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1 ARILDA MAGNA CAMPANHARO TEIXEIRA CHAGAS “A ECONOMIA POLÍTICA DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NOS ANOS 90” TESE DE DOUTORADO INSTITUTO DE ECONOMIA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Rio de Janeiro, 26 de abril de 2006.

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ARILDA MAGNA CAMPANHARO TEIXEIRA CHAGAS

“A ECONOMIA POLÍTICA DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NOS ANOS 90”

TESE DE DOUTORADO

INSTITUTO DE ECONOMIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2006.

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ARILDA MAGNA CAMPANHARO TEIXEIRA CHAGAS

“A ECONOMIA POLÍTICA DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NOS ANOS 90”

Tese submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Economia.

Orientador: Luiz Carlos Prado

INSTITUTO DE ECONOMIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2006.

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ARILDA MAGNA CAMPANHARO TEIXEIRA CHAGAS

“A ECONOMIA POLÍTICA DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NOS ANOS 90”

Tese submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Economia.

Orientador: Luiz Carlos Prado Aprovada por: ____________________________________________ Prof.Dr. Luiz Carlos Delorme Prado (UFRJ-orientador ________________________________________ Prof.Dr. Antônio Correa de Lacerda (PUC-SP) ____________________________________ Profa.Dra. Maria Antonieta Leopoldi (UFF) _________________________________ Prof. Dr. Fábio Stéfano Erber (UFRJ) ______________________________ Prof.Dr. Fabio Sá Earp (UFRJ)

Rio de Janeiro, 26 abril de 2006.

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Para Marina

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AGRADECIMENTOS

Esta é, seguramente, a ocasião que esperei ansiosamente para acontecer, mas que,

no íntimo preferia não enfrentar. Estou feliz porque significa que encerrei uma etapa

importante da minha vida profissional, mas apreensiva porque tenho consciência de que

sempre recebi muita ajuda ao longo desses últimos cinco anos, e temo ser injusta com

alguns, caso a memória me falhe e não os mencione neste momento. Para minimizar esta

possibilidade, distribuirei meus agradecimentos por núcleos.

Começarei pelo Núcleo Instituto de Economia da UFRJ. Dentro dele, agradeço

especialmente o Prof. Luiz Carlos Prado, meu Orientador, por sua atenção, dedicação e,

sobretudo, por sua habilidade em me conduzir durante o período de confecção desta tese.

Suas intervenções foram sempre muito oportunas e precisas e, com muita freqüência,

impediram que eu perdesse o rumo. Além disso, nos momentos críticos de luta contra o

tempo – meu cronograma esteve sempre atrasado - sua estratégia de morder e assoprar

(mais a primeira que a segunda), funcionou muito bem. Transmitia a idéia de sugestão e

apoio, quando na verdade me dava uma ordem que eu sequer pensava em descumprir. Foi

duro, mas funcionou.

O Prof. Fernando Cardim, é sempre motivo de agradecimento. Tenho muito orgulho

de poder compartilhar de sua atenção e me sinto muito honrada por ter tido o privilégio de

ter sido sua aluna. Ele que sempre foi para mim um exemplo (bom) de conduta profissional.

Prof. Antônio Licha, por seu compromisso com a perfeição e o aprimoramento. O Prof.

Jorge Chami, pelo seu profissionalismo. O Prof. Fabio Sá Earp pela sua irreverência.

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No núcleo de Funcionários do Instituto, estão, como não poderiam deixar de estar, a

paciente e carinhosa Beth e o Ronei. Sempre atenciosos e prestativos. Foram um importante

ponto de apoio. Deixo registrado meu reconhecimento à dedicação de ambos aos alunos do

Instituto de Economia.

No núcleo de amigos/companheiros de jornada do doutorado, de agora em diante,

meus contemporâneos, agradeço ao Marcio Oliveira Jr., João Evangelista e Lucília

Valadão. Nossa convivência foi muito boa. Eles são a grata lembrança do período do

cobertor curto.

No núcleo amigos off doutorado, sempre pude contar com o carinho da Andréa

Motta, do Ricardo Luz, do Ricardo Barbosa, Cláudio Maciel, Carla Medina, Etiene

Magalhães e Solange Pastana. Todos foram verdadeiros amigos.

No núcleo familiar, agradeço aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado me

apoiando e torcendo por mim. Especialmente minha mãe, que assumiu, por diversas vezes,

o papel de mãe da minha filha para que eu pudesse ter mais tranqüilidade para estudar.

Teria sido muito mais difícil, talvez impossível, sem a sua ajuda. O carinho e a atenção dos

meus irmãos, minhas cunhadas e a linda sobrinha, Gabriela, também não foi menor. Foi

muito bom poder contar com eles!

E, finalmente, mas não menos importante, agradeço à minha filha Marina, por ter

passado mais da metade de sua vida vendo a mamãe estudar até de madrugada. Pelas horas

dormidas no chão do escritório até que eu percebesse que ela não conseguira me esperar.

Pelos finais de semana, feriados e carnavais passados dentro de casa. Enfim, pela atenção

que deixei de dar-lhe. Por ter entendido e aceitado que o fato de a mamãe estar em casa não

significava que estava disponível para brincar. Ela, como ninguém soube compreender e

compartilhar comigo os longos momentos dessa jornada. Mas estou certa de que,

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sobretudo, ela compreendeu que, nada disso importaria para mim se não fosse ela, a minha

legítima razão de lutar.

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RESUMO

Esta é uma tese em história econômica que tem por objetivo oferecer uma

interpretação do comportamento da política comercial brasileira nos anos 90. Discute o

papel da política comercial no momento da reestruturação da economia brasileira,

sustentando a hipótese de que a opção do governo foi a de utilizar os instrumentos da

política comercial como meios para atingir as metas da política de estabilização e não como

instrumentos da política de desenvolvimento. O que explica essa opção foi a dificuldade

encontrada para enfrentar os contra-movimentos inerentes ao processo de reforma,

justificados pela reação dos agentes aos seus efeitos.

ABSTRACT

This is a thesis in economic history that shows an interpretation of the Brazilian

trade policy’s behavior in the 90’s. It discusses trade policy’s role when there was a

Brazilian economy restructure, upholding that the government decides to use the trade

policies instruments as a stabilization policies instruments otherwise as a peace of

development policy. What explains this decision was the difficulty to face the reactions

inherents of the reform process justified by the reactions of the agents from its effects.

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ÍNDICE Página INTRODUÇÃO..................................................................................................................01 PRIMEIRO CAPÍTULO: A CONCEPÇÃO DA AGENDA DA MUDANÇA..................24 1.1 – Considerações Iniciais................................................................................................24 1.2-As condições do setor produtivo brasileiro no limiar da década de 90.........................25 1.3-As condições macroeconômicas....................................................................................31 1.4-As interpretações sobre as causas da queda do dinamismo da economia.....................36 SEGUNDO CAPÍTULO: AS IDÉIAS NA AGENDA DA REFORMA ECONÔMICA...56 2.1- Considerações Iniciais..................................................................................................56 2.2- Tendências da Economia Internacional e o Modelo Liberal de desenvolvimento na década de 90....................................................................................................................57 2.3- Influência das idéias liberais na agenda econômica brasileira......................................62 2.3.1- Mecanismos de propagação interna das idéias externas.....................................65 2.4- A Influência dos fatores domésticos.............................................................................70 2.4.1- Mecanismos de influência dos fatores domésticos.............................................86 TERCEIRO CAPÍTULO: A REFORMA COMERCIAL...................................................93 3.1- Considerações Iniciais..................................................................................................93 3.2- O prenúncio da reforma no Governo Sarney................................................................95 3.3- A reforma comercial de Fernando Collor....................................................................103 3.4- A política comercial do Governo Itamar Franco.........................................................112 QUARTO CAPÍTULO: ESTABILIDADE VERSUS POLÍTICA CAMBIAL E TARIFÁRIA: A DINÂMICA DO PROCESSO.................................................................131 4.1- Considerações Iniciais.................................................................................................131 4.2- Entendendo o processo................................................................................................135 4.3- A busca da sustentabilidade política para as reformas................................................137 4.4- Política cambial e tarifária: eficiência e competitividade ou estabilização?...............143 CONCLUSÃO....................................................................................................................158 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................172

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INTRODUÇÃO

I- OBJETO DA TESE

Esta é uma tese de história econômica que utiliza a economia política como o

instrumento analítico. Estuda a liberalização comercial, um dos pilares da reforma

estrutural pela qual passou a economia brasileira ao longo dos anos 90, e seu objetivo é

discutir a história da política comercial desse período, e explicar por que foi conduzida para

ser utilizada como instrumento de política de estabilização – uma medida de curto prazo -,

quando havia sido concebida para ser um instrumento da política de desenvolvimento, que

teria o papel de induzir o crescimento da eficiência e da competitividade da economia –

portanto uma medida de longo prazo.

O período estudado é muito importante para a compreensão da história econômica

brasileira na segunda metade do século XX, pois marca a maior mudança de direção das

políticas públicas desde os anos 30, representando o rompimento com maioria das políticas

econômicas que caracterizaram o chamado desenvolvimentismo. Na esteira desse processo,

observou-se a crescente aceitação da idéia da abertura da economia e a adesão às políticas

ortodoxas para efetuar as reformas market-oriented, usualmente denominadas de reformas

liberais1.

1O liberalismo econômico é uma doutrina do pensamento econômico construída a partir de dois pilares básicos: a propriedade privada e a economia de mercado. O primeiro é conseqüência de duas hipóteses sobre os seres humanos: (i) as consciências humanas são individuais, e não coletivas, e (ii) as pessoas estão interessadas em seu próprio bem-estar, ainda que existam algumas com espírito altruísta. O segundo também se remete à individualidade das consciências e à existência de algum grau de egoísmo, mas vai um pouco adiante. Considera que ao seguir seus impulsos egoístas, ao buscar seus próprios interesses, as pessoas interagem umas com as outras e reproduzem um ambiente de harmonia social. Esta harmonia é resultado do

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O liberalismo econômico militante a partir da década de 1970, não ficava satisfeito

em defender o status quo, nesse sentido não era um conservador, mas um revolucionário,

pretendendo repetir nos países em desenvolvimento mudanças sociais que levariam à

implantação de instituições e costumes liberais, como a Inglaterra tinha feito no século

XIX. Nas palavras de John Gray, professor da LSE, um dos expoentes da nova direita

britânica e um dos ideólogos de Margareth Thatcher:

“Mid-nineteenth century England was the subject of a far-reaching experiment in

social engineering. Its objective was to free economic life from social and

political control and it did so by constructing a new institution, the free market,

and by breaking up the more socially rooted markets that had existed in England

for centuries. The free market created a new type of economy in which prices of

all goods, including labour, changed without regard to their effects on society. In

the past economic life had been constrained by the need to maintain social

cohesion. It was conducted in social markets — markets that were embedded in

society and subject to many kinds of regulation and restraint. The goal of the

experiment that was attempted in mid-Victorian England was to demolish these

encontro das pessoas no mercado, ou seja, a competição. Nesse sentido, para que o intercâmbio entre elas possa resultar numa operação eficiente, é necessário maior liberdade individual possível na esfera das relações econômicas. Mas a influência do liberalismo econômico, desde 1870, baseou-se principalmente na versão neoclássica dessa doutrina. Embora o tratamento axiomático da teoria neoclássica tenha sido concluído apenas na década de 1950, com o trabalho de Arrow & Debreu (The Existence of a Competitive Equilibrium for a Capitalist Economic, Econometrica 22, n .2, julho 1954) e de Debreu (Theory of Value and Axiomatic Analyhsis of Economic Equilibrium”, Yale University Press, 1959) o auge de sua influência em política econômica encerrou-se na década de 1930. Os problemas econômicos enfrentados durante a Grande Depressão suscitaram um questionamento sobre a funcionalidade da mão invisível e inclusão nas políticas de forte interferência do Estado na economia: a chamada Revolução Keynesiana. A doutrina keynesiana predominou nas políticas econômicas até os anos 70. A partir daí, novas versões da doutrina liberal foram reconquistando espaço no mundo acadêmico e em posições de comando nos governos e agências internacionais, através de três linhas principais: Expectativas Racionais, Novos Clássicos e Síntese Neoclássica. Entre as décadas de 1970-1990, as novas versões do liberalismo econômico voltaram a ocupar o espaço que o pensamento liberal tinha perdido, relegando o keynesianismo a uma posição de heterodoxia. Para maiores detalhes, SMITH,A. “A Riqueza das Nações” , vol.1; HEILBRONER,R.L. “Introdução à história das Idéias Econômicas”, RJ, Zaar ; DENIS,H. “História do Pensamento Econômico”; LUCAS,R. “Studies in Business Cycles Theory”; FRIEDMAN,M. “Liberdade de escolher: o novo liberalismo econômico”,RJ,Record; HELLER,W. “New Dimensions in Political Economy”, Cambridge:Harvard University Press; LUCAS,R. e SARGENT,T.: “After Keynesian Macroeconomics” in “After Phillips Curve:Persistence of High Inflation and High Unemployment”, Conference Series,n.19,p.49-72, Federal Reserve Bank of Boston; BIERSTEKER,T. “O Triunfo da Economia Neoclássica no Mundo em Desenvolvimento: Convergência de Políticas e Fundamentos da Governança na Ordem Econômica Internacional” in ROSENAU,J. e CZEMPIEL,E.(2000) “Governança sem Governo: ordem e transformação na política mundial.

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social markets, and replace them by deregulated markets that operated

independently of social needs. The rupture in England’s economic life produced

by the creation of the free market has been called the Great Transformation”2.

Esse ímpeto reformista militante chegou ao Brasil tardiamente na década de 1990.

Seu marco referencial foi a eleição de Fernando Collor que se apresentou à sociedade

brasileira com um discurso completamente diferente dos que ela se acostumara a ouvir3.

Nesse sentido, nesse período, o país testemunhou, simultaneamente à consolidação da

democracia, um movimento de afastamento do ciclo desenvolvimentista que caracterizava a

economia brasileira há meio século4. A conjunção desses fatores estabeleceu uma nova

relação entre o Estado e a economia.

2John Gray, False Dawn: The Delusions of Global Capitalism, (The New Press, 1998), p.1 3 Um discurso não-programático, centrado na idéia do rompimento drástico com o passado e prometendo a reconstrução de um novo Brasil. Entretanto, enquanto candidato, Fernando Collor não se baseou na formulação de um projeto de natureza liberal ou social democrata. Diniz(1995). 4 O período da industrialização brasileira é também o período do ciclo de políticas populistas, em que a estratégia de sustentação dos governos era costurada pelas políticas de alianças com grupos da sociedade. Todo conjunto de política econômica desenhada tinha um objetivo político específico que era o de atender aos interesses das classes que sustentavam o governo. Para alcançar tais objetivos, a política macroeconômica era executada com déficit público, para sustentar a demanda interna, e reajustes nominais de salários e controle de preços (câmbio, inclusive), para reduzir os efeitos da inflação sobre os preços non-tradeables. Cumpre ressaltar que, não há estudos que comprovem que o modelo da substituição de importação seja subproduto de políticas populistas. No caso brasileiro, o máximo que se pode afirmar é que o país possuía características sócio-econômicas que o predispunham às políticas populistas – os antagonismos setoriais herdados da estrutura produtiva do modelo primário exportador. Ao mesmo tempo, essas características tornaram politicamente mais fácil a opção da industrialização pelo modelo da SI. O ciclo das políticas populistas encerrou-se nos anos 60, com os governos militares e a restrição de recursos externos a partir dos anos 80, tratou de dificultar qualquer arranjo de política de alianças inviabilizando as estratégias típicas do Estado Desenvolvimentista. Sobre a literatura da relação entre crise econômica e democracia veja: Karen Remmer, “Democracy and Economic Crisis”, in David Felix (ed.):Debt and Transfiguration? Prospects for Latin America’s Economic Revival”, NY:M.E.Sharpe,1990. Para a economia política do populismo na América Latina, Kaufman e Stallings(1991). Para o rompimento do ciclo populista, Prado e Sá Earp(2003).

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II- O TEMA

O processo de reestruturação da economia brasileira que se iniciou a partir dos anos

90, seguiu, em muitos aspectos, o diagnóstico das novas correntes liberais, então

organizadas como um conjunto de políticas, que ficaram conhecidas como Consenso de

Washington. As idéias liberais penetraram na economia e conquistaram tamanha influência

política que definiram as linhas de ação da política econômica da mudança. O foco das

políticas de crescimento passou a ser o equilíbrio macroeconômico e seu principal alvo era

o combate às distorções que limitavam os níveis de eficiência da economia. A estratégia do

ajuste passou a ser a estabilidade macroeconômica, redução do papel econômico do Estado

e abertura comercial.

Esta mudança, mais que o confronto direto com os pressupostos do modelo da SI,

representou a redefinição do próprio conceito de mudança estrutural. Mudou-se por

completo a terminologia econômica dos instrumentos de ajuste. Enquanto no modelo da SI

a deficiência estrutural foi chamada de ‘falhas de mercado’ e as mudanças estruturais de

‘ações do governo’, ou reformas de base; na linguagem liberal, as ‘intervenções do

governo’ são as distorções estruturais e as ‘reformas estruturais’ são a liberalização da

economia e a desregulamentação.

Uma mudança dessa extensão não deixa de chamar atenção sobre os fatores que a

determinaram. Por que as idéias liberais reuniram força política suficiente para sustentar a

mudança do paradigma? Como estruturaram a economia política dos anos 90?

Há, nesse questionamento duas ordens de questões: uma, qual seria a força política

de uma idéia para mobilizar uma mudança; a outra, como essa força assume forma dentro

da economia para efetivamente promover a mudança? Cumpre, portanto, discutir a

influência de uma idéia e os canais de penetração dessa influência.

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Mas essa discussão não pode ser feita sem o prévio estabelecimento de um marco

teórico que permita lidar com a complexidade dessa questão. Para isto usarei os trabalhos

de Hall(1989), Blyth(2002) e Stallings(1992).

Na literatura contemporânea de ciência política que discute o papel das idéias

econômicas como instrumento analítico, o trabalho de Hall(1989)5 é um marco referencial.

Esse autor procura explicar porque uma determinada idéia influencia a política econômica

em determinados lugares e períodos enquanto em outros não. Para ele, a influência de um

novo conjunto de idéias econômicas, pelo menos em parte, depende das circunstâncias

políticas e econômicas vigentes. A viabilidade econômica de uma idéia está condicionada à

sua capacidade de resolver um determinado problema enfrentado pela economia. Depende,

portanto, de seu poder explicatório. Este, por sua vez, depende das condições políticas que

conferem força àquele conjunto de idéias e não a outro, em determinado momento da

história.

Resumindo, há pelo menos três fatores que explicam a influência de um novo

conjunto de idéias sobre a política econômica. O primeiro, é a forma como as idéias

descrevem os problemas políticos e econômicos do momento. O que equivale à sua

capacidade de oferecer respostas aos problemas existentes. O segundo, as condições em que

5 Há na literatura contemporânea da ciência política duas escolas que discutem o papel das idéias na economia: Os institucionalistas históricos – dentre eles, Peter Hall - e os institucionalistas racionais – Douglass North , Robert Keohane, dentre outros. Os primeiros trabalham o conceito de idéia para explicar a mudança institucional. Os segundos, para explicar a estabilidade institucional. Em ambas, a discussão incide sobre a relação que existe entre instituições, interesses e idéias. Segundo Blyth(2002), ambas escolas usam as idéias como hipótese auxiliar, para resolver uma questão pré-existente. Para ele, nenhuma delas trata seriamente o conceito de idéia simultaneamente como objeto de estudo e instrumento analítico. Foge aos propósitos deste trabalho entrar nesse mérito da questão. Aqui, o papel das idéias econômicas será considerado apenas para contextualizar os fatores que interagiram com o elemento principal da discussão da tese. Para discussão mais detalhada, veja, Kathryn Sillink(1991): “Ideas and Institutions: Developmentalism in Argentina and Brazil”, Ithaca, Cornell University Press; Douglas C. North(1990): “Institutions, Institutional Change and Economic Performance”, Cambridge e Mark Blyth(1997): “Any More Bright Ideas?: The Ideational Turn of Comparative Political Economy”, Comparative Politics,29(2); Karl Palany(1944): “The Great Transformation: the political and economic origins of our time”..

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o conhecimento econômico é produzido. Um mesmo conjunto de idéias pode ser

interpretado de maneira completamente diferente, se o contexto reflete experiências

históricas diferentes. E finalmente, os canais de acesso que os gestores de política

econômica têm a uma idéia em particular, sua receptividade a ela, e os seus interlocutores

externos, como por exemplo, o tipo de autoridade que eles consultam.

Blyth(2002)6, ao discutir o poder de influência das idéias econômicas, acrescenta

um elemento novo à análise, a incerteza. Para ele, as idéias econômicas se sobressaem em

períodos em que as estruturas institucionais demonstram-se fracassadas e o ambiente é de

incerteza. Nesses momentos elas orientam os agentes sobre o que fazer e o que esperar do

futuro. Elas permitem aos agentes interpretar o ambiente em que se está, de maneira que se

possa construir uma nova estrutura institucional7. O processo de desenvolvimento de uma

idéia então, se representaria no movimento duplo de Polanyi8, quando os elementos

deslocados pelo mercado, ao procurarem outro canal para se resguardar desencadeiam uma

mudança institucional em larga escala9.

6 Blyth vê o papel das idéias no processo de mudança não apenas como uma função da reação dos agentes a uma aparente crise. Para ele, a importância das idéias é a sua capacidade de definir a crise como tal e, portanto, desenhar uma solução. Em outras palavras, é a capacidade das idéias de fornecerem aos agentes a estrutura interpretativa da dinâmica de funcionamento da economia, definindo seus elementos constitutivos e as interrelações próprias (e as impróprias). Ao fazer isso elas contornam um importante problema da economia que é a incerteza e assim criam as condições para que se formule um esquema para produzir novas instituições. Resumindo, a importância das idéias é que elas permitem aos agentes reduzir a incerteza, propõem uma solução particular para o momento da crise e autoriza agentes para resolver a crise construindo novas instituições seguindo a linha daquelas idéias. As idéias econômicas tornam uma determinada resolução institucional possível quando oferecem um diagnóstico definitivo sobre a crise que se enfrenta e também quando a situação constitui-se numa crise. Assim, elas diagnosticam ‘o que está errado’ e falam ‘o que será feito’. Resumindo, a natureza de uma crise não é demonstrada simplesmente pelos seus efeitos, deslocamentos ou casualidades, nem as ações dos agentes são determinadas simplesmente pelos interesses dados. Ao contrário, o diagnóstico de uma situação como ‘crise’ feito por um conjunto particular de idéias é uma construção que faz a incerteza do agente explicável, e principalmente, administrável. 7 Considera que as idéias são importantes nos processos de mudanças (institucionais), mas seu papel fica melhor definido quando se considera quando, porque e sob que condições elas importam. 8 Explica a mudança, não as idéias. 9 Para Blyth, apesar de importante e correta, a teoria de Polanyi possui uma insuficiência porque vê a mudança como um problema de estática comparativa. Isso acarretaria em dois problemas: (i) supõe que o que vem depois explica o que vem antes e; (ii) não especifica essa relação de causalidade. Para ele, o que vem

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Para Polanyi, as instituições econômicas são criadas a partir das necessidades que a

ordem econômica vigente entende que existem. São as embedded variables. Contudo, ao

longo do tempo, o ambiente econômico vai sofrendo modificações e gerando novas

necessidades. As que não são atendidas pela estrutura institucional vigente vão sendo

alijadas e se constituem nas disembedded variables, que passarão a agir pressionando

aquela estrutura constituída, reivindicando o atendimento às suas necessidades. As

disembedded variables são os embriões das idéias que construirão a nova forma

institucional do sistema econômico.

Em cada uma dessas teorias, há um elemento para a explicação do porquê os

modelos de desenvolvimento de tradição liberal ganharam aceitação crescente no Brasil no

limiar da década de 90. Colocando de forma esquemática, de um lado tem-se: (1) idéias; (2)

sua capacidade de influenciar o ambiente; (3) poder político que essa capacidade adquire

para promover a mudança. Sua contrapartida: (1a) tendência de reafirmação das idéias dos

modelos neoclássicos nas estratégias de política econômica internacional desde os anos 80;

(2a) respostas que ofereciam para os problemas enfrentados pela economia brasileira; (3a) o

grau de insatisfação dos agentes econômicos domésticos com os resultados apresentados

pela política econômica que vinha sendo implementada levando a crescente aceitação das

idéias econômicas externas. Ou seja, constatam a existência da influência de uma idéia e

dos canais de penetração dessa idéia.

Stallings(1992), vê nas tendências apresentadas pelas economias em

desenvolvimento da América Latina, sobretudo a partir dos dois últimos anos da década de

80, um forte indício de que a influência externa continuava presente na região. Para ela, o

depois não explica o que vem antes, a menos que se possa especificar a relação causal entre o primeiro e o último. E também, ao identificar as intenções dos agentes em termos dos resultados observados, o mecanismo da mudança institucional permanece quando muito, subespecificado e na pior das hipóteses, circular.

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novo interesse pelas reformas estruturais de orientação neoclássica não surgiu dos esforços

internos dos grupos domésticos favoráveis a tais políticas. Esses grupos sempre existiram e

nunca reuniram forças suficientes para implementar tais políticas. Ao contrário, o que

explicou aquela tendência foram os fatores internacionais subsidiados pela relação de

dependência existente entre as economias em desenvolvimento e as economias

desenvolvidas.

Sua análise foi construída a partir dos instrumentos da literatura empírica da Teoria

da Dependência sobre os mecanismos de influência externa: mercados internacionais;

linkage – ligação econômica, política e ideológica entre os grupos domésticos e os atores

internacionais; e leverage – relação de poder entre os atores internacionais e os governos

dos países em desenvolvimento.

O comportamento dos mercados externos é crucial para os países em

desenvolvimento por serem sua principal fonte de recursos. Essa dependência se verifica

tanto nos mercados financeiros – financiamento dos déficits externos, quanto no destino

dos produtos exportados. Ambos têm impactos diretos sobre a atividade econômica e,

conseqüentemente, sobre qualquer estratégia política ou econômica dos governos. Quando

as oscilações de preços comprometem o valor das exportações10, isto tem impacto direto no

saldo comercial e, no caso de resultar em déficit, significa necessidade de financiamentos.

Os países em desenvolvimento ficam muito suscetíveis às oscilações e choques nos

mercados externos.

O linkage trata-se de uma rede de ligação internacional que é alimentada pela

tendência de certos grupos – empresários, tecnocratas, militares e a classe média - nos

10 Os países em desenvolvimento são tomadores de preços. Neste caso, as mudanças em seus termos de troca são determinadas exogenamente.

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países em desenvolvimento, de se identificar com os interesses e pontos de vista dos atores

internacionais e apoiar coalizões e políticas que refletem isso11. O conceito de linkage foi

particularmente reforçado na versão histórico-estrutural da análise da dependência de

Cardoso e Faletto: “(...) Não existe relação metafísica de dependência entre uma nação e

outra, entre um Estado e outro. Essas relações tornam-se possíveis através de uma rede de

interesses... que junta alguns grupos sociais a outros, algumas classes a outras”12.

Partindo do pressuposto de que todo governo precisa construir uma coalizão política

com determinados grupos da sociedade para reunir apoio a sua estratégia de ação, quanto

mais ligados ao exterior estiverem os grupos dessa coalizão, maiores as chances de que as

políticas implementadas sejam favoráveis aos interesses externos. Por exemplo, nas

coalizões com os grupos internacionalistas há maiores possibilidades de se defender a

manutenção do equilíbrio macroeconômico, cumprimento dos pagamentos externos, além

das reformas como liberalização e privatização. Esse conjunto de políticas, defendidos

pelos grupos de influência nos países desenvolvidos, é sancionado pelo consenso

ideológico no qual os grupos internacionalistas dos países em desenvolvimento estão

especialmente afinados.

O canal de penetração dessa influência na política econômica pode ser o próprio

sistema eleitoral13, quando as forças externas apóiam plataformas de governo alinhadas

com suas idéias e procura o apoio dos eleitores simpatizantes daquelas idéias,

principalmente a classe média, para viabilizar a chegada ao poder daquele grupo

internacionalista. Todo esse processo desfruta do apoio dos aliados internacionais, sejam 11Essa rede de interesse está presente nos empresários que possuem atividades ligadas aos países desenvolvidos, os altos funcionários do governo (tecnocratas) que estudaram no exterior, militares de alta patente que foram treinados no exterior e muitos setores da classe média, através das preferências de consumo e do estilo de vida. 12 Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, “Dependency and Development in Latin America” 13 Caso isto não seja possível, a coalizão é obtida com apoio militar.

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eles, governos, partidos, sindicatos ou empresas. Uma vez que a coalizão internacionalista

chega ao poder, transfere-se para o tecnocrata o papel de instrumento de penetração da

influência. Nesse caso, torna-se crucial, empossar ministros que sejam adeptos das idéias

externas e capazes de desenhar um programa econômico que sustente a orientação externa

além de ser exeqüível14. Principalmente o da Fazenda e o Presidente do Banco Central, na

medida que parte deles o discurso de convencimento aos seus superiores políticos da

importância de se implementar determinadas medidas de política econômica. Quanto mais

contundentes forem, mais elementos dão para o discurso de convencimento da base de

sustentação política do governo, tornando-a mais coesa. Daí para frente, passa para a

habilidade de barganhar do próprio governo, de costurar apoio político para sustentar sua

estratégia econômica a manutenção desse apoio. Nesse momento, entra o que Peter Evans

chamou de capacidade do Estado de costurar apoio político para sustentar sua estratégia

econômica, principalmente quando a situação é de crise econômica, e o acesso aos recursos

externos está condicionado aos resultados da política econômica.

O leverage é uma forma menos sutil de influência internacional que o linkage, por

isso mais fácil de se identificar. Envolve o uso direto do poder através de uma promessa de

recompensa (ou uma ameaça de punição) pela adoção (ou não) de uma política desejada.

Seu melhor exemplo na política econômica são as condicionalidades oferecidas pelos

países em desenvolvimento, em seus programas de ajustes macroeconômicos, às

instituições financeiras internacionais (FMI e Banco Mundial). O leverage, entretanto, é

mais complexo que as condicionalidades do FMI e Banco Mundial. Ele inclui implícita ou

explicitamente a barganha com bancos privados, agências de atendimento bilaterais,

14 A habilidade de desenhar um programa econômico é também uma característica de outro mecanismo de influência, o leverage.

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empresas multinacionais e, nos casos extremos, os serviços de inteligência e as forças

armadas.

Nesse sentido, o poder de barganha de um país é definido pelo seu grau de restrição

externa vis-a-vis as condições da economia internacional. Garantida as boas condições da

economia, fica nas mãos do Estado, a tarefa de administrar o jogo do leverage. Por um

lado, as boas condições da economia lhe garantem capacidade de negociar acordos

vantajosos com investidores privados, sejam eles empresas multinacionais ou bancos. Por

outro lado, a habilidade de desenhar programa econômico crível e exeqüível é garantia

certa de conquistar apoio dos organismos internacionais como o Banco Mundial e FMI.

Ambas as situações minimizariam a influência do leverage.

As considerações de Hall e Stalling serão os referenciais teóricos que este trabalho

utilizará para situar o seu nível de análise. Nesse sentido, considerará a estratégia da

liberalização brasileira, que surgiu como a resposta para remover as distorções15 da

economia, com uma agenda de políticas voltadas para corrigir os erros da estratégia

anterior, como sendo um processo que obedeceu a duas ordens de fatores distintos, mas

simultâneos: (i) influência condicionada pela evolução das idéias econômicas

internacionais; e (ii) espaço para penetração dessas idéias na economia doméstica.

O período desenvolvimentista brasileiro foi aquele em que a política econômica

combinava promoção às exportações e substituição de importação com endividamento

externo através de créditos de longo prazo. A partir dos anos 80, as políticas

macroeconômicas de incentivo às exportações - combinadas com contrações cíclicas da

demanda doméstica e ampliação de instrumentos de restrição às importações – revelaram-

se insuficientes para enfrentar as dificuldades no balanço de pagamento que se seguiram, 15 Na terminologia liberal.

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principalmente, após o segundo choque do petróleo e atingiram seu ápice após a moratória

mexicana em agosto de 1982.

A paralisação do mercado financeiro internacional em setembro daquele ano, vis-a-

vis o desequilíbrio das contas brasileiras, levou o Brasil a experimentar um dramático

esforço de ajuste externo16. Este foi um momento crítico enfrentado pelo país e sua

gravidade estava menos no fato de enfrentar uma dificuldade externa para honrar sua dívida

e mais nos elementos que levaram àquela situação de desequilíbrio.

A brusca elevação das taxas de juros nos mercados americano e londrino era apenas

a ponta do iceberg. Era o resultado da ruptura nas condições prevalecentes no mercado

internacional de crédito e denotava a dimensão financeira da globalização17.

Esse processo vinha se desencadeando desde o início dos anos 70 e, em grande

medida, era fruto da reação à crise do dólar ocorrida naquele momento, provocada pelos

grandes déficits externos dos EUA. A partir daí, iniciou-se uma crescente onda de

desregulamentação financeira – que viabilizou a expansão do euromercado - e caracterizou

a nova fase de integração da economia mundial. Os créditos internacionais passaram a ser

uma das opções das carteiras dos bancos18, e seu volume estaria condicionado à sua

16 Entre setembro e outubro de 1982, os fluxos de recursos externos foram reduzidos pela metade. No “setembro negro”, cessaram por completo. E com eles cessou também o mecanismo de rolagem das dívidas na forma clássica: dinheiro novo para pagar dívida velha. Resende (1983) e Cerqueira(1997). 17 Veja, a respeito, Baumann(org.)(1996), Gonçalves(1999) e Prado(2004) 18A reciclagem dos superávits comerciais dos países exportadores de petróleo, feita através dos grandes bancos dos países desenvolvidos, através de ativos financeiros de curto prazo, denominados em moeda conversível, ao mesmo tempo que atendia a preferência pela liquidez dos países da OPEP, concedia graus de liberdade para países deficitários equilibrarem suas contas externas. Até a política monetária norte-americana jogar a taxas de juros para um nível altíssimo, acreditava-se que a liquidez do sistema financeiro internacional estivesse condicionada aos superávits comerciais da OPEP. Entretanto, isto somente aconteceria caso se tratasse de um sistema fechado, sem mediação dos bancos e sem a exigência da denominação em moeda conversível dos títulos financeiros criados no sistema. Nesse sentido, o financiamento dos países deficitários (em desenvolvimento) seria feito diretamente pelos países superavitários (OPEP). Com a intermediação bancária, nada garantiria que os superávits da OPEP seriam canalizados para os países deficitários. Assim como, as reduções daqueles superávits não implicariam diminuição do crédito disponível. A condição necessária para garantir a disponibilidade de crédito seria a capacidade dos grandes bancos do sistema

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rentabilidade e riscos. Como os Certificados de Depósitos - títulos financeiros – eram

denominados em moeda estrangeira, a disponibilidade de crédito internacional ficava

condicionada às condições vigentes no mercado financeiro do país de moeda conversível.

Ao mesmo tempo, a nova configuração do mercado internacional de crédito pendia para

suspensão das linhas de crédito de longo prazo e passava a conferir um grande poder de

gravitação aos agentes financeiros dada a rapidez com que poderiam se deslocar para

opções de maior rentabilidade.

Quando os ingressos de recursos cessaram, o Brasil perdeu sua posição de receptor

de grandes aportes de capital. Isto sepultou sua capacidade de continuar seu projeto de

desenvolvimento doméstico através de pesados financiamentos externos e, principalmente,

ameaçou sua capacidade de honrar seus pagamentos.

No final de 1982, com corte das linhas de crédito para os bancos brasileiros no

exterior, o País se viu obrigado a recorrer ao FMI, decisão que foi anunciada em 22 de

novembro de 1982. Após a reunião com o FMI, o governo brasileiro reconheceu que se

tornara necessária uma ação urgente para resolver os problemas gerados pelas restrições de

liquidez de curto prazo. Afora os recursos levantados junto ao FMI, ao Tesouro norte-

americano, ao Bank for International Settlements (BIS) e junto aos bancos privados

estrangeiros, sob a modalidade de empréstimos-ponte, o Brasil se viu obrigado a montar

uma estratégia de renegociação da sua dívida externa19.

Naquele momento, o desempenho do comércio exterior foi decisivo. Partindo de um

déficit de US$2,8 bilhões em 1981, obteve superávit em todos os demais anos, chegando à

cifra de US$19 bilhões em 1988. A importância desses resultados se verifica

financeiro internacional em atrair os fundos. A condição suficiente, sua disposição em aumentar os créditos internacionais em suas carteiras. 19 Cerqueira(1997:17).

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principalmente pelo peso que o serviço da dívida externa tinha sobre as receitas do

comércio exterior20.

As dificuldades para fechar as contas externas transferiram para o comércio exterior

a responsabilidade de promover o ajuste externo. Quanto melhor o desempenho das

exportações, maiores as chances de reduzir o grau de vulnerabilidade da economia. Assim

sendo, o comércio internacional - uma peça tão importante no equacionamento da situação

externa - o sucesso da política comercial passava a ser um instrumento estratégico poderoso

na busca do equilíbrio externo do País.

Ocorre que, simultaneamente a isso, a mudança tecnológica em curso, desencadeava

uma onda de reestruturação organizacional e gerencial que reorientava os fluxos de

investimentos externos diretos, do comércio internacional e do movimento de capital intra e

intereconomias desenvolvidas. Essa mudança tecnológica transformou as estruturas

industriais dos países desenvolvidos, sob o impacto da veloz difusão das tecnologias de

informação, baseadas na microeletrônica, despertando a preocupação com a questão da

eficiência na utilização dos recursos produtivos e deslocou o foco da atenção para a

estabilização e o ajuste estrutural.

Por outro lado, a mudança no clima intelectual em várias partes do mundo tornou-se

mais proeminente a partir da opção do Governo Reagan de mudar as prioridades da sua

política econômica, adotando políticas fiscal e monetária restritivas e limitando o papel do

setor público. Este fato foi crucial para que as instituições financeiras internacionais

incorporassem aquelas políticas aos seus programas de ajuda aos países em

20 Segundo dados IBGE, a relação juros dívida externa/balança comercial foi (%): 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 145,5 147,7 77,9 77,3 112,3 78,7 51,2 59,7 90,6

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desenvolvimento21. Somado a tudo isso, ao final dos anos 80, o diagnóstico sobre os

problemas econômicos enfrentados pela América Latina apresentado por

Williamson(1991), veio reforçar a tendência inaugurada pelo Governo Reagan e sancionar

o diagnóstico do “Consenso de Washington” para as economias latino americanas.

Toda essa gama de movimentos encontrou amplo espaço na economia brasileira

pelos contrastes que apresentava. O país enfrentava uma recessão sem previsão de fim com

um forte quadro de vulnerabilidade externa. Concomitantemente, o Chile, onde o governo

Pinochet implementara uma estratégia de política econômica ortodoxa, começava a

apresentar crescimento substancial e uma inflação comparativamente menor depois de

1984. Um resultado inverso ao das políticas heterodoxas brasileiras, que levara o País a

enfrentar uma das piores crises econômicas de sua história moderna22.

