do trabalho e o "trabalho imaterial". 2003

http://www.sergiolessa.com/artigos_02_07/trab_trabimaterial_2003.pdf Acesso em: 10 de

outubro de 2012

__________ A Ontologia de Lukács. Edufal, 1996.

NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992.

__________________Economia política: uma introdução crítica. 2. Ed. São Paulo: Cortez,

2007.

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AS TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E OS IMPACTOS NO ENSINO

SUPERIOR BRASILEIRO

Glaucia Maria de Oliveira Carvalho47

Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de problematizar a conjuntura de mercantilização do

ensino superior brasileiro, situando a política educacional num processo mais amplo de contrarreforma

estatal, direcionada pelo neoliberalismo, a política econômica dos organismos financeiros

internacionais. Essa conjuntura tem transformado a educação superior em um dos setores de

investimento mais lucrativos para o empresariado nacional e estrangeiro, mais nitidamente no âmbito

do ensino à distância. Na materialização do trabalho utilizamos como aspecto metodológico a reflexão

teórica, a partir da revisão literária e bibliográfica produzida no bojo da mais contemporânea produção

intelectual crítica. Por conseguinte, sob essas vias, consubstanciamos que a educação passa a ter dupla

função: produzir profissionais afeitos à lógica imperante e possibilitar a expansão desenfreada da

acumulação do capital.

Palavras-Chave: transformações societárias, neoliberalismo, reestruturação universitária.

Introdução

Nas últimas décadas o Ensino Superior brasileiro tem sido alvo de intenso processo de

mercadorização, vez que se coloca como orientação dos organismos multilaterais como

estratégia de expandir o acesso à educação aos setores mais pauperizados da população e

como mecanismo para dinamizar a economia dos países periféricos acometidos pela

conjuntura de crise do capital.

Nesta perspectiva, sumariamos as transformações societárias e no mundo do trabalho

que insurgem no final da década de 1970, direcionadas pela política econômica neoliberal,

que impacta diretamente no bojo das políticas sociais, entre elas, a política de educação, foco

do nosso estudo, que na transferência das atribuições estatais à esfera do mercado, deixa de

ser um direito e se torna um serviço, para o cidadão que pode consumi-lo.

Esse conjunto de iniciativas de desqualificação do repasse intelectual do conhecimento

no ensino superior, tem se tornado a pedra-de-toque da ofensiva neoliberal, vez que não sendo

mais prioridade do Estado, a educação passa a ter dupla função: produzir profissionais afeitos

à lógica imperante e contribuir para a expansão desenfreada da acumulação do capital.

47 Universidade Estadual da Paraíba-UEPB (Mestranda em Serviço Social), TELEFONE: (83) 9611-7135, E-

MAIL: [email protected]

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Para o empresariado da educação, o ensino privado seja ele presencial ou,

especialmente, na modalidade à distância, se tornaram um dos nichos econômicos mais

lucrativos para o capital, implantado através do discurso antidemocrático da oportunidade e

do fácil acesso.

Por conseguinte, à luz do pensamento crítico dialético, o texto pretende analisar a

reforma da educação superior brasileira, enquanto um movimento inserido na dinâmica

complexa de crise do capital e os rebatimentos desse processo na construção de uma

universidade que deve atender aos anseios imediatos do mercado/capital.

As transformações societárias contemporâneas

Partindo do pressuposto que o trabalho é uma das categorias da obra marxiana que

permite analisar no plano ontológico e reflexivo as relações sociais estabelecidas na dinâmica

da sociedade capitalista, busca-se compreender as novas configurações do mundo do trabalho

e, por conseguinte, a dinâmica imposta ao ensino superior.

O trabalho é a categoria fundante do homem enquanto ser social e é a partir dele que o

ser humano desenvolve suas potencialidades, portanto, a relação que este estabelece de

interação com a natureza, para a satisfação de suas necessidades, é a condição material de

existência e reprodução da sociedade (NETTO; BRAZ, 2010, p. 30).

Assim, o percurso que nos detemos a assinalar corresponde às transformações

societárias que ocorreram durante a década de 1970, marcado pelo fim dos “anos de ouro”48

do capital e seus desdobramentos na contemporaneidade.

Por conseguinte, o referido contexto é permeado por uma brusca mudança na atuação

do Estado e na esfera da produção/trabalho mais diretamente. Demarca, pois, uma ruptura

com o modelo de Bem Estar Social que se desenvolveu durante o final da Segunda Guerra

Mundial e perdurou até o início da década de 1970.

Neste sentido, a conjuntura onde predominava as altas taxas de crescimento do capital

em seu estágio monopolista, atrelado à intervenção do Estado, sob a inspiração das ideias de

Keynes, e a organização do trabalho industrial fundamentado no taylorismo-fordismo, no

48 Expressão utilizada pioneiramente por Hobsbawm em sua obra Era do Extremos: o breve século XX, para

caracterizar os anos de expansão capitalista durante o pós Segunda Guerra Mundial, até a crise do capital em

1970.

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âmbito dos países capitalistas centrais (SERRA, 2008, p. 203, ANTUNES, 1999, p. 36-37),

seria substituída pelo modo de “acumulação flexível” (HARVEY, 2009).

A autora Rose Serra (2008, p. 202-203) afirma que a expansão da pragmática

neoliberal se constituiu como o pilar da transformação estrutural desse período, uma vez que

as alternativas de enfrentamento à crise vieram sob as formas de privatizações e desregulações

de todo tipo, da economia às relações trabalhistas, do mundo financeiro às regulações fiscais.

Essa realidade vem derruir as conquistas da classe trabalhadora, uma vez que a

garantia do pleno emprego e de políticas sociais universais são substituídos pelas formas mais

bárbaras de precarização da vida social, traduzidas no “desemprego estrutural” e nas

“políticas sociais de cunho focalizado, fragmentado e seletivo” (BERHING; BOSCHETTI,

2011, p. 156).

Sob essa perspectiva, Netto e Braz (2010, p. 214) remetem que a “onda longa

expansiva” pela qual passou o capitalismo durante esses trinta anos gloriosos, foi substituída

por uma “onda longa recessiva”, onde as crises passaram a ser dominantes e não mais

superficiais. Ademais, as consequências segundo os autores foram drásticas:

[...] A taxa de lucro, rapidamente, começou a declinar: entre 1968 e 1973, ela cai, na

Alemanha Ocidental, de 16, 3 para 14, 2%, na Grã-Bretanha, de 11,9 para 11,2%, na

Itália de 14,2% para 12,1%, nos Estados Unidos, de 18,2 para 17,1% e, no Japão, de

26,2 para 20,3%. Também o crescimento econômico se reduziu: nenhum país

capitalista central conseguiu manter as taxas do período anterior. Entre 1971 e

1973, dois detonadores [...] anunciaram que a ilusão do “capitalismo democrático”

chegava ao fim: o colapso do ordenamento financeiro mundial, com a decisão norte-

americana de desvincular o dólar do ouro (rompendo, pois, com os acordos de

Bretton Woods que, após a Segunda Guerra Mundial, convencionaram o padrão-

ouro como lastro para o comércio internacional e a conversibilidade do dólar em

ouro) e o choque do petróleo, com a alta dos preços determinada pela Organização

dos Países Exportadores de Petróleo/OPEP. (NETTO; BRAZ, 2010, p. 213, grifos

originais)

O capital no marco dos monopólios implementa, portanto, uma estratégia política de

desconstrução dos direitos sociais, acusando o movimento sindical e as políticas sociais de

serem os responsáveis pela desestruturação dos gastos públicos nos anos de vigência do

Welfare State, “essa ideologia legitima precisamente o projeto do capital monopolista de

romper com as restrições sociopolíticas que limitam a sua liberdade de movimento” (NETTO;

BRAZ, 2010, p. 227).

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Deste modo, a “satanização do Estado” (NETTO, 2000, p. 17), consubstancia-se como

estratégia fulcral do capitalismo na implementação das reformas estruturais orientadas pelos

organismos multilaterais (FMI, BM), reformas que vêm perdendo o seu sentido etimológico,

de conquistas de direitos, e passando a representar a supressão dos mesmos, por isso

caracterizado pelos intelectuais críticos49

de contrarreforma50

.

Contrarreforma que tem início no processo de privatização pela qual passou o aparato

estatal, na sua intervenção econômica direta, onde este “entregou ao grande capital, para

exploração privada e lucrativa, complexos industriais inteiros [...] e serviços de primeira

importância [...]” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 228).

Conforme Antunes (1995), após a crise econômica vivenciada pelo capitalismo, foi

gestado um novo padrão de produção, baseado na lógica destrutiva de flexibilização das

relações trabalhistas, desde a contratação da força de trabalho às condições de objetivação do

mesmo.

Por conseguinte, a reestruturação produtiva, propiciada pela implementação do modo

de produção toyotista e seu modelo de acumulação flexível51

, encabeçada pelas demandas

econômicas do referido contexto, passam a expressar e também exigir a flexibilização dos

direitos do trabalho, como meio de aumentar os mecanismos de exploração da força de

trabalho.

Dessa forma, Antunes (2008) afirma que:

As mutações que vêm ocorrendo no universo produtivo em escala global, sob o

comando do chamado processo de globalização ou de mundialização do capital, vem

combinando, de modo aparentemente paradoxal, a “era da informatização”, através

do avanço tecnocientífico, com a “época da informalização”, isto é, uma

precarização ilimitada do trabalho, que também atinge uma amplitude global.

(ANTUNES, 2008, p. 48-49)

49

Netto e Braz (2010), Berhing (2008) entre outros. 50

Termo utilizado por Behring (2008) e incorporado ao presente texto, posto que traduz o significado real da

conjuntura político-econômica regida pelo neoliberalismo classificada de “reforma” e, da qual comungamos, que

expressa, pois, “uma forte evocação do passado no pensamento neoliberal, bem como um aspecto realmente

regressivo quando da implementação de seu receituário, na medida em que são observadas as condições de vida

e de trabalho das maiorias, bem como as condições de participação política.” (p. 58-59). 51

Para Harvey (2009, p. 140) “A acumulação flexível [...] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho,

dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos,

novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente

intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.”

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Compreendemos, consequentemente, que as mudanças contemporâneas do trabalho

originam-se de um momento histórico, caracterizado pela mundialização da economia

marcada pela hegemonia do capital financeiro e pela revolução tecnológica e científica, as

quais proporcionaram o estreitamento de laços internacionais e a dependência cada vez maior

dos países considerados subdesenvolvidos aos desenvolvidos.

Sob esse prisma, Netto e Braz (2010, p. 233-235) remetem que a financeirização passa

a constituir o sistema nervoso do capitalismo, posto que reflete a instabilidade e os

desequilíbrios da economia nessa terceira fase do estágio imperialista, ao mesmo tempo que

evidencia como os países dependentes e periféricos tornaram-se exportadores de capital para

os países centrais.

Nessas vias, a ofensiva do capital sobre o trabalho tem impactos severos na vida da

massa trabalhadora, tornando-os sujeitos expostos à subcontratação, à jornada de trabalho

temporária, flexibilização do trabalho, informalidade, terceirização, ou seja, “[...] é somente a

restauração de formas de exploração de homens e mulheres que o próprio capitalismo

parecia ter superado” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 237, itálicos não originais).

É marcante neste contexto, uma desenfreada transferência das responsabilidades

estatais à sociedade, uma lógica de transformar o cidadão portador de direitos em “cidadão-

consumidor”52

(MOTA, 2008, p.115), satisfazendo suas necessidades no mercado, fazendo

insurgir também as organizações do chamado “Terceiro Setor”53

, no apelo ideológico do

Estado movido pela participação e solidariedade social.

Tais aspectos demarcam um caldo de cultura que reconfigura nitidamente a

transferência de investimentos do fundo público para a esfera privada, nos termos de Netto:

um Estado mínimo para o social e máximo para o capital (2007, p. 81; 2009, p. 25).

Os impactos da implementação da ideologia neoliberal nas economias capitalistas

periféricas tiveram suas peculiaridades, uma vez que alguns países como é o caso do Brasil,

não passaram pela conjuntura socioeconômica de Bem Estar Social.

52 Termo Utilizado por Mota (2008), “[...] em seu estudo acerca das tendências da seguridade social brasileira no

contexto do avanço da hegemonia do capital por meio do fomento de uma cultura da crise [...]” (BERHING,

2008, p. 251). 53

Segundo Montaño (2010, p. 14), o Terceiro Setor é uma construção ideológica que concebe a sociedade

subdividida em três setores (respectivamente, Estado, Mercado e Sociedade Civil) e, caracteriza um fenômeno

que envolve as instituições e as organizações não governamentais (ONGs), sem fins lucrativos (OSFL),

instituições filantrópicas, empresas cidadãs, entre outras, e sujeitos individuais voluntários ou não.

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A contrarreforma brasileira no contexto da crise capitalista

A implementação do neoliberalismo no Brasil se deu por vias completamente adversas

do que se configurou nos países de capitalismo central, ainda que mantendo suas

características essenciais, o que cabe sinalizar, inicialmente, que a formação socioeconômica

do país influenciou para esta distinção no âmbito de sua inserção na dinâmica capitalista no

marco dos monopólios.

Neste sentido, Netto (1996, p. 104) acrescenta que à particularidade brasileira,

colocada face ao projeto neoliberal apresenta feições singulares, dentre as quais vale assinalar:

[...] Não há, aqui, um Welfare State a destruir; a efetividade dos direitos sociais é

residual; não há “gorduras” nos gastos sociais de um país com indicadores sociais

que temos – indicadores absurdamente assimétricos à capacidade industrial

instalada, à produtividade do trabalho, aos níveis de desenvolvimento dos sistemas

de comunicação e às efetivas demandas e possibilidades (naturais e humanas) do

Brasil. [...] (NETTO, 1996, p. 104)

Assim, Behring aponta que Fernandes periodiza o desenvolvimento brasileiro em três

fases: a primeira concerne à eclosão de um mercado capitalista especificamente moderno, um

padrão neocolonial de desenvolvimento, que iria da abertura dos portos até meados dos anos

1860, marcado pelo enlace entre a economia interna e o mercado mundial, articulado ao

escravismo; a segunda fase é a de formação e expansão do capitalismo competitivo, na qual o

sistema econômico se diferencia, inclusive com a fixação das bases da industrialização que

vai da década de 1860 até a década de 1950; e, a terceira fase é a de irrupção do capitalismo

monopolista, marcada pelas operações comerciais, financeiras e industriais das grandes

corporações no país, que se acentua nos anos 1950 e adquire caráter estrutural após o golpe de

1964 (2008, p. 103).

A autora assinala que, após a segunda fase delineada por Fernandes, tornou-se

perceptível o fato de que aqui houve o “desenvolvimento de um mercado competitivo

induzido de fora, adaptando a economia brasileira aos dinamismos das economias centrais,

mas sem desencadear maiores possibilidades de autonomia” (2008, p. 103).

As consequências desse desenvolvimento para o país ficaram expressas na gritante

desigualdade social e racial que cresciam, em prol dos interesses capitalistas em extrair lucro

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das economias periféricas e, estrategicamente, mantê-las sempre na condicionalidade de

subordinação ao capital externo.

Logo, Oliveira (2003, p. 49-50), aponta que a industrialização no referido país se deu

visando atender às necessidades da acumulação, fundamentado na ideologia

desenvolvimentista, que apontava serem os países periféricos “subdesenvolvidos”, conceito

estratégico à expansão do capitalismo para estas regiões.

No entanto, a industrialização tardia do Brasil se desenvolveu num período em que a

acumulação já disponibilizava de trabalho morto, ou seja, de um arsenal tecnológico que foi

transferido pelos países centrais, possibilitando desta maneira, que nos países periféricos

fossem puladas etapas do processo de produção industrial. (OLIVEIRA, 2003, p. 67)

Destarte, a consolidação do capitalismo monopolista no Brasil se dá via autocracia

burguesa54

, uma “visão tecnocrática da democracia restrita” (BEHRING, 2008, p. 105),

proveniente da articulação entre iniciativa privada e mercado mundial, no pós-64, combinada

à orientação modernizadora de um governo forte, num Estado sincrético, autocrático e

oligárquico. (Idem, p. 106)

Sob esse ângulo, Netto (2010, p. 16) aborda que o golpe Militar de 1964, a

“contrarrevolução preventiva”, tinha finalidades estrategicamente articuladas de adequar os

padrões de desenvolvimento nacionais e de grupos de países ao novo quadro do inter-

relacionamento econômico capitalista, marcado por um ritmo e uma profundidade maiores da

internacionalização do capital; golpear e imobilizar os protagonistas sociopolíticos habilitados

a resistir a esta reinserção mais subalterna no sistema capitalista; e, enfim, dinamizar em todos

os quadrantes as tendências que podiam ser catalisadas contra a revolução e o socialismo.

Desta maneira, ainda conforme o autor, essa conjuntura permite ao país a reafirmação

da heteronomia, da exclusão e das soluções pelo alto, possibilitadas pela atuação antinacional

e antidemocrática desenvolvidas pelo Estado, que ao invés de criar novas formas de

desenvolvimento econômico, refuncionou o modelo latifundiário já existente.

As características do que Netto (2010, p. 31) classificou como “modernização

conservadora” tem finalidades claras de acentuar o poder de concentração e centralização:

54

Termo cunhado por Florestan Fernandes em sua obra A Revolução Burguesa no Brasil.

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[...] a internalização e a territorialização do imperialismo; uma concentração tal da

propriedade e da renda que engendrou uma oligarquia financeira; um padrão de

industrialização na retaguarda tecnológica e vocacionado para fomentar e atender

demandas enormemente elitizadas no mercado interno e direcionados desde e para o

exterior; a constituição de uma estrutura de classes fortemente polarizada apesar de

muito complexa; um processo de pauperização relativa praticamente sem

precedentes no mundo contemporâneo; a acentuação vigorosa da concentração

geopolítica das riquezas sociais, aprofundando brutais desigualdades regionais. [...]

(NETTO, 2010, p. 32)

Com efeito, todo esse processo foi acompanhado também pela repressão e

enquadramento da política educacional, especialmente voltada ao mundo da cultura e ao meio

universitário, visando à propagação da doutrina ideológica de segurança nacional apregoada

pelo desfecho militar-fascista/ditatorial-terrorista desencadeado durante a segunda metade da

década de sessenta, mais notadamente a partir dos anos 1968, acompanhado de inúmeras

“reformas”, de cunho privatizante. (Idem, p. 53-68)

No entanto, foge ao objetivo deste trabalho se esgotar detalhadamente no que consistiu

o processo de instauração e as consequências da autocracia burguesa no Brasil, mas apenas

incipientemente, como peculiaridade inerente à formação social e econômica brasileira até o

espraiamento da ideologia neoliberal55

.

Neste sentido, na década de 1980 tem-se o agravamento da dívida externa, com o

aumento das taxas de juros por parte dos credores, bem como a queda das exportações de

matérias-primas nos países latino-americanos, entre eles o Brasil, ocorrendo, desta forma, um

estrangulamento da economia nestes países (BEHRING, 2008, p. 134).

Sem embargo, tem-se o espraiamento do crescimento da estagnação do centro para a

periferia do capital, estava anunciada a crise da Ditadura Militar, pondo em xeque a

deslegitimação deste modelo de governo e, a entrada da possibilidade da transição

democrática.

O primeiro divisor de águas foi a promulgação da Constituição Federal de 1988 que,

de acordo com Behring (2008, p. 143) se constituiu num “processo duro de mobilizações e

contramobilizações de projetos e interesses mais específicos, configurando campos definidos

de forças.”

Nesse contexto, Collor assume o governo com a promessa de deter a inflação, com

medidas de orientação explicitamente neoliberais, colocando em andamento reformas

55 Para um estudo mais detalhado sobre a autocracia burguesa ver Netto (2010).

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estruturais. De acordo com Mota (2008, p. 106) suas prioridades foram a reforma

administrativa, entendida como medida saneadora das instituições governamentais, a

privatização das empresas estatais, como meio de retirar algumas áreas produtivas da esfera

estatal, e a reforma da previdência social, como medida de equilíbrio do orçamento fiscal e

adequação à situação do emprego na crise.

De fato, o referido presidente foi o precursor da contrarreforma neoliberal no Brasil,

uma vez que “preconizou as reformas orientadas para o mercado como complemento do

processo de modernização, tendo em vista a recuperação da sua capacidade financeira e

gerencial” (BEHRING, 2008, p. 153). Neste aspecto, Netto corrobora que:

[...] Aqui, um projeto burguês de hegemonia não pode, com a rude franqueza da Sra.

Thatcher, incorporar abertamente a programática compatível com a

“desregulamentação” e a “flexibilização” – deve travestir-se, mascarar-se com uma

retórica não de individualismo, mas de “solidariedade”, não de rentabilidade, mas de

“competência”, não de redução das coberturas, mas de “justiça”. E por mais que

suas práticas estejam dirigidas à “desregulamentação” e à “flexibilização”, seu

escamoteado neoliberalismo também deve ser matizado [...]. (NETTO, 1996, p. 104)

O descontentamento das amplas camadas sociais levou ao Impeachment de Collor,

levando a ascensão de Itamar Franco à presidência, este contando com o apoio do então

Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso para a implementação do Plano Real,

patrocinado pelos organismos internacionais participantes do Consenso de Washington.

Tal implementação foi o principal motivo da eleição de FHC, que usou da dura

“pedagogia da inflação” (BEHRING, 2008, p. 155), acompanhada do cansaço da população

em relação à superinflação e à instabilidade política da época, além das exigências da

mundialização, assegurando, sobremaneira, os gestores da nova política econômica56

.

Sob esse prisma, todo esse jogo político-econômico ocasionou vantagens às empresas

por meio das renúncias fiscais, ao passo que se criou uma situação de crescimento econômico

56 Segundo Behring (2008, p. 157) os impactos do Plano Real foram: o bloqueio de qualquer possibilidade de

desconcentração de renda; uma desproporção entre a acumulação especulativa e a base produtiva real, cujo custo

recai sobre o Estado na forma de crise fiscal e compreensão dos gastos públicos em serviços essenciais;

alienação e desnacionalização do patrimônio público construído nos últimos cinquenta anos; um remanejamento

patrimonial de grandes proporções e com fortes consequências políticas; inibição do crédito e inadimplência dos

devedores; mudança no perfil do investimento das indústrias que tende a ser em redução de custos e manutenção,

mas não em ampliação da base, em virtude dos riscos.

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restrito e, uma forte onda de desemprego estrutural, que não foi absorvido sequer pelo setor de

serviços, intensificando a informalidade e o crime organizado. (BEHRING, 2008, p. 160)

À política social, tornada “nicho incômodo” (LESSA et al, 1997 apud BEHRING,

2008, p. 160), resta lidar com as consequências do aumento do desemprego, que tende a

demandar por serviços sociais, estes por sua vez tornados flexibilizados, privatizados e

seletivos em decorrência do ajuste neoliberal, que preconiza o corte com os gastos públicos.

Neste sentido, “o lugar da política social no Estado social-liberal57

é deslocado: os

serviços de educação, dentre outros, serão contratados e executados por organizações públicas

não-estatais competitivas” (BEHRING, 2008, p. 173).

Tais aspectos seguem o raciocínio expresso no Plano Diretor da Reforma do Estado,

direcionado pelo ministro Bresser Pereira, com reformas totalmente orientadas para o

mercado, estabelecendo, portanto, uma crítica ao modelo de Estado desenvolvimentista, de

Estado comunista e o Welfare State, onde conforme o mesmo estariam localizadas as causas

da crise. (BEHRING, 2008, p. 172-173)

Tal conjuntura assenta suas bases nos argumentos de que a crise brasileira foi uma

crise do Estado, que ao desviar-se da execução de suas funções básicas, ocasionou a

deterioração dos serviços públicos e, consequentemente o agravamento da crise fiscal e da

inflação. (BEHRING, 2008, p.177)

A solução, conforme Bresser Pereira (1996, apud BEHRING, 2008, p. 176), seria um

pacto de modernização, voltado à Reforma Gerencial do Estado – que nada teria de moderno

– com reformas econômicas voltadas para o mercado, acompanhadas de intensas

privatizações, no intuito de fortalecer a competitividade da indústria nacional.

A “reforma” do governo Cardoso propõe a redefinição do papel do Estado, onde de

acordo com Behring (2008, p. 178) se passaria para o setor privado as atividades que

poderiam ser controladas pelo mercado, ou até a descentralização de atividades que podem ser

apenas subsidiadas pelo Estado, para o “setor público não-estatal”, num processo

caracterizado de publicização.

57 Conforme Bresser Pereira (1996 apud BEHRING, 2008, p. 173) “É um Estado social-liberal porque está

comprometido com a defesa e a implementação dos direitos sociais definidos no século XIX, mas é também

liberal porque acredita no mercado porque se integra no processo de globalização em curso, com o qual a

competição internacional ganhou uma amplitude e uma intensidade historicamente novas, porque é resultado de

reformas orientadas para o mercado.”, tendo em vista que o neoliberalismo no Brasil é implementado travestido

de “justiça social”.

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A flexibilização passa a ser o elemento da contrarreforma usado como combatente do

desemprego, e como aquela que reduz os entraves à modernização e à competitividade da

indústria nacional, a partir da redução do custo do trabalho, no intuito de atrair investidores

estrangeiros sob os auspícios da redução de encargos. (BEHRING, 2008, p. 220)

Entretanto, Behring (2008, p. 234-235) coloca que ao contrário do que preconizava a

política econômica do governo supramencionado, a flexibilização trouxe trágicas

consequências ao trabalhador, com o aumento do desemprego, precarização das relações de

trabalho, aumento da informalidade, bem como o desmantelamento de direitos,

especificamente da legislação trabalhista, das condições de trabalho e, uma “passivização” do

trabalhador (MOTA; AMARAL, 2008, p. 39), expressa no “consentimento ativo” e no

processo de fragilização/cooptação dos movimentos sociais das classes subalternas.

Há ainda, uma crescente lógica de estímulo ao empreendedorismo e ao trabalho em

cooperativas, modelos de produção fundamentados na ideia de negócio próprio onde o

trabalhador se torna o patrão, mas que mascara a realidade de insegurança social a que ficam

expostos.

Não obstante, os governos que seguiram a gestão de FHC na presidência, Lula da

Silva e atualmente Dilma Rousseff, vieram a dar continuidade ao desmantelamento das

políticas sociais que se iniciaram na década de 1990 com Collor e foram aprimoradas por

Cardoso, sob a égide da pragmática econômica neoliberal.

A Reforma Universitária que teve início em 1968, sob a Ditadura Militar, passa por

um novo processo em 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (Lei 9.394/1996), que amplia a privatização do ensino superior no Brasil, e

posteriormente, com o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Programa de Apoio

a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), já no governo

Lula da Silva.

A reestruturação do Ensino Superior no Brasil

Pensar o processo de mercantilização do Ensino Superior requer perceber os rumos

que a política educacional brasileira vem tomando a partir da implementação da ideologia

neoliberal e, que essa direção faz parte de um processo mais amplo de reforma do Estado, que

no Ensino Superior se inicia durante o período ditatorial acirrando-se durante os anos 1990.

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Por conseguinte, a Ditadura Militar, conforme Ribeiro (2009, p. 88), possibilitou os

primeiros passos para a privatização do ensino superior brasileiro, onde sob o governo de

Costa e Silva ocorreu a Reforma Universitária de 1968, promovida pela política educacional.

Netto (2010, p. 55), coloca que a “reforma” pela qual a universidade passa durante o

regime militar, é proveniente da alteração na estrutura da demanda social por educação

institucional. O autor continua:

[...] seus condicionamentos societários mais fortes provêm das exigências e

implicações do padrão de desenvolvimento vinculado à industrialização pesada – de

uma parte, uma qualificação distinta para a força de trabalho e, doutra, as

consequências da urbanização. No seu aspecto quantitativo, esta alteração se

evidencia pela crescente magnitude dos contingentes que pressionam o sistema

educacional e que tem um de seus picos (globais) precisamente na segunda metade

da década de sessenta. [...] (NETTO, 2010, p. 55, grifos originais)

A educação universitária passa, portanto, a representar a qualificação da mão-de-obra,

ao mesmo tempo em que expressa as demandas das camadas médias urbanas, de obter

ascensão econômica, política e social.

A crise do sistema educacional, resultante da crescente demanda universitária,

possibilitou o protagonismo do movimento estudantil entre os anos 1967-1968 colocando a

educação como questão prioritária. (NETTO, 2010, p. 56)

Essa conjuntura no auge da autocracia burguesa e das intervenções repressivas do

Estado militar-fascista, consequentemente viabilizou o controle e o enquadramento do sistema

educacional (NETTO, 2010, p. 56). Está posta a refuncionalização da educação ao modelo

econômico direcionado pela autocracia, e todas as consequências repressivas a ele inerente58

.

Sem embrago, o autor supracitado (2010, p. 62) considera que a política educacional

da ditadura transformou o ensino superior num setor para investimentos capitalistas privados

extremamente rentáveis. Deste modo:

[...] a chamada livre iniciativa encontrou aí um de seus vários paraísos,

estabelecendo as suas universidades – o que não impediu, por vários canais, que

nelas fossem injetados vultuosos recursos públicos -, preferencialmente frequentadas

(e pagas) por alunos oriundos e/ou situados dos/nos níveis socioeconômicos

inferiores [...]. (NETTO, 2010, p. 62-63, grifos originais)

58 De acordo com Netto (2010, p. 58), a intimidação e repressão do corpo docente e discente, ilegalização da

União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras medidas.

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1832

Assim, a universidade que se gestou no pós-68 foi uma universidade neutralizada,

esvaziada, reprodutiva e asséptica, hábil a produzir profissionais afeitos à lógica formal-

burocrática (NETTO, 2010, p. 66-67), subjacente ao ordenamento tecnocrático da ditadura.

Logo, o Ensino Superior passou por uma significativa perda de sua capacidade crítico-

propositiva, servindo para a legitimação ideológica do regime autocrático burguês,

perdurando até a possibilidade da transição democrática.

A reforma administrativa do aparelho estatal, sob os ditames da política neoliberal,

apenas acentuou o que se iniciou durante a autocracia burguesa, certo que de forma mais

voraz, especialmente no governo Cardoso, dirigida pelo ministro Bresser Pereira.

Por conseguinte, o governo FHC apenas deu continuidade ao processo iniciado por

Collor e Itamar Franco, em atender aos ditames neoliberais de, através da educação, produzir

um trabalhador que contribua para a superação da crise capitalista, subordinando a escola aos

interesses empresariais do capital. (NEVES, 1999, p. 134)

Todavia, Netto (2000, p. 27) consubstancia que não foi somente uma imposição dos

organismos multilaterais, como o Banco Mundial, que direcionaram a contrarreforma do

Ensino Superior no Brasil, mas o fato de que aqui há uma perfeita sincronia entre os interesses

do capital estrangeiro e das elites brasileiras.

Pois bem, tais organismos referem que a universidade latino-americana, dentre elas a

brasileira, passa por um processo de deterioração das instituições de ensino, quanto à estrutura

física, e aos recursos para materiais didáticos em geral, bem como a ineficiência no uso destes

recursos, relacionada à utilização em programas que não são considerados gastos

educacionais como, por exemplo, a assistência estudantil, preconizando que a prioridade dos

gastos estatais deveriam ser direcionados ao ensino básico e secundário (IAMAMOTO, 2000,

p. 39-40).

Desta forma, o governo Cardoso operou a contrarreforma do Ensino Superior,

modificando o arcabouço normativo da educação, a gestão do sistema educacional, o

conteúdo curricular, recorrendo ao uso de decretos e ao consenso ativo da população, até

então excluída desse nível de ensino, conforme aponta Neves (1999, p. 135).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei 9.394, de 20 de

dezembro de 1996) foi a política educacional que deu sustentação ao projeto de reforma do

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referido governo, tendo em vista que preconiza a educação superior voltada ao mercado,

favorecendo a mercantilização do ensino em seus mais variados níveis.

Iamamoto (2000, p. 36) afirma que a regulamentação da LDB se deu sob um processo

de expedição de leis, medidas provisórias, decretos, emendas constitucionais, resoluções e

portarias do Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e de seu órgão assessor, o

Conselho Nacional de Educação (CNE), viabilizando o processo de flexibilização da

educação e a privatização acelerada das Instituições de Ensino Superior.

O autor Netto (2000) enfatiza ainda que a política do ensino superior, nas bases

definidas pela LDB possui cinco traços:

[...] o primeiro traço é o desavergonhado favorecimento à expansão do privatismo

[...] a transformação do ensino superior em área de investimento capital [...]; o

segundo traço é a liquidação, na academia, da relação ensino/pesquisa e extensão

[...]; o terceiro traço dessa política – a supressão do caráter universalista da

universidade [...]; o quarto traço está vinculado ao nexo organizador da vida

universitária – a subordinação dos objetivos universitários às demandas do mercado,

o mercado passa a ser uma das referências da vida acadêmica porque passa a

legitimar a eficácia universitária [...]; o quinto traço, trata-se [...] da redução do grau

da autonomia universitária [...]. (NETTO, 2000, p. 27-29)

Esses traços apontados pelo autor remetem ao processo de desconstrução da

universidade pública, laica, gratuita e de qualidade, em detrimento de uma universidade

tecnocrática, parasitária e burocratizada (herdada da Ditadura), funcional ao capital e ao

processo vigente de mercadorização do ensino superior brasileiro.

Assim, Boschetti (2000, p. 85) refere que as medidas adotadas pelo Estado nas

Instituições de Ensino Superior públicas, para instigar a expansão das IES privadas, rebatem

no estímulo às aposentadorias precoces, a proibição da realização de concursos públicos, a

restrição de recursos destinados à manutenção e preservação dos espaços físicos,

equipamentos e acervo bibliográfico, a redução de quotas (sic) de bolsas e financiamento para

pesquisas e extensão, a ausência de aumentos salariais, o que provoca a transferência do

quadro docente titulado e qualificado para as instituições particulares.

De fato, todas as limitações que os organismos internacionais vêm apontando como

problemáticas no âmbito da universidade pública se torna um incentivo para a deterioração

cada vez mais acirrada destas instituições, em prol de uma política que desfaz o

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comprometimento com a formação cidadã e a transforma em formação voltada para o

mercado.

Essa realidade traduz a leitura que o Banco Mundial e seus aliados têm do ensino

superior, segundo os mesmos critérios utilizados no mundo empresarial, conforme Iamamoto

(2000, p. 40) o “custo/benefício, a eficácia/inoperância e produtividade”.

Assim, a autora coaduna que as universidades privadas regidas por critérios

empresariais, são tidas como a referência organizacional, sendo consideradas mais ágeis,

eficientes, financeiramente equilibradas, por apresentarem maior diferenciação institucional e

menor índice de conflitos e tensões políticas (Idem, Ibidem).

Isso rebate seriamente no processo educacional, que seguindo o que é posto pelo

Banco Mundial, além de tornar o ensino uma mercadoria, é precarizado em todos os âmbitos,

especialmente se visto através do pano de fundo do ensino à distância59

, que traz consigo o

“fetiche da ampliação do acesso e do aumento do índice de escolarização, mascarando dois

fenômenos que vêm ocorrendo nos países periféricos: o aligeiramento da formação

profissional e o processo de certificação em larga escala” (LIMA, 2008, p. 19).

O aligeiramento do ensino via educação à distância, conforme Guerra (2010a, p. 728)

é um dos “novos nichos de mercado cobiçado por empresários dos setores nacionais e

estrangeiros”, que tem se utilizado da flexibilização do MEC à essa modalidade de ensino,

tornando assim, as universidades “fábricas de diplomas”.

Logo, a educação à distância na lógica da política regida pelo Banco Mundial e pelos

demais organismos financeiros internacionais tem a finalidade de atender às demandas

educacionais dos segmentos populacionais pauperizados, ou seja, como coloca Lima, “tais

cursos são direcionados aos trabalhadores e filhos de trabalhadores da periferia do

capitalismo” (2008, p. 21).

Assim, a autora (2008, p. 24) ressalta ainda que, a imposição dessa modalidade de

ensino via “ampliação do acesso” aos segmentos mais pobres é uma estratégia dos países

capitalistas centrais que têm no ensino à distância um mercado altamente lucrativo e que

concentra praticamente a totalidade das empresas produtoras das Tecnologias da Informação e

59

O ensino à distância tem respaldo legal na LDB (Lei 9.394 de 20/12/1996) em seu artigo de número 80, que

incumbe ao Poder Público a determinação de incentivar o desenvolvimento e a veiculação de programas de

ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.

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da Comunicação (TIC). Tais peculiaridades acabam por reforçar, sob um verniz

democratizante, a mercantilização do ensino superior. (DAHMER, 2008, p. 43)

Neste sentido, é que Chauí atenta a essa problemática denominou certeiramente o que

seriam as “universidades operacionais”, geridas no processo de contrarreforma universitária,

onde a educação, como outras políticas deixam de ser prioridade do Estado, o que significa

dizer: “a) que a educação deixou de ser concebida como um direito e passou a ser considerada

um serviço; b) que a educação deixou de ser considerada um serviço público e passou a ser

considerada um serviço que pode ser privado ou privatizado” (2003, p. 2).

A autora supracitada coloca que a atual configuração do ensino transforma a

universidade em “organização social”60

, desvirtuando-a de sua forma tradicional de

“instituição social” voltada para a universalidade e, reconfigurado-a como uma prática social

voltada para interesses particulares (2003, p. 2-3).

Destarte, a universidade nesses moldes, impulsionada por um pensamento pós-

moderno61

, transforma o processo de formação profissional num conjunto esvaziado de uma

dimensão crítica, sem o aporte do tripé essencial ensino-pesquisa-extensão. Têm-se, portanto,

um reforço ao pragmatismo e ao burocratismo.

Neste sentido, Neves (1999, p. 141) aponta que a promulgação do decreto 2.207 (de

15/04/1997) que regulamenta o Sistema Federal de Ensino estabelece que as IES públicas e

privadas se organizem em cinco modalidades, entre elas, universidades, centros universitários,

faculdades integradas, faculdades, e institutos ou escolas superiores, sendo que somente as

universidades possuem a obrigatoriedade da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e

extensão.

60 A universidade enquanto “organização social” é “regida por contratos de gestão, avaliada por índices de

produtividade, calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e

programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos.

Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está

pulverizada em microrganizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao

trabalho intelectual” (CHAUÍ, 1999a, p. 05).

61

Jameson (1996 apud BEHRING, 2008, p. 68) corrobora que a pós-modernidade é uma dominante cultural que

promove uma crise da historicidade, na qual a produção cultural apresenta-se como um amontoado de

fragmentos, uma prática de heterogeneidade e do aleatório é, pois, um pensamento que permeia a construção

ideológica que o neoliberalismo necessita para sua consolidação e espraiamento. Contudo, foge ao objetivo do

presente trabalho o estudo aprofundado das tendências pós-modernas no seio da produção intelectual da

categoria profissional de Serviço Social, sendo elencada apenas em nível de esclarecimento teórico.

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Por conseguinte, a consequência desse rebaixamento na formação é uma universidade

esvaziada intelectual e culturalmente, que atende fielmente aos anseios do capital e sua lógica

monopólica de mercantilização do ensino.

Vale mencionar ainda, a continuidade que a reestruturação universitária perpassou

durante o Governo Lula da Silva, com referido destaque ao Programa Universidade para

Todos (ProUni), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (Reuni), a implementação do Fundo de Financiamento ao Estudante

do Ensino Superior (FIES)62

e a expansão das IES na modalidade à distância.

O ProUni, segundo Yolanda Guerra (2010, p. 727) foi criado em 2004, e consiste na

concessão de bolsas de estudo integral ou parcial em universidades particulares e em cursos

sequenciais, promovendo a isenção de impostos às unidades de ensino concedentes. Desde

2005, as renúncias fiscais com ProUni somam mais de 3 bilhões de reais (Brasil de Fato,

2013, p. 5).

O Reuni, segundo a referida autora, tem como objetivo dotar as universidades federais

das condições necessárias para a ampliação do acesso e a permanência dos estudantes na

educação superior.

Conforme Silva (2010, p.418), no caso do Reuni a realidade é a seguinte, “vem

ocorrendo em condições de infraestrutura precárias, condições de trabalho inadequadas,

quadros de docentes e técnico-administrativos insuficientes, ausência de políticas de

assistência estudantil e plano de qualificação docente”.

Todavia, tais programas são resultantes da Parceria Público-Privado (PPP) firmada

pelo governo Lula, que redefinem o dever do Estado na realização do direito universal à

educação, ampliando a esfera privada em detrimento da pública (LEHER; SADER, s/d, p.

12).

Castro (2010, p. 203), afirma que o Ensino Público Superior Brasileiro é um dos mais

elitistas e um dos mais privatizados na América Latina, apresentando cerca de 90% de

instituições privadas e apenas 10% públicas, com 73% das matrículas no setor privado e

apenas 27% no setor público.

62

O Fies atende hoje 871 mil universitários em todo o país (Brasil de Fato, 2013, p. 5).

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De acordo com o Censo da Educação Superior 2011 do MEC, em matéria publicada

no mês de abril do corrente ano no Jornal Brasil de Fato (2013, p.5), das 2.365 instituições de

ensino superior no Brasil, 2.081 são particulares e apenas 284 são públicas, o que corrobora

os dados anteriormente elencados por Castro.

A autora supramencionada remete que com as reformas educacionais a universidade

privada passa a ser um captador do mercado, e a Universidade Aberta criada pelo governo

Federal passa a ser um disseminador nas Universidades Públicas do Ensino à distância, tendo

em vista a meta do governo em “inserir” 30% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino

superior (CASTRO, 2010, p. 207; BEHRING, 2000, p. 103).

Ademais, conforme Leher (2004, p. 9) o discurso da democratização do ensino é

absorvido pela sociedade possibilitando uma massificação desqualificada do ensino, onde

ocorre uma educação pobre para os segmentos mais pauperizados da população, ou seja, uma

educação aligeirada e minimalista, com ênfase nos processos pragmáticos e nas ideias

imediatistas.

Ou seja, tem-se uma refuncionalização da educação por meio do atendimento aos

anseios do capital em cooptar a subjetividade dos sujeitos a partir da produção de

conhecimento intrinsecamente voltada aos interesses mercantis, ao passo em que dilui as

fronteiras entre o público e o privado que no âmbito da educação passam a representar um

único sistema, já que ambas as esferas recebem recursos do Estado (LEHER; SADER, s/d, p.

13).

Por conseguinte, conforme Leher e Sader (s/d, p. 18, grifos não originais) como

resultado desse processo “em lugar de formação a meta agora é o adestramento profissional

aligeirado ou a formação por competências”.

Koike confirma essa realidade mercantilizada com os números levantados pelo

empresariado da educação no país, onde “[...] a movimentação financeira da educação

superior, em 2003, foi de R$ 45 bilhões e para as empresas que negociam no setor o lucro foi

de 15 bilhões” (ILAESE, 2004, apud KOIKE, 2009, p. 205, grifos não originais).

A mesma aponta ainda que o mercado e a inovação tecnológica referenciam a reforma

educacional, onde a lógica é de que o mercado democratiza o acesso, a democracia aqui é

vista como poder de compra, e a inovação tecnológica tida como meio e finalidade da

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educação por uma espécie de virtualidade intrínseca, que asseguraria a inserção social (2009,

p. 205)

Conforme Mészáros, uma das principais funções da educação formal nas nossas

sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e

por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados (2008, p. 45).

Nessa conjuntura é perceptível que a lógica mercadológica do ensino faz parte do

processo mais amplo de contrarreforma universitária que rebate diretamente na formação de

novos quadros profissionais, pelas vias da precarização e na formação em larga escala de

sujeitos desprovidos de uma base teórico-metodológica crítica.

Considerações Finais

A reestruturação do ensino superior no Brasil direcionada pelos organismos

multilaterais nos anos 1990, alegando ser a universidade perdulária e elitista, carrega consigo

o discurso da democratização do ensino, além de torná-lo mercadoria, incorporando os

anseios provenientes da formação tecnológica, apta a instrumentalizar a educação, para

atender as demandas imediatas do mercado de trabalho contribuindo para a acumulação

capitalística e para a formação de sujeitos afeitos à lógica operante.

Tal fator afasta, consequentemente, a dimensão do direito à universidade pública,

tornando-se o “Canto da Sereia” (SANTOS; ABREU, 2011, p. 132) aos setores populares que

não chegavam à universidade, sob a roupagem do acesso, que desvincula a função precípua da

educação superior de socialização do conhecimento, através de atividades que envolvam o

tripé ensino-pesquisa-extensão.

É sob esse prisma que comungamos da ideia expressa por Mészáros, quando afirma

que no âmbito educacional as soluções não podem ser formais, elas devem ser essenciais,

deve abarcar a totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida; o que precisa

ser confrontado é todo o sistema de internalização estabelecido na educação formal, com

todas as suas dimensões, visíveis e ocultas; romper com a lógica do capital na área da

educação equivale, portanto, a substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas

de internalização mistificadora por uma alternativa concreta e abrangente (2008, p. 45-47).

Referências

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DISCUSSÕES SOBRE A DISCPLINA FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO

BRASIL NO CURRÍCULO DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA UECE

Antonio Israel Carlos da Silva63

Tuany Abreu de Moura 64

Aurineida Maria Cunha65

Resumo: O artigo busca analisar a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil no currículo do curso de

graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Os recursos metodológicos

utilizados foram pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo. Como resultado, destacamos

a relevância da disciplina para a compreensão dos aspectos sócio-históricos da sociedade brasileira,

como também, a percepção dos (as) alunos (as) na implementação da ementa da disciplina analisada.

Palavras-chave: Disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil, Diretrizes Curriculares, Projeto

Político Pedagógico.

1. Introdução

O presente artigo tem por objetivo analisar a disciplina Formação Sócio-Histórica do

Brasil no currículo do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do

Ceará (UECE), que apresenta como objetivo apreender o processo de constituição sócio-

histórica da sociedade brasileira. Expomos dados consolidados da pesquisa intitulada

“História dos 60 anos do Curso de Serviço Social no Ceará: particularidades da formação

profissional na UECE”66

. Como trajetória metodológica, recorremos à utilização de pesquisa

bibliográfica, através da revisão de literatura de autores que ofereceram suporte teórico para

63

Estudante de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL:

[email protected], Tel: 85-87214965. 64

Estudante de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL:

[email protected], Tel: 85-8585-6168. 65

Profa. Dra. do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL:

[email protected], Tel: 85- 8706-0105. 66

O Laboratório de Pesquisas e Estudos em Serviço Social (LAPESS) realiza a pesquisa “História dos 60 anos

do Curso de Serviço Social no Ceará: particularidades da formação profissional na Universidade Estadual do

Ceará” que tem como objetivo analisar o processo histórico da formação acadêmica do Serviço Social no Estado

do Ceará no período de 1970 a 2015. Este artigo apresenta dados consolidados da segunda fase da pesquisa que

vem acompanhando as turmas da manhã e da noite de 2011.2 até a conclusão do curso em 2015, (a primeira

turma com semestre regular depois das greves de 2006, 2007 e 2008 na UECE).

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as discussões apresentadas; pesquisa documental nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS, no

Projeto Político Pedagógico, na ementa da disciplina de Formação Sócio-Histórica do Brasil

do curso; e pesquisa de campo, por meio da aplicação de cinquenta e dois questionários com

perguntas abertas e fechadas que tinham o escopo de obter respostas objetivas e subjetivas, a

cinquenta e dois alunos (as) das duas turmas do segundo semestre, do período manhã e noite,

que ingressaram no curso em 2011.2.

As discussões explicitadas nos levaram a elencar alguns dos principais desafios na

implantação das Diretrizes Curriculares da ABEPSS no Curso de Serviço Social da UECE, a

partir da análise da disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil.

2. O Processo de Construção das Diretrizes Curriculares da ABEPSS: avanços e

desafios à formação profissional

A revisão curricular na década de 1990 no âmbito do Serviço Social tornou-se um

espaço privilegiado de reconstrução de um novo projeto de formação profissional. As

Diretrizes Curriculares apontaram para a redefinição dos pressupostos e princípios da direção

social do processo formativo, requisitando-se um novo perfil de profissional, num movimento

de superação do currículo compreendido tão somente como um conjunto de disciplinas

isoladas, e estimulando a inserção dos (as) alunos (as) nas atividades de iniciação científica,

monitoria, pesquisa e extensão, dentre outras (CARDOSO, 2000).

O processo de construção das Diretrizes Curriculares foi fruto de um amplo debate

entre unidades de ensino, docentes e discentes, entidades representativas da categoria67

. É

preciso compreender que o processo de construção das Diretrizes Curriculares se engendrou

em meio a quadro sociopolítico marcado pela intensificação da ideologia neoliberal, da

desregulamentação dos direitos sociais, da reestruturação produtiva e seus impactos no mundo

do trabalho, sobretudo, num período de contrarreforma da educação superior, que tem

impactado de forma negativa na formação profissional em Serviço Social em todo o país.

67

Registramos que entre 1993 e 1996 foram realizadas aproximadamente duzentas oficinas locais nas sessenta e

sete Unidades Acadêmicas filiadas à ABESS, vinte e cinco oficinas regionais e duas nacionais. As discussões

empreendidas resultaram na Proposta Nacional de Currículo Mínimo para o Curso de Serviço Social, apreciada

na II Oficina Nacional de Formação Profissional e aprovada em Assembleia Geral da ABESS, ambas realizadas

no Rio de Janeiro, entre os dias 7 e 8 de novembro de 1996 (Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social,

1996).

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A nova lógica curricular organizou-se em núcleos de fundamentação, um conjunto de

conhecimentos indissociáveis constitutivos da formação profissional, os quais são: núcleo de

fundamentos teórico-metodológicos da vida social, objetivado a compreender o ser social

historicamente situado na sociedade; núcleo de fundamentos das particularidades da formação

sócio-histórica da sociedade brasileira, que se refere ao conhecimento acerca da constituição

sócio-histórica da sociedade brasileira; e núcleo de fundamentos do trabalho profissional, que

considera a profissão de Serviço Social como especialização do trabalho. Igualmente, foram

definidas matérias, que expressam áreas do conhecimento necessárias ao processo formativo e

que se desdobram em disciplinas, seminários temáticos, oficinas/laboratórios, atividades

complementares e outros componentes curriculares68

(Diretrizes Gerais para o Curso de

Serviço Social, 1996).

O objetivo da nova lógica curricular é o de reafirmação do trabalho como atividade

essencial na composição do ser social, promovendo, de tal modo, uma proposta de superação

da fragmentação no processo de ensino/aprendizagem, buscando uma maior vivência

acadêmica entre professores, alunos e sociedade. De acordo com as Diretrizes Gerais para o

Curso de Serviço Social, cada Instituição de Ensino Superior (IES) elabora o seu currículo

pleno e este deve refletir o atual contexto histórico, além da capacidade de realizar projeções

para o futuro (Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, 1996).

Segundo Iamamoto (2012) as discussões referentes às Diretrizes Curriculares

dimensionam um repensar sobre a formação profissional em Serviço Social, possibilitando

um balanço crítico do debate que estimula o desenvolvimento de pesquisas que buscam

decifrar as novas demandas que se apresentam à profissão. Uma das condições essenciais para

se viabilizar a adequação da formação profissional aos desafios dos novos tempos, é superar

uma visão endógena do Serviço Social, de forma que é necessário alargar os horizontes

voltados para a história da sociedade brasileira diante das transformações societárias na

contemporaneidade.

Tendo em vista as considerações acima explicitadas, compreendemos que as

Diretrizes Curriculares dimensionam a existência da matéria Formação Sócio-Histórica do

68

Segundo Mota (2007), com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996, a proposta

do novo currículo mínimo do curso de Serviço Social precisou adequar-se as exigências da LDB, que passou a

substituir o currículo mínimo por Diretrizes Gerais para a formação profissional.

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Brasil, pertencente ao núcleo de fundamentos das particularidades da formação sócio-histórica

da sociedade brasileira. Para a matéria acima citada, o conteúdo programático exigido refere-

se à apreensão da:

[...] herança colonial e a constituição do Estado Nacional. Emergência e Crise

da República Velha. Instauração e colapso do Estado Novo. Industrialização,

urbanização e surgimento de novos sujeitos políticos. Nacionalismo e

desenvolvimentismo e a inserção dependente no sistema capitalista mundial.

A modernização conservadora no pós-64 e seu ocaso em fins da década de

70. Transição democrática e neoliberalismo (Diretrizes Gerais para o curso

de Serviço Social, p. 16, 1996).

Diante do exposto, discutiremos a seguir o Projeto Político Pedagógico do curso de

Serviço Social da UECE, construído a partir das Diretrizes Curriculares da ABEPSS, dando

destaque a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil.

3. Trajetória do Projeto Político Pedagógico e análise da disciplina Formação

Sócio-Histórica do Brasil no Curso de Serviço Social da UECE

O atual Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social da UECE,

implementado em 2006.1, foi resultado de várias e intensas discussões e debates entre

docentes, discentes e técnicos de apoio de estágio (hoje os supervisores de campo) da

Universidade Estadual do Ceará, no período de 1997 a 2004. Em tal documento são

contemplados os objetivos do curso e de seu currículo, perfil dos formados, princípios da

formação profissional, identificação da direção social do curso e estruturação dos

componentes curriculares (Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social, 2007).

O Curso de Serviço Social da UECE assume um Projeto Político Pedagógico orientado

pelas propostas da ABESS/ABEPSS preconizando, assim, a formação de assistentes sociais

detentores de capacitação ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa para o

enfrentamento das diversas expressões da questão social (Projeto Político Pedagógico do

Curso de Serviço Social, 2007).

No Projeto Político Pedagógico visualizamos a matriz curricular que norteia a

formação profissional em três núcleos mencionados anteriormente. Daremos foco ao núcleo

que trata da discussão referente às particularidades da Formação- Sócio histórica brasileira,

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que consiste em análises acerca dos fatores econômicos, políticos, sociais e culturais da

constituição da sociedade brasileira.

Esta disciplina de quatro créditos é ofertada no segundo semestre69

do curso, tem por

objetivo a apreensão do processo de colonização brasileira e a constituição do Estado

Nacional; a emergência e a crise na primeira República; a instauração e colapso do Estado

Novo; a industrialização, urbanização e surgimentos de novos sujeitos políticos; a inserção do

país no sistema capitalista mundial; a modernização conservadora no pós-64; a transição

democrática e o neoliberalismo (Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social,

2007).

Apresentamos os dados da pesquisa de campo realizada em 2012.1 por meio da

aplicação de cinquenta e dois questionários com perguntas abertas e fechadas que tinham o

escopo de obter respostas objetivas e subjetivas, aos cinquenta e dois estudantes das duas

turmas do segundo semestre, do período manhã e noite, ingressas em 2011.2. Portanto, no que

tange a bibliografia aplicada, os principais autores estudados foram: Sérgio Buarque de

Holanda, Gilberto Freyre e Marilena Chauí. No que concerne aos títulos mais citados, foram

apontados: Raízes do Brasil, Casa Grande e Senzala e O Mito Fundador.

Nesse sentido, tem-se a apreensão de que o conteúdo, segundo as respostas dos (as)

alunos (as) nos questionários, contemplou parcialmente as discussões propostas pela ementa

da disciplina. De tal modo que, conteúdos como o nacional-desenvolvimentismo, a dinâmica

de inserção do Brasil no sistema capitalista, a modernização conservadora no pós-64, o

processo de transição democrática e a ascensão do neoliberalismo não foram ministrados A

ausência dessas discussões na disciplina poderá colaborar para o processo de fragilização da

formação acadêmica, pois os temas em questão são basilares para assegurar o princípio

adotado pelas Diretrizes Curriculares, de apreensão das particularidades sócio-históricas da

realidade social e do Serviço Social.

69

O Curso de Serviço Social da UECE tem a duração de quatro anos, com uma grade curricular distribuída em

oito semestres. As disciplinas do primeiro semestre são: Introdução ao Serviço Social, Metodologia do Trabalho

Científico, Teorias Psicológicas, Fundamentos de Filosofia e Sociologia Clássica. No segundo semestre além de

Formação Sócio-Histórica do Brasil são oferecidas as disciplinas: Seminário de Serviço Social I, Antropologia

Cultural, Economia Política, Correntes Modernas da Filosofia das Ciências e Sociologia Contemporânea.

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Conforme a avaliação dos alunos a bibliográfica utilizada, foi considera ótima para

11,54%; boa para 34,6%; regular para 21,5% ; ruim para 7,7% ; e 25% dos alunos70

não

responderam a essa questão. Assim, percebemos que os (as) alunos (as), por serem recém-

ingressos na universidade, avaliaram de forma positiva a bibliografia. Quando relacionados

ementa, objetivos, conteúdos programáticos e referências bibliográficas concluímos que os

programas não foram implantados em sua totalidade e ainda o conteúdo por tratar-se da

história da sociedade brasileira, se aproxima das discussões realizadas ao longo do ensino

médio ou nos cursos preparatórios para o vestibular.

Ao explicitarmos a didática utilizada pelo (a) professor (a), os dados mostraram que

42,3% avaliaram como boa ou ótima, sendo realizadas ao longo do semestre, aulas

expositivas, dialogadas e de campo ( por meio de viagem a cidades históricas do estado do

Ceará e visita ao Centro Comercial e histórico da Cidade de Fortaleza).

Destarte, ainda no que concerne a didática do (a) professor (a) 24,9% dos (as) alunos

(as) atestaram ser razoável, ruim ou péssima, afirmado serem as aulas cansativas, com

conteúdo excessivo e que havia a ausência de recursos audiovisuais nas aulas tornando as

mesmas monótonas. Já 33,7% destacaram como as aulas eram desenvolvidas, isto é, por meio

de aulas expositivas, dialogadas e de campo. Também fora explicitado que os docentes tinham

um distanciamento ante o debate sobre o Serviço Social e suas interfaces com o conteúdo da

disciplina.71

Ao questionarmos sobre as sugestões que os (as) alunos (as) poderiam dar a disciplina

de Formação Sócio-Histórica do Brasil, obtivemos que: 44,2% não responderam; 15,4%

pediram a troca do (a) professor (a); 5,8% melhoria na bibliografia; 3,8% a existência de

textos relacionados ao Serviço Social melhoraria; 1,9% revisão da didática uma maior

70

Por meio da análise dos dados, visualizamos que a categoria “Não Respondeu” é recorrente em várias

perguntas no questionário, o que apresenta desafios para análise das respostas, dado que por tratar-se de uma

avaliação curricular, a existência de respostas mais discursivas nos possibilitaria, por meio dos relatos, apreender

dados mais sólidos sobre os desafios do processo formativo, a partir do currículo do curso.

71

Os professores que ministram a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil em sua maioria são do curso

de História ou de Ciências Sociais da UECE. A particularidade da realidade estudada nos mostra que os dois

professores que ministravam a disciplina, tanto do período noturno, quanto diurno são efetivos e do curso de

História. No entanto, por serem de departamentos diferentes acabam por não terem a garantia de que nos

semestre seguintes continuaram a lecionar na mesma disciplina e no mesmo curso, o que acaba por inviabilizar,

muitas vezes, o amadurecimento das discussões da disciplina, assim como a compreensão acerca das

particularidades do curso. Além disso, é preciso destacar a precarização do trabalho docente, alijada a lógica do

produtivismo acadêmico como fatores negativos ao processo formativo.

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abordagem sobre a questão social; 1,9% mais atividades de campo e 9,6% disseram que não

havia sugestão a ser dada.

Diante do exposto, é basilar compreender a importância da disciplina Formação Sócio-

Histórica do Brasil na formação profissional, dado que a mesma permite apreensão da

constituição da sociedade brasileira o que vai implicar no entendimento do processo de

constituição e consolidação do Serviço Social. No entanto, em tempos de contrarreforma da

educação superior, com implicações na precarização da universidade pública, os desafios

postos a implementação das Diretrizes Curriculares e do Projeto Político Pedagógico do curso

a partir da análise da realidade da disciplina pesquisada são complexos para o corpo docente

e discente do Curso de Serviço da UECE.

4. Considerações Finais

Ao problematizarmos a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil, conseguimos

compreender como a discussão em questão vem sendo realizada à luz das Diretrizes

Curriculares da ABEPSS e do Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social da

UECE, salientando sua relevância ao processo formativo do assistente social, ao realizar

discussões referentes à constituição sócio-histórica da realidade brasileira.

Por fim, concluímos que o Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social da

UECE está em consonância com os princípios de suas diretrizes curriculares, entretanto os

impactos da contrarreforma da educação superior introduzem desafios à consolidação dos

objetivos, conteúdos programáticos e bibliografia da disciplina analisada.

Referências Bibliográficas

ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes gerais

para o curso de Serviço Social. Rio de Janeiro, 1996.

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IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e

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MOTA, Ana Elizabete. Trabalho e Serviço Social: considerações sobre o conteúdo dos

componentes curriculares. In: Temporalis. Ano VII n. 14, p. 55-87, Brasília: ABEPSS, 2007.

SÁ, Jeanete Liasch Martins de. Conhecimento e Currículo em Serviço Social. São Paulo:

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SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23ª ed. São Paulo.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Projeto político pedagógico do curso de

Serviço Social. Fortaleza, março de 2007. (Digitado).

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ECONOMIA DE COMUNHÃO: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DE RETOMADA

DO DEBATE ÉTICO NA ECONOMIA.

Francisco Rafael Félix de Sousa72

Pedro Ferreira Barros73

RESUMO

Este trabalho se constitui na realização de uma pesquisa bibliográfica para compreensão da Economia

de Comunhão – EdC no contexto da complexa sociedade globalizada. Pode-se afirmar a desigualdade

social, que marca esta sociedade, é fruto do sistema econômico vigente, o capitalismo, cujo

desenvolvimento é orientado para a produção do lucro concentração da riqueza nas mãos daqueles que

já detêm a propriedade dos meios de produção. Este sistema produziu e reproduz a desigualdade social

através do processo de produção de mais valia via exploração do trabalho e acumulação do capital. Os

modelos de desenvolvimento capitalista hoje enfrentam crises ao desprezar os aspectos sociais e

fragmentar a relação economia-sociedade. Isto faz surgir iniciativas como alternativas de gestão e de

organização do trabalho que visam garantir a subsistência, e mais que isto, a qualidade de vida das

pessoas comprometida pelas conseqüências negativas do capitalismo. Com este trabalho pretende-se

conhecer melhor o modelo de Economia de Comunhão – EdC, o qual, sem romper com o sistema

vigente no que diz respeito ao modo de produção, procura realizar as transformações necessárias para

uma sociedade mais igualitária e mais justa. Com isto a EdC se coloca como uma práxis social

fundamentada na ética fazendo com que o pensamento econômico retome o debate da questão da ética

na economia.

Palavras-Chave: Desigualdade social. Economia de Comunhão. Transformações sociais.

1. Introdução

O desenvolvimento capitalista enfrenta crises na atualidade por tratar-se de um sistema

que tem por base o aumento constante da rentabilidade econômica e da competitividade nos

mercados, desprezando os aspectos sociais. A organização democrática da sociedade faz

surgir também movimentos sociais e políticos que entram em contradição com os princípios

utilitarista e individualista provenientes do capitalismo. Por razões de necessidade, iniciativas

72

Aluno do X Semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – Urca e-mail:

[email protected] - Fone: (88) 8823 6507. 73

Professor Adjunto do Departamento de Economia da Urca. Mestre em Sociologia, Doutor em Educação –

UFC. e-mail [email protected]. – Fone: (88) 3511-3610.

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alternativas de organização do trabalho ou de gestão visam garantir a subsistência e melhor

qualidade de vida às pessoas afetadas pelos rumos que foram tomados pelas nações das quais

fazem parte.

Dentre as propostas alternativas a Economia de Comunhão ou EdC, como é mais

popularmente chamada, surge com a finalidade principal de luta contra a miséria como um

meio para construção de um mundo mais justo e mais fraterno, visando contribuir para a

edificação de um sistema econômico e de uma sociedade de comunhão sob a inspiração dos

princípios cristãos. Estes princípios são defendidos por um Movimento ligado à Igreja

Católica conhecido como Movimento dos Focolares74

- MF. Os Folcolares se constituem num

movimento ecumênico, de inspiração cristã, aberto ao diálogo e à parceria com aqueles que

mesmo não professando uma fé querem construir a unidade, o Mundo Unido, a fraternidade

universal.

Para autores como Sen (1999) a economia nasce de duas vertentes: a engenharia e a

ética. Em busca de uma ciência mais “neutra” as Ciências Econômicas foram esquecendo

cada vez mais a segunda vertente, como se a omissão dos valores extinguisse a sua existência.

Já a Economia de Comunhão, surge embasada numa proposta espiritual, podendo ser

considerada como uma proposta que privilegia a questão dos valores e da ética nas escolhas

econômicas.

Os sujeitos produtivos da EdC são empresários, trabalhadores, até mesmo clientes e

fornecedores, e demais agentes empresariais, que buscam inspiração em princípios

fundamentados numa cultura diferente da pratica e da teoria econômica vigente. Essa cultura

pode ser definida como “cultura do dar” em antítese a “cultura do ter”.

O dar econômico é a expressão do “dar-se” no sentido de “ser”. Em outras palavras,

revela uma concepção antropológica que não é individualista e nem coletivista, mas de

comunhão. A “cultura do dar” não se confunde com filantropia nem com assistencialismo,

ambas, virtudes da abordagem individualista.

Considerando que a essência da pessoa é estar em comunhão, a EdC se caracteriza

como cultura de comunhão. As empresas são a espinha dorsal do projeto. Estas são empresas

inseridas no mercado, que adotam as formas jurídicas comuns, mas que, por decisão livre dos

74

O Movimento dos Focolares (do italiano: focolare = fogo-lareira, lar).

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seus titulares, se propõem destinar os seus lucros de acordo com critérios ditados pelo bem

comum.

Bruni (2011b) argumenta que essa nova cultura de comunhão é para ser uma nova

ordem econômico-social, que repensa e liga duas realidades hoje opostas no capitalismo: a

empresa e a pobreza. Nesse sentido, uma economia que mostre o perfil da comunhão e,

portanto, uma economia com perfil realmente humano.

Assim, diante dessa nova economia nos propomos a este estudo visando compreender

a sua forma de inserção entre as abordagens teóricas das Ciências Econômicas, relevando a

sua vertente ética. Posto isso, procuramos estudar a fundamentação dessa proposta, princípios

ético-filosóficos e fundamentos social e econômico, bem como o contexto de seu surgimento,

com o intuito de apreender a EdC enquanto práxis e retomada do debate ético na Economia.

2. Uma questão para a atualidade

O sistema econômico vigente, orientado cada vez mais para a produção de riquezas,

tem sido apresentado como produtor e reprodutor da desigualdade social. A pobreza e a

miséria são, portanto, consequências da concentração da riqueza nas mãos de alguns,

enquanto que a maioria não consegue satisfazer adequadamente suas necessidades básicas.

Nesse sentido, a pobreza está para além da insuficiência de renda e engloba outros aspectos,

como a falta de acesso a alimentos, à moradia, à proteção, à saúde e à educação.

Os desequilíbrios da concentração de renda entre países e entre classes sociais,

principalmente nos países periféricos, permanecem como um dos grandes problemas da

atualidade. As instituições econômicas, sociais, politicas e culturais que foram concebidas

nesse sistema reproduzem a desigualdade social e muitas vezes se amparam em um arcabouço

teórico econômico que traz modelos de desenvolvimento que reduzem a complexidade das

escolhas econômicas, desconsiderando o debate ético.

Também o processo de globalização nesse contexto capitalista que o mundo vem

vivenciando faz com que os mercados se tornem altamente competitivos de forma que pode

comprometer a sobrevivência de produtores pequenos que não possuem capitais suficientes

para manter-se. Segundo Sposati (1997), o processo de globalização dos mercados consiste na

disseminação de ideias neoliberais que têm, entre outros objetivos, o da unificação do capital.

O processo de globalização tem acarretado sérios problemas sociais e econômicos

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principalmente para os países que buscam o desenvolvimento como é o caso do Brasil.

No Brasil as consequências desse novo paradigma já podem ser notadas. Trata-se dos

vários desempregados que o País possui. Estes estão desempregados porque não tiveram

oportunidade de se inserir no mercado de trabalho ou foram expulsos deste por não terem a

capacitação desejada. Esses são alguns dos entraves para o desenvolvimento, que segundo

Bertucci (2010) está em crise. Afirma ele:

A expansão da atual concepção de desenvolvimento, compreendido como

crescimento econômico se expande a partir da metade do século XX, após a

Segunda Guerra Mundial, quando foi criado um clima favorável ao chamado

“desenvolvimentismo”, cujo carro-chefe era formado pela industrialização e

urbanização. O crescimento da economia, medido pelo aumento da

produtividade e da produção de riquezas, pela ampliação da capacidade de

consumo nas cidades e pela modernização tecnológica, na produção e nos bens

de consumo, virou sinônimo de desenvolvimento. (BERTUCCI, et al, 2010, p.

11)

No entanto, os indicadores econômicos e sociais marcam as fronteiras da pobreza e da

riqueza entre continentes, países e suas populações. Os modelos de desenvolvimento

capitalista hoje enfrentam crises, pois tratam-se de modelos que têm por base o aumento

constante da rentabilidade econômica e da competitividade nos mercados, desprezando os

aspectos sociais e fragmentando a relação economia-sociedade75

. Sendo assim, os debates

teóricos e políticos em torno da dialética econômico-social se subdividem:

[...] em dois “partidos”: os que concebem o campo econômico e os mercados, como

construtores do campo social, e os que, ao contrário, consideram o campo

econômico em conflito endêmico com o social. A tradição da economia política

liberal está incluída no primeiro partido, enquanto a tradição sociológica no

segundo. Os teóricos da economia liberal (desde Adam Smith, no passado, a

Amartya Sen, na atualidade) consideram o mercado expressão da sociedade civil; o

desenvolvimento econômico, indicador do desenvolvimento social; a liberdade

econômica, pré-requisito de outras liberdades. [...] No lado oposto a essa primeira

tradição, encontramos autores que consideram os campos econômico e social

realidades conflitantes entre si. Essa tradição, que conta entre seus expoentes autores

muito diferentes entre si, como Marx e Polanyi, Weber e Simmel, considera a esfera

75

A visão da relação economia-sociedade típica da Economia de Comunhão (EdC) alinha com a tradição da

chamada economia civil, tradição que aprofunda suas raízes no pensamento clássico, no período medieval

cristão e no humanismo civil italiano (especialmente na escola napolitana do século XVIII, de Antonio

Genovesi), e age, por conseguinte, a partir de uma perspectiva radicalmente diferente das duas visões hoje

predominantes. A ideia central é olhar a experiência da sociabilidade humana e da reciprocidade dentro da

vida econômica normal; nem ao lado, nem antes nem depois. Ela afirma que os princípios outros, que não o

lucro e a troca instrumental, podem – querendo – encontrar espaço dentro da atividade econômica.

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econômica regida por princípios substancialmente em conflito com os princípios que

regem a esfera social. (BRUNI, 2011a, p.16-17).

Em diversos países, em períodos iguais ou distintos, na maioria dos casos nasceram

desse contexto, por razões de necessidade, iniciativas alternativas de organização do trabalho

ou de gestão visam garantir a subsistência e melhor qualidade de vida às pessoas

negativamente afetadas pelos rumos que foram tomados as nações das quais fazem parte.

Com isso, é possível pensar em outras possibilidades de organização da economia, que

não seja orientada pela ganância, pela sede de lucros que vão sendo acumulados e geram

desigualdade. Ainda segundo Bruni (2002):

Muito embora o individualismo da ciência econômica tenha sobrevivido e saído

fortalecido de todo gênero de crítica, um número sempre crescente de

economistas está insatisfeito com essa orientação da teoria econômica

predominante, porque houve uma tomada de consciência do fato que ter

expulsado da economia a dimensão relacional impede a compreensão de muitas

realidades e comportamentos econômicos. (BRUNI, 2002, p.47).

É possível, então, repensar a economia a partir de outros valores – da justiça, da

igualdade, da solidariedade. E esse não é só um convite de grupos de cristãos-católicos, por

exemplo, mas algo que vem sendo defendido por autores das Ciências Econômicas, como

Amartya Sen (1999). A economia, assim, pode ser também geradora de igualdades, desde que

seja orientada pela justiça social, que significa a partilha justa dos bens e recursos que possam

satisfazer as necessidades de todos e não apenas de alguns.

A economia pode ser uma alternativa de geração de emprego e renda para as pessoas

que acreditarem neste novo modo de ver a economia. Diante de um mercado globalizado,

altamente competitivo e individualista surge uma economia que coloca o homem no centro do

processo constituindo unidades produtivas alicerçadas na comunhão e na solidariedade.

É nesse cenário que se apresenta a EdC que tenciona promover uma visão do agir

econômico como compromisso para a promoção integral das pessoas e da sociedade, através

de ações e comportamentos inspirados na fraternidade. A EdC é uma variante da economia

social e da economia solidária; é um movimento que promove alternativas às tradicionais

relações econômicas, considerando a pessoa e o seu crescimento no centro da economia.

A EdC é uma proposta de geração de riqueza dentro do sistema capitalista. Ainda não

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é amplamente conhecida por todos, no entanto, para aqueles que têm contato com a mesma,

ocorre uma curiosidade e uma admiração por esta via que prevê um modo mais justo e

fraterno de ampliação da oferta de bens e serviços. Desde o seu nascimento, em 1991, por

ocasião de uma visita a São Paulo pela sua idealizadora Chiara Lubich, esta nova economia,

tem aumentado o numero de adeptos (empresários, empresas, associações, instituições

econômicas, intelectuais, estudantes, trabalhadores, consumidores, simpatizantes, pobres,

ricos e muitos outros). Mas, como surgiu essa novidade? Que ideal motivou esse novo jeito de

ver e fazer a economia?

A seguir apresentaremos de forma um tanto breve a gênese e o desenvolvimento da

proposta da EdC procurando fazer esta identificação descritiva sem descuidar de conferir ao

relato o necessário aprofundamento para que o leitor possa compreender a sua essência como

uma nova cultura econômica.

3. Economia de Comunhão: História e Profecia

A EdC é fruto da inspiração da sua fundadora Chiara Lubich (1920-2008), uma

italiana idealizadora de um carisma, o Movimento dos Focolares (MF) nascido em Trento na

Itália, em 1943, em meio da II Guerra Mundial. Em reuniões a beira de fogueiras com suas

amigas adolescentes, em um cenário de destruição provocado por bombardeios, Chiara teve a

intuição “sobre quem é verdadeiramente Deus: é Amor” (LUBICH, 2000, p. 37). Diante desta

intuição ela assumiu que postas em prática às palavras do Evangelho provocariam uma

revolução.

Ali mesmo começaram a fazer o que podiam. Preocupavam-se em ajudar o próximo,

encontrando refugio para os desabrigados, alimentos para quem tinha fome, se preocupando

sempre com os mais necessitados, fazendo comunhão de bens a fim de minimizar os efeitos

sobre as pessoas das consequências da guerra que se constituiu.

Assim, é possível perceber claramente na origem do Movimento dos Focolares seu

cunho religioso e social. Em 1962, o Movimento foi aprovado pela Igreja Católica76

, com o

nome oficial de Obra de Maria, e em 1967 já era responsável por mil obras sociais no mundo.

76

Em 1962 acontece a primeira aprovação pontifícia ad experimentum. O papa João XXIII reconhece o

Movimento com o nome de Obra de Maria. Disponível em: http://www.focolare.org/pt/movimento-dei-

focolari/storia/>. Acesso em: 27 de Maio 2013.

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Apesar de ser um movimento católico, participam dele pessoas de diversas denominações,

inclusive pessoas sem vínculos religiosos, mas todas ligadas ao propósito de construir um

mundo unido e fraterno. Assim o diálogo inter-religioso também é um traço fundamental do

movimento. No Movimento existem pessoas das mais diversas crenças e convicções. Há

judeus, muçulmanos, budistas, hinduístas, ortodoxos e muitos outros que resolveram viver

essa cultura da partilha e da unidade. Há também pessoas sem convicção religiosa, os

chamados ateus, que lutam juntamente com o movimento por um mundo de mais

solidariedade, justiça e paz.

Espalhando-se pelo mundo o MF chegou ao Brasil em 1958. Já no ano seguinte dois

centros de formação foram abertos em Recife e logo o movimento se espalhou por todo o

País. Atualmente, no Brasil há em torno de 55 bases do movimento, estando ele presente em

quase todas as capitais Brasileiras. A sede do movimento no Brasil é em São Paulo na cidade-

modelo (ou cidade-testemunho) Mariápolis Ginetta77

, na região de Vargem Grande Paulista,

no Estado de São Paulo. Há ainda outras duas Mariápolis no País, a Mariápolis Glória em

Benevides, no Pará e a Mariápolis Santa Maria em Igarassu, no Pernambuco. Hoje, de acordo

com o site oficial o Movimento conta com mais de 2,2 milhões de adeptos entre membros e

simpatizantes espalhados por 182 países em todo o mundo.

O MF possui uma estreita ligação com o social. Frequentemente o movimento se reúne

para discutir assuntos ligados ao social com o intuito de fazer brotar novas ideias para tentar

minimizar as barreiras sociais. Surgidos nessa área existem pessoas das mais diversas

profissões e estes colocam suas capacidades intelectuais a serviço da organização e de todos,

afinal, o objetivo principal dos Focolares é divulgar a partilha em todas as suas dimensões.

Com isso, sociólogos, economistas, empresários e muitos outros profissionais discutem

questões a apresentam ideias para solução de problemas mundiais e locais.

No campo econômico o grande projeto deste movimento é sem dúvida a Economia de

Comunhão. Uma iniciativa desafiadora diante da realidade econômica do Brasil e do mundo.

A EdC, versão empresarial e econômica do Movimento, surgiu no Brasil em 1991. A ideia

central é a criação de empresas dirigidas por pessoas éticas, honestas e competentes, que se

77

As cidades-testemunho – Mariápolis permanentes - do Movimento dos Focolares são “laboratórios de uma

pequena cidade”, cuja lei fundamental é o Mandamento Novo de Jesus, o amor mútuo vivido entre todos. Elas

contêm todas as expressões da vida: trabalho, estudo, oração etc. Desejam ser um esboço de uma “sociedade

nova”, totalmente renovada pelo evangelho. Hoje existem trinta e três delas, nos cinco continentes.

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disponham, livremente, a partilhar parte dos lucros a serviço do bem comum.

É interessante saber, de forma mais precisa, como brota a ideia de EdC. A esse

respeito Chiara Lubich narra que enquanto atravessava a cidade de São Paulo para chegar na

comunidade do movimento, foi vendo de um lado prédios imensos e luxuosos, e, do outro, um

subúrbio e uma pobreza alarmante.

Aqui existe carência, sobretudo de amor verdadeiro e autêntico, especialmente se

pensarmos na “coroa e espinhos” (como o cardeal de São Paulo, D. Evaristo

Arns, fala do cinturão de pobreza e miséria da periferia), coroa que circunda a

cidade repleta de arranha-céus. É o grande problema destas terras em via de

desenvolvimento, um dos maiores problemas de nosso Planeta, pelo qual nós

poderemos fazer muito pouco. Mas, Deus Pai pode cuidar da solução. E também

pela nossa fé de filhos seus [...].(LUBICH, Apud. QUARTANA, 1992, p. 15).

Isso fez com que ela pensasse em como o movimento poderia ajudar para minimizar, e

quem sabe, extinguir essa desigualdade no Brasil e no mundo. Recorremos ao relato de

Quartana (1992), para conhecer o pensamento de Chiara, a fim de saber como se dá a

inspiração para idealizar a Economia de Comunhão:

Em 1900 São Paulo era uma cidade pequena. Agora é uma Floresta de arranha-

céus. É grande o poder do capital nas mãos de alguns e tamanha é a exploração

dos outros. E pergunto: mas por que este poderio todo não se orienta para a

solução dos imensos problemas do Brasil? Porque falta amor ao irmão; o que

domina é o interesse, o egoísmo [...]. Que caricatura é o mundo sem Jesus

(LUBICH, Apud. QUARTANA, 1992, p. 15).

Diante da conjuntura de pobreza, que naquela época já assolava o cenário mundial e

motivada pela cena de enorme desigualdade social presenciada de modo pessoal e especifico

em São Paulo, a italiana Chiara Lubich, inconformada, decidiu lançar um projeto com

objetivo de colaborar para a diminuição das desigualdades sociais e a erradicação da miséria.

Esse projeto denominado Economia de Comunhão foi lançado em 29 de maio de 1991 na sede

do Movimento no Brasil, em São Paulo.

Compreende-se que este projeto tenha nascido justamente no Brasil devido às

desigualdades que este País possui. A conjuntura econômico-social que sofria, e sofre ainda

hoje o país, com uma intensa desigualdade social, tendo muito poucos ricos e milhares ou até

milhões de pessoas muito pobres corroborou a criação da EdC. O projeto Economia de

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Comunhão na Liberdade78

, como também ficou conhecido inicialmente, consistiu numa ideia

de criar uma rede social que envolve empresas que destinassem parte do lucro aos pobres,

relacionando a atividade econômica à promoção da fraternidade entre os homens.

A inspiração da italiana é então objetivada na forma de intervenção econômica através

da criação e gerenciamento de empresas também capitalistas, mas diferenciadas daquelas já

existentes movidas exclusivamente pela ambição do lucro. Chiara Lubich propunha algo

viável economicamente, e não um estilo de produção utópica, conforme afirma:

Embora eu não seja especialista em problemas econômicos, pensei que poderiam

ser criadas, por pessoas do movimento, empresas que canalizassem capacidades

e recursos de todos para juntos produzirem riqueza, em prol dos que se

encontravam em dificuldade. Sua gestão deveria ser confiada a pessoas

competentes, capazes de fazê-las funcionar com eficácia e obter lucros

(LUBICH, 2002, p. 15).

Vemos, então, que a proposta inicial de Chiara de criar empresas e pólos produtivos e

anos depois um movimento cultural que desse “dignidade científica” à pratica das empresas,

dentro do sistema econômico vigente, não caiu no vazio: ela foi acolhida por milhares de

pessoas, na maioria dentro, mas, recentemente, também fora do Movimento dos Focolares;

pessoas e instituições que estão tentando fazer frutificar aquela semente lançada a 22 anos.

De acordo com relatórios mais recentes da EdC79

, em outubro de 2012 havia 861

empresas das mais variadas dimensões: Europa 501 (das quais 242 em Itália); América do Sul

257; Estados Unidos e Canada 35; Ásia 25 e África 43. Segundo o site oficial da EdC, nos

últimos cinco anos 115 empresas decidiram aderir a esta ação econômica; 32 delas em 2012.

Esta nova cultura econômica visa apoiar um novo conceito do agir econômico, não apenas

utilitarista, mas orientando-se para a promoção integral e solidária do homem e da

sociedade80

. Também já foram realizadas diversas teses acadêmicas e artigos científicos que

contribuem para a formação teórica de um projeto que nasceu da prática e da insatisfação

78

Costuma-se dizer que o projeto Economia de Comunhão se apresenta como uma experiência de liberdade, ou

seja, é totalmente livre a participação de uma empresa ou pessoa neste projeto. As medidas a serem tomadas e

coerência com o projeto depende do próprio indivíduo. (Ver. Bruni, 2002, p. 95). 79

Relatório Economia da Comunhão 2010/2011. Os dados sobre a destinação dos lucros, o censo das empresas

no mundo, a cultura de comunhão e uma sondagem sobre a Identidade da EdC, estão disponíveis na íntegra no

site: http://www.edc-online.org/br/quem-somos/partilha-dos-lucros/2186-il-rapporto-economia-di-comunione-

20102011-e-online.html 80

Disponível em: <http://www.edc-online.org/br/quem-somos/a-difusao.html> Acesso em: 05 Dez 2012.

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empírica com a desigualdade.

Os dados têm evidenciado a capacidade da “coragem carismática” da EdC em

enfrentar todos os desafios que tem se levantado na economia no decorrer da história a essa

proposta de um novo modelo econômico. Dessa forma vê-se a profecia de Chiara se

configurando na história, tendo condições de dar a sua contribuição ao bem comum dos

homens e mulheres de hoje (e de amanhã), difundindo uma nova cultura econômica dentro e

fora dos mercados.

3.1. Uma nova cultura econômica: EdC

Assim como o capitalismo necessita para o seu crescimento da acumulação constante

e crescente, a EdC necessita da formação e difusão de uma cultura que não seja pautada

puramente pelos princípios capitalistas, mas que traga uma distinção primordial.

Segundo Ferrucci (1998) e Mulatero (2001), a EdC busca ser uma resposta pacífica

aos desafios contemporâneos, especialmente o combate à pobreza, através da promoção de

uma nova cultura, pautada no uso moderado e na partilha dos bens (materiais e não materiais).

Os autores afirmam ainda que as empresas de EdC promovem a distribuição da riqueza

através de doações monetárias, criação de empregos, investimento em projetos de expansão,

compartilhamento de experiências e patentes entre as empresas que participam do projeto, e

financiamento para criação de novas empresas de EdC.

Na EdC, a cultura da partilha se contrapõe ao individualismo e à competição,

estruturando-se sobre relações baseadas em princípios de amor, solidariedade,

gratuidade e unidade em busca da consolidação dos bens relacionais capazes de

suportar as fragilidades do sistema econômico dominante. É nesse contexto que a

EdC contribui com seu modus operandi pautado no respeito ao ser humano,

colocando-o como centro da empresa. As firmas vinculadas à EdC "são empresas

privadas, inseridas no mercado, que salvaguardam a propriedade particular dos

bens, colocando o lucro em comunhão: uma visão humanista cristã do mundo

dos negócios" (LEITÃO e SPINELLI, 2008, p. 453).

Segundo Calliari (2000), a ideia inicial do projeto Economia de Comunhão,

denominado antes de “Projeto Brasil”, era ajudar os membros e simpatizantes do movimento

que estavam em necessidades. Neste sentido, Chiara propôs a ideia de formar pessoas com

uma capacidade de gestão que pudessem gerir empresas, no qual, gerariam impostos para a

região e o lucro seria partilhado em três partes: uma voltaria para a empresa na forma de

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1861

reinvestimento, outra seria para a formação de “homens novos”, e a última para ajudar os

necessitados.

Chiara, ao deparar-se com a urgência de fazer algo para modificar aquela realidade

toma como exemplo aquilo que criou na Itália: o testemunho dos Focolares:

Naqueles primeiríssimos dias, a ideia delineou-se de modo mais preciso. O lucro

das empresas deveria ser colocado em comum, mas destinado a três objetivos

precisos: 1) para o desenvolvimento da empresa; 2) para a difusão da chamada

“cultura da partilha” e da comunhão; 3) para os pobres, primeiramente para

aqueles que frequentam as comunidades dos Focolares. (CHIARA, Apud,

BRUNI, 2011, p.27)

A primeira parte é altamente necessária para a manutenção da empresa que vive no

sistema capitalista e que precisa de recursos para operar, portanto, o reinvestimento se destina

a compra de matérias-primas e para manter um capital de giro que possa atender as

necessidades imprevistas da unidade produtiva.

A segunda parte destina-se à formação de “homens-novos”, compreende a formação

de pessoas que possam ter esse carisma da unidade do Movimento Focolares, ou seja, essa

parte do lucro serve para a difusão da Economia de Comunhão, de forma que o movimento

possa ter cada vez mais adeptos, dessa nova forma de pensar a economia e a sociedade. Trata-

se de desenvolver e espalhar por todo o mundo a chamada “cultura da partilha”.

A terceira parte consiste na preocupação que a EdC tem com os marginalizados pela

sociedade, ou seja, aqueles que não possuem vida digna e que, algumas vezes, já perderam a

esperança. Dessa forma, na empresa de Economia de Comunhão, os dirigentes e os

funcionários conversam e escolhem uma comunidade pobre para então ajudar seus integrantes

em suas necessidades. Essa é a parte principal do projeto, pois, de acordo com o site81

, ao

longo desses vinte e dois anos de economia de comunhão, milhares de pessoas foram

ajudadas.

É preciso ressaltar que a ajuda aos mais necessitados não precisa ser necessariamente

financeira. O movimento não tem o objetivo de fazer filantropia. É algo que vai, além

disso.Segundo Bruni (2000), a proposta é fazer (re)nascer nessas pessoas a autoconfiança, a

solidariedade, e, consequentemente uma melhor qualidade de vida. Nesse caso, a ajuda pode

81

http://www.edc-online.org/br/

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1862

ser através de cursos de alfabetização, mutirão de casas, fazer despertar na comunidade

carente uma atividade econômica que possa suprir as necessidades dos mesmos, enfim, não se

trata de um assistencialismo e, sim, de mostrar para essas pessoas que elas são capazes de, por

si mesmas, superarem as suas dificuldades.

Nessa tentativa de responder aos desafios contemporâneos, Gui e Bruni (2001) afirmam

que a EdC não entra em conflito com o capitalismo, sendo que a própria distribuição dos

lucros não é tida como algo revolucionário e novo. Para eles, o radicalismo da proposta

encontra-se nos aspectos antropológico e cultural, ao propor um modelo econômico pautado

na comunhão, amor, gratuidade e reciprocidade. Tais afirmações geram certa perplexidade:

não é contraditório afirmar que uma proposta que introduz tais conceitos não entre em

conflito com um modelo econômico pautado na acumulação, competição, instrumentalidade e

individualismo, como é o capitalismo?

A resposta é clara, pois a EdC, não perde de foco a realidade econômica na qual está

inserida. Indo ao encontro da principal finalidade do lucro em uma empresa capitalista

(maximizar a riqueza dos acionistas, além das duas tradicionais destinações dadas a ele:

distribuição para os acionistas e reinvestimento na empresa), a EdC pauta-se por uma nova

forma de partilhar o lucro, uma das principais suas características.

Contudo, não se trabalha somente para a obtenção do lucro ou o salário, como afirma

Ferrucci (1992), o objetivo maior é mudar a mentalidade dos indivíduos que trabalham

fazendo crescer entre todos, dirigentes e operários, uma comunhão em todas as dimensões.

Carvalho e Guareschi (2009), acrescentam que para a EdC, a busca pelo lucro não deve ser

vista como um fim em si mesmo ou tendo por objetivo apenas o enriquecimento do

empresário, mas como uma finalidade social, que deve ser gerado para depois ser distribuído

pela sociedade.

Nas empresas de Economia de Comunhão desenvolve-se uma cultura de maximização

das relações sociais e não de pura maximização do lucro como nas empresas puramente

capitalistas, ou que são guiadas por uma racionalidade utilitarista. O centro da empresa deve

ser o homem, portanto, o objetivo de abrir empresas com o espírito de comunhão é

exatamente fazer desenvolver-se naquele local e em outros uma relação entre as pessoas de

forma que possa nascer e desenvolver-se entre elas a fraternidade.

Para alcançar este objetivo foi criado um movimento internacional, em formato de

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rede social envolvendo empresas que se comprometem a gerar nova riqueza, criar postos de

trabalho, com criatividade e inovação, e partilhar seu lucro: uma parte para os mais pobres,

outra para a promoção de “homens novos”, que Lubich (2002) define como homens e

mulheres que formados numa nova cultura, poderão contribuir para a realização de uma

sociedade nova, renovada, mais justa e mais fraterna que valoriza a pessoa humana. E uma

terceira parte a ser reinvestida na própria empresa.

Os sujeitos produtivos da economia de comunhão são empresários, trabalhadores, até

mesmo clientes e fornecedores, e demais agentes empresariais, que buscam inspiração em

princípios fundamentados numa cultura diferente da pratica e da teoria econômica vigente.

Contudo, as empresas são a espinha dorsal do projeto. Estas são empresas inseridas no

mercado, que adotam as formas jurídicas comuns, mas que, por decisão livre dos seus

titulares, se propõem destinar os seus lucros de acordo com critérios ditados pelo bem

comum.

Essa cultura pode ser definida como “cultura do dar” em antítese a “cultura do ter”. O

dar econômico é a expressão do “dar-se” no sentido de “ser”. Em outras palavras, revela uma

concepção antropológica que não é individualista e nem coletivista, mas de comunhão. A

“cultura do dar” que também não se confunde com filantropia nem assistencialismo, ambas as

virtudes de abordagem individualista. A essência da pessoa é estar em comunhão. Portanto, a

EdC se caracteriza pela cultura de comunhão.

Bruni (2011b) argumenta que essa nova cultura de comunhão é para ser uma nova

ordem econômico-social, que repensa e liga duas realidades hoje opostas no capitalismo: a

empresa e a pobreza. De forma que mostre uma economia com perfil da comunhão e,

portanto, com um perfil realmente humano.

De acordo com Lubich (2000), a visão religiosa também é um traço marcante desse

projeto. A Economia de Comunhão é, também, antes de tudo, um projeto inspirado da ética

cristã. Essa visão religiosa é a que dá aos indivíduos um otimismo de que seus

empreendimentos podem dar certo, principalmente, entre os dirigentes das empresas que

acreditam na ação da Providência Divina na resolução de alguns problemas, como folha de

pagamento ou encomendas inesperadas. Atribui-se a isso a presença de Deus na empresa.

Essa atitude gera um ambiente de otimismo dentro da unidade produtiva. Por isso,

Lubich cunhou na base da economia de comunhão vínculos antecedentes com o Evangelho a

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1864

serem afirmados na prática pelos empresários(as), trabalhadores(as) e membros da comissão

de EdC, que voluntariamente se integraram à proposta.

O quadro apresentado em seguida permite visualizar os fundamentos da economia

clássica e da economia de comunhão. Alertamos que o mesmo não tem caráter comparativo

tendo em vista o estatuto de ciência que detem a primeira.

QUADRO 1 - Fundamentos da Economia Clássica e da Economia de Comunhão

ECONOMIA CLÁSSICA ECONOMIA DE COMUNHÃO

Adam Smith fundador da economia política

clássica. Um homem.

Chiara Lubich fundadora da economia de

comunhão. Uma mulher.

Modo de produção capitalista. Modo de produção de economia de

comunhão.

A linha original de continuidade entre ética

e

economia é interrompida.

A linha de originalidade entre ética e

economia é retomada.

O individualismo na base das relações

econômicas.

A solidariedade na base das relações

econômicas.

Cultura do ter. Cultura do dar.

A racionalidade consiste na utilidade, na

acumulação e em elevar ao máximo o lucro

privado.

A racionalidade consiste na doação e partilha

do lucro e pressupõe a personalização do

relacionamento e a felicidade humana.

Homo Economicus, Homo Consumérico

individualista, hedonista, egoísta. Homo doador. Solidário. Homo espiritual.

Oposição entre bem individual e bem

social.

Não oposição entre o bem individual e o bem

social.

O capital tem primazia em relação ao

homem. O homem tem primazia em relação ao capital.

A relacionalidade incorpora sempre o

elemento de condicionalidade.

A relacionalidade incorpora sempre o

elemento de gratuidade.

Prevalência da racionalidade instrumental.

Racionalidade do Eu.

Prevalência da racionalidade substantiva, da

razoabilidade que segundo Aristóteles contém

elementos de sabedoria. Racionalidade do Eu

com Todos.

Os indivíduos não estão ligados uns aos

outros por nexos indivisíveis antes de

iniciar a troca.

Os indivíduos estão ligados uns aos outros por

nexos indivisíveis antes de iniciar a troca.

A cultura do ser para si. A cultura do ser com o outro.

Apropriação privada do excedente. Apropriação do excedente privada e

partilhada com dois atores beneficiários fora

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1865

Fonte: Revista Cadernos de Administração. nº 01 Jan/Jun 2008. Centralidade das empresas de economia de

comunhão. Adaptado do documento "Os quatro aspectos essências" produzido pelo Movimento dos Focolares.

Castelgandolfo, 5 de abril de 2001.

Esse modelo de economia, tendo em vista os muitos casos de sucesso, vem se

apresentado como viável. Bruni (2011a) aponta alguns casos que exemplificam essa temática,

haja vista que com a valorização do trabalho torna-se palpável uma interligação entre os

setores organizacionais.

Há muitas experiências a esse proposito. Por exemplo, há uma empresa italiana

cujos sócios, a fim de tornar visível a primazia da comunhão inclusive na

organização da empresa, perceberam a exigência de institucionalizar uma

reunião periódica com todos os componentes da empresa, de modo que, antes de

serem dirigentes, ou trabalhadores, eles sentissem uma relação de reciprocidade

(BRUNI, 2011 a, p.82).

Segundo Bruni (2000), a Economia de Comunhão faz nascer na Ciência Econômica

novas categorias que diferem de outras categorias já existentes dentro da Ciência. Uma delas é

a categoria comunhão:

A categoria comunhão apresenta-se, portanto, como algo diferente da troca de

equivalentes (de mercado). A doação, a reciprocidade e a solidariedade

emergem, neste contexto, como categorias explicativas da Economia de

Comunhão e, ao mesmo tempo, fornecem um paradigma de referência também

para o mais amplo movimento da economia civil (BRUNI, 2000, p.53-54).

Hoje este modelo de economia está presente em empresas de mais de 40 países dos

cinco continentes, atuando em praticamente todos os ramos de atividades, produção,

comércio, serviços, levando uma nova realidade para aqueles que aderem a este modelo

econômico. Dentre estas empresas, algumas estão inseridas em Polos Industriais (ou

produtivos). A ideia dos Polos Produtivos faz parte dos elementos básicos que compõem a

primeira intuição da EdC. São concebidos como um laboratório visível e ponto de referência

ideal e operativo também para as outras empresas do projeto. Existem polos empresariais na

do processo produtivo.

Foco na avaliação. Foco nos atores sociais.

Esquecimento da premissa antropológica. Afirmação da premissa antropológica.

Empresa e sociedade. Empresa na sociedade.

Isenção de valores religiosos. Inclusão de valores religiosos.

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1866

Argentina, Itália, Croácia, Bélgica e Brasil.

O Brasil, pioneiro do projeto, já apresenta mais de 140 empresas de Economia de

Comunhão e três polos industriais: o polo Gineta, em Recife (PE), Francois Neveux, em

Belém (PA) e o polo Spartaco, em Cotia (SP), a 50 km da capital. Estes polos podem ser

considerados como embriões de solidariedade e fraternidade aplicadas ao modelo de gestão

empresarial cuja centralidade é a cultura da partilha dentro e fora da empresa.

Há vários relatos que atestam que a Economia da Comunhão é eficaz e viável como,

por exemplo:

Uma empresária das Filipinas explicava porque a empresa de consultoria que ela

fundara para participar do projeto, deixando seu emprego num banco, tornara-se, em

cinco anos, a mais importante do Sudoeste da Ásia no seu setor: “Deus nos ajuda

porque temos muitos irmãos carentes a ajudar, crianças que, se não foram tratadas

logo, ficarão cegas [...]” (BRUNI, 2002, p.39).

A cultura da partilha é a cultura da doação, não um doar contaminado pelo poder, pelo

assistencialismo, pelo utilitarismo, pelo interesse privado, mas um doar gratuito sem a

expectativa de retribuição no qual as relações humanas são vividas como dom e não esperam

retribuição. Porém, há que se manifestar os conceitos de reciprocidade e as estruturas de

comunhão. Uma gratuidade de valores e de dons pessoais e não somente materiais (ARAÚJO,

2001, p. 39-48).

Com essa visão muitas empresas estão mudando o paradigma dominante e a ideologia

produtivista que lhe dá sustentação, ao se orientarem para uma forma de economia solidária,

de partilha. Essas empresas trazem em sua bagagem conceitual o germe da mudança. Talvez o

mais importante sobre elas seja estarem demonstrando o quanto pode ser feito quando se tem

vontade política para fazê-lo, diferenciando o que é factível da utopia a partir de uma

motivação de origem espiritual.

Uma vez que as empresas de Economia de Comunhão não buscam apenas o lucro, mas

um crescimento sustentável, que considere igualmente o meio ambiente, seus funcionários e

pessoas necessitadas da comunidade onde está inserida, os efeitos positivos se estendem para

fora de seus limites empresariais. O movimento de EdC pode adquirir, assim, dimensões de

fenômeno social. Porém, ao contrário de organizações filantrópicas ou assistenciais, que

atuam somente como iniciativas de cunho social, a Economia de Comunhão é uma tentativa

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1867

de inserir o social no cerne da economia (SORGI, 1998, p.34).

3.2. EdC e Economia Solidária: uma distinção de necessária

Observa-se desde o final do século XX e início do século XXI, uma série de mudanças

que as relações econômicas, especialmente as relações de trabalho, vêm sofrendo, mas que

não chegam a superar o modo de produção capitalista, que continua central.

Carvalho e Guareschi (2009) afirmam que, nesse cenário, para legitimar e garantir a

reprodução das relações básicas de produção capitalistas, novas construções sociais,

ideológicas, políticas e religiosas (dentre outras), estão surgindo. Nesse contexto Apresentam-

se iniciativas que surgiram na sociedade a partir do século passado. Iniciativas que têm no

princípio da solidariedade a força motriz de sua implementação. Dentro dessa perspectiva,

dois modelos merecem ser discutidos e diferenciados: o da EdC cujo estudo é objeto deste

trabalho e o da Economia Solidária (ES).

A EdC oferece possibilidades para enfrentar os desafios que a atualidade impõe à

sociedade. Em conjunturas como essa é esperado que surjam alternativas para conceber a

economia de um modo diferente. A EdC também propõe uma maneira de reagir à situação

atual de mal-estar e aridez da economia capitalista, fundamentando-se no princípio de

solidariedade.

Neste sentido, a EdC mostra-se como uma filosofia empresarial que se materializa no

modo de gestão, onde as relações internas e externas se dão de modo a atuar a partilha, a ética

e o respeito frente aos agentes relacionados à empresa. Como foi explanado em outro

momento, ela nasce no Brasil, , em 1991, por inspiração de uma italiana, e, a partir de então,

foi adotada por empresários brasileiros e de diversos outros países que se identificaram com a

proposta. O que ela propõe, todavia, é uma nova mentalidade de gestão que pode fazer o meio

empresarial perder sua característica típica de acumulação, para evidenciar outras práticas,

como a da comunhão, necessárias aos dias atuais.

Para realizar esta proposta, a EdC investe na atividade laboral e a empresa se estrutura

com base na economia moderna. Além disso, se orienta no sentido de colocar em comum os

recursos disponíveis, revitalizados por homens dispostos a viverem o princípio da

solidariedade, abertos ao exterior em direção a uma economia a serviço da comunidade local e

mundial.

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1868

A EdC vai além da proposta da comunhão de bens, porque trata-se da vivência desta

comunhão, não se limita mais a doá-los simplesmente, mas estes são colocados em circulação

na sociedade para que outros produzam com ele. Ela propõe a expressão econômica de uma

vida de comunhão concretizada nas relações econômicas, entre homens que doam livremente

em função do bem comum, os talentos, as capacidades empresariais, o profissionalismo ou o

próprio dinheiro.

A Economia Solidária, por sua vez, apresenta-se como um conceito ainda em

construção, divergente entre alguns autores ou interpretado de forma diferenciada, podendo

abranger um numeroso leque de atividades. Essa falta de coesão de seu conceito, todavia, é

visto como algo positivo, por ser a ES um ato de vontade de construir uma sociedade melhor

do que a que vem se apresentando. Assim é que Paul Singer (2005) entende a multiplicidade

de conceitos em torno da Economia Solidária como algo positivo, uma riqueza para a própria

conceituação; diz ele:

Temos o direito de conceber a Economia Solidária de acordo com nossos

princípios e de acordo com nossos valores. Por isso que há tantas concepções

diferentes de Economia Solidária. Eu acho essa diferença desejável. Eu acharia

uma perda se nós nos colocássemos agora em acordo e disséssemos ‘Economia

Solidária é isso e quem não achar isso está errado’ (SINGER, 2005, p.11).

Singer (2002), sustenta que a Economia Solidária surgiu como modo de produção e

distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se

encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho. Para Singer (2002) e

Santos (2002) o início da Economia Solidária é contemporâneo do capitalismo industrial na

Grã-Bretanha, recebendo influência dos socialistas utópicos, como Owen, justamente em

função da onda de desemprego que a industrialização causou na época. Este autor e alguns

outros, portanto, fazem referência às origens da ES como sendo coincidentes com a origem do

cooperativismo.

Alguns autores relacionam a ES com o cooperativismo remetendo-a para o início do a

no de 1844 com os chamados pioneiros de Rochdale – 28 tecelões de uma pequena cidade da

Inglaterra chamada Rochdale - os quais se juntaram e formaram uma sociedade cooperativa,

também embasada no pensamento dos chamados socialistas utópicos, entre eles Robert

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1869

Owen82

.

A unidade característica da Economia Solidária é a cooperativa de produção, onde os

princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as

utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o

número de cooperados não é grande) ou por representação, repartição da receita líquida entre

os cooperados por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação

do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados entre todos os

cooperadores.

Nascendo em um contexto europeu de condições de trabalho precárias o seu início no

Brasil deu-se na década de 1980, desenvolvendo-se de modo mais expressivo a partir da

década de 1990.

A ES conquistou o interesse de estudiosos, do poder público e da sociedade civil,

mostrando-se hoje ao país de maneira mais articulada, por meio, inclusive, de uma Secretaria

dentro do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Nacional de Economia

Solidária (SENAES). Ela visa, por meio de modos de organização de produção e de consumo

diferenciados, criar alternativas de melhores condições de vida, sobretudo para pessoas que se

encontram à margem do sistema, constituindo-se uma solução alternativa para o desemprego.

A EdC e a ES são duas propostas de cunho social e empresarial ao mesmo tempo, que

buscam a promoção do ser humano. Por terem objetivos semelhantes, assim como seus

próprios nomes que sugerem algo voltado para o social, a clareza a respeito de cada uma

dessas iniciativas muitas vezes é comprometida no meio acadêmico.

A partir da visão de Singer (2005) seria possível afirmar que a EdC estaria inserida no

contexto da ES, dada a flexibilidade do conceito de ES que o autor propõe. Todavia, o

conhecimento das duas iniciativas leva a uma análise diferenciada, afinal, academicamente

falando, essa singularidade dos termos e do que significam tem também a sua relevância.

Chiara quando lançou a EdC certamente não estava pensando em um movimento

82

Em meio à exploração dos trabalhadores pelos industriais, comum na época, entre os próprios industriais

destacaram-se alguns que tiveram uma visão diferenciada sobre o modo de se relacionar com os trabalhadores,

como Robert Owen. Ele decidiu limitar a jornada de trabalho de seus operários e passou a não aceitar crianças

trabalhando e ao invés disso as incentivou a estudarem. Esse seu modo de gerir sua indústria lhe trouxe

também maior lucratividade, pois aumentou a produtividade. Owen se transformou em um dos mais

importantes socialistas utópicos mediante a criação de várias comunidades industriais. Fonte: brasilescola.com

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1870

datado anteriormente pela experiência dos pioneiros de Rochdale83

, assim, ao invés disso, a

EdC nasceu da realidade brasileira dos anos 1990, que inclusive se assemelha em grande parte

com aquela presente nas origens da ES.

A Economia de Comunhão, por tudo o que já foi visto a respeito, tem sua origem igual

e distinta da ES ao mesmo tempo. Igual porque foi inspirada pela situação de pobreza

presente no Brasil, mesma problemática da Inglaterra na época, onde essa mesma situação

apresentava-se nas duras condições de trabalho às quais se submetiam os trabalhadores.

Distinta porque nasceu de dentro de uma comunidade, com uma filosofia própria que inspirou

a comunhão já vivida internamente nessa comunidade a estender-se ao meio empresarial.

Além disso, a forma do próprio empreendimento é distinta, uma vez que na ES

encontram-se o cooperativismo e a autogestão como umas de suas principais características. A

EdC, por outro lado, tem como base a empresa capitalista. Nela é o proprietário dos meios de

produção que tem a oportunidade de fazer algo, enquanto na ES são os próprios trabalhadores

que se organizam entre si. Enquanto a EdC propõe um modelo alternativo de gestão, a ES

propõe um modelo alternativo de organização da produção.

Algo a ser colocado em evidência é que a EdC e a ES, entre tantas outras iniciativas,

são, cada uma a seu modo e segundo seus próprios princípios, formas alternativas

que nossa conjuntura vêm forçando a existir, ou seja, o país passa por um momento

onde a sociedade civil se encontra no papel de pressionar o poder público e de fazer

ela mesma a sua parte para buscar formas alternativas de gestão e produção, que

propiciem às pessoas recuperar, em última instância, sua condição de cidadão.

(MARTINS, et al, 2006. p. 12)

Nesse sentido, surge uma questão: mas, uma empresa de Economia Solidária não é

também uma empresa de Economia de Comunhão e vice-versa? Até que ponto um modelo

não contém também o outro?

Segundo Bruni (2005), a Economia Solidária traz à tona um novo formato de

empresas, como o caso das cooperativas, que se caracterizam, principalmente, pelo fato de

83

Apesar de Singer remeter a origem da ES à Owen e aos demais autores denominados socialistas utópicos, ele

vê a ES como sendo não o fruto da criação intelectual de alguém, mas, segundo Singer (2003a, p.13) “a

Economia Solidária é uma criação em processo contínuo de trabalhadores contra o capitalismo”. O que a ES

condena no capitalismo, na visão do autor, é a ditadura do capital da empresa que dá ao empresário o direito

de tomar atitudes segundo sua vontade mesmo se em detrimento do trabalhador e de seu emprego. De fato, “a

empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a

base do capitalismo” (SANTOS, 2002, p.83).

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1871

não terem fins lucrativos. A Economia de Comunhão por sua vez não propõe novas formas de

empresas, mas uma nova cultura que estimula a comunhão entre as pessoas na organização.

Na saída do processo o lucro gerado - perpetuando a perspectiva de comunhão, que não se

limita à organização - é colocado em comum com aqueles que não conseguem suprir suas

necessidades materiais e uma parte contribui com a difusão desta proposta em favor do bem

comum e formação de homens novos. Bruni acrescenta que se a comunhão não se tornar

cultura, não haverá qualquer esperança de a EdC durar no tempo.

Como se pode ver a Economia Solidária e a Economia de Comunhão nasceram da

identificação e necessidade de resolver o problema social, mas com estrutura e perspectivas

diferentes. Assim, as compreensões das especificidades, o alcance de cada uma dessas

iniciativas e a distinção de seus conceitos, pode assegurar a importância de cada uma e,

sobretudo, oferecer uma melhor compreensão da EdC a qual se quer evidenciar. Todavia, é

importante ajuntar que o objetivo não é de estabelecer qualquer tipo de hierarquia da

Economia de Comunhão, mas compreender melhor o tema proposto a fim de poder contribuir

para sua difusão e desenvolvimento.

4. Considerações Finais

Na EdC não se modificam as características e os princípios do capitalismo, mas

renova-se sua dimensão cultural para descobrir a verdade integral sobre o homem e permitir

assim se relacionar com o mesmo dinamismo econômico, porém com uma ética

autenticamente humana, que respeite a dignidade e liberdade do homem. Sendo a economia

uma ciência social, uma aproximação às questões éticas é de todo inevitável pelos teóricos da

economia.

Sen (2006), por exemplo, afirma que o empobrecimento das teorias econômicas

modernas se dá devido ao distanciamento entre economia e ética. A EdC instiga esse debate

ao reintroduzir a ética nas relações de produção, distribuição e consumo, retomada por muitos

economistas, fornecendo hoje para a Teoria Econômica a capacidade de exercer as atividades

que são pertinentes à Economia no que tange à produção de bens num ambiente ético e

harmônico, mostrando que é possível conciliar crescimento econômico e empresarial com

ética e solidariedade.

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ESTÁGIO CURRICULAR E CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: UM DEBATE

NECESSÁRIO NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO

Alano do Carmo Macêdo84

Tatiana Raulino de Sousa85

Resumo No âmbito da educação um tema amplamente discutido pelo serviço social, refere-se ao estágio supervisionado,

principalmente após ser sancionada a Lei 11.788/2008 de 25 de setembro de 2008, a aprovação da Resolução

Conselho Federal de Serviço Social nº. 533/2008 e da Política Nacional de Estágio (PNE) da Associação

Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Nossas inquietações ocorrem devido ao trabalho

desenvolvido no Conselho Regional de Serviço Social - 3ª Região (CRESS/CE), junto a Comissão de Orientação

e Fiscalização (COFI), através dos processos de fiscalização do exercício profissional dos assistentes sociais.

Iamamoto (2009) apontava o Brasil com o segundo maior contingente de assistentes sociais, na época com 82

mil profissionais, sendo superando apenas pelos Estados Unidos da América (EUA). Dados do Conselho Federal

de Serviço Social (CFESS) relativos a setembro de 2012 apontam para um quantitativo de 121.234 assistentes

sociais aptos ao exercício profissional. Cabe aqui ainda expressar que, no XIII Encontro Nacional de

Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), realizado em novembro de 2012, foi problematizado que

vivenciamos historicamente, pela primeira vez, no serviço social brasileiro, um número de alunos em processo

de graduação (143 mil) superior ao quantitativo de profissionais em exercício (121.234). Diante dessa conjuntura

de mercantilização da educação, com o aumento descontrolado dos cursos de serviço social, que por sua vez

acentua a demanda por campos de estágio, temos enfrentado situações cada vez mais complexas de inadequações

desses campos. Este trabalho objetiva problematizar essa realidade complexa e contraditória do estágio

curricular supervisionado em serviço social.

Palavras-chave: Educação. Formação profissional. Estágio curricular.

1. Introdução

Desde os anos de 1990, vem ocorrendo, no Brasil, um processo de reestruturação do

Estado e desregulamentação das relações econômicas e sociais, produto da política neoliberal.

Esta reestruturação como destaca Boschetti (2007), ocorre em três áreas: nas funções típicas

onde se inclui segurança nacional, emissão de moeda, corpo diplomático e fiscalização; nas

políticas públicas, entre elas a educação; e no setor de serviços.

No âmbito da educação um tema amplamente discutido pelo serviço social, refere-se

ao estágio supervisionado, principalmente após ser sancionada a Lei 11.788/2008 de 25 de

84

Universidade Estadual do Ceará, Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social,

[email protected], (85) 8500-8585 85

Universidade Estadual do Ceará, Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social,

[email protected], (85) 8785-4686

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setembro de 2008, a aprovação da Resolução Conselho Federal de Serviço Social nº.

533/2008 e da Política Nacional de Estágio (PNE) da Associação Brasileira de Ensino e

Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Nossas inquietações com essa temática ocorrem

devido ao trabalho desenvolvido no Conselho Regional de Serviço Social - 3ª Região

(CRESS/CE), junto a Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI), através dos processos

de fiscalização do exercício profissional dos assistentes sociais.

No contexto sinalizado anteriormente por Boschetti (2007), verificamos profundas

mudanças no exercício e formação profissional, identificadas com a precarização das

condições de trabalho, provocando mudanças no perfil da categoria, bem como uma intensa

privatização do ensino superior, centrada na abertura desenfreada de vários cursos de

graduação em serviço social nas modalidades presencial e à distância, e consequentemente,

uma exponenciação na demanda por campo de estágio.

Iamamoto (2009) apontava o Brasil com o segundo maior contingente de assistentes

sociais, na época com 82 mil profissionais, sendo superando apenas pelos Estados Unidos da

América (EUA). Dados do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) relativos a setembro

de 2012 apontam para um quantitativo de 121.234 assistentes sociais aptos ao exercício

profissional. Ou seja, em três anos houve um aumento de aproximadamente 50% no número

desses profissionais. Cabe aqui ainda expressar que, no XIII Encontro Nacional de

Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), realizado em novembro de 2012, foi

problematizado que vivenciamos historicamente, pela primeira vez, no serviço social

brasileiro, um número de alunos em processo de graduação (143 mil) superior ao quantitativo

de profissionais em exercício (121.234).