O modelo da SI, adotado para corrigir as deficiências estruturais da economia23, a

despeito de ter conseguido impingir um rápido crescimento econômico ao país, também

resultou em mais dificuldades externas, desequilíbrios setoriais e, em termos

macroeconômicos, num crônico processo inflacionário. Assim, paradoxalmente aumentou a

vulnerabilidade externa e a instabilidade interna e, adicionalmente, deu subsídios ao

discurso intelectual e político, em favor de uma política fiscal mais restritiva, da

liberalização do comércio e da privatização. Ou seja, ainda que a mudança nas idéias tenha

sido condicionada por evoluções internacionais foram sancionadas pelos contrastes

verificados no País.

No âmbito do interesse econômico, a liberalização dos mercados de capitais

resultou em maiores dificuldades ao acesso de recursos externos comprometendo a

21 Kaufman e Stallings(1991). 22 Op.Cit. 23 A tendência à deterioração dos termos de troca que resultava em freqüentes desequilíbrios externos.

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capacidade do Estado de prosseguir no ritmo que estava acostumado de captar recursos

externos para financiar o déficit público. O corte do financiamento externo fragilizou

importantes componentes das coalizões dos setores populares. Servidores públicos, por

exemplo, foram muito afetados com declínio dos salários mais que proporcional aos dos

salários do setor privado. Setores empresariais que eram especialmente dependentes ou dos

subsídios do Estado ou dos seus contratos estavam em franca desvantagem. Tais mudanças

afetaram o equilíbrio de poder entre os segmentos sindicais e as organizações empresariais

e diminuiu a capacidade de tais organizações mobilizar oposição política ao ajuste ‘pro

economia de mercado’ (market-oriented adjustment). Concomitantemente, a fragilidade dos

grupos rent-seeking aumentou os graus de liberdade para governo adotar medidas de

estabilização e reformas market-oriented.

Em resumo, a sucessão de acontecimentos na economia internacional desde início

da década de 80 extinguiu as condições institucionais de funcionamento do Estado

desenvolvimentista, ao mesmo tempo que impingiram ao País a necessidade de

reestruturação de sua economia sob pena de não conseguir acompanhar as tendências do

novo paradigma de desenvolvimento.

A política de desenvolvimento implementada a partir dos anos 90, em que a

abertura comercial é uma das peças, foi, portanto, o subproduto da influência das idéias

econômicas liberais. Entretanto, o tratamento recebido pelos instrumentos de política

comercial, após a abertura, é explicado pela influência das variáveis domésticas no

processo de mudança. Ele é o resultado da dinâmica do processo de mudança.

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III- A HIPÓTESE

Esta tese sustenta que a política comercial dos anos 90 foi usada como instrumento

de política de estabilização, se afastando do seu papel de principal instrumento de uma

política de desenvolvimento - na definição liberal de desenvolvimento.

Este fato se deveu a uma característica intrínseca a todo processo de mudança: a

dinâmica imprevisível que ele assume, que é determinada pela intensidade da reação

desencadeada entre os agentes que, no caso brasileiro, foi amplificado pela morosidade em

se avançar simultaneamente nas medidas de estabilização e de ajuste estrutural e também

pelos sucessivos choques externos na segunda metade da década.

Independentemente das condições em que se encontra a economia de um país, a

agenda da liberalização enfrenta dois problemas metodológicos: a seqüência das medidas

adotadas e a coordenação entre as políticas de estabilização (de curto prazo) e as reformas

estruturais (de longo prazo).

A hipótese da liberalização sustenta que a remoção de todas as distorções da

economia melhora a alocação de recursos depois que a economia estiver completamente

ajustada. Este processo de remoção deve necessariamente começar pela estabilização na

medida que não haverá resposta positiva dos agentes (setor privado) às reformas

microeconômicas, enquanto existirem desequilíbrios macroeconômicos. A questão é que,

no caso de haver mais de uma distorção, a remoção de uma distorção pode piorar, ao invés

de melhorar, a alocação de recursos. Por outro lado, a maioria das economias enfrenta,

simultaneamente, desequilíbrios estruturais (microeconômicos) e conjunturais

(macroeconômicos). Enfrenta-se, portanto, o dilema de qual seqüência se dará às políticas:

a estabilização primeiro e depois os problemas microeconômicos; atacar ambos

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simultaneamente ou combinar a política de estabilização com reformas microeconômicas

adotadas gradualmente?

O problema da coordenação remete a um elemento de ordem política. Nenhuma

equipe econômica em qualquer país tem capacidade de atacar todas as sérias distorções

simultaneamente. Nesse sentido, a necessidade do gradualismo das mudanças pode gerar

efeitos que afetam os interesses de determinados grupos, transformando-os em fontes

permanentes de pressão política contra as mudanças em curso. Essas pressões podem surgir

até mesmo dentro do governo - de um ministro sobre a equipe econômica, por exemplo – e

são um obstáculo concreto ao avanço das políticas, podendo inclusive desviá-las dos seus

papéis e/ou trajetórias iniciais.

A habilidade do governo para coordenar esse contra-movimento é crucial para a

garantia da manutenção do rumo das políticas, pois ela isolaria a equipe econômica das

pressões. Entretanto, essa capacidade é subproduto de outra: conquistar e sustentar apoio

político de diferentes grupos de interesse para o programa de reformas. Quanto maior o

êxito dessa ação do governo, maiores serão os graus de liberdade para a equipe econômica

agir.

No caso brasileiro, o fator determinante de ter a política comercial se afastado de

seu papel foi a dificuldade enfrentada pelo governo em controlar o contra-movimento das

reações, esta dificuldade por sua vez, foi aumentada principalmente pelas precárias

condições em que se encontrava o Estado brasileiro e pela estrutura político partidária do

país. Em outras palavras, este fato se deveu a uma característica intrínseca a todo processo

de mudança e às características internas do País.

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IV- METODOLOGIA

Esta tese discutirá a evolução da política comercial brasileira nos anos 90, à luz das

idéias econômicas que inspiraram as mudanças e transformações em um determinado

período da economia mundial. Este tema envolve, portanto, a relação entre economia e

história econômica e sintetiza-se no debate em torno da questão da influência das idéias

econômicas nas trajetórias das políticas de desenvolvimento.

Antes de prosseguir, cumpre fazer algumas considerações.

Primeiramente, está se chamando de política comercial a administração dos

instrumentos do sistema de proteção da economia brasileira. Partirá de uma estrutura que

convive com barreiras tarifárias, barreiras não tarifárias e controle da política cambial e se

chegará uma estrutura mais aberta, sem barreiras não tarifárias, mas ainda com controle da

política cambial (até janeiro/99). Contudo, o instrumento chave para estudar o

comportamento da política comercial será a taxa de câmbio.

Em segundo lugar, é preciso separar os três momentos que a política comercial

enfrentou, ao longo da década. O primeiro, no Governo Collor, quando a instabilidade

macroeconômica, combinada ao ingresso de capital estrangeiro, fez com que se

interrompesse o processo de redução das barreiras tarifárias e não tarifárias, além de ter

levado o Banco Central a intervir no câmbio, para sustentar uma taxa valorizada, que

ajudaria o controle sobre o nível de preços internos. O segundo, no Governo Itamar, quando

a estabilização da moeda estava sendo executada, e mais uma vez, a preocupação com o

controle do nível de preços, sustentada pelo nível de reservas internacionais, levou o

governo a acabar com as barreiras não tarifárias ainda existentes e reduzir as barreiras

tarifárias, além de ‘segurar’ a taxa de câmbio de maneira que as importações baratas

inibissem o ímpeto dos reajustes dos preços contribuindo para o controle da inflação. O

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terceiro, no Governo FH, quando a estabilização já estava sob controle, a abertura

comercial concluída, a taxa de câmbio foi deliberadamente ‘administrada’ para garantir a

consolidação da estabilidade diante do enfrentamento da forte instabilidade externa

provocada pelas crises financeiras do México, Coréia e Rússia.

Essa trajetória é a referência para se explicar o comportamento da política comercial

brasileira nos anos 90 porque ela é o subproduto do impacto da reação dos agentes às

mudanças que ocorriam na economia. Como uma das peças da reforma estrutural, a política

comercial sempre esteve suscetível aos elementos da dinâmica do ajustamento. Num

primeiro momento, quando as idéias discutidas e defendidas na economia internacional

estão sendo inseridas no discurso dos agentes econômicos, inclusive no governo. A seguir,

já com a implementação das medidas de ajuste, e sofrendo os efeitos das reações internas a

elas, a reforma passa a sofrer outro tipo de influência, a dos agentes internos. Sua trajetória

é, portanto, um misto de reação econômica e política fruto da relação existente entre o

Estado e a economia.

Essa relação produz resultados imprevisíveis e, portanto, incomensuráveis quando

da elaboração do programa da mudança. E nesse caso, ainda que as ações da política

econômica sigam os princípios previstos, o grau de sucesso na implementação de uma

medida depende muito mais dos fatores políticos, que dos econômicos.

Cabe lembrar que tanto o diagnóstico para os problemas enfrentados pelas

economias em desenvolvimento quanto o prognóstico recomendado para o ajuste não

levaram em consideração o efeito da reação dos agentes às medidas implementadas sobre o

próprio processo de mudança. Ou seja, falta incluir na análise a dinâmica do processo de

ajuste.

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Para explicar porque a política comercial afastou-se do papel previamente

estabelecido para ela, é preciso discutir esta dinâmica. É necessário considerar a interação

dos contextos, econômico e político que envolveram o processo de reestruturação porque

são neles que estão os elementos que explicam a trajetória da abertura comercial. É preciso

apresentar e interpretar os fatores objetivos – os axiomas do modelo da mudança – e os

subjetivos – as reações aos efeitos que as mudanças vão produzindo.

Esta é a contribuição que esta tese pretende oferecer ao debate: fazer uma reflexão

sobre os efeitos da interação dos elementos da economia com os da política sobre os rumos

de uma determinada medida. Como esta questão envolve aspectos de ordem analítica e

cronológica, a tese terá uma estrutura que é analítica e histórica. Iniciará com a

contextualização das condições da economia brasileira do final dos anos 80 vis-a-vis a

economia internacional, para que, através de uma perspectiva histórica, se possa recuperar

os elementos que definiram suas características e as interpretações que se formavam sobre

os seus determinantes. Esta análise tem o objetivo de demonstrar como surgiu a idéia da

política de desenvolvimento e, dentro dela, a abertura comercial. Essa discussão abrirá

espaço para o instrumento analítico da tese, que são os canais de penetração de um

determinado conjunto de idéias na economia. A seguir, discutirá a orientação das idéias

econômicas que definiram a agenda da mudança, com o propósito de demonstrar os canais

de penetração das idéias liberais na agenda do desenvolvimento adotada pelo País e

explicar por que houve essa penetração24. Nesse capítulo serão indicados os elementos que

fizeram a ponte entre a necessidade de reestruturação da economia brasileira e a natureza

do modelo de desenvolvimento adotada, destacando o Estado brasileiro. E finalmente,

demonstrará os desdobramentos do processo da reestruturação da economia sob a ótica da 24 Não se entrará no mérito de se aquela opção foi adequada ou não.

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política comercial, apresentando os elementos da dinâmica desse processo que, em última

instância, explicarão o fato de os instrumentos da política comercial terem sido utilizados

como instrumentos da política de estabilização.

Para fazer isto, recorrerei às bases do debate nos estudos acadêmicos e na imprensa

(jornais e revistas). Para tratar a questão das idéias, a literatura produzida e os discursos

travados nos jornais da época. Para a dimensão da política econômica, usarei as estatísticas

das fontes públicas e a literatura secundária disponível. O trabalho seguirá a seguinte

ordem, além dessa introdução.

O primeiro capítulo descreverá as condições da economia brasileira que se

apresentavam no final da década de 80, sobretudo a atenção sobre a perda de seu

dinamismo. Apresentará o debate doméstico sobre as questões da política econômica

relacionadas ao problema da restauração do crescimento. Mostrará as interpretações sobre

os fatores que estariam levando a economia ao desempenho pífio que vinha apresentando, e

as propostas de cada uma para sua recuperação. O objetivo desse capítulo é mostrar como a

idéia da abertura comercial penetrou no pensamento econômico brasileiro e qual o papel

que lhe fora atribuído, pelas linhas de interpretações, dentro do projeto da reforma da

economia.

O segundo capítulo mostrará como as idéias liberais penetraram na agenda

econômica brasileira. O grau de vulnerabilidade do país, face a força das idéias econômicas

que sustentavam o novo paradigma foram uma combinação perfeita para explicar as

influências daquelas idéias no diagnóstico e prognóstico para a economia brasileira. O

objetivo deste capítulo é discutir o poder político das idéias econômicas e apresentar seus

mecanismos (externos e internos) de influência sobre a economia.

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O terceiro capítulo, além de apresentar a política de liberalização comercial nos

anos 90, mostrará também como se deu o enfrentamento com o resto da economia. Em

outras palavras, mostrará o processo da transição de um regime de comércio fechado para

um aberto e a interdependência entre as medidas do projeto de reforma. Serão apresentadas

as dificuldades enfrentadas na transição que, invariavelmente, colocaram em conflito os

objetivos de curto e de longo prazo do projeto de reforma. O objetivo desse capítulo é

mostrar a necessidade da abertura comercial para a reestruturação produtiva da economia

brasileira e os elementos que explicam a dinâmica que esse processo assumiu.

O quarto capítulo, que abrange todo o primeiro mandato do Governo FH e o

primeiro bimestre do segundo, é aquele que apresenta a dinâmica do ajustamento, o

problema da coordenação. Mostrará a dinâmica política subjacente às reformas estruturais a

partir do Plano Real, a luta do governo para conquistar sustentabilidade política para as

reformas, os focos de resistências que elas criavam e o embate entre as forças domésticas

favoráveis e contrárias às mudanças em curso. Seu objetivo é mostrar que os fatores que

levaram a política de comércio exterior a afastar-se de seu desenho inicial têm um

componente político muito forte: a hesitação do governo para enfrentar as pressões de

dentro e de fora do governo que por sua vez é explicada pela dificuldade de promover o

insulamento da equipe econômica.

Finalmente, a conclusão, com as reflexões finais.

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PRIMEIRO CAPÍTULO

A CONCEPÇÃO DA AGENDA DA MUDANÇA

1.1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo descreverá as condições do setor produtivo e o desequilíbrio

macroeconômico brasileiro no limiar da década de 90, a partir da literatura doméstica do

período. Seu objetivo é mostrar como a idéia da abertura comercial foi introduzida no

debate sobre os problemas enfrentados pela economia a partir da década de 80. Este

capítulo pretende mostrar que embora foi sendo construído um consenso sobre a

necessidade de liberalização da política comercial brasileira, o papel que esta deveria

desempenhar era distinto nas distintas correntes econômicas em debate. Em especial, um

grupo de autores, que defendiam políticas econômicas ortodoxas, viam a idéia de reforma

da política comercial brasileira como um dos pilares da construção de uma nova estratégia

de desenvolvimento, que deveria substituir o fracassado modelo desenvolvimentista. Nessa

nova estratégia de desenvolvimento, a política comercial teria o papel de promover a

eficiência e competitividade do setor produtivo do País, de maneira a modificar

estruturalmente sua forma de inserção internacional.

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1.2 - AS CONDIÇÕES DO SETOR PRODUTIVO BRASILEIRO NO LIMIAR DA

DÉCADA DE 90

Por ter sido parte significativa da política industrial, a história da política de

comércio exterior brasileiro possui uma estreita relação com a da sua industrialização. Por

esta razão, recorrer-se-á aqui, aos indicadores da produção industrial e de desempenho

exportador, para caracterizar as condições da estrutura produtiva do País, relacioná-la com

a competitividade dos produtos brasileiros e demonstrar o papel da abertura comercial

dentro desse contexto.

Reiteradas vezes já se repetiu que o processo de industrialização através do modelo

da substituição de importação, concorreu para uma grande mudança estrutural da economia

brasileira resultando, além do excepcional desempenho econômico, numa expressiva

diversificação de sua pauta de exportação25. Durante quase trinta anos o país apresentou

uma taxa média de crescimento anual em torno de 7%26 e, no início da década de 80, os

produtos manufaturados correspondiam a quase 50% do valor exportado - sendo que as

exportações tinham crescido, aproximadamente, 17% a.a., no período 1966-198027. Entre a

25Entre 1975-80, a taxa de investimento/PIB manteve-se entre 22% e 24%, tendo alcançado 26% em 1975. Nesse período, a produção física da indústria de transformação cresceu a taxas médias anuais de 6,7%. Iglesisas(2001). 26 O PIB real foi multiplicado por 15 vezes em 40 anos e, a despeito de o crescimento populacional ter quase triplicado nesse período, foi possível multiplicar-se por mais de 5 o PIB per capita, ou seja, mantê-lo crescendo a uma taxa anual média superior a 4,2%. Em dólares de 1987, tal resultado significou um aumento do produto per capita de US$350 para US$2100. Werneck(1988) 27 Fritsch e Franco (1991). Sendo que a participação das exportações no PIB foi de 9,69%, 10,7%, 8,51%, 13,7%, 16%, 12,9%, 10,1%, 11,1%, 13,1% e 12%, respectivamente para 1980 a 1989.

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segunda metade da década de 70 e a primeira da de 80, registraram-se as taxas mais

elevadas do quantum exportado de produtos industrializados28 – TABELA 1.1.

A despeito disso, a participação de produtos intensivos em tecnologia ainda era

muito reduzida, cerca de 10%, e fortemente concentrada em produtos mecânicos29; e em

1980, as importações cobriam apenas 6,6% do consumo industrial30.

“(...) No princípio dos anos 80 a estrutura industrial brasileira apresentava

elevados graus de integração intersetorial e de diversificação da produção,

porém, com insuficiente desenvolvimento tecnológico, ineficiências técnicas e

econômicas específicas que limitavam sua competitividade, ausência de qualquer

padrão nítido de especialização e pouca integração com o mercado

internacional. Essas características gerais da estrutura industrial brasileira

refletiam-se no seu padrão de inserção internacional, caracterizado pela

exportação de bens intensivos em recursos naturais, energia e mão-de-obra

barata, e importação de bens intensivos em tecnologia, particularmente

máquinas, equipamentos e produtos químicos”31.

28 Segundo Iglesias(2001), o quantum total das exportações cresceu, no período 1975-2000, a uma taxa média de 6% a.a., enquanto a taxa média anual de crescimento das exportações mundiais, no mesmo período, foi de 5,1%. 29 Coutinho(1997) 30 Erber,F. e Vermulm,R.(1993). 31 Suzigan(1992).

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36

TABELA 1.1

TAXA DE CRESCIMENTO DO QUANTUM DAS EXPORTAÇÕES 1975-1991 – Taxas médias anuais - Períodos Selecionados Exportações Classe de Produtos

Período Totais Básicos Semimanufaturados Manufaturados

1975-80 7,2 1,5 15 16,3 1981-82 4,7 6,5 -10,3 6,3 1983-85 11,6 5,6 23,1 14,5

1986 -15,9 -31,4 -5,3 -6,7 1987-89 10,5 13,1 19 6,8 1990-91 -2,1 -0,5 0,3 -3,8 Fonte: Funcex

O efeito imediato dessa situação sobre o setor externo recaiu sobre os desempenhos

das exportações, que ficaram muito aquém das exportações mundiais, sobretudo, de países

em estágios de desenvolvimento equivalentes ao brasileiro. Observe na TABELA 1.2, a

taxa de crescimento das exportações brasileiras a partir da década de 80 cai para cerca de

20% do que fora até a 1ª metade da década de 80, mais ainda, bem menor do que a dos

NICs asiáticos.

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TABELA 1.2

TAXA MÉDIAS ANUAIS DE CRESCIMENTO DAS EXPORTAÇÔES MUNDIAIS

Em % 1975\71 1980\76 1985\81 1990\86

MUNDO 22,84 17,87 -0,44 12,57 BRASIL 25,93 18,35 4,92 4,84

UNIAO EUROPEIA 21,46 17,37 -1,27 15,96 AMERICA DO NORTE 18,68 14,79 1,06 11,29

JAPAO 23,61 18,36 6,31 10,28 NIC ASIATICOS 28,39 28,38 8,19 18,12

EU OCIDENTAL(OUTROS) 20,97 17 0,38 15,49 ASIATICOS MENOS DES. 23,58 21,14 2,31 16,56

EUROPA ORIENTAL 20,68 14,92 2,29 4,45 GOLFO 58,28 21,03 -14,03 5,51

AMERICA LATINA 20,43 18,69 -0,46 6,02 AFRICA MENOS DES. 23,3 21,83 -5,94 3,92

OUTROS 18,98 14,54 -0,96 11,23 Fonte Nonnenberg(1994)

Os resultados apresentados pela economia brasileira indicavam que ela estava se

afastando das tendências na economia mundial. Se quisesse acompanhar aquelas tendências

precisaria ajustar-se a ela32. Entretanto, naquele momento, o País enfrentava a maior

restrição externa que já havia experimentado. Os esforços para promover os ajustes interno

e externo absorveram a maior parte da atenção do governo, e se concentraram na adoção de

políticas voltadas para restringir a demanda interna e para expandir as exportações33.

32 SUZIGAN(1992): “(...)consolidavam-se nas principais economias capitalistas as tendências à introdução de inovações tecnológicas, gerenciais e organizacionais que mudavam radicalmente a base técnica da indústria e conformavam um novo padrão de desenvolvimento industrial”. 33 O desenho da política de comércio exterior desse período, apesar de tocar no papel da competitividade no desempenho exportador, não abordou os determinantes estruturais da competitividade das exportações brasileiras. Ateve-se às urgências de curto prazo do setor externo. A idéia que passava era de que o importante era encontrar soluções de curto prazo até que as condições externas retornassem ao que eram antes da crise da dívida. Por esse motivo, o que se presenciou inicialmente foi um recrudescimento do protecionismo e uma forte desvalorização real da taxa de câmbio, com o objetivo de gerar superávits comerciais. Somente na segunda metade da década os esforços de estabilização começaram a serem acompanhados pela abertura comercial.

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No período 1981-1987, a taxa média anual de crescimento do PIB caiu para menos

de 2,8% e a taxa de investimento/PIB foi para 18% a.a34, nos anos 1981, 1983 e 1988 as

taxas de crescimento foram negativas35. E, para alívio da política de comércio exterior, as

exportações responderam ao objetivo da política de ajuste externo – TABELA 1.1. Isto,

possivelmente, foi um dos principais fatores que levou o governo a colocar em segundo

plano as mudanças em curso na economia mundial, bem como seus efeitos sobre a

economia brasileira.

As ações da política econômica voltaram-se para promover saldos positivos na

balança comercial subestimando os efeitos dos desequilíbrios da estrutura produtiva sobre o

próprio setor exportador36. Por essa razão, o desempenho exportador foi antes, resultado da

política de estabilização, e não de uma política industrial eficiente37. É por isso que, ainda

que em termos domésticos o desempenho das exportações fosse satisfatório, ele caíra,

comparativamente ao desempenho de outros países em desenvolvimento, em especial aos

dos países asiáticos, e mesmo em comparação com o crescimento do comércio mundial.

Isso num momento em que:

34 Werneck(1988) 35 IPEADATA – Taxa Variação do PIB real:

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 9,2 -4,25 0,83 -2,93 5,4 7,85 7,49 3,53 -0,06 3,16 36 A FBKF em proporção ao PIB foi de 17,51% entre 1986-89; 14,76% entre 1990-93 e 15,94% entre 1994-96. Coutinho(1997) 37 É importante ressaltar também que a própria redução da capacidade produtiva, provocada pelas políticas restritivas, afetou o desempenho das exportações. Para Iglesias(2001), houve uma virtual estagnação da produção industrial. Ele cita que a produção industrial de 1989 foi 2,9% maior do que a de 1988, mas igual à de 1987. Para ele, foi a recessão que, combinada com a política cambial, sustentou os resultados das exportações.

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“(...) já se impunha, a necessidade de mudar o padrão de desenvolvimento

industrial e tecnológico tendo em vista um contínuo upgrading da estrutura

industrial brasileira. Isto significa não só incorporar as mudanças tecnológicas e

gerenciais/organizacionais à indústria já estabelecida como também desenvolver

as indústrias representativas das novas tecnologias. Somente assim teria sido

possível sustentar e impulsionar o crescimento da produtividade e do nível de

emprego”38.

Outro efeito colateral dessa situação recaía sobre a capacidade de inserção externa

das exportações brasileiras. Segundo dados do Banco Mundial – TABELA 1.3 – o Brasil,

não apenas respondia por menos de 1% das exportações mundiais, mas estagnara sua

posição nesse patamar desde os anos 80. Nas palavras de Suzigan(1992), a situação da

indústria brasileira no início dos anos 90 era de : “(...) falta de dinamismo, atraso

tecnológico, fortes desequilíbrios na estrutura produtiva e infra-estrutura ineficiente”.

TABELA 1.3

PARTICIPAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS (em %)

1980 1985 1989 1990 1991 1,01 1,32 1,13 0,92 0,92

Fonte: World Bank

38 Suzigan(1992:4)

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40

1.3 – AS CONDIÇÕES MACROECONÔMICAS

Do esforço macroeconômico, empreendido desde o início dos anos 80 para alcançar

o ajuste externo, resultaram dois desequilíbrios internos: (i) a desordem das finanças

públicas (TABELA 1.4); e (ii) aceleração da inflação. Quanto ao primeiro desequilíbrio, a

deterioração da poupança pública (TABELA 1.5) é seu resultado mais emblemático.

Embora encontre respaldo no aumento dos gastos dos governos estaduais, que se seguiu à

restauração da democracia - a erosão do largo superávit primário foi determinada pelo

impacto cumulativo da aceleração da inflação sobre as receitas tributárias (efeito Tanzi) e

da alta taxa de juros paga com o aumento do déficit público. A erosão da poupança pública

somou-se à queda dos fluxos externos de financiamento e à redução dos ganhos de

seignoriage, devido à contração na demanda por moeda causada pela elevação das taxas de

inflação, ameaçando seriamente o financiamento dos programas do governo. Isso levou ao

desaparecimento da capacidade de investir do setor público e teve um significativo impacto

sobre toda a formação de capital da economia brasileira, dado o grau de complementaridade

que existia entre o investimento público e privado no Brasil. A partir daí, começou a haver

um distanciamento entre o papel esperado do Estado no processo de alocação de recursos

na economia e aquele que ele era capaz de assumir.

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TABELA 1.4

Fonte: Banco Central do Brasil: “Dívida Externa e Necessidade de

DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO - % PIB GOVERNO ESTADOS E EMPRESAS

ANOS CENTRAL MUNICÍPIOS ESTATAIS TOTAL INTERNA EXTERNA 1982 8,9 6 17,9 32,8 14,9 17,9 1983 19 6,5 26 51,5 18,4 33,1 1984 21,7 7 27,1 55,8 22,4 33,4 1985 18,9 7,1 26,6 52,6 21,7 30,9 1986 20 6,6 22,9 49,4 20,6 28,8 1987 20,4 7,9 22 50,3 19,3 31 1988 19,6 6,7 20,6 46,9 21,3 25,6 1989 19,9 5,9 14,4 40,2 21,7 18,5 1990 15,2 7,8 17,6 40,6 17,8 22,8

Financiamento do Setor Público”, ago/99

A aceleração da inflação, por sua vez, levou a uma quase estagnação da atividade

industrial devido à erosão dos salários reais e da queda no consumo. Contudo, sem

desprezar os efeitos dos choques inflacionários enfrentados, seu principal determinante era

o déficit público e seu financiamento. O controle dos preços dos serviços públicos e os

enormes subsídios, durante a maior parte do período, somados às enormes transferências do

governo central contribuíram significativamente para o desequilíbrio fiscal. Entre 1982-88,

o déficit público operacional saltou de 2,9% para 7,7% do PIB, que foi, depois de 1981,

praticamente todo financiado internamente, exceto em 198339.

As pressões pelo lado do déficit doméstico eram significativas. Qualquer aumento

na taxa de juros interna aumentava a necessidade de financiamento do setor público. Como

39 World Bank (1990)

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42

todo estoque de títulos era trocado no overnight, ambas as políticas tinham o mesmo

impacto sobre a demanda agregada e sobre os preços. Mais ainda, um outro elemento veio a

se somar aos anteriores para aumentar as necessidades de financiamento do setor público, a

socialização da dívida externa privada.

Enfrentou-se também dificuldades pelo lado do câmbio. A cada desvalorização,

aumentava-se o custo do serviço da dívida em moeda doméstica, além de criar um novo

impacto inflacionário, preocupante num contexto de inflação elevada e crescente. Assim, se

por um lado a política cambial fosse utilizada para promover o ajuste externo por outro, ela

comprometeria a estabilidade interna. Isto impôs a necessidade de um controle intenso

sobre o câmbio e dos instrumentos cambiais que, não invariavelmente, acabava

reproduzindo uma taxa sobrevalorizada, onerosa para os exportadores, mas conveniente

para o governo e outros devedores em moeda estrangeira. Nesse sentido, para garantir essa

conveniência bem como os resultados do comércio, o governo precisava exercer um rígido

controle direto sobre operações em moeda estrangeira. Ou seja, precisava utilizar-se de uma

política discricionária, e menos transparente, sobre o câmbio. Sem contar que esse sistema

era mais dispendioso sobre o ponto de vista fiscal porque se sustentava mais sobre barreiras

não tarifárias, que não aumentam as receitas do governo como as tarifas; e, porque

dependia da instituição de benefícios fiscais para incentivar as exportações.

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TABELA 1.5

BRASIL: CONTA CORRENTE DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS 1978-93

Em % do PIB DESPESAS OUTRAS DESPESA RECEITA POUPANÇA

ANO RÍGIDAS* DESPESAS** TOTAL TRIBUTÁRIA GOVERNO

1978 15,7 4,64 20,34 25,68 5,34 1979 15,62 4,83 20,45 24,66 4,21 1980 15,06 6,68 21,74 24,44 2,7 1981 16,39 5,66 22,05 25,18 3,13 1982 18,57 5,65 24,22 26,13 2,01 1983 19,31 6,11 25,42 26,87 1,45 1984 18,98 4,69 23,67 24,21 0,54 1985 19,04 4,77 23,81 23,81 0 1986 18,63 5,07 23,7 26,5 2,8 1987 18,44 6,21 24,65 24,26 -0,39 1988 19,64 6,31 25,95 23,36 -2,59 1989 22,39 7,07 29,46 23,74 -5,72

1990 21,44 7,42 28,86 29,65 0,79 Fonte: Varsano(1996):dados e conceitos das contas nacionais, eliminando as receitas e despesas que correspondem a correções monetárias (*) Salários e Encargos + Assistência e Previdência + Juros da Dívida Interna e Externa (**) Subsídios + Bens e Serviços

Essa estratégia acabava comprometendo o desempenho exportador, seja porque não

contava com uma ação concreta que resultasse no avanço da produtividade e/ou da

produção industrial do País40, seja porque desconsiderava a necessidade de importação das

exportações. Era nitidamente uma política de curto prazo, servindo-se de instrumentos

recessivos, de um aparato regulatório e uma política cambial, que contornavam a falta de

competitividade, e permitia obter saldos comerciais positivos. Não há nela qualquer

intenção em se atacar os desequilíbrios do setor produtivo da economia.

40 Para Iglesias(2001), houve uma virtual estagnação da produção industrial.Ele cita que a produção industrial de 1989 foi 2,9% maior do que a de 1988, mas igual à de 1987.

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Erber & Vermulm(1993:38) definiram com precisão o caráter do protecionismo

naquele período, chamando atenção que este não cumpria mais o papel de servir a uma

política industrial:

“(...) As partes do aparato regulatório herdado dos anos 70 permaneceram

formalmente de pé, mas sofreram um processo de deterioração que se acelera ao

longo da década. A proteção contra as importações aumenta via procedimentos

administrativos (por exemplo, orçamento de divisas por empresas). No entanto,

seu único objetivo passa a ser a obtenção de saldos comerciais para servir à

dívida externa, sem qualquer sentido de estratégia industrial – o que contribuiu

para a sua progressiva perda de legitimidade”.

Resumindo, o desafio de ter que enfrentar, simultaneamente, pressões de ordem

interna – desequilíbrio macroeconômico e defasagem tecnológica – e externa – acompanhar

as tendências da economia internacional - estimulou o reexame das vantagens líquidas da

adoção continuada de um modelo de crescimento com proteção. Além disso, crescia a

percepção de que aquela estratégia de desenvolvimento industrial, calcada na escolha de

alguns setores estratégicos, gerava altos custos devido às dificuldades que impunha para a

economia acompanhar as tendências tecnológicas internacionais. Isso acabava

comprometendo sua capacidade de inserção externa além de acelerar a perda de

credibilidade do País diante da persistência dos desequilíbrios econômicos. Concretamente,

o desafio para a economia brasileira era o de encontrar um meio para (re)construir uma

economia mais eficiente e competitiva.

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1.4 – AS INTERPRETAÇÕES SOBRE AS CAUSAS DA QUEDA DO DINAMISMO

DA ECONOMIA

Em termos gerais, pode-se dizer que o debate sobre a economia brasileira a partir da

segunda metade dos anos 80 concentrava-se em dois grandes pólos: os desequilíbrios da

estrutura produtiva e a instabilidade macroeconômica. Identificados através dos baixos

níveis de produtividade41 e competitividade do setor manufatureiro brasileiro42, e

explicados pela elevada proteção do mercado interno e pela instabilidade macroeconômica.

Mais ainda, dada a especificidade das condições e características da economia nos anos 80,

essa discussão foi amplamente associada ao desempenho das exportações43.

No âmbito da discussão sobre competitividade/produtividade, me foi possível

identificar, na literatura doméstica, duas linhas básicas de interpretações44. Uma

41 Há duas metodologias para se medir a produtividade: a da produtividade total dos fatores e a da produtividade parcial. Em termos de Brasil, até a década de 90, predominou a segunda, quando a produtividade era medida pela produtividade do trabalho – relação entre valor agregado e número de horas trabalhadas ou de pessoas ocupadas. 42 Cumpre destacar que o interesse sobre o tema “produtividade” não era inédito na literatura, ainda que, até os anos 90, conforme consideraram Sabóia e Carvalho(1997), tivesse sido tratado de forma subsidiária. Candal(1977), medindo o nível de industrialização pela participação do produto industrial no PIB, verificou que os setores primário e terciário apresentavam níveis elevados de produtividade em detrimento ao secundário, identificando assim, um desnivelamento da produtividade na economia brasileira. Na década de 70, o tema é tratado sob o argumento da evolução dos salários industriais. Um trabalho representativo sob esse aspecto, foi o trabalho de Bacha e Mata(1976), que concluiu que os aumentos relativos de salário tinham pouca relação com os da produtividade, observados por gênero de indústria, e que foram os trabalhadores não ligados à produção (burocratas) que se apropriaram da maior parte dos ganhos de produtividade no período 1949-1969. Na década de 80, o tema da produtividade passou a ser tratado sob a ótica do mercado de trabalho. Para Calabi e Luque(1985), a produtividade tendia a crescer mais intensamente nas fases de expansão da produção do que nas de retração, e que esse crescimento teria impacto estabilizador sobre os custos salariais unitários e os preços industriais. 43 Coutinho e Ferraz(1992) atribuem esse fato à busca da qualificação do desempenho exportador brasileiro. O que se observou, por exemplo, nos trabalhos de Castro e Souza(1985) e Araújo Jr.(1982 e 1984). 44Observe-se que, como toda classificação, esta é uma simplificação. Dentro dessas duas correntes há vários pontos de convergência e divergência entre os autores. Preferi correr o risco de alguma imprecisão, em nome da clareza, isto é, preferi dar um tratamento similar aos tipos ideais weberianos, que foram tão bem usados na história econômica brasileira por autores como Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, por exemplo.

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micro/macroeconômica ortodoxa, que vincula a competitividade ao desempenho do

comércio exterior e supõe uma causalidade entre o funcionamento dos mercados e ganhos

de competitividade.

Esta corrente considera as políticas intervencionistas do Estado como sendo o

elemento chave para explicar a perda de competitividade do setor produtivo, uma vez que

elas interferem no processo de formação dos preços. A competitividade seria, portanto, uma

questão de custo: se a competição não é distorcida, os preços conduziriam a uma

especialização eficiente a partir de alguma vantagem relativa à dotação de fatores.

Defendem, portanto, os mecanismos de mercado como o meio mais eficiente para a

alocação dos recursos e transferem os conceitos de eficiência do mercado doméstico para o

comércio exterior e implicitamente sustenta que a intervenção do Estado atua como um

obstáculo para o objetivo de alcançar o máximo da competitividade internacional. Para ela

o papel que caberia ao Estado, no sentido de promover ganhos de produtividade, seria o de

implementar e garantir políticas macroeconômicas que concorram para a estabilidade e

transparência dos mercados, capazes de sinalizar aos agentes as oportunidades ótimas de

alocação de recursos. Nesse sentido, recomendam a desregulamentação dos mercados e a

eliminação de distorções nos mecanismos de formação dos preços, de maneira que esses

últimos possam ser a expressão da eficiência. Em outras palavras, a competitividade está

condicionada aos instrumentos de política macroeconômica.

A outra linha é, preponderantemente, microeconômica e incorpora alguns conceitos

mais complexos. A competitividade não se explica apenas em termos de desempenho

comercial. Para essa linha, uma definição mais realista do conceito de competitividade

deveria atender a espaços mais amplos, pois apesar de que, ao se falar de competitividade

internacional de uma economia, ou seja, ao se falar da competitividade de suas empresas,

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essa questão envolve também algum envolvimento do governo para promover essa

competitividade, que inclui tanto a configuração produtiva como aspectos institucionais

(que estão além dos produtivos). Esta linha considera a competitividade como uma

construção, não como um processo guiado unicamente pelas forças de mercado. Ela vê a

competitividade como um conceito dinâmico, relacionado com a capacidade de se adequar

a um contexto de mudança permanente, no qual existem falhas de mercado, e a eficiência

se mede não em termos estáticos. É preciso considerar os aspectos tecnológicos e

institucionais. Nesse sentido, o Estado teria um papel central na construção da

competitividade. Caberia às políticas públicas fortalecer as externalidades positivas, às

firmas como forma de melhorar o desempenho econômico de longo prazo. Para isso, seria

necessária uma política industrial que promovesse um ambiente favorável às firmas que

deveriam estar acompanhadas de políticas macroeconômicas que viabilizassem a oferta de

bens coletivos, infraestrutura, educação e pesquisa, enfim, que cobrissem as falhas de

mercado.

Os principais trabalhos produzidos dentro da primeira linha foram os de

Pinheiro(1989), Bonelli(1991), Fritsch e Franco(1991) e Franco(1998). Na segunda linha

estão os trabalhos de Araújo Jr.(1992), Araújo Jr.(et alli)(1989), Suzigan(1992), Coutinho e

Ferraz(1992) e Erber e Vermulm(1993). Através deles, foi possível não apenas retratar as

condições do setor produtivo brasileiro no limiar da década de 90, mas, sobretudo,

identificar as diferenças de interpretações e, conseqüentemente, as sugestões que ofereciam

para a política de desenvolvimento que se propunha a alcançar o aumento progressivo da

competitividade da economia, principalmente, o papel que se esperava da política

comercial, dentro do projeto de reestruturação da economia brasileira.

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ARAUJO JR. et alli(1989), procuraram mapear as condições da competitividade

vigentes na economia45 e concluíram que as evidências encontradas levavam a duas

direções:

“Em primeiro lugar, a base da estrutura industrial brasileira é, sem dúvida,

competitiva, o que oferece perspectivas alentadoras quanto ao desempenho da

economia a médio prazo. A origem desta eficiência é conhecida: reside na idade

tecnológica da capacidade produtiva desses setores, que foi renovada e ampliada

durante a década de 70. O aproveitamento desta vantagem no interior de cada

complexo é, obviamente, desigual, posto que a heterogeneidade é um traço

inevitável em qualquer sistema produtivo contemporâneo. Em segundo lugar, os

instrumentos de política industrial tornaram-se inoperantes nos anos 80,

conforme demonstra a assimetria entre os privilégios oferecidos erraticamente

pelo aparato protecionista e as necessidades diferenciadas dos agentes

econômicos. (...) De fato, um dos aspectos centrais da crise brasileira atual é o

conflito entre a modernidade heterogênea da economia e o envelhecimento

precoce das instituições governamentais”.

Segundo suas estimativas, dentre os fatores determinantes da competitividade da

economia brasileira, estava o custo da mão-de-obra – os salários brasileiros estavam entre

os menores do mundo, cerca de 10% a 20% dos níveis vigentes nas economias

industrializadas. Os setores intensivos em mão-de-obra, cuja tecnologia estivesse difundida,

contariam com algum diferencial para acesso ao mercado internacional46.

45 Para esses autores, uma economia é competitiva na produção de uma determinada mercadoria quando consegue pelo menos igualar os padrões de eficiência vigentes no resto do mundo quanto à utilização de recursos e à qualidade do bem. Lembram que tal capacidade, em princípio, é transitória, pois resulta de fatores mutáveis que operam no âmbito da firma, do setor, e da economia. Consideravam também que, apesar desse tema ter-se tornado recorrente nos debates econômicos do País, faltava critério metodológico mais completo, que produzisse conceitos mais precisos sobre competitividade. Sugeriram que tal conceito deveria: (i) evitar que a noção de competitividade fosse confundida com seus efeitos, como por exemplo, lucratividade e desempenho exportador, ou com suas causas prováveis, como a atualização tecnológica, ou ainda, ações da política econômica - política cambial, de subsídios, controle de preços e de salários; (ii) permitir que a competitividade fosse tratada em diferentes níveis de agregação. Esse trabalho procurou analisar a questão da competitividade sem incorrer nesses erros metodológicos. 46 Contudo, ressaltaram também, que além dos custos de mão de obra, as exportações brasileiras vinham sendo beneficiadas pelas restrições às importações, pelos incentivos fiscais e creditícios às exportações e à

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Para Suzigan(1992:13), até meados dos anos 80, a queda da produtividade causada

pela crise foi “contornada” pela redução do nível de emprego (e do número de horas

trabalhadas) em relação à redução da produção. Quando em 1984/85 a produção apresentou

sinais de recuperação, o nível de emprego não se recuperou, de maneira que, em 1985 a

produtividade de toda indústria, extrativa e de transformação, era 20,5% mais elevada do

que a de 1980. Essa tendência se inverteu – houve queda da produtividade - no final da

década, quando a nova recessão resultou em nova queda da produção maior que a do nível

de emprego. Contudo, uma vez que houve redução no número de horas trabalhadas, a

produtividade medida em relação ao número de horas trabalhadas caiu menos, registrando-

se assim um aumento de 15,7% no período 1980-1990. Em sua avaliação, esses resultados

eram medíocres, quando comparados aos extraordinários aumentos da produtividade

industrial dos países avançados no mesmo período47. Além disso, preocupava também o

fato de que

“(...) A característica singular a ser ressaltada quanto ao desempenho da

indústria no período 1981-1990 é a orientação de uma parcela crescente da

produção para o mercado internacional, (...) em boa parte apoiada em

incentivos/subsídios, compressão de salários e desvalorizações cambiais

periódicas, representou uma saída à crise no mercado interno, em lugar de uma

estratégia de expansão das empresas, embora em alguns poucos casos essa

estratégia se verifique, inclusive com base em significativos avanços

tecnológicos.

Essa expansão das exportações de produtos industrializados foi fortemente

concentrada em segmentos dos complexos metalmecâncio, químico/petroquímico

e celulose e papel, (...) e apoiou-se também na ampliação das exportações

tradicionais (têxtil e vestiário/calçados) e de produtos de borracha.

política cambial. As restrições às importações foram tão acirradas que entre 1980 e 1987, o Brasil foi o país do terceiro mundo que sofreu o maior número de processos antidumping. 47 No período 1980-87 os aumentos de produtividade industrial no Japão foi 70,5%, Bélgica 65,4%, Itália 58,9%, Grã-Bretanha 48,1%, Holanda 44,7%, França 41,2%, Suécia 39,9%, EUA, Alemanha Ocidental e Noruega 34,2%.

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50

Reforçou-se assim, durante os anos oitenta, a inserção internacional da

indústria brasileira com base nos segmentos representativos do padrão anterior

de desenvolvimento e em produtos intensivos em recursos naturais, energia e

mão-de-obra barata. Para isso contribuíram os determinantes espúrios de

competitividade: retração da demanda interna, desvalorizações reais periódicas

da taxa de câmbio, compressão do salário real, rigoroso controle de preços no

mercado interno e incentivos/subsídios fiscais e creditícios”48.

O trabalho de Pinheiro(1989) discutiu a questão da produtividade a partir dos

elementos que determinam o crescimento da Produtividade Total dos Fatores (TFP) na

indústria manufatureira brasileira. Como para ele a competitividade depende da

produtividade dos fatores de produção e da relação entre os custos domésticos e a taxa de

câmbio, sem melhoras nos níveis de produtividade, um bom desempenho exportador

somente seria alcançado através de contrações da demanda doméstica e/ou de política

cambial que altere a produtividade dos fatores de produção e favoreça as exportações.

Exatamente por esse motivo, a lenta expansão do estoque de capital nos anos 80 levou a

uma queda na produtividade total dos fatores, a um menor aumento da força de trabalho e,

conseqüentemente, à queda no ritmo do crescimento do PIB49. Contudo, ressaltou

Pinheiro(1989), para se conhecer melhor a causa das diferenças da produtividade é

necessário um estudo setorial detalhado em que se leve em consideração o regime e as

políticas de comércio do País50.

48 Suzigan(1992). 49 Veja, Pinheiro(1989), em artigo no Jornal Valor Econômico, em 27,28 e 29 de jun de 2003, comenta: “(...) Comparando-se 1930-80 com 1981-93, quando o PIB cresceu 1,6% a.a., observa-se que a queda no crescimento do PIB resultou de uma lenta expansão do estoque de capital, uma queda na produtividade total dos fatores e um menor aumento da força de trabalho. Da queda de 4,8 pontos percentuais no crescimento do PIB, metade (2,4 pontos percentuais) resultou do ritmo mais lento de acumulação de capital, vindo em seguida a queda da produtividade total dos fatores (responsáveis por reduzir em 2,2 pontos percentuais a taxa de crescimento do PIB), e por último a menor expansão do emprego”. 50 O mesmo que sugeriu Tavares Jr. et alli(1989).

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Bonelli(1991), discutiu a relação entre o crescimento do produto, a mudança na TFP

e o desempenho exportador dedicando uma atenção especial ao papel do crescimento das

exportações e substituição de importações. E, apesar de admitir que havia muitas

explicações e pouco consenso, quanto a qual causa seria mais proeminente entre todas51,

construiu dados – TABELA 1.6 – com as médias anuais estimadas para a taxa de

crescimento do produto e as variações na TFP no Brasil, entre 1975-1985, para os quais

cabe alguma reflexão.

A primeira refere-se à diferença entre os valores da década (1975-1985) e os dos

qüinqüênios. No primeiro, a taxa de crescimento anual do produto chegou a 7,86%

enquanto a variação na TFP foi apenas 0,5%. Durante o período 1980-85, a taxa de

crescimento foi de 1,05, próxima à da TFP (1,09). O fato curioso aí é que a taxa de variação

na TFP entre 1981-83 foi maior que a do período anterior, de crescimento acelerado. Para

Bonelli, a explicação para tal resultado está no ajuste processado nas empresas aos

reduzidos níveis de demanda agregada.

51 Bonelli cita Nishimizu and Robinson (1986) que apresentaram 3 hipóteses para a relação entre políticas de comércio e desempenho da produtividade: (i) A primeira é a existência de associação direta entre o crescimento do produto e o da produtividade ( Lei de Verdoorn, quando expressada em termos de produtividade do trabalho). O argumento baseia-se na existência de economia de escala observado especialmente na indústria manufatureira. A expansão do mercado através do comércio aumentaria a produtividade e levaria a redução de custo de produção. Embora usualmente feito em termos de expansão de exportação, esse argumento aplica-se também à substituição de importação – cujo resultado final dependeria do tamanho e da estrutura do mercado doméstico;(ii) Refere-se ao desafio do mecanismo de resposta e, embora não esteja bem formalizado na literatura, refere-se à eficiência das exportações: permitindo-se a competição internacional através da liberalização do comércio (e da promoção das exportações) e provável que se aumente a eficiência doméstica e haja uma redução nos custos. Políticas protecionistas, por outro lado, tendem a reduzir a competitividade e levar a ineficiência, o mesmo ocorrendo com o excesso de subsídios às exportações. Na sua essência este argumento sustenta que a cadeia causal que leva ao crescimento das exportações e substituição de importações levará ao aumento da produtividade conforme o impacto que tiver no incentivo à redução dos custos e sobre a estrutura dos mercados. Os críticos dessa visão argumentam que, embora seja possível que a maximização dos lucros levem a redução dos custos, isto não garante aumento na competição;(iii) surge na literatura que trabalha sobre os reflexos da restrição de recursos externos, e sustenta que nos países em desenvolvimento bens de capital e de bens intermediários não são bem substituídos por suas produções domésticas devido ao atraso do progresso técnico. Proteção ou repressão à importação levarão portanto ao desempenho menos eficiente que políticas que aumentem a disponibilidade de bens de capital e insumos, tais como as políticas de promoção de exportação. É importante notar que, de acordo com essa visão, as exportações são importantes apenas como fonte de recursos externos.

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Coutinho e Ferraz(1992)52, comparando a situação da indústria brasileira com a das

economias desenvolvidas, também verificaram que ela contrastava-se com a rapidez e a

profundidade das inovações tecnológicas em curso naquelas economias. Para eles, o

problema estava no fato de que, apesar de a política industrial do modelo de substituição de

importação ter gerado “uma industrialização razoavelmente completa, ela também resultou

na atribuição de importância menor à ciência e ao desenvolvimento de tecnologia”53.

“(...)As empresas industriais brasileiras, com poucas exceções, não

desenvolveram capacitação inovativa própria. O esforço tecnológico acumulado

ao longo do processo de substituição de importação limitou-se àquele necessário

à produção propriamente dita.

A insuficiente capacitação das empresas nacionais para desenvolver novos

processos e produtos, aliada à ausência de padrão nítido de especialização da

estrutura industrial brasileira e à sua deficiente integração com o mercado

internacional, constituíam-se, já naquele momento, em elementos potencialmente

desestabilizadores do processo de industrialização brasileiro.

A crise macroeconômica (dívida externa e conseqüente desorganização das

finanças públicas) mobilizou o Estado, inviabilizando a formulação de uma

política industrial e tecnológica que se seguisse à política de substituição de

importação. Num quadro de crescente instabilidade macroeconômica e

aceleração inflacionária, processa-se um ajuste industrial defensivo, com

contração de investimentos, estagnação da produção e queda da renda per

capita”.

(...) A situação brasileira contrasta com a rapidez e a profundidade das

inovações tecnológicas em curso nas economias desenvolvidas, configurando um

panorama preocupante. Há uma incontornável urgência histórica: é preciso

enfrentar e resolver a crise econômica, com a formulação simultânea de um

projeto de desenvolvimento competitivo que restabeleça na economia brasileira,

a esperança e a confiança em si própria.

A erosão da competitividade no Brasil manifesta-se na perda de importância

do país no comércio internacional na segunda metade da década de 1980.

52 Pesquisa realizada para diagnosticar a competitividade da indústria brasileira. 53 Gasto nacional em P&D de menos de 1% do PIB ao ano, até a década de 90.

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Embora o perfil das exportações tenha evoluído no sentido de maior presença

de produtos industrializados, a inserção atual da indústria brasileira no mercado

internacional, coerentemente com o quadro acima descrito, caracteriza-se pela

exportações de commodities intensivas em recursos naturais e/ou energia e de

bens intensivos em mão-de-obra barata: por exemplo, commodities como

celulose, papel, suco de laranja, farelo de soja e minérios semi-processados, têm

excelente desempenho exportador”.

Esses autores têm uma visão dinâmica da competitividade, na medida que para eles

tanto o desempenho quanto a eficiência são resultados de capacitações acumuladas e das

estratégias competitivas adotadas pelas empresas em função de suas percepções quanto ao

processo concorrencial e ao meio ambiente econômico em que estão inseridas. Assim, o

sucesso competitivo depende da criação e da renovação das vantagens competitivas por

parte das empresas.

Fritsch e Franco(1991) também admitem a inegável diversificação da pauta de

exportação, mas percebiam nela uma certa ambigüidade: a redução da participação das

importações na demanda doméstica concomitantemente a uma tendência à diversificação e

produção de bens de maior valor agregado54. Para esses autores, tal ambigüidade era

inerente às iniciativas de políticas outward orientation que, ao mesmo tempo que

apontavam para o desenvolvimento de potencial para inserção externa - propensão a

exportar -, tomavam rumo distinto com a adoção de políticas voltadas para redução das

importações:

54 Com efeito, as importações declinaram significativamente nos anos 80. O total das importações caiu para 2,3% a.a., sendo que, se desconsiderar o combustível, a queda é ainda maior no início da década. Ao final da década, com a queda dos preços do petróleo e o aumento da produção doméstica, as importações (sem petróleo) recuperaram-se, mas sem aumentar as importações gerais. Em conseqüência disso, o Brasil pode obter um impressionante ajuste em sua balança comercial: de um pequeno superávit de US$780 milhões em 1981 e um déficit de US$16,3 bilhões em 1982, para um superávit comercial de US$13,1 bilhões e um de US$44 milhões em transações correntes, em 1984. Fritsch e Franco (1991), op.cit.

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“(...)A contínua qualificação e diversificação das exportações iniciadas no final

dos anos 60 é claramente percebida. (...) As forças que concorreram para essas

mudanças são complexas. No todo, contudo, resultaram da combinação de dois

conjuntos de fatores. O primeiro, foi o estímulo dado aos produtores de bens

tradeable pelas políticas macroeconômicas motivadas pela necessidade de ajuste

externo no início das dificuldades do balanço de pagamento que culminaram na

crise da dívida. Pequenas desvalorizações do câmbio e contrações cíclicas da

demanda doméstica estão entre as influências macroeconômicas no desempenho

do comércio. Além do mais, um determinante fundamental ao comportamento das

importações foram as políticas repressivas de importações, reguladas pelo vasto

número de instrumentos de política industrial, que se seguiu depois do segundo

choque do petróleo. Da mesma forma que, a manutenção de uma bateria de

incentivos fiscais, construídos a partir da segunda metade dos anos 60, teve

papel fundamental para o desempenho das exportações. O segundo, está no

conjunto de fatores estruturais que justificaram o rumo da competitividade das

manufaturas brasileiras desde o final dos anos 60. Esses fatores vão desde as

dinâmicas economias geradas durante o processo de maturação industrial até as

influências exógenas determinadas pela integração da maioria das empresas

com a indústria global, um processo para o qual as filiais locais das

multinacionais jogaram um importante papel”.

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TABELA 1.6

BRASIL: PRODUTO E VARIAÇÕES DA TFP (% anual)

1975-1980 1980-1985 1975-1985 SETOR PRODUTO TFP PRODUTO TFP PRODUTO TFPEXTRAÇÃO MINERAL 6,16 -0,66 11 6,96 9,01 3,31MINERAIS N METÁLICOS 7,52 0,84 -3,75 1,66 1,73 1,3 METAIS BÁSICOS 8,45 0,37 -1,04 0,91 3,6 0,67EQUIP.MECÂNICOS 10,82 4,12 -5,52 -1,01 2,32 0,95EQUIP.ELÉTRICOS 10,79 4,3 4,99 4,37 7,85 4,33EQUIP.TRANSP. 5,92 1,85 1,07 2,97 3,87 2,36PROD.MADEIRA 7,58 1,41 -5,95 0,07 0,6 0,72MÓVEIS 8,31 1,83 -7,43 -2,01 0,1 -0,67PAPEL E CELULOSE 11,64 1,91 2,92 2,09 7,19 2 PROD.BORRACHA 6,54 2,01 -0,01 3 3,22 2,63PROD.COURO 8,62 1,86 -3,78 -3,37 2,23 -0,9QUÍMICOS 8,87 1,29 3,53 3,12 6,2 2,32FARMACÊUTICOS 2,54 -2,33 1,77 1,77 2,15 -0,24PERFUMARIA 9,26 4,5 4,05 1,21 6,62 1,03PLÁSTICOS 10,05 2,34 -2,06 0,78 3,68 1,39TÊXTEIS 5,69 1,89 -2,33 1,4 1,59 1,46VESTUÁRIO 6,59 0,34 5,19 2,11 5,89 1,21PROD.ALIMENTÍCIOS 5,13 0,92 1,34 -0,22 3,22 0,3 BEBIDAS 7,89 0,19 -1,1 -0,13 3,3 0,06TABACO 5,26 3,51 4,23 2,28 4,74 1,78PROD.GRÁFICAS 2,49 -0,16 -1,9 0,89 0,27 0,41VARIADOS 10,09 3,23 0 0,51 4,92 1,01TOTAL 7,86 0,48 1,05 1,09 4,4 0,8 Fonte: Bonelli(1991)

Para Franco(1998), a explicação para a estagnação da taxa de crescimento da

produtividade55 na década de 80 foi o modelo da SI56. A economia brasileira estaria

55 Para ele a estagnação, por sua vez, foi a responsável pela concentração de renda inerente ao período da SI. 56 Recorreu a estimativas de outros autores V.J.Elias(1978): “Sources of economic growth in Latin American countries”, Review of Economics and Statistics 60(3),ago; R.Bonelli(1995): “Ensaios sobre política econômica e industrialização no Brasil, Rio de Janeiro, SENAI; A.C.Pinheiro(1990): “Measuring and explaining total fator productivity growth: Brazilian manufacturing in the 1970s”, Texto para Discussão 189, março IPEA-INPES, Rio de Janeiro; R.Bonelli(1991): “Growth and productivity in Brazilian industries:impacts of trade orientation”, Texto para Discussão nº258, junho, Depto Economia PUC-RJ; H.C.Braga & J.W.Rossi(1989): “A produtividade total dos fatores de produção na indústria brasileira”, Pesquisa e Planejamento Econômico 19(2), agosto), para comprovar a tendência de queda da taxa de

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perdendo espaço no cenário externo porque a produção manufatureira não havia sofrido

uma mudança qualitativa para acompanhar o processo de internacionalização em curso: um

crescimento da propensão a exportar (e a importar). Para ele, somente a aceleração da taxa

de crescimento da produtividade poderia levar o país a reconquistar o espaço que ocupara

no cenário internacional. E a alternativa para alcançá-la seria a abertura comercial57.

Segundo esse autor:

“(...) o Brasil ficou à margem do processo de globalização na última

década em função de fatores como a instabilidade macroeconômica e a

degeneração das políticas comerciais e industriais locais. Esses fatores

por sua vez, não são incidentais. Pareceria superficial atribuí-los ao

acúmulo de acidentes perversos na forma de choques externos, ou aos

sucessivos erros da política econômica - pré-fixações fracassadas,

choques heterodoxos, maxi-desvalorizações e outras manifestações de

heterodoxia econômica. Causas mais profundas estariam por detrás de

tudo isso e não são poucos os observadores a definir a ‘década perdida’

como o marco de um processo mais amplo de exaustão do modelo de

crescimento por substituição de importações (SI). Com efeito, não escapa

à observação de ninguém o fato de os velhos processos associados ao

crescimento através da SI tornarem-se crescentemente ineficazes ao longo

dos anos 80. Doses maiores de políticas comercial e industrial habituais

pareceriam apenas acentuar a ineficiência industrial, deteriorar a

competitividade e ratificar a estagnação da taxa de crescimento da

produtividade. Da mesma forma, doses maiores de estímulos fiscais ao

crescimento pareceriam apenas acentuar a escalada inflacionária. Tudo

parecia apontar para o indesejado, a progressiva concentração de renda

e o cada vez mais claro fracasso das políticas públicas estabelecidas em

restaurar o crescimento, evitar a hiperinflação e reduzir as nossas

extraordinárias desigualdades sociais. O velho modelo parecia ter se

esgotado”.

produtividade na economia brasileira e sustentar sua posição de que o modelo SI levou a estagnação daquela taxa, e ao fazer isso, retirou o Brasil do processo de internacionalização. 57 Para Franco, a abertura - a desrepressão aos coeficientes de importação - não é um expediente temporário para enquadrar oligopólios nos momentos mais críticos da estabilização. A abertura é a base para a construção de um modelo de crescimento, que permita que o Brasil dê um salto qualitativo e conseqüente em termos de padrões de vida de sua população.

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57

Por essa razão ele, via o desempenho exportador brasileiro daquele período

explicado mais pelas empresas estrangeiras instaladas no país, que propriamente, pela

capacitação das empresas nacionais. Mais ainda, para ele, a propensão a exportar das

empresas estrangeiras, que se revelou significativamente maior que o das empresas

nacionais - TABELA 1.7 -, não se devia às políticas locais - taxas de câmbio, tarifas,

contenção de demanda -, mas sim, à inserção daquelas empresas no processo de

globalização58. Assim sendo, o desempenho exportador, é explicado, principalmente, pela

capacidade das empresas estrangeiras de acompanharem as tendências da economia global,

uma vez que a propensão a importar permanecia miseravelmente pequena. Em outras

palavras, o elemento que estaria impedindo a empresa nacional de conquistar o mercado

externo era a própria barreira de acesso a esse mercado que a política protecionista do

modelo da substituição de importação criou.

58 O tema competitividade e internacionalização da indústria brasileira não é objeto de análise deste trabalho. Está sendo tratado aqui como parte do debate sobre política comercial. Coutinho e Ferraz(1992) fizeram um extenso estudo sobre a competitividade da indústria brasileira, com o objetivo de construir um marco analítico para a avaliação da competitividade industrial do País. Nesse trabalho discutem o processo de internacionalização da indústria brasileira e sua relação com a competitividade e processos de concorrência em escala mundial. Dentro desse tema, conta-se também com a contribuição de Gonçalves(1999), em que o autor discute o processo de desnacionalização da economia brasileira como subproduto da globalização.

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TABELA 1.7

Fonte: Franco(1998) apud Bielschowsky(1994:51)

EMPRESAS NACIONAIS

EMPRESAS NACIONAIS E FILIAIS DE ETNs NO BRASIL: PROPENSÕES A EXPORTAR E IMPORTAR - 1987-89 e 1992

EMPRESAS ESTRANGEIRAS TOTAL

1987-89 1992 1987-89 1992 1987-89 1992

Vendas* 11,3 9,8 18 18,1 29,3 27,9 Exportações* 2,1 2,4 4,6 5,1 6,7 7,5 Importações* 0,5 0,4 1,4 1,5 1,9 1,9 Exp/vendas 14,8 19,6 23,6 24,9 18,4 21,8 Imp/vendas 4,1 4,4 7,4 8,5 5,4 6,1

(*) Valores em dólares constantes de 1992. Considera amostra de 104 empresas, 63 das quais nacionais, e 41 estrangeiras. A amostra cobre cerca de

25% da produção industrial total e 28% das exportações de manufaturados do país

Observe na citação de Suzigan(1992) a seguir, a mesma percepção de Franco(1998),

diferindo apenas na atribuição de um papel diferenciado à política industrial – o que Franco

não faz. Para Suzigan(1992), uma vez que não se seguiu a tendência externa, que não se

atendeu às necessidades de mudar o padrão de desenvolvimento industrial e tecnológico, a

estrutura produtiva não evoluiu.

“(...) A instabilidade macroeconômica com inflação acelerada e a inoperância

do Estado em termos de política industrial e tecnológica – com exceção, da área

de informática, e de iniciativas isoladas do MCT na segunda metade dos anos 80

– levaram à estagnação da produção industrial, à contração dos investimentos e

à limitação do esforço de incorporação de progresso técnico. Com isso,

cristalizou-se uma conformação estrutural caracterizada por acentuadas

heterogeneidades tecnológicas e estruturais e por fraca capacidade de inovação

que hoje representam óbices importantes à retomada do crescimento, mesmo no

padrão de desenvolvimento industrial vigente”.

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De uma maneira geral, o que se pode sintetizar das idéias apresentadas é que, todas

elas percebiam que o núcleo dos problemas enfrentados pela estrutura produtiva era o

esgotamento do modelo de desenvolvimento – demonstrado, por todos, pela queda dos

índices de produtividade. Contudo, é necessário segmentá-las conforme suas linhas de

interpretações.

Para Franco e Fritisch, em ordem de importância, o elemento determinante do

esgotamento do modelo foi a própria estrutura da SI que alimentou uma estrutura

institucional muito propensa à instabilidade quando confrontada por choques externos.

Dentre os elementos propagadores da instabilidade estaria o papel atribuído e

desempenhado pelo Estado. Enquanto esse papel pode ser sustentado quer por

financiamento externo quer por financiamento interno – respectivamente, dívida externa e

inflação/dívida interna – a economia funcionou razoavelmente bem. Quando essas fontes de

financiamento cessaram, o País não possuía instrumentos domésticos eficazes para

enfrentar as restrições. Isso levou a uma fragilidade política ao governo que se propagou

pela economia. Portanto, segundo esses autores:

“(...)O impressionante ajustamento externo depois de 1982, envolveu a

combinação de medidas tais como desvalorização com redução de gastos, assim

como agressivas políticas de promoção de exportações e restrições a

importações. E, à medida que as exportações se recuperavam, a atenção se

transferia para as restrições domésticas ao crescimento. Por um lado, medidas

voltadas para conter gastos tiveram efeitos de aumentar a inflação

abruptamente; e por outro, estava claro que, na medida em que o fluxo líquido de

capital mantinha-se menor que o nível pré-crise, a recuperação do investimento

doméstico teria que ser financiado através de um aumento da poupança

doméstica, cuja participação no produto vinha caindo continuamente desde o

início da década, fato que poderia ser quase totalmente atribuído à abrupta

queda da poupança pública.

Ainda durante os anos Sarney, houve uma contínua deterioração do

orçamento fiscal. O primeiro impacto veio da erosão das receitas públicas que

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caíram de 24,7% do PIB entre 1980-1983 para 19,9% em 1988, devido ao

aumento dos gastos e perda da receita ocasionada pela inflação (efeito Oliveira-

Tanzi).(...) Paralelamente à incontrolável multiplicação dos gastos correntes

desses anos, observa-se uma certa deterioração da capacidade regulatória do

governo nas políticas comercial e industrial, refletindo a concessão de benefícios

públicos – fiscal e regulatório – muito além da capacidade financeira e

administrativa do setor público. A desordem fiscal, e sua mais dramática

expressão – a hiperinflação – impediam a recuperação da formação bruta de

capital fixo, deteriorando as perspectivas de crescimento de longo prazo da

economia brasileira.

A hiperinflação de 1989-90 na verdade representa uma importante

descontinuidade na vida da economia brasileira, um deslocamento econômico

que causou profundas mudanças no modo de comportamento e nas instituições

do país. O Brasil entra nos anos 90 com uma extensa agenda de reformas, que

incluía uma completa redefinição do papel do setor público na economia

incluindo a concepção de instituições capazes de garantir a disciplina fiscal e

monetária, uma varredura nas políticas de desregulamentação do comércio e

industrial e, a privatização das empresas estatais e de serviços. Essas reformas

devem ser vistas como precondições essenciais para a estabilização da inflação,

sem a qual a retomada do crescimento com base na recuperação dos

investimentos privados não será possível”59.

Nesse sentido, para esses autores, o problema enfrentado pela economia – que

começara com o esgotamento do modelo de desenvolvimento – estava se perpetuando pela

insuficiência do aparato institucional reproduzido pelo processo da SI. A ingerência do

Estado sobre a atividade econômica impedia a modernização da estrutura produtiva e

transformava-se em instabilidade. Por esse motivo, a alternativa que apontam para o País

sair da crise era a estabilização da economia, abertura comercial e desestatização. A

estabilidade restauraria a atratividade da economia brasileira ao recuperar sua credibilidade.

Esta, por sua vez, estimularia a retomada do investimento. E, nesse contexto, caberia à

abertura comercial cumprir o duplo papel de dar acesso à tecnologia e ajudar no controle da 59 Fritsch e Franco(1991). Tradução minha.

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inflação. Ela seria um braço forte da modernização da estrutura produtiva brasileira na

medida que a exporia à concorrência internacional.

O contraste das interpretações de Coutinho, Ferraz, Erber, Tavares Jr. e Suzigan,

com a de Franco e Fritsch, está no papel que os cincos primeiros atribuem ao instrumento

da política industrial. Para eles, o modelo da SI criou barreiras ao avanço do progresso

técnico com o fechamento da economia, principalmente porque esse fechamento impediu

que se cultivasse uma tradição exportadora que induzisse as iniciativas de gastos com P&D.

O papel da política industrial na superação do atraso seria o de criar os elementos que

levassem a uma melhoria tecnológica do parque produtivo brasileiro. Sua proposta é de

uma política industrial, coordenada com a política macroeconômica (mas não subordina a

ela), que construísse instrumentos capazes de recuperar o atraso tecnológico que o modelo

da SI gerou. Em última instância, o papel da política industrial seria o de corrigir os

elementos que comprometessem a competitividade e promover a interação dos

determinantes da produtividade.

Nessa linha Suzigan e Villela afirmaram que:

“(...) Antes de tudo, é imprescindível deixar claro que a implementação de uma

política industrial é uma decisão de governo, coordenada pela Presidência da

República, com a intenção de fazer do Brasil um pólo industrial relevante e de

crescente importância no cenário internacional; em outras palavras, que o

‘projeto nacional’ é o de um país industrializado. Isso implica que a política

econômica seja centrada na expansão da indústria. É claro que a maior

dificuldade é a de conciliar política industrial com os problemas de curto prazo

do programa de estabilização. Entretanto, cabe considerar que a relação entre

estabilidade e crescimento opera nos dois sentidos. Por um lado, a estabilidade é

importante para a expansão da indústria, principalmente pela sinalização quanto

a parâmetros básicos das decisões de investimento. (...) Por outro lado, a

expansão da indústria também é importante para a estabilidade, promovendo

ajustes pelo lado da oferta e induzindo à maior eficiência produtiva e ao

aumento da produtividade

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O mote da estratégia pode ser exatamente este – consolidar a estabilidade,

evitando o vaivém da política macroeconômica; promover reformas estruturais

(econômicas e organizacionais) e a reengenharia institucional que reduza o

chamado ‘custo Brasil’60 e levem à maior eficiência do sistema produtivo e ao

aumento da produtividade; e induzir ao uso mais intensivo de novas tecnologias

e à capacitação tecnológica, levando a uma indústria com maior capacidade de

inovação.”61.

Essas duas visões sintetizam as linhas básicas que conduziram o debate sobre a

reforma estrutural da economia brasileira nos anos 90. É interessante notar que há entre elas

a semelhança de fins, mas não de meios. A cisão ocorre quando explicam os fatores que

teriam levado ao esgotamento do modelo e qual o caminho deveria ser seguido para superar

o problema. Para efeito de análise desta tese, as idéias da linha microeconômica dinâmica,

serão referidas como GRUPO 1, e as idéias micro/macroeconômicas ortodoxas serão

referidas como GRUPO 2.

O GRUPO 2 atribuía às condições institucionais do modelo da SI - protecionismo e

ampla ingerência do Estado sobre a economia - a responsabilidade pelo seu fim, na medida

que alimentou a instabilidade macroeconômica. O protecionismo, porque limitou o acesso

aos mercados externos comprometeu o potencial exportador; a ingerência do Estado, por

disseminar a instabilidade macroeconômica, gerou inflação e déficit público.

O GRUPO 1 trata o atraso tecnológico sob outro aspecto. Aceitam-no como sendo o

determinante dos desequilíbrios da estrutura produtiva, mas consideram a política industrial

como o instrumento fomentador da produtividade na medida que ela promove a interação

de todos os elementos determinantes da produtividade: internos à firma, os estruturais e os 60 Segundo documento da CNI(1995) os principais componentes do Custo Brasil são: carga tributária, legislação trabalhista, obsoletismo de infra-estrutura econômica, elevado custo de financiamento, altos custos de transação associados ao excessivo e oneroso nível de regulamentação da atividade econômica. Citado por Suzigan(1996). 61 Suzigan e Villela(1996)

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sistêmicos. Para esse Grupo foi, portanto, a deficiência da política industrial que teria

levado o setor produtivo ao ponto que chegou.

O GRUPO 1 contrasta com o 2 quanto ao papel atribuído à política industrial.

Enquanto para o GRUPO 2, a estabilidade e abertura econômica são cruciais para a

reestruturação da economia; para o GRUPO 1, é à política industrial que cabe o papel de

retomada do desenvolvimento. Considera que a estabilização é “vulnerável e efêmera” se

não for sucedida de uma política industrial que promova um parque industrial moderno.

Sintetizando, formaram-se duas linhas distintas de opiniões. A

micro/macroeconômica ortodoxa acreditava que as forças de mercado, num ambiente

macroeconômico estável, com regras transparentes e uma economia aberta, resultaria em

uma economia moderna, produtiva e competitiva. E via a modernidade capitaneada pela

estabilidade macroeconômica, equilíbrio das finanças públicas, sem ingerência do Estado

nas leis de mercado e liberdade de acesso aos mercados. Esses elementos resultariam em

maior concorrência que empurrariam a busca pela eficiência. A necessidade de sobreviver

concorreria para que se modernizasse inclusive tecnologicamente.

A microeconômica, apesar de aceitar a relevância da estabilidade, e a importância

da abertura, tinha uma visão (microeconômica) dinâmica, sustentando que, quando se

trabalha num ambiente heterogêneo, a política comercial tem de atuar como árbitro para

conduzir e implementar os fatores geradores da competitividade. Este grupo via a

modernidade capitaneada por uma política industrial que promovesse a transformação da

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estrutura produtiva do País e que fosse auxiliada pela política de estabilização e pela

política comercial62.

Dentro do processo da ampla reforma pela qual passou a economia brasileira a partir

dos anos 90, as medidas de estímulo à competição seguiram basicamente a linha

micro/macroeconômica. No âmbito interno, optou-se por uma interferência mínima do

Estado na economia, apostando na eficiência das forças de mercado. Assim, eliminaram-se

vários órgãos e instrumentos de controle público, como o Conselho de Desenvolvimento

Industrial – que administrava a entrada de firmas e produtos no mercado – e o crédito de

socorro do BNDES, além de mecanismos de controle de preços e, naturalmente, o

programa de privatização. No âmbito externo, seu foco foi a questão tarifária, porque

considerava que o grande obstáculo a um desempenho eficiente da economia estava nos

instrumentos das política comercial e industrial vigentes, e não exatamente no desequilíbrio

macroeconômico provocado pelo choque externo do início da década de 80.

62 Ou, usando a expressão empregada por Erber e Vermulm(1993), a política industrial deveria agir como uma “pinça”, combinando elementos que pressionassem a competição – por exemplo, eliminação de barreiras às importações – com elementos que eliminassem os obstáculos aos ganhos de competitividade.

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65

SEGUNDO CAPÍTULO

AS IDÉIAS NA AGENDA DA REFORMA ECONÔMICA

2.1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo discutirá os fatores que explicam a opção pela política de

desenvolvimento liberal pela qual passou o Brasil nos anos 90, à luz da influência das

idéias econômicas que a inspiraram. Sustenta que o grau de penetração das idéias liberais

na economia brasileira foi definido pelo seu grau de dependência em relação ao setor

externo e moldado pelas condições institucionais domésticas em especial, o Estado.63

Seu objetivo é construir uma análise descritiva (e não prescritiva) do poder político

das idéias econômicas, discutindo o processo de penetração das políticas liberais na

economia brasileira bem como a força que adquiriram para promover a mudança do

paradigma de desenvolvimento.

63Preferi usar o termo liberal e não neoliberal. Tecnicamente neoliberais seriam aquelas correntes que aceitam algumas premissas keynesianas, como por exemplo, a existência de falhas de mercado, mas consideram que as falhas de governo são mais graves que as falhas de mercado. Essas correntes são, fundamentalmente, as escolas de expectativas racionais, o novo monetarismo de Friedman e alguns setores da síntese keynesiana. A chamada Escola da Escolha Racional pode, também, ser incluída nesse grupo, embora ela seja principalmente uma metodologia, que pode ser aplicada à ciência política, ao direito e às outras ciências sociais, do que uma corrente econômica. A preferência pelo termo liberal dá-se pelo fato de que a palavra neoliberal vem tomando uma conotação ideológica muito forte, que dificulta (e esteriotipa) uma análise cuidadosa de suas proposições. Observe-se que no caso brasileiro, assim como em outros países da América Latina, o liberalismo da década de 1990 não é uma ideologia conservadora, mas pretende-se reformista, isto é, realizar a grande transformação da sociedade, pela criação de instituições market friendly e pela consolidação do liberalismo econômico como um modelo a ser perseguido.

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2.2 – AS TENDÊNCIAS DA ECONOMIA INTERNACIONAL E O MODELO

LIBERAL DE DESENVOLVIMENTO NA DÉCADA DE 90

Os últimos 30 anos do século XX testemunharam a reestruturação do padrão

tecnológico mundial que passou a ser sustentado pelo binômio Ciência e Tecnologia e

constituiu-se no principal motor da chamada terceira revolução industrial. Suas

características principais foram os avanços nas áreas de energia, novos materiais,

informática e telecomunicações e biotecnologia, que configuraram uma nova divisão

internacional do trabalho e modificou o perfil da sociedade em escala mundial. O

subproduto imediato desse processo foi o deslocamento do padrão de desenvolvimento

industrial de produtos e processos intensivos em materiais para produtos e processos

intensivos e conhecimento64. E, na seqüência, vieram as mudanças no padrão de

competição global que impuseram às economias capitalistas mundiais, maior atenção e

preocupação com o nível de eficiência de seus setores produtivos e levaram a que se

redobrassem seus esforços para incorporar as chamadas tecnologias de ponta65, para

alcançar o desenvolvimento científico-tecnológico que as permitisse acompanhar as

tendências do novo paradigma66.