Mediante o levantamento de dados estatísticos do ano de 2012, realizado pela COFI do

CRESS/CE, observamos a existência de 22 unidades de ensino superior que oferecem o curso

de serviço social no Estado do Ceará. Dessas, 14 ocorrem na modalidade presencial86

e oito

86 IES Presenciais: Universidade Estadual do Ceará (UECE); Faculdade do Vale do Jaguaribe (FVJ); Faculdade

de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio (FLS); Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do

Ceará (IFCE) – Campus Iguatu; Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (FAMETRO); Faculdade Vale do

Salgado (FVS); Faculdade Kurios (FAK); Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA); Faculdade Teológica

e Filosófica (RATIO); Faculdade de Fortaleza (FAFOR); Faculdade Cearense (FAC); Faculdade Terra Nordeste

(FATENE); Faculdade Princesa do Oeste (FPO) e Faculdade Maurício de Nassau de Fortaleza (FMN Fortaleza).

Consulta realizada no endereço: emec.mec.gov.br em 04/12/2012.. Consulta realizada no endereço:

emec.mec.gov.br em 30/03/2013.

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na proposta de educação à distância (EAD)87

. Dados do CRESS/CE obtidos dos mapeamentos

dos campos de estágio apontam unidades na modalidade EAD em pelo menos 20 dos 184

municípios do Ceará. Isso revela que 11% dos municípios do Estado possuem cursos de

graduação em serviço social nessa proposta de educação.

Em uma análise mais detalhada desses dados, com relação às instituições presenciais,

constatamos que sete estão localizadas em Fortaleza, uma na Região Metropolitana e as

demais estão em outros municípios cearenses, a saber: Aracati, Crateús, Icó, Iguatu, Juazeiro

do Norte e Sobral. Observamos ainda que, destes 22 cursos, apenas dois são oferecidos por

instituições públicas, sendo: Universidade Estadual do Ceará (UECE), cujo curso completou

60 anos de existência em 2010; e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do

Ceará (IFCE) – Campus Iguatu, tratando-se de grande conquista para a nossa categoria na

defesa do ensino de qualidade, laico, público e presencial.

Dados do CRESS/CE revelam ainda que até o ano de 2009 todos os assistentes sociais

formados no Ceará eram oriundos da UECE, situação totalmente alterada pelo contexto

contemporâneo em razão das implicações ocasionadas pela eclosão de outras instituições de

ensino. Para corroborar esta informação, no ano de 2010, temos a Faculdade Doutor Leão

Sampaio que formou a primeira turma de assistentes sociais proveniente de unidade de ensino

particular no Estado federativo do Ceará. Importa expressar que outras instituições, nos anos

subsequentes, já disponibilizaram, no mercado de trabalho, profissionais com graduação em

serviço social, a saber: INTA, UNOPAR, UNITINS e UNIDERP. Os dados apontam ainda,

parafraseando Iamamoto (2009), para a formação de um crescente “exército de reserva” de

assistentes sociais, ao constatarmos que em 2010 o CRESS/CE realizou a inscrição de 362

novos profissionais em serviço social, dado que foi superado em 2011 pelo quantitativo de

642, ampliado em 2012 pelo pleito de 696, chegando, até março de 2013, a 304 inscritos aptos

ao exercício da profissão.

Constatamos que a precarização da formação superior e o crescimento desordenado e

sem critérios de cursos de serviço social se expressam hoje como o centro das atenções e

87 IES EAD: Universidade Estácio de Sá (UNESA); Universidade Norte Paraná (UNOPAR); Universidade

Paulista (UNIP); Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Universidade Anhanguera Uniderp (UNIDERP);

Universidade do Tocantins (UNITINS) (foi descredenciada pelo MEC, mas ainda está em processo de estágio);

Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES); Centro Universitário do Instituto de Ensino Superior COC

(COC). Consulta realizada no endereço: emec.mec.gov.br em 01/09/2013.

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preocupações de todas as entidades de defesa da categoria. Verificamos, por outro lado, que

estas expressões contemporâneas têm impactos deletérios nas condições cotidianas de

trabalho do assistente social, na medida em que aumenta a demanda por benefícios e serviços

exponencialmente com o aumento da desigualdade e da pauperização absoluta e relativa, no

mesmo passo em que diminuem as condições de atendimento físicas, éticas e técnicas,

incluindo-se impactos, também, na remuneração (BEHRING, 2009).

Diante dessa conjuntura de mercantilização da educação, com o aumento

descontrolado dos cursos de serviço social, que por sua vez acentua a demanda por campos de

estágio, temos enfrentado situações cada vez mais complexas de inadequações desses campos.

O Conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS e Executiva Nacional de Estudantes de Serviço

Social (ENESSO) apontam o estágio supervisionado como “nó górdio”, em especial na

modalidade EAD, ressaltando ser este o alvo do maior quantitativo de denúncias que chegam

a estas entidades. Das inúmeras denúncias destacamos: a quantidade de alunos que ultrapassa

o permitido pela Resolução do CFESS nº. 533/2008 para cada profissional que atua como

supervisor de campo; o descumprimento da orientação da Política Nacional de Estágio quanto

ao número de alunos por supervisor acadêmico; o exercício ilegal da profissão; a supervisão

de campo à distância; a ausência do acompanhamento sistemático da supervisão acadêmica,

entre outras.

Diante do exposto, este trabalho objetiva problematizar essa realidade complexa e

contraditória do estágio curricular supervisionado em serviço social, enfocando suas bases

legais e os desafios postos a esse cenário contemporâneo.

2. Estágio curricular em serviço social no contexto de crise capitalista.

As configurações atuais do estágio supervisionado em serviço social nos inquietam

com a necessidade de aprofundar o debate em torno desse tema de fundamental importância

para a formação profissional. Nesse sentido, a legislação tem papel essencial, em destaque: as

diretrizes curriculares, a lei de estágio e a resolução de estágio, conforme introduzimos

anteriormente.

As diretrizes curriculares do curso de serviço social são resultantes de um vasto e

ordenado debate promovido pelas unidades de ensino ocorrido de 1994 a 1996, período no

qual foram realizados, de acordo com dados da ABPESS (1996, p.2), “aproximadamente 200

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(duzentas) oficinas locais nas 67 (sessenta e sete) unidades acadêmicas filiadas à ABEPSS, 25

(vinte e cinco) oficinas regionais e duas nacionais”.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº. 9. 394,

datada de 20 de dezembro de 1996, as diretrizes curriculares passam a ter como uma das

atividades indispensáveis integradoras do currículo o estágio supervisionado, definido como,

uma atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do aluno

no espaço sócio-institucional, objetivando capacitá-lo para o exercício profissional,

o que pressupõe supervisão sistemática. Esta supervisão será feita pelo professor

supervisor e pelo profissional do campo, através da reflexão, acompanhamento e

sistematização, com base em planos de estágio elaborado em conjunto pelas

unidades de ensino e organizações que oferecem estágio (BRASIL, 1996).

A Lei nº. 11.788/2008 trouxe possibilidades para a compreensão e realização de

estágio, referendando esta atividade como parte inerente do projeto pedagógico do curso,

além de compor o processo de formação do educando. Dessa forma, o estágio é definido

como ato educativo escolar supervisionado,

desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho

produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições

de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação

especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da

educação de jovens e adultos (BRASIL, 2008).

Consideramos que, a lei responsável pela regulamentação do estágio no Brasil,

representa do ponto de vista acadêmico um respaldo legal para todos os alunos que buscam

um estudo prático na área de seu curso, tendo em vista a possibilidade de deslegitimar as

funções que fogem das competências do seu campo acadêmico.

Destacamos também a imprescindível vinculação que deve haver entre a formação

teórica do estagiário e a suas atividades de estágio, possibilitando a articulação entre teoria e

prática no processo de formação profissional.

Cabe pontuar que a legislação específica, ao regulamentar as atuações das supervisões

de campo e acadêmica, viabilizou para além de um estágio normatizado, contribuiu para que

os processos de fiscalização ocorressem de forma mais consistente, uma vez que, como afirma

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Buriolla (2008), a base legal sobre estágio, seja na dimensão geral ou especifica, atribui, na

sua execução, um caráter de “proteção” e de formação prática ao aluno.

Múltiplas questões despontam frente ao cenário contemporâneo, e os desafios relativos

ao estágio se multiplicam na mesma proporção que os novos cursos de serviço social

proliferam, entre as quais podemos destacar: dificuldade quanto à entrega do plano de estágio

pela supervisão acadêmica e de campo; o aumento do número de cursos de serviço social

rebate no crescimento do quantitativo de estagiários por supervisor de campo; estagiário

cumprindo horas referentes a dois níveis num único semestre; mesmo profissional

desempenhando os papéis de supervisor de campo e acadêmico junto ao mesmo estagiário.

Outras situações se referem aos profissionais que são ameaçados de perder o emprego

caso não aceitem supervisionar estagiário, sendo frequentemente constrangidos pelos

“responsáveis” das IES, prefeitos, secretários e empresários de alguns dos municípios,

desrespeitando a legislação pertinente e utilizando do estágio como moeda de troca,

fortalecendo o “jogo” de interesses e a troca de favores.

Tal como assinala Buriolla (2008) a questão da supervisão se destaca como uma

situação cada vez mais complexa e polêmica, sendo identificada nos casos já mencionados.

Objetivando sanar algumas situações irregulares o CFESS aprovou a Resolução nº. 533/2008,

sendo produto de um debate amadurecido pela categoria, tendo como foco a relação entre

Política Nacional de Fiscalização e o estágio supervisionado em serviço social. Sua

elaboração foi justificada, considerando, dentre outros aspectos

[...] que a norma regulamentadora, acerca da supervisão direta de estágio em Serviço

Social, deve estar em consonância com os princípios do Código de Ética dos

Assistentes Sociais, com as bases legais da Lei de Regulamentação da Profissão e

com as exigências teórico-metodológicas das Diretrizes Curriculares do Curso de

Serviço Social aprovadas pela ABEPSS, bem como o disposto na Resolução

CNE/CES 15/2002 e na lei 11.788, de 25 de setembro de 2008; a necessidade de

normatizar a relação direta, sistemática e contínua entre as Instituições de Ensino

Superior, as instituições campos de estágio e os Conselhos Regionais de Serviço

Social, na busca da indissociabilidade entre formação e exercício profissional; a

importância de se garantir a qualidade do exercício profissional do assistente social

que, para tanto, deve ter assegurada uma aprendizagem de qualidade, por meio da

supervisão direta, além de outros requisitos necessários à formação profissional; que

a atividade de supervisão direta do estágio em Serviço Social constitui momento

ímpar no processo ensino-aprendizagem, pois se configura como elemento síntese

na relação teoria-prática, na articulação entre pesquisa e intervenção profissional e

que se consubstancia como exercício teórico-prático, mediante a inserção do aluno

nos diferentes espaços ocupacionais das esferas públicas e privadas, com vistas à

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formação profissional, conhecimento da realidade institucional, problematização

teórico-metodológica (Resolução CFESS nº. 533 de 29/09/2008).

O Conjunto CFESS/CRESS tem oportunizado consideráveis avanços com a Resolução

nº. 533/2008, principalmente com relação a postura profissional dos supervisores de campo,

uma vez que, considerando os atos normativos, esses profissionais estão adequando a

supervisão ao que está previsto na referida resolução. Entendemos ainda que esse é um

trabalho conjunto entre as unidades de ensino e a unidade campo de estágio, devendo ser

articulado para viabilizar condições efetivas de diálogos. São dilemas postos pela própria

dinâmica do exercício profissional do assistente social frente à uma lógica neoliberal,

compreendendo os avanços e desafios que vão além de ter uma supervisão qualificada ou ter

um supervisor, tanto acadêmico ou de campo que atenda as questões da formação.

A ABEPSS (2011, p.13) delineou uma política nacional de estágio na esfera do

serviço social “entendendo-a como fundamental para balizar os processos de mediação

teórico-prática na integralidade da formação profissional do assistente social”. Destacamos

que esta política foi produto de uma construção coletiva, que teve início em maio de 2009

com o lançamento do “documento-base”, que fundamentou o amplo debate na categoria.

A concepção dessa política conseguiu realizar grande mobilização em todo o Brasil.

Em 2009, foram realizados 80 eventos, com a presença 175 unidades de formação e

participação de 4.445 profissionais. Outros dados são ressaltados pela ABEPSS como “o

relatório da pesquisa avaliativa da implementação das Diretrizes Curriculares do Curso de

Serviço Social”, que indicava a necessidade de elaboração de uma política nacional de

estágio. Ramos (2007, p.17) já apontava o imperativo de problematizar algumas questões,

como

[...] a reflexão sobre a relação da quantidade de estudantes estagiários por

supervisores e a qualidade do processo pedagógico; necessidade de ampliação dos

fóruns de supervisores de estágio,sobretudo nas IES públicas; o aprofundamento da

articulação das UE's com os CRESS em relação à supervisão de estagiários

vinculados a cursos de graduação à distância em Serviço Social [...] dentre outras.

Consideramos o contexto como instigante para a discussão sobre o estágio

supervisionado em serviço social, como está posto pela ABEPSS (2011, p.19) ao destacar o

debate do estágio “como estratégia na defesa do projeto de formação profissional em

consonância com o Projeto Ético-Político do Serviço Social”.

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Corroboramos com a posição de Guerra (2009) ao reforçar a importância da

articulação das unidades de formação com os CRESS e em especial com a Comissão de

Orientação e Fiscalização e os agentes fiscais, a fim de almejar uma construção coletiva que

enfrente os desafios pertinentes quando do estágio supervisionado, garantindo a qualidade na

formação pautada na luta histórica do serviço social delineada ao longo dos anos.

3. Reflexões Finais

Atualmente somos desafiados por uma elava demanda de questões provenientes do

tema por ora encetado. Contudo, percebemos que a realidade em sua dinâmica complexa tem

exigido uma postura mais contundente das instituições diretamente imbricadas nos processos

de estágio em serviço social. Identificamos que, com o avanço no aparato legal, a postura das

unidades de ensino e das instituições cedentes de campo de estágio tem avançado no sentido

de dar respostas em consonância ao que prevê o arcabouço normativo.

Como destaca Guerra (2009, p.532), “a supervisão em Serviço Social aparece como

uma atribuição profissional desde a primeira versão da lei de regulamentação da profissão,

que data de 1952, sendo aprovada em 1957”. Dessa forma, se constitui em objeto de pesquisa,

produção teórica e constante debate.

A promoção de fóruns junto aos supervisores tem propiciado um espaço de

socialização de estratégias diante de um contexto deveras desafiante, conforme já pontuamos

anteriormente. Cabe o registro do crescente quantitativo de profissionais que tem aderido ao

evento com participação ativa nos debates. É importante ressaltar que os fóruns estão

acontecendo via CRESS, mas também oportunizado pelas unidades de ensinos públicas e

privadas presenciais.

Destacamos a identificação de avanços e desafios nessa arena contemporânea.

Consideramos que a criação da Resolução CFESS nº. 533/2008 e da PNE da ABEPSS

visibilizaram e estimularam as demandas em prol da fiscalização das condições do estágio. Os

desdobramentos das situações são complexos e demandam estudo, aprofundamento e

discussão com a equipe da COFI, gerando orientação junto ao conjunto CFESS/CRESS, além

de trabalho articulado com a ABEPSS, Comissão Permanente de Ética, assessoria jurídica e

Grupo de Trabalho e Formação Profissional via CRESS.

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1883

Consideramos central este debate no seio da categoria profissional, em prol de uma

formação crítica e de qualidade que esteja articulada com os valores, princípios e diretrizes do

Projeto Ético-Político. Refletir sobre o estágio supervisionado em serviço social nos

possibilita articular as dimensões do fazer profissional nos aspectos teórico-metodológico,

ético-político e técnico-operativo, oportunizando, aos estudantes em processo de formação,

um pensar crítico-reflexivo em prol da concatenação entre teoria e prática, negando a máxima

que historicamente esteve presente na categoria, qual seja, “na prática a teoria é outra”.

Referências bibliográficas

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Serviço Social. Brasília, 2010.

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Estágio. Fortaleza/Ceará. CRESS 3ª. Região, 2011.

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qualidade. In: Revista Inscrita nº11. Brasília: CFESS, Maio de 2009.

BOSCHETTI, I. Subsídios ao Debate sobre Estágio Supervisionado Com vistas à

Regulamentação, pelo CFESS, da Supervisão Direta. Seminário Nacional de Capacitação

das COFIs. Brasília, 2007.

BURIOLLA, M. A. F. O estágio supervisionado. 5ª. ed. Ver. E ampl. – São Paulo: Cortez,

2008.

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______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional

______. Lei nº 11.788 de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes.

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1884

CFESS. RESOLUÇÃO nº 533, de 29 de setembro de 2008. Regulamenta a supervisão

direta de estágio em Serviço Social.

GUERRA. Y. Supervisão em Serviço Social. In: Serviço Social: Direitos e Competências

Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

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e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

______. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 7ª. ed.

São Paulo: Cortez, 2004.

RAMOS, S. R. A prática na formação profissional em Serviço Social: tendências e

dificuldades In: Revista Temporalis n°14. Ano VII. São Luis: ABEPSS, Julho a dezembro de

2007.

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1885

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MODELOS DE PRODUÇÃO E SEUS REFLEXOS

SOBRE A DESREGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL – ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES

Rosane da Silva Valois88

Isabela da Silva Valois89

RESUMO: A desregulamentação do trabalho no mundo tem suas raízes fincadas no período clássico,

quando a manufatura se desenvolvia, destituindo o trabalhador de seus instrumentos de trabalho, e

mesmo do conhecimento dos processos de produção, quando foi introduzido o parcelamento de

produção ou especialização das atividades produtivas. Tal processo é indissociável da exploração do

trabalhador, que se vê à mercê das transformações e seus rebatimentos sobre o modo de produzir que,

ao longo da evolução dos ciclos capitalistas e das mudanças nos padrões de demanda; vai do completo

conhecimento dos processos produtivos, à ultra especialização das atividades, passando para a

polivalência máxima do trabalhador. Nesse contexto, através do resgate histórico dos modelos de

processo de produção do trabalho segundo Marx, Taylor, Ford e Toyota, este artigo pretende verificar

como as mudanças nos modelos paradigmáticos de produção afetaram o mundo do trabalho e como

contribuíram para a desregulamentação do trabalho no Brasil.

Palavras-chave: Trabalho; Capitalismo, Desregulamentação.

1. INTRODUÇÃO

A busca pela máxima utilização do trabalho remonta ao período clássico dos estudos

econômicos, quando o capitalismo ainda firmava suas bases. Com sua consolidação,

observou-se que os movimentos de expansão (recuperação) e refreamento (recessão)

econômico provocaram oscilações desarmônicas entre os produtos potencial e real,

configurando hiatos característicos de um crescimento cíclico. Assim, modelos

paradigmáticos de produção surgem da tentativa de dar sobrevida ao sistema econômico

capitalista, quando este se insere num contexto de crise, de modo que as formas de exploração

das riquezas pelo capital através da reestruturação produtiva são resultados da evolução

histórica dos processos de produção capitalista (ANGELI, 2008).

88

Graduanda em Direito, Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88) 8142-0768, e-mail:

[email protected] 89

Professora Substituta do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88)

3521-1397, e-mail: [email protected]

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1886

Nesse sentido, as mudanças ocorridas no processo trabalho desde a produção artesanal

e os estágios da manufatura e maquinaria, até as transformações mais recentes, envolvendo os

modelos de produção taylorista e fordista, até os métodos de acumulação flexível, como o

toyotismo, contribuíram de forma fundamental para acelerar o processo de desregulamentação

do mercado de trabalho (ou desregulação do trabalho), passando pela desapropriação dos

instrumentos de trabalho, até a destruição e reconstrução das habilidades intelectuais do

trabalhador, culminando com a precarização das relações trabalhistas, intensificada

principalmente a partir da década de 1970, num contexto de crescente globalização da

economia, quando na tentativa de reorganizar o capital, as ideologias neoliberais ganharam

força, através das privatizações e desregulamentação dos direitos trabalhistas, flexibilização

do trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo.

Este artigo realizado com base em pesquisa bibliográfica tem o objetivo de verificar os

rebatimentos das transformações dos modelos produtivos sobre o mercado de trabalho, e se

divide em dois capítulos além da introdução e conclusão. No primeiro capítulo é descrito a

evolução histórica dos processos de trabalho, começando por Marx e sua visão sobre

cooperação, manufatura e maquinaria; passando pela administração científica de Taylor; pela

ultra especialização do trabalho no fordismo; e alcança as bases da acumulação flexível,

tomando como exemplo o Toyotismo. No capítulo seguinte, são feitas algumas considerações

sobre o rebatimento dos modelos reestruturantes de produção sobre o mercado de trabalho no

Brasil, pela ótica da desregulamentação do modo de trabalho.

2. PROCESSOS DE PRODUÇÃO E TRABALHO E SUA EVOLUÇAO HISTÓRICA

2.1 CONSIDERAÇÕES DE MARX

2.1.1 Cooperação90

Para Marx, a produção capitalista efetivamente começa quando trabalhadores

deixam de trabalhar para si mesmo e passam a vender sua mão-de-obra detentores dos

meios de produção. Pela soma desta força de trabalho forma-se uma espécie de

aglomeração que irá produzir de maneira cooperativa.

90

É importante destacar que, num período anterior à Marx, as questões da Cooperação, da divisão e

especialização do trabalho, já haviam sido discutidas por Adam Smith. Porém, o corte metodológico dado nesta

pesquisa tem o propósito de fazer um breve histórico da evolução da organização do trabalho, e não da evolução

do emprego nas diferentes escolas do pensamento econômico.

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1887

Mas a cooperação, para Marx (1994), não tem o sentido de uma aglomeração de

trabalhadores produzindo para si e dividindo o lucro da venda entre os cooperados.

Cooperação é antes o emprego simultâneo de um grande número de trabalhadores

desenvolvendo processos de produção de maneira coordenada.

Essa organização surgiu a partir da idéia e da observação de que uma certa quantidade

de trabalhadores reunidos produzem mais e mais rapidamente do que produziriam a mesma

quantidade de trabalhadores, trabalhando individualmente em todos os processos produtivos

de um produto. Ou seja, a cooperação contribui para que se alcance um resultado que nenhum

homem isolado poderia alcançar, dado que o trabalho combinado dos diferentes trabalhadores

(trabalho coletivo) não corresponde ao trabalho produzido pelo trabalhador individual, dado

que há elevação da força produtiva individual através de uma nova força produtiva – a força

coletiva. A cooperação também eleva a produtividade em escala, além de intensificar a

redução dos custos.

Embora não constitua nenhum modo de desenvolvimento da produção capitalista dado

que o processo de trabalho ainda se conserva em nível artesanal.

2.1.2 Manufatura

A manufatura se desenvolveu de meados do século XVI ao final do século XVIII, a

partir da concentração de trabalhadores produzindo sob o comando de um mesmo capitalista.

Tendo que em seu início era realizada pela reunião de trabalhadores que executavam

diferentes operações independentes, trabalhando o produto até seu acabamento final, com o

passar do tempo, tornando-se um sistema com produção dividida em diversas operações

especializadas, em que os trabalhadores executavam a mesma e única tarefa e a soma dos

trabalhos parciais gerava o produto final.

Para Marx, a manufatura era caracterizada através de duas formas: a manufatura

orgânica (onde o artigo era passado de uma mão para outra e cada mão deixava impresso nele

um trabalho parcial que a cada artesão, ia se completando até que alcançasse o último

operário, o qual o transformaria em um produto pronto); e a manufatura heterogênea (onde a

produção era fracionada em vários processos que exigiam tempos desiguais de trabalhos

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1888

parciais, embora combinados em determinada proporção e força de trabalho com diferentes

graus de formação, permitindo estabelecer uma hierarquia na escala salarial).

A manufatura inicializou a divisão do trabalho, transformando o operário ‘‘num

trabalhador que, sua vida inteira, executa uma única operação transformando seu corpo em

órgão automático e especializado’’ (MARX, 1994, p.381).

Nesse estágio a exploração do trabalhador se traduz na destituição do conhecimento

total das etapas de produção, e na aceleração das atividades em que se imprime cada vez

menos tempo de trabalho em um nível cada vez maior de produto.

2.1.3 Maquinaria

A partir do século XVIII, com a Revolução Industrial e a incorporação das inovações

tecnológicas, que dispensavam grande parte do trabalho manual, as máquinas começaram a

ter um papel de destaque nos processos produtivos. Nesse estágio, as operações que cada

operário deveria realizar foram simplificadas ao extremo e o trabalho humano aderiu

características secundárias de apenas corrigir manualmente o erro das máquinas, manuseá-las

e observar seu funcionamento, cabendo agora às máquinas, a atividade de transformar matéria

prima em produto.

Na produção mecanizada desaparece o princípio subjetivo da divisão do trabalho.

Nela o processo por inteiro é examinado objetivamente em si mesmo, em suas fases

componentes e o problema de levar a cabo cada um dos processos parciais e

entrelaçá-los é resolvido com a aplicação técnica da mecânica, da química etc. [...]

Na manufatura, o isolamento dos processos parciais é um princípio fixado pela

própria divisão do trabalho; na fábrica mecanizada, ao contrário é imperativa a

continuidade dos processos parciais. (MARX, 1994, p. 433)

Na manufatura enquanto o fundamento do processo de produção era a habilidade

profissional do trabalhador, na indústria moderna, passa a ser o instrumento do trabalho, que

se converte em maquinaria.

Esse processo acarretou a desqualificação da mão-de-obra operária, fazendo com que

cada operário fosse responsável por uma parcela cada vez menor e mais simples do processo

de produção e deste modo, surgisse, mais rapidamente, uma quantidade maior de pessoas

prontas para assumir um posto de trabalho. Nesse momento, em que a maquinaria acabou por

tornar dispensável a força muscular do trabalhador masculino (sendo substituída pela força

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1889

motriz mecânica, a vapor ou hidráulica), abriu-se espaço ao trabalho feminino (e ao infantil)

nas primeiras indústrias desvalorizando a mão de obra e aprofundando a desigualdade de

remuneração entre os gêneros.

Na verdade, as máquinas além de reestruturarem todo o processo produtivo, buscando

recompor a taxa de lucro do capital, ao mesmo tempo em que gera uma profunda

desagregação das classes menos favorecidas, impedindo a organização dos trabalhadores em

partidos, sindicatos e associações, para enfrentarem as investidas do capital, contribuíram

muito mais para aumentar a mais valia, do que para reduzir o tempo de trabalho humano,

expondo mulheres e crianças à exploração capitalista, aumentando a jornada de trabalho além

dos limites humanos.

Com o passar do tempo, a intensificação do trabalho provocou reação da sociedade

que, depois de muitas manifestações, conseguiu com que a jornada fosse legalmente limitada

entre 1844 e 1850. Mesmo assim, já que para os capitalistas essa medida trazia prejuízo aos

lucros, o trabalho continuou intenso dado que, os capitalistas passaram a exigir do trabalhador

mais dinamismo e maior velocidade de trabalho num período mais curto, prejudicando a

saúde do operário e, por conseqüência, a própria força de trabalho, mas elevando a

produtividade ao mesmo nível do período anterior à limitação da jornada.

A maquinaria também precarizou as relações de trabalho e destruiu a segurança que o

trabalhador artesanal ou manufatureiro tinha, transformando e alocando a mão-de-obra das

indústrias em cargos perfeitamente rotativos sem interromper o processo produtivo.

Mesmo assim, segundo Marx, economistas burgueses tais como Mill, Torrens e Senior

afirmavam que a maquinaria não seria responsável pelo desemprego dos trabalhadores do

ramo industrial e acreditavam que caso a maquinaria os dispensassem, eles poderiam ser

realocados em outros ramos, correspondendo, desta maneira, ao que os autores chamaram de

teoria da compensação.

O processo de organização da força de trabalho dá um salto significativo no século

XX, com a incorporação, no processo produtivo, das idéias que ficaram conhecidas como

Taylorismo.

2.2 O PROCESSO TAYLORISTA DE PRODUÇÃO

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1890

Quando Frederick Winslow Taylor (1856-1915) assumiu a chefia da Midvale Steel

Company, no final do século XIX, nos Estados Unidos, ele revolucionou não apenas o seu

ambiente de trabalho, mas a relação que o homem tinha com o trabalho em todos os lugares

do mundo. Seu objetivo principal era aumentar a produtividade da empresa em que trabalhava

e, para isso, Taylor fez uma análise geral da estrutura da empresa, começando pelos

trabalhadores da produção, identificou causas para a baixa produtividade e sugeriu

modificações que iniciaram uma nova fase de reestruturação produtiva que buscou reverter a

queda tendencial da taxa de lucro do investimento produtivo (GUILHERMETI, 2004).

É preciso enfatizar que nesse período, segundo Guilhermenti (2004), o contexto vivido

pelos Estados Unidos era de crise geral do capitalismo. O desenvolvimento industrial, que até

então se baseava em lucros comerciais, levou a capacidade de absorção das mercadorias ao

declínio e o aumento da produtividade era visto como a única alternativa para a expansão das

indústrias e para a geração de lucros. Diante desse cenário, Taylor edificou seus postulados a

partir da necessidade de ampliação do ritmo de produção e do barateamento do custo do

trabalho vivo, através de sua redução a trabalhos elementares que dispensavam a qualificação

profissional.

O termo taylorismo pode ser definido, portanto, da seguinte maneira:

[...] a soma total das relações de produção interna do processo de trabalho que

tendem a acelerar a conclusão do ciclo mecânico dos movimentos do trabalho. Essas

relações são expressas num princípio geral de organização que reduz o grau de

autonomia dos trabalhadores e os coloca sob uma permanente vigilância e controle

das ordens de produção. (MORAES NETO, 1989, p. 69).

Segundo Taylor, o operário não tinha capacidade intelectual, nem formação, nem

meios para analisar cientificamente o seu trabalho e estabelecer racionalmente qual o método

ou processo mais eficiente para realizá-lo. Mesmo assim, as operações de produção ficavam

sob o livre arbítrio dos operários, porque a própria administração desconhecia os processos e

o tempo necessário de produção do produto que fabricavam. Para Taylor, esta era a grande

fraqueza da administração: o absoluto domínio que os operários tinham sobre seu ofício.

Para solucionar o problema, Taylor retirou da responsabilidade do operário à

obrigação de ‘’pensar’’, criando um sistema que expropriou a criatividade e a iniciativa dos

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1891

trabalhadores, transformando-os em meras máquinas vivas que deveriam seguir um processo

já planejado:

A chave da administração científica estabelecido por Taylor [...] é o princípio da

separação da concepção e execução ou seja, a separação do trabalho mental e

manual; o conhecimento científico é apenas um suporte para que o capital, por um

lado explore as particularidades do homem enquanto máquina, e por outro,

aperfeiçoe os mecanismos de controle dos passos do trabalhador coletivo (MORAES

NETO , 1989, p.41- 43).

Para tanto, Taylor estudou o tempo e os padrões de produção aplicando vários testes

até encontrar a combinação ótima de cada processo; estudou também, a supervisão funcional,

padronizou ferramentas e instrumentos, planejou tarefas, providenciou a execução, utilizou

réguas de cálculo e instrumentos para economizar o tempo, aplicou fichas de instruções de

serviço. Associou, ainda, a execução eficiente de tarefas a prêmios de produção, classificou

produtos e materiais utilizados na manufatura e criou um sistema de delineamento da rotina

de trabalho. A partir destas atividades, segundo Guilhermenti (200-), ele formulou e inseriu

princípios científicos de administração das atividades operárias que, podem ser resumidos em

quatro conjuntos:

1. Princípio do planejamento – os processos de produção deveriam ser planejados pela

administração a partir de estudos científicos.

2. Princípio da preparação dos trabalhadores – os operários deveriam ser selecionados

de acordo com suas habilidades específicas para atender às exigências do trabalho e receber

instruções sistemáticas e treinamentos que os preparassem para seguir uma rotina de trabalho

preestabelecida, com métodos planejados de produção, para que deste modo, produzissem

mais, em menos tempo e com maior qualidade.

3. Princípio do Controle - o trabalho deveria ser controlado através da supervisão do

cumprimento das normas estabelecidas e segundo o plano previsto.

4. Princípio da Execução – tarefas distintas deveriam ser distribuídas de acordo com as

aptidões dos operários, para que a execução do trabalho fosse mais disciplinada.

A substituição de métodos empíricos e rudimentares por métodos científicos nos

processos de produção, na tentativa de eliminar desperdícios e aumentar a produtividade,

introduzida por Taylor, ficou mundialmente conhecida como Organização Racional do

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1892

Trabalho (ORT), e se trata também de uma nova divisão do trabalho, caracterizado pela

separação da concepção e execução das tarefas, do trabalho físico e mental, além de um

modelo paradigmático de reestruturação produtiva.

O modelo taylorista de conceber a produção invadiu as indústrias americanas e

rompeu as fronteiras do mundo. Seus métodos, aceitos e utilizados até hoje, vigoraram com

força total até meados dos anos 1970, juntamente com o Fordismo, que remodelou os

princípios da administração científica de Taylor, ao aplicá-los nas linhas de produção de suas

fábricas.

2.3 O SISTEMA DE PRODUÇÃO FORDISTA

O período em que se caracteriza o fordismo (1913) coincide com o período de Guerra

Mundial e sua consolidação se dá no pós primeira guerra. É nesse contexto que surgem as

estruturas monopolistas de produção. O regime que impera é o de acumulação intensiva

baseado em ganhos de produtividade; mas o cenário econômico já dava evidências de que a

redução da demanda provocaria um excessivo nível de produção que dificilmente encontraria

caminhos para ser escoada. No entanto, o modelo fordista nos anos que antecedem à crise de

superprodução de 1930, e os anos que a sucedem, como uma nova forma de reestruturação da

produção, tenta superar os hiatos do ciclo econômico, reinventando o modo de produção e de

controle gerencial, injetando dinheiro na economia (através dos salários dos operários) para

incentivar a demanda efetiva e produzindo em massa para gerar demanda em massa.

Para Ford, este modelo artesanal de produção não se encaixava às novas exigências do

mercado. Portanto, resolveu remodelar o seu sistema de produção aprofundando o taylorismo

no processo de trabalho. Na prática, ele procurou aplicar os métodos da organização científica

de Taylor, concentrando-se em cinco transformações principais (MORAES NETO, 1991,

p.70):

1. A racionalização das operações efetuadas pelos operários, afim de reduzir o tempo de

produção, os custos e consequentemente o preço de venda do automóvel:

O fordismo desenvolveu ainda mais a mecanização do trabalho, incrementou a

intensidade do trabalho, radicalizou a separação entre trabalho manual e trabalho

mental, submeteu rigorosamente os trabalhadores à lei da acumulação e tornou o

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1893

progresso científico contra eles como um poder a serviço da expansão uniforme do

valor.`` (AGLIETTA, 1989, apud MORAIS NETO, 1991, p. 72)

2. A desqualificação dos operários;

3. A criação da linha de produção (esteira rolante) que fixa o operário no local

determinado de modo a executar as tarefas em uma seqüência cooperativa que uniria os

trabalhos individuais através do movimento do produto ao longo do processo.

4. A padronização das peças (através da integração vertical), que reduziria os

movimentos dos operários a gestos simples, sem desperdício de tempo para adaptação do

componente ao automóvel;

5. Automatização das fábricas (esteiras automáticas) para reduzir tempo de produção de um

automóvel de doze horas e meia para duas horas e trinta e oito minutos.

Um dos problemas a serem resolvidos por Ford era a falta de mão-de-obra não

especializada. Para garantí-la, estipulou jornada de trabalho de 8 horas diárias, com intervalo

para consumo e lazer, além de um salário de 5 dólares ao dia, enquanto a concorrência pagava

apenas 2,5 dólares. Assim, em apenas dois dias, tinha a sua inteira disposição 10 mil homens,

que concorriam às cinco mil vagas de sua fábrica.

O pensamento de Ford estava em sintonia com o pensamento de Keynes, pois, como

visto, acreditava que a produção em massa gerava o consumo em massa. Deste modo, era

necessário manter um nível elevado de salários, de forma a garantir renda disponível para

efetuar a demanda efetiva.

Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente

com a aplicação adequada ao poder cooperativo... e era tal a sua crença no poder

corporativo de regulamentação da economia com um todo que a sua empresa

aumentou os salários no começo da Grande Depressão na expectativa de que isso

aumentasse a demanda efetiva, recuperasse o mercado e restaurasse a confiança da

comunidade de negócios. Mas as leis coercitivas da competição se mostraram

demasiado fortes mesmo para o poderoso Ford, forçando-o a demitir trabalhadores e

cortar salários. Foi necessário o New Deal de Roosevelt para salvar o capitalismo –

fazendo-o através da intervenção do Estado, o que Ford tentara fazer sozinho.

(HARVEY, 1989, p. 122)

Mesmo assim, com a rígida aplicação do taylorismo, somado às linhas de produção,

apesar do aumento dos custos salariais, Ford consegue reduzir o preço de venda do veículo

porque a produção se intensifica com maior velocidade, assim como o consumo em massa de

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1894

seus automóveis. Seu estilo de produção conquista rapidamente o mercado norte-americano, e

em seguida os mercados mundiais, chegando em 1921, apenas sete anos depois da aplicação

da estratégia fordista, a representar 53% dos veículos consumidos no mundo; além de ‘‘

elevar o capital de sua empresa de 2 milhões de dólares em 1907, para 250 milhões em 1919’’

(GOUNET, 1999, p. 20). Logo:

A nova organização do trabalho implica certa adesão dos operários, ao menos

durante o tempo necessário para que o sistema se generalizasse. É o que levou

Henry Ford a propor a diária de 5 dólares, para atrair os operários às suas fábricas e

retirá-los dos seus concorrentes. Ele pode fazê-lo graças aos ganhos fenomenais que

[obteve] com os novos métodos de produção... os rivais foram obrigados a seguí-lo

para não desaparecerem ou saírem do mercado. De forma que o sistema se estendeu

a ponto de restarem apenas as empresas que o adotaram. (GOUNET, 1999, p. 22)

Apesar disso, o fordismo enfrentou, inicialmente, problemas para se disseminar. A

familiarização do trabalhador com processos rotinizados e que dispensavam habilidades

manuais tradicionais e o conhecimento ou o controle do trabalhador sobre o projeto, além do

próprio ritmo e da organização do processo produtivo, e da altíssima rotatividade da mão-de-

obra, eram ponto de pauta para constantes discussões com os sindicatos dos trabalhadores.

Estes acabaram por fortalecer a esfera da negociação coletiva nas indústrias de produção em

massa, garantido um certo controle sobre as especificações de tarefas de produção, segurança,

promoções, benefícios, salário mínimo, seguridade social etc. Mas o próprio modelo de

produção em massa enfrentou resistência das indústrias européias antes da metade dos anos

1930.

O acúmulo de trabalhadores nas fábricas, organizados em sindicatos, era uma ameaça

constante de fortalecimento do poder da classe trabalhadora. Por isso, a colaboração com o

sistema fordista de produção só se dava através de ganhos de salário que estimulassem a

demanda efetiva. É nesse estágio que a intervenção do Estado se torna fundamental para a

manutenção do sistema. Ele teria que funcionar como um regulador social (walfare state ou

Estado de bem estar social) que além de atacar politicamente os elementos radicais do

movimento operário, principalmente a partir de 1945; deveria ser capaz de criar uma situação

de demanda para os automóveis, de modo a garantir através do crescimento da produção e do

consumo, o relativo pleno emprego. Além disso, o Estado adotaria políticas redistributivas

que fornecessem à população excluída do modelo de produção fordista (mulheres, negros e

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1895

uma minoria desprivilegiada), espécies de salários sociais, seguridade social, assistência

médica, educacional etc; ou seja, elementos que visassem remediar as desigualdades geradas

pela rigidez no mercado de trabalho (que empregava basicamente homens brancos) e a

insatisfação das massas.

O cenário internacional também influenciou o fordismo, que só conseguiu ser

implantado na Europa e no Japão a partir de 1940, e sua expansão e consolidação ocorreu no

pós-guerra, quando os mercados exteriores passaram a receber ajuda financeira americana

através do Plano Marshall, além de significativos investimentos diretos. A absorção do

método Ford de produção também se beneficiou do poder econômico e financeiro dos Estados

Unidos, baseado no domínio militar, principalmente após o acordo de Bretton Woods (1944),

que transformou o dólar em moeda-reserva mundial.

Embora o modelo fordista tenha se mantido forte até 1975, já em meados dos anos

1960 começaram a surgir indícios de sérios problemas que viriam por fim, estagnar o sistema.

A recuperação das economias européia e japonesa provocou redução da demanda efetiva para

os produtos americanos (principalmente automóveis). Os Estados Unidos direcionaram sua

economia para a corrida aeroespacial , e para a guerra contra o Vietnã; mas problemas fiscais

somados à aceleração inflacionária tornaram a moeda instável, sendo a mesma desvalorizada

em 1973 (quebra do acordo de Bretton Woods). Adicionalmente destaca-se a concorrência

dos países recém-industrializados, da formação dos euromercados (1966-1967), e da

substituição das taxas de câmbio fixas por taxas flutuantes. Nesse período, o fordismo

também sofre consequências da crise do Estado de bem-estar social, deflagrado pela

insustentabilidade de manutenção dos programas sociais devido ao endividamento do Estado;

além da crise do petróleo de 1973.

Com todas essas flutuações e crises, depois de quase meio século esgotava-se o

modelo fordista de produção em massa, abrindo espaço para novos modelos reestruturantes de

acumulação, mais adequados a um ciclo econômico com demanda desaquecida, associado a

um novo sistema político em que o Estado deixa de ser interventor e passa a ter orientação

neoliberal.

2.4 O MODELO DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

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1896

A partir de meados da década de 1970, o mundo passou por profundas transformações

nos métodos de organização produtiva. A rigidez do modelo fordista de produção entrou em

confronto com o novo cenário econômico de desaceleração da demanda, onde a produção em

massa já não podia mais ser absorvida. A recuperação das economias no pós-guerra, somada

às novas economias dos países recém-industrializados, aumentaram incrivelmente a

competição entre as indústrias, parcelando os mercados em fatias cada vez menores,

reduzindo as margens de lucro e aumentando a taxa de desemprego. Nesse estágio, a

economia de escala da produção fordista teve que ser substituída pela economia de escopo91

,

com produção de bens variados, a preços baixos e em pequenos lotes.

A idéia principal da acumulação flexível, ao contrário do modelo fordista que

alcançava lucros exorbitantes, é a de manter as empresas no mercado através da máxima

eliminação de custos, da tecnologia multifuncional e da tecnologia de informação. Esse

regime emerge para satisfazer necessidades muito específicas das empresas que já não podiam

manter características fordistas tais como: rigidez salarial e a estabilidade do emprego que

praticamente deixa de existir nesse novo contexto de reestruturação produtiva, dando lugar ao

contratos de trabalho mais flexíveis, às subcontratações, ao trabalho autônomo e ao

agenciamento temporário. O trabalhador desqualificado (parcial), agora assume características

de trabalhador multifuncional; as esteiras das linhas de montagem, que antes

individualizavam o trabalho do operário, abrem espaço para a organização celular, ou seja, ao

trabalho em equipe; a integração vertical é também outra característica do método Ford de

produzir que a modernização flexível não consegue manter devido aos altos custos que ela

representa.

A flexibilidade veio também para adequar as empresas à demanda que também sofre

transformações drásticas em relação às preferências do consumidor, agora ditadas por modas

fugazes. Ou seja, os produtores teriam que acelerar o tempo de giro da produção e dos

estoques (de matéria-prima e de produto pronto) em função do novo tempo de giro do

consumo.

Os arranjos de empregos flexíveis (subcontratação, temporários, e toda categoria de

emprego periférico, ou seja, sem estabilidade) da nova estrutura do mercado de trabalho dos

91

Economia de escopo ocorre quando uma empresa pode produzir quaisquer combinações de dois produtos com

menos gastos que duas empresas independentes, produzindo um único produto cada.

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1897

anos 1970, abriu espaço para a proliferação de um mercado paralelo – o setor informal – que

cresceu rapidamente nos países subdesenvolvidos e também nos capitalistas avançados.

Mesmo os empregos que ainda permaneceram formais e com uma certa estabilidade sofreram

precarização: a perda do poder sindical trabalhista abriu espaço para que o capitalismo

trouxesse de volta a antiga exploração do trabalho, com extensão da jornada (hora extra) ao

invés de realizar novas contratações, prejudicando deste modo, a saúde do trabalhador. Além

disso, a antiga preferência pela mão-de-obra feminina e mal paga nesse cenário de transição

para a acumulação flexível passa a ter um papel de maior consistência nas organizações

produtivas. A participação das mulheres no mercado de trabalho, portanto, aumentou em

cerca de 40%, segundo Harvey (1989, p. 146), em muitos países de capitalismo avançado,

ainda que em condições de trabalho pouco favoráveis.

A flexibilização, segundo Antunes (2003, p. 25) possibilitou a criação ou recriação de

novas formas produtivas, permitiu a articulação do desenvolvimento tecnológico com a

desconcentração produtiva, baseando-se em empresas médias e pequenas e que produzem

para um mercado mais localizado e regional. Ou seja, a especialização da produção buscou

adequar os agentes produtivos a um novo cenário econômico com mercados segmentados e

instáveis, através da flexibilização dos processos, que nada mais era além uma forma de

reestruturar a produção através da combinação de modelos baseados inclusive no próprio

fordismo, mas com modificações mais específicas. A exemplo disso tem-se o toyotismo que

foi um dos modelos readaptados às novas formas de rentabilidade em um novo contexto do

capitalismo, onde é marcante a crise de produção e os padrões da demanda, que teve maior

destaque, implantado no Japão antes mesmo do método Ford extinguir-se.

3 RÁPIDAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

NO BRASIL

A crise estrutural do capital permitiu a expansão de princípios liberais afetando

fortemente o mundo do trabalho, subjugando o trabalhador a novos moldes reestruturantes de

produção, demarcados pelo avanço tecnológico e a acumulação flexível. Nesse contexto,

antigos valores e ideais do liberalismo político e econômico herdados do pensamento

iluminista e da evolução econômica decorrentes da Revolução industrial ocorrida no final do

século XVIII, são retomados a partir da década de 1970, configurando-se como uma “nova

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1898

doutrina”, agora chamada de Neoliberalismo, a qual buscou reduzir a um nível mínimo, a

participação do Estado na economia, conduzindo a realização de privatizações, terceirizações,

além de forte resistência aos movimentos sindicais trabalhistas.

No Brasil, entre as décadas de 1920 e 1930 a classe trabalhadora também tentou

resistir à implantação do modelo paradigmático taylorista, dado que a normatização de suas

novas técnicas produtivas ultrapassariam o estágio de novidade técnico organizacional,

passando a interferir diretamente no movimento de destituição e instituição de direitos

trabalhistas. Seguindo a mesma tendência, também o modelo fordista implementado ainda no

governo Kubtschek (1956-1961), foi repudiado pela classe trabalhadora e pelos sindicatos.

Porém, após o golpe de 1964, por intermédio da coerção e da força que reprimiu as lutas

sociais opositoras ao projeto, tal modelo foi consolidado. Entretanto, segundo Druck (1999), o

desemprego estrutural crônico preexistente no cenário econômico brasileiro impediu a

instauração do pleno emprego proposto pelo fordismo, e o bem estar social não pôde

acontecer.

A crise econômica da década de 1970, deflagrada no bojo da implementação do II

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (que buscava eliminar as lacunas da estrutura

industrial brasileira e os problemas cambiais da segunda crise do petróleo) impactou o modelo

político desenvolvimentista brasileiro, revertendo a tendência de crescimento econômico do

país.

A desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, o combate cerrado ao

sincicalismo classista, a propagação de um subjetivismo e de um individualismo

exarcebados da qual a cultura “pós-moderna” bem como uma clara animosidade

contra qualquer proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital, são

traços marcantes deste período recente (ANTUNES, 2003, p. 40).

As práticas neoliberais, primeiramente adotadas na Inglaterra, ganharam destaque no

cenário econômico mundial através da política econômica conservadora da primeira ministra

Margareth Thatcher, em 1979. Nos Estados Unidos, o paradigma neoliberal passou a vigorar a

partir de 1981, servindo de modelo para os países latino-americanos que enfrentavam

conseqüências de inflações crônicas. Os novos postulados permitiram que o governo norte

americano sustentasse o país na liderança do capitalismo mundial, através da prática de rígida

política externa que defendia os interesses políticos e econômicos do país; além de

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1899

implantação de política econômica interna com vistas para a redução do poder estatal sobre a

economia.

O Brasil absorve o neoliberalismo ainda na primeira metade da década de 1980, durante

o governo Figueiredo, quando o país teve que enfrentar a maior recessão de sua história – a

crise de 1981-1983 que caracterizou os anos 1980 como “a Década Perdida” - , intimamente

associada à difícil situação das contas externas do país e ao segundo choque do petróleo

(1979). O cenário de choques externos expôs a vulnerabilidade da economia brasileira

(quadro de inflação, crescimento da dívida externa, elevadas taxas de juros, desestruturação

do setor público), gerando necessidade de ajustes que desaceleraram o crescimento

econômico (VALOIS, 2007). Nesse cenário em que segundo Pochmann (2001), a taxa média

anual de crescimento do PIB nacional era de apenas 3%, o processo de privatização das

empresas estatais inseridas num panorama de desgaste financeiro e elevado grau de

endividamento, passou a fazer parte das novas estratégias públicas de desenvolvimento,

concentradas em elevar a competitividade e a eficiência econômica do Brasil, além de

reequilibrar as finanças públicas do país, libertando o Estado de atividades improdutivas

(ANDRADE; QUEIROZ, 2008)

As práticas neoliberais no Brasil foram continuadas pelo governo Sarney na segunda

metade da década de 1980, porém com menos ênfase nas privatizações. Nesse período, a

desarticulação do modelo de desenvolvimento industrial, além das fracassadas tentativas de

ajustamento econômico (1979/1983) que conduziram o país à estagnação, também romperam

com o padrão estrutural do mercado de trabalho, refletindo em realocação setorial das

ocupações urbanas, inflação do desemprego e informalidade, tendência à precarização do

trabalho com vistas para a inconsistência salarial , perda de direitos sociais, previdenciários e

trabalhistas, elevação do período de jornada de trabalho e subemprego; além de aumentar a

disparidade distributiva da renda, iniciando uma trajetória de desregulação do trabalho,

configurada pelas transformações dos parâmetros mínimos de utilização do trabalho

(regulamentação das condições de contratação, demissão e jornada de trabalho;

regulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, política previdenciária, requalificação

profissional, e ação sindical) (CARDOSO JR., 2001). Antunes (2003) também aponta o

desmoronamento da União Soviética e do Leste Europeu como um fator responsável pelo

desmoronamento do movimento sindicalistas nesse período.

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1900

A partir de 1990, as reformas econômicas idealizadas no Consenso de Washington no

mesmo período, focadas em políticas de abertura comercial e minimização do Estado através

da privatização das atividades produtivas, foram acatadas pelo governo Collor (1990-1992), e

seus respectivos postulados, aprofundados pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1994-

1998), quando o processo de privatização das empresas públicas e a redução dos gastos

governamentais foram mais impactantes. Paralelo a estas mudanças, também ocorria o intenso

processo de abertura comercial e financeira, que expôs as empresas nacionais à forte

concorrência internacional, e aos novos modelos reestruturantes de produção, desencadeando

um processo de realocação espacial da indústria.

Nesse período (1990-1999), quando segundo Pochmann (2001) o crescimento anual do

país chega a apenas 1,7%, o aumento dos níveis de desocupação e o desemprego aberto

surgem como fatores que intensificam o fenômeno da desestruturação do mercado de

trabalho, associados também aos impactos da abertura comercial e financeira, além das

conseqüências da implementação do Plano Real, que apesar de ter alcançado relativo sucesso

no combate a inflação, influenciou as baixas taxas de crescimento, principalmente durante a

segunda metade da década de 1990, conduzindo a economia brasileira a armadilhas tais como:

(...) a estagnação econômica em que se contata certa incapacidade das forças de

mercado em operar o milagre da retomada do crescimento sustentado, em claros

sinais de que a estabilização sem crescimento do produto não pode se manter

indefinidamente; (...) a crise fiscal e financeira do estado brasileiro, pela qual se

verifica o crescente esgotamento dos mecanismos clássicos de financiamento das

contas públicas; (...) e os próprios sustentáculos da estabilização, cujos anteparos

tem se mostrado extremamente vulneráveis e dependentes das condições do

mercado internacional. A abertura não seletiva com câmbio flutuante (pós

desvalorização em janeiro de 1999) impacta negativamente o crescimento. A

estagnação econômica com juros elevados inviabiliza qualquer tentativa de

recomposição das condições de financiamento do setor público. Por fim, o estado

em situação financeira ponzi92

acelera a deteriorização do cenário político, sintoma

inequívoco do aprofundamento da crise latente no país (CARDOSO JR., 2001,

p.12).

92

Ponzi game: situação na qual um devedor executa uma rolagem perpétua de sua dívida, cobrindo os juros e o

principal de sua dívida passada cm mais dívida no presente (...). Durante os anos 1980, o endividamento externo

brasileiro também teve uma trajetória parecida com o ponzi game, na medida em que se tentou perpetuar o

mecanismo de pagar os encargos da dívida externa, aumentando este estoque com endividamento adicional. No

momento em que os credores internacionais, temerosos dos eventuais efeitos em cadeia da moratória mexicana

(1982), reduziram seus empréstimos para a continuação da rolagem da dívida externa brasileira, o sistema entrou

em crise em 1994, estabeleceu-se um novo acordo para o pagamento da nossa dívida externa (SANDRONI,

2008, p. 669).

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1901

O cenário macroeconômico recessivo somado à ineficácia, ou mesmo ausência de

políticas públicas de garantia de renda e assistência social aos trabalhadores e desempregados

na década de 1990, contribuíram para a aceleração do processo de desestruturação no

mercado de trabalho (ou desregulação do trabalho) iniciado nos anos 1980, caracterizado,

principalmente, segundo Cardoso Jr. (2001), pelo crescimento patológico do setor terciário

(resultado da migração intersetorial das ocupações, além de relativa contribuição do número

de jovens e mulheres na composição da população economicamente ativa – PEA); expressivo

crescimento das relações informais de trabalho (incrementado pela onda de terceirização das

ocupações, declínio relativo do emprego formal, e elevação do desassalariamento voluntário e

involuntário pode ser resultado da racionalização produtiva das empresas impostas pelos

novos padrões de concorrência internacional, afetando a demanda por mão-de-obra e

consequentemente elevando o desemprego); a precarização das relações de trabalho (

intensificada pela informalização das ocupações, mas também pelo processo de reorganização

produtiva e tecnológica que introduziu a flexibilização das relações trabalhistas que afetaram

os níveis de renda, jornada de trabalho e de estabilidade das relações trabalhistas, elevando

consequentemente, a rotatividade do emprego no Brasil); estagnação da dinâmica distributiva

funcional da renda93

, e da distribuição pessoal dos rendimentos (compõe o quadro mais geral

da desestruturação do mercado de trabalho brasileiro, onde a ausência de força sindical, de

políticas públicas de transferência de renda e proteção social reflete em hiatos permanentes

entre ganhos de produtividade e repasses reais dos salários, fazendo com que a participação

dos salários na renda nacional apresente defasagens dado que os ganhos de produtividade

obtidos pelas empresas quase nunca são convertidos em aumentos reais dos salários,

contribuindo para uma deficiente distribuição da renda).

Apesar do histórico de crise econômica se arrastar desde a década de 1980, refletindo

negativamente na situação do trabalhador em todos os campos do trabalho, Cardoso Jr (2001)

ainda afirma que somente a partir de 1994, durante o Governo Itamar Franco, é que se

contextualizam as primeiras iniciativas de desregulamentação do trabalho, no tocante das

condições de contratação e de jornada de trabalho, através de leis tais como a Lei das

Cooperativas (lei n0 8.949) que extingue os vínculos empregatícios entre cooperativas e

93

Participação dos salários na renda nacional.

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1902

associados, destituindo os trabalhadores de direitos trabalhistas essenciais (registro em

carteira, férias, 130 salário, previdência social, descanso semanal remunerado, etc.)

constituindo em um uma forma de flexibilização extrema do uso da mão-de-obra que

precarizou as condições e relações de trabalho, dado que os trabalhadores ficaram

desprotegidos da regulamentação do trabalho, ficando expostos à excessiva jornada de

trabalho, além de rendimentos menores. A Lei n0 9.601 e MP n

0 1.709de 1998, que apesar de

assegurar os direitos essenciais do trabalhador, legaliza a contratação temporária estendida

por um período máximo de dois anos, contribuindo para o aumento da rotatividade do

emprego no Brasil. Nesse sentido, trabalhadores do setor público também foram afetados pela

desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, quando a MP n0 1.522 de

dezembro de 1997 autorizou a demissão de servidores públicos para a realização do ajuste

quantitativo do quadro de pessoal, provocando a extinção dos cargos esvaziados, e a posterior

regularização da contratação temporária também para este setor (CARDOSO JR, 2001).

A remuneração do trabalhador também foi afetada por leis de desindexação que

proibiram seu reajuste automático (CARDOSO JR, 2001). A reorientação das leis para a

realização da reforma do sistema previdenciário brasileiro também buscaram reduzir e mesmo

eliminar as aposentadorias proporcionais por tempo de serviço, mediante a introdução do fator

previdenciário, que rebaixou o valor final dos benefícios, reforçando ainda mais a situação de

prejuízo para o trabalhador na histórica trajetória de transformações do mundo capitalista do

trabalho, relegando ao operário o papel de coadjuvante no processo produtivo e ao capital (ou

o próprio capitalismo), o papel principal, cuja atuação jamais poderá ser prejudicada, mesmo

que para isso (e como tem sido sempre), o coadjuvante tenha que ser sacrificado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As descontinuidades e incertezas conjunturais dos ciclos econômicos mundiais, na

incessante busca pela retomada do crescimento (pós-crise) têm reinventado as formas de

exploração do capital, desde a consolidação do modelo capitalista, irradiando reflexos

negativos sobre o campo do trabalho.