64Por exemplo, na micro-eletrônica, a matéria-prima para a fabricação de um ‘chip’ de computador representa 1% a 3% do custo total de produção, enquanto que, para a fabricação de um carro, a matéria-prima representa 40% do custo total. Outro exemplo: o custo de produção de um ‘chip’ é cerca de 70% ‘conhecimento’ (i.e. pesquisa, desenvolvimento e teste) e apenas 12% trabalho. No caso de medicamentos mais sofisticados, os custos com ‘conhecimento’ correspondem a 50% do total, e apenas 15% trabalho. Flecha de Lima(1989:15). 65 Tecnologia de informação (informática) e a biotecnologia. 66 Esse processo “concluiu”, por assim dizer, a dimensão produtiva da globalização no final do século XX, que teve no desenvolvimento das Empresas Transnacionais modernas (ETNs) – a mais importante inovação institucional na economia mundial, segundo o historiador Scammell - seu agente primordial. Na sua esteira, veio a consolidação do padrão de comércio internacional intra-indústria – comércio entre produtos manufaturados similares, em que as vantagens comparativas são criadas pelo aproveitamento das economias de escala e diferenciação de produtos. Em 1985, cerca de 43% do comércio mundial tinha esta característica. E ainda, no avanço da desintegração vertical internacional, isto é, a fragmentação na cadeia de geração de valor adicionado entre diversas localizações, dentre as quais estão alguns países de industrialização recente

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Nos anos 80, aquele processo desencadeava uma onda de reestruturação

organizacional e gerencial que reorientava os fluxos de investimentos externos diretos, do

comércio internacional e do movimento de capitais intra e intereconomias desenvolvidas, e

suscitava a importância de elementos como eficiência, competitividade e do equilíbrio

macroeconômico. Na esteira desse processo de mudança estrutural, seguiu-se, em âmbito

mundial, a uma onda de desregulamentação da atividade econômica, liberalização do

comércio exterior e de privatizações de empresas estatais. Este movimento, também

chamado de paradigma da liberalização, orientou as estratégias de desenvolvimento dos

anos 90.

O novo modelo postulava que o crescimento sustentável (de longo prazo) é garantido

pela estabilidade macroeconômica, pela eliminação de qualquer instrumento de ação

discricionária do governo que interfira no funcionamento de uma economia de mercado e

pelo aumento do grau de abertura da economia. Seu prognóstico para alcançar o

crescimento sustentável era a disciplina macroeconômica - monetária e fiscal - a

implementação de uma política comercial que levasse à abertura da economia e a reforma

do Estado.

Uma macroeconomia bem comportada garantiria automaticamente o crescimento

econômico de longo prazo, na medida que ofereceria condições favoráveis ao

funcionamento de uma economia de mercado: transparências nos indicadores econômicos e

respeito às regras contratuais. A abertura da economia garantiria a exposição à concorrência

e levaria à busca pela eficiência que resultaria no aumento da competitividade do setor como, por exemplo, alguns países asiáticos. As atividades dessas empresas assumem caráter global e suas ações são movidas por esforços contínuos de racionalização de atividades em escala global, resultando numa nova identidade supranacional. Dessa lógica de racionalização, saíram dois outros subprodutos: (i)a disseminação de ‘novas formas’ de investimento internacional, proximamente interligado aos elementos tecnológicos do processo produtivo e (ii) notável crescimento do comércio exterior. Para discussão mais aprofundada desse tema, sugiro: Fritsch & Franco(1991a), Gonçalves(1999), Prado(2002) e Scammell(1980).

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produtivo. E, finalmente, a reforma do Estado deveria eliminar os focos de ineficiência e de

intervenção nas leis de mercado, construindo um setor público enxuto e eficaz, capaz de

gerir a política macroeconômica sem produzir focos de desequilíbrios na economia.

A maior repercussão desse conjunto de regras, ocorreu a partir do trabalho de

Williamson(1990 e 1993), que passou a ser referido como Consenso de Washington67.

Williamson enumerou um conjunto de regras de política econômica que, segundo ele,

recomendava o bom senso econômico, porque imputavam respeito à natureza do

funcionamento da economia. Segundo esse autor, é fundamental que a política econômica

tenha continuidade, independente do partido político que esteja no poder, porque isso

garantiria transparência e objetividades às regras da economia, favorecendo as decisões dos

agentes econômicos. Transparência e disciplina da política econômica são fundamentais

para o mercado encontrar seu ponto ótimo. Da mesma forma, as regras auxiliariam os

governos (setor público) a atuar sobre as exceções, que também precisam ser transparentes

e baseadas em princípios previamente estabelecidos. Em resumo, as regras de política

econômica devem obedecer a natureza de funcionamento dos mercados para que as

ideologias políticas não subvertam a ordem econômica.

De acordo com esta literatura, a América Latina era um dos mercados mais regulados

do mundo68, e o excesso de regulação influenciava os sinais de mercado e também eram

alvos de corrupção, uma vez que a atividade produtiva ficava suscetível a ações

67 Williamson(1990) chama de ‘Consenso de Washington’ as idéias predominantes entre os políticos do Congresso americano e os funcionários de alto escalão do governo, os tecnocratas das instituições financeiras internacionais sediadas em Washington, as agências econômicas do governo, o Federal Reserve, e os principais think tanks associados à produção de idéias para políticas públicas. Mas acrescenta que, Washington não pratica o que aconselha aos estrangeiros. 68Mecanismos de regulação mais freqüentes: controle de preços, barreiras de importação, alocação discriminada de créditos, limites para demissão, restrições sobre o fluxo de investimentos externo e à remessa de lucros, controle sobre os movimentos de capitais e novos investimentos e sobre o estabelecimento de firmas em certos setores.

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discricionárias69. Esta característica impedia uma administração bem feita da política

econômica no curto prazo e a elaboração de uma estratégia para o desenvolvimento e,

portanto, restringia o crescimento. Mais ainda, da precária administração do setor público

se reproduziam dois outros problemas: o endividamento do Estado e seu subproduto

imediato, a inflação.

Sua sugestão foi: (a) Disciplina fiscal; (b) Estabelecer prioridade dos gastos públicos:

redirecionamento dos gastos de áreas politicamente sensíveis, que recebem mais recursos

que seu retorno econômico pode justificar (como por exemplo, administração, defesa,

subsídios indiscriminados e elefantes brancos), para setores negligenciados, com elevados

retornos econômicos e com capacidade de melhorar a distribuição de renda, (como

educação básica, saúde pública e infraestrutura).

Para Williamson, foi a experiência de desenvolvimento da América Latina no pós-

guerra que a levou a: (i) um quadro de severa instabilidade macroeconômica; (ii) uma

estrutura de alocação de recursos distorcida; (iii) e a eliminar a possibilidade de se alcançar

taxas de crescimento elevadas com a estratégia pick-the-winner .

Este diagnóstico apoiou-se tanto nos resultados empíricos observados na região

quanto nos pressupostos teóricos do modelo de industrialização seguido. Segundo ele, a

instabilidade macroeconômica e os baixos índices de crescimento dos países da América

Latina eram subproduto da estratégia de desenvolvimento da substituição de importação –

inward-oriented – e da subseqüente má alocação de recursos que se sucedeu ao papel

assumido pelo Estado como o motor do crescimento. E, principalmente, constituiu-se numa

importante e influente resposta aos desafios que se impunham às economias em

desenvolvimento. 69 Pode ser regulada, pela legislação, pelos decretos governamentais, decisões caso-a-caso, etc.

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Toda a fundamentação de sua crítica ao modelo da substituição de importação foi

sustentada nos axiomas do modelo de desenvolvimento neoclássico, como os

desenvolvidos por Krueger(1986)70 e o staff do Banco Mundial71, entre outros72. A

influência intelectual dessa visão foi, (e tem sido) bastante forte, sobretudo sobre o

pensamento econômico brasileiro a partir dos anos 80. A síntese da extensão dessa

influência foi feita, de forma clara e dura, por Fischer(1987), para quem o debate sobre o

desenvolvimento é oníssono: já não há dois grandes paradigmas de desenvolvimento

competindo entre si. O único paradigma é o market-oriented.

70Nesse trabalho, Krueger examina as forças políticas nos países em desenvolvimento que criam a necessidade da liberalização. Em especial, a estrutura das instituições políticas, incluindo o próprio Estado. Cabe acrescentar que a literatura que trata da politic do ajustamento identifica como o dilema político central das reformas os custos subjacentes para iniciá-la. Embora se admita que as reformas gerarão benefícios para a sociedade como um todo, as políticas de ajustamento envolvem custos para iniciá-las, dentre eles, a possibilidade de redução da renda de grupos que se beneficiavam da situação que se propõe mudar. Dentro desse tema, sugiro, além do trabalho de Krueger, o trabalho de THOMAS,J.W. e GRINDLE,M.(1991): “Public Choice and Policy Change: The Political Economy of Reform in Developing Countries”. Baltimore:John Hopkins University Press. 71 Para esse contexto, há uma relevante referência que foi o trabalho de KHAN, MONTIEL e HAQUE(1986), onde os autores examinam as variantes do Clássico Modelo de dois Hiatos e a abordagem monetária do Balanço de Pagamentos. Este trabalho representou uma iniciativa conjunta do Banco Mundial e FMI, para desenvolver uma estrutura analítica capaz de orientar a “confecção” dos programas de ajustamento para países em desenvolvimento. A base desses programas eram três grupos de políticas: ajuste do balanço de pagamentos e a estabilização, negociação da dívida externa e medidas para o ajuste estrutural. Veja, por exemplo, CANAK,W.(1989): “Debt, Austerity and Development in Latin América”, Boulder, Colo: Westview Press. 72 O crescimento econômico é um tema que sempre absorveu a agenda da economia. Há uma grande variedade de teorias de crescimento, o que sugere que não deva existir somente uma opção para alcançá-lo. Da mesma forma que a diversidade nas experiências de crescimento, no mínimo, sugerem que é preciso elaborar uma estratégia específica que se ajuste às condições e características de cada economia. Contudo, por fugir aos objetivos desta tese, não serão discutidos os modelos de crescimento nem será feita qualquer avaliação sobre qual seria mais adequado como axioma para a estratégia de crescimento da economia brasileira. Este poderá ser tema de estudo de um outro trabalho.

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2.3 - A INFLUÊNCIA DAS IDÉIAS LIBERAIS NA AGENDA ECONÔMICA

BRASILEIRA

Todo esse movimento ocorrido quer no âmbito do paradigma tecnológico, quer no

das idéias econômicas, alcançou a economia brasileira num momento de forte instabilidade

macroeconômica (inflação, desequilíbrio contas públicas, restrição externa, baixo grau de

abertura, máquina estatal grande e ineficiente) e de desequilíbrios em sua estrutura

produtiva.

A sobreposição dessas duas ordens de fatores explica, em muito, a natureza das

reformas pelas quais passou a economia brasileira ao longo da década de 90. Primeiro pela

sua capacidade de explicar a causa dos desequilíbrios e apresentar um conjunto de políticas

para enfrentá-los. Segundo, pelo canal de influência, encontrado no grau de dependência

externa da economia brasileira73.

O novo cenário externo que se apresentava era oposto ao que o País se acostumara.

Havia maior resistência para concessões de créditos para economias que enfrentavam

instabilidade macroeconômica e as políticas de incentivo às exportações - contrações

cíclicas da demanda doméstica e ampliação de instrumentos de restrição às importações -

mostravam-se insuficientes para enfrentar as dificuldades no balanço de pagamento que se

seguiram, principalmente, após o segundo choque do petróleo, e atingiram seu ápice após a

moratória mexicana em agosto de 198274.

73 A gravidade da situação externa brasileira, no final dos anos 80, pode ser descrita pelo peso de sua dívida externa na economia. Em 1989, o montante da dívida atingiu US$120 bilhões de dólares, correspondendo a cerca de 38% do PIB. O serviço da dívida consumia cerca de 80% do saldo comercial do País. 74 Em 1984, houve recuperação da economia, mas em 1987 o quadro deteriorou-se novamente.

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Nesse sentido, o grau de fragilidade do País o deixou muito suscetível a influências e

pressões externas sobre como enfrentar os freqüentes desequilíbrios macroeconômicos,

dentre eles a questão da competitividade. A longa crise que atravessou desde o início da

década de 80 não permitiu que a economia brasileira pudesse acompanhar adequadamente a

terceira revolução tecnológica e o processo de aprofundamento da integração econômica

mundial75. O País apenas conseguiu manter um relativo controle sobre a situação externa,

durante esse período, porque conseguiu produzir um superávit comercial em torno de 2%

do PIB durante toda a década de 8076.

Eram as suas próprias condições domésticas que o colocavam refém do processo de

mudança da economia mundial. A estagnação de seu parque industrial não o permitiu

acompanhar o novo paradigma organizacional tecnológico e sua fragilidade financeira o

deixava muito suscetível a pressões unilaterais, que resultavam em menos graus de

liberdade para optar por suas políticas nacionais de desenvolvimento. Erber (2000)

resumiu, com precisão, as condições existentes para mudanças nas idéias sobre

desenvolvimento que havia no final da década de 1980:

“(...)at the end of eighties Brazil was ripe for important changes. The long

process of restoring democracy was ending: a new constitution had been voted in

1988 and the first direct election for President since 1960 was scheduled for the

end of 1989. But, defeating many hopes, democracy had not brought along

economic prosperity. Quite the contrary, the economy was plagued by slow

growth and inflation. The later had been carried from ‘high and chronic’ levels

to the brink of hyperinflation, where indexing mechanisms played perverse roles

only. The short and Sharp cycles of economic activity during the eighties, coupled

to the incapacity of the governments (authoritarian and democratic) to kill the

‘dragon of inflation’ and the negotiate the external debt, led to a deep

75 Coutinho(1997). 76 Op.cit. pág.103.

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disillusionment with the pattern of development which prevailed since the thirties,

in which the State played a leading role.(...) It was no longer possible to sustain

the idea that development was Brazil’s manifest destiny and the ‘convention of

growth’ which had ruled the country through military and democratic regimes

came asunder. It is significant that in the 1989 election there were no candidates

upholding the previous pattern of development – and much less so the outgoing

Government.

International conditions favored drastic changes too. The criticism of the

import-substitution industrialization, which had mounted during the seventies,

coalesced with the reform wave of the Thatcher/Reagan period and became a

blueprint for stabilization and growth of developing countries – the Washington

Consensus. (...) Such recommendations came at time in which the capitalist world

economy showed increased vigor in terms of trade, investment and technological

development, increasing the legitimacy of the recommendations”77.

Assim sendo, o traço da influência das idéias liberais sobre a economia brasileira

explica-se pelo instrumento do leverage: a relação de poder entre os agentes internacionais

sobre os governos dos países em desenvolvimento78. O grau de vulnerabilidade da

economia brasileira teve como subproduto imediato um nível de dependência externa tal

que a conduziram para o consenso daquelas idéias.

77 Erber(2000). 78 O início dos anos 80 testemunhou uma forte reversão no comportamento das taxas de crescimento dos países desenvolvidos, tendo esse fato papel decisivo na postura daqueles países diante as dificuldades enfrentadas pelos países em desenvolvimento (inclusive quanto à questão de dívida externa). Concomitantemente, aquela conjuntura resultou em grandes dificuldades para países em desenvolvimento. Principalmente para aqueles exportadores de commodities (exceto petróleo), cujos preços caíram significativamente, comprometendo seus termos de troca. Por sua vez, o aumento das taxas de juros internacionais aumentou o custo do financiamento da dívida. Os países endividados foram obrigados a ajustarem-se ao novo contexto do comércio e das finanças internacionais, o que resultou na adoção de políticas para reduzir a absorção interna, seguindo as orientações dos programas de ajustamento do FMI. Dentro desse contexto estão os Planos Baker e Brady. O primeiro, apresentado na encontro do FMI em Seul, em setembro de 1985, reconhecia que os problemas enfrentados pelos países endividados não eram de curto prazo, o que significava que aqueles países precisariam de suporte de financiamento para implementarem um programa de ajustamento estrutural em suas economias. Em 1988, o Plano Baker mostrou-se incapaz de atingir seu objetivo porque não conseguia induzir os financiamentos dos bancos comerciais. Isto levou a uma onda de moratórias de países em desenvolvimento endividados. Em março/89, o Secretário do Tesouro norte-americano, Nicholas Brady, anunciou um plano de apoio do Governo americano à reestruturação das dívidas externas dos países em desenvolvimento – market-based debt reduction. O núcleo da orientação desses Planos estava nas suas condicionalidades – uma espécie de comprometimento do país ajudado com o cumprimento das medidas proposta no programa de ajuste e ,ainda, na securitização das dívidas bancárias. Stallings(1992).

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74

2.3.1 – Mecanismos de Propagação Interna das Idéias Externas

Desde o final da década de 80, já se começava a sentir uma reação diferente da

política econômica no enfrentamento dos problemas do País. Houve uma drástica mudança

de direção quando se interrompeu a então estratégia inward-oriented, através do Estado

orientando a industrialização por substituição de importações, para a outward-oriented,

com o setor privado orientando o export-led growth, além de uma onda de questionamentos

sobre o papel do Estado na economia.

No âmbito das influências externas sobre as opções de política há, pelo menos, duas

ordens de fatores que explicam essa mudança na orientação da política econômica: (a)

aqueles decorrentes da influência das idéias externas (item anterior); e (b) a existência, no

País, de características que funcionaram como os mecanismos de propagação da influência

daquelas idéias. Nesse caso, no Brasil, foram duas. As condições macroeconômicas que

atuaram como os canais para o leverage. E a chegada ao governo, em 1993, de um grupo de

economistas afinados com aquelas idéias econômicas, como os canais para o linkage.

Os fatores externos foram cruciais para explicar essa mudança na orientação da

política econômica porque os seus mecanismos de influência encontraram respaldo no grau

de vulnerabilidade da economia brasileira.

Primeiro, o mercado externo, a partir dos anos 80 passou a ser uma fonte inesgotável

de restrições devido à desaceleração da economia mundial, a restrição de recursos e, ainda,

a formação de um consenso internacional ideológico e organizacional favorável ao uso dos

mecanismos de mercado como principais instrumentos para promover um desenvolvimento

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sustentável. Esse cenário, aliado às condições da economia brasileira, dificultava-lhe o

acesso aos mercados internacionais - comércio e finanças. Nesse caso, o impacto dos

déficits no balanço de pagamentos e sua contrapartida, o serviço da dívida sobre a

economia brasileira, não deram ao Brasil alternativa senão a opção do ajuste. A política de

estabilização transformou-se então, no instrumento que ‘facilitaria’ a correção do problema

do déficit no balanço de pagamentos.

Nesse sentido, o interesse pelas políticas de estabilização não surgiu de

entendimentos dos grupos domésticos baseados nas características e necessidades do País.

Ele é o subproduto da vulnerabilidade externa da economia brasileira diante das mudanças

da economia internacional haja vista o ceticismo com que a comunidade econômica

internacional encarava as possibilidades de sucesso das opções de política econômica não

tradicionais (heterodoxas). A preferência por políticas ortodoxas, por parte dos agentes

internacionais, acabava por condicionar o acesso aos financiamentos externos à aderência

de políticas ortodoxas, tanto de curto quanto de longo prazo.

Até os anos 80, embora houvesse grupos domésticos favoráveis a tais políticas, esses

grupos nunca tinham tido sucesso em sua defesa. Tal fato explica-se porque o

endividamento externo, ainda que retirasse recursos da economia, era um processo menos

visível, uma vez que era contrarrestado pelo ingresso de capital que permitia a manutenção

do projeto de crescimento. Isso tornou a questão da dívida menos politizada e relevante.

Sobretudo quando contraposta ao instrumento que a corrigiria: as políticas de estabilização.

Estas, ao contrário do endividamento, no curto prazo, envolviam medidas restritivas de

gastos, crédito, salários e liberalização dos preços, altamente visíveis e, portanto muito mais

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politicamente controversas. Dois influentes grupos de interesse, trabalhadores e

empresários, sempre protestaram e pressionaram contra as políticas de estabilização79.

Em segundo lugar, respaldada pela já referida precária situação da economia

brasileira, a agenda externa era condicionada pelas relações como os organismos

multilaterais e dependia de sua “colaboração” para viabilizar domesticamente as políticas

de ajuste e externamente o acesso a novos financiamentos. Este é o caso, por exemplo, do

FMI, que aumentava seu papel na coordenação das políticas destinadas a equacionar a

questão do serviço da dívida80 e promoção da estabilização. E do Banco Mundial, em

particular, com o anúncio do Plano Baker em 1985. Este Banco foi trazido para o centro das

políticas econômicas dos países em desenvolvimento. O Plano enfatizava o ajuste estrutural

e o Banco tornou-se a organização líder para tal atividade. Em contrapartida, esperava-se

que aqueles grandes empréstimos contribuíssem para os programas de ajustes setoriais e/ou

resultassem em crescimento da economia. Os empréstimos eram a personificação do novo

consenso ideológico que vinha sendo construído há algum tempo entre os economistas e

governos dos países desenvolvidos, junto com as instituições financeiras internacionais.

Esse consenso enfatizava a importância da liberalização, privatização e sobre o papel do

Estado no processo de alocação de recursos na economia. As concessões dos empréstimos

eram os mecanismos para implementá-lo. 79 Foge aos objetivos desta tese aprofundar-se nesse assunto. O texto de Kaufman,R. e Stallings,B. “The political Economy of Latin American Populism” é uma ótima referência. 80 O enfrentamento da questão do endividamento externo do Brasil (e dos demais países em desenvolvimento), teve uma trajetória marcada por três fases: A primeira, 1982-1985, quando o problema da dívida externa foi visto como uma crise de liquidez e tratado através de concessões de empréstimos de emergência, vinculados a programas de ajustamento sob a supervisão do FMI; a segunda, 1985-1988, foi dominada pela estratégia do Plano Baker, que previa escalonamentos plurianuais da dívida e fluxos crescentes de desembolsos dos organismos multilaterais e dos bancos credores para os países endividados. Essa estratégia ampliou a capacidade de pagamento, mas, ao mesmo tempo, aumentou o estoque da dívida; e a terceira, 1988 a 1992, quando passou-se a aceitar a idéia de que a solução para a dívida externa deveria passar necessariamente pela elaboração e execução de medidas destinadas a reduzir o estoque e o serviço da dívida, foi o que fez o Plano Brady.

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Finalmente, o acirramento dos problemas da economia também contribuiu para que

aumentasse a identificação de interesses de grupos domésticos com os externos. Por um

lado, acadêmicos e tecnocratas que defendiam uma economia mais aberta e maior papel

para o setor privado, puderam contar com apoio político dos EUA e de outros países

desenvolvidos, com o reforço intelectual do FMI e do Banco Mundial, e com a alegada

evidência empírica no desempenho de sucesso dos países que seguiram o modelo de

economia aberta. Por outro lado, à medida que novas políticas econômicas eram

experimentadas - especialmente a desvalorização do câmbio - tornando as exportações dos

países em desenvolvimento mais competitivas internacionalmente, novos grupos de

exportadores surgiram e se juntaram ao bloco favorável à abertura econômica.

É importante dizer que os dois mecanismos de penetração das idéias externas na

economia brasileira – leverage e o linkage – tiveram momentos distintos de atuação. O

primeiro predominou nos anos 80 até início dos 90. Pode-se dizer que atuou como o fator

que consolidou a aceitação do diagnóstico liberal dentro da economia brasileira. Isto

inclusive é muito evidente no próprio Governo Collor de Mello. O discurso do Presidente e

da equipe econômica era muito afinado ao receituário de Washington sem que nenhum

deles tivesse qualquer tipo de ligação – formação acadêmica ou interesse econômico direto

– com aquela doutrina. Talvez exatamente por isso, fracassaram no programa de

estabilização, quando atropelaram preceitos elementares da economia e do direito

constitucional81.

81 Durante a campanha política, o discurso de Fernando Collor notabilizou-se pela ênfase na idéia do rompimento drástico com o passado e proposta de se construir um novo Brasil. Sua principal referência era combater o status quo representado pelo Governo Sarney. Foi uma candidatura que se afirmou mais pela negação de um dado estado de coisas e pela oposição ao governo no poder do que pela afirmação de um claro programa de ação voltado para a reconstrução de uma nova sociedade ou para a instauração de um novo modelo econômico. Enquanto candidato, Collor não se baseou na formulação de um projeto de natureza neoliberal ou social-democrata. Ao contrário, a recusa de um claro compromisso com os partidos existentes

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Por sua vez, o instrumento do linkage somente tornar-se-á preponderante a partir de

1993, quando o FH assume o Ministério da Fazenda no Governo Itamar Franco. Sua equipe

econômica era quase toda composta de economistas cujas idéias eram identificadas com o

pensamento liberalizante, seja pela influência de suas formações acadêmicas seja por

experiências profissionais anteriores em organismos multilaterais – FMI e Banco Mundial.

A combinação formação acadêmica-com-experiência tecnocrata no exterior da equipe

econômica resultou numa proximidade de opiniões entre os novos gestores da política

econômica e a orientação externa, e definiu a possibilidade da adoção definitiva de medidas

ortodoxas para o ajuste estrutural82.

ou com quaisquer das lideranças e forças políticas relevantes, foi uma das marcas de sua campanha. Diniz(1995). 82 A equipe econômica de FH era composta dos economistas, Edmar Bacha, Pedro Malan (inicialmente, indiretamente, porque ocupava o cargo de Diretor Executivo do Brasil junto ao Banco Mundial, no qual comandava o processo de negociação da dívida externa), Winston Fritsch, Secretário de Política Econômica e Gustavo Franco, Secretário Adjunto de Política Econômica. Além de Clóvis Carvalho, Secretário Executivo – segundo nome mais importante na hierarquia ministerial e Murilo Portugal, Secretário do Tesouro Nacional. André Lara Resende e Pérsio Arida não fizeram parte da equipe oficialmente, no primeiro momento. No Banco Central, permaneceu Paulo César Ximenes, até agosto/93. Ximenes não era uma pessoa entrosada com a equipe de FH, porém desfrutava da confiança do Ministro. Com sua saída, Pedro Malan assume o Banco Central e André Lara Resende assumiu o cargo de Malan, na negociação da dívida externa. Pérsio Arida foi designado para o BNDES. Com isso, fechou-se a equipe de FH no Ministério e reunira-se o grupo que mais se dedicara ao estudo da inflação e à busca das soluções para combate-la. Marcava-se a volta da PUC/RJ ao poder. O Departamento de Economia da PUC/RJ sempre seguiu uma linha de pensamento econômico mais ortodoxa, que no Brasil esteve associada às figuras de Eugenio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões e Mário Henrique Simonsen - os chamados monetaristas - que sempre enfatizaram a importância da estabilidade. Entretanto, foi o fato de terem concluído sua formação em universidades americana, onde é forte a influência do pensamento liberal, que explica a predominância do pensamento ortodoxo entre aqueles economistas.

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2.4 – A INFLUÊNCIA DOS FATORES DOMÉSTICOS

Nos itens anteriores procurou-se mostrar a influência dos fatores externos na

orientação das políticas econômicas a partir da década de 80 e os seus canais de penetração

na economia brasileira – os mecanismos de propagação interna.

Cabe agora identificar e discutir a influência dos fatores domésticos na opção pela

estratégia liberal de desenvolvimento. Que significa, dentro do contexto deste capítulo,

incluir na análise um outro tipo de influência, que não a das idéias externas, mas sim das

condições institucionais internas, que já sinalizavam necessidade de mudanças,

independentemente da natureza da influência externa. A presença de tais elementos sugere

que a influência externa não atua sozinha na explicação da mudança. Na verdade, ela atua

em momento distinto. Ela prepondera no momento da penetração da idéia, enquanto a

interna prevalece na etapa da confecção/execução do projeto de mudança.

No Brasil, o fator doméstico de maior influência foi o Estado. Ele sintetizava o

componente institucional das dificuldades enfrentadas pela economia brasileira no limiar da

década de 90. Transformara-se numa fonte constante de conflitos, na medida em que suas

ações passaram a agravar os desequilíbrios da economia83. A percepção que foi se

consolidando foi de uma imagem de obstáculo ao desenvolvimento. O Estado passou a ser

visto como um problema. Mas qual a ordem desse problema?

Considerando a sua natureza, os problemas do Estado podem emergir de duas frentes:

da peça orçamentária e/ou das condições de sua burocracia. A primeira, explicada por sua

83 Não se pode perder o foco das condições externas que passaram a predominar no final dos anos 70: a queda do comércio internacional, o dramático aumento das taxas de juros no final da década, e a redução dos empréstimos comerciais no início dos anos 80, que forçaram os países em desenvolvimento a direcionar suas atenções sobre a restrição externa, e agir de maneira a contornar seus efeitos sobre as economias domésticas.

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eficiência na administração das finanças públicas: compatibilizar gastos às receitas e,

principalmente, perseguir uma estratégia orçamentária, que evite gastos de custos elevados

e benefícios difusos. A segunda, por sua habilidade técnica e capacidade de julgamento que

o permita construir uma relação de liderança administrativa com a sociedade (agentes

econômicos privados). O processo de degradação do Estado brasileiro teve influência

dessas duas frentes e remonta ao passado recente – décadas de 60 e 70 - da economia

brasileira.

Na primeira frente, dois elementos explicam-no: (i) a natureza financeira do déficit

público, surgida a partir do esquema de financiamento das contas públicas que, ao ser

articulado fora do espaço fiscal, criou um instrumento para contornar o problema da

restrição fiscal no financiamento do déficit público. Era o chamado Orçamento

monetário84. Ainda dentro desse contexto, no âmbito externo, o Estado dispunha do

ilimitado aporte de recursos decorrente da excessiva liquidez internacional; e (ii) a forte

centralização nas mãos do governo federal das receitas tributárias, a partir do PAEG, que

gerou fortes distorções no sistema tributário, dentre elas, o próprio espaço para se construir

o orçamento monetário.

A junção desses dois grupos lançaria uma cortina de fumaça sobre a situação das

contas públicas no País85 que, só se percebeu fora do controle, diante das dificuldades

enfrentadas a partir da década de 80. O salto da taxa de inflação e os problemas enfrentados

com a explosão da dívida externa a partir de 1979 impuseram um ajustamento recessivo,

que teve como prioridade o equacionamento das contas externas e o reequilíbrio das contas

84 Corresponde aos gastos fiscais do Banco Central sem que seu ônus fosse ressarcido pelo Tesouro. 85 Oliveira(1995)

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públicas, cuja Dívida Líquida86 chegara a atingir mais de 50% do PIB na primeira metade

da década de 8087.

Ocorre que, o esforço para conter o déficit público resultou no aprofundamento das

distorções do sistema tributário88, potencializando a insatisfação contra ele, e aumentando a

desconfiança quanto à lisura do orçamento, e as pressões para um orçamento mais

transparente. O enfrentamento dessa situação levou a um grau de desgaste muito grande na

imagem do Estado, fato que muito contribuiu para reforçar a idéia de que era necessária

uma reforma do setor público, começando pela descentralização das receitas tributárias. Por

esse motivo, havia na Assembléia Constituinte de 1987, uma forte corrente a favor do

restabelecimento do federalismo fiscal no país89. Entretanto, se a Constituição não se furtou

86 Corresponde ao saldo líquido do endividamento do setor público não financeiro e do Banco Central com o sistema financeiro (público e privado), o setor privado não-financeiro e o resto do mundo. Entende-se por saldo líquido, o balanceamento entre as dívidas e os créditos do setor público não-financeiro e do Banco Central. Os saldos são apurados pelo critério de competência, ou seja, a apropriação de encargos é contabilizada na forma pro rata, independente da ocorrência de liberações ou reembolsos no período. O Setor Público, utilizado para mensuração da dívida líquida e do déficit público é o setor público não financeiro mais Banco Central. Considera-se como setor público não financeiro as administrações diretas, federal, estaduais e municipais, as administrações indiretas, e o sistema público de previdência social e as empresas estatais não-financeiras federais, estaduais e municipais, além da Itaipu Binacional, os fundos públicos que não possuem característica de intermediários financeiros, isto é, aqueles cuja fonte de recursos é constituída de contribuições fiscais ou parafiscais.O Banco Central é incluído na apuração da dívida líquida pelo fato de transferir seus lucros automaticamente para o Tesouro Nacional, além de ser o agente “arrecadador” do imposto inflacionário. Devido as alterações de padrão monetário ocorridas no período, a análise da série histórica em moeda nacional fica prejudicada. O mesmo vale para a transformação da série para dólares americanos, devido às mudanças na política cambial, que também distorceriam a análise. Por esses motivos, é preferível apresentar a série como proporção do PIB. Banco Central do Brasil, agosto/1999. 87 Ver TABELA 1.4, no primeiro capítulo. 88 A reforma tributária dos anos 60 levou a uma concentração das receitas e despesas tributárias nas mãos do governo federal. Isto resultou numa centralização da arrecadação e contribuiu para tornar o endividamento como um instrumento de se contornar a restrição fiscal. Após 1975, com a mudança na legislação, houve maiores condições para os governos estaduais e municipais expandirem suas dívidas. Os governos estaduais e municipais tentavam compensar sua baixa capacidade de arrecadação aumentando os gastos de suas empresas estatais, que eram parcialmente financiados com empréstimos externos e através dos bancos públicos, ambos financiados através de emissão de títulos de dívida pública. Isto levou a uma significativa expansão do estoque da dívida pública. A outra distorção foi sua regressividade. 89 Todo debate que envolve um sistema fiscal gira em torno de duas questões: grau de eficiência da tributação – não obstruir a atividade econômica – e, seus mecanismos de transferências de rendas. No Brasil da década de 80 (sobretudo a partir de 1985), não foi diferente. O debate em torno dessas duas questões sintetizou-se no esforço do legislativo (Assembléia Constituinte) para promover a reforma fiscal visando reimplementar a descentralização fiscal, depois de quase 20 anos. Cabe dizer que, no âmbito externo, a descentralização fiscal esteve muito em voga durante a década de 80/90 nos países desenvolvidos, na medida que vários governos

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em restabelecer a descentralização das receitas fiscais, ela não foi tão precisa com as

despesas. Isto provocou um desequilíbrio nas contas do governo federal que acabou

levando a uma crise fiscal.

Concomitantemente, na segunda frente veio a estrutura burocrática. Ao final dos anos

80, a imagem que se tinha do Estado brasileiro estava longe dos padrões de um Estado

desenvolvimentista90, ele passou a ser considerado um cabide de empregos91.

A carreira de um funcionário público não oferecia nenhum incentivo à ascensão

profissional e financeira. Era, portanto, um forte convite à ineficiência. Os funcionários

públicos brasileiros tinham carreira descontínua, pontuada pelo ritmo das trocas dos líderes

políticos e pelas tentativas de modernizar gradativamente a estrutura burocrática92 . Essa

situação dificultava construir uma equipe de expertise, com habilidade técnica que a

utilizavam-se das políticas de transferências para melhorar a atuação do setor público e corrigir “falhas” da economia. Na verdade, tanto FMI quanto Banco Mundial se mostraram a favor da descentralização fiscal. Entretanto, o embate doméstico, em torno da descentralização fiscal, não foi decorrência da tendência externa, foi coincidente. E, a despeito da predominância da orientação pela descentralização, esta opção está longe do “sistema fiscal ideal”. Mesmo porque a própria teoria do federalismo não define a extensão ótima da descentralização. Nesse sentido, o gestor de política fica desamparado quanto a que rumo tomar. Não se tem uma referência. Por isso, a eficácia da descentralização fiscal em estimular a atividade econômica depende de circunstâncias específicas de cada país, que envolve fatores além do âmbito fiscal. No limite, cabe inclusive algum grau de pragmatismo para a definição dessa descentralização. Mais uma vez, o exemplo brasileiro é emblemático, a descentralização acabou por contribuir para uma séria crise fiscal no final dos anos 90, como se verá ao longo desse item. 90É preciso ressaltar que a para a literatura histórica contemporânea sobre o Estado brasileiro existe diferença entre o Brasil e o tipo ideal de Estado desenvolvimentista. José Murilo de Carvalho, “Elite and State-building in Brazil” (Tese Ph.D., Depto Ciência Política, Stanford University,1974); Fernando Uricoechea, “The Patrimonial Foundations of the Brazilian Bureaucratic State (Berkeley, University of California Press, 1980); Sergio Abranches, “The Divided Leviathan: The State and Economic Policy Making in Authoritarian Brazil” (Tese Ph.D.Departamento de Ciência Política, Cornell University, 1978); Frances Hagopian, “The Politics of Oligarchy: The Persistence of Traditional Elites in Contemporary Brazil” (Tese Ph.D. Departamento de Ciência Política, MIT, 1987). 91 O ingresso no setor público, na maioria das vezes se fazia pelo critério político – nomeação. Somente com a Constituição de 1988 conseguiu-se tornar obrigatório o recrutamento através de concurso público - sistema da meritocracia. 92 Desde a década de 30, observou-se tentativas isoladas para modernizar o aparato do Estado gradativamente. Por exemplo, a criação dos “bolsões de eficiência”, nos anos 50, em que o BNDE é o exemplo mais evidente. Entretanto, tal estratégia encontrava limitações na medida que os “bolsões” eram cercados pelas tradicionais normas clientelistas, eles dependiam do apoio pessoal do Presidente da República. Por outro lado, as próprias ações que procuravam promover uma mudança gradativa na estrutura do Estado eram descoordenadas, o que transformava a seletividade estratégica mais difícil de se alcançar. O resultado foi um aparato segmentado que não apenas tornava a coordenação política difícil, mas encorajou soluções personalistas.

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permitisse exercer coordenação da política e, no limite, de construir um projeto de

transformação na economia que fosse produto da interação entre Estado e a elite

empresarial.

Assim, a falta de uma estrutura burocrática estável tornava difícil estabelecer um

vínculo regularizado com o setor privado sob a coordenação da administração pública, e

estimular a interação público-privada em canais institucionalizados. Em outras palavras,

impedia que se construísse um esquema que desse sustentabilidade para as políticas

públicas93.

Até mesmo durante o regime militar, quando se dispôs de todas as condições para o

insulamento contra pressões clientelistas, mostrou-se incapaz de construir uma relação de

liderança administrativa com a elite industrial doméstica. Ao contrário, esta relação foi

insegura do ponto de vista institucional e arbitrária, do ponto de vista dos seus resultados94.

Resumindo, produziu-se um tipo de vínculo oposto ao que se esperava encontrar entre o

Estado e a sociedade num Estado desenvolvimentista95, por exemplo. As estrutura e

operação do Estado brasileiro impediam que ele cumprisse até mesmo as suas funções

mínimas96.

Nesse sentido, mesmo tendo o País uma oferta relativamente abundante de mão de

obra treinada e uma longa tradição de envolvimento do Estado na economia, a burocracia

brasileira estava longe da burocracia weberiana. Ao contrário, predominaram tendências

93 Que Evans(1992) chamou de embeddedness. 94 Evans(1992), op. cit. 95 Relações clientelistas e patrimonialistas, que impediram a coerência corporativa da burocracia estatal weberiana. 96 Mas é importante lembrar que, a despeito dos problemas apresentados, o Estado brasileiro teve uma participação efetiva, sobretudo nos anos 50, em várias áreas industriais, que indubitavelmente contribuíram para o crescimento e industrialização brasileira. Os pontos de sucessos estão exatamente onde o setor público teve coerência e capacidade. Por exemplo, o GEIA (Grupo Executivo para Indústria Automobilística), quando da implantação da indústria automobilística no Brasil e Petrobrás.

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para organizações patrimoniais que se passavam por burocracia weberiana. Sempre houve

uma abundância de regras ou setores administrativos, mas a maioria não tinha capacidade

de perseguir os objetivos coletivos, à maneira coerente, e muitas vezes, nem interesse em

fazê-lo.

A sensação que se tem é que Weber iludiu seus seguidores insistindo em que a

burocracia surgiria naturalmente. Assim como os mercados são menos naturais do que a

capacidade retórica de Adam Smith levou a que se acreditassem que fossem, a burocracia

precisa de mais ações indutoras à sua formação, que as que Weber levou a que se

acreditasse. A burocracia é, na verdade, uma variável endógena. E, nesse caso, a

capacidade de ação do Estado (administrativa e/ou empresarial, se for o caso), é um bem

escasso, ou seja, existe em quantidade menor que a sua demanda. Isto significa a

possibilidade de as ações do Estado serem insuficientes para atenderem às necessidades da

economia. Pode haver um gap entre capacidade requerida e capacidade disponível. O

desempenho inadequado que se reproduz quando existe esse gap, reduz a legitimidade e

dificulta a obtenção de recursos necessários para construir aquela capacidade.

No âmbito das condições do setor público, o cenário que a nova agenda do

desenvolvimento dos anos 90 encontrou foi o de um Estado decadente e sem credibilidade.

Sem condições de assumir qualquer papel ativo na economia, sobretudo aquele previsto na

nova agenda do desenvolvimento.

A questão é que essa agenda previa um papel para o Estado, distinto ao que ele vinha

desempenhando. Para assumi-lo, precisaria mudar sua forma de atuação. Para mudar, o

Estado deveria ter capacidade de se modificar. Entretanto, uma coisa puxou a outra: as

condições de funcionamento do aparato estatal impediam-no de desenvolver a capacidade

de se renovar e, com ela, adquirir capacidade de responder às necessidades da economia.

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Conseqüentemente, o Estado demonstrou-se despreparado para exercer seu novo papel seja

porque os instrumentos de ação utilizados para o exercício de sua função de Estado

desenvolvimentista não eram mais adequados; seja porque a própria estrutura burocrática,

legado do período da industrialização, ficara totalmente desajustada à nova realidade. Isto

acabou propagando sua imagem de obstáculo ao desenvolvimento e conduzindo o debate

para o questionamento do papel do Estado, quando se deveria estar buscando os fatores que

estariam impedindo-o de impingir uma atuação nos padrões do Estado desenvolvimentista.

É importante dizer que, considerar que as características institucionais do Estado

desenvolvimentista não são funcionais para a agenda da estabilização e do ajuste não é o

mesmo que desconsiderar a centralidade de seu papel no novo processo de mudança

estrutural. Não fosse assim, como se explicaria o fato de que a implementação da

estabilização, privatização e abertura econômica tenham sido implementadas pelas ações do

Estado?97 Trata-se, portanto, apenas de reexaminar a questão da sua capacidade para

exercer o papel que se espera que exerça98. Quais são as características institucionais para

isso?

97 Evans(1992) atribui ao Estado um papel de vanguarda por tais ações. Nesse sentido, soaria paradoxal as prescrições ortodoxas, de que o Estado era a rota do problema. Ele foi, sim, a solução. 98 Ainda segundo Evans(1992), esse debate iniciou-se com análises minimalistas sobre o papel do Estado, que entendiam-no somente através de ações destinadas a garantir a propriedade privada, muito familiares às prescrições econômicas ortodoxas para o enfrentamento de problemas de ajustes estrutural. Essa análise foi chamada de 1ª Onda. Esta interpretação, contudo, continha um elemento restritivo: não considerava as dificuldades a serem enfrentadas na implementação dos programas de ajustamento e deixava dúvidas se o ajuste estrutural proposto seria suficiente em si para assegurar os crescimentos futuros. A 2ª onda, que também criticava o papel do Estado, foi motivada tanto pela aversão daqueles que foram pessoalmente prejudicados com as ações (que resultaram em) ineficiências e maus atendimentos do setor público, quanto pelas evidências de seu (péssimo) desempenho. Nos anos 80, o papel do Estado foi rediscutido na 3ª onda. A característica do pensamento da 3ª onda sobre o ESTADO E DESENVOLVIMENTO é o reconhecimento da importância da capacidade do Estado, não apenas da perspectiva da habilidade e perspicácia dos tecnocratas dentro do aparelho do Estado, MAS TAMBÉM, no sentido da ESTRUTURA INSTITUCIONAL, que seria durável e efetiva.

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Na extensa literatura que discute o papel do Estado99, a discussão sempre convergiu

para questão da sua capacidade de agir e interagir na economia – ainda que vista sob óticas

diferentes. É esta característica que explica as escolhas das políticas públicas e os seus

resultados sobre a economia. Para os propósitos deste trabalho, se recorrerá a duas linhas de

interpretações: o institucionalismo clássico de Gerschenkron(1952) e Hirschman(1958) e as

análises neoclássicas recentes100.

Gerschenkron e Hirschman, que não entram no mérito do tamanho do Estado,

consideram que uma ação ativa do aparato do Estado, entendendo-se por isso sua

habilidade em contribuir para o desenvolvimento econômico, reside principalmente em sua

capacidade de superar a disjunção existente entre o ritmo requerido para a atividade

econômica para promover o desenvolvimento, e a capacidade efetiva da economia para

alcançar esse ritmo.

No limiar do período da industrialização dos países em desenvolvimento,

invariavelmente deparava-se com as necessidades de capital e tecnologia muito superiores

às que seus mercados privados eram capazes de acumular. Concomitantemente, não havia,

naqueles países, instituições capitalistas com o aporte de recursos suficientemente

necessários, muito menos interessadas em correr grandes riscos. Recorreu-se, portanto, ao

99 Os institucionalistas clássicos: Max Weber, “Economia e Sociedade”; Karl Polanyi, “The Great Transformation”; Alexander Gerschenkron, “Economic Backwardnes in Historical Perspective; Albert Hirschman, “The Strategy of Economic Development”. Na atualidade: Douglas North, “Structure and Change in Economic History”, James Buchanan, “Toward a Theory of the Rent-Seeking Society”; David Colander(ed.), “Neoclassical Political Economy” e Anne Krueger, “The Political Economy of the Rent-Seeking Society”, dentre outros. 100Ainda que defendendo um Estado ‘mínimo’, reconhece a sua existência como sendo essencial para o crescimento econômico, pois admite a possibilidade de as ações do Estado se transformarem em conseqüências econômicas negativas. Este posicionamento representa um avanço, dentro da interpretação neoclássica, onde o Estado era tratado como uma caixa preta, em que suas ações internas não eram consideradas importantes e/ou impactantes para a análise econômica. Esta linha do pensamento neoclássico é conhecida como neoutilitária. Os economistas políticos neoutilitários constroem suas análises através da tradicional ferramenta da otimização individual do agente racional neoclássico. Veja a respeito, OLSON(1982) e COLLANDER(ed.)(1984).

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poder do Estado para mobilizar os recursos necessários e contornar o problema do risco.

Sob essas circunstâncias, para Gerschenkron e Hirschman o Estado deveria atuar como um

empresário no sentido de correr riscos, de perceber as oportunidades de investimento e

efetivamente transformá-las em investimento. Esta característica foi denominada por

Hirschman de empreendedorismo estatal. Ao Estado caberia equilibrar incentivos para

induzir os capitalistas privados a investir e ao mesmo tempo estar pronto para corrigir os

gargalos que desestimulavam os investimentos. O Estado que conseguiu assumir as tarefas

impostas pelas disjunções instrumentais da economia foram chamados de Estados

desenvolvimentistas: aqueles cujas ações promoveram, em lugar de impedir, o ajuste

econômico e a mudança estrutural.

Para a escola neoclássica o Estado deve ter um tamanho mínimo e seu papel deve

limitar-se a produzir um ambiente macroeconômico saudável. Para isso deve contar com a

capacidade de insulamento e da coerência técnica da burocracia101. Sendo esta última

condicionada ao grau de insulamento dos incumbents (“homens públicos”, burocrata,

tecnocrata, etc.), às pressões oriundas das demandas da sociedade, sempre presentes em

torno do Estado. Quanto mais elevado o status do burocrata, maior o insulamento. Da

mesma forma, que a concentração de expertise na burocracia, através do recrutamento

meritocrático e a criação de oportunidades para ascensão na carreira pública, é crucial para

atingir a eficiência da burocracia e, por desdobramento, para a operação dos mercados.

101Utilizam, portanto, elementos da análise da sociologia do Estado de Weber. Weber via a construção de uma sólida e autoritária (no sentido de ter autoridade) burocracia estatal como um pré-requisito para a operação dos mercados. Para ele, o capitalismo e a burocracia pertencem um ao outro, uma vez que a operação de um mercado depende da existência de um tipo de ordem que apenas uma burocracia estatal moderna poderia oferecer: a coerência corporativa. Assim, a capacidade do Estado em sustentar (apoiar) mercados e a acumulação capitalista depende de ser a sua burocracia, uma corporação coerente na qual os funcionários executem ações coletivas como a melhor maneira de maximizar interesses individuais.

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Na visão neoclássica, na essência da capacidade de atuação dos Estados está a

natureza da relação existente entre incumbents e supporters (base política de sustentação

dos governos). Face o papel de cada um, os incumbents precisam de liberdade e autonomia

para sobreviverem como tais, e os supporters de incentivos que os mantenham aliados ao

governo. Num contexto em que os incumbents precisam distribuir recursos para os

supporters102, como condição para obter apoio político para sobreviver, a relação entre

esses dois grupos passa a ser uma luta por renda. Por exemplo, o controle sobre o câmbio, a

imposição de restrições às importações através de licenças para importar, tarifas ou outras

restrições quantitativas são todos caminhos para se criar renda, em que os próprios

incumbents se beneficiam. Existe, inclusive, a hipótese de que a competição para entrar no

governo é uma competição por renda103. Numa economia em que predominam os elevados

retornos de profit-seeking (improdutivos) os investimentos em atividades produtivas são

menos atrativos. Eficiência e dinamismo declinam. Assim, para reduzirem-se os efeitos

negativos dessas ações do Estado, o aparato estatal deve ser reduzido ao mínimo e o

controle burocrático deve ser substituído por mecanismos de mercado tanto quanto

possível.

O grande mérito dessa atual análise neoclássica foi ter capturado um aspecto

significante do funcionamento da maioria dos Estados; em alguns, o aspecto dominante é a

relação política entre o setor público e os agentes privados. Ou seja, introduziu a política na

análise do Estado. Isto permitiu que se avançasse nas reflexões sobre a capacidade do

Estado em colaborar com o desenvolvimento econômico reconduzindo a análise para outro

102 Através de subsídios, empréstimos, empregos, contratos ou contratação de serviços, ou ainda, usar o poder de seu cargo para criar rendas para favorecer um determinado grupo, restringindo, portanto, a capacidade das forças de mercado em operar. 103Krueger(1974).

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foco: a capacidade transformativa do Estado como subproduto da combinação de coerência

interna e conexão externa. Em outras palavras, permite reconduzir o debate não apenas

para ações voltadas à redução do Estado, mas principalmente, para reconstruí-lo.

Dentro dessa perspectiva, quanto melhores são as condições do aparato do Estado,

sua habilidade, técnica e capacidade de julgamento - o statecraft - maiores são as chances

de que suas ações não se convertam em falhas de governo104. Mas não é apenas isto.

Apesar de importante, o statecraft não deve se resumir à habilidade e perspicácia dos

tecnocratas, mas também na capacidade de reconstruir permanentemente as instituições do

Estado à medida que a agenda econômica vai se renovando, visto que algumas

características que facilitam uma etapa de desenvolvimento econômico podem não ser

funcionais para outra. Por exemplo, no enfrentamento de problemas específicos como

estabilização macroeconômica e ajuste estrutural, precisa-se de um aparato regulatório

diferente àquele necessário para a estratégia inward-oriented. A capacidade do Estado de

enfrentar esse novo contexto está associada também às relações do aparato estatal com as

estruturas sociais subjacentes, que por sua vez são produtos de um longo processo de

mudança institucional que constroem a sustentação da autonomia das políticas públicas.

No Brasil, essa dificuldade ficou mais proeminente com a agenda da estabilização e

do ajuste. A precedência da questão da estabilização na agenda da política econômica

aumentou o papel dos tecnocratas na confecção e implementação das políticas, num

momento em que a capacidade do Estado de ser o sustentáculo do equilíbrio

macroeconômico esbarrava nas deficiências de seu aparato. Sua estrutura administrativa

não dispunha de um corpo técnico de elite que pudesse dar o suporte para um programa de

104 Statecraf é. uma antiga palavra do norte da Europa para designar a arte de conduzir as ações do Estado, que sugere que a prática do governo é uma arte que demanda habilidade, técnica e julgamentos. Por esse motivo, o governo pode praticá-la bem ou mal. ANDERSON(1977), BALDWIN(1985) e WERNECK(1993)

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medidas daquela natureza. Essa fragilidade limitou consideravelmente as ações dos

burocratas na implementação daquelas políticas. E os subseqüentes desacertos provocados

por aquela deficiência, ajudaram a alimentar a idéia de que o Estado era o principal

obstáculo ao desenvolvimento e suscitou o questionamento sobre qual papel deveria caber-

lhe naquele processo.

Por essa razão, a partir dos anos 80, testemunhou-se o esgotamento da estratégia da

intervenção inteligente, que se mostrara bem sucedida durante 40 anos nas correções das

falhas de mercado. A partir daí, até final da primeira metade dos anos 90, não foram poucas

as contradições e intervenções desastrosas, que levaram a uma série sem fim de fracassos

do governo que, por sua vez, acabaram levando à estagnação, a profunda crise fiscal,

burocracia decadente, inflação elevada e comportamentos rent-seeking. Foi na esteira

desses fatos que se reacendeu a discussão sobre as falhas de governo e o papel do Estado.

A década de 90 testemunhou a dura realidade do Estado brasileiro. O aparato do

Estado desenvolvimentista, industrialista, da agenda da transformação, não era mais

adequado para a agenda do crescimento com estabilização. A mudança do modelo de

desenvolvimento exigia uma mudança no papel do Estado. Para assumir seu novo papel era

imprescindível reconstruir o statecraft brasileiro. Nesse sentido, a maioria das dificuldades

para se enfrentar a profunda crise econômica, desde os anos 80, pode ser imputada ao

péssimo statecraft, que acabou por estabelecer um círculo vicioso em que as falhas de

governo, geradas pelo medíocre statecraft, levavam ao acirramento dos problemas

econômicos que por sua vez, intensificavam a mediocridade do statecraft.

Naturalmente que não se pode desconsiderar os efeitos colaterais das dificuldades

externas enfrentadas pela economia brasileira sobre o setor público. Mas, também não se

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pode deixar de considerar a relação que existe entre a abrupta interrupção da trajetória de

crescimento do País e as condições do Estado para construir e implementar uma política de

estabilização macroeconômica de sucesso. Nesse sentido, na medida em que não havia as

condições necessárias para uma intervenção benéfica, os resultados foram os inconsistentes

e desastrosos pacotes. Em última instância, o que se produziu aí foi um ciclo vicioso em

que as deficiências do aparato estatal alimentavam as falhas de governo e estas,

intensificam aquelas deficiências. O resultado foi uma sucessão de políticas mal prescritas

que de antemão informavam seus resultados.

O principal subproduto dessa situação foi a deterioração das finanças públicas,

iniciada nos anos 80. Um processo que foi um misto dos efeitos da restrição externa sobre

as contas públicas com a má administração delas. A deterioração das contas públicas foi o

resultado da perda da usual habilidade do governo federal em gerar um largo superávit

primário. Esse processo evoluiu em quatro momentos.

No primeiro momento, da segunda metade dos anos 70 ao início dos 80, o governo

federal, para enfrentar a súbita escassez de recursos externos, elevou o investimento público

para um nível superior ao da poupança pública105, e financiou esse excesso com elevação

da taxa de inflação e estatização da dívida externa privada pelo Banco Central a partir de

1985.

Num segundo momento, a deterioração das contas públicas sucedeu os fracassos dos

planos de estabilização da segunda metade dos anos 80, aumentou a incerteza dos agentes

105 A poupança em conta corrente do governo - sua capacidade de financiar investimentos com recursos próprios – até 1977 oscilou entre 5% e 7% do PIB. A partir de 1978, reduziu-se, progressivamente, até tornar-se nula em 1985. A partir daí, mostrou-se negativa em todos os anos até 1994, com exceção apenas para 1986 e 1990. Ver TABELA 1.5 no primeiro capítulo.

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econômicos, promoveu uma total desordem na administração do orçamento público e uma

queda na demanda voluntária por títulos públicos.

Num terceiro momento, entre 1991 e 1993, quando o controle da hiperinflação passou

a ser feito através da administração de curto prazo do déficit público106.

E, finalmente, num quarto momento, na segunda metade dos anos 90, novamente

volta-se enfrentar problemas devido à explosão do déficit público107.

A franca deterioração do setor público que se externava nas iniqüidades e regras

incertas no cumprimento dos pagamentos públicos, na falta de comprometimento com

projetos de longo prazo e deterioração geral dos serviços públicos, prejudicavam o Estado

brasileiro, impedindo-o de agir como o promotor do crescimento de longo prazo.

É importante lembrar que embora a existência de uma burocracia de elite não seja

condição suficiente para um statecraft, sua inexistência o compromete, e aumenta as

chances de haver falhas de governo108. Desde meados dos anos 80, houve uma sistemática

106 Nesse período, havia uma estreita inter-relação entre moeda e as finanças públicas no Brasil. Era quase impossível, até meados de 1993, pôr em prática qualquer política monetária eficaz – visando preservar a estabilização e liquidez adequada da economia – sem que se atendesse antes à condição básica de reordenamento das finanças públicas. O que acontecia era que o Banco Central era o responsável pelos títulos do tesouro perante o público. Isto o transformava num agente de financiamento do Governo Federal. Esta atuação chegou a tal ponto que o open market no Brasil, se transformou, em grande parte, num instrumento permanente da administração da dívida pública nos mercados financeiros, ao invés de instrumento eventual de política monetária, em confronto aberto com o dispositivo constitucional que vedava ao Banco Central o financiamento do Tesouro. Era esta relação incestuosa da dívida pública com a política monetária que, no limite, explicava a administração da dívida no Brasil. DOELLINGER(1993) e VILLELA(1993). 107 O crescimento da dívida líquida do governo central a partir de 1994 esteve associado à perda de receita do imposto inflacionário, ao custo das renegociações de dívidas de governos estaduais e municipais e também aos efeitos da política monetária, que resultou num grande impacto sobre o custo do financiamento do déficit, devido à explosão que provocou na taxa de juros. Entretanto a principal causa da deterioração fiscal do Governo FH foi a deterioração do balanço primário que, por sua vez, foi o resultado de uma política fiscal expansionista. Enquanto no período 1991-94 o resultado primário médio foi 1,6% do PIB, entre 1995-98 foi de 0,3%. GIAMBIAGI & RONCI(2004) e Banco Central do Brasil: “Dívida Líquida e Necessidade de Financiamento do Setor Público”, ago/04 . 108 A conclusão que emerge dessa literatura é que a qualidade da burocracia estatal afeta a formulação e desempenho da política econômica, mesmo quando essas políticas visam reduzir a intervenção do Estado na economia. Há pouco consenso sobre quanto exatamente a capacidade administrativa interessa e como ela está relacionadas com o largo sistema político, e menos consenso ainda sobre porque algumas burocracias desenvolvem gestores de política mais eficientes que em outras. Mas vários dos autores que estudam essa questão notam a importância do que John Waterbury chamou de time of expert, Peter Evans identificou como

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decadência na qualidade do alto escalão da burocracia federal no Brasil devido à severa

redução dos salários109 e a subseqüente dificuldade de se recrutar novos e altamente

especializados funcionários110 e também, devido à elevada rotatividade de ministros111.

Contudo, o elemento definitivo para o processo de decadência da burocracia brasileira foi a

reforma do serviço público do Ministro João Santana no Governo Collor.

Outro elemento que também contribuiu para o empobrecimento do statecraft

brasileiro foi a reforma constitucional de 1988 quando restabeleceu o federalismo fiscal,

reduzindo as receitas da União e aumentando seus gastos, precipitando novas fragilidades

do governo central. O arranjo de federalismo claramente impôs severas dificuldades quanto

às políticas de estabilização no Brasil. O que aconteceu em 1990, ilustra bem as

dificuldades aí envolvidas. O esforço de austeridade do governo central foi parcialmente

consumido pelo sobre-gasto dos governos estaduais e municipais na onda da campanha

eleitoral. Isso também teve um sério impacto sobre a condução da política monetária, uma

vez que grande parte dos empréstimos de estados e municípios foi financiada pelos bancos

estatais, que acabaram sendo socorridos da falência pelo Banco Central, sob pressão

política dos governadores que possuíam grande ascendência sobre a Presidência da

República.

coerência burocrática e Haggard e Kaufman chamaram de insulamento, como as causas efetivas da decisão, formulação e implementação da política econômica. 109 Segundo Werneck(1993), o maior salário real de economista no Ministério do Planejamento no ano de 1992 era aproximadamente 20% do salário de março de 1985. 110 Pela legislação trabalhista do funcionalismo público – Regime Jurídico Único – o funcionário adquire estabilidade no emprego depois de 3 anos e somente será demitido sob acusação de falta grave. Havia à época, ainda, o princípio da isonomia em que qualquer benefício concedido a uma determinada categoria era estendido a todo o funcionalismo. Isso tornava legalmente impossível proteger o nível dos salários dos altos funcionários. 111 De março de 1985 a março de 1993, o Brasil teve 12 ministros da Fazenda. O que confere a cada um, um tempo de permanência média de 12 meses. Sendo que na Administração de Itamar Franco, de outubro de 1992 a março de 1993, passaram 3 ministros. Cada um permanecendo 2,5 meses. Werneck(1993). O troca-troca de ministros significou não apenas a interrupção de estratégias de políticas, mas também uma maior probabilidade de a nova equipe também permanecer pouco tempo no governo.

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Além de introduzir um inconsistente arranjo de federalismo fiscal, que ampliou o

esforço para um ajuste fiscal da União, a nova Constituição não concedeu ao Estado uma

coerente máquina contra as múltiplas pressões que emergiram, com a democracia, do

eleitorado e dos movimentos sindicais. Na verdade, ela ampliou o espaço para o histórico

comportamento rent-seeking de vários segmentos da sociedade brasileira, impondo sobre o

orçamento federal uma carga adicional considerável, exatamente quando os recursos fiscais

da União foram reduzidos em favor dos governos estaduais e municipais.

Todos esses elementos sintetizam o grau de exposição do governo, explicam as

persistentes falhas de governo e suas influências sobre o futuro das políticas

macroeconômicas do País. Por outro lado, procuram demonstrar por que, dentro do projeto

de modernização e ajuste da economia brasileira, a reconstrução do setor público seria um

dos pontos principais. Reconstruir o setor público significava, para o Brasil dos anos 90,

maiores chances de que o projeto de reestruturação da economia seria bem sucedido.

Primeiro, devido à centralidade do papel do Estado. Segundo, porque um setor público

ineficiente e desequilibrado não consegue garantir o rumo das políticas econômicas.

Em última análise, as condições em que se encontrava o Estado brasileiro no limiar

da década de 90 impunham uma drástica mudança em seu aparato, sob pena de

comprometer qualquer projeto de modernização da economia.

O ritmo que os diversos governos brasileiros conseguiram impor à reforma do setor

público frente a capacidade requerida para as ações do Estado, dentro da agenda econômica

da década de 90, é um dos elementos que explicam por que a política comercial brasileira

foi utilizada como instrumento de política de estabilização.

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2.4.1 - Mecanismos de influência dos fatores domésticos

Mais por força das circunstâncias do que por decisão própria, o Governo Sarney abriu

a agenda das reformas por que passaria o País nos anos 90. Essa administração,

lembrada como o primeiro governo civil após 30 anos de regime militar, foi também aquela

que submeteu o País ao fracasso de três planos de estabilização, que disseminaram a falta

de credibilidade na política econômica. O último ministro da Fazenda, Maílson da

Nóbrega112, em sua posse, tratou de enfatizar as prioridades de sua política econômica.

Seria a política do feijão-com-arroz, cujo principal objetivo era evitar que os desequilíbrios

macroeconômicos aumentassem. Contudo, apesar da promessa, num momento de

desespero, diante do desequilíbrio financeiro do governo, e a aproximação da hiperinflação,

em 15/01/89 foi lançado um novo plano: Plano Verão113.

A gravidade da situação interna não era menor que a externa. O País não conseguia

mais atrair o capital estrangeiro como antes, e o desempenho do seu comércio não era

suficiente para garantir-lhe aporte de capital necessário para fechar suas contas externas.

Mais ainda, aquele desempenho passara a ser o maior denunciante do atraso do parque

112 Maílson da Nóbrega assumiu a pasta da fazenda, interinamente, em 18/12/87, após demissão de Bresser Pereira, motivada pela recusa do Presidente Sarney em dar aval ao pacote econômico que propunha o aumento da carga tributária, inclusive com impostos sobre ganhos de capital, e o corte das despesas públicas, que previa o fechamento de algumas empresas do Estado. Maílson somente foi efetivado no cargo após sua posse, em 06/01/88. 113 Em sua estratégia procurou combinar as políticas monetária e fiscal ortodoxas com uma flexível política de rendas de maneira que não se criassem distorções no processo produtivo e no abastecimento. Contudo, os resultados positivos, se houve, foram muito limitados. A tentativa de apagar a memória inflacionária da economia ao extinguir a OTN e mudar a moeda para Cruzado Novo fracassou inteiramente. Por duas razões, a primeira, devido ao ceticismo com que os agentes econômicos receberam um terceiro choque heterodoxo e uma segunda reforma monetária num espaço de três anos. A segunda, porque o Plano não conseguiu cumprir as metas de contenção do déficit público nem da expansão monetária, nem a escalada dos salários nominais, apesar dos esforços da equipe econômica. Limitou-se a um congelamento de preços que não tinha como sustentar-se. O resultado foi uma nova aceleração da inflação que superou a então faixa psicológica dos 50% a.m., e o retorno da indexação diária pelo BTN fiscal. Ou seja, voltou-se ao ponto de partida.

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industrial do País, da necessidade de se elevar os níveis de eficiência da economia brasileira

e do papel que a abertura comercial no processo de inserção externa – é preciso importar

para exportar.

Entretanto, se entre os economistas aquela idéia vinha ganhando aceitação, ainda

estava pouco enraizada na mentalidade da elite política brasileira a percepção de que o

modelo econômico estava esgotado e que o País precisava modernizar-se para adquirir

condições de sobreviver ao novo cenário mundial.

A primeira iniciativa surgiu quando o Presidente Sarney anunciou, em 19/05/88, sua

“Nova Política Industrial”. Essa política trouxe algumas inovações, tais como: a dispensa

do controle prévio do governo na exportação de 3000 produtos – ficou mantido o controle

apenas sobre os produtos entorpecentes, material de emprego militar, elementos radiativos,

mercadorias que contribuíssem para a formação do patrimônio histórico e cultural e os

produtos que são regidos por convenções e acordos internacionais; extinguia-se a exigência

de autorização para a implantação de projetos industriais no País por investidores

internacionais; promoveu-se a redução do imposto sobre exportações e o fim das isenções e

reduções do imposto de importação e do IPI.

Na esteira desses acontecimentos, foram se ampliando as discussões sobre a

importância do aumento de produtividade, dos benefícios da exposição à concorrência, da

estabilidade macroeconômica e equilíbrio fiscal. E, principalmente, como a combinação de

todos esses fatores resultaria numa nova trajetória de desenvolvimento capaz de oferecer ao

país condições de se ajustar à realidade mundial.

Delineava-se, a partir daí, alguns dos elementos capazes de aumentar as chances de

retomada do crescimento sustentado e da inserção externa, ou seja, a promoção da

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eficiência econômica com o aumento dos níveis de produtividade e uma política externa

com maior flexibilidade e menos entraves burocráticos.

No núcleo da discussão sobre a eficiência da economia um elemento em especial

chamava muita atenção: o alegado inchaço da máquina do Estado114 , que se constituíra em

um dos fatores básicos de desperdícios de recursos. Os gastos públicos preocupavam não só

pelo seu montante, mas também pela sua qualidade.

A grande abundância de recursos (internos e externos) das décadas de 60 e 70

estimulou o avanço do setor público na economia e fez com que se perdesse a noção de

custo de oportunidade. Os recursos eram abundantes, baratos e pareciam ilimitados. Com

isso, o próprio governo decidiu ampliar substancialmente seus investimentos e gastos de

custeio. A despeito da importância de alguns projetos, a falta de critério na avaliação de

prioridades levou a muitos desperdícios. A centralização do poder político reduziu a

sensibilidade do governo, fazendo com que segmentos fundamentais fossem deixados em

segundo plano, provocando deterioração de serviços essenciais como educação, saúde e

segurança. E ainda, a distribuição de subsídios a inúmeros setores de atividade empresarial

gerou forte transferência de renda de duvidosa eficácia econômica.

O subproduto desse processo foi o peso de uma máquina estatal, cara e ineficiente,

asfixiando todo o sistema econômico, deixando-o sem vitalidade para se desenvolver.

Testemunhava-se aí o declínio do Estado brasileiro determinado principalmente, pela

hipertrofia burocrática e o excesso de regulamentação. Os impostos pagos pela sociedade

eram absorvidos pela máquina burocrática e pouco sobrava para investir em setores

essenciais como educação básica, saneamento, saúde, sistema viário, infra-estrutura de

energia, transporte de massa e comunicação. Observava-se também uma distribuição 114 Incluem-se aí, administração federal direta, os estados e municípios e suas respectivas empresas estatais.

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indiscriminada de subsídios e incentivos fiscais que sustentavam a prosperidade de

importantes (e grandes) segmentos do setor privado, que prosperavam à sombra do

paternalismo governamental e das reservas de mercados115.

O País testemunhava a degradação de um Estado, que chegou a ser o mais moderno

entre os países em desenvolvimento116. E, sucedendo-a, veio também a degradação do

sistema político, precipitada com a morte de Tancredo Neves.

“(...)Os partidos políticos, em vez de serem agências de propostas públicas

alternativas, mergulharam no mais despudorado fisiologismo e se transformaram

em verdadeiros canibais do Estado, impondo-lhe nomeações clientelistas,

contratos de favor e lhe extorquindo toda sorte de privilégios, à custa do erário

público e da boa ordem administrativa”117.

Nesse Estado insolvente, incompetente e corrupto, multiplicaram-se as distorções:

ausência do predomínio do interesse público, a proliferação dos cartórios empresariais, os

escândalos de favores clientelistas, de soluções especiais para certas categorias de

funcionários. Isto o tornou incapaz de encaminhar a solução dos macro-problemas do País,

na medida que cada uma delas, invariavelmente, contrapunha-se aos grupos de interesses

literalmente pendurados no Estado. Um bom e oportuno exemplo é a recíproca

incompatibilidade entre medidas requeridas para as políticas de estabilização e aquelas

destinadas a corrigir a dualidade social do País, como oportunamente ressaltou o sociólogo

Helio Jaguaribe:

115 É preciso considerar também que o orçamento público foi muito punido pelo custo da rolagem da dívida pública externa nos anos 80 e da rolagem da dívida interna, nos anos 90. 116 Segundo Helio Jaguaribe, entre as décadas de 40 e 70, o Brasil possuía o mais moderno Estado entre os países em desenvolvimento. 117 Hélio Jaguaribe, em “A Problemática Brasileira”,Jornal “A Folha de São Paulo” em 07/01/1990.

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“(...) As convenientes para combater a inflação agravavam os problemas

estruturais, a começar pelo crítico problema social. E as medidas adequadas

para minorar o problema social e os demais problemas estruturais, conduziriam

imediatamente a uma explosiva hiperinflação”118.

A percepção do problema sob seus diversos ângulos foi delineando a direção da

mudança e formando a agenda econômica dos anos 90. Essa era a linha sustentada, por

exemplo, por Mário Henrique Simonsen na imprensa da época, como por exemplo o

texto abaixo:

“(...) o governo precisa abrir mão de seus cacoetes, mudando a postura

intervencionista, para o país voltar a crescer”. “(...) A Nova República, em

matéria de ideário econômico, limitou-se a mostrar práticas das décadas de 40 e

50 com esquemas inventados durante os regimes militares, esquecendo o

essencial: que administrar uma economia democrática é sofrer o bombardeio de

pressões de todo o tipo. A única maneira de resistir ao bombardeio é dispor de

um sistema automático de contrapressões, que funcione como uma espécie de

terceira Lei de Newton – aquela que opõe a toda ação uma reação igual e

contrária. Na prática, isso significa a aceitação de regras institucionais rígidas

em substituição ao intervencionismo casuístico”119.

Entretanto, o próprio fato de se estar enfrentando problemas de vários ângulos,

sugeriria que a agenda da mudança seria muito mais complexa do que se imaginava e

precisaria cumprir uma seqüência ordinal de ações cujos resultados abririam as etapas

seguintes. Nesse sentido, as ações da “Nova Política Industrial” do Governo Sarney eram

apenas o começo.

118 Idem 119 Mario Henrique Simonsen, Revista Exame, 03/05/89

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E, confirmando aquela percepção, em pouquíssimo tempo a nova Política Industrial

esbarrou nas necessidades de outras mudanças – que o Professor Simonsen chamou de

‘regras institucionais rígidas’. Quando os efeitos da desvalorização do câmbio ameaçaram

os níveis de inflação, rapidamente as metas da abertura eram colocadas em segundo plano.

Isto aconteceu, por exemplo, quando, ancorado na desaceleração da economia120, o governo

passou a intervir no câmbio com o único propósito de segurar os índices inflacionários. O

resultado foi uma sobrevalorização acumulada do Cruzado Novo frente ao dólar americano

acima de 20%, somente em 1989121. Em decorrência disso, verificou-se uma queda no

superávit comercial de 1989 - US$16,111 milhões contra US$19,184 milhões de 1988122 -

resultado da desaceleração das exportações e manutenção dos volumes de importações

(antecipação das compras externas pelos importadores)123.

Na avaliação do sociólogo Helio Jaguaribe, dada a extensão do processo de mudança,

ele necessitaria mais que uma grande idéia, “(...) depende de uma linha estreitíssima de

medidas, combinando um fino acerto técnico com uma vigorosa e bem organizada vontade

política”124. O problema aí é que, também como lembrou o referido sociólogo, apesar de

esses problemas poderem ser solucionados com racionalidade e deliberação, “(...) é muito

estrito o elenco de medidas apropriadas, e muito grande a necessidade de apoio político e

social”. Elementos com os quais não contava o Governo Sarney.

120 Ela impediu que a intervenção resultasse em déficit na balança comercial. 121 Usando como deflator o IPA. Essa defasagem chegou a 34% se medida sobre uma cesta de moedas com base em março/86. Revista Conjuntura Econômica, jan, fev. e mar/90. 122 Revista Conjuntura Econômica, fev/90. 123 Curiosamente, apesar do superávit comercial, o nível das reservas não aumentou. O que aconteceu foi que aquele superávit foi quase completamente absorvido pelo pagamento da dívida externa, apesar da queda nas taxas de juros internacionais. Esse fato é mais um a ratificar a necessidade de mudança na política externa brasileira. 124Em “A Problemática Brasileira”, Jornal “A Folha de São Paulo” em 07/01/1990.

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Assim sendo, o legado do Governo Sarney foi o de ter explicitado, nos seus

desacertos, a natureza sistêmica das sucessivas crises enfrentadas pelo País na segunda

metade da década de 80. Essas crises ofereceram os elementos catalizadores da agenda

econômica. Foram, portanto, os mecanismos domésticos que permitiram a influência das

idéias liberais na ampla mudança estrutural.

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TERCEIRO CAPÍTULO

A REFORMA COMERCIAL

3.1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo discutirá as questões que envolviam o projeto de reforma da política

comercial brasileira no Governo Collor. Pretende identificar: (i) os entraves da estrutura

regulatória do comércio brasileiro à melhoria no desempenho do setor produtivo e, por

desdobramento, das exportações do País e; (ii) os elementos que interagiram no contexto da

transição de um regime restritivo para um de comércio liberalizado mostrando como esses

elementos interferiram no timing e na evolução das reformas da política comercial.

Neste capítulo trabalharei com a hipótese de que a precedência atribuída à questão

da estabilidade macroeconômica foi o fator que definiu a trajetória seguida pela política

comercial da década de 90, porque todo o projeto de mudança, no qual estão inseridas a

estabilização econômica e a reforma da política comercial, naquele momento, ficou

condicionado à consolidação da estabilidade.

A política de liberalização comercial nos anos 90 atravessou três governos: Collor,

Itamar e FH. No seu desenho inicial, ela era um dos pilares do projeto de reforma estrutural

da economia brasileira, cujo papel era aumentar a exposição do mercado interno à

concorrência internacional, para induzir o setor produtivo doméstico a apresentar maior

eficiência, aumentando sua produtividade e, conseqüentemente, alcançando maior

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competitividade para seus produtos. Sendo esta política de tradição liberal, descartava todo

instrumento de proteção comercial que não as tarifas de importações, e defendia um regime

de câmbio livre, para que os movimentos da taxa de câmbio complementassem a proteção,

quando as baixas tarifas resultassem em um crescimento indesejado das importações.

Ocorre que, os livres movimentos do câmbio, pensados sob a ótica da política

comercial, podem contrapor-se às necessidades da política de estabilização doméstica e,

nesses casos, o gestor de política econômica precisará decidir a quem atenderá. Sobretudo

porque a estabilidade macroeconômica é também um pilar do programa de reformas

estruturais. Nesse sentido, a abertura comercial e a estabilização da economia são peças

interdependentes.

Em cada um dos governos dos anos 90, essa interdependência refletiu-se na política

de abertura. No Governo Collor, como a instabilidade macroeconômica não foi vencida,

houve avanços nas quedas das barreiras tarifárias, nem tanto nas barreiras não tarifárias

(BNT), mas foi “freada” quando as taxas de câmbio foram utilizadas para conter taxas de

inflação. No Governo Itamar concluiu-se o processo de redução de barreiras, mas a política

cambial foi usada deliberadamente para consolidar a recente estabilização. E finalmente, no

Governo FH (primeiro mandato), ela foi indiretamente tratada pela política cambial, que foi

o principal instrumento da política de estabilização da segunda metade da década de 90.

Ao longo do capítulo ver-se-á que falar de política comercial, muitas vezes se

confunde, para os formuladores da política econômica à época, com o falar de

estabilização. Por isso, será sempre difícil na leitura da imprensa desse período, se as

autoridades estão falando da segunda ou da primeira. As razões para isso serão discutidas

no 4º capítulo. Por hora, a idéia que se terá é a de que o discurso da modernidade, do

crescimento sustentável, não é puxado pela liberalização do comércio, mas sim pela

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estabilidade macroeconômica. E isto se refletirá nos debates, na agenda, nos interesses. O

discurso da modernidade da tradição liberal, não admite crescimento sem estabilidade, é

como se ela fosse a peça suficiente e as demais, as necessárias. Daí surge o impasse, toda

mudança fica condicionada à estabilidade. Foi o que aconteceu com a política cambial ao

longo de toda a década de 90.