Para Marx (1994), a própria consolidação do capitalismo já se já como uma forma

inexorável de prejuízo ao trabalhador, que destituído de suas ferramentas, torna-se um

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1903

“homem mercadoria”, um “fator de produção”, através da reprodução do seu trabalho num

ambiente cooperativo.

O processo produtivo manufatureiro num período seguinte, constitui-se em uma nova

etapa simplificada de reestruturação produtiva, uma especialização das operacionalidades do

trabalho, que ganhou um caráter de contribuição parcial por parte do trabalhador, nas etapas

do processo produtivo.

Em mais um estágio do capitalismo, dada a emergência de uma nova fase, as forças

produtivas inseridas num contexto de inovação, incorporam a tecnologia maquinaria nos

processos produtivos, elevando o nível de exploração do trabalho, que passou a exigir do

trabalhador mais dinamismo em menos tempo, aumentando a jornada de trabalho a níveis

extremos.

A administração científica do modelo taylorista no final do século XIX, substituindo

métodos empíricos e rudimentares por métodos científicos no processo de produção através

da separação da concepção e execução das tarefas (trabalho físico e mental), mais uma vez

afeta as relações de trabalho e a condição do trabalhador em favor da recuperação do capital,

inserido num contexto de crise. A identificação de métodos pré-estabelecidos que tornou a

produção mais eficiente, significou também a utilização de métodos mais intensos de

trabalho, além de redução do grau de autonomia do trabalhador, destituindo-o de sua

capacidade intelectual, expropriando a criatividade e a iniciativa dos trabalhadores,

transformando-os em “máquinas vivas”.

Com a reorientação econômica voltada para a acumulação intensiva baseada em

ganhos de produtividade, afim de potencializar o consumo em massa através da produção em

massa com baixo custo, a partir de 1913 o Fordismo remodela os princípios tayloristas da

administração científica, introduzindo a linha de produção (automatização das fábricas através

de esteiras rolantes); padronização das peças (integração vertical); além de mais uma vez

promover mudanças no papel do trabalhador no contexto produtivo, através de um novo

estágio de intensificação da racionalização das operações efetuadas ( agora em muito menos

tempo), e o parcelamento das tarefas a níveis muito pouco complexos (estimulando a

rotatividade do emprego), promovendo desta forma, a desqualificação do trabalhador, o qual

perderia a visão geral do processo produtivo, e teria sua participação reduzida a uma tarefa

muito simplificada.

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1904

A recuperação das economias européia e japonesa no segundo pós guerra e

conseqüente redução da demanda efetiva dos produtos americanos, estagnaram o sistema

fordista de produção em massa. O novo cenário de crise fiscal, instabilidade da moeda

americana, aceleração inflacionária, concorrência de países recém industrializados, crise do

estado de bem estar, além de mais um choque do petróleo, exige uma reinvenção do

capitalismo. Nesse contexto, a reorientação neoliberal a partir de meados da década de 1970

afasta o Estado das atividades produtivas, e abre-se espaço para novos modelos

reestruturantes da produção.

A acumulação flexível, marcadamente representada pelo Toyotismo, reconfigura o

modo de produzir e a posição do trabalhador no cenário produtivo. As empresas agora, com o

acirramento da competição em nível global, buscaram se manter no mercado através da

máxima eliminação de custos, tecnologia multifuncioal e tecnologia de informação. O “novo”

trabalhador, tendo que se adaptar a uma nova realidade, de desemprego estrutural,

volatibilidade dos contratos de trabalho, terceirização, e subempregos, obrigou-se à submissão

do trabalho multifuncional com organização celular, ampliação da jornada de trabalho (hora

extra), complexidade das tarefas executadas que exige polivalência e elevado grau de

qualificação que não condiz com os retornos salariais, devido ao enfraquecimento dos

sindicatos.

O Brasil também tem acompanhado as tendências mundiais de transformação do

trabalho em favor do capitalismo e em prejuízo ao trabalhador, desde o Taylorismo entre 1920

e 1930, passando pelo Fordismo a partir de 1964 e intensificando as mudanças do mundo do

trabalho principalmente a partir da década de 1990, quando os princípios neoliberais foram

mais fortemente adotados pelo país, e a abertura causou forte impacto sobre as empresas

nacionais e conseqüentemente sobre o mercado de trabalho, que tem apresentado tendencial

crescimento do desemprego estrutural, e aumento da informalidade, inclusive acelerados por

iniciativas de desestruturação do mercado de trabalho através de leis que extinguiram direitos

trabalhistas e precarizaram as relações de trabalho no Brasil.

REFERÊNCIAS

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1907

GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE EDUCAÇÃO,

EDUCAÇÃO POPULAR (EP) E RELAÇÕES HUMANAS

Amancio Leandro Correa Pimentel94

RESUMO

Tomando por base o pressuposto de que o projeto global vigente vem se pautando nos princípios do

neoliberalismo e este tem como regra e metodologia a competitividade e a liberdade individual,

enquanto busca minimização do Estado e ascensão do mercado, tecemos o presente trabalho com

vistas a fazer uma denúncia do quanto alguns setores sociais como a educação e as relações humanas

vêm sendo negativamente afetados por este projeto. Visto que a globalização vem se colocando como

internacionalização do capitalismo, acreditamos que tal projeto vem servindo a poucos e se colocando

como perversidade para a grande maioria das pessoas. Vejamos: o que se defende é a liberdade

individual para competir, entretanto, nem todos – a não ser abstratamente falando –, tem condições

iguais para competir. O que se tem então? Nada mais que um projeto de conservação e perpetuação de

uma sociedade de opressores e oprimidos. Tal projeto global vem afetando diretamente a educação,

sua gestão e as relações humanas posto que venha impondo sobre os encontros humanos o modos

operandi do mercado. Nas relações sociais o diálogo vai se tornando cada vez mais monólogo ou

contato técnico do que encontros de homens e mulheres para pronunciarem o mundo. Defendemos,

portanto, que professores e gestores devam se assumir como intelectuais orgânicos críticos para junto

à comunidade escolar se posicionarem ante as ofensivas do projeto neoliberal que a tudo quer

submeter. Nesse sentido sugerimos que o corpus teórico do movimento de Educação Popular freiriano

pode subsidiar aos intelectuais orgânicos nesse posicionamento.

PALAVRAS-CHAVE: Globalização – Intelectuais – Educação popular.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho constitui-se de uma reflexão acerca da globalização nos moldes

em que esta vem se dando e dos seus efeitos na educação e nas relações sociais. Acreditamos

que a globalização poderia ser, caso acontecesse com outras bases95

, oportunidade e

possibilidade para um diálogo mais amplo entre culturas e pessoas, culminando em uma

globalização pautada na solidariedade e na ética. Todavia, não é o que vem acontecendo.

94

Graduação em pedagogia pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Especialista em Gestão Escolar pela

(URCA); Docente na rede municipal do Crato: E.E.I.E.F. Luiz Gonzaga da Fonseca Mota; Telefones: 0 xx (88)

3572.2986 / 0 xx (88) 9958.7443; E-mail: [email protected] 95

Referimo-nos a princípios pautados em valores éticos de solidariedade e sentimento de comunidade. Princípios

esses que são marcos teórico do movimento de Educação Popular (EP) de que trataremos ao longo do texto.

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1908

O aporte teórico sobre o qual a globalização se assenta é o neoliberal que tem como

princípios o individualismo e a competitividade que culminam na exclusão que são nada

menos que transgressões do que Freire (2000) chama de ética universal do ser humano.

Portanto, partindo da premissa de que esta globalização serve e funciona para alguns e

acontece como perversidade e exclusão para a grande maioria, procuramos fazer uma leitura e

uma denúncia do alcance que tal projeto global tem tido sobre os diversos setores da vida e

sociedade dentre os quais: a educação e as relações humanas.

Queremos fazer uma reflexão sobre educação e relações humanas com vistas a

transformações sociais autênticas. Mas como fazê-la sem falar de ética?

Contudo, para falar de ética faz-se imprescindível tecer um breve comentário sobre

este movimento global neoliberal que vem afetando perversamente, em nome da liberdade

individual e em detrimento do coletivo, os melhores valores éticos.

A educação tem sido alvo constante de um modelo de gestão que é nada menos que a

transposição, para dentro da escola, das formas de gestão e administração das empresas.

Nesse sentido – além de se fazer uma redução da educação formal a apenas uma entidade

formadora de mão de obra para o mercado de emprego –, procura-se trazer para o interior da

escola o modus operandi do mercado que se pauta na competitividade, no individualismo e na

ausência de solidariedade.

A educação, por sua vez, não se faz dissociada das relações sociais. Nesse sentido,

falar das distorções que logo se manifestam nas relações humanas estabelecidas também se

constitui interesse desse trabalho.

Em contraponto ao projeto neoliberal de sociedade trazemos alguns princípios

fundamentais de um movimento educacional Latino Americano. Educação Popular (EP).

O principal aporte teórico desse movimento são as obras de Paulo Freire e este

defendia, sobretudo, que qualquer projeto de educação e sociedade deveria partir do olhar, da

perspectiva do oprimido (1980), caso contrário o que sempre se teria seria a conservação do

que se tem. Uma educação e uma sociedade diferenciadas para cada classe social.

Tomamos emprestado de Gramsci (1982) e Giroux (1997) o termo intelectual orgânico

e crítico e o relacionamos aos marcos teórico da EP para refletir acerca do quanto, professores

e gestores da educação, assumindo-se como intelectuais, podem ser importantes atores, dentro

das escolas e movimentos educacionais, no sentido de estimular uma reflexão mais ampla que

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envolva cada vez mais a comunidade escolar (pais, alunos, associações de bairros, etc.) para

um posicionamento crítico antes as ofensivas neoliberais ao humano.

1. UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO

Nem a educação, nem as relações humanas se dão de forma ilhada. Portanto, sendo

estas um âmbito social elas acontecem atreladas a agentes influenciadores. Se mesmo as

pessoas individualmente ou coletivamente e os setores informais sofrem influência o que

podemos dizer dos condicionamentos intencionais e determinações conscientes sobre os

modos como a gestão da educação formal e das relações sociais deve acontecer?

A globalização, tal como vem se dando, não acontece com objetivo de interligar as

pessoas ou de proporcionar um diálogo autêntico de culturas pela via de uma comunicação

mais ampla criando assim oportunidades de globalizar valores éticos e humanizadores. “O

termo globalização carrega consigo uma imagem ilusória de integração [...]. Esta imagem

nada tem a ver com o processo de fragmentação e desintegração social que mobiliza” (Pino in

Gentili & Frigotto [orgs], p. 2002, p. 74).

Coronil (2005, p. 50) diz que alguns dos discursos defensores da globalização vigente

levam à “crença de que as diversas histórias, geografias e culturas que dividiram a

humanidade estão se unindo no cálido abraço da globalização, entendido este como um

processo progressivo de integração planetária.” Entretanto, ele prossegue dizendo que “os

relatos mais matizados desautorizam a imagem estereotipada da emergência de uma aldeia

global, popularizada pelas corporações, pelos estados metropolitanos e pelos meios de

comunicação” (Idem, ibidem, p.50). Estes mesmos relatos, alternativos aos discursos

hegemônicos, continuam sua exposição dizendo que a atual modalidade da globalização, a

“neoliberal polariza, exclui e diferencia, mesmo quando gera algumas configurações de

interação translocal e de homogeneização cultural.” (Idem, ibidem, p. 50)

Nas palavras de Milton Santos “a globalização é, de certa forma, o ápice do processo

de internacionalização do mundo capitalista” (2001, p. 23). É nesse sentido que muitas das

medidas que aparentam serem tomadas para favorecer as pessoas, como, por exemplo, a

ampliação da tecnologia, na verdade tem como motivação principal aumentar a capacidade do

mercado de produzir e acumular. Sendo assim qualquer coisa que surja como empecilho ao

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cumprimento instrumental e sem critério de seu projeto, mesmo que sejam pessoas, é

extirpado. Onde está então o forte e cálido abraço de que Coronil fala, acima?

Os principais formuladores do aporte teórico sobre o qual a globalização vem se

apoiando – o neoliberal – são Milton Friedman e Frederich Hayek e estes em suas teses

apontam como bases principais: (i) O individualismo, (ii) a competitividade, (iii) a liberdade

total de mercado, (iv) a minimização do Estado e (v) as privatizações de tudo.

Na série televisiva chamada “Livres para Escolher96

” algumas pessoas ilustres

aparecem para, junto com Friedman, fazerem uma defesa do pensamento neoliberal dentre

elas está o ator e político Arnold Schwarzenegger que depois de se auto afirmar um liberal

convicto diz que as coisas devem funcionar como em uma corrida onde “todos devem

começar juntos, mas de forma algum terminar juntos”97

demonstrando assim, claramente, o

individualismo, a competitividade e a ausência de solidariedade defendidas por esse modelo.

Friedman nesta mesma série defendendo a privatização da educação vai dizer que “a

faculdade vende escolarização. Os alunos desejam comprar [...] os pais e os estudantes são

clientes”98

. Em outro momento ele vai dizer que a história está bem clara e que vão prosperar

os que podem fazer escolhas. Ele fala de uma aparente autonomia e liberdade individual de

fazer escolhas, entretanto, sob esse discurso esconde-se o fato de que a esmagadora maioria

da população não tem nem por onde começar a fazer escolhas que as emancipe

financeiramente muito menos ainda no sentido amplo a que nos referimos quando falamos de

emancipação humana que, dentre outras coisas, é quando as pessoas, em comunidade,

desenvolvem a plenitude de suas potencialidades (MARX, 2007) dando vazão à sua vocação

humana de serem mais (FREIRE, 1980, 1996, 2000).

É uma redução simplista e ideológica dizer que a liberdade de escolhas individuais

serão suficientes para que todos os cidadãos possam se emancipar posto que estamos falando

de uma competição que é estrutural e intrínseca a esse modelo e, sendo uma competição,

sempre haverão uns poucos vencedores e uma grande maioria de perdedores.

Marx, nos Grundrisse, vai dizer que a ideologia propalada pela economia política,

conquanto seja simples, é eficaz. Ele diz que

96

Série criada nos anos 1980 e exibida nos anos 1990 dividida em cinco episódios baseada no livro Livres para

Escolher de Milton Friedman. 97

Fala transcrita da série Livres para Escolher. 98

Fala transcrita da série Livres para Escolher.

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[...] toda essa sabedoria, portanto, em nada mais consiste do que parar nessas

relações econômicas mais simples, as quais, tomadas autonomamente, são puras

abstrações; abstrações que na realidade são mediadas pelas mais profundas antíteses

e só mostram um lado, aquele em que a expressão das antíteses está apagada. (2011,

p. 191)

Ou seja, na realidade as contradições são as mais profundas, entretanto, mostra-se

apenas o lado simples onde todo indivíduo, abstratamente falando, é dotado de liberdade para

se envolver em relações de troca. Todavia, conforme diz Dussel (2012, p. 110) fica evidente

que se

[...] abstrai todo condicionamento ou posição nas relações de produção, todo

indivíduo (seja A ou B) é igual – todos são iguais por definição. No entanto,

construir sobre essa igualdade abstrata qualquer discurso concreto é uma operação

puramente ideológica.

Portanto, esse pensamento – o neoliberal – é nada mais que a conservação e

perpetuação do que vivemos desde muito tempo. Os mais fortes serão os que continuarão

mais fortes. Eventualmente alguns raros conseguirão prosperar... Entretanto, a mídia, que

favorece, em sua maioria, esse tipo de pensamento, também conhecido como “pensamento

único”, fará uma apologia massiva destes fatos isolados para fazer a defesa dessa liberdade e

autonomia distorcidas que na verdade é para muito poucos. Não podemos fazer de exceções

regras e geralmente é isso que o atual modelo faz, na própria série a que nos referimos é feita

uma seleção de fatos e pessoas isolados para fazerem a defesa do liberalismo.

Eduardo Chaves99

, um defensor tenaz do liberalismo, em seu artigo Em defesa do

liberalismo vai enumerar alguns pontos desse modelo sob o qual vem se dando a globalização.

Falando sobre a minimização do Estado Chaves vai dizer que “melhor estado é aquele

que governa menos”100

, todavia, o estado não deve desaparecer, posto que os liberais, segundo

Chaves, não são tão otimistas em relação à natureza humana e, portanto, acreditam que na

ausência de Estado a liberdade individual não poderia ser assegurada. Nesse sentido, o

Estado, para ele, deve ter apenas três funções e nada mais, e estas funções são: função policial

99

Ex-professor da Unicamp, foi também subsecretário de Ensino Superior durante o governo de José Serra

(BIANCHI, 2008) 100

Extraído do artigo Em defesa do liberalismo de Eduardo Chaves disponível em seu site

http://chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/liberal.htm

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(para proteger os indivíduos de outros indivíduos), função judicial (para arbitrar as

desavenças) e a função militar (para proteção externa), fora isso o Estado não deve se “meter”

em mais nada.

Chaves vai dizer que os interesses dos liberais se assemelham aos dos anarquistas, a

diferença principal, segundo ele, é que os anarquistas são otimistas em relação à natureza

humana e por esse motivo não há necessidade de haver Estado. Fazendo uso das palavras do

próprio Chaves não fica difícil pensar na conveniência deste pensamento para alguns e na

perversidade para a grande maioria. Vejamos:

Os liberais, segundo Chaves, não confiam na natureza humana e por isso o Estado

deve regular apenas a proteção dos indivíduos e as questões judiciais. Entretanto, eles confiam

radicalmente no mercado? A história vem mostrando que o mercado não é tão digno de

confiança, até porque é administrado por pessoas, muitas das quais fazem da busca pelo poder

e se manter no poder um fim em si mesmo. Portanto, se for preciso passar por cima de

qualquer um para chegar aos seus fins é o que o mercado fará.

Segundo a lógica do capital tudo vai adquirindo valor de troca e consumo e por isso

vão ficando extremamente voláteis os melhores valores éticos e humanos, onde a confiança e

solidariedade vão cada vez mais se extinguindo.

É nesse tipo de ente que se deve depositar a nossa confiança?

Chaves é bem claro ao dizer que, no que diz respeito ao mercado e tudo o que for

privado e privatizado, o Estado não deve regular nem regulamentar, posto que este deposite

toda sua fé no mercado e em que ele vai cuidar da igualdade e equidade global.

Portanto, se o Estado tem que cumprir sua função de proteção não deveria ele proteger

os indivíduos das perversidades inomináveis e infindáveis do mercado que é seletivo,

excludente e gerador de todo tipo de violências?

Freire (1980) diz que opressor é quem inaugura a violência, não quem, por ter sido

isolado, culpado, excluído e rotulado de fracassado e incompetente comete atos menores de

violência em reação inconsciente ou consciente a uma violência inaugural muito mais

selvagem e inescrupulosa.101

101

Não estamos aqui defendendo os pequenos criminosos o que estamos querendo dizer é que é muito fácil

colocar toda a culpa da violência sobre eles enquanto que a inauguração da violência não advém destes pequenos

criminosos que são mais vítimas que vilões.

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Diante disso é preciso que se faça ecoar cada vez mais a denúncia de que estamos

diante de uma ditadura, nas palavras de Milton Santos (2001), do dinheiro. Ricardo Antunes,

na apresentação do livro Para Além do Capital de Mészáros, nos diz que

[...] não se pode pensar em outro sistema de controle maior e inexorável – e nesse

sentido “totalitário” – que o sistema de capital globalmente dominante, que impõe

“seu critério de viabilidade em tudo, desde as menores unidades de seu

‘microcosmo’ até as maiores empresas transnacionais, desde as mais íntimas

relações pessoais até os mais complexos processos de tomada de decisões nos

consórcios monopólicos industriais, favorecendo sempre o mais forte contra o mais

fraco”. (2011, p.17)

E esse sistema totalitário neoliberal que impõe seu critério de viabilidade em tudo, o

impõe sobre a escola, seus meios de gestão e sobre as relações sociais. Cristina Carriego,

educadora popular e autora do livro Gestión Institucional, diz que o poder político “parece

abandonar a la lógica del mercado la definición de las condiciones institucionales e materiales

que aseguran el trabajo cotidiano” (2007, p. 23).

Não podemos deixar de reafirmar que para “a grande maior parte da humanidade a

globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades” (SANTOS, 2001, p. 19),

diante disso nossa ênfase e denúncia são tecidas na certeza de que alternativas são possíveis e

por isso precisam ser buscadas incansavelmente.

A educação se constitui um campo que pode ser – em sendo encaminhado para uma

direção que procure perceber a realidade e mobilizar suas práticas a partir do olhar dos

oprimidos – um ambiente de luta e busca por uma alternativa. Acreditamos que a educação

formal, sendo um lugar onde a grande maioria das pessoas precisam passar anos importantes

de sua vida, pode contribuir para a formação do caráter e da personalidade propiciando assim

uma formação humana e ética pautada em valores que sonhem com a emancipação humana.

2. PROBLEMATIZAÇÃO OU ACOMODAÇÃO: OS PROFESSORES COMO

INTELECTUAIS CRÍTICOS.

Para Friedman (um dos maiores idealizadores do neoliberalismo) a história está bem

clara, ou seja, não há necessidade de continuar a fazer história, pois ela está pronta e

finalizada. Não é novidade que para os neoliberais a história chegou ao seu fim, ou pelo

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menos é o que, os que se acham os “únicos protagonistas” da história, querem que todos os

demais indivíduos pensem.

David Ibarra, professor de Economia da Universidade Nacional Autônoma do México,

em seu artigo O neoliberalismo na América Latina contribui com nossa discussão quando diz

que

o pós-modernismo neoliberal anuncia o fim da história, dos grandes relatos

filosóficos e suas ideologias, e inclusive a do Estado-Nação com suas

responsabilidades sociais e seu empenho em cuidar do bem comum, da soberania e

identidade nacionais. Em troca, situa a esperança na eficiência de mecanismos

automatizados, fora do desejo humano, como o mercado ou estado de direito

construído ex professo, em torno do próprio cânone neoliberal. (2011, p. 239)

Portanto, após esse anúncio e essa simplificação de como as coisas serão de agora em

diante: (i) a história chega ao seu fim, (ii) basta manter o fluxo como está que melhorará, pois

não há alternativa, (iii) os Estados diminuem sua atuação e (iv) a solução de tudo está nas

mãos do livre mercado. A conclusão a que chegamos é a de que não há mais necessidade de

problematizar a realidade. Bom... Isso é o que querem os defensores dessa ideologia,

entretanto, na realidade “vivemos num mundo confuso e confusamente percebido” (Santos,

2001, p.17).

Diante disso precisamos de ferramentas que nos ajudem a fazer diagnósticos acertados

sobre a realidade e os problemas socioeducacionais que dela emanam, nesse sentido, João

Francisco de Souza apresenta a Educação Popular (EP) como uma teoria geral da educação

onde a pedagogia é “compreendida como resultado de uma reflexão diagnóstica, judicativa,

teleológica sobre os problemas socioeducacionais de uma determinada sociedade na

perspectiva dos interesses dos grupos culturais subordinados” (2010, p. 123). Portanto,

acreditamos ser importante uma leitura, por parte dos professores e gestores dos enunciados

teóricos da EP posto que dentre seus caminhos esteja a busca pela problematização, apreensão

e interpretação da realidade. Não estamos dizendo que ali encontramos respostas, mas uma

grande reflexão entorno dos problemas o que já é suficiente para nos manter em posição de

combate e não de passividade ante as ofensivas da lógica atual.

Contudo, cabe a nós, professores e gestores, como intelectuais orgânicos e críticos, um

engajamento comprometido com a busca por um entendimento maior do mundo e da

realidade para que possamos planejar melhor nossa ação. “A capacidade de criar uma nova

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bagagem cultural que desmonte a ordem social vigente e que desestruture as ‘verdades’ sobre

as quais se alicerçam as formas contemporâneas do poder” (LEDEZMA & BAZAM, 2006, p.

137) faz parte da luta do movimento de EP e acreditamos dever ser parte da luta de todos os

que se propõem a fazer da educação um meio de libertação, humanização e emancipação.

Um agravante dessa situação de acomodação da classe trabalhadora é a divisão de

trabalho que nas sociedades capitalistas opera separando o trabalho intelectual do trabalho

manual (Jezine e Almeida, 2010) o que afirma a prática vigente de que uns pensam para que

outros executem. Isso dificulta um maior envolvimento, por parte de quem executa, com a

totalidade de uma produção seja lá qual for, e, por consequência, um menor entendimento e

escassez de subsídios para questionamento, problematização e intervenção, posto que nesse

formato de produção fragmentada um entendimento fragmentado também é gerado. Nesse

sentido os professores e gestores da educação básica estão entre os que executam, posto que

existam organismos superiores estatais e privados que pensam, criam pacotes e nos entregam

para que os executemos. Diante disso urge a necessidade de, nos apercebendo disso, não

ficarmos passivos e acomodados posto que acreditemos que uma alternativa ao que temos

atualmente não é “loucura” e sim possibilidade.

Mesmo que a cada dia acentuem-se as ofensivas que viabilizam a mercantilização de

todos os setores sociais, dentre eles a educação e as relações humanas e mesmos conscientes

de que essa ação é penetrante, velada e acontece sobre discursos que atenuam suas reais

intenções, tornando ainda mais difícil a sua captação e compreensão, insistimos que é preciso

e possível apreender esta realidade em seus pormenores com vistas a uma “ação política para

desmercantilizar a economia [afim de que] a cultura da vida possa se sobrepor ao processo de

‘coisificação’ dos seres humanos” (LEHER, 2010, p. 31).

É preciso, portanto, que estejamos atentos aos discursos ideológicos como, por

exemplo – assunto proposto por Maria Teresa Leitão de Melo – a questão da gestão da

educação enquanto sendo manipulada para que seja uma extensão dos modos de gestão

empresariais.

3. QUALIDADE TOTAL DA EDUCAÇÃO (GQT)

Melo (2009) diz que nos tempos de vigência do neoliberalismo o tema gestão está

ligado a mudanças conservadoras que são nada mais que variações dos mesmos temas antigos

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que surgem como discurso de novas políticas para melhorar a educação. Todavia, quando tais

discursos são questionados e problematizados em relação a questões como: democracia,

inclusão e público, logo são desmitificados posto que na verdade o que se quer é trazer para o

interior da escola a tese da qualidade total da educação que “propõe como fórmula a ser

aplicada, a da gestão empresarial, na qual a busca por resultados [e] o pragmatismo

pedagógico [...] deixam patente a competividade como método e a busca pelo sucesso

individual como regra” (MELO, 2009).

Rose Mary Juliano Longo (1996), defensora da gestão qualidade total (GQT), tanto

aplicada ao mercado quanto a educação, em seu artigo “Gestão da Qualidade: Evolução

Histórica, Conceitos Básicos e Aplicação na Educação” diz que

a Gestão da Qualidade Total [GQT], exemplo de excelência gerencial nas

empresas, pode contribuir de maneira significativa para a melhoria do

ensino no Brasil. As reais mudanças começam a ocorrer quando os

princípios, conceitos e fundamentos da GQT se integram à cultura da

organização, ao dia-a-dia das pessoas e dos processos organizacionais.

(1996, p. 12)

Ou seja, na visão de quem adere a esse modelo, já que a GQT é um modelo de

excelência gerencial para as empresas, para o mercado, naturalmente será também para a

educação. Entretanto, não se pode ignorar que escolas não são empresas e por isso possuem

especificidades que não podem simplesmente ser adequadas ao modo de gestão empresarial.

Dizer que as escolas devem ser “gerenciadas” da mesma forma que as empresas é fazer da

escola nada menos que uma instituição que serve à lógica do capital. Não é novidade que a

escola seja, em muitos casos, apenas um lugar que não faz mais que preparar para o mercado

de trabalho ou oferecer escolarização mínima necessária para que a admissão nos empregos

seja possível.

Todavia, defendemos e enfatizamos que a escola deve ser lugar de formação humana,

também de qualificação técnica, mas longe de ser apenas isso. A escola deve ser um lugar de

encontro de pessoas complexas habitantes de um mundo complexo que por meio do diálogo

autêntico criam condições para pronunciarem o mundo (FREIRE, 1980).

Sendo assim a escola deve ser um lugar de construção de saber e cultura e por tudo

isso um lugar de emancipação humana. Todavia, a emancipação genuína é promovida quando

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o humano é percebido de modo integral e não fragmentado, e (ou) limitado a uma pessoa

pragmática, eficiente, empregável ou competitiva. A emancipação verdadeira é favorecida

quando as pessoas são estimuladas a darem vasão à sua vocação ontológica de serem mais.

Contudo, de acordo com a perspectiva neoliberal, segundo Gentili (1996), o mercado

não se modifica e, portanto, tudo o mais deve girar em torno dele, ou seja, a educação deve se

adaptar ao mercado.

Entretanto, não podemos deixar de frisar que é justamente no mercado onde se

encontram as raízes da exclusão que é nada menos que uma violência inaugurada por este ente

(mercado) e que vai ter relação, de modo direto, com a exclusão que acontece dentro da

escola e da sociedade.

Ou seja, dentro das escolas encontramos alunos que são vítimas da violência estrutural

e histórica do mercado visto que seus pais, seus avós, etc., já vinham sofrendo essa violência

antes e não foram capazes de oferecer aos seus filhos suporte emocional, afetivo e nem uma

cultura de valorização da leitura, dos estudos, enfim, da educação. A culminância disso, na

maioria dos casos, é a exclusão da educação (mesmo que o educando esteja dentro da escola).

Portanto, o mercado é excludente e de modo direto é um dos grandes responsáveis pela

exclusão na (e da) educação.

Longo (1995, p. 7) diz que o objetivo principal das transformações em que vivemos é

a “elevação do nível global de competitividade da economia, e, nesse contexto, a centralidade

do papel da educação e da produção do conhecimento é reconhecida por todos”. O que é

enfatizado por Longo, enquanto defensora da GQT, é que com o aumento da competitividade

global os olhares e reconhecimentos se voltam para a educação visto que esta tem papel

central em relação à produção de conhecimentos. Entretanto, essa produção de conhecimento

não é percebida como fruto da expressão humana criativa. O conhecimento que é tratado aqui

é fruto da razão instrumental102

que tem como objetivo o uso pragmático e utilitário desse

conhecimento o que culmina no sequestro do conhecimento pelo capital.

Zitkoski, citado por, Alves (2012, p. 3) diz que “[...] o que está na raiz das teorias

sobre Qualidade Total na educação, de reengenharia do ensino, da excelência do ensino é a

102

De acordo com Horkheimer (2002) a razão instrumental é uma faculdade intelectual, cuja eficiência pode ser

aumentada pela remoção de qualquer fator não-intelectual, tais como emoções conscientes e inconscientes.

Nesse sentido a razão instrumental perde qualquer capacidade de julgamento ante os critérios utilizados para um

determinado objeto de estudo. Sendo assim esta razão deve servir a qualquer empenho, seja ele bom ou mal.

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1918

razão instrumental [...]” que tecnifica o conhecimento atrofiando a “capacidade critica e

criativa do ser humano” (Idem, Ibidem). Posto que, como diz Longo (Idem), a GQT só se

concretiza quando cada um dos passos desta é praticado sem falhas, nesse sentido, como dar

vasão à expressividade criativa e crítica dos educandos e educandas se a base de gestão da

educação em que eles estão inseridos é engessada acreditando que só é possível uma gestão de

qualidade se cada passo de seu aporte deve ser matematicamente obedecido?

Essa razão instrumental, a que nos referimos, limita-se a fazer cálculos e encontrar

probabilidades para que se saiba objetivamente o que é necessário ser feito aqui ou ali.

Entretanto, o que implica desde os dias em que esse tipo de razão veio à tona, período

iluminista (BIANCHI, 2008), é o fato de que esta deseja ter “supremacia [...] sobre a razão

crítica” (Idem, p. 51) e, nas palavras de Bianchi, a “perda de toda autoconsciência pela razão”

(Idem, Ibidem, p.51).

Ou seja, em nome desse tipo de razão, acaba-se perdendo a capacidade judicativa

acerca do que deve ou não ser feito de fato já que esta vê em sua frente apenas a busca pela

resolução de seus problemas objetivos e pragmáticos, sem levar em consideração os

contextos, as nuances e incertezas da vida. “O pensamento é, assim, servo de todo empenho,

seja ele bom ou mau” (Idem, Ibidem, p.54).

Uma educação que se paute nos princípios de uma razão instrumental, que procure em

tudo, de acordo com a filosofia da qualidade total, fazer dos seus educandos eficientes e

pragmáticos só poderá aprofundar a ideologia mercantilista que se estrutura sobre a

competividade e individualismo acirrado esquecendo-se de algo que para a vida da

coletividade, ou seja, da sociedade, é fundamental. A solidariedade.

4 INDIVIDUALIDADE E COMPETITIVIDADE EM DETRIMENTO DA ÉTICA

Como já vimos, o modelo de gestão da educação baseado nos pressupostos neoliberais

tem como regra e metodologia a competitividade, ou seja, nada menos que a regra e

metodologia das corporações e empresas, tal como vem se apresentando, transferidos para

educação. Longo (1996), em seu texto supracitado, deixa claro que a educação deve servir

utilitariamente a produção de conhecimento para que a competitividade seja fomentada o que

reforça o fato de que o modelo neoliberal que se transpõe às formas de gestão, seja de

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1919

empresa, seja de instituições educacionais, tem como regra a competitividade e a busca pelo

sucesso individual.

Santos (2001, p.31) diz que “o exercício da competitividade torna exponencial a briga

entre as empresas e as conduz a alimentar uma demanda diuturna de mais ciência, de mais

tecnologia, de melhor organização, para manter-se à frente da corrida.” Ciência e tecnologia

são produzidos pela educação, entretanto, estas são encomendadas pelas empresas não

necessariamente com a finalidade de melhorar a vida das pessoas e da sociedade, mas para

aquecer o mercado. Ou seja, a educação é sequestrada e obrigada a trabalhar para o capital e

este, por sua vez, depende, para se manter, de uma competitividade acirrada entre os seus

agentes.

Não estamos falando aqui de uma concorrência amigável que tem como finalidade a

melhoria das tecnologias para beneficiar a humanidade, estamos nos referindo à barbárie, à

selvageria e perversidade advindas de um desejo irracional de crescimento e acúmulo de

dinheiro. Estamos falando de ausência total de solidariedade posto que esta, a solidariedade,

para ser, precisa acontecer como fruto da ética no seu melhor significado que tem a ver com o

agir, reconhecer e respeitar o outro.

Ou seja, a ética humana é humanizadora por natureza e, por excelência, diz respeito ao

outro, portanto, essa ética que Freire (2000) chama de ética universal do ser humano anda na

contra mão do individualismo e egoísmo que são a base da filosofia neoliberal defendida

pelos autores citados (Friedman, Hayke e Chaves). Esse individualismo e competitividade na

busca pelo sucesso são filiados à lógica do capital que Freire, por sua vez, chama de ética do

mercado que é a transgressão da ética humana. Ele diz que a

ética do mercado, sob cujo império vivemos tão dramaticamente neste fim de

século, é em si, uma das afrontosas transgressões da ética universal do ser humano.

Perversa pela própria natureza [...] No momento em que fosse amainada sua frieza

ou indiferença pelos interesses humanos legítimos, dos desvalidos, o de ser, o de

viver dignamente, o de amar [...] na perspectiva de permanente sim à vida, já não

seria ética do mercado. (Freire, 2000, pp. 117, 118)

Na medida em que a ética universal do ser humano é por natureza humanizadora a

ética do mercado é por natureza desumanizadora posto que oprime e opera contra o sonho,

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1920

contra à vida, contra a solidariedade visto que se paute pelo lucro. Essa lógica acaba por

tomar posse de diversos âmbitos da vida e das relações humanas.

O homem na maioria das vezes não se percebe fragmentado, quebrado, incapaz de

solidez nas relações afetivas. Extremamente frágil no que diz respeito à lealdade e amizade,

indisposto na busca por aprofundamentos em diversos sentidos posto que julgue não ter

tempo para nada que não seja fazer desse tempo, já que tempo é dinheiro, mais um momento

para lucrar em algo.

Essa competitividade e individualismo logo se expressam no diálogo entre as pessoas.

Vivemos numa sociedade onde todos querem falar e poucos querem ouvir, entretanto, diálogo

é falar e ouvir com a mesma disposição. Martin Buber (1982) ao tecer suas muitas reflexões

acerca da relação entre as pessoas, diz que conhece três tipos de diálogo, o autêntico, o

técnico e o monólogo disfarçado de diálogo.

Quando ele fala do diálogo autêntico diz que esse é aquele onde as pessoas,

comprometidas, voltam-se, em inteira reciprocidade, umas para as outras. Ele diz que nesse

momento, mesmo que em silêncio, o diálogo se estabelece posto que os sujeitos de tal diálogo

estejam levando o outro ou os outros em consideração no seu modo de ser, em sua alteridade.

No diálogo técnico o que se vê, segundo Buber, é o encontro meramente utilitário e

objetivo de pessoas, que querem chegar a um entendimento sobre algo, ou seja, o que se busca

aqui é fazer do momento e do encontro uma reunião para esclarecimento sobre quaisquer

coisas.

Em relação ao monólogo disfarçado de diálogo ele vai dizer que os participantes de tal

momento “falam, cada um consigo mesmo, por caminhos tortuosos estranhamente

entrelaçados e creem ter escapado, contudo, ao tormento de ter que contar apenas com os seus

próprios recursos” (1982, p. 54).

Desses três tipos de diálogo Buber vai dizer que o primeiro se tornou raro. E não fica

difícil concordar com ele, pois a impressão que se tem é a de que nos encontros entre as

pessoas poucos são os que de fato estão inteiros e entregues ao encontro para fazer daquele

momento um tempo de reciprocidade viva. Percebemos com muita frequência os encontros

casuais, rápidos e superficiais, seja para esclarecimento e entendimento objetivo, seja para

falar narcisisticamente consigo mesmo (só que com plateia) ou enfim, para falar

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1921

soberbamente apenas para que os outros ouçam posto que só “você” tenha o que dizer e

ensinar.

Acreditamos enfaticamente que tal perversão, no que diz respeito a essa distorção nas

relações humanas, seja em boa medida, agravada pela “ética” (lógica) do mercado que vem

se transpondo para todos os setores da vida.

Sánchez Torrado (in ESCLARIN, 2003, P. 16) falando sobre esses objetivos finais

enquanto necessidade que se tem pelo lucro, pelo acúmulo, enfim, pelo poder diz que tal

[...] produce esclerosis y miopia. Lo que debería ser un medio, se convierte en un

fin: mantenerse en el poder. [...] Cada vez se hace más amenazadora la perversión

del poder y con ella la perversión del hombre. El poder como presencia dominante y

como valor absoluto contamina la libertad e impide el recto ejercicio de la

democracia.

A busca individualista, competitiva e desenfreada por poder, seja em grande ou

pequena escala, é uma busca cega e irracional posto que o faça sem levar em conta nada além

de sua finalidade que, como Sánchez disse, deveria ser um meio para atingir outras

finalidades que contribuíssem para a emancipação humana. Entretanto, a meta é o poder como

fim em si mesmo e a manutenção deste.

A verdadeira emancipação e liberdade não vêm do sucesso individual, estas só são

possíveis na coletividade, é preciso que os indivíduos sejam capazes de saírem de si mesmos e

se voltarem para os outros, como sujeitos, para que a plenitude de suas potencialidades venha

à tona.

Nesse ponto recorremos à Buber mais uma vez quando, no texto citado, ele fala, sobre

as pessoas, que no monólogo, tem a necessidade de falarem para as outras ouvirem. Ali ele

diz que as pessoas fazem racionalizações de que estão dialogando porque não querem ter que

contar apenas com seus recursos. Concordando com Buber, acreditamos que de fato, para

vivermos em plenitude e em liberdade, nossos recursos individuais são parcos, escassos e

limitados.

Precisamos, inevitavelmente, dos outros, dos intercâmbios e da dialogicidade autêntica

com os outros e isso só acontece na coletividade, na comunidade e nunca no individualismo,

portanto, tal lógica que se coloca como transgressão da ética humana não contribui para

liberdade e emancipação humana posto que encerra o homem em si mesmo.

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1922

Nesse ponto acreditamos ser importante pensar sobre a questão do local, da

comunidade, da construção de identidade e do sentimento de comunidade posto que estes

venham sendo comprometidos no “frenesi” da globalização.

5. O GLOBAL E O LOCAL

Arturo Escobar traz uma reflexão importante sobre a questão do lugar, do local. Ele

diz que no “frenesi” da globalização o lugar, o local, vem desaparecendo, entretanto, é no

lugar, diz ele, que se vivem experiências de localidade, de conexão com a vida diária, de

enraizamento, de construção de identidade. Portanto, o lugar continua sendo importante para a

maioria das pessoas, senão para todas. Nesse sentido, “este enfraquecimento do lugar tem

consequências profundas em nossa compreensão da cultura, do conhecimento, da natureza, e

da economia.” (2005, p. 63).

O movimento de EP procura olhar a realidade a partir da perspectiva do local, das

comunidades e do oprimido. Entende-se que o mundo funciona para uns poucos em

detrimento de muitos. Nesse sentido faz-se necessária uma defesa intensa do lugar e do

entorno mais direto. A imposição das culturas dominantes sobre as “outras” vem acontecendo

de modo que o local vem sofrendo as consequências disso. Por sua vez, a educação e as

relações sociais também vão ficando cada vez mais fragmentas devido ao desaparecimento

paulatino do local como num ciclo vicioso.

As comunidades menos favorecidas e, portanto, menos detentoras de meios de

comunicação e produção acabam por terem inibida sua expressividade, criatividade e

potencialidades. O que acontece aqui, nada mais é que uma violência transgressora da ética

humana que, conforme suas maneiras de agir vêm atropelando tudo e todos que, de certa

forma, não cooperam com a globalização cultural capitalista. Afinal para que tal globalização

se torne viável faz-se necessário à dominação cultural e ideológica onde faz parte da

estratégia levar as pessoas a acreditarem que existe uma cultura e um pensamento que sejam

melhores do que outros.

Diante disso, uma educação e sua gestão que tenham como aporte teórico a qualidade

total e a razão instrumental (i) contribuirá inevitavelmente para a supressão da cultura local,

ao invés de estimulá-la e (ii) não fará grandes esforços para atrelar o trabalho escolar à

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1923

comunidade em que a escola se encontra posto que a finalidade do seu trabalho é o global e

não o local.

CONCLUSÃO

Diante disso acreditamos que gestores e professores, profissionais que se

reconhecendo condicionados, mas não inexoravelmente determinados (Freire, 2000), devem

se posicionar criticamente ante a ditadura do mercado que a tudo quer submeter. Portanto,

enquanto profissionais da educação professores e gestores não poderiam se limitar a pensar

apenas a escola em suas questões técnicas, devem, todavia, buscar a leitura da realidade, a

compreensão da história e a problematização do mundo para que como intelectuais, no modo

de falar de Gramsci (1982), possam se engajar na luta contra a dominação do mercado, não

apenas na educação, mas na sociedade como um todo.

Não perceber ou não buscar perceber os temas atuais da realidade local e global faz

com que os profissionais da educação fiquem alienados apenas às questões instrumentais e

técnicas dentro do âmbito da escola, entretanto, no momento em que entendem que devem

expandir seu olhar, acabam por obter uma compreensão mais concreta do que acontece dentro

da escola melhorando assim sua incidência nos trabalhos pedagógicos.

Sabemos que, enquanto profissionais da educação, por vezes temos sido tomados por

um volume perverso de trabalho o qual nos tira o tempo para reflexão sobre assuntos

imprescindíveis. Portanto, o desafio de captar os temas atuais e problematizá-los torna-se

ainda maior, contudo, não podemos abrir mão dessa busca contínua pelo entendimento do

mundo e da realidade para que possamos fazer lúcidas e certeiras intervenções.

Acreditamos que alternativas ao modelo neoliberal existem, são possíveis e devem ser

buscadas. Defendemos que a escola e o trabalho docente podem ser espaços e instrumentos

importantes nessa busca e na construção de relações sociais verdadeiramente pautadas em

valores éticos que busquem transformações sociais que para serem autênticas devem objetivar

e emancipação humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1927

MERCADO DE TRABALHO SOBRE O PRISMA DAS TRANSFORMAÇÕES NO

MUNDO RURAL: O CASO DE BAIXO JAGUARIBE (CE)

Christiane Luci Bezerra Alves103

Evânio Mascarenhas Paulo104

RESUMO

O desenvolvimento de atividade pluriativas entre os ocupados rurais certamente é um dos fenômenos

mais importantes na análise das configurações do mundo rural. Sendo assim, esse trabalho desenvolve

uma caracterização desses novos padrões de relações de trabalho induzidas pelas transformações do

mundo rural para a região do Baixo Jaguaribe-CE. Os dados usados na pesquisa provêm dos censos

demográficos de 2000 e 2010. Depreende-se que à medida que as atividades agrícolas se dinamizam e

se modernizam uma gama de atividade se desenvolvem com consequência contribuindo para a

formação de grupos de indivíduos com características bem particulares para o meio onde vivem.

Sendo que essas novas atividades tendem a se expandirem de forma significativas.

Palavras-Chave: Mercado de trabalho rural; Baixo Jaguaribe; Trabalho Agrícola; Trabalho Não

Agrícola.

ABSTRACT The development of activity among employed rural pluriactive is certainly one of the most important

phenomena in the analysis of rural settings. Thus, this paper develops a characterization of these new

patterns of labor relations induced by changes in the rural world to the Lower Jaguaribe - CE. The data

used in the study come from the population censuses of 2000 and 2010. It appears that as the

agricultural activities is streamline and modernize a range of activities to develop thus for the

formation of groups of individuals with very specific characteristics for the environment where they

live. Since these new activities tend to expand so significant.

Key-words: rural labor market; Low Jaguaribe; Agricultural Work, Non-Farm Labor.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a agricultura brasileira vem esboçando um contínuo processo de

transformação de seu panorama. Essas mudanças envolvem a redimensão e redefinição do

papel da agricultura na economia brasileira, sob a luz das transformações capitalistas que

atingem os sistemas de gestão da produção e do trabalho nos diferentes segmentos da

economia. A agenda de transformações envolve, portanto, a ação ‘modernizadora’ do

103

Docente do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri; (85) 9710-6400;

[email protected] 104

Mestrando em economia Rural pela Universidade Federal do Ceará; (85) 97299825;

[email protected]

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1928

processo produtivo na cadeia agrícola, conferindo-a um caráter mais individualizado e

consonante com a lógica de acumulação capitalista, possibilitando uma maior integração da

unidade produtiva primária às redes de produção agrícolas e não agrícolas. Isso tem levado ao

avanço de novas atividades no interior da própria agropecuária. Esse processo está ligado à

manifestação de um caráter “pluriativo” nas atividades desse setor, principalmente

condicionada pela emergência e multiplicação dos chamados “agronegócios”.

Deste modo, seguindo os ciclos de transformações da agricultura, identificam-se

diversos componentes que traduzem as mudanças nas atividades agrícolas e no meio rural

como um todo. A análise além da ótica da produtividade aponta que as transformações da

agricultura têm sido socialmente excludentes, provocando a diminuição abrupta das

populações rurais, sendo também ambientalmente prejudiciais aos ecossistemas naturais.

Nesse sentido, apesar da elevação da produção, parte considerável da população mundial,

inclusive nos países onde a modernização tecnológica tem sido mais intensa, não consegue

sequer atingir os limites alimentares mínimos (SCHNEIDER; NAVARRO, 2006, p. 1).

O comportamento do mercado de trabalho, subordinado às lógicas das relações de

produção, passa a ser ditado pelo movimento dos fenômenos que afetam o paradigma

agrícola, traduzindo-se em uma elevação contínua da produtividade do trabalho nas tarefas

agropecuárias. A esse respeito, Silva (1998) enfatiza que em função das mudanças nas

unidades produtivas agropecuárias, duas grandes transformações ocorrem no mercado de

trabalho agrícola: i) nova divisão do trabalho no interior das unidades familiares, liberando

alguns membros das famílias para se ocuparem em outras atividades, alheias a sua unidade

produtiva; ii) os membros da família que já conduziam individualmente a atividade agrícola

têm o seu tempo de trabalho reduzido, de tal sorte a possibilitar a combinação da produção

agrícola na sua unidade com outra atividade externa, agrícola ou não.

Silva (1998) afirma, ainda, que a diferença entre os termos está na unidade de análise:

o primeiro diz respeito às famílias e seus membros; enquanto que o segundo diz respeito ao

estabelecimento agropecuário, observando-se o tempo dedicado ao estabelecimento pelas

pessoas envolvidas nas suas atividades agropecuárias. Desse modo, no primeiro caso, os

indivíduos liberados pelo processo de modernização/mecanização da produção mantêm sua

estrutura domiciliar ligada ao meio rural, mais deslocam sua força de trabalho para atividades

não necessariamente agrícolas, ampliando e consolidando uma categoria de indivíduos rurais

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1929

que exercem atividades não agrícolas. A forma de inserção desse trabalhador no mercado de

trabalho não agrícola, em muitos casos, dá-se de forma precária, devido às mais frágeis

condições de qualificação dessa mão de obra. No entanto, isso não significa o rebaixamento

do padrão de qualidade das ocupações em relação ao trabalho na agricultura, pois a estrutura

produtiva agrícola anterior ao processo de modernização revela indícios de precarização

muito mais intensos, quando comparado aos setores não agrícolas.

Nesse sentido, as conclusões de Balsadi e Silva (2008, p.2) ganham relevância ao

mostrar que “os movimentos gerais da agricultura tiveram como resultado o aumento das

discrepâncias na qualidade do emprego agrícola entre as diferentes categorias de empregados,

reforçando uma tendência de polarização dentro do mercado de trabalho assalariado agrícola”.

Assim, considerando o fato das ocupações agrícolas diminuírem nos ambientes

urbanos, concomitante ao aumento de ocupações não agrícolas, até mesmo no meio rural,

percebe-se um claro processo de uma urbanização para além dos limites das cidades. Para

Monte-Mór (2006, apud CORDEIRO NETO, ALVES, 2009 p. 328) observa-se

[...] a tese de urbanização extensiva, caso brasileiro que trata de uma “urbanização

que ocorreu para além das cidades e áreas urbanizadas, e que carregou com ela as

condições urbano-industriais de produção (e reprodução) como também a práxis

urbana e o sentido de modernidade e cidadania”. Assim, o urbano no mundo

contemporâneo seria “uma síntese da antiga dicotomia cidade-campo, um terceiro

elemento na oposição dialética cidade-campo, a manifestação material e sócio-

espacial da sociedade urbano-industrial contemporânea estendida, virtualmente, por

todo o espaço social”.

Considerando tal cenário, o trabalho em questão pretende desenvolver reflexões acerca

das transformações no meio rural na região do Baixo Jaguaribe-CE, sobre o prisma do

mercado de trabalho. Para isso, são discutidos, inicialmente, aspectos relevantes sobre as

novas determinações do meio rural e suas implicações sobre o mercado de trabalho,

contextualizando as alterações recentes pelas quais passa a região do Baixo Jaguaribe

Cearense. A caracterização demográfica e socioeconômica da região é explorada na seção

três, seguida, na seção quatro, de um panorama do comportamento do mercado de trabalho na

região, a partir de dados dos censos demográficos de 2000 e 2010. Por fim, são feitas as

considerações finais deste trabalho.

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1930

A REGIÃO DO BAIXO JAGUARIBE E AS NOVAS DINÂMICAS NO MEIO RURAL

CEARENSE

Os anos 1970 na economia nacional são marcados por diversas transformações na

estrutura produtiva, que envolvem a consolidação da matriz industrial brasileira, com fortes

investimentos na indústria de bens intermediários e de capital. O modelo de desenvolvimento

do período promove alterações na base produtiva que passam a contemplar também fortes

modificações na base agrícola, no processo conhecido como “modernização conservadora”,

envolvendo reorientações na base técnica e nas relações sociais de produção. O setor primário

assume então uma estrutura diversificada e heterogênea, complexa e multideterminada,

constituída por diferentes complexos agroindustriais (CAIs) (SILVA, 1998). A intervenção

pública oferece subsídios para o fortalecimento dos elos da cadeia agroindustrial105

e sinaliza

para ações de implantação de perímetros públicos irrigados, através de uma política estatal de

irrigação.

Nos anos 1980, a crise fiscal do Estado, refletida na incapacidade do mesmo de

formular políticas de desenvolvimento e, consequentemente, políticas setoriais, terá

rebatimentos no ajuste estrutural experimentado pelo setor agrícola. A necessidade de geração

de superávits comerciais, da primeira metade da década, redireciona investimentos públicos

para culturas de exportação e na segunda metade dos anos 1980, as políticas públicas

impulsionam um novo modelo de irrigação, privilegiando a irrigação privada106

.

Mas é na década de 1990 que esse modelo se consolida e os espaços agrícolas se

modernizam na perspectiva de articulação dos modelos locais à dinâmica internacional

globalizada. Nesse cenário, áreas produtivas, “manchas férteis” presentes na região semiárida

nordestina, integram-se aos interesses hegemônicos do agronegócio, incorporadas a um novo

circuito produtivo de empresas nacionais e estrangeiras, determinando um novo papel na

divisão internacional do trabalho agrícola (ELIAS, 2006), onde o desenvolvimento da

fruticultura irrigada passa a ser um dos pilares das estratégias governamentais voltadas para a

região Nordeste. Apesar das históricas adversidades climáticas da região, um conjunto de

105

Através de programas como: Programa de Assistência Financeira à Agroindústria e à Indústria de Insumos,

Máquinas, Tratores e Implementos Agrícolas (PROTERRA/PAFAI), 1971 e Programa de Desenvolvimento da

Agroindústria do Nordeste (PDAN), criado pelo Banco do Nordeste e pela Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, a partir de 1974. 106

Destacam-se, nesse período, o Programa Nacional de Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis

(PROVÁRZEAS) e o Programa de Financiamento para Equipamentos de Irrigação (PROFIR).

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1931

elementos condiciona a mesma como espaço de materialização da agricultura científica e do

agronegócio globalizado: condições naturais favoráveis à fruticultura, com a presença de

solos diversificados e férteis, baixa umidade relativa do ar e luminosidade acentuada; políticas

de irrigação; intervenção pública na criação de infraestrutura, com melhorias nos sistemas

viários e de escoamento da produção e incentivos fiscais e financeiros, fundamentais para

atração de investimentos externos.

Neste modelo, há um “incremento da oligopolização do espaço agrícola brasileiro,

acompanhado de um paralelo processo de fragmentação” do mesmo (GOMES, 2010, p.61),

onde as políticas públicas se direcionam de forma seletiva para determinados espaços,

promovendo a constituição de “arranjos territoriais produtivos agrícolas” e especializando

suas culturas.

Há que se destacar o cenário que caracteriza a economia estadual, marcada, na década

de 1990, por uma estratégia de crescimento econômico baseada em medidas de saneamento

da máquina estatal e rigoroso ajuste fiscal, investimentos em infraestrutura e no uso intensivo

de incentivos fiscais e financeiros para atração de investimentos industriais107

, que garantiram

uma dinâmica consistente de crescimento do produto e emprego industrial cearense.

Para o setor agrícola estadual, os programas implementados tiveram como objetivo a

ênfase na modernização da produção agrícola, na consolidação de agropólos e agronegócios,

com projetos de irrigação108

e fortalecimento dos complexos agroindustriais, como forma de

propiciar o aumento da renda, produtividade e competitividade no meio rural. Assim, o Ceará

também se insere na nova lógica de acumulação capitalista do campo e a “força da

modernização capitalista legitima no território do Estado as racionalidades ditadas pelo

mercado, erigindo novas organizações espaciais em benefício das trocas globais” (PEREIRA

JÚNIOR, 2005, p. 130). Como consequência, o agronegócio como um todo admite uma

fração de extrema importância para a economia cearense e estudos demonstram que cerca de

107

Os chamados FDI, Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI-PROVIN, pós 1989) possibilitaram ao Estado

o estabelecimento de incentivos, sob a forma de empréstimos, utilizando como base o Imposto Sobre Circulação

de Mercadorias e Serviços – ICMS (VASCONCELOS, ALMEIDA, SILVA, 1999), revertidos como capital de

giro, destinado principalmente às empresas que se instalassem ou que resolvessem se modernizar, ampliar e

relocalizar suas plantas industriais no Ceará. A partir de 2002, a concessão de incentivos no estado do Ceará

passou a ser orientada pela visão de cadeias produtivas, com o objetivo de que os investimentos possam integrar

e aumentar a competitividade de polos produtivos, diminuindo a necessidade de novos incentivos. 108

Impulsionados pelo Programa Cearense de Agricultura Irrigada (PROCEAGRI), da Secretaria de Agricultura

Irrigada (SEAGRI).

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“um terço da economia estadual depende do setor agropecuário e de suas conexões”

(GUILHOTO; AZZONI; ICHIHARA, 2009, p. 19).

É a partir da regulação desse novo modelo de base econômica e com a incorporação de

novos perímetros irrigados, voltados para os padrões de competitividade internacional, que a

Região do Baixo Jaguaribe cearense desponta como uma nova organização espacial de

produção capitalista no Brasil, destacando-se como “uma das “manchas” de expansão e

desenvolvimento desse mais recente modelo de racionalidade produtiva cearense” (PEREIRA

JÚNIOR, 2005, p. 133), sendo beneficiada por um vale úmido próximo à Chapada do Apodi e

uma rede hidrográfica de grande importância para a região.

Como observam Elias, Muniz e Bezerra (2007, p. 34), “a velocidade das

transformações em curso na região do Jaguaribe (CE) pode ser observada pelas metamorfoses

das forças produtivas introduzidas pelas empresas agrícolas, das relações sociais de produção,

assim como pelas transformações dos regimes de exploração do solo, com a expansão da

exploração direta por parte de grandes empresas agrícolas, nacionais e multinacionais”.