3.2 – O PRENÚNCIO DA REFORMA NO GOVERNO SARNEY

O primeiro capítulo descreveu as características da economia brasileira no final dos

anos 80 - Governo Sarney - mostrando o distanciamento que se abria entre ela e a economia

mundial e a preocupação que este fato despertava entre os economistas. A discussão em

torno das dificuldades enfrentadas pelo País levou a que se identificasse o núcleo daqueles

problemas - baixas produtividade e competitividade e instabilidade macroeconômica - e

dessa constatação veio a conscientização da necessidade de um novo projeto de

desenvolvimento que criasse os mecanismos para reverterem aquela situação e assim

recolocassem o País numa nova trajetória de crescimento. Esta seria então a agenda

econômica dos anos 90.

Contudo, definir a agenda não foi suficiente para produzir um conjunto de medidas

que efetivamente a implementassem. Até 1993, duas ordens de fatores impediram que se

avançassem nas reformas estruturais necessárias para superação do atraso. A primeira,

foram os fracassos dos planos de estabilização que resultaram numa forte instabilidade

macroeconômica. A segunda, a falta de consenso quanto ao esgotamento do modelo de

desenvolvimento vigente e da natureza das mudanças necessárias para que o País retomasse

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sua trajetória de crescimento. Havia ainda muita resistência à aceitação de algumas novas

idéias, por exemplo, a de que barreiras tarifárias em excesso encapsulavam a economia e

roubavam seu dinamismo inovador. Ou que o papel do Estado deveria ser diminuído para

que se evitassem os efeitos das falhas de governo sob a estabilidade macroeconômica.

Cumpre lembrar que, no Brasil, a distensão política não aumentou o desejo de

ampliar o intercâmbio comercial e tecnológico com o exterior. Ao contrário, ela reforçou o

nacionalismo e o dirigismo econômico. Essa situação somente mudou com Fernando Collor

de Mello que conseguiu “quebrar” aquela “resistência” com um discurso que denunciava,

com grande veemência, o casamento espúrio entre o Estado (forte), corrupto, centralizador

e em crise, com a burguesia cartorial e alienada, desacostumada ao jogo do livre mercado e

à aventura do risco125. Com seu discurso, Collor conseguiu colocar na defensiva antigas

crenças de importantes grupos de interesses que vinham reagindo às tentativas de abertura,

alegando que o País sempre respondera criativamente às imposições ditadas pela histórica

restrição externa.

A reforma da política comercial dos anos 90, também chamada de liberalização,

insere-se nesse contexto como uma das mudanças que deveriam levar a economia a se

modernizar e adquirir condições de acompanhar o ritmo e a trajetória da economia mundial.

Nesse sentido, deve ser entendida como um dos componentes de um projeto de alteração

profunda no imaginário da sociedade sobre políticas de desenvolvimento e dos objetivos e

instrumentos da política industrial.

Apesar do papel esperado do comércio exterior, até 1988 a política comercial

alternava-se entre a adoção de instrumentos voltados para fomentar as exportações e frear

125 José Neumanne, Editorial do Jornal “A Folha de São Paulo”, 14/03/90.

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as importações, conforme a situação externa126. Faziam parte dessa estratégia os Programas

de Importação – que incluíam as licenças para importação – e as Exigências de

Financiamento Externo para Importações. Esses instrumentos permitiam ao governo

controlar as importações conforme o nível de reservas e funcionava como programa

informal para estimular as exportações – uma vez que se podia flexibilizar as exigências do

Programa de Importação conforme o potencial exportador do importador. Isto, contudo, não

foi suficiente para afastar a ameaça do desequilíbrio externo127.

Naquele momento, o regime comercial que vigorava se caracterizava por: (i) um

rigoroso regime de restrição às importações, baseado em concessões discricionárias de

licenças para importar128; (ii) um ativo sistema de incentivo às exportações através de

subsídios e isenções fiscais e; (iii) um razoavelmente bem administrado sistema cambial,

que evitava, exceto em raras exceções, excessivas valorizações do câmbio.

A maioria dos instrumentos de controle das restrições quantitativas ao comércio era

imposto e administrado pela CACEX, e gerenciado freqüentemente por várias agências

governamentais descoordenadas, que seguiam, às vezes, critérios conflitantes, mas sempre

suas ações estavam motivadas pela restrição de divisas.

O rigor com que a CACEX exercia seu poder de controle de importações variava

conforme a situação do balanço de pagamentos. E, apesar de ser muito difícil capturá-lo

quantitativamente - considerando-se a burocracia que envolvia seu funcionamento - é

razoável dizer que, embora alguma flexibilidade pudesse ser observada nas restrições às

importações no final da década de 80, até 1990, quando a experiência da liberalização

126 A partir de 1985 quando o equilíbrio externo restabelecera-se, a política comercial passa a ser instrumento para promover a estabilização interna através da facilitação de importações. Afrouxaram-se então, os controles sobre importações. 127 Apesar do bom desempenho exportador a partir da segunda metade dos anos 80. 128 Esse instrumento era também utilizado como parte significativa da política industrial do País.

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começou, a cobertura das restrições quantitativas permaneceu a 100%. O rigor certamente

foi aumentado em 1982, com o aumento de exigências para financiamentos, por exemplo,

mas em 1984, quando a situação do balanço de pagamentos melhorou, as restrições

relaxaram. E aí, os programas de importação exigidos pela CACEX eram apenas

‘indicativos’ e o excesso da carga tributária – entre 30 e 100% desde 1976 – era substituído

por tarifas crescentes com adições entre 10 e 30%129.

Na esteira do extenso poder discricionário da CACEX nasceu a lei não escrita do

similar nacional. Segundo esta lei, qualquer produto importado deveria se submeter a uma

análise para assegurar que não havia similar. Uma vez comprovada a similaridade a

importação era proibida. Esse dispositivo tornou-se um instrumento crucial na defesa do

market share doméstico e criou uma importante distorção distributiva. Proibia-se a

importação de similar nacional e subsidiavam-se empresas que importavam bens sob

regimes especiais - em 1985 67% das importações brasileiras se davam sob redução ou

isenção de tarifas. Esse regime comercial que mesclava proteção elevada como regra, e

subsídios às exportações, como exceção para os exportadores, criara um viés

antiexportação compensado apenas em indústrias específicas.

Entre os meses de maio e julho de 1988, foi iniciada a reforma tarifária que

pretendia fornecer uma estrutura tarifária que atendesse principalmente às necessidades de

modernização da indústria brasileira e fosse, ao mesmo tempo, um instrumento racional de

proteção. As primeiras modificações conseguiram apenas uma redução moderada do nível

de proteção efetiva, uma vez que apenas reduziu tarifas nominais sem eliminar a

redundância tarifária (Tabela 3.1), e propiciou alguma simplificação e consolidação dos

regimes de tarifação de bens importados. Eliminaram-se as sobretaxas de Imposto de 129 Fritsch e Franco(1991:16)

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Operações de Câmbio e valores (IOF) e Taxa de Melhoramento de Portos (TMP) e uma

parcela (correspondente a 16% das importações) dos regimes especiais. Outros regimes

desse tipo permaneceram com 80% de isenção (navegação, aérea, energia elétrica,

Petrobrás e cinema/rádio/TV), sendo os demais plenamente mantidos (incentivos às

exportação, BEFIEX130, draw-back, acordos internacionais, Zona Franca de Manaus,

etc.)131. No entanto, o ponto fundamental das restrições não tarifárias ficou intocado uma

vez que, mesmo com a redução da tarifa máxima para 85%, a tarifa média para

manufaturados (incluindo sobretaxas) foi estimada em 51% em agosto de 1989132 (Tabelas

3.2 e 3.3) o que é ainda extremamente elevado para os padrões internacionais. Isso mostra

que a reforma de 1988 não chegou a ser uma liberalização comercial e sim uma

racionalização tarifária.

As medidas adotadas naquele momento eram o início de um processo planejado de

liberalização, simplificação e desburocratização que levariam a uma estrutura de comércio

eficiente, regulado por um sistema de preços e câmbio livres. Nesse sistema a indústria

nacional seria protegida por tarifas e taxa de câmbio.

130 O Programa BEFIEX foi um importante instrumento para contornar a estrutura de proteção. Permitia isenções de imposto sobre importações e de ter que se submeter à análise do similar nacional para insumos e bens de capital, em troca de compromisso, de exportar nunca menos que o dobro do valor importado. Esse compromisso foi assumido em contratos de muitos anos. Inicialmente, principalmente por empresas estrangeiras. Com o passar do tempo, o programa tornou-se o mecanismo através do qual as empresas nacionais buscavam reduzir o peso dos impostos de importação sobre importação de bens de capital e desviar-se da análise da similaridade, ou seja, um esquema através do qual as firmas exportadoras poderiam ter acesso a importações, sem as quais não poderiam obter competitividade. As exportações, sob esse programa, aumentaram mais de 10 vezes de 1974 a 1981, e 4 vezes durante 1982-89. A participação das empresas estrangeiras nos programas de exportação caiu significativamente após meados de 1970, e participação de empresas exportadoras de manufaturas aumentou de 16% entre 1975-79 para 23% em 1987, permanecendo aí. Fritsch e Franco (1992) 131 Oliveira(1993) 132 Braga e Tyler(1990)

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TABELA 3.1 BRASIL – 1988/93

TARIFAS NOMINAL E EFETIVA %

jul/88 Set/89 Set/90 fev/91 jan/92 out/92 jul/93 TARIFA NOMINAL Média simples 38,5 31,6 30 23,3 19,2 15,4 13,2Média ponderada (1) 34,7 27,4 25,4 19,8 16,4 13,3 11,4Mediana 40,2 32,6 31,3 20,8 20,2 14,4 12,8Mínimo 0,2 0,1 0,1 0,1 0 0 0Máximo 76 75 78,7 58,7 48,8 39 34Desvio Padrão 15,4 15,9 15,1 12,7 10,5 8,2 6,7 TARIFA EFETIVA Média simples 50,4 45 45,5 35,1 28,9 22,5 19,9Média ponderada(2) 42,6 35,7 33,7 26,5 21,7 17,2 14,5Mediana 52,6 38,1 34,6 24 20 16,7 15,1Mínimo 54,5 -4,4 -4,3 -3,3 -2,8 -2,3 -2Máximo 183 219,5 312,9 225,2 185,5 146,8 129,8Desvio Padrão 33,4 39,8 53,3 39,7 32,7 25,2 21,7 Fonte: Kume(1996) (1) = cálculos baseados nas tarifas médias das atividades definidas como comercializáveis, segundoa classificação da Matriz de Insumo-Produto do IBGE/1985. (2)= ponderação feita pelo valor adicionado de livre comércio

Essa mini-reforma de 1988/89 foi importante para preparar o terreno para um

programa mais ambicioso de reformulação da política comercial. Contudo, ela não

conseguiu superar a “timidez” do governo para agir de maneira a garantir a consecução das

metas da reforma. Pelo contrário, a um leve sinal de acomodação do setor externo, se

arrefecia o esforço da política para a atenção do problema interno – inflação. Isso ficou

especialmente evidente ao final de 1988. Como as medidas facilitadoras de importação de

agosto de 1988 não produziram aumento significativo das importações e as exportações

cresciam rapidamente, empreendeu-se um esforço maior de liberalização do fluxo de

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capital, da importação de bens intermediários, do relaxamento das exigências para

financiamento de importação e estenderam os programas de exportação para 1989.

Contudo, tanto o resultado das importações quanto das exportações são antes o efeito do

baixo crescimento econômico, e da elevada incerteza, conjugados à restrição de importação

implícita pela lei do similar nacional. Desconsiderando os efeitos desses elementos sobre a

demanda de importações - de bens de produção e de consumo - não se admitiu também a

sobrevalorização da taxa de câmbio que adviria da pressão inflacionária originada do

aumento da oferta de moeda devido ao inesperado elevado nível das exportações.

Como seria de se esperar, na segunda metade de 1989 os efeitos da política de

estímulos às importações tornaram-se aparentes. Entre abril e agosto as importações

mensais cresceram 77%, contra um crescimento de 30% das exportações133. O superávit

comercial de setembro a dezembro foi o menor em dois anos. A tendência à deterioração do

saldo comercial sugeria que, sem uma mudança significativa no regime de política

econômica, a política comercial retornaria brevemente ao ciclo do controle de importação e

promoção de exportação.

Esse conjunto de ações resultou na piora do saldo comercial, comprometeu o

equilíbrio externo, que vinha sendo construído ao longo da década, levando ao aumento da

intervenção do governo na economia e, seu principal subproduto, a escalada da inflação. Na

medida em que crescia a inflação, mais difícil ficava a viabilizar uma reforma cambial, pois

o governo hesitava diante da ameaça do impacto inflacionário de uma desvalorização

cambial.

133 World Bank(1990) e Banco Central do Brasil

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TABELA 3.2 TARIFAS NOMINAIS MÉDIAS

1989-1994 (Anos selecionados) %

1984 1989 1991 1994 Tarifas Tarifas com sobretaxa (a) (a) INDÚSTRIA Mineração 16,7 19,5 24,8 3,9 1 Minerais não metais 98,7 37,7 44,8 14,5 7,5 Metalurgia 72,8 41,4 46,7 18,1 10,6 Maquinaria 62,1 46,9 51,6 30,4 19,7 Material Elétrico 100,4 50,2 54,5 34,3 21,1 Material transporte 115,9 47,3 52,2 42,3 25,7 Madeira 101,1 28,9 32,9 12,9 10,3 Mobiliário 169,9 38,9 44,9 32,1 20 Papel 82,2 32,8 37,2 12,9 8,5 Borracha 101,7 58,6 64,4 36,1 16,2 Couro 135,2 44,6 51,1 12,4 8,7 Química 34,2 37 42,3 18,2 7 Prod.Farmacêutica 42,2 40,7 43,4 19,6 13,3 Perfumaria 184,4 73,6 76,5 42,6 19,8 Plásticos 164,3 56,9 61,7 34 18,6 Têxtil 161,6 77,9 84 37,6 16,6 Vestuário 192,2 78,3 82,1 46,3 20 Alimentação 84,2 38,4 42,9 21,3 13,9 Bebidas 183,3 70,5 78,4 63,7 19,8 Fumo 204,7 85 88,8 70 19,2 Gráfico e Editorial 71,1 27,8 34,1 11,4 8,7 Diversos 136,5 54,4 60,2 36,4 17,9 Médias Agricultura 57,3 24 29 9,8 5,7 Manufaturados 90 46,1 51,2 Fonte: Braga e Tyler(1990) (a) médias ponderadas pelo valor adicionado

Naquele momento, o dilema do Governo Sarney para prosseguir nas mudanças

propostas era não saber como conciliaria os efeitos da nova política comercial sobre o

câmbio e este sobre a inflação. Além disso, ainda teria que enfrentar as resistências dos

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grupos de opiniões que não estavam insatisfeitos com a estrutura do comércio e da política

industrial, e com isso resistiam à idéia de uma reforma dessa natureza. Na verdade, o

dilema só existia porque o governo não tinha instrumentos para esterilizar os efeitos

imediatos do câmbio sobre a inflação, por esse motivo ele hesitava, entre a estabilidade e o

comércio exterior, dependendo de qual situação era mais crítica.

3.3 – A REFORMA COMERCIAL DE FERNANDO COLLOR

Fernando Collor, ao assumir o governo em 15/03/90, apresentou um conjunto de

medidas, que em muitos pontos era sintonizado com as idéias da agenda econômica de

reformas empreendida por outros estados Latino-Americanos naquele momento. Propunha

a redução da participação do Estado na economia, o estímulo à livre competição como

instrumento para promover a modernização do parque industrial e uma política de comércio

exterior menos protecionista. Essas medidas visavam promover a integração econômica do

Brasil com o resto do mundo e, no limite, significavam a decretação da falência do modelo

de substituição de importações. Em meio a um feriado bancário de três dias foram

divulgadas as medidas provisórias que modificaram sensivelmente a economia do País134.

134Dentre as mais importantes: (i) Retenção compulsória de grande parte dos ativos financeiros do País. Foi liberado um limite máximo disponível para qualquer movimentação bancária de Cr$50.000,00, equivalentes a US$1,300 pelo câmbio oficial da época. Somente a partir de setembro/91, os recursos seriam devolvidos em 12 parcelas com correção monetária e juros de 6% a.a; (ii) Extinção de diversas entidades da administração Pública Federal; (iii) Programa Nacional de Desestatização: Dentro desse programa surgiram os ‘certificados de privatização’, nominativos, não negociáveis, sem data de resgate que, seriam, em grande parte, compulsoriamente adquiridos por bancos e instituições financeiras de um modo geral;(iv) Nova Política de Comércio Exterior; (v) Instituição de taxações transitórias no sistema financeiro: Visavam elevar a arrecadação tributária adicional de maneira a alcançar o equilíbrio orçamentário. Os impostos cobrados ao setor produtivo foram indexados ao BTNf de forma a reduzir as perdas entre o fato gerador e a efetiva arrecadação do tributo;(vi) A moeda corrente voltou a se chamar Cruzeiro; (vii) Em 18/03/90 foi adotado o câmbio flutuante para as operações externa de importações e exportações.

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O núcleo da política industrial transferiu-se para a questão da produtividade e os

instrumentos tradicionais da política industrial passaram a ser utilizados visando resultar

em maior eficiência econômica. Surgia então um novo estilo de política industrial que tinha

como regra do jogo o estímulo à competição, e a competitividade como o principal

objetivo. Para alcançá-los, foram desenhados dois conjuntos de instrumentos, diferentes,

porém, complementares. (1º) Política que estimulasse a competição, criando regras estáveis

e transparentes para a competição industrial puxadas pela liberalização das importações e

pela adoção de uma efetiva política antitruste para o setor não tradable – o que

aparentemente subscreve a idéia de que a disciplina de mercado deve ser tomada como o

indutor básico do esforço tecnológico; (2º) política de competitividade, composta por um

conjunto de instrumentos destinados a sustentar o crescimento da competitividade das

empresas brasileiras135.

Para implementação dessa política, foi feita uma revisão do confuso sistema de

incentivos fiscais e de crédito à produção industrial, investimento e exportações, e sua

substituição por um pequeno sistema seletivo de investimento. Pretendia-se com isso,

atacar as falhas de mercado que inibiam os esforços tecnológicos através de subsídios

fiscais ou compartilhamento de risco no financiamento de projetos de P&D, criando

externalidades positivas através de massivos gastos em treinamento técnico. Em ambos os

casos, estabelecendo metas de desempenho.

135 A política de competitividade englobou três programas: PACT(Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica) de setembro/1990, onde definiu-se metas de aplicação de recursos em ciência e tecnologia e propôs-se restabelecer incentivos fiscais para esses gastos; o PBPQ (Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade), lançado em novembro/1990, buscou mobilizar e articular esforços do governo e da sociedade civil em torno desses dois problemas; e o PCI (Programa de Competitividade Industrial) de fevereiro/1991. Algumas medidas destinadas a atividades específicas, como o financiamento das exportações pelo BNDES ou para determinados setores, como o eletrônico, tomadas isoladamente, seriam incorporadas e/ou ampliadas pelo PCI. Erber(1993:48)

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Em 26/06/1990, o Ministério da Economia anunciou as “Diretrizes Gerais para a

Política Industrial e de Comércio Exterior” – a PICE. Com ela o governo pretendia abrir a

economia para torná-la mais competitiva e “(...) utilizar de forma mais eficiente as forças

de mercado para induzir a modernização tecnológica do parque industrial e aperfeiçoar as

formas da organização da produção e da gestão do trabalho”. Previa:

(a) redução progressiva dos níveis de proteção tarifária;

(b) reestruturação competitiva da indústria, através de apoio creditício e

fortalecimento da infraestrutura tecnológica;

(c) fortalecimento de setores potencialmente competitivos;

(d) exposição planejada da indústria brasileira à competição internacional;

(e) capacitação tecnológica das empresas nacionais

A proposta de Collor sintetizava o retrato da economia brasileira do início da

década: (i) A necessidade premente: modernizar-se para sobreviver; (ii) O obstáculo que

enfrentava: baixa produtividade e competitividade da economia; (iii) Um efeito colateral

que esse quadro de baixo dinamismo produzia: uma política comercial protecionista que

acabava por perpetuar o atraso do setor produtivo e, finalmente a solução (iv) Política

Industrial que resultasse em ganhos de produtividade para que, com eles, se aumentasse a

competitividade dos produtos brasileiros e obtivesse melhor desempenho exportador. Isso

liberaria a política comercial do papel de defensora dos produtos brasileiros da

concorrência externa, viabilizando com isso, a redução de tarifas para aumentar as

importações, passando essa política a funcionar como um dos instrumentos fomentadores

da produtividade/competitividade.

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Partindo do princípio de que a política comercial vigente comprometia o bom

desempenho do setor produtivo ao barrar o acesso externo de insumos e tecnologia e

cercear os mercados domésticos da concorrência externa, propôs um novo regime

comercial sustentado em apenas dois instrumentos: taxa de câmbio (livre) e tarifas, que

deveriam ser reduzidas paulatinamente.

Entretanto, esse conjunto de medidas continha um ponto de imprecisão: o equilíbrio

macroeconômico. A instabilidade macroeconômica foi uma constante em todo o Governo

Collor e teve conseqüências concretas na evolução da reforma comercial.

Pelo lado das contas públicas, o equilíbrio alcançado nos primeiros meses do

governo era bastante efêmero. Observou-se um superávit de caixa nas contas públicas que

na verdade era resultante das ações ad hoc adotadas com o objetivo de recuperar as receitas,

tais como o aumento das alíquotas (por exemplo, do IOF), fim das isenções fiscais, a

indexação dos tributos (BTNf), do aumento da fiscalização, o atraso no pagamento de

fornecedores e principalmente, do congelamento dos ativos financeiros.

Um erro de avaliação do governo levou a que a taxa de câmbio entrasse numa

trajetória de valorização. Ele propôs vincular o pagamento da dívida externa à capacidade

de geração de recursos. Isso levou os agentes a acreditarem que não haveria mais

necessidade de se obter elevados superávits para garantir os pagamentos da dívida

externa136. O inconveniente do câmbio valorizado naquele momento, além de representar

uma descontinuidade da política cambial, era que ele potencializava os efeitos negativos da

recessão interna sobre o comércio exterior, e passava a ameaçar a continuidade do ousado

projeto de liberalização comercial em suas metas de redução de barreiras tarifárias e não

136 Em princípio o governo atribuiu a valorização à escassez de Cruzeiros derivada do congelamento dos ativos, mas sua causa principal foi a proposta de vincular o pagamento da dívida externa à capacidade de geração de recursos.

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tarifárias e manutenção de taxas cambiais realistas137. As exportações não reagiram de

imediato138 e as importações – principalmente bens de capital – apresentaram pouco

entusiasmo139. O grosso da elevação das importações – de US$18,3 bi em 1989 para

US$20,4 bi em 90 – foi explicada pela elevação do preço do petróleo a partir de agosto.

Contudo, independentemente da causa, a sobrevalorização comprometia o saldo

comercial e esse fato seguramente levaria, como levou, o governo a intervir no câmbio,

promovendo as desvalorizações140. Essas interferências sobre o câmbio representavam uma

descontinuidade da política cambial que não era bem vista nem havia sido prevista pela

proposta da reforma comercial.

E ainda, ao final de 1990, com a inflação aproximando-se de 20% a.m., o Plano

Collor já estava desacreditado. O governo respondeu a esse descrédito com outro pacote de

medidas, o Plano Collor II, no final de janeiro de 1991 e cujos efeitos recaíram diretamente

sobre o setor externo. A balança comercial manteve praticamente o mesmo resultado,

US$10,580 bi em 1991 contra US$10,752 bi em 1990 e a balança de capital saiu de um

superávit de US$4,592 bi em 1990 para um superávit de US$163 milhões em 1991,

refletindo a fuga de capital sofrida reflexos não só do desequilíbrio externo, mas também da

falta de uma sólida política interna de ajuste econômico. Na realidade, até mesmo o saldo

comercial era o reflexo da recessão interna, que liberava recursos domésticos para

exportação e continha as importações.

137 Quando o Governo Collor divulgou sua política de liberalização do comércio exterior, a expectativa era de que haveria um salto significativo das importações – exceto petróleo – o que não ocorreu devido a queda de 4% do PIB. 138 Houve queda das exportações de 1990 (US$31,4 bi) em relação a 1989 (US$34,4 bi). 139 As empresas enfrentavam problemas no âmbito externo e no interno. Havia muita dificuldade para obtenção de crédito internacional diante do impasse da dívida externa. Domesticamente não conseguiam se auto-financiar pois os juros estiveram elevados, enfrentavam problemas de caixa e hesitavam muito diante das incertezas da economia – aumento dos registros de concordatas e falências. 140 Essa intervenção começou em set/91 e, no final desse ano, o Cruzeiro apresentava uma desvalorização real de 30% em relação ao dólar.

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A instabilidade macroeconômica teve efeito direto sobre a condução da reforma

comercial do Governo Collor que chegou a hesitar diante do processo de desmantelar

algumas barreiras não tarifárias (BNT), especialmente a vasta rede de restrições

quantitativas, e do programa de redução gradual de tarifas, a ser concluído em 1994.

O programa começou com substituição das BNT por tarifas – chamadas de tarifas

equivalentes – e seguiria com a posterior implantação da redução dessas tarifas. O

mecanismo previsto era que, toda vez que a redução da tarifa colocava-a num nível abaixo

do ‘equivalente’, o processo seria seguido por desvalorizações reais do câmbio; e o mesmo

deveria acontecer quando o volume de importação crescesse significativamente frente a

queda das tarifas141.

Ocorre que, a política cambial não estava conseguindo inverter a tendência de

valorização do câmbio, conseqüentemente, as novas tarifas estavam ficando abaixo do nível

equivalente. Mais ainda, a nova política de proteção, ao eliminar o ANEXO C, liberalizou

principalmente, bens de consumo. Manteve grande parte da indústria de bens de capital e a

indústria de informática num regime mais protegido do que antes, quando sustentou a

exigência do índice de nacionalidade dos insumos142 e suspendeu novos contratos BEFIEX.

Com a suspensão desses contratos foi retirado um importante mecanismo de acesso à

importação de bens de capital pelas empresas, afetando os segmentos industriais mais

modernos, representando possivelmente mais de 50% da produção industrial.

141 Nesse último caso, as desvalorizações não vieram pois, naquele momento, a liberalização não resultou em aumento das importações devido à recessão. 142 O índice de nacionalidade mínimo exigido sofreu uma pequena redução nos níveis praticados pelo BNDES. Foi inicialmente reduzido nos financiamentos de bens de capital produzidos domesticamente através do programa FINAME e, em fevereiro de 1991, teve nova redução para o teto de 60%. Entretanto, uma lei de 1988, que ainda vigorava, estabelecia que todas as firmas que recebessem qualquer tipo de incentivo fiscal e financiamento de bancos oficiais e mantivesse relações com o governo, deveria se submeter ao índice de nacionalidade. Fritsch e Franco (1991:50)

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Essa estratégia de política pecava por várias razões. A primeira, ao produzir um viés

pró-importação para bens de consumo contra os bens de produção, comprometia

diretamente o desempenho exportador. Confrontava-se, portanto, com um dos pilares

básicos da reforma. Segundo, não apenas postergava a constituição de uma política

comercial sob regime de tarifas, mas sinalizava que, de fato, a motivação principal daquela

política era a redução dos preços dos bens de consumo, devido aos seus efeitos na formação

dos preços domésticos e na taxa de inflação. Finalmente, mantinha alguns “vícios” da

política comercial que propôs eliminar.

À medida que o tempo foi passando, e não se vencia esse obstáculo político

operacional do processo de liberalização, mais comprometida ficava o projeto de

competitividade do País. E mais vulnerável ele ficava aos efeitos dos choques externos

sobre sua economia.

Por outro lado, o recrudescimento do processo inflacionário acabava por produzir

um conflito latente de objetivos para a política cambial. Para alcançar o equilíbrio externo

seria necessário compensar a queda nas tarifas com desvalorização proporcional do câmbio.

Para usar a liberalização como instrumento de estabilização não era possível desvalorizar o

câmbio na proporção da queda das tarifas.

A preocupação latente com as taxas de inflação levou a política comercial

erradamente a concentrar-se na redução das tarifas nominais quando o mais apropriado era

o de tarifa efetiva, isto é, a que leva em conta a taxação dos insumos. A tarifa nominal, isto

é, a que incide diretamente sobre o produto importado, não fornece a exata medida da

proteção que o produto nacional recebe. Segundo estimativas143, uma tarifa nominal de

20% para o conjunto da indústria de transformação resulta, em termos efetivos, numa 143Kume(1996), Revista Conjuntura Econômica

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proteção próxima de 40%. Daí o despropósito da proposta do governo em manter uma

tarifa média de 20% e máxima de 40%, para os setores considerados ‘prioritários’.

Por outro lado, apesar do regime de câmbio flutuante, o Banco Central vinha,

sistematicamente, intervindo no câmbio, aproveitando-se da ‘folga’ da demanda por moeda

estrangeira em decorrência à suspensão do pagamento do serviço da dívida externa. Por

essa razão, o câmbio flutuante, usado nas operações comerciais, não reduziu a defasagem

que vinha se acumulando nos últimos anos. Pelo contrário, entre os meses de março e

agosto de 90, o dólar desvalorizou-se 194,5% diante de uma inflação de 197,75% no

mesmo período144. Isso indicava que o governo continuava a utilizar-se do atraso cambial

como suporte de combate inflacionário.

Por tudo isso, o que se observou, a partir do segundo semestre de 1990, foi uma

revisão pura e simples das alíquotas tarifárias que, no limite, representava uma ameaça à

iniciativa liberalizante. Era uma alteração ainda insuficiente para impulsionar os fluxos de

comércio porque não estava sendo complementada por medidas que desobstruíam os canais

financiadores nem removiam alguns entraves à automação da produção145.

Em termos de política comercial, este era o quadro quando a Ministra Zélia foi

substituída, em 29/05/91, por Marcílio Marques Moreira146. O novo ministro teria pela

frente, o desafio de encontrar soluções para alguns problemas que ainda não haviam sido

encaminhadas147. A aparente tranqüilidade que informavam os dados repassados pela

144 Revista Conjuntura Econômica, setembro/90. 145 A desobstrução dos canais de financiamentos era crucial ao aprimoramento da indústria de base, por sua vez, fundamental para alavancagem quantitativa e qualitativa das exportações do País. Faltava ainda redefinir o papel da SEI no entrave às importações de componentes eletrônicos. 146 Nos noticiários da época foram atribuídos motivos apenas políticos, e não econômicos para essa substituição. 147 De imediato, a equipe econômica do Ministro Marcílio precisava equacionar: (i) a administração do descongelamento de preços; (ii) restaurar o controle sobre a política monetária; (iii) equilibrar as contas

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Ministra Zélia, em seu discurso de despedida - do déficit público, inflação, abertura da

economia, redução do Estado – não informavam que, na realidade o que a política

econômica fizera até aquele momento fora anestesiar as causas daqueles problemas. E que

o fôlego da anestesia estava chegando ao fim.

Com a economia já sob o comando de Marcílio, o CMN deu início à abertura da

conta de capital, autorizando investidores (institucionais – fundos de pensão, fundos

mútuos e seguradoras) estrangeiros a operarem diretamente nas bolsas de valores

brasileiras.

Em 25/06/91 a Câmara dos Deputados aprovou o fim da reserva de mercado para

informática a partir de 1992. Em 03/09/91, o Senado aprovou, com emendas, o Projeto de

Lei que extinguia a reserva de mercado para a informática a partir de 1992, já aprovado

pela Câmara dos Deputados em 25/06/91. Em 25/09, a Câmara ratificou as emendas do

Senado

De setembro de 1991 a janeiro de 1992, foi procedido o reajuste da taxa cambial e

reativados os mecanismos de apoio à exportação de esquemas de financiamento de vendas

externas e de equalização das taxas de juros com as praticadas nos mercados mundiais.

Em fevereiro/92, o Presidente anunciou medidas de estímulo ao comércio através da

reestruturação do PROEX e a antecipação da redução do Imposto sobre Produtos

Importados.

Em 19/09/92, foi fechado o acordo de renegociação de US$42 bilhões da dívida

externa entre o governo brasileiro, representado pelo economista Pedro Malan, e bancos

privados internacionais.

públicas em 1991; (iv) finalizar um acordo da dívida externa; (v) e, o mais complicado de todos, restituir a partir de 15 de setembro/91 os cruzados novos bloqueados sem gerar uma avalanche inflacionária.

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Mas, em 02/10/92, o Presidente Collor recebeu a citação do Senado comunicando-

lhe oficialmente seu afastamento da presidência da república por até 180 dias. O vice,

Itamar Franco, assumiu a Presidência em caráter interino. Encerrava-se assim, o breve

Governo de Fernando Collor de Mello que, apesar de ter sido um “(...) governo de trevas

econômicas, morais e administrativas”148, sua política de liberalização do comércio teria

um impacto positivo sobre os padrões competitivos da indústria.

“(...) O parque automobilístico deixou de ser o velho fabricante de carroças; a

indústria de eletrodomésticos reduziu à metade seus preços em dólares de

hoje149; compete em qualidade com os melhores produtos importados; a

indústria de produtos alimentícios apurou suas marcas e variedades, e assim por

diante. Mais do que tudo, o Brasil livrou-se da desastrada Lei de Informática de

1981, um dos mais expressivos emblemas do obscurantismo tecnológico. (...) O

Governo Collor pode ter sido uma calamidade em tudo o mais, mas na abertura

externa e na privatização acertou, senão na mosca, pelo menos no atacado”.150

3.4 – A POLÍTICA COMERCIAL DO GOVERNO ITAMAR

As propostas de reforma do Governo Collor, tanto a estabilização quanto a

liberalização comercial ficaram inconclusas devido principalmente às deficiências do seu

programa de estabilização e, naturalmente, pelo impacto que os problemas de ordem

política tiveram sobre a economia. O projeto da modernização era composto de várias

partes: estabilização monetária, equilíbrio fiscal, abertura econômica e reforma do setor

público. Cada uma delas com um papel, mas cada papel tinha um efeito sobre os outros. Ou

148 M.H.Simonsen, Revista Exame, maio/94 149 1994. 150 Op.Cit.

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seja, era um projeto de ações interdependentes, todas as partes tinham que avançar para que

o projeto seguisse adiante. Entretanto, a parte da estabilidade macroeconômica saiu do

controle do governo. A partir daí, as outras partes – abertura comercial em especial –

somente avançaram onde não dependiam das outras.

Especificamente, no caso da política comercial, ainda que não se possa dizer que

tivesse sido abandonada, ela sofreu “descontinuidade” para adequar-se às vicissitudes da

instabilidade macroeconômica. Ao sair do seu desenho inicial, ela descaracterizou seu

papel. E, assim como no Governo Sarney, mais uma vez, a grande vilã da política de

liberalização comercial foi a instabilidade macroeconômica. Ela sempre refletiu nos

avanços da política de liberalização comercial, sobretudo sobre o papel da taxa de câmbio.

Era esse cenário de impasse que prevalecia quando Fernando Collor foi destituído

da Presidência da República e seu Vice, Itamar Franco, assumiu. O Governo Itamar iniciou-

se com um misto de esperança e medo. A primeira em relação à continuidade das

mudanças. A segunda, quanto aos rumos que tomariam e, sobretudo, qual encaminhamento

teria o crônico processo inflacionário.

O Governo Itamar pode ser separado em dois momentos. O primeiro, de sua posse

até nomeação de FH para o ministério da fazenda. O segundo, quando FH assume o

Ministério da Fazenda. Foram períodos distintos sob o ponto de vista da condução da

política econômica, mas ajudam a entender a trajetória da política comercial da primeira

metade dos anos 90. Até a posse de FH, o Governo marcou-se por idas e vindas que não o

tiravam do lugar e denunciavam a falta de rumo. Só conseguiu apresentar um programa de

ação após a posse de FH no Ministério da Fazenda.

Em 05/10/92, Itamar Franco, ainda como Presidente em exercício, empossou os

novos ministros: da Justiça, Maurício Correa; das Relações Internacionais, Fernando

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Henrique Cardoso; da Economia, Gustavo Krause; da Educação, Murilo Hingel; do

Planejamento, Paulo Haddad.

Em novembro de 92 o governo enviou ao Congresso um conjunto de projetos de lei e

de emendas constitucionais para a reforma tributária. Seus principais pontos eram:

(i) Criação do IPMF para incidir sobre todas as tarifas bancárias com alíquota

de 0,25% e duração de 2 anos;

(ii) Criação do CVA (Contribuição sobre o Valor Agregado) com alíquota de

7%, para substituir o Finsocial e o PIS;

(iii) Criação do Imposto sobre o Ativo das empresas, para ser descontados do IR

anual;

(iv) Criação do imposto seletivo, para incidir sobre o preço de energia elétrica,

telecomunicações, combustível, carro, bebida e fumo, acabando com o

imposto sobre importação de petróleo;

(v) Aumento do número de fiscais;

(vi) Abre a possibilidade de as estatais entrarem em concordata ou abrir falência;

(vii) Proíbe emissão de novos títulos públicos até o ano 2000 pelos estados e

municípios;

(viii) Extingue o IPI e permite ao Governo a quebra de sigilo bancário das contas

correntes.

Mas, já em 16/12/92, a condução da política econômica sofreu mais uma

interrupção, quando Gustavo Krause pediu demissão alegando discordar do

encaminhamento que o Presidente em exercício, Itamar Franco, pretendia dar àquela

política. O então Ministro do Planejamento, Paulo Haddad foi indicado para exercer

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interinamente o cargo. Em 18/01/93, Paulo Haddad assume definitivamente o cargo de

Ministro da Fazenda e passa a ser interino do Planejamento151.

E, dando continuidade à descontinuidade da economia, em 19/01/93 o Presidente

Itamar afastou o BNDES da coordenação do Programa Nacional de desestatização. O

Ministro Haddad divulgou novas regras para a privatização em que os fundos de pensão das

estatais ficavam proibidos de participarem do programa152, ampliava-se a participação do

capital estrangeiro, os compradores das empresas passam a assumir o seu débito com a

previdência e, caso uma operação de privatização venha resultar num monopólio, o governo

poderá anulá-la.

Em 20/01/93 a Câmara dos Deputados aprovou por 375 votos a 87, em 1º turno de

votação o projeto de reforma da estrutura tributária do País. Sendo o ponto mais polêmico

do projeto, a aprovação do IPMF, aprovado separadamente por 358 votos contra 84. Em

02/02/93, em votação em 2º turno, o projeto de reforma tributária é aprovado, por 335 votos

contra 80. Mas foi derrubada a emenda que previa a falência das empresas estatais.

Em 17/02/93 o Ministério da Fazenda anunciou o anteprojeto de Lei que

determinava a eliminação de três zeros do Cruzeiro, que passou a se chamar, Cruzeiro

Novo (NCr$).

Em 18/02/93 o Ministério da Fazenda reduziu em cerca de 50% o imposto de

importação incidente em cerca de 100 produtos alimentícios, de higiene e de limpeza.

151 Em 22/01/93, Yeda Crusius assume o Ministério do Planejamento. 152 Em 22/03/93, Itamar decide que Fundos de Pensão das estatais poderiam voltar a participar dos leilões de privatização do Programa Nacional de Desestatização. Os Fundos poderiam adquirir até 25% do capital total das empresas ou 15% do capital votante.

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Nesse mesmo dia o Senado aprovou, sem modificações, em 1º turno, a reforma

tributária153.

Enquanto isso houve um desentendimento entre o Presidente da República e o

Ministro Paulo Haddad, fato que levou este a pedir demissão. Itamar criticou publicamente

o Ministro por ter divulgado ‘o Plano’ da política econômica antes de consultá-lo. O

Ministro, por sua vez, alegou não ter sido consultado nas indicações dos novos diretores do

Banco Central e do Banco do Brasil. Em 01/03/93, Itamar empossa Eliseu Resende no

cargo de Ministro da Fazenda. No dia seguinte, o Presidente suspende as indicações para as

diretorias do Banco Central e do Banco do Brasil, a pedido do Ministro Eliseu.

O Presidente do Banco Central, Gustavo Loyola154, pediu demissão em 03/03/93 e

no dia 04/03/93 foi a vez de Antônio Barros de Castro, Presidente do BNDES, pedir a sua.

Castro alegou discordar da forma como vinham sendo conduzidas as privatizações155.

Em 24/04/93, o Presidente Itamar, em reunião com todo o ministério, anunciou o

seu Plano de Estabilização Econômica. Seus principais pontos eram:

• Estimular a agricultura através de financiamentos da ordem de US$4,7 bilhões;

• Combater a sonegação e a evasão fiscal;

• Combater a fome e a miséria através de criação de empregos e investimentos na

construção civil;

• Aceleração do Programa de Privatização para pagamento da dívida interna;

• Liberação de US$2,6 bilhões para a construção de moradias;

• Redução do imposto de importação sobre remédios;

153 Em 09/03/93, esse projeto foi aprovado em 2º turno. 154 Em 09/03/93, Eliseu Resende escolheu Paulo César Ximenes para Presidente do Banco Central. Em 23/03/93, foi aprovado pela Comissão de Economia do Senado. 155 Desde jan/93, Castro fora afastado da coordenação do Programa de Privatização. Em 10/03/93 foi anunciado Luiz Carlos Delben Leite para a Presidência do BNDES.

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• Conclusão dos acordos para pagamento da dívida externa;

• Redução dos juros dos títulos públicos e rolagem das dívidas dos estados

Apesar de estar imbuído do propósito de reativar a economia, o certo é que esse

Plano de Estabilização limitava-se a apontar a direção sem dizer como segui-la. Procurava

adotar uma opção pela retomada do nível de atividade através da redução das taxas de juros

e o estímulo a certos setores considerados prioritários, sem apresentar, dentro do seu

conjunto de medidas, as reais possibilidades para a queda da taxa de inflação e do controle

do déficit, estes sim, legítimos empecilhos a qualquer projeto de crescimento. Sem

viabilizar as reformas estruturais que permitissem um efetivo processo de desenvolvimento

econômico com estabilização seria ilusório esperar qualquer sinal de sucesso. A tentativa

de recuperar o nível de atividade econômica ocupando capacidade ociosa – que era o que

alegava o Plano – poderia até fazer sentido, mas tinha fôlego curtíssimo e, sem o

acompanhamento de mecanismos eficazes de combate à inflação, somente resultaria em

mais inflação.

Apesar das tentativas de reativar a economia ou, no limite, mantê-la funcionando, o

Governo Itamar não conseguia sair do lugar. Ainda que os processos de privatização e de

abertura estivessem mantidos, não conseguia nenhuma medida de impacto que lhe desse

fôlego para mover-se ou abrir-lhe um rumo. Naturalmente que não se pode desconsiderar a

fragilidade política com que assumiu a presidência. Contudo, esse elemento seria apenas o

dificultador da construção de uma estratégia de política econômica, não seu empecilho.

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Com a saída de Eliseu Resende do Ministério da Fazenda, seu Plano teve vida

curta156. Em 20/05/93 Eliseu Resende pediu demissão e FH foi chamado para o cargo de

Ministro da Fazenda157. Ao assumir a pasta, FH também reforçou o discurso da

modernidade ressaltando que não seria possível garantir um crescimento sustentável sem se

garantir o equilíbrio macroeconômico. Assim, fiel a esse discurso, a estratégia desenhada

por sua equipe colocava em primeiro plano o combate à inflação e o equilíbrio fiscal, que

seriam acompanhadas do processo de liberalização comercial.

Logo após sua posse, em 14/06/93, FH anunciou um conjunto de medidas que

visavam reduzir a inflação e acertar as contas do governo federal, chamado Programa de

Ação Imediata (PAI). Seus principais pontos eram:

• Corte de US$6 bilhões das despesas dos ministérios no orçamento de 1993;

• Recuperação da receita tributária e combate à sonegação de impostos;

• Fim da inadimplência de estados e municípios, que devem cerca de US$40

bilhões à União;

• Controle e fiscalização dos bancos estaduais;

• Saneamento dos bancos federais;

• Aceleração do processo de privatização, com a venda das pequenas

participações do governo e a permissão de uso dos créditos dos fundos sociais.

156 Em 03/05/93, a Revista Istoé publicou que o Ministro autorizara a liberação de empréstimo irregular do Banco do Brasil para a Construtora Norberto Odebrecht, da qual fora diretor entre 1983 e 1990. Itamar Franco suspendeu imediatamente o empréstimo enquanto Eliseu sustentava sua legalidade. Em 06/05/93 o Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Wando Borges, assumiu a responsabilidade pelo empréstimo. A Ministra Yeda Crusius, do Planejamento, pediu demissão. 157 Vale ressaltar que, em 23/05/93, Pedro Malan, então negociador da dívida externa, anunciou que o Brasil fechara acordo com Comitê Assessor dos Bancos Internacionais que permitiria uma redução de, no mínimo 35% da dívida de US$36 bilhões com os credores privados. Em 13/08/93, Pedro Malan é indicado para substituir Paulo César Ximenes no Banco Central, e é aprovado pelo Congresso em 26/08/93. Faziam parte também da equipe de FHC, Pérsio Arida, na Presidência do BNDES e Gustavo Franco como Diretor da Área Internacional do Banco Central.

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A seguir, em 28/07/93, o Presidente Itamar assinou medida provisória promovendo

uma reforma monetária no país para vigorar a partir de 02 de agosto. A medida fazia o corte

de três zeros na moeda, que passaria a chamar-se Cruzeiro Real (CR$).

Em 26/11/93 o Ministro FH enviou ao congresso um conjunto de medidas para

combater a inflação e o desequilíbrio fiscal. Previa:

• Um reajuste de 5% em todos os impostos federais;

• Suspensão de 15% das vinculações de receita;

• Corte de 20% nas despesas para o orçamento de 1994;

• Extinção de ministérios e criação de um Fundo Social de Emergência (FSE) de

US$16 bilhões que custearia ações nas áreas de saúde, educação, merenda

escolar e combate à fome.

Em 07/12/93, o Ministro FH anunciou um Plano de Estabilização da economia,

previsto para durar dois anos contendo os seguintes pontos:

• Corte de 41% das despesas de custeio e investimento da União – cerca de

US$2,7 bi;

• Criação da Unidade Real de Valor (URV), indexador fixado diariamente pelo

governo e que seria substituído, a médio prazo, o cruzeiro real;

• Aumento de 5% dos impostos federais158;

• Retenção de 15% dos repasses aos Estados e municípios;

158 Em 29/12/93, o Presidente Itamar assinou conjunto de medidas alterando vários itens da tributação nacional. Os principais eram: aumento da alíquota da CSLL dos bancos de 23% para 30% e multa de 50% para as empresas que deixassem de recolher impostos ou contribuições em dia. Em 30/12/93, assinou medida provisória que aumentou de 25% para 26,5% a alíquota do IR para pessoas jurídicas.

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• Criação do FSE, formado com os 5% dos impostos e com os 15% da retenção

dos estados e municípios;

• Extinção dos ministérios;

• Estudo de alteração da estabilidade do funcionalismo público.

A aprovação do FSE era crucial para avanço das medidas. Ele construiria um

equilíbrio fiscal transitório – até efetivar uma reforma fiscal ampla – necessário ao plano de

estabilização. Entretanto, no início de fevereiro de 1994, o Congresso ainda se recusava a

votá-la. O suspense quanto às ações do Congresso era tal, e contabilizando seu ônus para o

plano de estabilização, que o Presidente Itamar fez uma reflexão que mostra tanto a

extensão dessa ação à continuidade da política econômica, quanto ao imobilismo que a falta

de cooperação poderia levar:

“(...) O país já viu planos serem implantados sem que o congresso tomasse

conhecimento. Planos implantados da noite para o dia sem que os parlamentares

pudessem sequer se manifestar. Agora é o contrário, o governo dialoga, recua,

avança. O que queremos do Congresso é que nos diga se o Plano é bom. Se é,

vamos aprova-lo. Se não é bom, o Congresso diga qual é o melhor para o país.

Mas não vamos votar por questões de ordem política, porque é um ano

eleitoral”159

O impasse somente foi resolvido quando o Ministro FH condicionou sua

permanência no governo à resposta do Congresso ao seu plano.

“(...) o Plano foi elaborado para uma sociedade democrática com atores

políticos responsáveis que acreditam na negociação, na sinceridade, que põem

as cartas na mesa, que não quebram contratos, que não fazem congelamento e

159 Jornal “O Globo”, 02/02/94.

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não dão golpes, mas parece que o Brasil quer ir por outro caminho. Eu não vou

para outro caminho, mas aí o Presidente arranjará quem seja apto a tomar o

caminho diferente”.160

Com esse depoimento o Ministro FH deu seu recado. Não pretendia permanecer no

ministério caso o Congresso não resolvesse o impasse criado em torno de seu plano

econômico. FH atribuía essa atitude do Congresso a um problema de falta de

responsabilidade.

Tecnicamente, ao lançar mão de tal medida como instrumento para combate à

inflação, o que o governo fazia era, contornar, através da elevação da carga tributária, uma

deficiência da estrutura tributária criada a partir da Constituição de 1988. Procurava ganhar

tempo, para que se conseguisse esperar a revisão constitucional, quando se racionalizaria o

sistema de maneira a torná-lo compatível com um verdadeiro Estado Federativo. Nesse

momento, se redefiniriam receitas e obrigações para as diferentes esferas de governo. Por

hora, a medida foi colocada como um mal menor. O Plano seria então, o meio para

contornar as vinculações obrigatórias estabelecidas pela Constituição em vigor161. O FSE

foi considerado pelo governo como imprescindível para que ele, governo, pudesse

continuar operando sem um endividamento altamente oneroso, e mantendo,

simultaneamente, o orçamento equilibrado.

Entretanto, o Congresso Nacional tentava impor-lhe um bloqueio político e

postergava a aprovação de sua proposta. Por sua vez, FH insistia na importância daquela 160 Jornal “Gazeta Mercantil”, 04/02/94 161 O Min. FH declarou ao Jornal Gazeta Mercantil de 09/02/94 que, para cada CR$100,00 que o governo federal arrecadava, teria que desembolsar forçosamente CR$80,00. Restavam-lhe CR$20,00 para atender a programas essenciais, de nítido cunho social. O Ministro alegava que tais despesas seriam tão obrigatórias quanto as efetivamente denominadas como tais, mas que para mantê-las, o governo teria que recorrer a endividamento. “O governo, para não parar de agir no atendimento às necessidades da população, só pode endividar-se como fez em dez/93, quando emitiu US$1,7 bi em títulos, a juros reais de 25% a.a., para custear hospitais e outros programas sociais”, depoimento de FHC citado no editorial do Jornal “Gazeta Mercantil” também de 09/02/94.

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aprovação, fazendo lembrar que era preciso enfrentar com coragem os problemas de curto

prazo para traçar a estratégia para o futuro. Dizia:

“(...)o Brasil, com uma situação cambial invejável, estando em vias de concluir

um acordo com os bancos credores privados, tendo retomado o crescimento e

criado um ambiente propício a novos investimentos, só tem diante de si um

desafio: controlar o setor público. E se outros países fizeram, também o

faremos”162.

A razão do impasse chamava-se ‘tempo’, no sentido pleno do calendário da

sucessão presidencial. O Ministro pretendia iniciar o mês de março/94, adotando a nova

moeda de indexação, a Unidade Real de Valor (URV) que teria efeitos estatísticos de

redução da inflação já nas semanas seguintes. Isso lhe permitiria chegar ao limite legal para

sair do governo – 03 de abril – como candidato, na condição de autor de um plano

econômico em vigor e com boas chances de êxito.

Finalmente, em 08/02/94, o Congresso aprovou o FSE, em 1º turno, por 388 votos

contra 38 e 4 abstenções. Em 24/02/94, aprovou em 2º turno. Em 28/02 entra em vigor a

URV, e finalmente em 01/07/94 a nova moeda, o Real, foi lançado.

A partir do lançamento da nova moeda, iniciou-se a terceira fase do Plano de

Estabilização. Foi a fase decisiva, em que se consolidaria a estabilidade da moeda, mas

também foi a mais conflituosa porque exigiria definições de algumas questões em aberto na

equipe econômica. Uma, especificamente, surgiu logo no primeiro dia de vigência da nova

moeda: a condução da política cambial. Afinal, qual seria a política cambial do Plano Real?

162 Citado em “Gazeta Mercantil, 09/02/94

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Na concepção do diretor da área externa do Banco Central, Gustavo Franco, com o

lançamento do Real abrira-se a oportunidade de implementar-se um novo modelo de

política e de regulamentação cambial consistente com um cenário de inflação baixa.

Para ele, com a prática recorrente de se intervir no câmbio, formara-se um círculo

vicioso entre o influxo de capital externo no País e a dívida mobiliária interna, que

precisava ser rompido. Esse círculo funcionava da seguinte maneira: o ingresso de capital

resultava num aumento correspondente da dívida devido à necessidade de se esterilizá-lo

através de venda de títulos públicos. Assim, quanto mais se acumulassem reservas, mais se

emitiriam títulos e portanto, mais os juros internos seriam pressionados e daí mais capital

externo seria atraído.

O Real era a chance de se acabar com isso. Como no seu desenho estabeleceu-se a

coexistência da âncora monetária com âncora cambial e também se fixaram em lei os

limites de emissão de moeda, a política cambial do Real precisaria respeitar esses

condicionamentos. Em outras palavras, a regra da política era controlar a emissão de moeda

pela imposição de tetos para a base monetária e, em contrapartida, aproveitar-se do câmbio

(valorizado) para que o setor externo não funcionasse como fonte de injeção de reais na

economia. A questão aí era como garantir as duas âncoras – respeitar os limites de emissão

e manter a taxa de câmbio – sem entrar novamente no círculo vicioso.

Descartada a opção de restringir o fluxo de capital por via administrativa, como se

usava no passado, por ter sido considerada um retrocesso em termos de gestão das contas

externas, a alternativa seria deixar o câmbio flutuar para baixo de R$1 = US$1, “ao sabor

do mercado mas com limites, adotando um sistemas de bandas”. Optou-se então pela

flexibilização para baixo da taxa de câmbio, através de um sistema de bandas, sendo a

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banda superior (o ponto no qual o Banco Central vende dólares) foi fixada em R$1 = US$1

e a banda inferior – que não foi explicitamente definida nem fixada.

Nesse sentido, uma vez que haviam sido estabelecidos limites para a emissão de

moeda, não seria mais possível à mesa de câmbio comprar moeda estrangeira para sustentar

a taxa R$1 = US$1. As compras só poderiam ir até o limite de emissão, se o ultrapassassem

ou se estouraria o limite ou se entraria no processo de esterilização com emissão de títulos e

elevação da taxa de juros – novamente o círculo vicioso. O objetivo era evitar que o Banco

Central comprasse dólares. Para Gustavo Franco,

“(...) Evitar a compra de dólares teria uma conseqüência muito simples na

determinação da taxa de câmbio: ela encontrará o equilíbrio por si mesma em

algum nível inferior a R$1 = US$1. Haveria também muito clara a noção de que

a taxa de câmbio não é um preço administrado, sujeito a uma regra de

indexação”.163

Gustavo via com bons olhos o fato de o Brasil ter entrado no Real com o que

chamou de forte superávit cambial – elevado nível de reservas internacionais. Essa situação

levou à queda do preço do dólar com conseqüências favoráveis para o Plano de

estabilização. Por outro lado, não via maiores problemas sobre o setor exportador. Segundo

ele, o setor exportador não se ressentiria do câmbio valorizado por dois motivos: o dólar

estava numa trajetória de queda em relação a outras moedas fortes (cerca de 8%), isto

compensava a apreciação do real, principalmente para os exportadores cujos mercados

estivessem fora da área do Dólar; e, prevendo a manutenção de taxas fixas, os exportadores

antecipariam seus fechamentos de câmbio, enquanto os importadores fariam o contrário.

“Com isso, o exportador fica protegido da apreciação e o importador provoca a

163 Prado(2005)

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recuperação das taxas”164. A estabilização da taxa de câmbio abaixo da paridade um para

um ajudaria assim a reduzir o superávit comercial. Isto ajudaria a brecar o processo de

valorização do real e a retomada do processo de desvalorização da moeda nacional.

Esta foi a orientação utilizada para a política cambial que o diretor de assuntos

internacionais, com o apoio do Presidente do Banco Central, Pedro Malan, sustentou

durante um bom tempo.

Não obstante, o mercado não se comportou como esperava Gustavo Franco e os

importadores demoraram mais do que se esperava para fechar as operações de câmbio. Este

comportamento conjugado à decisão do Banco Central de não intervir resultou numa queda

expressiva da taxa de câmbio e significava uma ameaça ao projeto de não intervir no

câmbio do Banco Central. Ainda assim, Gustavo Franco sustentou sua política cambial até

março de 1995, quando o Banco Central explicitou os limites formais de uma banda

cambial.

A valorização do câmbio desagradava a todos. Os exportadores, pelas razões que se

conhece; a indústria doméstica, porque temia a concorrência com produtos importados.

Mas o embate em torno da política cambial ainda se estenderia até janeiro de 1999, quando

o câmbio finalmente se desvalorizou.

No dia 19/08/94, para acalmar o clima de descontentamento, foi anunciado um

conjunto de medidas destinadas a ‘apoiar o setor industrial e estimular as exportações’.

Ampliava o volume de recursos do BNDES para financiamento ao setor produtivo, em

especial, máquinas destinadas à exportação, o financiamento às atividades de promoção

comercial, dentre outras.

164 Op.Cit.

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Na realidade, o que essas medidas fizeram, foi dar tempo ao governo para preparar a

drástica redução das tarifas de importação previstas no acordo do Mercosul, que seria

antecipada para induzir o crescimento das importações.

“Essa era, no entendimento de uma parte da equipe do Real – tendo à frente

Gustavo Franco – a verdadeira decisão que, junto com a valorização cambial,

resultaria no aumento da competitividade dos produtos brasileiros. Não pela via

paternalista e seletiva dos incentivos creditícios e fiscais, que sempre beneficiam

determinados setores em detrimento do resto da sociedade, que acaba sendo

penalizada com os impostos que tem de pagar para garantir a benesse

distribuída a poucos eleitos. Mas sim pela via do sacrifício que se imporia aos

menos eficientes, que estariam obrigados a abater custos e até lucros,

racionalizando a produção para poderem competir com os importados”.165

Em 31/08/94, a segunda reunião do CMN na era do Real propôs medidas que

levassem ao aumento da demanda por dólares no mercado interno, sem que o Banco

Central interviesse no mercado de câmbio. Seguia as orientações de Gustavo Franco que,

admitindo que havia uma tendência à valorização do câmbio, sugeriu medidas que

estimulasse importações, de modo que fosse reduzida a perspectiva de superávit comercial

e restrição seletiva à entrada de capitais no País, notadamente aquela que se destinava às

operações no mercado de capitais. Propunha também, que se estimulassem os

investimentos brasileiros no exterior. Assim,

“aumentou-se de US$1 milhão para US$5 milhões o limite para investimentos no

exterior de pessoas jurídicas não financeiras. Também foi dada autorização para

a compra de imóveis no exterior. Operações de compra e venda de moeda

estrangeira em geral, não apenas as que envolviam o comércio exterior, 165 Op.Cit.

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receberam autorização para serem liquidadas no mercado futuro. Era o embrião

para a criação do hedge cambial no mercado. Permitiu-se a liquidação

antecipada de débitos no exterior, além de outras medidas que buscavam

facilitar a vida do importador”.166

Não obstante, essas medidas não tiveram impacto sobre o mercado de câmbio. No

dia em que foram anunciadas, o Real teve mais um movimento de apreciação. Fechou a

R$0,885 para a compra e a R$0,889 para a venda.

No dia 01/09/94, dois meses do Real, após o episódio que ficou conhecido como o

escândalo das parabólicas, o ministro Ricupero foi substituído por Ciro Gomes167. Ciro

Gomes tomou posse em 08/09/94, no auditório do Banco Central, em Brasília e prometeu

dar continuidade ao trabalho do ministro Ricupero na defesa do Plano Real. Já no seu

discurso de posse, seguindo orientação da equipe econômica, que por sua vez já vinha

estudando a redução generalizada das tarifas de importação, mandou um recado para o País:

“Não vamos vacilar em usar as importações sempre que a prática de preços abusivos

166 Op.Cit. 167 O Ministro Rubens Ricupero assumiu o Ministério da Fazenda em 30/03/1994, quando o então Ministro, Fernando Henrique Cardoso desincompatibilizou-se para concorrer à Presidência da República. Como Ministro, Ricupero se destacou principalmente com garoto-propaganda do Real. Seus pronunciamentos na TV eram um sucesso e ele transformava-se, gradativamente, num dos Ministros da Fazenda mais populares do País. No dia 01/09/094, no gabinete do Ministro, foi concedida uma entrevista ao vivo para o Jornal Nacional e, a seguir, seria gravada outra, para o Jornal da Globo. Por esse motivo, os equipamentos permaneceram no gabinete para gravação da entrevista ao jornalista Editor Carlos Monforte. Sendo velhos conhecidos, o clima entre eles era de total descontração, mas o Ministro estava visivelmente cansado diante a maratona de entrevista a que se submetera ao longo daquele dia. Ricupero e Monforte conversavam enquanto esperavam a gravação e não sabiam que as câmeras continuavam ligadas. O ministro falava sem se preocupar com o microfone que estava preso à lapela de seu paletó, sem imaginar que tudo que dizia estava sendo transmitido via satélite e captado, ao vivo, por algumas antenas parabólicas situadas em propriedades rurais da região Sudestes, a maioria no interior do estado de São Paulo. Nessa conversa, o Ministro, disse, entre outras, que o Presidente dependia muito mais dele do que ele do Presidente. E que o sucesso do candidato FH estava dependendo do sucesso dele no Ministério da Fazenda. Também indicou que pretendia continuar no Ministério depois da posse do novo Presidente. Falou também do IBGE, sugerindo que esse órgão estava cheio de petistas que vazavam propositalmente informações para prejudicar o Governo. Mas sua mais infeliz declaração foi “(...) Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, quando se referia ao critério utilizado pelo Ministério da Fazenda para divulgação de notícia. Para transcrição completa da conversa do Ministro, veja, PRADO (2005).

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puser em risco a estabilidade monetária”. Nesse sentido, vale dizer, a decisão de derrubar

as tarifas de importação já estava em gestação, desde o lançamento do Real.

Em 15/09/94, antecipando em um trimestre, o governo abriu o mercado de vez:

reduziu alíquotas de 445 produtos, dentre elas a dos carros, que caíram de 30% para 20% -

foi quando as importações dispararam. Esta decisão representou mais um avanço na política

de abertura que havia sido iniciada em 1990 no Governo Collor. Com ela, a tarifa média de

importação, que estava em torno de 35% em 1989, caíra para 32% em 1990, 25% em 1991

e, finalmente, 14% em 1994. Foi também, definitiva para garantir o sucesso do Plano Real.

Juntou-se à valorização da taxa de câmbio, ao aumento dos juros, ao crescimento da renda

interna e ao processo de retomada do crescimento resultando no efeito tão esperando por

Gustavo Franco: drástica queda no saldo da balança comercial que rapidamente

transformaram-se em déficits.

Cumpre dizer que além de consolidar a abertura, aumentar a demanda por moeda

estrangeira através do aumento das importações, a questão tarifária se desdobrava em outra:

os índices de preços. Os sinais vinham através dos reajustes salariais e as ameaças de

greves. Havia a ameaça de greve, por aumentos de salários, dos bancários, dos petroleiros e

dos metalúrgicos. Dos seus lados, as montadoras avisaram ao governo que não

conseguiriam absorver os reajustes de salários sem repasse aos preços. Em São Paulo, 32

empresas haviam concedido antecipação de reajuste salarial e o governo desconfiava de que

os abonos estavam sendo concedidos como reindexação disfarçada. Em outra frente, Milton

Dallari informou à equipe que a carne bovina deveria subir cerca de 10% na segunda

quinzena de setembro. Todos esses fatores reforçaram a decisão de baixar de modo

generalizado as alíquotas de importação.

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Os sinais eram de aquecimento da demanda. Precisava-se atacar outras frentes.

Diante da ameaça de que o aumento do consumo representava, em 21/10/94 entraram em

vigor, as medidas que proibiram o parcelamento dos débitos em cartões de crédito,

empréstimos bancários a administradoras de cartão e compra de faturamento, etc. Como o

Real persistia sua valorização, também foram tomadas medidas de restrição à entrada de

capital externo: o IOF sobre aplicações de renda fixa foi aumentado de 5% para 9%. Em

28/10/94, o governo percebeu que apertara muito o cinto, e elevou em 70% o limite de

expansão da base monetária até o fim do ano, corrigindo a meta de emissão de moeda.

Desse momento até janeiro de 1995, tocou-se o Plano à espera do novo Presidente

eleito, Fernando Henrique. Uma nova etapa se iniciaria, na segunda metade dos anos 90.

Somente com o agravamento da crise externa em 1998, a política cambial foi

alterada, com a adoção do regime flutuante. Com isso, o instrumento do câmbio retoma seu

papel na política comercial que, diante da gravidade da situação, passa a ser a de facilitador

do ajuste das contas externas. Papel este que já assumira na primeira metade dos anos 80

quando o País enfrentou uma profunda crise de dívida externa.

O que se presenciara até ali foi a hesitação do governo brasileiro em, pelo menos

duas vezes, para dar continuidade ao projeto de reforma comercial. No final dos anos 80 e

em meados dos anos 90. Em ambos, a razão do recuo foi a estabilidade. No primeiro, para

evitar o agravamento da instabilidade. No segundo, para ajudar a consolidar a estabilidade

alcançada. No primeiro, a política comercial acabou sendo desviada do seu objetivo inicial

– racionalizar o regime comercial – e foi usada como instrumento para conter os índices de

inflação. No segundo, recorreu-se a um dos seus instrumentos – a política cambial – para

consolidar a estabilidade.

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Na verdade, o governo teve que se ajustar a duas ordens conflitantes de pressão,

uma externa e outra interna. A própria reforma comercial foi motivada pela necessidade de

tornar a economia brasileira mais eficiente e competitiva visando com isso melhorar o

desempenho exportador do País e acabar com sua vulnerabilidade externa. Ou seja, uma

questão de ordem externa. Concomitantemente, o País enfrentava uma questão de ordem

interna, que era o persistente avanço da inflação. Toda vez que a pressão de ordem externa

arrefecia, o projeto externo era condicionado aos interesses internos. Com isso a política

comercial passava a ser uma variável de ajuste, um instrumento de política econômica

utilizado para atender às prioridades de curto prazo da economia brasileira.

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QUARTO CAPÍTULO

ESTABILIDADE VERSUS POLÍTICA CAMBIAL E TARIFÁRIA: A DINÂMICA

DO PROCESSO

4.1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Todo o conjunto de reformas iniciado no início da década de 90, como se disse,

fazia parte da política de desenvolvimento que passou a ter maior aceitação na economia

brasileira, principalmente a partir do discurso de campanha de Fernando Collor à

Presidência da República. Pode-se dizer que, com Fernando Collor, iniciou-se o processo

de convencimento da sociedade brasileira de que aquela seria a alternativa mais adequada

ao País. Contudo, foi no Governo Itamar que se reuniram condições para a execução de um

projeto dessa natureza168.

No Governo Itamar, a equipe econômica capitaneada por FH deu continuidade ao

processo de reforma estrutural iniciado com Collor, prosseguindo com as privatizações e

168Há duas ordens de fatores que concorreram para isto, que chamarei de condição necessária e condição suficiente. A condição necessária, discutida no segundo capítulo, foi a equipe econômica do Ministro FH, que reuniu um grupo de economistas afinados com o receituário liberal das políticas de desenvolvimento, que representou um dos canais para penetração das idéias liberais na economia brasileira. A condição suficiente, ainda não mencionada, foram as precárias condições institucionais que envolviam o Governo Itamar Franco, diante da fragilidade política do País após o impeachment do Presidente Collor. Essa situação, por si só, exigiria que se apresentasse rapidamente à nação, uma alternativa ao País. Contudo, a necessidade de se apresentar uma resposta foi consideravelmente ampliada, após as idas e vindas dos primeiros meses do Governo Itamar.

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avançando com a estabilidade monetária e abertura comercial. Enquanto ministro da

fazenda, FH conseguiu a hegemonia do discurso econômico e, através dele, espaço para um

governo seu. Com uma estratégia econômica conseguiu munição para o projeto político de

uma época.

Ao passar o governo para FH, Itamar Franco transferiu-lhe o capital político

construído através do êxito da abertura comercial, da estabilidade e das privatizações, com

o qual deveria prosseguir nas mudanças que viriam consolidar o Brasil como uma

economia moderna e competitiva. O primeiro Governo FH seria então, o período em que se

construiria a estratégia política – o momento de se construir um discurso político

hegemônico que sustentasse sua estratégia econômica - para a conclusão do projeto de

mudanças, isto é, o período da consolidação da agenda do desenvolvimento. Nesse sentido,

seria também o período em que a economia estaria enfrentando os efeitos do gradualismo

do ajustamento, isto é, as dificuldades da coordenação entre as políticas de curto e de longo

prazo. Ou seja, consiste naquela etapa em que ainda não foram removidos todos os

desequilíbrios da economia e, portanto, muitas reformas ainda estão inconclusas. Um

cenário que poderá afetar interesses de determinados grupos, provocando neles uma reação

contrária e transformando-os em fontes permanentes de pressão política contra as mudanças

em curso, tornando-se um obstáculo concreto ao avanço das políticas, podendo inclusive

desviá-las dos seus papéis e/ou trajetórias iniciais. Como é impossível prever a intensidade

da reação desencadeada entre os agentes, também não é possível prever a dinâmica desse

momento.

Este capítulo abrange todo o primeiro mandato do Governo FH e o primeiro

bimestre do segundo e descreve como a dinâmica do processo de reformas econômicas

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desse período interferiu na condução da política comercial, em particular, quais foram seus

efeitos sobre a taxa de câmbio e a política tarifária.

Para explicar porque a política comercial afastou-se do papel previamente

estabelecido para ela, é preciso discutir esta dinâmica. É necessário considerar a interação

dos contextos, econômico e político, que envolveram o processo de reestruturação porque

são neles que estão os elementos que explicam a trajetória da abertura comercial.

Portanto, o que farei aqui é demonstrar a natureza da influência dos fatores

domésticos no ritmo e nos resultados da estratégia do ajustamento. O tipo de influência

passa a acontecer no decorrer das implementações das medidas da reforma econômica.

Nesse momento, a influência internacional perde força, sendo sobrepujada pela influência

das forças domésticas, sejam elas política, econômica ou institucional, que são os fatores

que definem o ritmo e o formato daquelas reformas e, no limite, suas chances de sucesso.

Ou seja, nesta fase, o que está em jogo é o poder de convencimento e de

estabilização das expectativas dos agentes econômicos, que o novo conjunto de políticas

possui; e isto independe da vontade dos gestores de política econômica. Em grande medida,

essa etapa é mais favorecida, quando os governos constroem coalizões políticas de apoio

relativamente estáveis que atendam ao maior número de beneficiários privados, e que tenha

assegurado pelo menos o apoio da maior força política dentro do sistema político. Sem tais

alianças entre políticos, elite tecnocrata e os beneficiários com a mudança na política, a

tentativa de reforma tropeçará.

Por esta razão as estruturas econômicas e políticas são importantes para definir a

característica da resposta de mudança que cada país dá. Ou seja, não se trata mais de

discutir os fatores que influenciaram a mudança da agenda, mas sim as características que

sua implementação assume.

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Passarei então a analisar as características do enfrentamento entre as forças da

sociedade e os interesses econômicos. Esta é uma questão essencial para definir as

possibilidades e os limites das reformas, mas freqüentemente mal entendida.

Meu objetivo aqui é, à luz dos argumentos apresentados acima, apresentar os

elementos domésticos brasileiros que interagiram durante o período da abertura comercial,

e definiram a dinâmica do processo de mudanças em sua etapa de consolidação, para

explicar a utilização dos instrumentos da política comercial como instrumentos de política

de estabilização. Nesse contexto, mostrarei os esforços do Presidente da República para

conquistar sustentabilidade política para as reformas e os focos de resistências que elas

criavam; o embate entre as forças domésticas favoráveis e contrárias às mudanças em

curso.

Minha hipótese é de que, o fator determinante de ter a política comercial se

afastado de seu papel foi a dificuldade enfrentada pelo governo em controlar o contra-

movimento das reações e avançar nas reformas. Esta dificuldade se explica pelas precárias

condições em que se encontrava o Estado brasileiro que, associada à estrutura político-

partidária do País, levaram à morosidade em se avançar, simultaneamente, nas medidas de

estabilização e de ajuste estrutural. Em outras palavras, este fato se deveu ao confronto de

uma característica intrínseca a todo processo de mudança com as características internas do

País.

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4.2 - ENTENDENDO O PROCESSO

Partindo do princípio de que o novo modelo de desenvolvimento é de natureza

liberal e que essas idéias encontraram respaldo no País através das deficiências estruturais e

institucionais de sua economia, resta discutir o desdobramento do processo de

implementação. Ou seja, como o País reagiu às medidas adotadas e porque reagiu.

O que se passou na economia brasileira desde os anos 80 foi o processo que Polanyi

chamou de movimento duplo. Uma ordem econômica vigente cria as instituições a partir de

suas necessidades. São as embedded variables, que moldam as características

institucionais/funcionais dos mercados. Contudo, as alterações por que vão passando o

ambiente econômico geram novas necessidades que, se não forem atendidas, vão sendo

alijadas daquela estrutura institucional – são as disembedded variables, passando a fazer

pressões/reivindicações para suas necessidades. Portanto, elas pressionam a estrutura

constituída e, no limite, são os embriões das (novas?) idéias que construirão a nova forma

institucional do sistema econômico. Para Polanyi, em todo contexto há esse duplo

movimento como o motor da mudança institucional.

A reversão das condições econômicas mundiais nos anos 70 e 80 trouxe à tona

problemas que a ordem econômica então estabelecida não se mostrou capaz de resolver.

Por essa razão, aquelas instituições que serviram de base para sustentar a ordem econômica

vigente tornaram-se objetos de crítica e contestações. Passaram a ser vistas como parte do

problema e não como instrumento de solução. Neste grupo incluía-se principalmente o

Estado. A classe empresarial e seus aliados políticos transferiram para ele a

responsabilidade principal dos desequilíbrios econômicos e para isso se valeram dos

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argumentos liberais – estabilidade monetária, equilíbrio fiscal, livre mobilidade de capitais,

equilíbrio externo - para redefinir os limites da economia política.

Seguindo o raciocínio de Polanyi, na medida em que aquelas idéias que haviam

inspirado a ordem institucional do pós-guerra – keynesianismo com ênfase na

redistribuição de renda e no papel do Estado como motor do desenvolvimento – não

conseguiam apresentar resultados em termos de desempenho econômico e/ou domínio

sobre os problemas enfrentados, abriu-se espaço para a reação contrária. Esta reação são as

idéias alijadas, as disembedded variables.

O paradigma da liberalização que desembarcou na economia brasileira nos anos 90

pode ser visto como o mais recente produto do movimento duplo de Polanyi. E o período

que abrange o Governo Itamar169 e o primeiro Governo FH como aquele em que se reuniu a

força política capaz de efetivar a ‘reação’ ou o projeto de mudança. Foi a partir da posse de

FH no Ministério da Fazenda em 1993 que se começou a consolidar a força política para as

idéias liberais quando se conquistou a estabilização através do Plano Real. Com esse feito,

aquele governo conseguiu atender a uma antiga demanda da economia. Ao atender a uma

demanda dessa natureza o discurso da mudança adquire mais força e, portanto, mais aliados

nos grupos de interesses.

A partir daí começou uma nova fase, a da luta para a conquista da sustentabilidade

política para a continuidade das reformas. Deu-se início ao processo de convencimento dos

grupos de interesse de que aquela opção de política econômica era a mais adequada. A

captação desses grupos foi importante porque o legislativo depende de seus votos para se

elegerem. Trazê-los para o lado do projeto do governo era a garantia de aprovação no

169 Após posse de FH no Ministério da Fazenda

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parlamento, das medidas necessárias às reformas. O desafio aí foi o enfrentamento dos

focos de conflitos que os efeitos das medidas geravam.

A adoção das medidas sempre ficava condicionada à formação de coalizões para

sustentá-las. Ou seja, dependia da habilidade dos líderes políticos, do posicionamento dos

grupos de interesses e também dos fatores conjunturais que definiam aqueles interesses. E

principalmente, do nível de insulamento da equipe econômica. Ou seja, do quanto se

conseguia manter a elite técnica do governo fora do raio de alcance das pressões dos grupos

de interesses. Quanto maior esse distanciamento, maior seria o grau de liberdade para

prosseguir nas mudanças conforme haviam sido estabelecidas. Entretanto, durante o

primeiro mandato de FH, isso raramente aconteceu, na maior parte das vezes, a pressão não

apenas era intensa como vinha do próprio governo. Na realidade uma forte característica do

Governo FH foi o conflito latente entre os grupos de interesses infiltrados em seu governo

que muitas vezes explicou as características do processo de mudança.

4.3- A BUSCA DA SUSTENTABILIDADE POLÍTICA PARA AS REFORMAS

Em 01 de janeiro de 1995 FH assumiu a Presidência da República depois de ter sido

eleito, em primeiro turno, em outubro de 1994. E, sob o embalo dos bons resultados

colhidos na primeira etapa do Plano Real, seu governo iniciou-se com amplo apoio da

sociedade às forças políticas compromissadas com o projeto de reformas profundas que

estava por trás do Plano Real. Todo o contexto levava a crer que não faltaria o apoio

necessário do Congresso ao programa de governo de FH o que lhe dava a chance de

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executar um projeto de dimensão nacional. As condições políticas eram extremamente

favoráveis, como poucas vezes se testemunhara na história recente do País.