Desse modo, a microrregião do Jaguaribe (CE) vem obtendo resultados significativos no setor

agropecuário graças, em grande parte, aos programas de fomento das atividades primárias na

região que ajudaram-na a se inserir no cenário interno, e até mesmo internacional, da

produção agrícola, baseado principalmente na fruticultura, ao colocar em curso esforços no

sentido de promover a viabilidade daquelas empresas na região.

Um dos pontos de maior destaque na evolução da atividade agropecuária na região do

Baixo Jaguaribe pode ser notado a partir da expansão da participação da microrregião no PIB

agropecuário do estado, a qual passa de apenas 7,5% em 2000, passando a representar 13,5%,

em 2008. A expansão do agronegócio na região também contribui para que a mesma amplie

sua participação no PIB total do estado de 2,6% para 3,2%, no período referido. O que reforça

a noção de que os programas governamentais de fomento do setor primário ajudaram a

colaborar para esse resultado. Vale enfatizar, ainda, que a expansão do emprego formal

agropecuário se deu de forma bastante rápida ao longo da década de 1990, onde se concentra

grande parte das intervenções governamentais com o intuito de promover uma dinâmica

econômica baseada na modernização das atividades primárias. Verifica-se, no período

recente, crescimento vigoroso tanto do número de estabelecimentos e emprego formal como

na distribuição dos mesmos pelos municípios que compõem a região, passando o número de

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1933

empresas de 4 para 55 e os empregados de 52 para 2.921, de 1985 para 2002, respectivamente

(ELIAS, MUNIZ; BEZERRA, 2007, p. 32-47).

A consolidação do agronegócio no Baixo Jaguaribe materializa processos de

transformações locais de todos os aspectos, que passam a determinar novos padrões de

organização socioespacial, transformação nas tradicionais estruturas agrárias, amplas

alterações nas relações campo-cidade e na divisão territorial do trabalho, bem como sensíveis

impactos sobre o meio ambiente. Particularmente no vetor ambiental, as externalidades

geradas pelas empresas refletem-se no padrão de vida das populações ligadas diretamente ou

não às atividades do agronegócio.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTRUTURA ECONÔMICA DO BAIXO

JAGUARIBE

Nas últimas décadas do século XX, a microrregião do baixo Jaguaribe, no nordeste do

Ceará, passou a se destacar pelos elevados níveis de crescimento econômico. Os resultados da

economia da microrregião estão, certamente, ligados ao desenvolvimento de atividades

primárias, que contribuíram para inseri-la nas redes de comércio, tanto nacional como

internacional.

Os dados apresentados no tabela 1 representam indicadores demográficos e

socioeconômicos dos dez municípios que compõem a microrregião do Baixo Jaguaribe. A

população residente da região é de cerca de 313.474 pessoas, sendo o município de Russas o

mais populoso, com 69.883 habitantes. Em termos de área, o Baixo Jaguaribe se estende por

aproximadamente 9.951 Km2.

TABELA 01

Baixo Jaguaribe

Indicadores demográficos e socioeconômicos selecionados - 2010

Município População Área Densidade

Demográfica PIB per capita

Alto Santo 16.359 1.338,7 12,2 R$ 4.712,45

Ibicuitinga 11.335 424,2 26,7 R$ 4.000,43

Jaguaruana 32.236 867,3 37,2 R$ 7.384,47

Limoeiro do Norte 56.264 751,5 74,9 R$ 7.145,92

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1934

Morada Nova 62.065 2.779,2 22,3 R$ 6.169,23

Palhano 8.866 442,8 20,0 R$ 5.287,00

Quixeré 19.412 616,8 31,5 R$ 39.997,39

Russas 69.833 1.588,1 44,0 R$ 7.950,07

São João do Jaguaribe 7.900 280,4 28,2 R$ 5.308,22

Tabuleiro do Norte 29.204 861,8 33,9 R$ 5.835,82

Baixo Jaguaribe 313.474 9.951 31,5 R$ 9.379,10 Fonte: IPECE, (2013) e IBGE, (2013).

O município com maior densidade demográfica é Limoeiro do Norte (74.9), que é

também o segundo mais populoso da região. Entretanto, a densidade demográfica da

microrregião é em geral baixa, sugerindo um mercado de trabalho rural de dimensões

relativamente elevadas, dada a estrutura agrícola de envergadura significativa que ali tem se

desenvolvido.

Dentre os municípios com maior PIB per capita destaque especial deve ser dado ao

município de Quixeré, apresentando, nessa variável, valores correspondentes a R$ 39.997,39,

sendo o município que mais cresceu nos últimos anos.

Os dados do tabela 02 ajudam a dimensionar o padrão de crescimento esboçado pelo

Baixo Jaguaribe nos anos recentes. O crescimento médio do Produto Interno Bruto da região

foi de 19,4%, entre 2005 e 2010. O município de Quixeré teve um crescimento médio de

97,8% no mesmo período, muito embora tenha sido o mais afetado pelo quadro recessivo

iniciado no último trimestre de 2008, com um recuo de -31,7% no seu PIB no ano de 2009,

quando os efeitos da crise econômica de 2008 tornaram-se mais evidentes e severos.

TABELA 02

Baixo Jaguaribe

Produto Interno Bruto a preços de mercado – 2005-2010

[R$ mil]

Municípios 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Alto Santo 37 997 45 155 51 972 64 910 72 421 77 096

Ibicuitinga 26 404 32 101 29 141 38 409 40 277 45 345

Jaguaruana 117 739 145 685 146 261 184 526 209 210 238

068

Limoeiro do Norte 270 192 330 732 402 049 490 508 356 309 402

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1935

180

Morada Nova 193 659 234 803 265 724 320 942 351 118 383

023

Palhano 18 641 22 406 33 356 31 036 38 838 46 890

Quixeré 128 897 163 727 178 359 198 347 135 489 776

829

Russas 290 900 346 242 377 166 431 695 441 189 555

646

São João do Jaguaribe 24 732 28 381 29 835 33 992 37 257 41 946

Tabuleiro do Norte 81 331 95 296 100 116 121 734 137 985 170

464

Ceará 40 935 248 46 303 058 50 331 383 60 098 877 65 703 761 77 865

415 Fonte: IPECE, (2012).

Esse comportamento do PIB dos municípios da região ajuda a compor uma

perspectiva do grau de integração da cadeia produtiva do Baixo Jaguaribe aos grandes fluxos

de comércio internacional. No entanto, esses mesmos dados evidenciam que as atividades

econômicas desenvolvidas naquela região apresentam alta sensibilidade às flutuações da

economia internacional. Esse comportamento segue a tendência da economia brasileira na

primeira década dos anos 2000, que tem parte da dinâmica de sua demanda agregada

condicionada ao contexto internacional favorável no mercado de bens, o qual manteve a

expansão do comércio mundial, valorização do preço internacional das commodities e

momentos de expansão da liquidez, mas que pelos mesmos mecanismos, também torna mais

vulnerável as economias com alto nível de integração à cadeia internacional. Percebe-se,

ainda, a elevada assimetria nos níveis de desenvolvimento econômico da região, através das

disparidades apresentadas pelo PIB nos diferentes municípios.

Outro importante dado acerca de caracterização econômica da região é a estrutura

setorial do PIB municipal. Nas unidades municipais de maior porte é mais forte a presença do

setor de serviços, dado o maior nível de complexidade da economia dessas cidades. Em

contrapartida, nos municípios menores a participação de atividades primárias é mais

significativa. De forma geral, depreende-se uma forte participação da agricultura na formação

do PIB da microrregião de estudo, seja como contribuição direta de agropecuária, como

mostrado no tabela 3, ou por seus efeitos de propagação nas cadeias industriais e/ou de

serviços, como evidenciado pela literatura.

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1936

TABELA 03

Baixo Jaguaribe

Estrutura setorial do valor adicionado a preços básicos – 2009 e 2010 (%)

Municípios

2009 2010

Agropecuári

a

Indústri

a

Serviço

s Agropecuária

Indústri

a

Serviç

os

Alto Santo 27.8 11.9 60.3 24.4 13.9 61.7

Ibicuitinga 14.5 10.6 75.0 11.6 11.8 76.6

Jaguaruana 20.7 25.1 54.2 16.7 27.6 55.6

Limoeiro do Norte 18.2 20.7 61.1 14.0 21.8 64.1

Morada Nova 13.2 30.2 56.6 12.6 28.9 58.5

Palhano 30.2 9.5 60.3 31.4 10.0 58.6

Quixeré 40.7 12.6 46.7 3.6 6.1 90.2

Russas 7.4 25.9 66.8 10.8 24.3 64.9

São João do

Jaguaribe 24.0 10.8 65.2 21.9 12.7 65.4

Tabuleiro do Norte 10.2 18.5 71.3 8.7 21.4 70.0 Fonte: IPECE, (2012).

ESTRUTURA DO MERCADO DE TRABALHO DO BAIXO JAGUARIBE

Os novos processos de acumulação no meio rural conferem às áreas mais

desconectadas das grandes cidades a possibilidade de auferirem uma dinâmica econômica de

certa envergadura e complexidade, de forma a se inserir nos fluxos nacionais e internacionais

de comércio. Esses fenômenos, certamente, implicaram em novos padrões e formas de

contratos de trabalho no espaço rural que permitiram/induziram novas determinações das

relações de emprego, com fortes reflexos no perfil do trabalhador rural.

Nos estudos das relações de trabalho no meio rural, há que se observar que na medida

em a agricultura se torna mais mecanizada, as antigas relações de trabalho, características

desse setor, vão sendo extintas e em seu lugar surgem novas formas de ocupação. Ao mesmo

tempo, novas determinações alteram o comportamento dos trabalhadores rurais, levando-os a

assumirem novas características, tornando-os, por exemplo, mais pluriativos, tendo-se, como

consequência, o aumento do desemprego agrícola decorrente desse processo.

Assim, ao longo de várias décadas o mundo rural foi palco de um intenso fluxo de

migração de áreas rurais para áreas urbanas, contribuindo para que as atividades primárias

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1937

fossem se constituindo num “reservatório” de mão de obra barata, com baixos níveis de

qualificação, que poderia ser ocupada ou subocupada em atividades não agrícolas urbanas.

Esses movimentos ainda podem ser percebidos de forma ainda intensa em regiões onde as

áreas rurais são significativamente mais atrasadas.

Os estudos sobre as questões do meio rural, nos últimos anos, todavia, sugerem uma

suavização desse fluxo espacial. No entanto, o fluxo setorial vem se intensificando na medida

em que as atividades não agrícolas ampliam sua participação no número de trabalhadores

rurais, o que pode ser caracterizado como um processo de urbanização para além dos limites

das cidades. Pode-se considerar, então, uma alteração importante na configuração das relações

de migração rural, havendo, pois, uma substituição de migrações espaciais para migrações

setoriais.

Com isso, assiste-se modernamente ao desenvolvimento dos chamados “novos rurais”,

onde a dinâmica da produção dos agronegócios, prática que congrega as redes de produção

agrícolas e não agrícolas, mas que estão ligadas ao universo agropecuário, repercute

decisivamente na configuração, qualidade e dinâmica do emprego agrícola no Ceará.

Os dados apresentados a seguir ilustram as alterações das relações de trabalho para a

região do Baixo Jaguaribe, no Estado do Ceará. Essa região, com enfatizado em seções

anteriores, congrega grandes redes de produção agrícolas que alcançaram um

desenvolvimento significativo nos últimos anos e pode servir como um parâmetro para

avaliação dos impactos das transformações no mundo rural sobre as novas determinações das

relações de emprego.

Depreende-se, de início, um crescimento muito mais intenso das atividades não

agrícolas, até mesmo no meio rural (que apresenta uma taxa de variação maior para esse tipo

de ocupação do que o próprio meio urbano, 35,3%, contra 34,1%). Conclui-se que a expansão

das atividades não agrícolas é quase que uma decorrência do próprio processo de

desenvolvimento agrícola, pois na medida em que os arranjos agropecuários se consolidam,

os efeitos de encadeamentos gerados tendem a repercutir decisivamente nas atividades não

agrícolas. Estas atividades, por sua vez, congregam uma gama de segmentos onde a oferta de

emprego é necessariamente muito maior que das atividades primárias que as determinaram.

Na análise comparativa entre os censos de 2000 e 2010, o emprego agrícola teve uma

redução de 2,6% no total, o que mostra que as atividades primárias, em termos de geração de

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emprego, são muito menos dinâmicas que as atividades não primárias. No entanto, é

importante se ter em mente que os empregos no setor primário costumam ser largamente mais

precários que os não agrícolas e são exatamente tais tipos de ocupação que tradicionalmente

costumam ser destruídas no processo de modernização do campo. Assim, na dinâmica de

criação e destruição de formas e padrões de ocupação no campo, desencadeada por suas novas

configurações produtivas, as atividades primárias perdem postos de trabalho no meio rural,

que são mais precárias, e geram postos de trabalho agrícola, mas ocupados por indivíduos do

setor urbano que tendem a ter maior qualidade. É necessário atentar que as dinâmicas do

mercado de trabalho em cada espaço têm padrões muito distintos, pois na medida as

ocupações agrícolas se reduzem no espaço rural (redução de 10,7% na década de intervalos

dos censos) o emprego agrícola urbano vem aumentando (crescimento de 22,3% no mesmo

período).

TABELA 04

Baixo Jaguaribe

Dinâmica do Mercado de Trabalho Agrícola e Não Agrícola - 2000 e 2010

SITUAÇ

ÃO

2000 2010

NÃO

AGRÍCOLA

AGRÍCO

LA

TOTA

L

NÃO

AGRÍCOLA

AGRÍCO

LA

TOTA

L

Urbano 45.935 9.558 55.493 61.606 11.688 73.294

Rural 14.392 29.373 43.765 19.474 26.219 45.693

Total 60.327 38.931 99.258

81.080 37.907 118.98

7 Censos Demográficos do IBGE.

Com relação às dinâmicas do mercado de trabalho urbano e rural, percebe-se um

volume bem mais intenso na geração de postos de trabalho nas áreas urbanas, que

apresentaram uma variação de 32,1%, ao passo que o mercado de trabalho rural teve uma

expansão de apenas 4,4%; vale notar que esse crescimento positivo só foi possível graças a

aumento do emprego em atividades não agrícolas, mas ocupadas por indivíduos do

grupamento rural.

O novo dimensionamento do mundo rural traz alterações importantes não só em

termos de dinâmica do mercado de trabalho, mas também na qualidade das ocupações

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agrícolas, que passam a assumir uma estrutura mais qualificada em virtude das atividades não

agrícolas contratarem de forma mais formalizada e com melhores níveis de rendimentos, por

exemplo. Desse modo, uma das transformações mais interessantes nas relações de trabalho no

meio rural certamente é o aumento considerável do nível de formalização das ocupações.

Como resultado da expansão do agronegócio, responsáveis pela difusão de um novo

modelo de produção agropecuária, fazendo destas áreas pontos de conexão de

circuitos espaciais da produção do sistema alimentar globalizado, o comportamento

endógeno das relações de trabalho vêm sendo transformado. Desse modo, a

mudança do padrão de produção acompanha-se de um aumento do mercado de

trabalho agrícola em moldes capitalistas, especialmente a partir dos anos 1990

(ELIAS, 2006, p. 41).

O tabela 05 traz informações acerca das posições do mercado de trabalho na região do

Baixo Jaguaribe. Onde se verifica a expansão das ocupações formais em volume superior às

informais (crescimento de 65,9% para as primeiras e de 21,3 para a segunda), aumentando sua

participação de 30% para 37% da mão de empregada.

TABELA 05

Baixo Jaguaribe

População Ocupada Rural segundo posição de Ocupação - 2000 e 2010

POSIÇÃO DE OCUPAÇÃO 2000 2010 VARIAÇÃO

Empregados 36.667 49.318 34,5

Com Carteira 10.873 18.041 65,9

Sem Carteira 25.794 31.277 21,3

Trabalho Doméstico 1.599 1.812 13,3

Com Carteira 43 59 37,2

Sem Carteira 1.556 1.752 12,6

Conta própria 12.737 10.315 -19,0

Empregadores 392 223 -43,1

Não remunerados 6.026 1.358 -77,5

Próprio consumo 5.896 9.203 56,1 Censos Demográficos do IBGE.

Outro ponto a ser destacado é o crescimento da taxa de assalariamento na região, que

passa a representar cerca de 68% das população ocupada rural, ao passo de posições menos

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1940

qualificadas com o trabalho por conta própria e os não remunerados apresentarem reduções

importantes de 6 e 8 pontos percentuais, respectivamente.

Assim como observa Elias:

[...] as profissões ligadas ao setor da agropecuária são as que apresentam o maior

número de admissões na região do baixo Jaguaribe. Assim, o mercado de trabalho

agrícola tem hegemonia sobre o mercado de trabalho formal total da região. Desta

forma, confirma-se a tendência de expansão da agricultura e de relações capitalistas

baseadas no trabalho assalariado (ELIAS, 2006, p. 41).

Sendo assim, o mercado de trabalho sofre indícios de um processo de uma nova

territorialização que estão subordinadas as lógicas de reestruturação do espeço agrícola

regional. Logo, as novas dinâmicas da agricultura determinam as múltiplas faces do perfil dos

trabalhadores rurais e modificam até mesmo os mercado de trabalho urbano, dando-lhe novas

dinâmicas e configurações, que por sua vez transformam e/ou retransformam o mercado de

trabalho agrícola, em uma processo de retroalimentação. Em outras palavras, a dinâmica do

mercado de trabalho agrícola segue no rastro das alterações produtivas e se reflete, assim, em

profundas modificações no âmbito socioeconômico (ELIAS, 2006).

A que se observar, no entanto, o surgimento de polos agrícolas nos subespaços do

semiárido no interior do Nordeste alinhados as lógicas de produção e consumo globalizado,

do qual o Baixo Jaguaribe é um exemplo, não são eficientes/suficientes para rompe com os

tradicionais níveis de pobreza desse espaços, pois segundo Elias (2006, p. 46) “ocorrer com

grande produção de riqueza, cada vez mais concentrada, paralelamente a uma enorme

produção de pobreza, cada vez mais difundida, além de criar muitas novas desigualdades

socioespaciais.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento de atividades não agrícolas em espaços antes concebidos como

sendo exclusivamente rurais e agrícolas criam novas relações de ocupações, que conferem ao

mundo rural uma dinâmica baseada no desenvolvimento daquelas atividades, que por sua vez

alteram até mesmo a percepção acerca do meio rural, que passa a ser compreendido agora

como um espaço de reprodução também do capital não agrícola.

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1941

Essas novas alterações no padrão de dinâmica e do próprio mercado de trabalho

parecem ser um fenômeno consolidado que tende a se diversificar e ampliar à medida que as

cadeias produtivas agrícolas e não agrícolas se integrem.

A microrregião do Baixo Jaguaribe no Ceará apresenta um desenvolvimento do

mercado trabalho de certa magnitude. Não obstante, nota-se que o meio rural dessa região

sofre rupturas importantes, pois a oferta de trabalho não agrícola tende a ser muito mais

elevada que a essencialmente agrícola, até mesmo no mundo rural. Conclui-se, também, que

os níveis de formalização no meio rural aumentaram significativamente com a expansão das

atividades não primárias, como um indicativo que os novos padrões de contratos de trabalho

no meio rural sejam de maior qualidade em termos de ocupação. No entanto, esse processo

ocorre alheio ao desenvolvimento de políticas públicas que garantam que esse processo se

consolide de forma equilibrada em termos de melhora na condição de vida dos trabalhadores

rurais.

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1943

MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO E EDUCAÇÃO À

DISTÂNCIA NO SERVIÇO SOCIAL: LIMITES E IMPLICAÇÕES PARA O

PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DA PROFISSÃO

Ana Karine Ferreira da Silva Fechine109

Thanúsia Hensel da Cunha110

“A educação não deve qualificar para o mercado, mas

para a vida” (Meszáros).

RESUMO

O objetivo desse texto é analisar a formação profissional do assistente social via modalidade de ensino

a distância no contexto da contrarreforma da educação superior brasileira, apresentando os limites e as

implicações que essa forma de ensino acarreta para a profissão de acordo com o que é preconizado

pelo projeto ético-político do Serviço Social. Nesse sentido, através desta reflexão teórica elencamos

breves considerações acerca da trajetória histórica do serviço social brasileiro e consolidação da

hegemonia de um projeto profissional crítico, mas permeado por desafios na medida em que a

formação profissional na contemporaneidade se encontra submetida aos moldes da mercantilização do

ensino superior e da expansão do ensino a distância.

Palavras-chave: Ensino a distância; Serviço Social; projeto ético-político.

ABSTRACT

The aim of this paper is to analyze the training of social workers via distance learning mode in the

context of counter-reform of Brazilian higher education, with the limits and the implications that this

form of teaching brings to the profession in accordance with what is recommended by ethical-political

project of Social Work. Accordingly, through this theoretical reflection we list some brief remarks

about the historical trajectory of the Brazilian social service and consolidation of hegemony a

professional design critic, but permeated with challenges as the professional training in contemporary

times is subjected to molds commodification of higher education and the expansion of distance

education.

Keywords: Distance learning; Social Work; ethical-political project

Introdução

109

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (84) 9922-1905 [email protected] 110

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (84) 9936-3507 [email protected]

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1944

Este artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica acerca da mercantilização da

educação superior brasileira, que tanto evidencia a lógica da quantidade em detrimento da

qualidade do ensino e daremos ênfase à modalidade de Ensino a Distância (EaD) que se

apresenta na atualidade como uma das formas mais evidentes da precarização da educação

superior. Dentro dessa perspectiva, trabalharemos a inserção do curso de Serviço Social no

EaD em virtude da visibilidade que este tema tem alcançado nos inúmeros debates que estão

ocorrendo no âmbito da categoria profissional.

Dessa forma, esta produção bibliográfica centra-se numa abordagem sobre a trajetória

do Serviço Social no Brasil e a construção de um projeto profissional crítico e hegemônico no

interior da categoria, balizado pela defesa intransigente dos direitos humanos e da liberdade

como valor ético central, preconizando a formação profissional de qualidade e tendo como

pressuposto a elaboração de currículos e projetos pedagógicos compatíveis com as diretrizes

do curso.

As exigências da formação profissional de qualidade no contexto da contrarreforma do

ensino superior são colocadas em pauta no âmbito da profissão, tendo em vista o aumento da

privatização do ensino e o crescimento da modalidade de ensino à distância.

Para uma melhor compreensão serão utilizados dados retirados do site do Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) que possam ajudar na

exemplificação das informações que serão explanadas. Esses dados serão analisados de forma

breve, numa perspectiva dialética que poderá nos fornecer subsídios para uma abordagem

crítica que melhor trabalhe o tema em questão.

Por último, traçaremos breves considerações acerca do movimento histórico em que o

Serviço Social brasileiro se engaja em um projeto de ruptura com setores conservadores da

sociedade e o envolvimento da categoria com a classe trabalhadora. Dessa forma, abordamos

como o projeto ético-político profissional se desenvolve e se consolidada em um contexto de

efervescência política; de participação massiva dos/as assistentes sociais em fóruns de debate,

seminários, oficinas e etc.

Analisaremos também, os limites e as implicações que essa forma de ensino acarreta

para a profissão de acordo com o que é preconizado pelo projeto ético-político do Serviço

Social, por entendermos que a formação é um processo permanente que se apresenta com um

dos seus pilares constitutivos. Portanto, procuraremos problematizar porque a graduação à

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1945

distância é incompatível com o Serviço Social e quais as consequências para a formação

profissional em relação à expansão desta modalidade. Para tanto, realizaremos uma revisão

bibliográfica do tema, procurando dialogar com autores, assim como também nos propomos

analisar documentos balizadores do exercício profissional do assistente social, tais como o

Código de Ética e as Diretrizes Curriculares.

A conjuntura da contrarreforma do Estado brasileiro e a mercantilização do ensino

superior

Para contextualizar as mudanças ocorridas no Brasil no que diz respeito à educação,

temos que ressaltar que a Contrarreforma111

do Estado brasileiro não pode ser compreendida

de maneira isolada, mas sim, em associação ao contexto de transformações mais profundas,

como a crise mundial do capital dos anos 1970, que ocasionou uma série de transformações

na estrutura social.

Como consequência e resposta a essa crise vivenciamos a chamada restruturação

produtiva que trouxe para a sociedade mudanças nunca antes pensadas para o mundo do

trabalho cujo objetivo era restabelecer o padrão de acumulação do sistema capitalista através

da recuperação do seu ciclo produtivo que anteriormente havia dado sinais de esgotamento.

Mas essa reestruturação não se limitou apenas ao aspecto econômico, pois, o sentido da

acumulação capitalista compreende a reprodução da totalidade da vida social, e que, portanto,

deveria abranger também as dimensões social, política e cultural.

Segundo Behring (2008), o padrão de crescimento capitalista, que teve o seu auge no

pós-guerra, apresentou a sua primeira exaustão mundial. Em meados da década de 1970,

houve uma expressiva queda nos lucros, endividamento internacional e consequente

superacumulação, ocasionando mudanças no regime de acumulação.

Esse regime até o momento era baseado no modelo fordista-keynesiano, de produção

em massa, tendo como característica o aparato Estatal intervencionista e de bem-estar. Com a

crise, o modelo de produção passou para um novo regime de acumulação, o chamado

toytismo japonês, que tem a sua fundamentação da produção e do trabalho baseado em um

111

De acordo com Granemann (2004, p. 30), a contrarreforma se configura como um conjunto de “alterações

regressivas nos direitos do mundo do trabalho. [...] em geral, alteram os marcos legais – rebaixados – já

alcançados em determinado momento pela luta de classe em um dado país”.

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1946

novo padrão tecnológico de base microeletrônica, passando do padrão rígido fordista à

produção flexível, onde traz também a refuncionalização do Estado capitalista. “Como o

toyotismo é baseado em tecnologias capital-intensivas e poupadoras de mãe-de-obra, os

efeitos sobre a força de trabalho têm sido devastadores” (BEHRING, 2008).

De acordo com Antunes (2009), a crise do capital trouxe mutações intensas no aspecto

econômico mundial, uma vez que se buscava recuperar o ciclo de produção do capital, mas

também inseriu significativas mudanças nos aspectos políticos, sociais e ideológicos, na qual

puderam ser evidenciados mais fortemente com o advento do neoliberalismo112

.

O Neoliberalismo tem sua dinâmica de inserção própria para cada nação a partir das

intermediações concretas entre as características econômica, política, social e cultural, e que

na sociedade brasileira, traz o favor como fator de mediação, em que a burguesia nacional faz

do "Estado o seu instrumento econômico privado por excelência”, trazendo mudanças

significativas na sua ação reguladora, onde o Estado mínimo para o trabalho torna-se "o

Estado máximo para o capital", visando com isto à supressão de direitos sociais e repassando

a sociedade civil as suas responsabilidades, com transformações radicais no mundo do

trabalho, criando regimes e contratos de trabalho mais flexíveis, passando a redução do

emprego regular a trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado (NETTO, 1996, p.

100).

Essas mudanças estruturais do novo modo produtivo capitalista provocou maior

desigualdade social, determinando novas expressões a questão social e que tem a sua origem

na relação entre o trabalho e o capital, que nada mais é do que a apropriação privada da

produção coletiva do trabalho, causador estrutural das mazelas sociais.

O contexto de reforma do Estado do Brasil deve ser analisado dentro da conjuntura de

crise do capital e do advento do neoliberalismo onde a acessibilidade aos direitos sociais terá

uma nova configuração, pois a Contrarreforma que vem “mascarada” na perspectiva de ajuste

fiscal, acaba por intensificar as privatizações, desregulamentando os direitos do trabalho e

diminuindo principalmente os gastos no setor social.

112

De acordo com Sader (1995), o neoliberalismo é uma estratégia da classe burguesa que reuni um conjunto de

ideias políticas, econômicas e ideológicas com a defesa da pouca ou não participação do Estado na economia

para que haja total liberdade do mercado e assim um país possa crescer e se desenvolver.

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1947

Iniciando as considerações acerca da Contrarreforma na educação brasileira,

abordaremos a questão do mercantilismo na educação superior. De acordo com Pereira

(2008), em virtude da crise do capital e consequente avanço do neoliberalismo com

diminuição drástica nos gastos sociais, algumas políticas sociais consideradas como direito

vieram a ser tratadas como serviços, nesse sentido, o cidadão passou a ser considerado

consumidor, ou seja, o acesso a política de educação não ocorreria mais de maneira universal

e boa parte da população só teria acesso se dispusesse de poder aquisitivo para o pagamento

de matrículas e mensalidades.

Contraditoriamente ao que foi posto, a Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na Declaração Mundial sobre a Educação

Superior no século XXI reforça que esta é um bem público, um direito fundamental e que, por

isso, não deve ser tratada como um serviço. Mas, conforme o pensamento de Meszáros (p.16),

na atualidade não é isso o que acontece, pois:

No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do

sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo

esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada

exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se

vende, tudo se compra”, “tudo tem um preço”, do que a mercantilização da

educação.

Mas, a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 6º expressa que “São

direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,

a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na

forma desta Constituição”. Porém, o que podemos observar atualmente é uma

desresponsabilização do estado frente a educação onde o acesso a esta no nível superior não

possuiu mais caráter universal como política pública.

Este cenário passou a ser visto como um excelente campo de lucratividade, por isso, a

exploração do setor se acentuou drasticamente, pois o retorno financeiro era certo. Apesar de

na teoria o Brasil não mencionar a educação como um serviço, na prática é isso que podemos

observar, muito em virtude das pressões do capital em transformar a educação em mais um

serviço que precisa dar rentabilidade.

Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que foram iniciadas as reformas

na educação brasileira e que estavam dentro de uma reforma mais ampla que era a de Estado.

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1948

Essas reformas foram se justificando pela necessidade de se investir nos ensinos fundamental

e médio em detrimento do ensino superior que passaria a ser responsabilidade do mercado

através do oferecimento nas instituições privadas sob a ótica de que a ascensão social da

população viria através da educação superior.

Na área educacional, aquele governo [FHC] não ampliou significativamente o

acesso ao Ensino Superior, mas efetivamente processou um estrangulamento das

Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), por meio da não realização de

concursos públicos durante oito anos, e ampliou expressivamente a participação do

setor privado no nível superior de ensino, atuando como um forte regulador e

incentivador (PEREIRA, 2012, grifos nossos).

Esse processo de expansão e consequentemente mercantilização do ensino superior

que foi iniciado no governo FHC, continuou nos governo de Lula e Dilma, e poderá ser

observado abaixo através da exposição de alguns dados.

De acordo com o Plano Nacional da Educação (PNE) que compreendeu o período de

2001 – 2011 previu-se a necessidade de ampliar o número de jovens na faixa etária dos 18 a

24 anos com acesso a educação superior, pois o Brasil ocupa a penúltima posição dos países

latino americanos no percentual de jovens com acesso a essa fase de educação como mostra o

trecho a seguir:

No conjunto da América Latina, o Brasil apresenta um dos índices mais baixos de

acesso à educação superior, mesmo quando se leva em consideração o setor privado.

Assim, a porcentagem de matriculados na educação superior brasileira em relação à

população de 18 a 24 anos é de menos de 12%, comparando-se desfavoravelmente

com os índices de outros países do continente. [...] o Brasil continua em situação

desfavorável frente ao Chile (20,6%), à Venezuela (26%) e à Bolívia (20,6%)

(BRASIL, 2001).

De acordo com dados do Censo 2011 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a evolução do percentual de jovens de 18 a 24 anos que

frequentam ou já concluíram o ensino superior teve a seguinte evolução no período de 14

anos: em 1997 esse percentual era de 7,1%, em 2004, 12,1% e em 2011 17,6%. O objetivo do

PNE para o final da década era que esse percentual chegasse aos 30%, mas pode-se perceber

que o número ultrapassou apenas pouco mais da metade do objetivado. Para o período atual, o

objetivo expresso no projeto de lei do Plano Nacional de Educação para o período de 2011 a

2020 é que esse percentual chegue aos 33% levando-se em consideração todas as modalidades

de ensino.

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1949

Esse baixo percentual no número de jovens no ensino superior configura-se como um

fator a mais para explicar a solidificação do ensino superior por instituições privadas e

principalmente na modalidade a distância. Para isso, utiliza-se a justificativa de democratizar

o acesso e de diversificar a oferta de cursos e instituições no ensino superior e de suas fontes

de financiamento, no qual segundo Lima (2008), são as características principais da

contrarreforma da educação superior brasileira.

Ainda utilizando dados do INEP, no que diz respeito às instituições de nível superior,

4,3% destas são federais, 4,7% são estaduais, 3,0% municipais e 88% são privadas. Esse

percentual bastante elevado vem corroborar com a ideia da mercantilização da educação

citada anteriormente, pois, o acesso a educação pública como um direito social não atende um

número significativo de estudantes. Ao mesmo tempo, essa elevada taxa de instituições

privadas é justificada por organismos internacionais como sendo de extrema importância por

elevar o número de pessoas com nível superior, mas, é sabido que muitas vezes não se leva

em consideração a forma como isso vem ocorrendo e a qualidade das mesmas.

Ainda de acordo com dados do INEP (2011), com relação ao tipo de instituições de

ensino superior, temos um total de 2.365, onde 190 são universidades, 2.004 são faculdades,

131 são centros universitários e 40 são Institutos Federais. De acordo com a Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996), as universidades

têm que compreender além do ensino, a pesquisa e a extensão e contar no seu quadro de

docentes um terço destes em regime de tempo integral e com titulação acadêmica de mestrado

ou doutorado. Por isso, podemos observar um número bastante superior de faculdades, já que

estão isentas dessas obrigações ocasionando uma formação profissional sem as vivências em

projetos de pesquisa e extensão, o que também não podemos ser levianos em dizer que os

alunos de Universidades sempre terão essas experiências, porque na prática não é sempre que

isso acontece.

O total de matrículas das instituições públicas das três esferas de governos é de

1.773.315 matrículas, enquanto que nas instituições privadas esse número é de 4.966.374,

compreendendo assim, 73,7% do total de matrículas em cursos de graduação (INEP, 2011).

Com relação às modalidades de ensino, 85,3% das matrículas são de cursos

presenciais e 14,7% de cursos à distância. No ensino presencial 73,2% são cursos de

bacharelado, 43,3% licenciatura, 26,6% cursos tecnológicos. No ensino a distância, 30,2% são

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1950

cursos de bacharelado, 43,3% de licenciaturas e 26,6% ensino tecnológico. Esse percentual de

matrículas em cursos a distância é bastante significativo, e tem aumentado com o passar dos

anos, sendo justificados, muitas vezes, pela necessidade mercadológica onde cada vez mais as

pessoas precisam se qualificar e não têm tempo disponível de cursar um ensino superior na

modalidade tradicional.

Além desses dados citados houve uma intensa expansão no setor privado, conforme

corroboraram os dados acima e uma significativa expansão no setor público, porém, em

menor proporção, mas que merece reflexão.

Uma das formas de expansão no setor privado se deu com o Programa Universidade

para todos (PROUNI). De acordo com o Ministério da Educação (MEC), esse programa

surgiu em 2004 através de iniciativa do governo federal e objetivou conceder bolsas de estudo

para cursos superiores em instituições privadas para estudantes brasileiros que concluíram o

ensino médio em escola pública ou instituições particulares com bolsa integral; estudantes

com algum tipo de deficiência comprovada ou professores da rede pública de ensino desde

que o curso fosse na modalidade licenciatura.

A adesão ao Prouni proporciona inúmeras isenções fiscais as Instituições de Ensino

Superior, a exemplo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição

Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição Social para Financiamento da

Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). O

objetivo de garantir a permanência do aluno não acontece, pois a preocupação das IES acaba

pautando-se apenas em ações que propiciem o acesso do mesmo e não a sua permanência e

conclusão.

Outra forma de expansão através do financiamento público ao setor privado se deu

com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que financia a graduação de estudante de

cursos superiores reconhecidos pelo MEC ampliando as vagas e otimizando os recursos.

Já na área pública, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e expansão das

Universidades Federais (REUNI) foi instituído pelo Decreto nº 6.096 do ano de 2007 e tem

como principal objetivo “ampliar o acesso e a permanência da educação superior”. Esse

programa se daria através do acréscimo de 20% no orçamento das Universidades Federais e

também com um melhor aproveitamento da infraestrutura e dos recursos humanos já

existentes nessas instituições.

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1951

Alguns dos objetivos do programa como dobrar as matrículas nos cursos de graduação,

elevar a taxa de conclusão dos alunos para 90% e estabelecer uma relação professor-aluno de

1:18, parecem ser excelentes metas a serem alcançadas, mas na realidade não é isso que vem

acontecendo. Para dobrar o número de matrículas há que se pensar nas condições físicas e

humanas para isso, e o que pudemos vivenciar em algumas universidades foi a criação de

cursos sem as devidas condições, e somente com o passar do tempo é que a infraestrutura veio

acompanhar, inclusive existindo turmas que já concluíram sem ter bibliotecas, laboratórios e

até mesmo sala de aula, problemas esses que podem ser mais evidenciados quando tratamos

de campis no interior dos estados. A taxa de conclusão de 90% é um número bastante utópico

uma vez que as Universidades ainda não conseguem oferecer 100% de condição para que haja

a permanência no ensino superior.

Percebemos que há um enfoque muito grande, quase que exclusivamente no acesso

dos alunos aos cursos superiores e não na permanência dos mesmos. A qualidade dos cursos

oferecidos em algumas instituições passam a ser questionada, pois temos mais fortemente um

ensino pautado em ações privatistas que não garantem condições para que os alunos

permaneçam e concluam o ensino superior com êxito.

Contextualizando a Educação a Distância (EaD) no Serviço Social

A expansão do ensino superior, em especial na modalidade de Educação a Distância

(EaD), vem ocasionando inúmeros debates no que diz respeito a formação profissional. O

Decreto nº 5.622 de 19 de dezembro de 2005 em seu artigo primeiro caracteriza a educação à

distância como sendo: Modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos

processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e

comunicação.

Existem várias legislações acerca do assunto que propiciam que a modalidade EaD

venha se fortalecendo e funcione como a “salvadora dos problemas” da educação brasileira

sob a aparência de ampliação do acesso, de ser uma política inclusiva que vai elevar a média

de escolarização da população e favorecer a inclusão digital dos mesmos, segundo os diversos

organismos internacionais (Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, Unesco, etc).

Mas, ao analisarmos criticamente podemos empreender que a preocupação principal

desses organismos do capital e dos nossos governos neoliberais é pautada em números e não

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1952

se leva em consideração muitas vezes a qualidade da formação. Dessa forma, essa modalidade

de ensino se configura como mais uma forma existente de privatização da educação.

No EaD, o perfil do professor é substituído pelo tutor e os alunos acabam não tendo

experiências com pesquisa, extensão e movimentos sociais, sobretudo os estudantis. Os cursos

são predominantemente da área de humanas, pois, no geral nessa área não há necessidade de

grandes investimentos em laboratórios e aparatos tecnológicos.

O Serviço Social, como uma profissão desenvolvida a partir das necessidades sociais,

é requerida e fundada a partir de quando o Estado passa a tratar a Questão Social, não mais

apenas pela coerção, mas pela via do consenso, modificando as suas bases de produção a cada

mudança do modelo econômico capitalista, tendo no momento atual o seu maior

agravamento, já que a reestruturação produtiva, com a flexibilização do trabalho, transformou

o trabalho em dimensões nunca antes processadas, trazendo dois tipos de trabalhadores, os de

emprego fixo e os temporários, subcontratos.

Isto posto, entende-se que mesmo sendo as políticas sociais, a área de intervenção do

Assistente Social, a definição da Questão Social como elemento fundante da profissão, se

explica por ser a questão social determinada pela relação do Estado e da sociedade,

explicando e trazendo as políticas públicas como alternativa a permanência ou apaziguamento

das desigualdades sociais, originárias do modelo econômico.

Uma profissão como a de Serviço Social, com importante inserção no mercado de

trabalho, em especial na formulação e execução de políticas públicas configurou-se como uma

área bastante atrativa também para o mercado educacional. Associado a isso, não exige

grandes investimentos tecnológicos ou financeiros, em sua maioria, necessita apenas de

recursos humanos e infraestrutura (salas de aulas e materiais didáticos). Por isso, de acordo

com dados do INEP (2010), o curso de Serviço Social tem o terceiro maior número de

estudantes matriculados na modalidade de Ensino a Distância, ficando atrás somente dos

cursos de Pedagogia e Administração.

No ano de 2004 os cursos de Serviço Social à distância foram autorizados a funcionar,

mas foi somente em 2006 que efetivamente começaram. De acordo com dados atuais do E-

MEC, atualmente existem no Brasil 440 cursos de Serviço Social em atividade, dos quais 57

oferecem os cursos de forma gratuita e 383 são privados, representando assim 13% e 87%

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1953

respectivamente. Vale salientar que algumas instituições apresentam mais de um curso de

Serviço Social.

Com relação a modalidade a distância, foi possível analisar que há atualmente (2013)

no Brasil, 19 instituições nesse tipo de ensino, todas em cursos não gratuitos, totalizando o

número de 66.415 de vagas autorizadas pelo MEC para funcionar.

Com relação ao Rio Grande do Norte, temos o total de 19 instituições atuando no

estado que oferecem o curso de Serviço Social. Deste número apenas duas são instituições

públicas universitárias que oferecem ensino presencial com o número anual de 140 vagas. As

outras 17 instituições são predominantemente faculdades, sendo oito na modalidade de ensino

presencial e nove a distância, e uma delas é apresentada como sendo de natureza jurídica

pública estadual, mas que na realidade trata-se de uma fundação pública de direito privado.

Todos esses dados vem corroborar com o que foi posto acerca da mercantilização do

ensino superior, em especial na modalidade EaD, pois vemos que a “quantidade” ainda

prevalece mais do que a qualidade do ensino, uma vez que os cursos vêm maquiados sob a

perspectiva da democratização do acesso.

A formação profissional, o projeto ético-político e a dicotomia entre ensino à distância e

Serviço Social

No lastro das transformações societárias engendradas ao longo da trajetória do Serviço

Social no Brasil, que segundo Netto (1996) são transformações que acarretam alterações nas

profissões, na divisão sócio-técnica do trabalho.

Nessa conjuntura, no âmbito da formação profissional podemos elencar diversos

elementos que perpassaram este processo, que vão desde o momento de intenção de ruptura

com setores conservadores113

, influenciado pelo Movimento de Reconceituação do Serviço

Social na América Latina, em meados da década de 1960 até a construção e consolidação do

próprio projeto ético-político profissional, pautado na defesa intransigente dos direitos

humanos, que ganhou visibilidade a partir da década de 1980.

113

Sobre o momento de intenção de Ruptura do Serviço Social com o conservadorismo, para uma análise mais

detalhada consultamos como referência base a obra Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no

Brasil pós-1964.

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1954

Sobre a trajetória histórica do serviço social no Brasil, concordamos com Silva e Silva

(1995) que o Projeto de Ruptura se consolida em três momentos:

1) um momento de efervescência e de mobilização política, na qual se dá a

instituição da ruptura no contexto de uma luta intensa pela hegemonia, no interior

das entidades nacionais do Serviço Social, especificadamente da ABESS e do

CFAS;

2) um momento de aprofundamento e consolidação do projeto de ruptura com

instituição da hegemonia em face da luta com outras perspectivas de projeto

profissional, especialmente na segunda metade da década de 1980;

3) um momento de refluxo e de repensar da profissão, no final da década de 1980 e

nos anos 90, que se situa no contexto da ofensiva neoliberal, da crise do Welfare

State e da crise do socialismo real e dos paradigmas teórico conceituais (SILVA E

SILVA, p. 103-104, 2007).

Dessa maneira, são nas últimas três décadas que o Serviço Social brasileiro vem

redefinindo sua trajetória política no cenário brasileiro, especificamente nos marcos do III

Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), o “Congresso da Virada” de 1979.

É também nesse contexto de efervescência cultural e de lutas populares dentro do

processo de redemocratização da sociedade brasileira, que os/as assistentes sociais adquirem

uma posição crítica no âmbito da sua atuação profissional, que segundo Iamamoto (2008),

define este momento como sendo:

Uma relação de continuidade e ruptura. É uma relação de continuidade, no sentido

de manter as conquistas já obtidas, preservando-as; mas é também uma relação de

ruptura em função das alterações históricas de monta que se verificam no presente,

da necessidade de superação de impasses profissionais vividos e condensados em

reclamos da categoria profissional. (Iamamoto, p. 51, 2008).

Como acima mencionado, a década de 1980 possibilitou, como aponta Netto (1996) a

consolidação do projeto de ruptura com o conservadorismo no Serviço social, e concordamos

com o autor quando ele expressa que:

Essa ruptura não significa que o conservadorismo (e, com ele, o reacionarismo) foi

superando no interior da categoria profissional; significa apenas, que

posicionamentos ideológicos e político de natureza crítica e contestadora em face a

ordem burguesa conquistaram legitimidade para se expressarem abertamente.

Nessa perspectiva, entre as décadas de 1980 e 1990, o projeto ético-político consolida

sua hegemonia, sendo caracterizado pela construção de valores comprometidos com a

emancipação humana e com uma nova forma de sociabilidade (RAMOS, 2009).

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1955

Segundo Netto (1999), a conquista da hegemonia do projeto ético-político do Serviço

Social teve como elementos propulsores “o crescente envolvimento da categoria nos fóruns de

debate, nos espaços de discussão, nos eventos profissionais [...] nas oficinas regionais da

ABESS, nos encontros nacionais patrocinados pelo conjunto CFESS/CRESS” (NETTO,

1999, p. 106). Ainda na mesma linha de pensamento do referido autor, podemos perceber que

essas conquistas foram fruto de debates coletivos, não apenas da vontade individual dos

sujeitos envolvidos nesse processo, visando assim, a construção de um projeto profissional

articulado a um projeto societário que possibilita a aproximação com as lutas das classes

trabalhadoras.

A construção de um determinado projeto, ou seja, algo que se quer alcançar, faz-se de

diferentes formas, visto a existência de projetos individuais, coletivos e societários, estes

considerados projetos de classe, que possui no seu interior uma dimensão política, ou seja,

uma relação de poder.

O projeto profissional hoje hegemônico no Serviço Social surgiu num contexto de

lutas e movimentos sociais e tem sustentação em alguns aparatos legais do Serviço Social

como a Lei nº 8.662 que regulamenta a profissão, o Código de Ética profissional e as

Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. Concordamos com Netto, 1990, p. 95,

quando ele afirma:

Os projetos profissionais [inclusive o projeto ético-político do Serviço Social]

apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam

socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os

requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem

normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua

relação com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as

organizações e instituições sociais, privadas e públicas [...].

Com relação à formação profissional, o referido projeto se opõe radicalmente a

educação mercantilista tão presente na realidade brasileira; é a favor da formação contínua

processual e não terminal, por entender que o conhecimento é algo que está em permanente

transformação; e apoia as três dimensões fundamentais de sustentação da formação e

exercício profissional: a ético-política, a teórico-metodológica e a técnico-operativa para que

não surja um novo perfil profissional essencialmente operativo em detrimento das outras

dimensões.

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1956

Essas dimensões citadas devem estar articuladas entre si, havendo o cuidado de não

“transformarem-se em limites que vêm tecendo o cenário de algumas das dificuldades,

identificadas pela categoria profissional, que necessitam ser ultrapassadas: o teoricismo, o

militantismo e o tecnicismo” (IAMAMOTO, 2009).

Considerado um dos aparatos do projeto ético político da profissão, as Diretrizes

gerais para o curso de Serviço Social foi um documento elaborado pela Associação Brasileira

de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), na época ainda chamada ABESS, junto

da categorial profissional e que objetivava a normatização do currículo para o curso de

Serviço Social.

Foi criado na década de 1990, onde pudemos evidenciar inúmeras transformações na

sociedade impulsionadas pelo aprofundamento da questão social fruto das transformações no

cenário mundial que trouxe para o Brasil também consequências na vida social e

principalmente no mundo do trabalho. Pautou-se na leitura da realidade e nos princípios do

Código de Ética dos assistentes sociais para criar um projeto de formação crítico que levasse

em consideração seus princípios fundamentais.

Os projetos profissionais são organizados a partir de um sujeito coletivo: a categoria

profissional, que fortemente organizada contribui para que seu projeto seja consolidado,

firmado na sociedade. No seu interior são identificadas diversas opiniões, diversos pontos de

vista, prevalecendo assim, o pluralismo, que pode ser entendido como “elemento factual da

vida social e da profissão mesma” (NETTO, 1999, p. 96). Portanto, o pluralismo é elemento

imprescindível na construção de um projeto profissional, na medida em que possibilita o

respeito a correntes teóricas diversas existentes no âmbito de uma determinada categoria

profissional.

Partindo desse pressuposto, o projeto profissional do Serviço Social se pauta na defesa

de princípios como a defesa da liberdade como valor ético central; defesa intransigente dos

direitos humanos; compromisso com as lutas das classes trabalhadoras (CFESS, n. 273,

1993). Esses princípios fundamentais estão materializados no novo Código de Ética

Profissional do/a Assistente Social, aprovado em 1993 e que foi fruto de amplos debates

coletivos no âmbito da categoria, que expressam notadamente avanços na medida em que

elege valores e princípios, como “o compromisso com valores ético-políticos emancipadores

referidos à conquista da liberdade” (BARROCO, 2008, p. 200).

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1957

Faz-se necessário, para tanto, compreender a conjuntura em que esse projeto

profissional se consolida, bem como compreender a importância das discussões coletivas para

a organização política dos/as assistentes sociais.

Conforme Amaral (2009), o Projeto Profissional adquire a nomenclatura de “Projeto

Ético-Político” apenas na década de 1990, porém é identificado na década de 1970, quando

os/as assistentes sociais “declaram sua organicidade aos interesses e projetos da classe

trabalhadora, afirmando a direção política da profissão” (AMARAL, 2009, p. 49). A autora

ainda coloca que essa organicidade, impulsionada inicialmente pelo reconhecimento e pelo

apoio às greves das classes trabalhadoras, especificamente aos/as trabalhadores/as do ABC

paulista que reivindicavam o fim repressão política da ditadura militar, “veio a se constituir

num forte movimento organizativo e político-acadêmico do Serviço Social brasileiro,

configurando o que hoje se concebe como projeto profissional” (AMARAL, 2009, p. 49).

Portanto, podemos perceber que o projeto profissional do Serviço Social foi sendo

construído através da articulação e o compromisso com as lutas e reivindicações das classes

trabalhadoras num momento de forte repressão aos movimentos sociais. Assim, é notória a

conquista da hegemonia do projeto ético-político num contexto em que os/as assistentes

sociais se organizam em torno das discussões e das lutas pela (re)democratização do Estado,

período que aflorava os movimentos sociais. Logo, “o projeto do Serviço Social foi gestado

na luta pela democratização da sociedade como os trabalhadores organizados como sujeitos

políticos” (AMARAL, 2009, p. 50).

Podemos afirmar que, vários elementos deram sustentabilidade aos avanços e a

conquista da hegemonia do projeto ético-político do Serviço Social, como constatamos em

Braz (2009, p. 191):

O primeiro elemento se relaciona com a explicitação de princípios e valores ético-

políticos; o segundo se refere à matriz teórico-metodológica em que se ancora; o

terceiro emana da crítica radical à ordem social vigente – a da sociedade do capital –

que produz e reproduz a miséria ao mesmo tempo em que exibe uma produção

monumental de riquezas; o quarto se manifesta nas lutas e posicionamentos políticos

acumulados pela categoria através de suas formas coletivas de organização política

em aliança com setores mais progressistas da sociedade brasileira.

Diante do que foi evidenciado, podemos analisar que o projeto ético-político se ancora

em elementos essenciais tais como, a aproximação com correntes teóricas mais críticas, num

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1958

momento de recusa às práticas conservadoras, resultando num avanço teórico-metodológico

da profissão, “pela capacidade de formulação de propostas e políticas que lhes permite

exercitar o seu papel intelectual na construção de alternativa coletivas” (AMARAL e MOTA,

2009 p. 53). Expressam, portanto, um amadurecimento intelectual dos/as assistentes sociais.

Os pressupostos que passaram a nortear essa formação profissional do assistente social

colocam a questão social sempre em destaque e segundo Iamamoto (2009), “decifrar os

determinantes e as múltiplas expressões da questão social, eixo fundante da profissão, é um

requisito básico para avançar na direção indicada”.

A qualidade da formação e do exercício profissional também constitui parte integrante

do projeto ético-político, logo, uma das preocupações com o ensino a distância se dá por essa

modalidade ser centrada exclusivamente no ensino e não no tripé ensino, pesquisa e extensão.

Entendemos que não só no exercício profissional, mas no processo de formação, a pesquisa da

realidade social é um dos instrumentos indispensáveis para o assistente social e não uma

atividade que pode ser feita apenas se houver condições objetivas favoráveis (IAMAMOTO,

2009).

Conforme mostrou o documento elaborado pelas entidades da categoria profissional

(CFESS, CRESS, ABEPSS e ENESSO, 2008), muitos projetos pedagógicos dos cursos de

Serviço Social desrespeitam flagrantemente o que é preconizado, ofertando conteúdos que

não condizem com a realidade do curso. Também observamos inúmeros problemas com

relação aos estágios, pois, muitas vezes acontecem sem supervisão, ou com o número de

estudantes para o supervisor bem superior ao que preconiza a lei nº 11.788 (Lei do Estágio), a

transferência da responsabilidade de conseguir campo de estágio para os alunos e não para a

instituição e algumas vezes esse supervisor não é assistente social, fato estes que são

totalmente contrários ao que está disposto na Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço

Social.

Os projetos pedagógicos dos cursos de Serviço Social a distância se mostram

conservadores e não estão em conformidade com os pilares do projeto ético-político da

profissão, pois, entre outras coisas limita a possibilidade da criticidade e acabam por

reproduzir uma visão formalista do currículo sem ocorrer interação entre professores, alunos e

a comunidade.

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Não há como garantir respostas profissionais crítica e qualificada acerca da realidade

social que o profissional se deparará no seu exercício profissional com uma frágil formação

baseada num ensino tutorial, formado por profissionais com contrato de trabalho cada vez

mais precarizado, sem exigência de titulação, sem acesso muitas vezes às bibliotecas, e com

material didático composto de apostilas resumidas e que sintetizam apenas as ideias principais

que os autores de referência para o Serviço Social trabalham.

Ao desenvolver a análise da profissão do Serviço Social no mundo atual, concordamos

com Iamamoto (2009, p. 20) quando ela cita a necessidade de "romper com a visão focalista

[...] olhar para o movimento de classes sociais e do Estado em suas relações com a

sociedade". E que o profissional do Serviço Social, tem historicamente implementado

políticas sociais, especialmente políticas públicas, onde no momento atual a sua intervenção

vai além da função de executores trazendo as demandas para área da formulação das políticas

sociais e tem como elemento fundante do seu conhecimento o desenvolver da capacidade de

analisar criticamente a realidade, sendo este o seu meio de trabalho, ultrapassando a visão das

técnicas como instrumental para sua intervenção, o que lhe possibilitará a apreensão das

modificações nela contida, criando espaços e possibilidades ao profissional.

Conclusão

A partir do exposto pode-se perceber que a formação profissional via ensino a

distância tem aumentado significativamente, acentuando o processo de privatização da

educação brasileira e causando enormes impactos na formação profissional se analisarmos de

acordo com o que preconiza o nosso projeto ético-político profissional.

Questionamos não o aluno de Educação a Distância na sua individualidade, mas na

totalidade desse processo social por entendermos que não se trata de uma posição

preconceituosa, mas sim, uma posição contrária as diversas formas de mercantilização do

ensino superior e afirmação do fortalecimento das instituições públicas de ensino, na defesa

da democratização do acesso e da qualidade do ensino ofertado como direito assegurado pela

Constituição Federal brasileira.

Há necessidade de lutar para melhorar a qualidade da formação e não se preocupar

apenas com números para satisfazer os ensejos dos organismos nacionais e internacionais que

estão a serviço do capital. Nos preocupamos com o perfil do profissional egresso dessas

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instituições de ensino, uma vez que há efêmera ou nenhuma participação dos mesmos em

projetos de pesquisa, extensão e movimentos sociais, sobretudo os estudantis, mas, não

esquecendo que um curso presencial também não garante a participação efetiva do seu

alunado nessas ações.

Sabemos que a formação profissional não se limita aos conhecimentos teóricos

adquiridos, é algo mais abrangente que objetiva a construção de uma nova consciência através

de questões éticas e políticas, por isso o debate entre os sujeitos torna-se imprescindível, algo

que no EaD vai ser bastante prejudicado.

Na área das políticas sociais, as propostas neoliberais têm na sua determinação as

reduções dos gastos sociais, passando a redefinir as políticas públicas com redução dos

direitos sociais, trazendo a lógica focalista, descentralizadas e privatistas com o enxugamento

do Estado na esfera das políticas sociais, transferindo a sociedade civil as suas

responsabilidades.

Nesse sentido, entendemos que com a educação isso não é diferente e concordamos e,

a partir de tudo que foi exposto, com Lima (2008) quando ela diz que “os cursos EaD não são

opção dos estudantes e sim, falta de opções”.

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1964

MONOPARENTALIDADE FEMININA: NOVO MODELO FAMILIAR EM MEIO A

VULNERABILIDADE SOCIAL

Luciana Silva Brito114

Luiza Rosa Lima de Santana115

Elaine Nunes Silva Fernandes116

RESUMO

O presente artigo expõe os novos arranjos familiares, no qual localizamos e destacamos a família

monoparental feminina brasileira. Para tanto, esta pesquisa bibliográfica faz breves considerações

acerca das significativas mutações ocorridas no plano sócio econômico e cultural da sociedade

capitalista, a fim de explicitar o que de fato acabou interferindo na dinâmica e na estrutura da família,

acarretando transformações em seu padrão de organização. Diante desse contexto, enfatizamos a

discussão da vinculação da figura feminina a um contexto familiar vulnerabilizado e que tem a esta

como responsável central pelo sustento do lar, colocando assim em pauta a monoparentalidade

feminina.

Palavras chave: Família, Monoparentalidade Feminina, Pobreza.

ABSTRACT

This article presents the new family arrangements, which locate and highlight the Brazilian female

lone parent. Therefore, this literature makes brief remarks about the significant changes occurred in

the socio economic and cultural development of capitalist society, in order to explain what actually

ended up interfering with the dynamics and structure of the family, causing changes in its pattern of

organization. In this context, we emphasize the discussion of attachment of the female figure to a

family context vulnerabilized and have this as a central responsibility for the support of the home, thus

putting at stake female single parenthood.

Keywords: family, single parenthood Women, Poverty.

INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva analisar a família como um processo social em construção e em

frequente mudança, tendo como intuito apresentar os novos arranjos familiares, no qual

114

Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013. [email protected]

/Contato: (82)8109-2221 115

Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013.

[email protected] /Contato: (82) 9954-7723 116

Profª. Mrs. da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas

[email protected]/ Contato: (82) 9908-5781

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localizamos e destacamos a família monoparental feminina brasileira, em especial as de

situação de vulnerabilidade social.

Dessa forma, a importância desta pesquisa se dar na necessidade de perceber com se

perpetua na sociedade a efetivação de ações que promovam a família, em especial a

monoparental feminina, tendo como imprescindível analisar sua inserção social e o papel que

ela está atualmente destinada, além de conhecer como se efetua no sistema capitalista a

implementação de políticas públicas de caráter compensatório frente a esse arranjo familiar.

Para tanto, utilizamos como base teórica para esse estudo a perspectiva histórico-

crítica, por entender a sociedade como um todo constituído de determinações, políticas,

sociais, econômicas e culturais que atingem e influenciam a estrutura e dinâmica da entidade

familiar. Neste sentido, usamos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica

para conhecer e aprofundar nosso objeto de estudo.

Para sua organização, este trabalho se apresenta de maneira linear e progressista,

sendo escrito de maneira simples e objetiva, tendo o interesse de fazer o leitor refletir e

indagar sobre a temática explicitada.

Vale colocar ainda, que grande parte desse texto que ora apresentamos em forma de

artigo foi fruto do nosso Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “Mulher Chefe de

Família: um estudo sobre as famílias monoparentais femininas atendidas pelos programas de

transferência de renda no Brasil”, no qual foi defendido na Faculdade de Serviço Social pela

Universidade Federal de Alagoas- UFAL em maio de 2013. Adverte-se, porém, que o artigo

no qual essa pesquisa se transformou exigiu esforços para adequação do texto original tendo

em vista, obviamente, a necessidade de atender ao propósito do III Colóquio Sociedade,

Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento, além de está articulada a temática escolhida

“Trabalho, educação e transformações sociais”.

Diante disso, buscamos com esse artigo contribuir de alguma forma, para uma

particularização do debate sobre a “Monoparentalidade Feminina: novo modelo familiar

em meio à vulnerabilidade”, levando em consideração a formação e o desenvolvimento do

sistema capitalista. Visto que suas transformações ao longo da história acabaram repercutiram

em mudanças substanciais no modo como os homens se relacionavam e pensavam o mundo e

a si mesmos. Assim, é neste espaço permeado por contradições e consequências negativas

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ligadas organicamente as mudanças no mundo do trabalho que os novos arranjos familiares se

ampliam e tornam visibilidade na sociedade, como veremos a seguir no decorrer do texto.

A família, desde os tempos mais primitivos, se configura como um grupo social que

exerce influência sobre a vida dos indivíduos, sendo entendida como uma organização

complexa, inserida em sociedade com a qual mantém constante interação.

Em sua evolução histórica, com o estabelecimento da sociedade moldada ao regime

capitalista de produção, às famílias passam por um processo de desenvolvimento que lhes

possibilitam novas características e atribuições, que apesar de se adequarem a emergentes

necessidades sociais não rompem com as tradicionais concepções já existentes117

1.

Dentro desse contexto econômico que emerge envolto a expansão industrial, surgem

modernas concepções que para além do aspecto família, também afetaram os meios e os

modos de produção, proporcionando ainda para a segunda metade do século XX um grande

avanço econômico e social, no qual podemos enquadrar a inserção formal da mulher no

mercado de trabalho.

Esse envolvimento da mulher no ambiente do trabalho que se intensifica no processo

de reestruturação produtiva118

, apresenta a divisão sexual do trabalho como algo que emerge

para organizar o mundo laborativo na estrutura social, expressando como categorias as

relações de poder que se partilham de forma desigual e expõem a subordinação da mulher e

sua invisibilidade no processo histórico.

Essa inserção representa um impulso para o rompimento da necessidade de se ter uma

família nuclear como única forma de se conseguir uma visibilidade na sociedade, o que

contribui para o surgimento de um novo modelo de família (CARLOTO; GOMES, 2011).

Além disto, outras mudanças de âmbito sócio-econômico interferiram na dinâmica e na

estrutura familiar, acarretando mutações em seu padrão de organização, fazendo com que a

família passe a se estruturar de novas maneiras.

117 Nesta concepção, a família burguesa de meados do século XIX apresenta-se como uma família urbana, com

baixo índice de fertilidade e mortalidade, assumindo um padrão diferente de afetividade e privacidade. A

responsabilidade do marido era manutenção econômica, sendo este autoridade dominante na família. À esposa

cabia a tarefa de cuidar dos filhos e toda a responsabilidade em relação ao desempenho destes lhes era cobrada

(SOUZA; RODRIGUES, S/D). 118

Decorrente da crise do capital e da queda do padrão fordismo/ taylorismo a reestruturação produtiva emerge a

partir da década de 1970, em meio ao processo de produção e acumulação industrial. Baseia-se aos sucessivos

processos de transformação nas empresas e indústrias, caracterizados pela desregulamentação e flexibilização do

trabalho, fruto da acumulação flexível e das novas tecnologias.

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Os reflexos negativos do neoliberalismo sobre a renda familiar com a diminuição dos

postos regulamentados de trabalho e o alto índice de desemprego implicaram na diminuição

dos rendimentos familiares advindos do trabalho dos provedores masculinos, resultando na

necessidade de uma maior participação feminina no orçamento doméstico.

Diante disso, começa a surgir uma nova concepção de família, muito mais igualitária,

ficando evidentes as mudanças nas condições de reprodução da população119

, nos padrões de

relacionamento entre seus membros, nos modelos de autoridade e na posição relativa da

mulher que se altera profundamente, engrenando uma gradativa revisão da rígida divisão

social de tarefas.

Este desmembramento de papeis se dá devido ao avanço na mudança das divisões

sociais em que a figura feminina não se torna mais a imagem da mãe dedicada exclusivamente

aos cuidados domésticos, que despertava no homem a necessidade de sua presença no lar. Da

mesma forma, a visão do homem indispensável à mulher como único meio para lhe garantir a

renda se desfaz, surgindo assim novos motivos para as uniões, no qual a procura pela

felicidade se torna prioridade.

Com isso, o padrão de família baseado no comprometimento duradouro entre o casal

através do casamento ganha uma nova roupagem muito mais flexível, pois deixa de ser

indissolúvel, perdendo assim o seu caráter sagrado. Essa liberalização dos ditames religiosos,

bem como os novos padrões sociais, permite a ampliação do modelo de família, embora a

família nuclear ainda seja considerada a forma mais aceita, possibilitando que esta deixe de

ser compreendida no singular e possa englobar uma pluralidade de conceitos.

Desse modo, o casamento perde a condição de ser a única forma de união120

, ou seja,

passam a existir outros modelos de família, diferentes do modelo clássico, uma vez que as

uniões sem casamento passam a ser aceitas tanto pela sociedade, como pela legislação.

No aspecto legal, com a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 226 §

4º, a família é fortalecida como base da sociedade, reconhecendo como entidade familiar a

união estável entre o homem e a mulher ou qualquer um deles e seus descendentes. 119

Isto não significa que desigualdade de gênero acabou, ela persiste enquanto durar uma sociedade

essencialmente pautada pela desigualdade de classe. 120

Durante a Idade Média o casamento religioso era a única forma reconhecida de união legitima entre um casal.

O casamento civil surgirá em 1767 na França, porém se mantendo a validade da união religiosa. No contexto

contemporâneo isso irá mudar, uma vez que a Constituição Federal de 1988 reconhece a união estável entre

homem e mulher ou qualquer de seus descendentes como entidade familiar.

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1968

Acrescido a esta, o código civil aprovado em 2001 reforça a visão legal de família,

visando acompanhar a revolução nos costumes, padronizar leis recentes, como a do divórcio,

e dispositivos constitucionais referentes à família; e regulamentar jurisprudência que, nos

tempos atuais, não mais poderiam pautar-se pelo Código Civil vigente, escrito em 1916

(SANTOS, 2010).

Devido a essas evidentes aberturas, vários são os indícios das profundas mutações na

concepção de família à qual podem se associar o aumento das separações e dos divórcios, o

adiamento do casamento entre jovens, a redução significativa da nupcialidade, o incremento

do número de famílias reconstituídas, das uniões de fato, das famílias monoparentais e das

chefiadas por mulheres.

Esses novos arranjos que embarcam variados formatos dos quais podemos citar: as

Famílias Reconstituídas- englobando as famílias que após vivenciado o processo de divórcio

ou viuvez, o indivíduo constitui uma outra família com um novo parceiro; as Famílias

Constituídas através de uniões estáveis- Tratando-se de uniões efetuadas quando a relação

de convivência entre o homem e a mulher é duradoura e estabelecida com o objetivo de

constituição familiar, sem a necessidade do casamento civil e religioso121

; e as Famílias nas

quais avós moram e cuidam de seus netos- Tipo de família ampliado na sociedade

contemporânea devido aos desdobramentos para manutenção de sobrevivência e que se

constitui em um modelo em que a presença dos pais é substituída pela presença dos avós, ou

apenas um deles.

Além desses, outros arranjos assumem visibilidade na sociedade rompendo com um

conceito ideal burguês de família, sendo estes: Famílias formadas por uniões

homossexuais, constituindo um núcleo familiar gerado por casais que possuem o mesmo sexo

com a presença ou não de filhos; Famílias Unipessoais, englobando ao modo de vivência em

que a família é formada por uma única pessoa, decisão que nem sempre advém uma escolha

121

Antes relacionadas ao concubinato, essas relações passam a ser legalizadas no Brasil através de seu

reconhecimento legítimo na Constituição de 1988, sendo, portanto, consideradas pela Constituição como um

instituto capaz de constituir uma família. A união estável que não se confunde com o casamento é protegida pelo

Estado, sendo os seus integrantes rodeados pelos deveres de lealdade, respeito e assistência mútuos, além dos

deveres de guarda, sustento e educação dos filhos que surgirem (Silva & Godoy, 2008).

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1969

dos indivíduos; e as Famílias Anaparentais que dizem respeito a núcleos familiares que não

se restringem tão somente aos parentes, mas são formadas por laços de afetividade122

.

Esses novos formatos de família que se estabelecem a partir das diferentes

performances que perpassam a sociedade em seu processo histórico, serão acrescidos ainda de

outro importante núcleo que se constitui fundamental aspecto de nosso objeto de estudo, as

Famílias Monoparentais123 .

Esse modelo, o qual se tornou um elementar arranjo familiar na modernidade, engloba

aos sujeitos que se encontram sem cônjuges e que vivem com um ou mais de seus

descendentes. Conforme Leite (2003, p.29):

[...] Pode tratar-se de um pai só que no passado, vivenciou a situação de um casal

“legítimo”, mas que se encontra sozinho após uma separação ou um divórcio. Pode tratam-se

de um pai, ou de uma mãe, que vivenciou um passado de concubinagem e que, em razão de

um vazio jurídico, permanece falsamente solteiro. “O genitor pode ser um pai ou uma mãe

solteira (o) ou, ainda, um pai só adotando; pode ser um viúvo ou uma viúva, e se sempre

estaremos em face da monoparentalidade”. (LEITE, 2003, p.29).

Diante disso, socialmente, a família monoparental afetiva se estabelece a partir do

momento em que existe um filho convivendo com apenas um dos pais. Ela acontece mediante

fatores externos à vontade do genitor, quanto por sua própria disposição, mas também é

formada devido ao fim de uma família clássica ou uma família estruturada nos modelos não

convencionais. Assim, os fatores socioeconômicos, demográficos e regionais interferem

significativamente para a formação dessas famílias.

Segundo Leite (2003, p. 7), a monoparentalidade se impôs como fenômeno social com

maior intensidade nos últimos vinte anos, coincidindo com o período em que se constata o

maior número de divórcios. Para o autor, esse tipo de família não se constitui como algo

novo, pois sempre existiu, apenas não sendo percebida como categoria especifica, implicando

122

É importante explicitar que mesmo que esses novos modelos não estejam associados aos padrões classistas

idealizados socialmente, eles continuam sendo instituições sociais responsáveis pelos cuidados, proteção e

educação dos filhos, como também representam os principais canais de iniciação dos afetos, dos valores, dos

conhecimentos, possibilitando a garantia da reprodução e da sobrevivência do ser humano, visto que os sujeitos

vão estabelecer e desenvolver relações sociais. 123 O termo “família monoparental” surgiu na França em um estudo desenvolvido em 1981 pelo Instituto

Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos (INSEE), posteriormente a noção se espalhou por toda a

Europa

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1970

sua marginalidade no mundo jurídico, o que se modifica com a Carta Magna de 1988 que lhe

reconhece como entidade familiar e lhe dedica à mesma proteção social da família nuclear.

Esse modelo familiar que ganhou maior visibilidade e intensidade nos anos 70 vai se

apresentando de forma ampla na atualidade, visto que expõem em sua organização situações

contemporâneas e antigas, sendo as atuais advindas dos desligamentos voluntários de

casamentos e uniões, e as antigas oriundas de morte, abandono de um dos cônjuges e

nascimentos extramatrimoniais. Com isso, fica possível estabelecer as principais

características da família monoparental, pois essas situações estão inseridas no seu próprio

conceito. Conforme Dandurand (apud Leite 2003):

Sempre existiram viúvos e viúvas, mães solteiras e mulheres separadas ou

abandonadas por seus maridos que assumem, por inteiro, o encargo de sua progenitora. Mas,

o crescimento dos anos 60 nos países industrializados produziu um impacto sobre a

configuração das famílias. Como a maioria dos casais desunidos tem filhos, os lares dirigidos

por um só genitor sofreram um aumento considerável e uma intensa visibilidade. Os analistas

sociais lhes atribuem, então, uma denominação inédita: famílias monoparentais. O

neologismo é amplo e procura designar, ao mesmo tempo, novas formas de

monoparentalidade oriundas de rupturas voluntárias de uniões, bem como formas antigas (e

desaparecidas) decorrentes de falecimentos e deserções de cônjuges, como também os

nascimentos extramatrimoniais. (DANDURAND apud LEITE; 2003, p. 24).

Diferentemente da família nuclear, as crianças desse modelo têm que se desenvolver

frente às situações e problemas comuns a essa forma de família, sendo o primeiro deles as

conseqüências advindas da ausência de um dos pais na relação cotidiana, o que pode vir a

interferir em seu desenvolvimento e despertar o sentimento de rejeição. Além disso, essa

situação reforça o conceito sobre qual monoparentalidade pode ser compreendida por um

único genitor que assume a total responsabilidade de criar e educar sozinho a seus filhos,

desempenhando dois papéis (pai e mãe) em um único sujeito.

Diante dessa situação, vários podem ser os fatores que direcionam e resultam na

formação desse modelo solitário de responsabilidades, sendo eles o celibato, a separação ou

divórcio, a união livre, as mães sozinhas e a viuvez.

O fator do celibato, enquanto condicionante elementar para monoparentalidade,

enquadra como celibatários os indivíduos que vivem na sua maioria em uniões passageiras,

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totalmente sem compromisso, ou em estado de casado, mas sem a necessidade de um vínculo

legal para comprovar essa união, livrando-se de qualquer forma de obrigatoriedade.

Diante dessa falta de obrigações frente a esse novo modelo de vida, a maioria dos

indivíduos rompem com frequência seus relacionamentos, envolvendo-se em novas uniões

sem qualquer limite imposto pela sociedade, gerando apreensão por elevar cada vez mais a

proporção de nascimentos decorridos dessas uniões, o que contribui para o aumento do

número de famílias monoparentais.

Já ao se tratar do fator de separação ou divórcio, observa-se que este se encontra

ligado a tendências atuais de precocidade do casamento e menor frequência de novas

recomposições dos divorciados, revelando a moderna mentalidade que não mais concebe

casamentos frustrados e duradouros. Apesar disso, o casamento continua a ser predominante

na constituição da família, sendo sua ruptura entendida como uma eventualidade que pode ser

continental. Essa terminologia foi usada para distinguir as uniões constituídas por um casal,

dos lares compostos por um progenitor solteiro, separado, divorciado ou viúvo (LEITE, 2003,

p.21-2).

prevista pelos novos casais contemporâneos, como afirma Commalle (apud Leite 2003; p.38);

“longe de corresponder ao desvio de conduta, o divórcio124

se escreve cada vez mais como ato

normal em projeto no casamento, tal como é concebido nos novos modelos matrimoniais”.

No Brasil, com a criação da Lei do Divórcio (6.515/77), o conceito de casamento

passa a ser totalmente alterado, ajustando-se às novas mudanças de valores e costumes

presentes na sociedade capitalista, tornando a “união legitima”, o casamento, um simples

contrato legal125

. Desse modo, as crises conjugais podem levar ao fim de uma união, fazendo

com que novos espaços sejam abertos para formações de modernas formas de

relacionamentos, proporcionando certa diversidade no âmbito familiar.

124

Segundo Santos e Santos (2009), a dissolução do vínculo conjugal tem, praticamente, o mesmo tempo de

existência da instituição do casamento, ocorrendo nas sociedades primitivas através do repúdio, sendo esse de

direito exclusivo dos homens. As rupturas no âmbito familiar começaram a ser ampliadas de forma mais intensa

a partir dos anos 60, delineando-se em um quadro inquietante a partir de 1965. Essa tendência separatista se

iniciou na Europa do Norte e na Suécia, ganhando todo o mundo em 1972, devido ao grande número de

divórcios. 125

No Brasil, o maior numero de pedidos de divórcios efetivados segundo o IBGE advêm de mulheres por

diversos motivos, eles geralmente podem ser de duas ordens: 1. ou elas se sentem anuladas no lar, em

decorrência de uma relação de dependência, ou pela ausência de interesses comuns com seu marido; 2. ou elas

compreendem que o seu marido não correspondeu àquilo que elas desejavam (ou, na maioria das vezes, haviam

imaginado)” (LEITE, 2003; p.43).

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Antes da criação dessa lei, a ausência da legislação do divórcio no Brasil favorece na

década de 60 o acesso às uniões livres. Nessa década, com o advento da revolução sexual, as

relações passaram por um processo de mudanças em que, em contraposição ao casamento,

surge a tendência das relações pré-matrimoniais.

Como forma de experiência conjugal, as relações passam a se dar de maneira mais

livre, desassociadas dos ditames legais, ocorrendo o matrimonio apenas nos casos de gravidez

inesperada ou por desejo do casal126

.

Essa maneira de relacionamento que garante a individualidade, não estabelece nenhum

compromisso, promessa, responsabilidade ou fidelidade entre parceiros, sendo tratada como

ensaio ou experiência que determinaria no futuro um enlace matrimonial. Devido a essa

abertura, vários problemas foram gerados em meados dos anos 80, como o grande número de

nascimentos de filhos ilegítimos, concebidos em relacionamentos extra matrimoniais, em que

as mães assumiam a tarefa do cuidado sem a presença dos pais 127

.

No Brasil, até a metade desse século, essas mães eram alvo de discriminação por causa

da denominação dos seus filhos, visto que os mesmos eram reconhecidos como ilegítimos aos

olhos da Igreja e da sociedade, sendo fortemente marginalizadas pela opinião pública. Essa

categoria só será reconhecida a partir do decreto n. 3.200/41 que regulou a guarda do filho

natural, acrescida das Leis n. 883/49 que admite o reconhecimento do filho adulterino, e da

Lei n.7.841/89 que permitiu o reconhecimento do filho incestuoso.

A Constituição Federal de 1988 dará continuidade a essa visibilidade, no seu artigo

227, §6º, proporcionando os mesmos direitos e qualificações aos filhos gerados ou não do

matrimônio, além de proibir qualquer tipo de qualificação discriminatória. Em acordo com

esta, é formulada a Lei n. 8.560/92 que permite as mães solteiras fazerem uma ação

investigativa de paternidade e reconhecimento de filiação, mesmo que o pai seja casado. Já a

formulação da Lei n. 8.971/94, regulamenta os direitos dos companheiros a alimentos e à

126

É importante colocar aqui que essa aceitação não se configura como uma evolução pacifica e natural na

sociedade, este faz parte de uma ampliação do leque de mercado de consumo para o capital, que vê nesses novos

arranjos um potencial de mercado que se ajusta a seus interesses, sendo necessário para tanto que certas

aberturas sejam postas no âmbito social 127

É importante explicitar que essa categoria de mães solteiras independe da classe social e do poder aquisitivo

que possuem, não sendo estas redutíveis a um único tipo de maternidade.

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1973

herança, permitindo e alargando estes, visto que anteriormente esse direito só era dado aos

casados.

Historicamente, mães solteiras sempre existiram na humanidade. Segundo Lê Gall e

Martina (1987 apud Leite 2003, p. 58), estas podem se organizar em quatro tipos de modelos,

sendo:

1. As “maternidades impostas”, quando se trata de mães solteiras que não decidiram ter, nem

conservar o filho, mas que não estão autorizadas pela lei a interrupção voluntária da gestação,

o que as obriga a assumir sua gravidez [...];

2. As “maternidades involuntárias” quando, mesmo a gravidez não tendo ocorrido por opção,

após a concepção, decidem ter e educar sozinhas o filho;

3. As “maternidades voluntárias”, estas, sim, tomaram a decisão de ter e assumir sozinhas os

filhos;

4. As “maternidades de coabitantes”, neste caso as mães solteiras decidem em conjunto com o

coabitante ter e educar o filho. (LÊ GALL; MARTINA 1987, apud LEITE, 2003, p. 58).

Além dessas, outro fator que historicamente possuiu uma expressiva presença nesse

tipo de família é a viuvez. Essa categoria se tornou mais relevante em meados de 1968,

quando, para cada duas mulheres chefes de famílias monoparentais, uma era viúva. Já em

1982, essa taxa diminui, à medida que se aumenta a expectativa de vida do gênero masculino

e o divórcio ou separação começa ocorrer a antes mesmo da morte do outro companheiro.

Com apenas um dos companheiros, a constituição da monoparentalidade acontece sem que

haja o desejo dos indivíduos de sua formação.

Em meio a todo esse contexto que diversifica os motivos para a formação do núcleo

familiar aqui estudado, a evolução e o desenvolvimento da sociedade diante da revolução nos

costumes e valores deixam claro que a influência religiosa sobre a vida dos sujeitos perde sua

força, à medida que a sociedade passa a aceitar o que antes era discriminado, como a união

livre, o divórcio ou separação, celibato e as mães solteiras, aceitando seus direitos

reconhecidos na legislação vigente.

Apesar de todos esses fatores que materializam e evidenciam sua ampliação no cenário

contemporâneo, o padrão ainda aceito culturalmente é o modelo de família tradicional,

mesmo esse padrão sendo alvo de ameaças devido à conjuntura de aumento do desemprego

masculino dos anos 1990, assim como a pressão exercida por movimentos de mulheres em

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1974

busca de maior igualdade, o que favorece transformações nas relações de gênero, no âmbito

da sociedade, da família e do mercado de trabalho128

.

Apesar das mudanças atualmente postas devido a essas transformações, a mulher que

possui a responsabilidade de cuidar sozinha de sua família sobrevive em meio a problemas

específicos dessa situação e ainda é vitima de uma subjugação social que lhe atribui à

dificuldade de se autogerir. Essa afirmação se dá em meio ao fato de que a mulher tem que

dedicar seu tempo para alimentação, abrigo, vestimenta, educação, saúde, assim como para o

aconchego, o cuidado com as pessoas que não têm condições de se autocuidar (crianças,

idosos e pessoas com deficiência física e mental), mesmo que isso não seja percebido como

parte da organização social do seu tempo.

Contudo, observamos que a responsabilidade pela esfera domestica e pelo cuidado dos

filhos se torna mais dificultosa sem uma rede de proteção social, e por vezes sem acesso ao

trabalho e salários dignos, deixando-as dependentes de benefícios providos pelas Políticas de

Assistência, os quais em sua grande maioria são quantitativamente baixos, seletivos,

focalizados e temporários.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006, a

monoparentalidade feminina já representava 18,5 milhões de famílias brasileiras. A maior

parte dessas famílias se encontram em situação de vulnerabilidade social, fazendo com que

estas muitas vezes estejam relacionadas diretamente à pobreza, à exploração e ao próprio

abuso, seja ele psicológico ou físico129

.

Já em 2011 em pesquisa realizada por esse mesmo instituto, foi constatado que o

número de mulheres chefes de família cresceu mais de quatro vezes nos últimos dez anos,

representando 37% no total, salientando que destas famílias pesquisadas cuja a chefia esta

atribuída a figura feminina, 88,7% são famílias monoparentais.

Dando continuidade a essa questão, é necessário destacar ainda que, com base na

128

É preciso colocar que a mulher como chefe de família é algo que está exposto na realidade brasileira e que

foge de padrões que classificam a família como ideal. Caracterizado por grande parcela de unidades familiares

apresentarem uma condição econômica baixa, esse modelo supõe um vinculo entre a monoparentalidade

feminina e a pobreza, formando, assim, dois pensamentos cruciais e opostos: o primeiro que mulher não tem

“capacidade” de cuidar e de administrar uma família sem a figura masculina e o segundo que a mulher,

atualmente conquistou maior independência e, portanto, pode assumir sua família 129

Dados recolhidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)- Síntese de indicadores sociais

2007: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=987

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1975

Pesquisa Nacional por Amostragem Demográfica (PNAD-2006), verifica-se que, do total

dessas famílias monoparentais femininas, 32,3% vivem com uma renda de até ½ de um

salário mínimo e 14,8% de até ¾ de um salário mínimo, renda essa baixa para quem é

responsável pela manutenção de um lar e cuidados relativos a seus dependentes. A dimensão

de pobreza se aprofunda se vinculada a monoparentalidade e cuidados com os filhos menores

de 16 anos de idade. Segundo a PNAD, esses representam 42,8% das famílias monoparentais

femininas. Além disso, 44,8% vivem com um rendimento per capita familiar de até ½ de

salário mínimo (ver PNAD 2006)130

, evidenciando, assim, a precariedade social em que essas

famílias monoparentais vivem.

Outro ponto a ser colocado é que a situação de vulnerabilidade social a qual parte

destas famílias vivenciam não se encontra apenas associada à má distribuição de renda no

país, mas também a dinâmica da vida familiar, o acesso a serviços públicos, a possibilidade de

obter trabalho com qualidade e remuneração adequadas, e a existência de garantias legais e

políticas que apresentam dessa maneira, a complexidade existente no Brasil e no mundo em

que se faz presente a desigualdade e a exclusão social.

Nesse sentido, a vulnerabilidade social é entendida aqui pelas condições

biopsicossociais que vitimizam a família e seus membros a condições degradantes, de pouca

perspectiva e causadoras de segregação social, já que, os indivíduos que se encontram em

situação de pobreza, geralmente são pessoas possuidoras de histórico de vida marcado por

adversidades de cunho desagregador no ambiente familiar, pouco ou nenhum acesso de

qualidade à educação, saúde, habitação e qualificação profissional (BRITO; FERREIRA,

S.d.).

É dentro desta situação de pobreza que se encontram as famílias monoparentais, se

fazendo presente dentro desse contexto de vulnerabilidade social131

, que as expõem

constantemente a fragilidades nos aspectos de natureza econômica, de vínculos afetivos-

oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da

sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e

130

Dados recolhidos no IBGE, Pesquisa Nacional por Amostragem Demográfica 2006 131 Embora não se tenha pretensão de discutir com ênfase a vulnerabilidade social, é importante destacar que ela

está sendo compreendida nesse trabalho como o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos

recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de

relacionais (abandono, violência e exploração) e de pertencimento social.

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1976

mobilidade social dos atores (VIGNOLI, 2001; FILGUEIRA, 2001 apud ABRAMOVAY et

al, 2002).

Recebendo como resposta pública a esta situação programas de transferência de renda

nos quais as famílias monoparentais femininas são potenciais recebedoras, estas encontram

nos programas sociais um suporte complementar renda para auxiliar na sobrevivência.

Remetido ao âmbito social, este caminho acaba apenas por reduz minimamente a pobreza, não

a erradicando, o que faz com que o enfrentamento das desigualdades sociais continue a ser um

dos maiores desafios das políticas públicas nesta segunda década do século XXI.

No Brasil não existe uma política específica para este tipo de família, porém estas

estão inseridas no arcabouço de políticas direcionadas a famílias no geral que por vezes

acabam por estar baseadas em um conceito burguês nuclear de padrão familiar. As políticas

direcionadas para as famílias em situação de vulnerabilidade social despertam para a

necessidade de uma análise mais precisa de como estas interferem nas estratégias de

sobrevivência familiar, e como se configuraram ao longo de sua formação.

É importante frisar, que é nesse cenário que as famílias monoparentais femininas,

assumem uma dupla jornada, se tornando reféns do precário acesso renda e alvo de uma má

qualidade de vida, que segundo o IBGE só vem se ampliando no Brasil.

Mesmo com a inserção no mercado de trabalho, da maneira precarizada como se deu,

e com as conquistas protagonizadas pelos movimentos feministas, a situação de pobreza das

famílias chefiadas por mulheres se perpetua até os dias atuais.

Sozinhas, além de conviverem com o preconceito, por não atender a padrões

tradicionais de família, grande parcela dessas mulheres não fazem parte do mercado formal de

trabalho, ou seja, precisam de alguma maneira conseguir manter uma fonte de renda, e para

isso, estão sujeitas a empregos que não lhes oferecem garantias legais de proteção, além de

baixos salários.

Essa inserção no mundo da produção feita de forma desregulamentada e precária, em

meio a uma sociedade historicamente machista, exige dessa mulher o desempenho

concomitante de múltiplas funções. Mãe, trabalhadora, chefe de família e responsável pelos

cuidados domésticos, essas mulheres sobrevivem vinculadas a um estado de extrema pobreza

e exclusão, o que as direcionam para a necessidade do auxílio de políticas que lhes

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1977

proporcionem um complemento para sobrevivência. Para Carvalho (1998 apud Pinto e

Makhoul et al 2011, p. 170):

[...] as famílias chefiadas por mulheres das camadas mais pobres da população, são

em grande parte associadas às situações de vulnerabilidade econômica, pois a

mulher, como único membro adulto do domicílio, é sua provedora, além de assumir

funções domésticas e o cuidado com os filhos, o que implica sua vinculação em

trabalhos mal remunerados em tempo parcial ou intermitente, gerando assim

maiores dificuldades para garantir a subsistência da própria família. (CARVALHO

1998, apud PINTO &MAKHOUL et al ,2011, p. 170).

Apesar de atingir um universo de indivíduos indistintamente, a vulnerabilidade social,

se apresenta de forma mais cruel para as mulheres, visto que as condições objetivas de

trabalho para elas é mais difícil do que para os homens. Como afirma Melo (2005 apud

Carloto e Gomes 2011):

Para as mulheres, esta realidade de carências é mais aguda, uma vez que elas

realizam uma gama enorme de atividades não remuneradas, seja no âmbito mercantil, seja no

seio da família, pela dedicação às atividades do lar fazem ser majoritariamente dependentes

da provisão masculina para o sustento de suas famílias. [...] há uma nítida relação entre

divisão do trabalho e a pobreza das mulheres; a inserção feminina aconteceu em paralelo com

o crescimento das atividades informais, das atividades sem remuneração e aumento das taxas

de desemprego. (MELO 2005, apud CARLOTO; GOMES 2011, p. 136).

As transformações que ocorreram no mundo do trabalho a partir de 1970 e que

impactaram negativamente nas condições de vida dessas famílias, intensificaram sua relação

com a situação de pobreza entre as mulheres chefes de família.

Para as mulheres, as condições de trabalho cada vez mais precarizadas vieram

acompanhadas de uma divisão sexual de trabalho extremamente perversa em que a

representação da figura feminina aparece associada à imagem do lar, da reprodução e da

desqualificação para atividades que exijam maior poder de concentração e inteligência. Dessa

forma, a mulher tornou-se fonte essencial para exploração da força de trabalho, mostrando,

apenas, uma “igualdade” entre o sexo masculino e feminino, conquistada com feminização do

trabalho.

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1978

Com isso, pode-se afirmar que a maneira com se dá a divisão sexual do trabalho na

esfera produtiva expressa e evidencia as relações de poder existentes entre homens e mulheres

na sociedade, poder este que se distribui de forma desigual, conformando historicamente a

subordinação feminina e sua invisibilidade no processo histórico. De acordo com Lobo (1991

apud Carloto e Gomes 2011):

A divisão sexual do trabalho é construída como prática social, ora conservando

tradições que ordenam tarefas masculinas e tarefas femininas na indústria, ora criando

modalidades da divisão sexual das tarefas. A subordinação de gênero, a assimetria nas

relações de trabalho masculinas e femininas manifesta-se não apenas na divisão de tarefas,

mas nos critérios que definem a qualificação das tarefas, nos salários, na disciplina do

trabalho. A divisão sexual do trabalho não é tão somente uma conseqüência da distribuição do

trabalho por ramos ou setores de atividade, mas também o princípio organizador da

desigualdade no trabalho. (LOBO 1991, apud CARLOTO; GOMES, 2011, p.134).

Essa vulnerabilidade presente no âmbito das famílias monoparentais, principalmente

as femininas, expressa além dos aspectos já explicitados, o descompromisso do Estado na

execução dos direitos sociais conquistados e na escassa efetivação das políticas públicas,

marcadas em seu contexto histórico pela ausência de estruturas e medidas pensadas em favor

da figura feminina.

Contudo, é dentro deste contexto que os novos arranjos familiares se perpetuam,

especialmente os das famílias monoparentais. Apresentando-se desprotegidas pelo Estado por

não ter, na maioria das vezes, meios suficientes para o provimento da família, sendo

reconhecidas como famílias vulnerabilizadas por vivenciarem situações com mínimas chances

de superação, visto que o Estado atua através de políticas e programas sociais residuais e

focalizados. Tendo como foco principal a acumulação e ampliação do capital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a trajetória de estudos percorrida até aqui, podemos concluir que a construção

social da família assinala para sua relação direta com a forma de sociedade na qual esta

inserida em cada momento histórico.

Dessa forma, o pensamento norteador do modelo econômico que se encontra em cada

fase da sociedade, vincula a essa instituição papeis e valores que se modificam e aderem

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1979

novos formatos no decorrer de seu desenvolvimento.

Assim, no capitalismo a monoparentalidade feminina assume lugar na sociedade como

novo modelo familiar que, apesar de sempre existir, se legitima e ganha visibilidade atrelada

ao cenário de extrema pobreza em que se estrutura a sociedade e que, por determinados

motivos, condicionam as mulheres a assumirem sozinhas a chefia do lar.

Nesse sentido, podemos observar que a monoparentalidade e a pobreza estabelecem,

em sua articulação, uma relação consequência x resposta, no qual, sendo a pobreza vivenciada

por esse tipo de família consequência da lógica que rege ao capitalismo, recebe como resposta

a essa situação auxílios monetários efetivado através das políticas públicas que, apesar de

aparentemente estar vinculada uma proposta de mais igualdade social, contém em seu interior

um amplo jogo de interesses e objetivos que ultrapassam a essa aparência.

Essa forma de pensamento na qual a família monoparental feminina é inserida, acaba

por reforçar o direcionamento do Estado de retirada de suas obrigações para com os direitos

sociais arduamente alcançados ao longo da história. Isto se efetiva uma vez que a proteção

social passa a ser vinculada prioritariamente a prestação de benefícios seletivos e focalizados,

que direcionam suas ações a processos minimalistas e repassando para o setor privado sua

gestão.

Diante disso, o foco de preocupação em defesa da família, no âmbito das políticas

públicas brasileiras, demonstra que, ao mesmo tempo em que esses programas amenizam a

desigualdade de renda e procuram melhorar as necessidades básicas da população, eles

continuam sendo uma política assistencialista e compensatória que acaba ajudando a

perpetuar a pobreza, contribuindo para a manutenção e acumulação do capitalismo, além de

expressar o ideário tradicional de que a mulher é associada à figura do lar e dos filhos.

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1982

O CAPITALISMO E AS FORMAS DESIGUAIS E COMBINADAS DE

DESENVOLVIMENTO: a exploração do trabalho em discussão

Suéllen Bezerra Alves132

Mossicléia Mendes da Silva133

RESUMO: o presente texto tem como objetivo desenvolver uma breve discussão sobre trabalho em

tempos de capital considerando a lei do desenvolvimento desigual e combinado. Tendo como

fundamento as categorias básicas de análise marxistas, as reflexões apresentadas remetem a

compreensão de trabalho como categoria fundante na constituição do ser social, bem como a um

debate reflexivo sobre trabalho sob a lógica de exploração capitalista. São expostos os elementos que

caracterizam a tese do desenvolvimento desigual e combinado expressa nos regimes sustentados pela

sociabilidade capitalista, e por fim é feita uma análise dos processos funcionais à lógica da exploração

do trabalho no contexto de acumulação flexível. Conclui-se que a informalidade e o

empreendedorismo são processos funcionais e fundamentais à manutenção do grande capital, pois

mantêm o desenvolvimento desigual e combinado que permite o sistema de dominação na sociedade

capitalista.

Palavras-chave: Trabalho. Desenvolvimento desigual e combinado. Exploração capitalista.

INTRODUÇÃO

O presente ensaio tem como objetivo desenvolver uma breve discussão acerca do

trabalho no modo de produção capitalista, a partir de categorias básicas de análise marxista,

considerando a lei do desenvolvimento desigual e combinado. No primeiro momento,

discutimos a categoria trabalho em referência à perspectiva marxiana, considerando que, ao

modificar a Natureza através do trabalho, o homem transforma a si mesmo, desenvolvendo

novas necessidades e possibilidades na sociabilidade humana. É o trabalho que diferencia o

homem do ser natural, e o eleva à condição de ser social, modificando o seu modo de ser e as

sociedades.

132

Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE; (81)

95064594/ (88) 99887232; [email protected] 133

Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ; (21)

80682039; [email protected]

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1983

No entanto, sob a lógica da exploração capitalista, o trabalho passa a ser subjugado

ao capital, e supre agora necessidades e utilidades exteriores que são impostas à classe

trabalhadora. No segundo momento do trabalho, são pontuadas questões relativas à tese do

desenvolvimento desigual e combinado, processo inerente e necessário a essa formação

social, cujas bases de produção voltam-se, necessariamente, para o lucro.

Posteriormente, discutem-se o regime fordista de produção e a acumulação flexível,

identificando as principais características desses diferentes regimes, bem como as expressões

do desenvolvimento desigual e combinado neles presentes. O empreendedorismo e a

informalidade são abordados como processos acentuados pela acumulação flexível, bem como

sua funcionalidade à lógica da exploração do trabalho.

É necessário ressaltar o caráter inicial e aproximativo da discussão aqui proposta, já

que a temática em questão é extremamente complexa e, nos limites desse trabalho, não é

possível abordar as inúmeras determinações que ela comporta.

1. Trabalho e ser social

Ao pensar sobre a categoria trabalho enquanto processo histórico relacional entre

homem e natureza, faz-se necessário compreender o significado da centralidade do trabalho

na constituição do ser social. Partimos da compreensão de trabalho com base na perspectiva

marxiana, que o compreende enquanto categoria que representa a atividade transformadora e

fundante da sociabilidade do homem. Marx define trabalho na obra O Capital da seguinte

forma:

Antes de tudo, o trabalho é um processo que participam o homem e a natureza,

processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla

seu intercâmbio material com a natureza. [...] Atuando assim sobre a natureza

externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. (MARX,

2013, p. 202)

O trabalho se configura, portanto, como a atividade criadora dos homens que,

movidos por necessidades objetivas, conhecem e transformam o mundo ao mesmo tempo em

que também se transformam. A partir do trabalho surgem novas necessidades, permitindo ao

homem ir para além de suas necessidades imediatas. Pontes (2000), falando sobre a relação

homem e natureza, afirma que o trabalho assume o papel de condicionador da existência

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1984

humana na medida em que proporciona a sociabilização humana, e que é mediador entre as

categorias do ser natural e do ser social, fazendo prevalecer as categorias deste sobre aquele, e

as determinações sociais sobre as naturais.

O homem, portanto, se diferencia dos outros seres naturais quando tem a capacidade

de idealizar e projetar determinado objetivo, a que chamamos de causalidade. O trabalho é a

ação que media teleologia e causalidade. É através da teleologia que o sujeito deixa de se

constituir como ser natural e transforma-se em ser social: idealiza um propósito e os meios de

se chegar até ele. São esses meios que chamamos de trabalho (NETTO, BRAZ, 2007).

O trabalho como processo entre o homem e a natureza a fim da obtenção de um

resultado previamente pensado é a objetivação teleologicamente intencionada dos seres

humanos. Conhecendo então os meios para a realização do trabalho, o sujeito precisa

transmitir esse conhecimento para que outras pessoas também possam efetivá-lo: eis o lugar

da comunicação. Através da comunicação e a partir da necessidade do homem em

compartilhar e reproduzir as representações do trabalho este se realiza de forma coletiva

(idem).

Com o desenvolvimento das forças produtivas, no momento em que o sujeito

“sociabiliza” conhecimento através da comunicação articulada, o trabalho se torna coletivo e,

portanto, social. É por isso que “[...] o trabalho não é apenas uma atividade específica de

homens em sociedade, mas é, também e ainda, o processo histórico pelo qual surgiu o ser

desses homens, o ser social.” (NETTO; BRAZ, 2007, p.34).

O então ser social, dotado de maior complexidade, transforma a natureza e as

relações entre os homens, ampliando e transformando o conhecimento entre as gerações. Esse

ser gerado do trabalho é cercado por amplas possibilidades de relações e criam, através da

práxis134

, sua própria forma de ser, identificando-se como “criativos e autoprodutores”

(NETTO; BRAZ, 2007, p 44). Toda a humanidade passa então a se constituir como tal,

desenvolvendo novas possibilidades, necessidades e novas formas de organização social,

tendo como alicerce o trabalho.

134

Compreendemos práxis como categoria abrangente que, fundada pelo trabalho, inclui todas as objetivações

humanas (que incidem na natureza e na sociedade), enquanto atividade prática que cria e recria as condições

necessárias à reprodução da sociedade. Para análise mais aprofundada ver Netto e Braz (2007); Lessa (2000);

Vásquez (1977).

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1985

O processo de trabalho enquanto processo de intercâmbio material entre homem e

natureza é, segundo Marx, composto por três elementos essenciais: 1 - trabalho enquanto

atividade adequada a um fim; 2 – objeto de trabalho; 3 – instrumental de trabalho (MARX,

2013, p. 202). Apenas o homem enquanto ser social é dotado da capacidade teleológica de

planejar em sua mente a materialização de um objeto antes de transformá-lo em realidade.

Para tal, necessita exercer a atividade direcionada a um fim, convertendo o objeto de trabalho

naquilo que já estava posto em sua consciência antes mesmo do início desse processo.

Como intermédio entre o trabalhador e o objeto de trabalho, os instrumentais são os

meios de trabalho que medem o desenvolvimento da força humana de trabalho e indicam as

condições sociais em que se realiza o trabalho. “O que distingue as diferentes épocas

econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz.” (MARX,

p.204) São os meios de trabalho que indicam o desenvolvimento das forças produtivas e as

condições sociais em que o trabalho é exercido.

No fim do processo de trabalho, a transformação do objeto por meio dos

instrumentais se materializa no produto do trabalho. O trabalho foi incorporado ao objeto e o

trabalhador pode ver seu trabalho corporificado no produto em que operou. No entanto, é

necessário diferenciar trabalho de trabalho abstrato, compreendendo que este último é

alienado pelo capital. Na sociabilidade capitalista, o fetichismo da mercadoria escamoteia o

trabalho corporificado no produto do trabalho, e dá a aparência de autonomia das coisas sobre

quem as produziu. É o que será abordado no próximo tópico, através da delimitação das

características do mundo do trabalho na lógica capitalista.

2. Exploração do trabalho na sociabilidade capitalista

Marx apresenta dois fenômenos característicos sobre o processo de trabalho quando

este ocorre como processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista:

1 - “O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence o seu trabalho”

(MARX, 2013, p.209) O capitalista organiza a produção de modo que haja um maior

aproveitamento do tempo de trabalho e não haja desperdício;

2 “ [...] o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador.”

(MARX, 2013, p.209) Ao final do processo de trabalho o produto não pertence a quem o

produziu, mas ai capitalista.

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1986

Dessa forma, é o capitalista que organiza e controla todo o processo de trabalho,

retirando o poder do trabalhador de administrar o tempo e o ritmo de trabalho. No

capitalismo, o processo de trabalho não tem mais como objetivo suprir as necessidades

materiais do trabalhador e sua família, mas de prover as necessidades do capital. Essas, para

além do imprescindível para reprodução da força de trabalho, incluem a produção da mais-

valia, condição precípua a acumulação:

[...] o trabalhador não produz para si, mas para o capital. Por isso não é mais

suficiente que ele apenas produza. Ele tem de produzir mais valia. Só é produtivo o

trabalhador que produz mais valia para o capitalista, servindo assim à auto-expansão

do capital. (MARX, 2013, p.584)

Nesse processo de desapropriação do trabalhador sobre o controle do trabalho, há

uma inversão na relação entre homens e produtos de trabalho, na medida em que estes últimos

passam a ter autonomia e controle superior aos seus próprios criadores. A esse fenômeno

histórico Marx atribui o caráter de estranhamento, designado pelo trabalho alienado: na

produção capitalista o ser humano é subjugado pelos produtos de suas próprias mãos.

A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele

se converte e objeto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe

independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e com ele se defronta como

uma força autônoma. A vida que ele deu a objeto volta-se contra ele como uma força

estranha e hostil. (MARX, primeiro manuscrito – trabalho alienado)

Nas sociedades capitalistas o trabalho tal como mediação entre ser humano e

natureza para satisfação de suas necessidades materiais passa a ser forjado na medida em que

o homem não tem domínio sobre a totalidade do processo de transformação da matéria-prima

em produto. O trabalhador é então despojado do pertencimento ao objeto e a apropriação

deste se configura enquanto estranhamento, na contradição de que quanto mais objetos o

trabalhador produz, menos pode possuir e “mais fica sob o domínio do seu produto, do

capital” (Marx & Engels apud. Antunes, 2004, p.144).

[...] Também ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também

desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados, desvanecem-se,

portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem uma

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1987

das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho

humano abstrato (MARX, 2013, p. 44-45)

Na medida em que, o capital se reproduz em escala ampliada, o trabalho é cada vez

mais submetido ao julgo da necessidade voraz do capitalista de extração de mais-valia. O

controle sobre o trabalho é levado a cabo de diversas formas. O desenvolvimento das forças

produtivas é, sempre, um mecanismo acionado para combinar formas de extrair trabalho não-

pago, ou seja, formas de produzir mais-valia absoluta e relativa135

. O autor alemão expõe da

seguinte forma:

todos os métodos de produção da mais-valia são, simultaneamente, métodos da acumulação, e

toda expansão da acumulação torna-se, reciprocamente, meio de desenvolver aqueles

métodos. [...] A acumulação da riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação

de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no

pólo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital. (idem, p.

275)

Esse processo tende a expelir trabalhadores sempre na medida das necessidades de

acumulação do capital. Uma população excedente, um exército industrial de reserva é, ao

mesmo tempo, condição e alavanca desse modo de produção. Não é, portanto, algo

conjuntural, mas sim condição estrutural. O capital desenvolve métodos de extrair mais-valia,

possibilitando acumulação, que por sua vez engendra formas novas de extração de mais-valia,

conforme citado anteriormente. Nesse movimento, a burguesia tende a desenvolver formas

pelas quais o trabalho vivo no processo de produção seja sempre menor, para evitar os

constrangimentos impostos pelas reivindicações do trabalho à produção.

Nessa mesma direção, a manutenção de um exército de reserva, sua reprodução e

aprofundamento, além de ser uma forma de reduzir custos de produção são também à maneira

pela qual se exerce pressão sob os salários numa tendência decrescente, bem como para

fomentar focos de conflitos e concorrência entre os trabalhadores.

A complexificação da divisão do trabalho se dá mediante o desenvolvimento das

forças produtivas. Tal desenvolvimento não se realiza de modo homogêneo nos diversos

135

“A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a mais-

valia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança da proporção

entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa” (MARX, 1985a, p. 432).

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1988

países e ramos do capitalismo. Este congrega formas “desiguais e combinadas” de

desenvolvimento, com implicações diretas sob a forma de exploração da força de trabalho.

3. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo

A produção de riqueza no âmbito do capitalismo traz no seu cerne a produção de

pobreza e se expressa, também, no desenvolvimento de formas sofisticadas de produção que

existem em paralelo a modelos arcaicos de produzir. A manutenção de formas desiguais e

combinadas não é uma acidente econômico, expressão de desenvolvimento de determinadas

sociedades e de subdesenvolvimento de outras. Na verdade, isso nada mais é que condição

funcional ao capital e sua direção para o crescimento (MANDEL, 1982).

Löwy (1995) chama atenção para o fato de que Marx, em virtude do contexto histórico

em que estava situado, – antes da era imperialista – não analisa essa problemática que está

diretamente ligada à expansão mundial do capital. Entretanto, na Introdução à crítica da

economia política (1857) o autor de O Capital fornece indicações interessantes sobre o modo

como uma produção dominante exerce hegemonia sobre as outras. Vejamos à passagem a que

se refere Löwy.

Em todas as formas de sociedade, é uma produção específica que determina todas as outras,

são as relações engendradas por ela que atribuem a todas as outras o seu lugar e a sua

importância. É uma luz universal onde são mergulhadas todas as outras cores e que as

modifica no seio de sua particularidade. É um éter particular que determina o peso específico

de toda a existência que aí se manifesta (MARX apud LÖWY, 1995, p. 01).

É com Trotsky que o problema do desenvolvimento desigual e combinado será, de

modo mais consistente, tratado. Analisando a História da Revolução Russa, Trotsky (1977),

introduz a tese do desenvolvimento desigual e combinado, apontando que, a desigualdade do

ritmo, lei mais geral do processo histórico, evidencia-se mais vigorosamente nos países

“atrasados”. E aponta: “sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na

contingência de avançar aos saltos (TROTSTY, 1977, p. 25).

Para explicitar essa lei geral numa realidade concreta o autor detalha a maneira pela

qual a Rússia “saltou” etapas de desenvolvimento (ou seja, não cumpriu aqueles estágios de

produção como os países de industrialização avançada) e da repercussão disso no

direcionamento da Revolução Russa. Em decorrência dessa tendência de desigualdade tem-se

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1989

a lei do desenvolvimento combinado, “que significa aproximação das diversas etapas,

combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas”

(idem).

Mandel (1982) indica elementos fundamentais para adensar a tese do desenvolvimento

desigual e combinado. O modo de produção capitalista se desenvolveu no âmbito de uma

estrutura, de um momento socioeconômico específico. O capitalismo reproduz “em formas e

proporções variáveis uma combinação de modos de produção passados e presentes, ou mais

precisamente, de estágios variáveis, passados e sucessivos, do atual modo de produção”

(MANDEL, 1982, p. 14).

Essa combinação, enfatiza o autor, não é, de modo algum, secundária. É, ao contrário,

“em grau considerável, precisamente uma função de validade universal da lei do

desenvolvimento desigual e combinado” (Idem).

Essa lei opera tanto num dado território nacional, como nas relações entre países de

capitalismo avançado e periferia. A questão é que, o capital ao impor sua lógica de

acumulação, submete tudo e todos. É assim que os países mais ricos, detentores de capitais

mais poderosos, ao revolucionarem constantemente suas forças produtivas, impõem o atraso à

periferia. Os meios de produção bem como as relações de produção são constantemente

reconfiguradas, destruindo e mantendo formas não-capitalistas de produção de acordo com

sua intrínseca necessidade expansionista e acumulativa. Neste sentido, “a história desse modo

de produção torna-se a história do antagonismo em desenvolvimento entre capital e as

relações econômicas semi-capitalistas e pré-capitalistas, que o mercado mundial capitalista

incorpora permanentemente a si mesmo” (Idem, p.28).

Vejamos, a seguir, alguns elementos básicos acerca do fordismo e da acumulação

flexível e como é possível identificar as formas pelas quais o desenvolvimento desigual e

combinado do capitalismo se expressam em diferentes regimes de produção.

4. Do fordismo à acumulação flexível

O fordismo constitui-se num regime de produção situado em uma estrutura

socioeconômica específica. Embora a produção de massa para consumo de massa seja um

princípio básico dessa forma específica de produzir mercadorias, nem de longe esgota suas

peculiaridades. Considerando que, as relações de produção são, em última instância,

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1990

determinantes da totalidade da vida em sociedade, é necessário considerar que, “o fordismo

do pós-guerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção em massa do que

como modo de vida total” (HARVEY, 2009, p. 13).

Resultado de um complexo e longo movimento histórico, o fordismo consolidou-se

como estratégia de retomada das possibilidades acumulativas do capital face a um contexto de

crise. Antes de tornar-se a maneira dominante de estruturar a produção teve que enfrentar

duas barreiras importantes no entre-guerras: 1) o estado de relações de classe – que implicava

a dificuldade do trabalhador em se adequar a um ritmo intenso de horas de trabalho

rotinizada, bem como a quase inexistência de controle do trabalhador sobre o objeto; 2)

modos e mecanismos de intervenção estatal (HARVEY, 2009).

No entanto, foi uma série de “compromissos”, num contexto em que o capital

explicitava de forma selvagem suas contradições internas, expressas em uma profunda crise,

que quase levaram ao colapso da economia na década de 1930, que possibilitaram a

disseminação e consolidação do fordismo. Tais compromissos envolviam os principais atores

do capitalismo.

O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes institucionais;

o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para assumir com mais

lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativas

ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção (HARVEY, 2009, p.

125).

O Estado então combinava políticas fiscais e monetárias que garantissem o equilíbrio

econômico, bem como políticas sociais que indiretamente aumentavam o poder de consumo

do trabalho. O capital, por sua vez, se empenhava em investimentos estáveis e

desenvolvimento racionalizado e planejado, baseado em padrões de eficiência definidos. A

classe trabalhadora teria que se adequar e cooperar com as técnicas fordistas de produção,

angariando, com isso, alguns benefícios em termos de aumento do salário real e do “salário

indireto” pela via das políticas sociais. Teve, no entanto, que abrir mão de um projeto de

perspectiva revolucionária, enveredando pela alternativa reformista da social-democracia.

Botelho sumariza o fordismo como “conjunto de práticas econômicas, técnicas,

gerenciais, políticas e sociais que, combinadas, formam uma estratégia específica do capital

reproduzir-se de forma ampliada” (2008, p. 32).

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1991

Enquanto estratégia de reprodução ampliada, esse regime de produção possibilitou um

período expansionista. O Capital auferiu altas taxas de lucro e o trabalho teve melhorias

significativas nas condições de vida. Embora os ganhos para o trabalho tenham sido

significativos face a outros momentos históricos, o fordismo não constituiu possibilidade de

socialização dos meios de produção, nem de uma mudança social radical.

De fato, mesmo que a divisão do fundo público tenha sido, nesse contexto,

relativamente equilibrada, os moldes da produção fordista implicaram um aprofundamento da

divisão do trabalho, ao mesmo tempo que, destituiu o trabalho de qualquer conteúdo e impôs

um modo peculiar de controle exacerbado sobre ele (BOTELHO, 2005).

Harvey (2009) chama atenção para o caráter desigual de desenvolvimento no

fordismo. Esse caráter se expressou tanto nas relações entre os países, já que o fordismo

engendrou processos de internacionalização dos mercados, o que implica reconhecer amplo

desenvolvimento em países centrais do mundo capital e o simultâneo atraso de países

periféricos, bem como entre setores produtivos.

Os rebatimentos sobre o trabalho, portanto, foram significativos, já que se combinaram

práticas estáveis e seguras de contratação com “base não-fordista de subcontratação” (Idem, p.

132).

Ainda em relação a esse caráter desigual e combinado de integração dos diversos

países ao desenvolvimento fordista, Botelho (2005, p. 46) coloca que “essa integração não

significa igualdade de ‘desenvolvimento’ econômico e social. O ‘centro’ do sistema mundial

capitalista – os países ricos e industrializados [...] continua com seu papel dominante,

subordinando a periferia”.

Esse período de larga expansão, portanto, favoreceu, sobretudo, os países ricos.

Entretanto, era dotado de um limite histórico que se expressou numa profunda crise, cujo

ápice se verifica entre 1973, a qual evidenciou a incapacidade do fordismo perante as

contradições internas do capitalismo.

Os atores envolvidos no “compromisso fordista” já não conseguiam cumprir

devidamente suas funções, uma vez que estas estavam comprometidas, dada a lógica de

valorização do capital que, no âmbito do fordismo, se exauria. O Estado não detinha fundo

suficiente para manter a estrutura de políticas sociais universais e as estratégias anti-crises; o

capital não suportava mais os investimentos pesados, a superacumulação; o trabalho, por sua

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1992

vez, não era mais tão facilmente controlável, superando, em larga medida, a posição

corporativista e burocratizada dos sindicatos tradicionais.

De acordo com Harvey (2009), essa crise relacionava-se diretamente à rigidez.

Rigidez na produção, na alocação de recursos e nos contratos de trabalho. É, pois, em

contraposição a essa rigidez que uniam o grande trabalho, o grande capital e o grande Estado

que se efetivaram os processos de reestruturação que marcam a década de 1970 e 1980. A

transição do regime fordista para o que o autor denomina de acumulação flexível não é

meramente uma mudança na forma de produzir, é, antes, “uma transição no regime de

acumulação e no modo de regulamentação social e política a ele associado” (HARVEY, 2009,

p. 117).

A flexibilidade é, nesse sentido, elemento fundamental nessa forma de acumulação.

Trata-se de flexibilização nos processos e mercados de trabalho e nos produtos e padrões de

consumo. Altas tecnologias, mobilidade geográfica, compressão espaço-tempo, inovações

comerciais e organizacionais, dominância financeira na coordenação do capital, formação de

novos mercados são características dessa estrutura sócio-econômica. E ainda, “acumulação

flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre

setores como entre regiões geográficas” (Idem, p. 140).

O autor aponta que, acumulação flexível engendra um radical movimento de

reestruturação da estrutura do mercado de trabalho e da estrutura da produção/organização

industrial. Ao fazê-lo traz elementos que permitem visualizar o caráter desigual desse

desenvolvimento. Vejamos em que sentido se dá tais reestruturações.

No que tange a questão do mercado de trabalho, temos: imposição de regimes e

contratos de trabalhos flexíveis, redução do emprego regular em favor do trabalho em tempo

parcial, temporário e subcontratado. Disso resulta uma estrutura de mercado de trabalho que

mantém um grupo de centro – trabalhadores de melhores condições de trabalho, seguro,

estável, com maiores rendimentos. Esse número é cada vez menor; a periferia – divide-se em

dois grupos: um comporta empregados em tempo integral, facilmente disponível no mercado

de trabalho; o outro, empregados em tempo parcial, temporário.

Em relação à reestruturação na organização industrial, Harvey (2009) aponta que as

economias de escopo – produção em pequenos lotes – ocupam lugar das economias de escala

– produção em massa. Neste sentido, inovações em produtos, diminuição de tempo de giro do

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1993

capital, diminuição de tempo de vida útil do produto, sistema de gerenciamento de estoque,

exploração de novos ninchos de mercado, etc são fundamentais na consolidação desse regime

de acumulação flexível.

No que diz respeito às inovações organizacionais no interior da firma capitalista,

especificamente, Botelho (2005) indica duas direções: sistema just in time e a auto-ativação

da produção.O primeiro pode ser sintetizado na adaptação do estoque ao ritmo da produção; o

segundo, diz respeito ao aumento na unidade de trabalho, ou seja, aumento e complexificação

das funções de um mesmo trabalhador.

Conforme sinalizamos, a esfera das finanças assume primazia na condição dos

macroprocessos socioeconômicos e políticos da era flexível. Isto é, a constituição de um

mercado financeiro global, sua volatilidade, mobilidade, fundamentados na

desregulamentação e liberalização da economia, bem como pela prioridade que o fundo

público-estatal lhe confere – e não menos importante da quase impotência dos Estados

nacionais perante os ditames do capital financeiro especulativo internacional – tem conferido

determinado poder de coordenação a esta fração do capital (HARVEY, 2009). Esta fração,

mas que qualquer outra tem a preponderância da flexibilidade.

Em suma, a acumulação flexível é um amplo processo que responde as necessidades

de retomada de acumulação do capital, que, coordenado pelo capital financeiro, flexibiliza

processos e contratos de trabalho, combinando técnicas altamente avançadas de produção com

modelos atrasados, domésticos, informais de produzir mercadorias.

Sob o lastro do desemprego que engendra esse regime de acumulação, o capital detém,

em sua totalidade, dominância sob os processos sofisticados e arcaicos de produção. Na

medida em que impossibilita, cada vez mais, trabalhadores de se inserirem no mercado seguro

de trabalho, cria alternativas informais de envolvimento desses mesmos trabalhadores no

circuito produtivo, de modo que, mesmo as práticas aparentemente autônomas contribuem

para a acumulação exacerbada do capital.

5. O empreendedorismo e a informalidade: a exploração do trabalho e as formas de

desenvolvimento desigual e combinado

Os processos anteriormente discutidos são levados a cabo por relações sociais

historicamente determinadas e são fincadas em fortes mecanismos ideológicos de sustentação.

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1994

Harvey (2009) é enfático ao ressaltar a cultura e estética pós-moderna, cujos elementos mais

caros são o fragmento, o caos, o efêmero, as mudanças intensas, a fluidez a não-definição, o

individualismo, a ausência de projetos coletivos amplos, entre outros, como assento básico

das mudanças processadas no regime de produção. Ao produzir a existência sob o julgo do

capital a sociedade acaba por legitimar um modo de viver que seja condizente com as

necessidades capitalistas. Ao mesmo tempo em que expele os trabalhadores dos centros

dinâmicos da produção, produz e reproduz noções de sociabilidade específicas.

Discutindo as transformações da governança urbana no capitalismo tardio, Harvey

(2005) demonstra que a ascensão do empreendedorismo urbano em detrimento da perspectiva

administrativa teve papel importante na transição do capitalismo do regime fordista-

keynesiano para o regime de acumulação flexível. Esta mudança se relaciona, diretamente, a

formas novas de governanças locais que favoreçam o grande capital global. Nessa direção, o

autor deixa claro ainda que, governança urbana resulta de relações sociais complexas,

viabilizadas por coalizões e alianças político-sociais de grande envergadura.

Esse novo empreendedorismo é caracterizado, principalmente, pela parceria público-

privada. Aqui os governos locais assumem riscos de investimentos e devem criar o ambiente

propício para que os grandes capitais possam investir com segurança. Nesse sentido, enfoca

“o investimento e o desenvolvimento econômico, por meios da construção especulativa do

lugar em vez da melhoria das condições num território específico” (HARVEY, 2005, p. 174).

A ênfase nas pequenas empresas, na terceirização, são apontadas como tendências que

tem levado ao aumento da informalidade. Como conseqüência mais ampla, essa modalidade

de empreendedorismo carrega a marca do controle do local por uma burguesia cada vez mais

internacional, que, ao final, serve “para sustentar e aprofundar as relações capitalistas de

desenvolvimento geográfico desigual” (HARVEY, 2005, p. 190).

A precarização, terceirização, subcontratação, trabalho em tempo parcial, enfim, a

informalidade, são expressões os processos de redefinições da acumulação flexível,

fomentadas, entre outras coisas, pelo empreendedorismo.

No entendimento de Noronha (2003), o termo informalidade é demasiado genérico

para dar conta da gama de situações de contratos de trabalhos atípicos que ao longo das

últimas décadas vem se multiplicando. As percepções com relação às diversas formas de

contratos de trabalho podem ser percebidas nos pares contrastantes: formal e “informal”, legal

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1995

e “ilegal”, justo e “injusto”. Nessa perspectiva, os padrões de trabalho formal são sempre

precisados pelo registro na carteira de trabalho, pelos benefícios ligados à CLT. Logo, são

esses os padrões pelos quais os diversos atores definem as demais situações de informalidade,

ilegalidade e injustiça.

A legitimidade dos contratos de trabalho, entretanto, varia de acordo com os grupos

envolvidos, a conjuntura e o contexto. Isto é,

as linhas divisórias entre contratos de trabalho “ideal”, “justo”, “aceitável”

“pessoalmente inaceitável”, “injusto” ou “socialmente intolerável” são tênues e

misturam noções de necessidade pessoal, de eficiência, de éticas pessoais e

familiares, de justiça e de valores, normas e hábitos socialmente definidos

(NORONHA, 2003, p. 121).

Num contexto em que a cultura do empreendedorismo fomenta e incentiva a

informalidade como possibilidade de autonomização e de alternativa ao desemprego

crescente, os níveis de justiça, legalidade e aceitação social descerão cada vez mais a

patamares de mera sobrevivência, ainda que, nem de longe possam assegurar melhores

condições de vida, de trabalho e, tão pouco, socialização da riqueza.

Ao discutir a questão da informalidade, Alves e Tavares (2006) chamam atenção para

o fato de que, a informalidade, transmutada em ares de autonomia, expressa, na realidade, a

efetivação de precarização do trabalho. Nesse contexto, de expansão da informalidade, ela

deixa de ser uma forma de inserção sócio-econômica intersticial para se tornar, cada vez mais

essencial. Tal essencialidade se verifica tanto na perspectiva de sobrevivência de grande

contingente de trabalhadores como estratégia de valorização e reprodução ampliada do

capital.

A informalidade crescente desde a década de 1990 engloba uma diversidade de

situações que incluem atividades informais tradicionais e novas modalidades. As autoras

traçam uma interessante caracterização dos diversos grupos de trabalhadores inseridos nesse

âmbito da produção. Vejamos.

Os trabalhadores informais tradicionais requerem baixa capitalização e incluem uma

categoria dos menos instáveis (possuem mínimo de conhecimento profissional e de meios de

trabalho) e os instáveis (recrutados temporariamente sendo remunerado por peça ou serviço

prestado); trabalhadores assalariados sem registro. Podem ser empregados em pequenas

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1996

empresas, ou mesmo em serviços domiciliares terceirizados por grandes empresas;

trabalhadores por conta própria, pequenos ofícios, pequenos comércios, atividades ocasionais

diversas.

Essa apresentação sumária não dá conta da densidade de situações discutida pelas

autoras anteriormente mencionadas. O objetivo é apenas demonstrar que a informalidade é

complexificada cada vez mais por uma heterogeneidade de situações de trabalho que torna

ainda mais difícil mensurá-la. Em comum, no entanto, é a condição de precarização,

insegurança, instabilidade e baixos rendimentos.

Além de formas arcaicas de produção terem sido mantidas no capitalismo

desenvolvido, a terceirização encarregou-se de recuperar outras, a exemplo das

cooperativas, do trabalho domiciliar e da pequena empresa. Estas não são formas

independentes, externas à dinâmica capitalista, ao contrário, são parte essencial da

estratégia de acumulação flexível, articulados pelos mecanismos da divisão

internacional do trabalho (ALVES e TAVARES, 2006, p. 441).

A suposta autonomização, que apontam essas modalidades de trabalho como

independentes do capital, é a face ideológica de uma estratégia bem articulada que envolve

capital e Estado, não apenas no sentido de legitimar e legalizar a informalidade, mas de

embutir na luta dos trabalhadores mais esse desafio de superar a fragmentação. Essa ofensiva,

entre outras coisas, leva algumas camadas trabalhistas a arrogarem independência face a luta

da classe destituída dos meios de produção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos marcos da sociedade capitalista, o trabalho enquanto categoria fundante do

mundo dos homens é alienado pelo capital. O fetichismo da mercadoria escamoteia o trabalho

corporificado no produto do trabalho, e dá a aparência de autonomia das coisas sobre quem as

produziu. Nessa conjuntura, as estratégias de exploração do trabalho pelo capital são

vinculadas à necessidade do capital extrair mais-valia, tendo o controle sobre o trabalho como

estratégia imprescindível que se apresenta de diversas formas.

A produção de riqueza nesse sistema exige a manutenção de formas desenvolvidas de

produção associadas a modelos arcaicos de outras. Trotsky (1977) trata dessa condição

funcional ao capital analisando a História da Revolução Russa e elabora a tese do

desenvolvimento desigual e combinado. Foi possível observar nesse texto que, na lógica de

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1997

acumulação imposta pelo capital, é imprescindível que, além de estarem submetidos ao atraso,

é imposto aos países periféricos a combinação de formas arcaicas e modernas de

desenvolvimento.

No lastro do desenvolvimento das forças produtivas é possível identificar formas de

desenvolvimento desigual e combinado. As principais características da produção fordista

eram a produção em massa, grandes estoques, redução de custos, tarefas intensas e repetitivas,

monovalência, aumento da produção e do lucro (HARVEY, 1993, p.167). Com a crise desse

modelo de produção, deu-se início um processo de reestruturação do capital e de seu

arcabouço ideológico e político, através de estratégias de caráter neoliberal, que postulavam o

“Estado Mínimo, fim da estabilidade no emprego e corte abrupto das despesas previdenciárias

e dos gastos, em geral, com as políticas sociais” (FRIGOTTO, 1995, p.73).

O processo de acumulação flexível repercutiu em várias mudanças no processo do

desenvolvimento desigual no âmbito da produção. Os processos altamente sofisticados são

combinados com formas arcaicas, como é o caso do trabalho doméstico, patriarcal, feitos em

casa. Os modelos de produção são pautados na combinação dessas formas de exploração do

trabalho como extratégia de manutenção e expansão do domínio capitalista.

O movimento geral do capital no sentido de expelir força de trabalho dos ramos

produtivos mais dinâmicos não é um empecilho à manipulação das formas de sobrevivência

engendradas pelos trabalhadores de modo a introduzi-los ao circuito do valor. Os grandes

centros da economia estão cada vez mais dominados por altas tecnologias e sofisticados meios

de trabalho, sempre poupando mão-de-obra. Todavia, a retomada de formas arcaicas de

produção, em que informalidade e empreendedorismo se entrecruzam, é, também na

acumulação flexível, funcional e fundamental ao grande capital, pois, mantém o

desenvolvimento desigual e combinado que permite a dominação da fração dominante da

sociedade capitalista sobre os demais.

O reaparecimento de formas outrora tidas como superadas não são incidentes ou uma

mazela com a qual o capital não pretende lidar, são em última análise, um processo histórico

inerente a esse sistema de incrementar formas de trabalho e regimes produções cuja

desigualdade e inferioridade cumprem com o seu papel na acumulação do capital.

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1998

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I Tomo. II, Nova Cultural, São Paulo: 1985b - 2ª Ed.

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1977

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2000

PERCEPÇÃO DAS PARTICIPANTES DO PROJETO MULHERES MIL DO IFCE,

CAMPUS IGUATU, ACERCA DA EDUCAÇÃO COOPERATIVISTA.

Anny Kariny Feitosa136

RESUMO O Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Iguatu, oferta à comunidade cursos técnicos integrados

ao ensino médio, cursos técnicos subsequentes, graduação e pós-graduação e projetos de extensão,

dentre os quais se destaca o Projeto Mulheres Mil, que tem como objetivo oferecer as bases de uma

política social de inclusão e gênero, onde mulheres em situação de vulnerabilidade social têm acesso à

educação profissional, ao emprego e renda. Neste sentido, a Educação Cooperativa é importante

elemento que colabora para a construção da consciência e valorização do ser humano e da ação

democrática, corroborando como alternativa para a geração de emprego e renda. Assim sendo, o

presente projeto tem como objetivo inserir a educação cooperativista no âmbito do Mulheres Mil e

refletir sobre a percepção acerca da sua contribuição para o sucesso profissional e melhoria na

condição socioeconômica das mulheres participantes, no IFCE, Campus Iguatu.

Palavras-chave: Mulheres Mil, Educação Cooperativista, Desenvolvimento Humano.

1. Introdução

O Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Iguatu, oferta à comunidade cursos

técnicos integrados ao ensino médio, cursos técnicos subsequentes, graduação e pós-

graduação e projetos de extensão, dentre os quais se destaca o Projeto Mulheres Mil, que tem

como objetivo oferecer as bases de uma política social de inclusão e gênero, onde mulheres

em situação de vulnerabilidade social têm acesso à educação profissional, ao emprego e

renda.

O Mulheres Mil foi implantado pela Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC), por meio de portaria ministerial datada

de 11 de agosto de 2011, e contou com a parceria da Assessoria Internacional do Gabinete do

Ministro (AI/GM), da Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE), da Rede Norte

Nordeste de Educação Tecnológica (Redenet), do Conselho Nacional das Instituições da Rede

Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), da Agência Canadense

136

Economista, Mestranda em Economia do Setor Público pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Mestre

em Direção Estratégica pela Universidad de León (Espanha). Docente no Instituto Federal do Ceará – IFCE, (88) 96248900, [email protected], [email protected]

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2001

para o Desenvolvimento Internacional (CIDA/ACDI) e da Associação dos Colleges

Comunitários do Canadá (ACCC) e Colleges parceiros. A execução foi realizada pelos

Institutos Federais de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco,

Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe e Tocantins (BRASIL, 2011).

No IFCE, Campus Iguatu, no primeiro semestre de 2013, 50 mulheres foram

beneficiadas com um curso profissionalizante em Panificação e Confeitaria, no âmbito do

Projeto Mulheres Mil, que teve por objetivo viabilizar o ingresso e a permanência na

instituição da população feminina do município de Iguatu, com maior vulnerabilidade,

visando à inclusão educacional, à promoção social e econômica dessas mulheres, permitindo-

lhes, por meio da formação e elevação da escolaridade, melhorar o seu potencial de

empregabilidade, qualidade de suas vidas, de suas famílias e de suas comunidades.

Outros sim, o Mulheres Mil representa um dos instrumentos de viabilização do direito

social ao trabalho, assegurado na Constituição Federal de 1988. Diante do cenário de

desigualdades existentes no Brasil e no mundo, faz-se necessário e urgente o estímulo às

iniciativas que promovam inclusão social pelas vias da educação e do trabalho, aos segmentos

que se encontram em situação mais desfavorecida, entre eles o das mulheres, que

estatisticamente são cada vez mais as responsáveis pela manutenção das famílias,

participando ativamente da composição da renda familiar (IBGE, 2010).

Nesse sentido, entende-se que a educação profissional funciona como um instrumento

de mudança, contribuindo para o desenvolvimento humano e social do indivíduos envolvidos,

além de minimizar as desigualdades e prover conhecimento necessário à inclusão no mundo

do trabalho.

Ao falar no desenvolvimento humano, sabe-se que nele também está inserido o

processo de formação da consciência e é a partir do alargamento desta que o indivíduo se

reconhece como cidadão, parte de uma política social, econômica, cultural, religiosa e

educacional entre outros.

Paulo Freire (2002, p.56) afirma que “na medida em que os seres humanos atuam

sobre a realidade, transformando-a com seu trabalho, que se realiza de acordo como esteja

organizada a produção nesta ou naquela sociedade, sua consciência é condicionada e expressa

esse condicionamento através de diferentes níveis”.

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2002

Assim, o indivíduo encontra recursos, através da perspectiva educacional,

consolidando as bases de sua subjetividade e permitindo desenvolver suas potencialidades e o

vislumbre de horizontes mais distantes da realidade que lhe fora imposta.

Desta maneira, segundo Brandão (1995, p. 26), a educação se constitui, portanto, em

“um meio de produção de poder da sociedade civil e, através dele, um caminho de conquista

de participação ativa e consciente dos rumos da sociedade”.

Diante do processo de convivência social, de sua sobrevivência e afirmação, na sua

relação com a natureza e com os demais seres humanos, o indivíduo constrói o conhecimento,

processa a educação, aprende e desenvolve suas capacidades.

O movimento cooperativo, segundo Schneider (1999) relaciona a educação como

princípio histórico fundamental do processo de organização e funcionamento de uma

cooperativa, desde a experiência cooperativa Rochdale, iniciada em 1844, na Inglaterra.

É possível, portanto, apontar para uma relação histórica entre práticas cooperativas e

educação. O associativismo e o cooperativismo são processos construtores de enlaces sociais,

admitindo responsabilidades e apelos históricos de ampla dimensão "não apenas por razões de

competitividade econômica, mas também sob a pressão de uma verdadeira urgência social”

(LÉVY, 2007, p. 42-43). Nessas circunstâncias, além da importância da qualificação técnica,

“impõe-se à educação como sua tarefa essencial a construção da cidadania” (SEVERINO,

2005, p. 149).

No movimento cooperativo a educação é tida “como mola-mestra de geração de novas

potencialidades e habilidades a serem adquiridas pelos indivíduos” (GOHN, 2005, p. 73).

Admite-se, portanto, que a Educação Cooperativa contribui para a conscientização e

valorização do ser humano, pois se concentra na formação de pessoas mais solidárias, justas,

democráticas, capazes de situar o interesse da coletividade ao mesmo nível de importância do

interesse individual e familiar.

Segundo Ferrinho (1985), “A Educação Cooperativista” é um processo permanente de

desenvolvimento integral e cooperativo das pessoas, ensejando a autocapacidade para a

geração de conhecimento e de poder, de viabilizar condições de progresso, formando um

verdadeiro conjunto orgânico, onde as diferenças individuais são úteis para o

desenvolvimento do próprio grupo”.

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2003

Assim, com base no tema abordado, formula-se a questão norteadora para o presente

estudo: qual a contribuição do ensino da educação cooperativista para as mulheres

beneficiárias do Projeto Mulheres Mil, do IFCE Campus Iguatu?

Diante deste cenário, a presente pesquisa teve como objetivo inserir a educação

cooperativista no âmbito do Mulheres Mil e refletir sobre a percepção acerca da sua

contribuição para o sucesso profissional e melhoria na condição socioeconômica das mulheres

participantes, no IFCE, Campus Iguatu.

2. Procedimentos metodológicos

O presente trabalho foi elaborado utilizando-se de pesquisa bibliográfica sobre o

objeto de estudo, através de coleta de dados em livros, revistas especializadas, artigos

científicos e bancos de dados disponíveis na Internet. Além disso, constou de um estudo de

caso para atender aos objetivos determinados no trabalho realizado, que, conforme Gil (2007)

consiste em um estudo profundo que permite um amplo e detalhado conhecimento do objeto

estudado.

A pesquisa aconteceu durante os meses de fevereiro a junho de 2013. Inicialmente,

houve pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema em questão. Em seguida, procedeu-se

com a realização das oficinas de capacitação, que ocorreram no mês de abril de 2013,

provocando a inserção da educação cooperativista no composto curricular do projeto

Mulheres Mil.

Posteriormente, foram realizadas as entrevistas, por meio de formulário semi-

estruturado, envolvendo 20 alunas do Projeto Mulheres Mil do IFCE, campus Iguatu, que

pretendeu responder a questões sobre a educação aplicada ao conceito de cooperativismo,

com um enfoque quanti-qualitativo.

Alvarenga (2010, p. 9) diz que o enfoque quantitativo trabalha com amostras

probabilísticas, cujos resultados têm possibilidade de generalizar a população em estudo.

Segundo Alvarenga (2010, p.10), o paradigma qualitativo “tenta descrever e

compreender as situações e os processos de maneira integral e profunda, considerando

inclusive o contexto que envolve a problemática estudada”.

Portanto, essa pesquisa teve um enfoque misto ou quali-quantitativo de nível

descritivo, com a finalidade de analisar a sistemática da evolução das alunas do Projeto

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2004

Mulheres Mil de uma instituição pública do Nordeste brasileiro, além de possibilitar a

potencialização das ações de ensino-aprendizagem do cooperativismo.

2.1. Universo e amostra

Segundo Lavado; Castro (2001) população ou universo diz respeito a um conjunto de

todos os elementos onde, cada um deles, apresenta uma ou mais características em comum.

Quando se extrai um conjunto de observações da população, ou seja, toma-se parte desta para

a realização do estudo, tem-se a amostra.

A população alvo para a participação das oficinas de capacitação de Cooperativismo e

Associativismo constitui as 50 mulheres atendidas pelo projeto Mulheres Mil do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - Campus Iguatu.

No total, foram entrevistadas 20 alunas que se disponibilizaram a participar,

constituindo portanto a amostra do estudo. Tanto a participação na oficina como a

colaboração com a realização da pesquisa foi voluntária, garantindo o anonimato das alunas,

sendo as mesmas tratadas ao longo do trabalho por suas iniciais.

2.2. Coleta de dados e Análise das Informações

Segundo Zentgraf (2003), a realidade pode ser investigada sob os mais variados

aspectos, em diferentes níveis de profundidade e com diferentes objetivos.

De acordo com as especificações anteriores, esta pesquisa trabalhou com entrevista

semi-estruturada, objetivando ver, analisar e ordenar as informações obtidas na perspectiva de

comprovar ou refutar as hipóteses que norteiam o presente objeto de estudo.

Para a análise das informações foi utilizado o método foi da Análise de Discurso

(AD), cuja transcrição se constrói as categorias de análise, e concordando com Orlandi

(2001), na AD procura-se compreender a língua fazendo sentido, inserindo aquele discurso no

seu contexto. Gil (2007) complementa dizendo que o discurso não ocorre em um vácuo social,

ele é construído para nos ajustarmos a um determinado contexto, portanto ele é circunstancial.

Por evidenciar a relação entre o indivíduo enunciador, como produtor de discursos, e

seu contexto sócio-histórico e cultural, ou seja, o seu lócus de produção do discurso, a AD

permite compreender em profundidade a realidade social, manifestada pela formação

discursiva através de discursos individuais (CAREGNATO e MUTTI, 2006).

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2005

3. Resultados e Discussões

3.1 Perfil das Participantes da Pesquisa

O diagnóstico socioeconômico das participantes foi um momento de grande

importância, pois possibilitou o conhecimento do nível de inclusão/exclusão social das alunas

selecionadas, considerando-se vários quesitos, como: escolarização, renda familiar, acesso a

programas sociais, expectativas, entre outros. Tal instrumento visou à identificação da

situação familiar de cada participante.

Do perfil socioeconômico das mulheres participantes do Projeto Mulheres Mil, turma

Panificação e Confeitaria, IFCE Campus Iguatu, destacam-se as seguintes características:

Gráfico 1 – Faixa-etária das Alunas Participantes

De acordo com o gráfico 1, a maioria das alunas está compreendida em uma faixa-

etária de 20 a 40 anos de idade, o que está de acordo com as políticas de seleção do público de

interesse do programa, que seleciona mulheres com idade entre 18 e 65 anos,

preferencialmente (BRASIL, 2011).

20 a 30 anos 31 a 40 anos 41 a 50 anos

0

2

4

6

8

10 9

8

3

Faixa-etária das participantes

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2006

Gráfico 2 – Ocupação das Alunas Participantes

O gráfico 2 aponta para uma maioria de “donas de casa” participantes do programa.

Tal fato fundamenta e justifica a necessidade de existência do projeto Mulheres Mil para

alcançar a finalidade de proporcionar a inserção destas mulheres no mercado de trabalho,

aumentando sua auto-estima e melhorando suas condições de vida de uma maneira geral. Para

isso, também a educação cooperativista surge como alternativa de transformação social e

econômica da realidade destas mulheres.

Gráfico 3 – Renda familiar das Alunas Participantes

Até meio salário-mínimo

De meio até 1 salário mínimo

De 1 a 2 salários mínimos

Não informado

0

2

4

6

8

10

7

9

2 2

Renda Familiar

Dona de Casa

Doméstica

Merendeira

Autônoma

Voluntária

Lavadeira

Não informado

0

2

4

6

8

10

12 11

3

1 1 1 12

Ocupação das Participantes

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2007

De acordo com o gráfico 3, a renda familiar da maioria das alunas é de até 1 (um)

salário mínimo.

Gráfico 4 – Benefícios do Governo Federal recebidos

No gráfico 4 é possível perceber que a maioria das participantes do programa recebe o

benefício social do Governo Federal, Bolsa Família. Deste modo, torna-se visível que tal

benefício compõe a renda familiar das mulheres e corrobora com a iniciativa do projeto

Mulheres Mil, que emerge como fortalecedor da política de inclusão social e econôica dessas

mulheres, permitindo-lhes, melhorar o seu potencial de empregabilidade, qualidade de suas

vidas, de suas famílias e de suas comunidades.

3.2 Categorização das Falas das Participantes

De acordo com a entrevista realizada, foi possível construir 3 (três) categorias:

1. Entendimento sobre cooperativismo

2. Contibuição do cooperativismo para o sucesso profissional

3. Perceção de melhoria da condição socioeconômica por meio da atividade

cooperativista

Bolsa família Não recebe Não informado

0

2

4

6

8

10

12

14 13

1

6

Benefícios do Governo Federal

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2008

Com relação à categoria 1, que trata do entendimento sobre cooperativismo, as

respostas obtidas foram:

“É um grupo de pessoas que se unem para trabalhar, gerar renda, sendo todos com

as mesmas expectativas e com os mesmos objetivos” (TDMS).

“É uma sociedade de no mínimo 20 pessoas físicas, com interesse comum

economicamente” (FGS).

“Uma sociedade, um grupo de pessoas com interesse comum e economicamente

organizada” (ND).

“É um grupo de pessoas reunidas em um único objetivo, trabalhar e gerar rendas

para a comunidade” (FSS).

“É um meio de trabalho para a comunidade” (NA).

“Entendo que através de uma cooperativa, surgem algumas oportunidades que

quando sozinho não conseguiria. Para mim é algo bom, uma oportunidade de ser

patrão em vez de empregado, ou seja, ser mais independente. Cooperativismo é um

conjunto de pessoas unidas num só propósito” (NID).

“Cooperativismo é um tipo de associação” (MA).

“É uma oportunidade para a pessoa.” (NC).

“É uma estrutura onde pessoas se organizam para o trabalho, com vários membros,

onde irão melhorar seus estilos de vida, podendo ter a sua própria empresa

estruturada.” (NG).

“Eu acho que é desenvolvimento para ajudar as pessoas que precisam na sua

comunidade.” (FFNM).

“É um grupo de pessoas que se unem para conseguir um só objetivo” (NCA).

“Um grupo de pessoas unidas para melhorar a vida da sua comunidade” (AA).

“Cooperativismo é a busca pelo desenvolvimento” (NCN).

“É um grupo de pessoas que se reunem para trabalhar” (MLR).

Conforme pode ser percebido, as entrevistadas foram unânimes em entender o

cooperativismo como um processo de organização para o trabalho em prol de alcançar

objetivos comuns, tendo em vista a geração de renda e melhorias para a comunidade. Tal

afirmação corrobora com o pensamento de Singer (2000) que afirma ser a cooperação uma

forma de integração social, na qual as pessoas se unem para alcançar o mesmo objetivo, sendo

uma boa estratégia para legitimar social e legalmente aqueles que estão à margem da

sociedade.

Na categoria 2, que aborda a contibuição do cooperativismo para o sucesso

profissional, as participantes da pesquisa afirmaram:

“Contribui e muito para ter uma boa vida” (NI).

“Melhora as condições socioeconômicas da comunidade e da família” (ND).

“Acho muito importante, mas também muito difícil, pois as pessoas pensam

diferente e acaba não dando certo a união” (FSS).

“Permite trabalhar e prosperar, ser dona da empresa” (ES).

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2009

“Contribui para conhecer o desenvolvimento em cooperativa, ter mais educação,

mais desenvolvimento social e econômico” (NCN).

“Contribui para abrir um negócio de artesanato” (NA).

“É importante financeiramente, ou seja, juntos podemos mais; pelo companherismo,

não estou só diante dos obstáculos que poderão surgir; e, para conseguir aquilo que

quero, em conjunto com outras pessoas, no mesmo propósito” (NID).

“É importante pois posso colocar um projeto em prática, aumentar minha renda e

melhorar ainda mais meu saber” (MA).

“Contribui como oportunidade de emprego” (NC).

“É importante porque se aprende a trabalhar em grupo, tendo assim uma boa

organização de vida melhor para nossas famílias” (NG).

“Uma boa ajuda para quem exerce o trabalho em casa mesmo” (FFNM).

“Contribui para o sucesso profissional no geral e aprendizagem de relacionamento

com outros, em grupo, a respeitar a opinião dos outros” (NCA).

“É muito importante para o sucesso profissional meu, como também das pessoas que

participam” (AA).

“É importante demais, porque ensina como começar em um trabalho, manter uma

empresa, com mais união e organização” (NCN).

“Contribui pois constitui uma sociedade justa, livre, fraterna e democrática” (MLR).

A respeito da categoria 3, em que se busca observar a percepção de melhoria da

condição socioeconômica por meio da atividade cooperativista, as entrevistadas responderam

de maneira afirmativa à indagação. Dentre as respostas, estão:

“Sim, tenho capacidade de melhor minha condição socioeconômica, mas preciso de

mais preparo” (TDMS).

“Sim, ajudando a todos na melhoria de vida” (NI).

“Sim, procurando mostrar interesse e disponibilidade para as pessoas e com o

trabalho que está sendo feito” (ND).

“Sim. Podemos melhorar bastante, com persistência e iniciativa. É fazer um bom

desempenho que dá certo.” (FSS).

“Eu acredito que sim e confio no meu talento” (ES).

“Sim, pode melhorar e eu gostaria de montar uma cooperativa com minha

família”(NCN).

“Sim, desde que todos sejam unidos e organizados” (NA).

“Sim, podemos empregar vários jovens que não têm o que fazer e eles no futuro

podem ser pequenos empresários” (NID).

“Sim. Posso melhorar a condição de uma vida melhor” (NG).

“Sim, como uma boa ajuda em dinheiro e desenvolvendo meu trabalho” (FFNM)

“Sim, junto com outras pessoas fica mais fácil melhorar de condição” (NCA).

“Sim, acredito” (AA).

“Sim, melhora mais a vida” (NCN).

“Sim, poderemos melhorar muito” (MLR).

Como se pode observar nos relatos das entrevistadas, a atividade cooperativista é tida

como importante fator para melhorar a condição socioeconômica da entrevistada e sua

família.

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2010

4. CONCLUSÃO

O estudo realizado enfatiza a percepção de 20 alunas participantes do Projeto

Mulheres Mil, no IFCE, Campus Iguatu, especificamente quanto à contribuição do

cooperativismo à atuação profissional e ao desenvolvimento humano, econômico e social.

Evidenciando-se os dados da literatura pesquisada e correlacionando com o

levantamento realizado, pode-se concluir que os resultados indicam não apenas a

possibilidade de inclusão social produtiva das mulheres, mas também a ressignificação de

suas vidas, gerando expectativa de um futuro melhor e atuando como divulgadoras dos

benefícios adquiridos pelo curso, fazendo com que outras mulheres sintam-se encorajadas a

percorrerem caminhos semelhantes.

Com os relatos da pesquisa, foi possível perceber que as mulheres desenvolveram a

autoconfiança, vislumbrando oportunidades de se apropriar do saber e assumir uma postura de

sujeito da sua própria vida, bem como um maior fortalecimento dos vínculos comunitários.

Neste sentido, a importância deste projeto está, principalmente, na oportunidade da

qualificação para o mercado de trabalho, no crescimento pessoal e profissional, na

socialização com os colegas e professores, o que, de certa forma, vai ajudar a inserção dessas

pessoas, com mais facilidade, no mercado de trabalho ou na criação do seu próprio negócio.

O Mulheres Mil no IFCE, Campus Iguatu, tem grande valor para a sociedade, como

demonstram as alunas selecionadas para dele participarem. Isso porque elas passaram a

apresentar uma nova concepção de mundo, como mulheres transformadoras de conhecimento,

pessoas motivadas e esperançosas.

Neste contexto, conclui-se pela importância da educação cooperativa como elemento

parte do processo de qualificação das mulheres, que viabiliza a inserção no ambiente

educacional e, principalmente, como alternativa para o ingresso no mercado de trabalho,

geração de renda e melhoria da condição socioeconômica, por meio da atividade cooperativa.

Referências

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III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil

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2013

POLÍTICAS AFIRMATIVAS E FORMAÇÃO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO

COM ALUNOS DA UFC-CARIRI

Wellington Ribeiro Justo137

.

Joelice Alexandre de Oliveira138

.

Karla Aline Rosado Gomes139

.

RESUMO

Este estudo tem como objetivo identificar os determinantes da nota de ingresso nos cursos de

graduação presencial da UFC-CARIRI assim como os determinantes do desempenho acadêmico.

Trabalhou-se com dados primários obtidos com a amostra correspondente a 225 questionários. Foram

estimados dois modelos empíricos sendo uma regressão múltipla e um modelo logit. Os resultados

apontaram que o desempenho do aluno no ensino médio impacta de forma positiva na nota de entrada.

Por outro lado, alunos de escola pública têm notas de entrada menores. Não foram encontradas

diferenças significativas em função da raça e sexo. Nos determinantes do desempenho acadêmico foi

evidenciada a maior probabilidade de ter reprovação para os alunos com baixo desempenho no ensino

médio e aqueles que cursaram o ensino médio em escola pública não havendo diferença significativa

entre gênero, sexo e raça. Um aspecto positivo é a eficiência do Programa de Monitoria, haja vista que

os alunos que participam têm menor probabilidade de ter reprovação. Assim, os resultados sugerem

que a implantação e ampliação da política afirmativa de criação de cotas para entrada nos cursos da

UFC-CARIRI deve priorizar os alunos provenientes de escolas públicas a despeito de raça, renda e

sexo. Observou-se, também a necessidade de adoção de políticas complementares à criação de cotas

para que os alunos das escolas públicas possam ter melhor desempenho na sua formação acadêmica.

Os resultados, contudo, devem ser vistos com cautela, haja vista que a universalização do sistema de

cotas como recomendado pelo MEC pode mudar os resultados.

Palavras-Chave: Políticas afirmativas, Política de cotas, UFC-CARIRI, Curso superior, Desempenho

acadêmico.

1. INTRODUÇÃO

Após a aprovação de uma lei que institui o sistema de cotas para ingresso nas

Instituições de Ensino Superior (IES) públicas a Universidade Federal do Ceará Campus

Cariri iniciou a implantação a partir de 2013.

137

Professor Associado do Curso de Economia da URCA. Doutor em Economia pelo PIMES-UFPE.

[email protected] 138

Graduanda do curso de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA) de Crato – CE. Bolsista da

FUNCAP. [email protected] 139

Graduanda do curso de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA) de Crato – CE. Bolsista da

URCA. [email protected]

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2014

Para Pereira et al. (2010) apesar do debate sobre a implantação das cotas raciais em

instituições de ensino tenha evidência na atualidade, alguns estudos apontam que não foram

elaboradas pensando na população negra, mas tiveram sua origem em países do oriente, nas

sociedades divididas por castas, como Índia e China.

O sistema de cotas faz parte de Políticas Afirmativas quando se pretende corrigir

alguma distorção entre grupos na sociedade. No caso específico das cotas para ingresso nas

IES tem sido argumentada pela dificuldade que os alunos das escolas públicas associada a

outras características étnicas e econômicas têm para ter acesso. Debates calorosos foram feitos

antes da promulgação da Lei. O debate não se estendeu por muito tempo como gostariam

àqueles que se posicionam contra. Contudo, o governo Federal acelerou o processo e

contando com maioria no congresso conseguiu a sua aprovação.

Algumas questões foram levantadas para direcionar os debates. Uma delas

questionava que a pouca participação de alunos de escolas públicas, negros e estudantes de

famílias de baixa renda seria em virtude da pouca quantidade de vagas ofertadas pelas IES

públicas comparada ao total de vagas nas IES no Brasil. Nesse sentido, a partir de 2008 o

governo acelerou a criação de vagas nos cursos existentes e a criação de novos cursos e novas

Universidades e Institutos Federais de Educação Técnica.

A argumentação dos que se posicionam a favor da lei das cotas é que a escola pública

não está preparando adequadamente os seus alunos para que estes possam concorrem com as

mesmas chances de ingressarem nos cursos de graduação das Universidades Públicas e, que,

por isso, precisariam de um mecanismo para tornar mais equitativo as oportunidades. A

questão é que com esta argumentação estaria deixando o mérito da competência para ingresso

nas IES públicas para uma parcela das vagas destinadas aos cotistas enquanto durasse o

período da política de cotas que seria aumentado progressivamente e após um determinado

período seria extinto.

Tem-se argumentado, por exemplo, que o Governo Federal tem designado grande

volume de recursos para conceder bolsas para alunos de baixa renda ter acesso às faculdades

privadas de qualidade duvidosa. Assim, estes recursos poderiam ter sido destinados à

concessão de bolsas para alunos da rede pública cursarem bons colégios e competir em

igualdade de condições com alunos de famílias de maior renda não afetando o desempenho

dos alunos da IES públicas.

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2015

Além da questão do ingresso, outra questão tem sido levantada e explorada na

literatura que é o desempenho dos alunos cotistas assim como a sua permanência ao longo da

sua formação acadêmica. Assim, estudos que abordem esta temática identificando os

determinantes do desempenho escolar e acadêmico ajudam na compreensão do problema e dá

suporte para criação de políticas complementares visando manter os alunos cotistas nos seus

respectivos cursos até a conclusão, bem como tendo desempenho igual ou superior ao dos

alunos provenientes das escolas privadas.

Nesse sentido este artigo faz um estudo de caso que tem como objetivo identificar os

determinantes da nota de entrada nos cursos de graduação da UFC-CARIRI e identificar os

fatores determinantes do desempenho acadêmico.

Este trabalho contribui para o debate da problemática das políticas afirmativas ao

identificar simultaneamente os fatores que determinam a entrada e o desempenho dos alunos

durante a sua graduação por meio de modelos empíricos, antes da efetivação e da ampliação

do sistema de cotas pela respectiva UFC-CARIRI que passará a ser Universidade Federal do

Cariri (UFCA).

Além desta introdução o artigo tem mais três seções. A segunda seção faz-se uma

fundamentação teórica. Na terceira seção é apresentada a metodologia. A quarta seção

apresentam-se os resultados e finalmente a última seção têm-se as conclusões.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

De acordo com o IPAE (2010) entende-se por sistema de cotas uma medida

governamental que cria uma reserva de vagas em instituições públicas ou privadas para

determinados segmentos sociais. Esta medida é considerada uma forma de ação afirmativa,

segundo conceito surgido nos Estados Unidos na década de 1960. No Brasil o assunto vinha

sendo debatido amplamente, sem um posicionamento final do Legislativo Federal e do

Judiciário Federal. Há leis estaduais e decisões monocráticas e de Tribunais de Justiça, mas

sem que existisse a deliberação final do Supremo que aconteceu em 2012 com decisão

favorável à criação do sistema de cotas.

Do ponto de vista político o sistema de cotas é visto como uma possibilidade de

superação das desigualdades socioeconômicas e é imposta como uma das metas de qualquer

sociedade que aspira a uma maior equidade social. Haja vista os problemas sociais. algumas

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2016

alternativas são propostas para atenuação de desigualdades que mantém em condições

díspares cidadãos de estratos distintos. Uma das alternativas pensadas é o sistema de cotas que

visaria a acelerar um processo de inclusão social de grupos à margem da sociedade.

Para o IPAE (2010) o conceito de cotização de vagas aplica-se às populações

específicas, geralmente por tempo determinado. Estes grupos populacionais podem ser grupos

étnicos ou raciais, classes sociais, imigrantes, deficientes físicos, mulheres, idosos, dentre

outros. A argumentação para este sistema de cotas é que certos grupos específicos, em razão

de algum processo histórico depreciativo teriam maior dificuldade para aproveitarem as

oportunidades que surgem no mercado de trabalho com melhor remuneração em virtude da

maior escolaridade, bem como seriam vítimas de discriminações nas suas interações com a

sociedade.

Na constituição brasileira de 1988 já continha cota para acesso a concursos públicos

para deficientes físicos de acordo com o Artigo 37 (Capítulo VIII). Com o passar do tempo

outros grupos sociais passaram a reivindicar a cotização para garantir uma participação

mínima em certos setores da sociedade a exemplo das Universidades Públicas.

Segundo IPAE (2010) nas universidades públicas a adoção de reserva de vagas

começou em 2000, com a aprovação da lei estadual 3.524/00 de 28 de dezembro de 2000.

Esta lei garante a reserva de 50% das vagas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro,

para estudantes da rede pública municipal e estadual de ensino. A lei passou a ser aplicada no

vestibular de 2004 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade

Estadual do Norte Fluminense (UENF). Já a lei 3.708/01 de 2001 institui o sistema de cotas

para estudantes denominados negros ou pardos, com percentual de 40% das vagas das

universidades estaduais do Rio de Janeiro. Esta lei passou a ser aplicada no vestibular de 2002

da UERJ e da UENF. Outras universidades, tais como a Universidade de Brasília (UNB) e a

Universidade do Estado da Bahia (UNEB) também aderiram a este sistema, tendo como

critérios os indicadores socioeconômicos. ou a cor ou raça do indivíduo.

De acordo com o IPAE (2010) o sistema de cotas é considerado uma medida

polêmica, gerando debates fervorosos na academia. Esta medida divide opiniões, embora seja

um consenso de que algo deva ser feito para diminuição das desigualdades entre os cidadãos e

grupos sociais. Alguns argumentam que o problema é de base e que atacar as consequências

não resolve o problema. apenas cria outro. No que diz respeito às contradições do sistema de

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2017

cotas de cunho racial diz respeito à institucionalização do racismo. Criada por lei a distinção

de etnias pode agravar o racismo. Por outro lado tem a questão da autodeclaração da cor para

fins de receber o benefício.

A implantação de uma lei de cotas ou quaisquer ações afirmativas140 deve ter em

mente que a sua aplicabilidade e seus possíveis ônus e bônus deve ser por um tempo

determinando. Antes da criação da lei de cotas algumas Universidades Públicas implantaram

um sistema de programas de ação afirmativa: Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Universidade Estadual de Montes Claros. Universidade de Brasília. Universidade do Estado

do Rio de Janeiro. Universidade Estadual do Norte Fluminense. Universidade Federal do

Acre. Universidade Federal de Alagoas. Universidade Estadual da Paraíba. Universidade

Federal da Bahia. Universidade Federal do Espírito Santo. Universidade Federal do

Maranhão. Universidade Federal do Pará. Universidade Federal da Paraíba. Universidade

Federal do Paraná. Universidade Federal de Pernambuco. Universidade Federal do Piauí.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Universidade Federal de Santa Catarina. Universidade Federal de Santa Maria. Universidade

Federal de São Carlos. Universidade Federal de Sergipe. Universidade Tecnológica Federal

do Paraná. Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia. IPAE (2010).

Segundo o PNAE (2010) para o Conselho de Representantes da CONFENEN a

posição da entidade quanto às reservas de vaga e cotas nas IES assemelha-se a “dar um prato

de comida para quem tem fome ao invés de dar um emprego”. Para eles estão atacando os

efeitos e não removendo as causas que são escolas públicas deficientes e pobreza. O privilégio

das cotas é um atestado de que a escola pública de educação básica. Assim, o sistema de cotas

derruba o mérito e despensa tratamento desigual.

Em meio a estas controvérsias em 2012, segundo o MEC (2013) o Governo Federal

conseguiu aprovar a Lei de cotas. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto de 2012 e

garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38

institutos federais de educação ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino

140

Ação afirmativa é “qualquer política que, operando com o critério de discriminação positiva, vise favorecer

grupos socialmente discriminados por motivo de sua raça, religião, sexo e etnia e que, em decorrência disto,

experimentam uma situação desfavorável em relação a outros segmentos sociais” (AMARO, 2005, p. 74).

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2018

médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das

vagas permanecem para ampla concorrência.

Segundo o MEC (2013) o Decreto nº 7.824/2012 define as condições gerais de

reservas de vagas e sistematiza o acompanhamento das reservas de vagas e regra de transição

para as IES. A Portaria Normativa nº 18/2012 do Ministério da Educação estabelece os

conceitos básicos para a aplicação da lei. regulamente as modalidades para concorrer às vagas

reservadas e sistematiza o preenchimento das vagas reservadas.

De acordo com a lei 50% das vagas devem ser reservadas às cotas e serão divididas,

sendo metade para estudantes oriundos de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou

inferior a sum salário mínimo e meio per capita e a outra metade para estudantes de escolas

públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Nos dois casos será levado

em consideração o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e

indígenas em cada estado de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE.

Para o MEC (2013) a Lei será implantada gradualmente. Em 2013 pelo menos 12.5%

das vagas ofertadas deverão ser reservadas. O restante do percentual previsto em lei será

gradual nos próximos quatro anos até atingir o limite estabelecido por lei.

Durante o período de implementação da lei o MEC (2013) orienta os estudantes

cotistas a disputar as vagas pelo critério de cotas e pelo sistema tradicional. Quando

totalmente implantado aí vai ficar a critério de cada IES.

O estabelecimento das cotas pelo critério racial será autodeclaratório, assim como

ocorre no Censo Demográfico e em toda política de afirmação no Brasil. Já o critério de renda

terá de ser comprovada por documentação.

Em outra área de atuação o governo amplia a política de assistência estudantil. No ano

de 2013 o Programa de Assistência Estudantil (PNAES) recebe reforço de R$ 600 milhões.

Sowell (2004) examinou a aplicação de ações afirmativas em vários países e concluiu

que apesar de todos os princípios, hipóteses e assertivas têm-se utilizado para respaldar os

programas de ação afirmativa comuns a vários países outros mais peculiares. O fato notável é

que raramente essas noções são empiricamente testadas, ou logicamente examinadas muito

menos pesada em relação aos custos que muitas vezes se impõem. Apesar das afirmativas

feitas em prol dos programas de ação afirmativa um exame das suas consequências reais torna

difícil o apoio a tais programas ou mesmo dizer se esses programas foram benéficos ao

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2019

cômputo geral. A não ser que a afirmação de que qualquer quantidade de reparação social, por

qual meio que seja, vale o vulto dos custos e perigos por maiores que sejam.

3. METODOLOGIA

3.1 Natureza e Fonte dos Dados

Neste artigo trabalhou-se com dados primários obtidos através da aplicação de

questionários com os alunos da Universidade Federal do Ceará Campus Cariri (UFC-

CARIRI) no período de 9 do mês de abril a 18 do mês de junho de 2013. Antes da aplicação

dos questionários definitivos foram aplicados questionários pilotos onde se notou a

necessidade de fazer ajustes em algumas perguntas. A amostra foi calculada com base na

população estudantil fornecida pela IES seguindo a fórmula de amostragem expressa por:

Considerando-se um erro de estimação de 5% (E=0,05), a abscissa Z=1,645, ao nível

de confiança de 95% e p = q = 0,5, obteve-se um tamanho da amostra (n) igual a 225.

3.2 Caracterização da Área de Estudo

Segundo a UFC-CARIRI (2013) o Conselho Universitário (CONSUNI) aprovou a

criação do Campus Cariri através do Programa de Expansão do Sistema Federal de Educação

Superior no dia 22 de novembro de 2005 juntamente com o campus da Região Norte. O

objetivo era seguir a missão da IES de disseminar um padrão de qualidade para o ensino

superior no estado do Ceará. Desta forma a UFC esperava contribuir para o desenvolvimento

econômico e social de forma includente, permitindo que no futuro o Campus Cariri pudesse

ser transformado em uma universidade como aconteceu em 2013 com a criação da UFCA.

No Campus Cariri foram ofertados os cursos de Administração. Biblioteconomia.

Engenharia Civil. Filosofia. Comunicação Social (Jornalismo). Engenharia de Materiais.

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2020

Educação Musical e Design do Produto no Município de Juazeiro do Norte. o curso de

Medicina em Barbalha e o curso de Agronomia no Município de Crato.

Além dos cursos de graduação a IES conta com um curso de mestrado em

Desenvolvimento regional. Está em implantação o Programa de Pós-Graduação em

Agropecuária do Semiárido e funciona também, o Programa de Residência Médica em

Barbalha. Existe plano para criação de novos cursos de graduação nos três municípios e no

município de Brejo Santo no Cariri Oeste e de novos cursos de mestrado e Doutorado.

Os municípios sede dos cursos estão localizados na Região Metropolitana do Cariri. A

tabela 1 traz alguns indicadores da Região Metropolitana do Cariri.

A Região Metropolitana do Cariri é composta por nove municípios. O mais populoso é

Juazeiro do Norte e o de menor população é o de Nova Olinda. Juazeiro do Norte também se

destaca por apresentar o maio PIB per capita, maior número de trabalhadores formais e a

menor área. O município de Nova Olinda apresenta a menor taxa de mortalidade infantil. O

segundo município de maior expressão populacional e econômico é o município de Crato

seguido pelo município de Barbalha. Não diferente da realidade brasileira percebe-se uma

desigualdade intrarregional. O PIB per capita de Santana do Cariri representa menos de 40%

do PIB per capita de Juazeiro do Norte.

Tabela 1 Indicadores socioeconômicos da Região Metropolitana do Cariri

Municípios População

Residente

em 2010

PIB per

capita em

2008

Taxa de

Mortal./ por

1000

nascidos

vivos

Área

absoluta

km²

Nº de

trabalhadores

formais

(2010)

Barbalha 55.323 5.528 17.44 479.18 7477

Caririaçu 26.393 2.877 22.39 623.82 1941

Crato

121.428 5.569 21.56 1.009.20 16.440

Farias Brito 19.007 3.021 16.56 503.7 1.203

Jardim 26.688 3.128 18.44 651.11 2.013

Juazeiro do

Norte

249.9 8.060 13.59 248.55 39.503

Missão

velha

34.274 3.316 20.54 651.11 2.068

Nova Olinda 14.256 3.409 7.60 284.40 1.410

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2021

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do IPECE (2011).

3.3 Descrição das variáveis

Na estimação dos modelos econométricos foram utilizadas as seguintes variáveis de

acordo com o quadro 1.

Quadro 1 Descrição das variáveis

Variável Descrição

Sexo Dummy que assume valor se homem

Idade Variável contínua em anos

Raça Dummy que assume valor 1 se branco de

acordo com a autodeclaração da cor

Riqueza Variável construída com base nas

informações de posse de moradia, automóvel,

eletrodoméstico, computador, telefone,

acesso a internet

Escolapública Dummy que assume valor 1 se o estudante

cursou o ensino médio em escola pública

Notadeentrada Variável contínua da nota de entrada no

vestibular

Notanoensinomédio Variável contínua por faixas de rendimento

de acordo com a autodeclaração de

desempenho no ensino médio

Ira Variável contínua por faixa de acordo com a

autodeclaração de desempenho acadêmico

Semestre Variável contínua de acordo com o semestre

cursado

Turno Turno frequentado 1 se manhã e 2 se noite

Renda Variável contínua por faixa de renda em

Salário Mínimo

Escolaridadepai Variável contínua por faixa de escolaridade

Escolaridademãe Variável contínua por faixa de escolaridade

3.4 Modelos Empíricos

A fim de atender os objetivos serão estimados dois modelos empíricos. O primeiro é

um modelo de regressão múltipla expresso da seguinte forma:

Santana do

Cariri

17.170 3.151 28.57 768.77 1.155

Total 564.439 38.059 18.52 602.703 72.055

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2022

i 1 2 2i k ki iY =β +β X +...+β X +u (1)

Onde i

Y é a variável dependente, 1β a

kβ são os parâmetros a serem estimados,

2iX

kiX são as variáveis explicativas,

iu é a perturbação estocástica.

O segundo é o modelo Logit que tem como base uma função logística de

probabilidade acumulada definida como:

) (2)

Considera-se , uma variável binária entre sucesso ou fracasso do evento se:

(3)

A esperança condicionada de é definida da seguinte forma:

(4)

A função pode ser observada como a probabilidade condicionada de

assumir o valor 1, para certo valor dentro do intervalo (0,1). Dito de outra forma:

(5)

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2023

A estimação do logit é feita através do método máxima verossimilhança. Freeman III

(2003) define-se a função a verossimilhança:

(6)

A estimação do vetor deve maximizar esta função.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Evidências sobre o Ensino Universitário no Brasil

Segundo o MEC (2013) o número de cursos de graduação presencial no Brasil passou

cerca de cinco mil em 1991 para mais de trinta mil em 2011 conforme pode ser visto no

gráfico 1. Esta expansão se deu de forma mais acentuada a partir de 1988. A expansão se deu

em grande parte pelo aumento da oferta de cursos pelas faculdades e universidades privadas.

O número de cursos ofertados pelas universidades estaduais e municipais quase não se altera

ao longo da série. Já a oferta de cursos de graduação nas Universidades públicas tem um

ligeiro aumento a partir de 2008 com pela criação de novos cursos. criação de novos campi

universitários e da criação de novas universidades federais especialmente no interior.

Gráfico 1 Número de cursos de graduação presencial no Brasil por dependência administrativa:1991-

2000.

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do INEP (2013).

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2024

Simultaneamente à expansão do número de cursos de graduação presencial no Brasil

tem-se o crescimento no número de alunos matriculados. No gráfico 2 é possível observar que

a quantidade de alunos matriculados em cursos de graduação presencial passou de menos de

dois milhões em 1991 para cerca de seis milhões em 2011. Deste volume cerca de quinhentos

mil são matriculados nas Universidades Federais. A grande maioria dos graduandos está na

rede privada.

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2025

Um dos fatores para explicar a grande fatia do mercado universitário nas faculdades privadas

se dá pelo aumento da renda per capita média no Brasil ao longo deste período o que aumenta

a possibilidade do brasileiro em pagar uma mensalidade de uma faculdade privada. Este

movimento é reforçado pelo aumento do crédito assim como da diminuição dos juros da taxa

SELIC que obrigou os grandes bancos privados a buscarem novos produtos bancários e um

deles tem sido o crédito para financiamento universitário. É possível financiar um curso

universitário pagando as prestações com o dobro do prazo do curso o que faz diminuir o valor

da mensalidade e permite que mais pessoas possam ter acesso a um curso superior. Tem

também a política de concessão de bolsas pelo governo federal através do PROUNI141 e o

crédito educativo com taxas de juros e prazos diferenciados e o FIES142. Finalmente o

crescimento da oferta de cursos tem aumentado a concorrência entre as faculdades e refletido

na diminuição dos valores das mensalidades em algumas cidades.

Gráfico 2 Número de matrículas na graduação presencial no Brasil por dependência administrativa:

1991-2010.

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do INEP-MEC.

141

Segundo o MEC (2013) é um programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo Federal em 2004,

que concede bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos

de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros, sem diploma de nível superior. É

voltado para - Estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de

bolsistas integrais da própria escola; estudantes com deficiência e professores da rede pública de ensino do

quadro permanente que concorrerem a cursos de licenciatura. 142

Para o MEC (2013) é o Fundo de Financiamento Estudantil e é voltado para o candidato que contemplado

com uma bolsa de 50% não possa pagar a outra metade da mensalidade. Para isso, é necessário que a instituição

para a qual o candidato foi selecionado tenha firmado Termo de Adesão ao Fies e ao Fundo de Garantia de

Operações de Crédito Educativo (FGEDUC).

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2026

A tabela 2 traz a estatística descritiva das variáveis utilizadas na análise. Observa-se

do total de alunos pesquisados metade é de homens e metade de mulheres. Cerca de 38%

apenas estuda. A idade média é 21.56 anos. A idade mínima é de 16 e a máxima é de 59 anos.

65.33% se autodeclaram como brancos. Em média a escolaridade dos pais é o fundamental

incompleto e da mãe o fundamental completo. Para cerca de 18% a família recebe algum

benefício social. A renda média da família e é de aproximadamente R$1.200.00. Em relação à

formação no ensino médio 64% concluíram em escola pública. Já em relação ao desempenho

no ensino médio os alunos declaram que em média obtiveram resultado entre 7.5 a 8.5. Na

média os alunos estão cursando o quarto semestre.

A nota média de entrada foi de 663.33 pontos com a mínima de 437 e a máxima de

900 pontos. A reprovação é de 0.69 com a mínima de zero. Ou seja, tem aluno sem nenhuma

reprovação até o máximo de 7 reprovações. Na média os alunos cursaram 19.3 disciplinas

com mínimo de 3 e máximo de 46. O número médio de avaliações finais é de 2.2 com

mínimo de o e o máximo de 28. O índice de rendimento acadêmico médio é de 2.25.

Aproximadamente 15% dos alunos já fizeram ou estão fazendo monitoria.

Tabela 2 Estatística descritiva das variáveis

Variável Média Desvio padrão Mínimo Máximo

Sexo 0.50667 0.5010 0 1

Estuda 0.3866 0.4880 0 1

Idade 21.56 4.3122 16 59

Cor 0.6533 0.4769 0 1

Escolpai 3.1517 1.8422 0 7

Escolamae

3.808 2.0053 1 7

Bensocial

0.1777 0.3831 0 1

Renda

1.7733 0.9715 0 4

Ensinomedio 0.64 0.4810 0 1

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2027

Notaensmedio

2.6177 0.7592 1 4

Turno

1.4044 0.4918 1 2

Semestre

4.2977 2.047482 2 9

Notadeing

663.3692 73.7756 437 900

Reprovação 0.6977 1.1715 0 7

Cadeiracursadas 19.2933 11.8707 3 46

Ndeavfs

2.2533 3.3928 0 28

Ira 2.1377 1.0912 0 4

Monitoria

0.14666 0.3545 0 1

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Com o objetivo de identificar os possíveis determinantes da nota de ingresso dos

alunos da UFC-Cariri143. Foi estimado o modelo de regressão múltipla seguindo a equação (1),

cujo resultado encontra-se na tabela 3.

A regressão múltipla foi estimada com erros padrões robustos à heteroscedasticidade

por meio da técnica de Bootstrap utilizando os software Stata 11.2. Por meio da matriz de

correlação foi detectado que a variável dummy de interação genenroriqueza possivelmente

causaria multicolinearidade. Desta forma, suprimiu-se esta variável do modelo144. Entre as

características individuais foram significantes os coeficiente da variável idade a 1% e a

dummy de interação raçagênero a 5%. Assim, pelo sinal positivo do coeficiente da variável

idade, tem-se que quanto maior a idade do candidato maior a nota de entrada. Tem-se também

que há um efeito adicional no sentido de aumentar a nota de entrada para homens brancos. De

forma isolada pela não significância das dummies de gênero e de cor,. não há diferença

significativa na nota de entrada entre homens e mulheres e entre indivíduos brancos e não

143

Hoje Universidade Federal do Cariri (UFCA). 144

Para não ficar entediante para o leitor, lembramos que na regressão múltipla o coeficiente de cada variável

explicativa mede o efeito parcial desta na variável dependente tudo mais constante, isto é Coeteris paribus.

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2028

brancos. Por este resultado não haveria justificativa para a implantação de cota racial para

ingresso na IES.

No que diz respeito às características familiares a não significância do coeficiente da

variável escolaridade do pai e da mãe, renda familiar e riqueza nada se pode afirmar sobre

possíveis efeitos destas variáveis na nota de entrada apesar de todas apresentarem os sinais

esperados. Este é um resultado importante na tomada de decisão da implantação de políticas

afirmativas no ingresso na IES.

Já em relação às variáveis relacionadas à formação escolar do candidato, tem-se um

efeito positivo do desempenho escolar no ensino médio. Dito de outra forma, já que o

coeficiente da variável desempenho no ensino médio foi significante a 1% e positivo, indica

que quanto melhor o desempenho no ensino médio maior a nota de entrada atingindo em

média quase 24 pontos a mais. por conseguinte aumentando a chance de entrada na

Universidade. Este resultado é intuitivo e é utilizado por aqueles que se posicionam contra a

criação de cotas ao afirmarem que o foco é no desempenho do aluno no ensino médio. Por

outro lado. o sinal negativo da dummy que indica onde o candidato cursou o ensino médio foi

significante a 1% e negativo. Ou seja, em média os alunos que cursaram o ensino médio em

escola pública têm nota de entrada menor em quase 32 pontos. Os coeficientes da dummies

que captam o fato do indivíduo ter feito cursinho pré-vestibular ou terem feito vestibular antes

não foram significantes indicando que não há como identificar algum efeito destas

características educacionais na nota de entrada do indivíduo a despeito dos sinais estarem de

acordo com o esperado.

O modelo consegue explicar 45% da variação da nota de entrada na IES e o teste de

Wald valida o modelo. Ou seja, atesta que todas as variáveis explicativas em conjunto são

importantes para explicar a variação da variável dependente.

Tabela 3 Fatores determinantes da nota de entrada na UFC

Variável dependente: Notadeing

Variável Coeficiente Desvio padrão T Statisc

Sexo

-7.3119 16.2960 -0.45

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2029

Idade

2.5011** 1.37987 1.81

Raça

-13.9425 14.0035 -1.00

Racagenero

37.2867* 17.6049 2.12

Escolpai

3.9688 2.7459 1.45

Escolamae

0.5301 2.5746 0.21

Renda 0.0035 0.0089 0.40

Riqueza

-0.7368 1.2911 -0.57

Ensinomedio -31.2997* 11.5686 -2.71

Notaensmedio 23.7859* 6.96806 3.41

Fezprevest 0.4708 9.0179 -0.05

Vestbantes

0.5183 8.7824 0.06

Constante

556.8617* 52.47429 10.61

R2 = 0.45 Wald chi2(12) = 61.26

Prob > chi2 = 0.0000 Fonte: Elaborado pelos autores com dados da pesquisa.

Nota: * significante a 1%; ** significante a 5%.

Em seguida foi estimado um modelo logit para identificar as características

individuais. familiares e de formação escolar que determinam o desempenho do aluno ao

longo do curso. A ideia aqui é verificar se os alunos que possivelmente se enquadrariam em

políticas afirmativas teriam o mesmo desempenho durante a sua formação acadêmica. Ou

seja, busca responder a indagação se os possíveis alunos cotistas teriam o mesmo desempenho

acadêmico dos não cotistas durante a sua formação acadêmica.

O resultado do modelo logit é apresentado na tabela 4. No que diz respeito aos

coeficientes das variáveis que apreendem os possíveis efeitos das características pessoais:

sexo, idade e raça na probabilidade de reprovação. não foram significantes. Ou seja, a idade

não afeta a probabilidade de reprovação. Já que as dummies de sexo e raça também não foram

significantes e isto indica que não há diferença na probabilidade de reprovação entre homens

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2030

e mulheres e nem entre brancos e não brancos. Desta forma a implantação de uma política de

cotas baseado no critério de cor poderia não afetar o rendimento médio dos alunos da IES. Há

de se ponderar, contudo, na amostra pesquisada não se tem cotistas, pois a aplicação dos

questionários foi antes da implantação. É possível que uma vez implantado possa haver

resultados diferentes. Além de que, há discussões controversas nesse sentido indicando que a

partir da universalização do regime de cotas isto poderia afetar sim para menor o rendimento

médio no médio dos alunos no médio prazo.

O coeficiente da variável riqueza é significante a 5% e negativo. Isto indica que alunos

com maior riqueza têm menor chance de ter reprovação. Por outro lado, não há um efeito

adicional ao fazer a interação da riqueza e raça. Isto é, o coeficiente da dummy de interação

riquezaraça não é significante. Dito de outra forma, não há um efeito adicional na

probabilidade de ter reprovação para indivíduos mais ricos e brancos.

Na mesma direção pode ser dito sobre a interação raçasexo. Ou seja, também não se

tem um efeito adicional para homens brancos. No entanto, tem-se um efeito positivo na

interação de sexoescolapública. Isto é, haja vista que o coeficiente da respectiva variável é

significante e positivo isto indica que o fato de ser homem que fez o ensino médio em escola

pública tem maior probabilidade de ter reprovação. Os resultados ressaltam a importância da

formação básica do aluno no desempenho acadêmico. Uma vez que o coeficiente da variável

dummy escolapública é significante e negativo indica que alunos que cursaram o ensino

médio nestas escolas têm maior probabilidade de ter reprovação. Este resultado é corroborado

pela nota de entrada na IES. Ou seja, como o coeficiente desta variável é significante e

negativo indica que alunos com menores notas de entrada têm maior probabilidade de

reprovação. Este resultado vai de encontro àqueles que se posicionam contrário à criação de

cotas nas IES ao justificarem que o governo precisa atacar as causas e não corrigir as

consequências145.

Tabela 4 Resultados da estimação do modelo logit

Variável dependente: Dreprovação =1 se tem reprovação

Variável Coeficiente Desvio padrão Estatística t

145

Mendes Junior e Mello e Souza (2012) apontam que a expansão das cotas na UERJ teve o efeito perverso em

alguns cursos ao diminuir em muito a competição e baixar bastante a nota de entrada.

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2031

Sexo

-1.0959 1.5035 -0.73

Idade

0.0311 0.0458

0.68

Raca

-0.0283 0.7478 -0.04

Riqueza

-0.1304* 0.0639 -1.98

Raçariqueza

0.5428 0.6752 0.80

Sexoriqueza

0.0457 0.1025 0.45

Raçasexo

0.7487 0.8891 0.84

Sexoescolapublica

1.0975 0.4043 2.21

Notaensmedio

-0.0550* 0.0227 -2.20

Ensinomedio

-1.5072* 0.6431 -2.34

Notadeing

-0.0034* 0.0015 -2.12

Monitoria

-2.3966 0.8956 -2.68

Bolsa

-0.2306 0.4911 -0.47

Ira

-1.5635 0.2531 -6.18

Cadeirascursadas

0.0106 0.0514 0.21

Semestre

0.4019 0.2813 1.43

Turno

0.2480 0.4697 0.53

Estuda

0.3853 0.4965 0.78

Constante

3.9076 2.7911 1.40

LR chi2(18) = 125.65

Prob > chi2 = 0.0000

Pseudo R2 = 0.4290 Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

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2032

O coeficiente da variável monitoria é significante e negativo. Isto é, esta política de

integração doa aluno na sua formação acadêmica tem sido eficiente. Isto é, diminui a

probabilidade dos alunos monitores ter reprovação. O mesmo não é percebido para os

bolsistas haja vista que o coeficiente desta variável não foi significante. Uma possível

explicação para este resultado é que os alunos bolsistas tenham alguma reprovação após o

período de bolsa ou se a IES não impeça que alunos que já tivessem alguma reprovação, a não

ser na disciplina afim, possam receber alguma bolsa. Outra possível explicação é porque não

se faz distinção se a bolsa é de iniciação científica ou de extensão.

No tocante ao semestre cursado e número de cadeiras cursadas não afetam a

probabilidade do aluno ter reprovação tendo em vista que o coeficiente destas duas variáveis

não forma significantes. Por outro lado, o coeficiente da variável Ira foi significante e

negativo indicando que alunos com maior índice de rendimento acadêmico têm menor

probabilidade de reprovação o que intuitivamente é esperado. Também não afeta a

probabilidade de reprovação se o aluno somente estuda uma vez que o coeficiente desta

variável dummy não foi significante.

O modelo apresenta um pseudo R2 de 0.43 que é considerado bom para este tipo de

modelo. Finalmente o teste LR valida o modelo uma vez que a hipótese nula de que todos os

coeficientes simultaneamente das variáveis explicativas são iguais a zero146.

5. Conclusões

A discussão da necessidade de adoção de políticas afirmativas para compensar

distorções sociais das mais diversas origens tem sido discutida em vários países e tem sua

origem atribuída na China e Índia. No caso brasileiro e mais especificamente no âmbito deste

trabalho o foco é no acesso aos cursos de graduação nas Universidades Públicas. Este estudo

faz um estudo de caso com alunos da Universidade Federal do Ceará no Campus Cariri com o

objetivo de identificar os determinantes da nota de entrada assim como os determinantes do

desempenho destes alunos na sua formação acadêmica.

146

Em geral os resultados encontrados são compatíveis com os encontrados por Mendes Junior e Mello e Souza

(2012) para a análise da política de cotas na UERJ. Os autores também encontraram diferenças na nota de

entrada de alunos provenientes de escolas públicas.

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2033

Os resultados sugerem que não há diferença significativa na nota de entrada a

depender de características pessoais como sexo e raça e há, contudo um efeito positivo da

idade. Nas características familiares também não foi identificadas diferenças significativas na

renda familiar, escolaridade do pai e da mãe e nem na riqueza. Desta forma os resultados

sugerem que políticas afirmativas de criação de cotas baseada nestas características pare não

serem justificadas. Os resultados, porém devem ser vistos com cautela haja vista que somente

a partir deste semestre é que foi implantado o sistema de cotas na referida IES. Há

possibilidade como mostrada em outros estudos que a universalização do ingresso através da

ampliação do sistema de cotas como recomendado pelo MEC pode alterar estes resultados147.

Por outro lado, um resultado bastante robusto verificado é a importância do

desempenho escolar do aluno no ensino médio e o local desta formação. Dito de outra forma,

os alunos que tiverem bom desempenho no ensino médio obtêm maiores notas de entrada

assim como àqueles que se formaram nas escolas públicas têm menores notas. Este resultado

vai de encontro àqueles que se posicionam contra a criação do sistema de cotas ao mostrar

que se devem corrigir as causas e não combater as consequências.

Outra discussão levantada na literatura é o desempenho dos alunos provenientes do

sistema de cotas ao longo da sua formação acadêmica. Desta forma a estimação de um

modelo empírico que buscou identificar os determinantes do desempenho do aluno na sua

formação acadêmica verificou que há diferenças significativas na probabilidade do aluno ter

disciplinas reprovadas a depender das características pessoais como idade, sexo e raça, mas há

um efeito positivo da riqueza. Isto é alunos com melhores condições financeiras tem maior

probabilidade de não terem reprovação. A importância da formação do aluno no ensino médio

é mais uma vez evidenciado. Ou seja, os alunos que têm melhor desempenho no ensino médio

têm menor chance de ter reprovação no curso superior. Novamente deficiência na formação

da escola pública fica evidente, haja vista que alunos que concluíram o ensino médio nestas

escolas têm maior chance de ter reprovação. Uma política que pode completar a política de

cotas que tem se mostrada eficiente é o programa de Monitoria que diminui a probabilidade

do aluno que participa ou participou de ter reprovação.

147

Mendes Junior e Mello e Souza (2012) apontaram que na UERJ que após vários anos de implantação do

sistema de cotas houve caso da participação de determinada categoria beneficiada passou a ter uma proporção

maior de vagas que a participação na população e a consequência foi a diminuição do esforço para ingressar na

instituição.

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2034

Como pode ser visto uma parte deste problema é a baixa participação dos cursos e de

alunos matriculados nas Universidades Públicas no total de cursos e de alunos matriculados,

respectivamente. Ainda que a partir de 2008 perceba-se um aumento considerável. Isto eleva a

concorrência para ingressar nestas IES diminuindo, assim, as chances de alunos provenientes

de escolas públicas ingressarem nos cursos de graduação presencial destas IES.

Estes resultados sugerem que a implantação e ampliação da política afirmativa de

criação e ampliação do sistema de cotas para ingresso na IES em estudo, deve ser

complementada com outras políticas tais como uma política de complementação de renda e

política de nivelamento para que os alunos provenientes das escolas públicas beneficiadas

pelo programa possam apresentarem melhor desempenho na sua formação acadêmica como

forma de compensar possíveis falhas na sua formação no ensino médio que norteia a decisão

de criação da política de cotas. Por outro lado, deve-se ter em mente que a política de cotas

deve ser temporária até se corrigir as causas das diferenças entre a formação escolar nas

escolas públicas e privadas.

Referências

AMARO. Sarita. A questão racial na assistência social. Serviço Social e Sociedade. São

Paulo. Cortez. n. 81. p. 58-81. 2005.

INSTITUTO DE PESAUISAS AVANÇADAS EM EDUCAÇÃO. IPAE. Documento

técnico. Rio de Janeiro. 2010.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. MEC. <<

<http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-frequentes.html>> acesso em 06 de setembro

de 2013.

PEREIRA. A. B.. RODRIGUES. E.. GUILHERME. R.C. Ações Afirmativas: política de

cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas. Textos & Contextos. Porto Alegre.

v. 9. n. 2. p. 244 - 250. ago./dez. 2010

SOWELL. Thomas. Ação Afirmativa ao redor do mundo: estudo empírico. Trad. Joubert

de Oliveira Brízida. 2ª ed. Rio de Janeiro: Universidade Editora. 2004.

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2035

MENDES JUNIOR, A. A. F., MELLO e SOUZA, A. de. Uma análise dos determinantes do

acesso à universidade sob uma ação afirmativa: o caso da UERJ. IN: Anais do 40º Encontro

Nacional de Economia. ANPEC, Ipojuca, 2012.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CAMPUS CARIR. UFC-CARIRI. << http://ufc-

cariri.gov.br >> acesso em 06 de setembro de 2013.

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2036

RESTAURAÇÃO CAPITALISTA E MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL E NO

NORDESTE148

Franciclézia de Sousa Barreto Silva149

RESUMO

O artigo aborda algumas particularidades do desenvolvimento do capitalismo em solo brasileiro –

desenvolvimento tardio. Destacamos, principalmente, os desdobramentos da reestruturação produtiva,

intensificada a partir do fim do século XX. A análise desse processo histórico nos permite explicitar

elementos e determinantes centrais da restauração capitalista em nosso país, mais particularmente,

demonstrar as implicações do uso de processos flexíveis na gestão do trabalho e na forma de ser e

viver da classe trabalhadora. Processos que coibiram, dentre outras coisas, a própria tentativa de

estruturação do mercado de trabalho brasileiro, cedendo lugar a uma heterogeneidade ocupacional, que

tem permitido a propagação de variadas formas de reprodução da força de trabalho, a exemplo da

intensificação das atividades informais, que servem de ocupação para um número expressivo da

População Economicamente Ativa (PEA). Nossa classe trabalhadora – independente de região – tem

sofrido ao longo de décadas, as agruras do desemprego, subemprego, com exploração de toda ordem.

Uma particularidade: no Nordeste esta situação é agravada pelos condicionantes do desenvolvimento

desigual brasileiro. Com efeito, as atuais condições e relações de trabalho, no Brasil, de um modo

geral, têm incitado constantemente o crescimento das práticas informais, as quais passam a servir de

peça fundamental a reprodução capitalista e condição de ocupação considerável da força de trabalho

ativa.

Palavras- chave: Restauração Capitalista. Mercado de trabalho. Informalidade.

INTRODUÇÃO

Com seu desenvolvimento hipertardio, o Brasil, passa a experimentar os primeiros

impulsos “reestruturantes”, com processos flexíveis de produção e gestão da força de

trabalho, apenas na década de 1980, a partir da crise da dívida externa. Nesse contexto, “[...] a

deterioração das contas externas do país debilitou ainda mais as condições de reprodução do

148

Este trabalho é um recorte da dissertação de mestrado da autora, intitulada: “As faces e os disfarces da

informalidade no capitalismo contemporâneo: um estudo do comércio de rua em Pau dos Ferros/RN, defendida

junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/UFRN. Atualmente professora do Departamento de

Economia da UERN. 149

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN); E-mail: [email protected]; Fone: (84)

81161635

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2037

capitalismo industrial no Brasil”, evidenciando a necessidade para o capital de promover

mudanças que assegurassem sua permanência enquanto modo dominante de produção e de

reprodução social (ALVES, 2005, p. 120).

O período iniciado nos anos 1980 foi marcado pela elevação da taxa internacional de

juros, o que agravou o serviço da dívida externa brasileira, ao mesmo tempo em que facilitou

a entrada de capitais voláteis, especulando no mercado financeiro. Na concepção de Lacerda

(2002, p. 88), a situação de endividamento, “[...] colocou a questão externa como variável

determinante do ajuste interno que se seguiu implicando restrições fiscais e monetárias e

arrocho dos salários que determinaram uma forte diminuição da atividade produtiva interna”.

O endividamento aparece, portanto, como solução para os problemas financeiros do

Brasil e, concomitantemente, serve de abertura à financeirização. As medidas implementadas

revelam, sobretudo, o uso da superexploração do trabalho, nos termos apontados por Marini

(2008). O arrocho salarial, desse período, evidencia a violação do valor da força de trabalho, é

a opção brasileira para contornar as restrições externas.

Constitui o artigo um recorte da dissertação de mestrado da autora, intitulada: “As

faces e os disfarces da informalidade no capitalismo contemporâneo: um estudo do comércio

de rua em Pau dos Ferros/RN, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social/UFRN. Aborda, portanto, algumas particularidades do desenvolvimento do capitalismo

em solo brasileiro – desenvolvimento tardio. Destacamos, principalmente, os desdobramentos

da reestruturação produtiva, intensificada a partir do fim do século XX.

A análise desse processo histórico nos permite explicitar elementos e determinantes

centrais da restauração capitalista em nosso país, mais particularmente, demonstrar as

implicações do uso de processos flexíveis na gestão do trabalho e na forma de ser e viver da

classe trabalhadora. Processos que coibiram, dentre outras coisas, a própria tentativa de

estruturação do mercado de trabalho brasileiro, cedendo lugar a uma heterogeneidade

ocupacional, que tem permitido a propagação de variadas formas de reprodução da força de

trabalho, a exemplo da intensificação das atividades informais, que servem de ocupação para

um número expressivo da População Economicamente Ativa – PEA. Aliás, na

contemporaneidade, algumas atividades informais, longe de serem extintas, apresentam como

aspecto central serem funcionais ao capital.

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2038

RESTAURAÇÃO CAPITALISTA – implicações sobre o mercado de trabalho no Brasil

A deterioração do cenário da economia brasileira, com a crise do balanço de

pagamentos, o estrangulamento das contas externas e altos índices inflacionários, coloca o

Brasil à mercê dos ajustes impostos pelo Fundo Monetário Internacional – FMI. Implicou

clara adoção de políticas recessivas com fins de promover o “equilíbrio” no balanço de

pagamentos e a aquisição de meios de pagamentos para o serviço da dívida. Esse processo

culmina na imposição de medidas de ajustes visando à reestruturação produtiva, à adoção de

processos flexíveis, com novas formas de produção e organização da força de trabalho. Com

efeito, tratou-se de uma nova ofensiva do capital sobre o trabalho, configurando um

verdadeiro retrocesso com relação às conquistas trabalhistas. Principalmente, porque as

manifestações da crise do capital evidenciam fortes implicações para a não realização no

mercado mundial do que se produzia internamente no Brasil. O capital internacional não

estava mais interessado em financiar formas de produções pretéritas, o que implicou a ruptura

com o modelo de produção substitutiva e na submissão às novas regras mundiais da produção

capitalista.

Frente à alta e persistente inflação então existente no Brasil, o receituário neoliberal se

mostra determinante e implacável sob o então governo Collor (1990-1992). Nesse momento,

as bases internas de sustentação da economia foram solapadas pela política comercial de

liberalização, acirrando a competitividade, pressionando a indústria nacional à modernização,

com vistas à inserção no mercado externo (BEHRING, 2008). A partir de 1994, com o Plano

Real, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, esse processo se intensifica, a

estabilidade financeira valida às reformas implementadas na última década do século XX,

retirando de nosso país a capacidade de fazer política econômica.

A propósito, esse período foi favorável justamente aos investimentos externos diretos

voltados, em grande medida, à compra das empresas nacionais, o que significou entrega

escancarada do patrimônio nacional ao capital transnacional. Problematizando esse processo,

Pochmann (2010, p. 28) cita o caso da privatização dos bancos públicos150

, que teria

150 No início do século XXI, o crescimento do poder do capital privado transnacional no âmbito do sistema

bancário brasileiro mostra-se evidente. Jinkings (2006, p.190) analisa os dados do Banco Central, cuja evolução

do sistema nacional se expressa pelo aumento do percentual dos bancos com controle estrangeiro no Brasil, que

alcançou em 2003, 20,73%; quando em 1997, esse número não ultrapassa os 12,82%. No setor bancário, os

programas de qualidade total e de remuneração variável foram altamente difundidos, criando nos trabalhadores a

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2039

repercutido no fechamento dos bancos privados nacionais e na expansão dos estrangeiros,

totalizando dez anos depois, menos de 170 bancos em todo o país, redução significativa se

considerarmos que em 1995 existiam 230 bancos entre públicos e privados. Dentre as

consequências das privatizações, especificamente no caso dos bancos, destacamos o

desemprego e o uso da terceirização; esta última, de início, passa a ser utilizada como

justificativa para as empresas se concentrarem em atividades centrais e externalizarem aquelas

atividades que julgavam secundárias, o que não ocorreu de fato.

Esse processo tem nos revelado que as formas de subcontrato e a terceirização são

fios condutores de uma gama de configurações pertinentes à acumulação capitalista no Brasil,

as quais acirram a degradação do assalariamento e promovem condições precárias de trabalho

para as classes trabalhadoras. Na medida em que esse processo rende ganhos expressivos de

lucratividade, minimiza, ao mesmo tempo, a capacidade de resistência sindical dos

trabalhadores, dificultando sua organização no espaço de trabalho. O caso dos bancos figura

apenas como um exemplo, dentre tantos outros, dessa onda privatizante151

. As consecutivas

privatizações no Brasil associadas a forte onda de fusões e aquisições no próprio setor

privado, expressam, em grande medida, a desnacionalização de nossa economia. Por isso,

afirmarmos que esse processo minou o projeto de desenvolvimento nacional.

Por certo, a crescente presença de empresas estrangeiras em nosso país, fez crescer a

remessa de lucros e, consequentemente, reduziu o nível dos recursos que permaneceram em

solo brasileiro, debilitando o fechamento das contas nacionais e a condução das políticas

internas. Uma verdadeira perda de autonomia do Brasil na gestão dos próprios recursos.

Todo esse processo repercutiu negativamente no volume do emprego gerado no

âmbito do mercado de trabalho, durante a década de 1990, com efeitos nefastos à classe

trabalhadora. Os dados apresentados por Pochmann fazem referência ao saldo total negativo

de 3,2 milhões de empregos assalariados formais destruídos na economia somente da década

em referência. Deste total, 17,1% teriam sido provenientes da reformulação do setor produtivo

estatal. “[...] Ou seja, de cada cinco empregos perdidos, nos anos de 1990, um pertencia ao

ilusão da possibilidade de se tornarem parceiros do capital, práticas eivadas de discurso ideológico que tenta

mascarar a realidade. Ora, sabemos que contradições estruturais inerentes à sociabilidade capitalista determinam

relações antagônicas entre as classes e frações de classes que compõem o todo social. Deste modo, parece-nos

impossível que trabalhadores e capitalistas se associem de fato, pois seus interesses são contraditórios 151

Alguns outros exemplos: A companhia Vale do Rio Doce (1997); Telebrás (1998); Eletropaulo (1999), dentre

outras.

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setor estatal”. (POCHMANN, 2001, p.29). Nos anos 2000, por exemplo, nosso país passou a

ocupar o terceiro lugar no ranking do desemprego mundial, contrariando as altas taxas de

formalização dos anos de 1980, que se faziam em torno de 70%.

No Brasil, o período histórico em análise é também caracterizado por intenso processo

de descentralização produtiva o qual permitiu às indústrias tradicionais, a exemplo da têxtil,

sob a alegação da concorrência internacional, lançar mão de estratégias de desterritorialização

se reimplantando em outras regiões. O objetivo foi claro: a busca de espaços em que

pudessem produzir com menores custos, em geral onde se podiam contratar por menores

salários, frágil organização sindical, incentivos fiscais, etc. Explicitamos aqui, o caso do setor

calçadista, com diversas empresas se transferindo para a região de Franca, no interior de São

Paulo, ou da região do Vale dos Sinos, localizada no Rio Grande do Sul, para os estados do

Nordeste, como Ceará e Bahia, segundo nos relata Antunes (2006, p. 18). Além disso, muitas

dessas empresas aproveitaram o fator da proximidade com as fontes de matéria-prima, como

cana-de-açúcar, algodão, frutas, cacau, dentre outros, isso para produção dos respectivos

produtos: açúcar e álcool, têxtil, sucos, chocolates.

A implantação de indústrias e a criação de postos de trabalho em determinados estados

da região Nordeste têm sido facilitadas pelos governos locais, por meio da oferta de isenções

fiscais e de outros subsídios. As modificações nas formas de contrato, além do uso

indiscriminado do trabalho terceirizado têm facilitado grande rotatividade da força de

trabalho. Mais claramente, tratou-se da utilização de uma miríade de atividades informais, as

quais muitas vezes invadiram os próprios espaços domésticos. No setor têxtil, por exemplo,

Antunes (2006, p.18) faz referência a uma diminuição de 50% no nível de emprego formal,

com utilização da terceirização da força de trabalho, com uso crescente da força de trabalho

feminina. Esta estratégia tem transformado o lar de muitas trabalhadoras em extensão da

fábrica.

Não podemos deixar de nos referir ao período reestruturante, como um momento

propício ao fortalecimento de pequenas empresas e de incentivo ao desenvolvimento dos

Arranjos Produtivos Locais – APLs152

, de forte impulsão no Nordeste. Segundo o site “Inova

152

Para RedeSist (apud GONÇALVES; GUIMARÃES, 2005, p. 3), arranjos produtivos são: “[...] Aglomerações

territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades

econômicas – que apresentam vínculos mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e a

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2041

Brasil153

” (2010), já foram investidos mais de R$ 95 milhões em APLs do Nordeste. Na

verdade, as APls constituem em subsidiárias da acumulação capitalista, favorecendo,

sobretudo, ao grande capital. A maneira como se instituem os investimentos privados ou

programas do Estado direcionados a estas, não resulta no desenvolvimento regional. Reflete,

se muito, no aumento da capacidade produtiva de determinados espaços isolados, quando se

considera que os outros espaços que não são produtivos ao capital ficam relegados ao

abandono. Principalmente, se considerado que os incentivos do Estado são de cortes setoriais

e/ou regionais. Revela, sobretudo, a capacidade do capital em espraiar-se em espaços diversos

extraindo o que é próprio de cada região.

A partir da década de 1990, a economia do Nordeste no contexto de mundialização,

resulta de nova dinâmica regional, não mais comandada pelo Estado e, sim, pelo mercado.

Referimo-nos à suspensão, a partir de então, de uma política regional que vinha sendo

conduzida no país com o objetivo de desconcentrar as atividades produtivas sediadas no

centro sul para outras regiões do país154

. Explicitando um pouco esse movimento de

desconcentração produtiva pós-1960, se apoiando nas análises de Cano, Araújo (2000, p. 117)

considera tratar-se de um processo de integração do mercado nacional, de um movimento

que “[...] forçava o surgimento de ‘complementaridades’ inter-regionais e fazia desenvolver-

se ‘especializações’ regionais importantes”. Para a autora, esta constitui uma alternativa,

frente à incapacidade de “industrializações autônomas”, como assim desejava o Grupo de

Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, no fim da década de 1950. Tal

interrupção, comandada pelo mercado e referendada na condução das políticas públicas

atingiu, sobretudo, o rumo da economia regional e a divisão social do trabalho nas diversas

localidades.

interação de empresas – que podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e

equipamentos, prestadoras de consultoria e serviços, comercializadoras, clientes, entre outros – e suas variadas

formas de representação e associação. Incluem também diversas outras instituições públicas e privadas voltadas

para: formação e capacitação de recursos humanos, como escolas técnicas e universidades; pesquisa,

desenvolvimento e engenharia; política, promoção e financiamento”. 153

Trata-se de um programa impulsionado pelos Estados e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

Social (BNDES), realizado em parceria com os governos locais. Esse programa tem por objetivo investir em

projetos que “potencializem o desenvolvimento regional, em especial [incentive] os pequenos produtores, por

meio do uso de instrumentos integrados”. 154 Descreve-nos Araújo que, embora ainda muito concentrado, esse processo de desconcentração iniciado em

1960, permitiu que entre 1970 e 1990, o Sudeste caísse de 65% para 60% seu peso no PIB brasileiro. O

Nordeste, Norte e Centro Oeste ganhavam relativa importância quando passam juntos de 18% para 23% de

participação no PIB brasileiro (ARAÚJO, 2000, p.117).

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A análise desenvolvida por Diniz (1995) esclarece bem esse processo de

reconcentração das atividades produtivas a partir desse período. Para a autora, se trata de um

movimento reverso pautado na política econômica conduzida em nível nacional, de bases

eminentemente neoliberais, apoiado em mudanças tecnológicas e na reestruturação produtiva,

mudanças intensificadas em nosso país, a partir dos anos 1990 e que, aqui, ao longo do texto,

já explicitamos algumas características desse momento. Dantas e Brettas corroboram tal

análise ao afirmarem que:

As mudanças políticas e econômicas ocorridas nas últimas décadas tendem a romper a

prioridade dada à montagem de uma base econômica que ia lentamente desconcentrando

atividades para as regiões periféricas. A crise do Estado, principal incentivador das políticas

regionais, deixou as decisões dominantes para serem tomadas pelo mercado, o que causou

interrupção do movimento de desconcentração (2006, p. 8).

Desse modo, o movimento anterior de desconcentração produtiva fez surgir

determinados espaços, com especializações, a exemplo do desenvolvimento de Polos

produtivos em alguns pontos do Nordeste do País, o que significou especificamente a

intensificação da heterogeneidade regional. Mas, com a “globalização”, nos anos 1990, esta

heterogeneidade orientou-se, doravante, para fins de integração produtiva, processo pautado

em uma lógica da acumulação mais complexa que passava a vigorar nesses espaços, tendo por

base a reprodução de uma dinâmica diversa e desigual.

Assim, no atual contexto, a expansão dos arranjos produtivos locais tem se revelado

estratégias traçadas pelo capital para se reproduzir na periferia do sistema. Diante das regras

definidas pela divisão internacional do trabalho no mercado mundial, esta foi a parte que

coube às economias do Nordeste do Brasil. Dentro deste contexto, temos a chamada “guerra

fiscal” que representa bem a guerrilha entre os estados para se tornarem sede dessas

indústrias. Para Araújo (2000, p. 127), a deflagração da guerra fiscal, busca “[...] contribuir

para consolidar alguns ‘focos de dinamismo’ em suas áreas de atuação”. Resultaram, de fato,

em relegar áreas tidas como espaços não competitivos, deixando à margem as possibilidades

de desenvolvimento, dentro das quais pequenos espaços são valorizados e integrados à

dinâmica mais geral de acumulação capitalista.

As desigualdades intra-regionais são, portanto, refletidas na concentração e

intensificação dos investimentos em polos. No Rio Grande do Norte, mais especificamente,

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estes processos acontecem no litoral oriental, concentrador das atividades turísticas,

industriais e comerciais e na região de Mossoró, com a agricultura irrigada e a indústria

extrativa (petróleo e sal). Determinam, concomitantemente, as formas de reprodução da classe

trabalhadora nestes espaços, relegando os demais a altos índices de empobrecimento.

Afirmamos com isso que o histórico hiato social construído não se resolve com “focos” de

desenvolvimento.

Corroboramos com Araújo (2009, p. 2), quando afirma que o Estado Federal destaca-

se como agente importante no desenho e implementação de políticas de desenvolvimento;

todavia, os governos subnacionais são igualmente relevantes, no enfrentamento das

desigualdades em nosso país, principalmente, quando o foco é a construção de uma “[...]

política nacional de desenvolvimento regional (e não apenas uma política federal)”.

Entretanto, reconhecemos que tais soluções são passiveis de amenizar as desigualdades, mas

não podem extingui-las no âmbito do sistema capitalista.

É evidente que houve um aumento da participação do Nordeste no PIB brasileiro, o

que sinaliza certo dinamismo à região. Os dados entre 1995-2008, por exemplo, mostram que

a região Nordeste ganhou maior participação, avanço que ficou concentrado em 0,9 pontos

percentuais entre 1995-2002 e, 0,1 entre 2002 e 2008, significativos se considerado a perda de

participação do Sudeste155

. (IBGE, 2010). Estas mudanças que têm se processado no Nordeste

e, em particular no estado do Rio Grande do Norte, têm se expressado no aumento de

empregos formais e crescente número de assalariados. Tal realidade tem conduzido, inclusive,

as recentes elaborações de autores como Araújo (2009) e Pochmann (2010). Cada um a seu

modo, tem se voltado à certificação dos pontos considerados por estes, como avanços da

política do governo Lula, principalmente no campo social, que teria atingido o Nordeste em

particular, principalmente, quando da reprodução de uma possível “redução da desigualdade

no país”.

Araújo (2009), por exemplo, tem enaltecido a opção estratégica da política econômica

do país que teria beneficiado o Nordeste, quando associada a uma política de transferência de

155

A perda de participação do Sudeste se resume, no primeiro período (1995- 2002) de -2,4 pontos percentuais e,

no segundo, -0,7 pontos (2002-2008). Os dados também apresentam o bom desempenho das regiões Norte, (0,5

ponto percentual) e Centro-Oeste (0,4 ponto percentual) para primeiro período e, 0,4 pontos percentuais de

ambos, para o segundo período. O Sul ganhou 0,7 pontos percentuais entre 1995-2002 e perdeu 0,3 entre 2002 e

2008, em contrapartida. (IBGE, 2010).

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renda. Principalmente, na opinião da autora, se considerado que esta região possui 28% da

população do país, 50% de sua população ocupada percebendo um salário mínimo. O

crescimento do salário mínimo real de 50% entre 2002 e 2008, permitiu dinamizar o mercado

interno, destaca Araújo (2009). Já o Pochmann (2010, p. 47-48), tem referenciado a

valorização salarial em números quando afirma que cerca de 1 trilhão foram colocados nas

mãos dos trabalhadores de salário base entre 2003 e 2010. Das diversas modalidades de

políticas de transferência de renda à população, entre 2002 e 2008, houve um adicional de R$

170 bilhões. (POCHAMANN, 2010, p. 47-48).

Quando analisamos o total de formalizados por região, notamos as regiões Norte e

Nordeste se destaca por apresentarem maior aumento na proporção de postos formais,

acréscimo de 27,4% e 24,6%, respectivamente (IPEA, 2011, p. 7-8). O aumento de

formalizações no Nordeste se associa, principalmente, aos movimentos decorrentes da

reestruturação capitalista, com o capital fragmentando-se para reproduzir-se em territórios

diversificados. Citamos aqui como exemplo, o Complexo Industrial de Suape, em

Pernambuco. Somente o Estaleiro Atlântico Sul abriu uma quantidade de vagas para cidades

como Ipojuca, em Pernambuco, equivalente a 15% da população local, considerando que,

hoje, a cidade tem 70 mil habitantes, segundo o Censo de 2010. Soma-se a esta, a refinaria

instalada no município de Abreu e Lima, ambas responsáveis pela geração de cerca de 20 mil

empregos locais. (TRABALHO, 2010, p. 14). A instalação do Complexo Suape, em

Pernambuco, relatado aqui, no âmbito da expansão da ocupação, representa a lógica

empreendida pelo capital em solo brasileiro, expressa pela concentração de focos de

dinamismo, já que não se pode visualizar essa realidade de expansão das ocupações no todo

da região Nordeste. Muitas outras cidades são relegadas à extrema pobreza, à dependência de

recursos diretos do Governo Federal.

Apesar dos dados apresentados pelos autores sinalizarem certos avanços na economia

do Nordeste, não se pode negligenciar o fato de que esta região, em se tratando do mercado de

trabalho, ainda se destaca como a menos formalizada, em que apenas 30% das ocupações são

classificadas como formais. Um número que se mantém baixo, apesar desta região ter sido

apresentada como aquela que obteve maior avanço na proporção de ocupações formais do

período considerado (aumento de 27,4%). De certo, as atividades informais no Nordeste têm

garantido ocupação para considerável número de pessoas, no entanto, estas ocorrem sob o

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jugo de precárias condições de trabalho e de baixa remuneração que nos imprimem a

reinvenção de formas pretéritas de ocupação e remuneração do trabalho, já relatadas por Marx

em O’Capital (2009), a exemplo do trabalho por peça156

.

Quando observamos o número de ocupados por regiões, com destaque para

contribuição previdenciária, a precariedade ocupacional é evidente: ora, mais de 40% dos

trabalhadores no Brasil trabalham sem ter garantidos os seus direitos mínimos. No caso do

Nordeste, essa situação é ainda mais crítica. Mesmo que tenha sido registrado acréscimo de

contribuintes de 2008 para 2009, mais 60% dos ocupados ainda se encontram em ocupações

desprotegidas. (IBGE/PNAD, 2009). Os dados apresentados evidenciam o elevado nível de

desproteção social dos ocupados no Nordeste. Estes trabalhadores estão envolvidos em

atividades informais, sem qualquer garantia de direitos. No Rio Grande do Norte, por

exemplo, “[...] o emprego doméstico cresceu 12,63% em 2009. Do total de 12 mil postos de

trabalho criados, nove eram informais”, noticia o jornal Tribuna do Norte (2011). Segundo a

mesma reportagem, “[...] atualmente existem 5,2 milhões de domésticas informais e 1,9

formais no Brasil”. Esta é a expressão de uma realidade dura que caracteriza o mercado de

trabalho Potiguar e Nordestino, perfeitamente associada à dinâmica mais geral brasileira. A

saída para a sobrevivência de muitos trabalhadores, de um modo geral, no nosso país, tem

sido inserirem-se em ocupações e/ou na execução de atividades à margem da legislação, sem

qualquer proteção previdenciária, mesmo que mais recentemente tenha havido interesse do

governo federal em rever este quadro de desproteção.

O capitalista acirra a concorrência entre os trabalhadores, os exclui dos direitos

trabalhistas dando-lhes um tratamento de parceiro do capital. Promove mudanças no sentido

de autonomia, o que, concomitantemente, propicia ganhos exorbitantes ao capital. Teixeira

faz referência a peculiaridades dessa nova maneira de pagamento, utilizada pelo capital na

atualidade, ao descrever:

Diferentemente do salário por tempo, do salário negociado e estabelecido no contrato

de trabalho, a receita dos trabalhadores ‘vendedores de trabalho objetivado’, ao contrário,

depende do quantum de mercadorias que eles fornecem às unidades finais de produção. O

156

Um exemplo que expressa essa realidade, foi apresentado pelo trabalho de Rodrigues (2010) nas Apls,

voltadas à produção de jeans em Pernambuco. No estudo, o autor explicita as precárias condições de trabalho e

as formas de remunerações reinventadas à moda do atual modo do capital se reproduzir, reintegrando a lógica e

as formas de exploração, o salário por peça.

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valor do seu dia de trabalho se mede pelo trabalho despendido, pelo número de unidades que

produzem. Seu salário é, portanto, determinado por sua capacidade de produção por unidade

de tempo (TEIXEIRA, 1995, p. 10).

De igual modo, convém relembrarmos a crítica à propalada queda da desigualdade em

nosso país. Na realidade, o cálculo da desigualdade tem se restringido a bases equivocadas,

quando se negligenciam os rendimentos do capital, portanto, como afirmar a redução desta no

âmbito nacional? Por certo, a proteção da renda na base da pirâmide social brasileira, com

aumento do salário mínimo e políticas de transferência de renda, previdenciárias e

assistenciais, aliviou um pouco o quadro social degradante em nosso país. Não estamos aqui a

desconsiderar esse fato, todavia, em nenhum momento nos é permitido afirmar que é possível

sobreviver de um salário mínimo no Brasil, e dar garantias futuras aos trabalhadores e suas

famílias. Afirmar isso seria um tanto pretensioso e enganoso.

Na verdade, entre os políticos, a realidade propalada de queda da “pobreza e da

desigualdade” tem consagrado o discurso acerca das benesses da inserção da massa

populacional no mercado de consumo. Faz-se suficiente, aqui, evidenciar as propagandas do

governo federal que expõem a lógica do consumo, em demonstrações numéricas do aumento

da compra de bens como: fogão (98,5%157

), geladeira (93,9%), máquina de lavar roupas

(44,8%), celulares, dentre outros (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2010). É notória a

afirmativa de que o consumo se relaciona à renda; também não desconsideramos que a posse

de determinados bens garante certa comodidade, daí o desejo de possuí-los. Queremos apenas

ressaltar o uso ideológico do consumo e do consumismo para legitimar políticas e estratégias

governamentais e conformar segmentos da classe trabalhadora. No Brasil, o estímulo ao

consumo foi notório, e o resultado deste se deu pelo aumento da demanda de determinados

bens de consumo e/ou duráveis, o que propicia à economia a dinâmica requerida, e ao capital

a acumulação necessária, sem entraves em curto prazo, considerando aqui sua natureza

intrínseca.

A estratégia do capital, materializada pelo Estado, diante dos processos reestruturantes

foi intensificada com base em uma ideologia pautada no apoio ao desenvolvimento local,

alternativa considerada, em tese, capaz de fomentar o desenvolvimento social e econômico

157

Percentual de domicílios com cada característica no total de domicílios particulares permanentes (%).

(MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2010).

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das regiões. De acordo com esta lógica, ao trabalhador combina duas alternativas: tornar-se

patrão de si mesmo, ou procurar qualificação para melhorar sua empregabilidade, o que não

significava garantia de ocupação, apenas mais um elemento de enfrentamento da crescente

concorrência por postos de trabalho. Isso porque o desemprego não mais se limita aos

indivíduos com baixa escolaridade158

; inúmeras estatísticas atestam que o perfil do

desemprego também se modifica ao longo dos anos.

Nesse sentido, cidades têm se revelado lócus por excelência dessas transformações.

Principalmente, como afirma Araújo (2000), considerando-se que a fase de desconcentração

no Brasil tem se mostrado modesta, gerando uma tendência de concentração espacial do

dinamismo econômico em algumas sub-regiões (focos dinâmicos). Para a autora, a repetição

de concentração espacial, que reflete diretamente o acirramento de desigualdades regionais, se

dá num contexto mais complexo (década de 1990). Isso porque a inserção do país e das

regiões na economia mundial implica envolvimento numa maior competição; o Estado

apresenta ainda maior debilidade para definir e implementar estratégias que possam rebater os

custos sociais oriundos da maior desigualdade regional. Ademais, não se desconsidera o fato

de que o Brasil é uma “[...] federação em crise, como têm ressaltados vários estudos recentes

da FUNDAP” (AFFONSO; SILVA apud, ARAÚJO, 2000, p. 127).

No caso do Nordeste, cita Pontes (2006, p. 334), as “[...] cidades médias159

passaram

por significativas reformulações nos seus papéis”. A dinâmica foi alterada na medida em que,

“[...] as cidades médias do Nordeste também têm maior crescimento do que as cidades

grandes, as metrópoles de menor porte continuam crescendo em níveis superiores àqueles das

grandes metrópoles”, como afirma Araújo (2008, p. 3). Natal tem crescido mais que Recife e

Salvador, por exemplo. Nesse sentido, há uma necessidade clara de uma política para essas

158

Entre 1992-2002, por exemplo, o aumento da escolaridade mostrou-se insuficiente para impedir o

desemprego. Neste período, “[...] para os indivíduos com catorze anos de estudo, por exemplo, a variação do

desemprego foi de 76,9% - uma diferença três vezes maior que a verificada para aqueles que têm três anos de

estudo” (POCHMANN, 2006, p. 66).

159 Para Pontes, a cidade média destaca-se como: “[...] um centro urbano com condições de atuar como suporte às

atividades econômicas de sua hinterlância, bem como atualmente ela pode manter relações com o mundo

globalizado, constituindo com este uma nova rede geográfica superposta à que regularmente mantém com suas

esferas de influência. Esta segunda rede à que nos reportamos, diz respeito ao sistema de relações realizadas sob

o território com áreas rurais ou outras cidades próximas ou mais ainda distantes sobre as quais ela exerce uma

condição de comando”. (2006, p. 334).

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cidades “médias” e para as metrópoles de menores portes. Principalmente, se consideradas as

transformações ocorridas no modo de produção capitalista nas últimas décadas, as quais

tiveram implicações significativas na estrutural do território, sobretudo, nos estados do

Nordeste.

Com efeito, as mudanças no cenário brasileiro, com a invasão da flexibilização no

“mundo do trabalho”, reconfigurando as condições e relações de trabalho anteriormente

estabelecidas, refletiram sobremaneira no (des) assalariamento de parcela considerável da

População Economicamente Ativa, e o desemprego. Constituíram estas, no fulcro

propulsionou do aumento do exército de sobrantes para o capital, na ampliação significativa

da superpopulação relativa. Notoriamente a expansão dos serviços, setor inscrito na esfera de

reprodução do capital, constituiu importante papel na absorção da mão de obra, mas este tem,

enfim, um limite, quando não pode absorver por completo. As informações apresentadas,

embora não revelam a totalidade das reais implicações desse momento para a classe

trabalhadora, evidenciam quão precárias têm sido as relações e condições de trabalho em

nosso país, denunciando a problemática das ocupações no território brasileiro. Faz,

igualmente, surgir certo desencanto e descrédito no meio acadêmico quanto à possibilidade de

o Brasil voltar a gerar condições mais favoráveis ao seu mercado de trabalho e à vida de sua

população, em particular, de variados segmentos da classe trabalhadora.

Nesse sentido, poderemos afirmar que a “reforma” no papel e nas estruturas do Estado

foi geradora de desemprego, em um contexto de reestruturação produtiva, o qual permite

estratégias que envolvem programas de demissão voluntária, a instituição de organizações

sociais e de agências executivas. As relações trabalhistas modificam sua natureza, a

estabilidade perde espaço em beneficio das formas flexíveis de contrato (BERHING, 2008).

Essas mudanças resultam em aumento na demanda por serviços sociais em um contexto, no

qual o paradigma econômico neoliberal insiste no corte de gastos, na regressão de direitos

sociais, na focalização das politicas sociais.

A perda ou restrições dos direitos constitucionais que foi justificada em nome do

equilíbrio fiscal, está na concepção de Berhing (2008) integrada à macroeconomia do Plano

Real, que impôs constantemente uma lógica de gestão dos recursos. O objetivo inicial foi

claro: destinar o máximo de recursos para investimentos do Estado, bem como e,

principalmente, para pagar os encargos financeiros da União, manter com isso, firme os

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compromissos assumidos com o Fundo Monetário Internacional – FMI. Paradoxalmente,

quando nossa Constituição160

apontava, inicialmente, para uma perspectiva de ampliação e

universalização de direitos, o processo de ajuste estrutural e de contrarreforma do Estado

restringe as possibilidades de materialização de direitos. O agravante disso tudo: estas

mesmas políticas existentes serviram de alvo a inúmeras críticas, de ataque ao Estado, e a

forma intervencionista deste. Ademais, no contexto neoliberal na qual esboçamos nossa

análise, não poderemos afirmar que estas tenham sido conduzidas de forma autônoma, o que

se configura na subordinação das políticas sociais à reorientação macroeconômica.

Analisando o contexto mais recente – início do século – Filgueiras e Gonçalves (2007,

p. 161) relatam e destacam que a junção das políticas econômicas ortodoxas para propiciar

crescentes superávits primários, com políticas de combate à pobreza, implicou a redução das

já limitadas políticas universais. Poderemos considerar a Desvinculação das Receitas da

União161

, como exemplo desse movimento contraditório, uma vez que a resguarda de 20% das

receitas governamentais constitui importante fator para os elevados superávits primários.

Além de cobrir os serviços da dívida, estes recursos servem também, de acordo com Boschetti

e Salvador (apud BOSCHETTI, 2009, p. 335), “[...] para cobrir aposentadorias do poder

público, investimentos em infraestrutura dos Estados e vale-transporte e auxílio alimentação

de servidores públicos”. Trata-se de um verdadeiro ataque aos direitos previstos

constitucionalmente, não sendo os mesmos reconhecidos, universalizados. Como destaca a

autora,

Diversas contrarreformas, como a da previdência de 1998, 2002 e 2003, sendo as

primeiras no Governo Fernando Henrique Cardoso e outra no Governo Lula, restringiram

direitos, reforçaram a lógica do seguro, reduziram valor de benefícios, abriram caminho para

a privatização e para a expansão dos planos privados, para os fundos de pensão, ampliaram o

160

Nesta, a seguridade passou a ser composta pela previdência social, assistência social e Sistema Único de

Saúde. 161

A partir de 1994, os governos começaram a desvincular 20% do total de impostos e contribuições federais

conforme as suas conveniências políticas. Preferencialmente, estes recursos foram revertidos para o pagamento

de juros da dívida pública. Segundo estudo do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal –

UNAFISCO, citado por Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 159), “os recursos desviados, via mecanismo da DRU,

corresponderam a 18% do total arrecadado da CPMF no período 1997-2006. Segundo Pochmann (2010, p. 34),

esta desvinculação tem representado quase dois terços do superávit primário.

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tempo de trabalho e contribuição para obterem a aposentadoria (BOSCHETT; SALVADOR,

apud BOSCHETT, 2009, p. 333).

Em relação ao sistema previdenciário, Pochmann (2010) chama a atenção para os

crescentes problemas de financiamento dos custos dos beneficiários atendidos e para as

consequências significativas do crescimento das aposentadorias decorrentes do

envelhecimento da população e da admissão de novos beneficiários sem prévia contribuição.

Estes resultados sintetizam o desaparelhamento do setor público, da burocratização e

fragmentação dos recursos públicos. Acrescente-se a isso, a compressão sobre o mercado de

trabalho, haja vista a contenção dos valores dos benefícios sociais162

.

Além da PEA ingressante anualmente, o mercado sofre pressão por parte daqueles que

continuavam inseridos em ocupações, com fins de complementação de suas rendas, em

virtude dos baixos rendimentos da aposentadoria, estas que na maioria das vezes, são

precárias. Dessa forma, a concentração maciça de trabalhadores tem pressionado o mercado

de trabalho por vagas, no contexto de uma economia já comprometida com a destruição de

ocupações, herança da década de 1990. Adicione-se a isso, o surgimento de outras formas de

ocupação, muitas das quais não regulamentadas. Todo esse movimento tem afetado

negativamente o ambiente social como um todo e pressionado o sistema de proteção social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, as características aqui sintetizadas, apresentam peculiaridades sob as quais o

capitalismo vem se desenvolvendo no Brasil. Elas evidenciam o modo como o capital se

apropria inclusive de formas antigas e tidas, hoje, como alternativas para se reproduzir,

impulsionando forçosamente o trabalhador a ocupações precárias, que evidenciam a

espoliação desses trabalhadores e de recursos naturais promovidos no âmbito do atual padrão

de acumulação.

No cerne desses processos, ganha cada vez mais realce as atividades informais

presentes tanto no âmbito da produção como da circulação de mercadorias, mesmo se

162

Segundo dados apresentados por Pochmann (2010, p.31): “[...] em 2007, que cerca de um terço dos

aposentados e pensionistas mantinham-se ainda ativos no interior do mercado de trabalho, enquanto o país

possuía quase 8 milhões de trabalhadores desempregados. (POCHAMNN, 2010, p. 31).

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considerado, na atualidade, um quadro favorável de crescimento das ocupações formais em

nosso país, que constituem um novo movimento no âmbito do mercado de trabalho brasileiro.

No núcleo dessa discussão, Tavares (2002, p. 25) enfatiza a afirmativa de Pochmann, e

cita: “O Nordeste vem se transformando no que Pochmann denomina de ‘grande feira

mundial de concorrência pelos menores custos do trabalho”. Essa afirmativa revela que, na

prática, o capital circula e se instala no espaço físico propício a sua reprodução e à

acumulação. Se o Nordeste, ou qualquer outra região, oferece vantagens na oferta de mão de

obra barata, o que reduz os custos empresariais, é nela que o capital instalará os mecanismos

técnicos e de infraestrutura necessários a sua reprodução. Ressaltamos que, a terceirização e a

relação empresa-cooperativa163

, têm sido utilizadas pelo capital como experiência bem

sucedida da expansão, nessa região, dos processos flexibilizantes.

Nestes termos, corroboramos com Tavares para a qual (2002, p. 25) “[...] só é possível

pensar a questão social no Nordeste se formos capazes de compreender as particularidades

dessa região e o modo como a mesma se insere na economia globalizada”. Essa compreensão

dos determinantes da questão social no Nordeste, fundada nas elaborações de Tavares, nos

permite reafirmar que essa região não foge às determinações gerais vistas em nível nacional.

Nossa classe trabalhadora sofre – independente de região – as agruras do desemprego,

subemprego, com exploração de toda ordem. Uma particularidade: no Nordeste esta situação

é agravada pelos condicionantes do desenvolvimento desigual brasileiro. Com efeito, as atuais

condições e relações de trabalho, no Brasil, de um modo geral, têm incitado constantemente o

crescimento das práticas informais, as quais passam a servir de peça fundamental e condição

de ocupação considerável da força de trabalho ativa.

REFERÊNCIAS

ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise

do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005.

163

Tavares (2002, p. 26) exemplifica a égide da flexibilização e sua invasão no espaço nordestino, citando o caso

no estado do Ceará, e a instauração da empresa Kao-lin, de um grupo empresarial de investidores de Taiwan.

Segundo a autora, a referida empresa contrata apenas a mão de obra especializada, a exemplo de engenheiros,

administradores, etc. A montagem das peças cabe à “subcontratação”, por meio das cooperativas.

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