A grande questão para aquele momento continuava sendo a de construir condições

de funcionamento de uma economia saudável, produtiva e competitiva dentro do novo

contexto da realidade mundial. Da mesma forma que o grande desafio era construir

condições de prosseguir as reformas que atenderiam às necessidades impostas por aquela

realidade. Isto envolvia o convencimento da sociedade e, principalmente, dos formadores

de opiniões, da importância das reformas em curso - estabilidade, da abertura econômica e

da redefinição do papel do Estado. Mais ainda, que o trabalho que havia sido feito na

primeira metade da década ainda estava por ser concluído.

Não obstante a expectativa de apoio, as dificuldades políticas enfrentadas para a

aprovação das medidas na primeira etapa já haviam sinalizado as dificuldades que se

enfrentariam para continuar as mudanças e concretizar seu projeto de governo. Na

realidade, este era o maior desafio e a maior dificuldade/preocupação em relação ao futuro

do País: como superar as diferenças de pontos de vista e construir um mecanismo que

permitisse resolver os problemas de curto prazo.

O calcanhar de Aquiles para a continuidade do projeto de mudanças era o próprio

setor público. E FH parecia ter compreendido bem esse problema. Em certa ocasião, havia

declarado que “(...)O fracasso do Plano Cruzado resultou da ortodoxia política e não da

heterodoxia econômica”170.

O fator dificultador no Governo FH, assim como fora também o de Collor/Itamar,

era a estrutura jurídica reguladora das eleições e dos partidos que não oferecia condições

170 Ainda no Fórum Nacional, BNDES, 1990, citado por Joelmir Beting, no Jornal “Folha de São Paulo”, 09/01/90.

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148

para a formação, dentro de cada legislatura, de uma maioria parlamentar estável e

responsável, com um programa único. Quem assumia a presidência da república não

dispunha de maioria parlamentar para poder governar. Sem a maioria, era preciso fazer

alianças. A de FH foi um acordo entre dois grandes partidos, o seu e o PFL, cada um deles

dotado de certa consistência, mas com programas de objetivos ideológicos diferentes. O

desafio de FH era conseguir fazer a costura da aliança entre os partidos.

Para executar seu projeto econômico FH precisava implementar mudanças. Para

aprovar mudanças, precisava do apoio do legislativo. Para obter apoio precisava construir

base parlamentar alinhada com as idéias que definiam seu programa econômico. O partido

afinado com as idéias de uma economia de mercado, nos padrões da que vinha sendo

implementada, era o PFL. Em contrapartida, o PSDB, partido do Presidente da República,

queria executar um programa social democrata. A questão é que, para colocar o país em

condições para isso, era necessário passar, primeiro, pelas mudanças que limpassem os

resquícios de retrocessos de épocas passadas: abertura, estabilidade, redução do Estado.

Enfim, os caminhos que levavam à social democracia eram aqueles que levavam a uma

economia de mercado moderna, ou seja, empurravam o Presidente FH para um liberalismo

do qual ele se pudesse optar, não apoiaria171.

Entretanto, a premência das reformas vis-a-vis os efeitos de um cenário externo

francamente desfavorável a partir da segunda metade da década, empurraram FH para o

liberalismo do PFL expondo boa parte das dificuldades do seu governo: “(...)o Presidente

171 Considerando que ele é um membro do Partido da Social Democracia Brasileira.

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precisa ser um Tony Blair, mas está tendo que fazer o trabalho de uma Margareth

Thatcher”172.

O próprio FH já teria dito que não precisaria do PFL para ganhar a eleição, mas não

poderia governar sem ele. Seu governo era meio PSDB e meio PFL, e assim teria que ser

enquanto tivesse que fazer o serviço de Margareth Thatcher. Porque um governo se faz com

estratégia econômica, mas precisa de uma estratégia política que a sustente. Esse espaço, no

governo FH foi ocupado pelo PFL – daí o conflito entre PSDB e PFL.

A diferença ideológica entre os partidos, criava um obstáculo à transformação do

projeto econômico em um projeto nacional e dificultava o alcance dos objetivos propostos.

Esse é o caso, por exemplo, da condução da política comercial.

A liberalização comercial era uma das peças do conjunto de medidas que levariam à

modernização da economia brasileira. Deveria ser cumprida em 3 etapas: a redução de

barreiras tarifárias, eliminação de barreiras não tarifárias e por fim, um regime cambial

livre. Ao ter que enfrentar um cenário externo francamente desfavorável e estando o

processo de mudança estrutural ainda inconcluso, o Banco Central optou por uma política

cambial em que a taxa de câmbio ficasse valorizada. Os efeitos desta medida sobre, por

exemplo, o setor exportador, se tornaram um perfeito argumento para idéias contrárias173

ocuparem mais espaço, e adquirir força de pressão sobre classe política e influenciando seu

posicionamento contrário.

O enfrentamento de conjuntura desfavorável implica medidas que não

invariavelmente vão de encontro aos interesses de vários grupos. Nesse momento, vêm as

reações contra àquelas medidas, instalando-se uma linha de resistência que precisa ser

172 José Arthur Giannotti, citado no quadro “Panorama Político/Tales Faria”, do Jornal “O Globo” de 03/08/97. 173 Às vezes reducionistas e ultrapassadas, diga-se de passagem.

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superada. Para isso é necessário construir um canal de informação que faça chegar aos

formadores de opinião, as razões das medidas tomadas e o que se espera que elas resultem.

Caso o governo não tenha esse canal de comunicação suficientemente forte, e alinhado com

o discurso da equipe econômica, torna-se mais difícil avançar. Foi o que aconteceu no

Governo Collor quando este não conseguiu sustentar uma base parlamentar depois de

cometer erros na etapa da estabilização e ver-se imerso nas denúncias de corrupção. E,

guardadas as devidas proporções, com FH, já nos primeiros meses de seu mandato

presidencial.

Inegavelmente, a continuidade das reformas sofreu um baque depois da mudança da

conjuntura externa no final de 1994, na medida que a ameaça à estabilidade tornou-se

maior. Isso redirecionou todos os esforços para sua defesa, passando os instrumentos de

política econômica a ter um só fim: a própria estabilidade. Entretanto, a mudança da

conjuntura externa não é suficiente para explicar as descontinuidades da mudança.

FH montou sua equipe econômica conservando seus antigos assessores que

formularam o Plano Econômico, e agregando outros economistas do seu partido, liderados

pelo Ministro José Serra, com concepção inteiramente diversa do plano de estabilização.

Cumpre dizer que a equipe que foi agregada aos assessores que formularam o Plano Real,

por pertencer ao PSDB, eram, pretensamente, os representantes da “social-democracia de

Tony Blair”, que contrapunham-se ao “liberalismo de Margareth Thatcher” do grupo

liderado por Pedro Malan e Gustavo Franco. Na verdade, esse último grupo, em termos de

orientação econômica, era mais PFL que PSDB.

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A crise mexicana174 atingiu em cheio a dicotomia dos ministérios. Ao disseminar o

medo entre a equipe de FH, aguçou os conflitos dentro da área econômica, fortalecendo

exatamente o grupo que acabara de chegar, com suas teses que na prática desmontavam o

Plano na sua concepção original. O Presidente, que até então concordava com a condução

do Plano de Estabilização, passou a ser mais receptivo às críticas do Ministro José Serra ao

que ele chamava de “sobrevalorização do Real”. Naquele momento, houve um duro

embate entre os dois grupos sem que um deles saísse vencedor. Nem o grupo do Ministro

Malan e Gustavo Franco, que não considerava aconselhável mudar o câmbio175, nem o

grupo do Ministro Serra176, que queria uma desvalorização forte da moeda. Entretanto, em

termos concretos, aquele embate custou ao País US$4 bilhões de suas reservas cambiais177.

174 O determinante da crise mexicana foi a utilização de recursos financeiros internacionais, concentrados em capital volátil para financiar consumo. Em dez/94 o México anunciou uma elevação de cerca de 15% do teto da banda cambial e em seguida permitiu a livre flutuação do peso. Essa medida levou à desvalorização da moeda mexicana de 40% em menos de uma semana e disseminou o medo de uma crise cambial no Brasil e Argentina. Esse medo levou a uma saída de recursos nesses países que, em parte eram devido à realização de lucros para cobrir os prejuízos no México; em parte devido ao aumento das incertezas quanto ao futuro dos programas econômicos desses países e o câmbio vir a ser o principal instrumento no combate inflacionário. 175 Em abr/95, Gustavo Franco, então Diretor da Área Internacional do Banco Central, usou a reunião do BID para explicar a política brasileira e afastar o nervosismo que tomou conta do mercado internacional desde a crise do México: “(..)Ressaltei o contraste que existe entre Brasil, Argentina e México, pois o Brasil nunca se vulnerabilizou como os outros países, e seu crescimento sempre foi baseado em fatores domésticos”, disse. Para Gustavo Franco, existia uma percepção equivocada de que todas as medidas de ajuste interno na economia deveriam ter sido tomadas imediatamente nos primeiros meses do governo FHC: “(...) Expliquei que não é possível fazer passar 40 emendas constitucionais num prazo tão curto. Além disso, ainda estamos em processo de formação de equipe”. E, quanto as análises de especialistas de que o panorama mudara e portanto os fluxos de capitais para a América Latina não seriam mais tão abundantes, Gustavo respondia dizendo acreditar que o Brasil estava protegido da crise: “(...) O Brasil está do outro lado da cerca. A saída de capital é proveniente dos investidores que tiveram de fazer frente aos problemas que estavam enfrentando no México e na Argentina. O Brasil oferece excelentes oportunidade de negócios”. Jornal “O Globo”, 04/04/95. No segundo semestre de 96, Gustavo Franco enviou ao Presidente FH um estudo no qual defendia a política cambial que vinha sendo implementada e preconizava maior abertura da economia a fim de garantir o aumento da produtividade e da competitividade. 176 José Serra liderava a oposição a Pedro Malan e Gustavo Franco dentro do governo. Inicialmente ocupou a pasta do planejamento e posteriormente assumiu o Ministério da Saúde. Defendia uma política econômica que desse prioridade ao crescimento e propunha a desvalorização da taxa de câmbio, maior flexibilidade para as metas de inflação, políticas monetária e fiscal mais folgadas e reversão da política de liberalização comercial, principalmente para beneficiar o setor automotivo. A falta de consenso dentro do governo sobre a política comercial e cambial tornou-se pública em 1997, quando começaram a registrar-se, na área oficial, reações contrárias às teses defendidas pelo Diretor do Banco Central. Dois episódios ilustram bem essa situação. Um, protagonizado pelo Ministro da Indústria,Comércio e Turismo; e outro pelo BNDES. O Min.Dornelles, encarregou seus assessores de prepararem medidas para proteger os setores de papel e celulose, pesca e bens

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Cumpre ressaltar que o embate no campo da economia era o exato reflexo daquele

existente na política. Tanto no parlamento quanto nos ministérios não se conseguia formar

um grupo hegemônico através do qual o governo pudesse agir. E, no que concerne ao

comando da economia, ficava claro que o Governo FH estava tentando uma missão

impossível: entregar a condução do plano econômico a dois pilotos com planos de vôos

diferentes.

4.4 – POLÍTICA CAMBIAL E TARIFÁRIA: EFICIÊNCIA E COMPETITIVIDADE

OU ESTABILIZAÇÃO?

Nos seis primeiros meses do Plano Real houve uma valorização real da moeda

superior a 30%178. Essa valorização foi crucial à estabilização dos preços a partir de julho

de 1994 e levou o Banco Central a adotar uma política cambial absolutamente permissiva à

valorização, sancionando-lhe assim, o papel de estabilizadora de preços.

de capital, além de sugerir o aumento da proteção ao setor de auto-peças e a consolidação da proteção aos setores de brinquedos eletrônicos e de têxteis. Por sua vez, o BNDES divulgou um documento sobre a abertura sugerindo que se retomasse a tradição da desvalorização real da taxa de câmbio. Esse documento baseava-se numa comparação entre as políticas de abertura da Coréia e do Brasil. Informava que, lá, a redução tarifária foi acompanhada por uma desvalorização cambial; aqui houve uma valorização da moeda. Esses episódios ilustram bem as divergências internas do Governo FH. Sem entrar no mérito de que, no caso do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, o assunto não poderia ser decidido exclusivamente pelo Ministro e sim pela Câmara de Comércio Exterior, composta, além do “seu” ministério, pelo Itamaraty e o Ministério da Fazenda. Somente depois de aprovadas pela Câmara poderiam ser implementadas. E, no caso do BNDES, também sem entrar no mérito de que sua análise se baseou em dados de 1995, antes portanto de se ter adotado as desvalorizações mais freqüentes em 1996 e ainda, do fim do ICMS sobre exportação de produtos básicos e semimanufaturas, o Banco estar discutindo publicamente um assunto que era da competência exclusiva do Ministério da Fazenda, o mais grave aí, do ponto de vista político, foi a divulgação de ambos. 177 Entre os meses de janeiro e maio de 1995, houve queda nas reservas internacionais de US$4,1 bi e US$5,1 bi, respectivamente, nos conceitos caixa e liquidez internacional. Revista Conjuntura Econômica, ago/95. 178A banda cambial estabelecida pelo banco Central após o Plano propunha liberdade de flutuação no sentido da valorização, mantendo o limite para a desvalorização de R$1,00 por US$1.00. Até o terceiro trimestre de 1994, os saldos positivos da balança comercial somados aos ingressos de capital externo, atraídos pela taxa de juros, levaram a uma valorização real do câmbio.

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O Banco Central seguia com seu discurso de que a taxa de câmbio é um preço como

outro qualquer, que deve ser regulado pelas forças de mercado, e que o comportamento das

taxas naquele momento eram o reflexo das condições do mercado. Sob o regime de câmbio

flutuante, o país poderia equilibrar automaticamente o balanço de pagamentos e isolar a

política monetária das transações com o exterior. Assim sendo, o câmbio valorizado

impulsionaria mais as importações que as exportações e isto reverteria o saldo comercial

que interromperia a escalada de valorização revertendo-a para a desvalorização.

A questão é que quando a situação começou a mudar a partir de novembro de 1994

surgindo os déficits da balança comercial e, no mês seguinte, a crise mexicana que inverteu

o fluxo internacional de capital dos países emergentes para mercados mais estáveis, ao

contrário do previsto, a taxa de câmbio não se desvalorizou.

O que aconteceu foi que, contrariando seu discurso de deixar as forças de mercado

agirem, o Banco Central instituiu uma mini-banda informal através da qual passou a

intervir no comportamento do câmbio sempre evitando que o mercado o desvalorizasse.

“(...) Na realidade, o governo parece ter gostado muito do mercado enquanto este

empurrava o Dólar para baixo”.179

Não restava dúvida de que o que orientava a política cambial era a estabilização de

preços. O problema é que essa opção cometia um erro metodológico: a abertura comercial

passaria a atender aos esforços para conter o nível interno de preços no lugar de aumentar a

eficiência da economia através do aproveitamento de suas vantagens comparativas, que era

o papel que lhe fora imputado. Concomitantemente, abria outra frente de problema: o

equilíbrio das contas externas. Sem uma subseqüente desvalorização, devido ao aumento

das importações depois da queda das tarifas aduaneiras, o saldo comercial seria reduzido 179 Mario Henrique Simonsen, Revista Exame, 01/02/95.

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até tornar-se negativo. Nesse caso, a inversão de papel ocorria porque, em tese, a abertura

não deveria alterar o saldo comercial do país. Se o fazia era porque o freio da taxa de

câmbio não estava funcionando como devia. Ao insistir no instrumento da âncora cambial

para os objetivos da estabilização, o governo alimentava uma ameaça ao equilíbrio externo

e, no limite, despia um santo para cobrir outro.

Foi exatamente nesse ponto que se estabeleceu o debate sobre o câmbio no Brasil a

partir de 1995. De um lado, ficaram aqueles que colocavam a defesa da estabilidade em

primeiro lugar e de certa forma, apoiavam a política do Banco Central. Grosso modo, sua

argumentação era que a desvalorização cambial por si só não seria suficiente para resolver

o problema externo. A começar pela dificuldade de se ter uma medida exata para ela. Por

exemplo, em julho/96, medida pelos índices de preços industriais no atacado, não chegava a

5%. Pelos índices de varejo, a defasagem atingia 25%. Se grande parte da inflação do

varejo estava concentrada nos itens não transacionáveis, como educação, aluguéis, planos

de saúde e outros serviços, não caberia aí, avaliar a perda da competitividade dos

exportadores por esses índices. Em segundo lugar porque, uma desvalorização somente

surtiria efeito se não fosse seguida por uma aceleração de mesma magnitude nas taxas de

inflação. Para conseguir tal efeito, o governo precisaria reduzir nível de atividade

econômica. E ainda, como as reformas estruturais que garantiriam um equilíbrio fiscal

permanente ainda não haviam sido completadas, uma mudança repentina do regime

cambial poderia significar uma ameaça à estabilização. Nesse sentido, na medida em que

as outras âncoras possíveis – monetária e fiscal – não podiam ser usadas em sua

plenitude180, a taxa de câmbio era um importante instrumento para a estabilização. E,

180 As sugestões apresentadas eram a reindexação do câmbio, câmbio livre ou alargamento da banda. Explicava-se a indexação pelo fato de o Banco Central inclinar-se para o sistema de bandas nominais. Como a

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infelizmente, esta medida tinha como efeito colateral uma ameaça ao setor exportador e aos

setores internos mais expostos à concorrência internacional181. Por esse motivo,

considerando as conjunturas interna e externa que se apresentavam, caberia ao governo

acelerar as reformas do comércio exterior que já haviam sido prometidas, tais como a

desoneração tributária, melhor e maior acesso ao crédito e modernização dos portos. Desta

forma, seria estabelecida uma nova face para o setor externo brasileiro, com a economia

mais aberta e competitiva, em que as reformas do comércio exterior pudessem contribuir

para aumentar as exportações.

De outro lado ficaram aqueles que defendiam a mudança de rumo da política

cambial para reverter os efeitos da valorização do câmbio sobre o setor produtivo nacional

(inclusive exportador). Argumentavam que a política cambial iniciada em 1º de julho de

1994 com o Real, resultou numa queda dos preços internacionais no mercado brasileiro em

torno de 40%, pois criou uma deflação em dólares de 15% e não impediu uma inflação em

real em torno de 25%. Concomitantemente, houve uma drástica queda das tarifas

aduaneiras que passaram de 35% para 20% em média. Essas duas medidas resultaram em

real incentivo fiscal de 20% - de fato 55% - para os produtos estrangeiros, e em desestímulo

monetário-tributário-cambial de 55% (40% + 15%) para o produto nacional.182 Esta

política, portanto, estaria levando ao enfraquecimento do parque produtivo nacional e

anulando as possibilidades de crescimento estável na medida que o governo solapava a

inflação brasileira era maior que a do resto do mundo, não indexar o câmbio significaria aumentar ainda mais a sobrevalorização. Contudo, indexar o câmbio poderia trazer de voltar o fantasma da indexação e seu efeito de engessamento sobre as taxas de inflação. O câmbio livre seria uma boa opção. Mas, câmbio livre mais cenário internacional indefinido e explosão de importações poderiam provocar desvalorizações que ameaçariam a trajetória da inflação. Resta a administração, via banda, do câmbio. Ou seja, naquele momento, como estratégia de curto prazo, o manejo da política cambial era correta. Bastava alargar o intervalo. 181 Segundo Revista Conjuntura Econômica de fev/95, a expectativa era de que, diante a inflação esperada, mantendo-se a faixa de flutuação entre R$0,84 e R$0,86, a sobrevalorização adicional chegaria a 20 ou 25% no final de 1995. 182 Ives Gandra, em “Obstáculos Econômicos”, Jornal O Globo, 19/01/95.

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competitividade através de suas medidas que privilegiavam os produtos estrangeiros e

prejudicavam os nacionais criando um protecionismo às avessas.183 Vale dizer que, dentro

do Governo, esses argumentos encontraram apoio no Ministro José Serra e no Ministro

Dornelles.

Cumpre também dizer que uma trajetória de valorização do câmbio pode ser

resultado de fatores estruturais que aumentem de forma sustentada a oferta de divisas e/ou

reduzem sua demanda, por exemplo, ganhos contínuos de produtividade do setor

exportador ou ainda, a melhoria constante dos termos de troca do País. Ou também do

influxo de capital externo. Neste caso, quando o ingresso se dá sob a forma de investimento

externo direto que ampliam a capacidade produtiva do País a subseqüente valorização do

câmbio é sustentável porque sinaliza um novo equilíbrio cambial. Em contrapartida,

quando o ingresso é de capital de curto prazo, a valorização se transforma em elemento de

instabilidade no mercado cambial.

Em 06/03/95 o governo promoveu a primeira grande alteração de rumo do Plano

Real ao flexibilizar a política cambial184, um dos pilares da estabilização de preços. Deixou

de existir a âncora cambial. E foram anunciadas medidas na área comercial, como o

aumento de 70% das alíquotas do imposto de importação de 100 bens de consumo185, e do

lado das exportações, foram criadas novas linhas de financiamentos186.

183 Op. Cit. 184 Pela lógica, os formuladores do Plano Real não eram, em tese, contrários a um regime de câmbio livre. Mas, naquele momento alegavam que seria prematuro aderir a esse sistema sem que se tivesse uma nítida âncora monetária e fiscal. Por esse motivo, consideravam a opção das bandas cambiais como sendo o melhor caminho possível. 185 Segundo a Revista Conjuntura Econômica de maio/95, esses bens eram responsáveis por quase ¼ do total de todos os produtos importados. 186 Ficou estabelecido que o Banco Central definiria periodicamente os limites, superior e inferior para sua intervenção no câmbio. Naquele momento vigorou a faixa de R$0,86 a R$0,90 por dólar; e a partir de 02/05/95 o limite superior foi elevado para R$0,98; o Banco Central poderia intervir no interior da faixa para prevenir a ocorrência de flutuações indevidas; o Banco Central receberia propostas para a venda a termo de dólares a R$0,93 para 02/05/95. Posteriormente foram adotadas as seguintes medidas: (a)A faixa de

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Essas mudanças na política cambial foram de muita importância porque definiam

uma regra para esse mercado. Contudo, apesar de o Banco Central ter alterado a cotação do

Dólar187, visando reverter os déficits na balança comercial, ele não deixou de intervir no

mercado cambial para determinar a ‘sua’ taxa desejada. Por essa razão, a recuperação do

saldo comercial dependeria muito mais dos efeitos das medidas de elevação de alíquotas e

imposição de cotas de importação que da política cambial.

Assim, se por um lado a alteração na política cambial significava um passo adiante,

o governo deu vários passos para trás quando elevou em 70% as alíquotas de importação de

109 produtos, dentre eles, eletrodomésticos e automóveis188, em 29/03/95 – 7 meses após a

queda para 20%. Esse aumento suscitou a insegurança e incerteza sobre as regras do jogo

da política econômica e reforçou a percepção de que as alterações na política econômica

intervenção foi alterada para R$0,88-R$0,93;(b)A taxa de juros do overnight foi aumentada para 4,25% a.m.; (c)O IOF para aplicadores estrangeiros em renda fixa caiu para 5%; (d)Reduziu-se para US$5 bi o limite de moeda estrangeira que os bancos podem carregar; (e)Leilão de US$12 bi de títulos governamentais corrigidos pelo câmbio; (f)Proibição de pagamento antecipado de empréstimos em moeda e de financiamento de importações; (g)Redução para 3 anos do prazo mínimo de captação de eurobônus, commercial papers e outros títulos de renda fixa e para 90 dias, o prazo de repasse nas operações ao abrigo da Resolução 63. Revista Conjuntura Econômica, maio/95. 187 Em 22/06/95 alterou para os limites R$0,91 e R$0,99 representando uma desvalorização de cerca de 6,45% reais. Banco Central e Almanaque Abril/96 188 Jornal “O Globo”, 01/04/95, Miriam Leitão informava que o governo não sabia dimensionar o efeito benéfico que teriam as medidas de controle das importações. Diante da dificuldade de se obter dados suficientes para tal estimativa, não haviam sido feitos cálculos ou modelos de simulação para prever o impacto na balança comercial das restrições àquela lista de importados. Disse que o diagnóstico da equipe econômica era de que os déficit comerciais eram decorrência do crescimento da economia – o déficit de fev/95, foi de US$1,095 bi, o maior da história brasileira. Sem descartar o efeito das importações sobre a estabilização, admitia-se, no governo, que a balança comercial estava entrando na armadilha das profecias auto-realizáveis. Com as notícias sobre o déficit, no contexto da crise do México, o mercado começou a esperar uma reação do governo, de restrição às importações, e por isso importadores decidiram antecipar compras. Mas que era muito difícil decidir sobre o que fazer exatamente para reduzir o crescimento. “(...) O que você queria que nós fizéssemos? Já elevamos a taxa de juros e nada. A demanda tem caído minimamente. Não há instrumento, neste momento, para ser usado que possa em pouco tempo ter efeito sobre a demanda”, citava a referida repórter, o depoimento de um economista do governo. As reações à medida adotada vieram de vários pontos conforme informava o Jornal “O Globo, também de 01/04. O Deputado Delfim Netto, declarava: “(...) Para manter o câmbio onde está, o governo tem aplicado sobre nós a mais alta taxa de juros do mundo e a mais alta tarifa de importação”. Em outra matéria,o Jornal O Globo informava que “(...) a decisão do governo brasileiro de elevar as tarifas de importação de mais de 100 produtos foi vista como um mau sinal, pela OMC, apesar de o Brasil não estar ferindo nenhum acordo com a Rodada Uruguai”.

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visavam corrigir déficit externo sem desvalorizar o câmbio. Essa opção representava um

retrocesso para a abertura da economia.

Na prática, esse retrocesso foi o subproduto de um erro anterior: a fixação de uma

âncora cambial sem a adoção de medidas de estímulo às exportações, que resultou num

aquecimento da demanda doméstica com reflexos nas importações e resultando em déficits

comerciais. Ou seja, estava-se consertando um erro com outro erro quando o aconselhável

seria a adoção de medidas que estimulassem as exportações, como por exemplo, redução da

carga tributária sobre as exportações e/ou aumento de linhas de financiamento às

exportações. Segundo depoimento dado na ocasião pelo Presidente da Associação

Brasileira de Empresas Trading, Carlos Barbieri189, a política cambial era irrealista e os

recursos de apoio às exportações, disponíveis no BNDES, muito tímidos – US$560

milhões. Para ele, até aquele momento, só se percebiam promessas. Por exemplo, ainda não

havia sido regulamentada a decisão de isentar de PIS e da COFINS os produtos para

exportação190.

Em janeiro/96 foi anunciada a nova banda – R$0,97 e R$1,06. Essa nova alteração

resultou numa desvalorização nominal do Real em 1995 de 13,9% contra uma inflação no

atacado foi de 6,4%. A desvalorização reduziu a defasagem cambial e teve impacto positivo

sobre as exportações, que voltaram a subir, ainda que lentamente191. Isso, de certa forma

trouxe tranqüilidade principalmente porque, através dessas ações, o governo deixou

189 Em Encontro do Ministro da Fazenda, Pedro Malan, com empresários na AEB (Associação do Comércio Exterior) em 31/03/95 190 Nessa ocasião, o Ministro Pedro Malan, garantiu aos empresários presentes na AEB que a regulamentação sobre o PIS e a COFINS sairia nos dias seguintes. Aproveitou para reiterar que o aumento das alíquotas de importação não teria nenhum efeito sobre o custo de produção porque incidiam todas, sobre bens de consumo final, não haveria portanto, necessidade de reajustes de preços, justificados pelos aumentos daquelas tarifas. 191 Esse resultado não é suficiente para admitir que a questão da defasagem cambial tivesse sido alterado. Segundo dados da Revista Conjuntura Econômica de abr/96, a defasagem cambial, tendo como base jul/94, em termos de taxa efetiva, era 7,2% e de 8,8% sobre o dólar, em dez/95; passando para 9% e 9,3% , respectivamente, em janeiro/96 (deflator IPA-DI).

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transparecer que procurava evitar uma tendência de elevação no grau de defasagem

cambial192.

Em abr/96, a Revista Conjuntura Econômica considerava que o cenário para uma

desvalorização estava, a princípio, descartado.

“(...) Não só porque o governo não aponta nesse sentido, como também porque é

favorável a uma política de maior flexibilização cambial no sentido de um

mercado mais livre. E, além disso, os dados dos fluxos comerciais não

evidenciam necessidade de uma alteração brusca na política cambial”.

Em maio/96, dizia:

“(...) É difícil defender tecnicamente uma desvalorização real da taxa de

câmbio no momento”. Desde a flexibilização de tal política, em março/95

diminuiu fortemente a chamada ‘defasagem cambial’. Tomando-se por base o

mês de jul/94, ela caiu de 22% no início de 95 para cerca de 9% no final de 95 e

vem se mantendo nesse patamar desde então. E os mercados futuros apontam

uma expectativa de desvalorização cambial de 0,5% a.m., para junho, julho e

agosto, em linha com a evolução esperada do IPA da FGV. Por outro lado,

apesar do déficit comercial, as exportações têm crescido. A razão dívida

líquida/exportações, que vem a ser o indicador por excelência da fragilidade

cambial, encontra-se na casa de dois dígitos, considerados baixo para os

padrões internacionais. Finalmente, mesmo após a forte queda das taxas de juros

internas dos últimos meses e apesar do déficit em conta corrente, o Banco

Central continua atuando como comprador de moeda estrangeira no mercado de

câmbio, o que significa a existência de um excesso de oferta de divisas e contra

indica a desvalorização”. 192 A defasagem média da taxa efetiva que chegou a alcançar 20,7% (base jul/94 sendo IPA-DI o deflator), tendeu a declinar. Entre maio e julho/96, observou-se uma elevação, mas em agosto a defasagem decresceu 12,3% em relação a julho. Revista Conjuntura Econômica, out/96

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A razão da tranqüilidade em relação à política cambial era o nível das reservas

internacionais do País. Elas atingiram em julho/96, pelo conceito de caixa, US$58,1 bi

ajudada principalmente pelos ingressos, via Investimentos Externos Diretos e empréstimos

de médio e longo prazo, de US$16,2 bi, contra US$6,2 bi de investimento em portfólio e

capital de curto prazo. Esse nível correspondia a 14,5 meses de importações. Por essa razão,

os déficits comerciais não representavam risco ao Plano de Estabilização e a política

cambial era tolerada193.

Contudo, em termos concretos, o que o governo havia feito até aquele momento era,

sem alterar a política cambial, adotar uma política de promoção das exportações mais

agressiva via financiamentos às exportações pelo FINAMEX e pela introdução do seguro

de crédito às exportações. O equilíbrio externo que se conseguia com tais medidas era

muito precário porque não se sustentaria diante da recuperação da taxa de crescimento

econômico do País. Muito provavelmente, essas medidas não seriam suficientes para

assegurar superávits comerciais na presença de taxas de crescimento do PIB superiores a

3%194. Mais ainda, como o coeficiente das exportações brasileiras estava estagnado desde o

início da década de 90195, uma possível retomada do crescimento econômico ameaçaria o

equilíbrio externo mediante um esperado aumento das importações. Para um aumento

significativo das exportações, compatível com importações associadas a taxas crescimento

em torno de 5% ou 6%, exigiria um aumento da oferta exportável que somente poderia ser

193 Segundo informou a Revista Conjuntura Econômica de jul/96, dados do 1º trimestre de 1996 comparados ao mesmo período de 1995: (i) Aumento de 11% das exportações; (ii)Queda de 7% das importações; (iii)Aumento de 85,2% do nível das reservas. Representavam 13 meses de importações; (iv)IED aumentou 58,3%; (v)Índice da taxa de câmbio efetiva aponta uma pequena defasagem que, se reduziu no período considerado; (vi)Houve melhora no déficit comercial: no 1º quadrimestre de 96 foi US$237 milhões contra US$2,8 bi de 1995. 194 Revista Conjuntura Econômica jul/96. 195 Revista Conjuntura Econômica, out/96.

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alcançado com aumento da taxa de investimento. Esbarrava-se então, no padrão de

financiamento de um novo ciclo expansivo de sua economia.

Naquele momento, a redefinição dos rumos da política econômica estava

condicionada a um impasse dentro do próprio governo: os rumos da política fiscal. Desde o

final do Governo Collor, a política fiscal foi tornando-se cada vez menos restritiva e puxou

para cima as taxas de juros domésticas. Primeiro porque as NFSP pressionaram diretamente

o mercado de crédito, e segundo porque provocaram aumento da renda real da economia. O

crescimento da renda aumentou a demanda por bens de capital e de consumo durável,

aumentando a pressão sobre os recursos financeiros disponíveis. Por outro lado, aqueles

acréscimos das taxas de juros internas e da renda real exerciam efeito negativo sobre o setor

externo ao atrair capital e diminuir o excedente exportável. A melhoria da situação fiscal

evitaria a opção onerosa e de fôlego curto que se vinha utilizando, de uma política de

combate à inflação através de juros altos e repressão sobre o câmbio. Quanto mais rápido se

resolvesse essa questão, menos se sacrificariam as oportunidades para retomada do

crescimento que a política de estabilização impunha.

Existe uma causalidade recíproca entre juros, déficit orçamentário e câmbio: as altas

taxas de juros e os elevados déficits nos orçamentos públicos causam a valorização cambial

do mesmo modo que ela (a valorização), ao piorar o saldo de transações correntes exige a

alta dos juros internos, que por sua vez, ao desaquecer a economia, diminui a base de

tributação e, conseqüentemente, piora a situação do orçamento fiscal.

A expansão fiscal potencializa os efeitos altistas sobre as taxas de juros domésticas

decorrentes do aperto monetário-creditício, pois o setor público passa a competir com o

setor privado por recursos escassos de crédito. O resultado é a elevação das taxas de juros

reais, a atração de capital externo (principalmente de curto prazo), e a intensificação do

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processo de valorização cambial. Eis, portanto, o motivo da evolução da taxa real efetiva de

câmbio. Medida pelo índice de preços no atacado IPA-DI, em março/97 essa variável

apresentava uma valorização de 33,6% em relação ao período imediatamente anterior ao

Plano Real e de 24,9% em relação à média de 1988-97196. Medida pela relação entre preços

de bens transacionáveis no exterior e não transacionáveis, a taxa real de câmbio mostrava

uma apreciação de 37% em relação ao valor de julho/94197.

Em maio de 1995 o estoque da dívida pública mobiliária federal era de R$71,8

bilhões e o Tesouro apresentava pequenos superávits de caixa. Mas a emissão de títulos

cobria as amortizações e a correção monetária da dívida interna, enquanto os juros eram

pagos com receita fiscal. Como as despesas estavam crescendo, já se fazia necessário o

ajuste fiscal. Em maio de 1996, a dívida líquida do setor público (interna e externa), era

33% do PIB. O governo considerava esse percentual relativamente reduzido e compatível

com as dimensões da economia brasileira. Argumentava que o crescimento do estoque da

dívida pública federal era principalmente, resultado do acúmulo de reservas, e não de um

grave desequilíbrio fiscal; e que a relação dívida líquida do setor público/PIB era baixa,

comparando-se com a de outros países.

No final de maio de 1997, o governo renegociou as dívidas de 22 estados e tratou do

saneamento financeiro dos bancos estaduais. Até setembro daquele ano, o pagamento dos

juros foi a grande fonte do déficit público. Mas, o cenário parecia mais favorável, porque

havia a possibilidade de utilizar o dinheiro das privatizações e das concessões para abater

parte da dívida pública, as receitas tributárias estavam crescendo e as taxas de juros caindo.

Esse cenário reverteu-se após a crise financeira de outubro/97 e obrigou o Banco Central a

196 Revista Conjuntura Econômica, jul/97 197 Revista Conjuntura Econômica, jul/97.

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usar as suas reservas cambiais e a aumentar os juros198. A mudança nas taxas de juros teve

um impacto direto sobre o custo de financiamento do déficit. A subseqüente deterioração

das contas públicas viria ratificar a necessidade de um ajuste fiscal.

A preocupação quanto à situação fiscal brasileira – dívida pública mobiliária em

circulação atingira R$330 bilhões ou 40% do PIB em jun/98 – encontrou respaldo nos

acontecimentos que se sucederam à moratória russa199. A partir de agosto/98 houve forte

saída de capitais do País para mercados mais seguros. Em poucas semanas as reservas

cambiais caíram de US$69,7 bi, no final de jul/98 para US$45,3 bi no final de setembro/98.

E, para espanto de todos, a resposta das autoridades, Banco Central, foi reduzir as taxas de

juros de curto prazo (a TBC), ao mesmo tempo que ampliava o teto (a TBAN)200. A

situação evoluiu para uma completa confusão: o piso deixou de ser piso e as taxas de

mercado (overnight) ficaram abaixo da TBC; a seguir, após conseguir a proeza de colocar

os juros internos abaixo do externo, o Banco Central anunciou que o piso tinha sido

provisoriamente extinto e que o teto tinha subido para 29,5%. Porém, como o dinheiro não

parava de sair do País, o teto também não era mais teto na prática do mercado. O Banco

Central se viu forçado a aumentar a TBAN para 39,7%. De concreto, o Banco Central

conseguiu a virtual paralisação das operações no mercado financeiro no dia 14/09/98.

Quando essas operações reabriram-se, as taxas de curtíssimo prazo se estabilizaram em

198Que passaram de 20,6% para 43,4% ao ano . 199 Essa preocupação não era diretamente com o montante da dívida, considerado baixo para os padrões internacionais. O que mais preocupava eram o custo financeiro de rolagem dessa dívida era muito alto devido aos níveis das taxas de juros domésticas e o perfil de curto prazo e/ou indexado ao Dólar. A despesa financeira do setor público atingia a casa dos R$5 bilhões por mês. Revista Conjuntura Econômica, out/98 200 TBC e TBAN são os piso e teto, respectivamente, da taxa de juros de curto prazo. Essa política foi instituída por Francisco Lopes quando estava no Banco Central, como uma tentativa de recuperar um histórico instrumento de política monetária, o redesconto, que havia sido abandonado no Brasil. Além de recuperá-lo, pretendia-se pôr fim à idéia negativa de que tal instrumento passou a transmitir e, por conseqüência, ser discriminado.

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torno de 39% a.a., e significaram um aumento da despesa financeira do setor público de

R$10 bilhões por mês201.

O ajuste fiscal, visando diminuir ou extinguir o déficit público, foi anunciado junto

com a implantação do Plano Real, como prioridade máxima do governo. Entretanto, o que

se testemunhava em 1998 era um expressivo aumento no estoque da dívida pública

monetária federal202, no déficit primário e nos encargos da dívida pública interna. É certo

que o Governo FH defrontou-se com heranças de administrações anteriores – por exemplo,

a recomposição dos salários dos funcionários públicos iniciada no Governo Itamar, o

socorro aos bancos privados e a mudança no relacionamento do Tesouro com o Banco

Central. É também sabido, que um dos principais motivos para a deterioração das contas do

governo federal foi a Constituição de 1988, que aumentou a transferência de receita de

impostos a estados e municípios sem que houvesse estabelecido obrigações

correspondentes, detonando um caótico processo de descentralização203.

A fragilidade das contas públicas somada à capacidade de o Estado realizar o

referido ajuste204 interrompeu o fluxo de capital estrangeiro para o País e obrigou o

governo a negociar um acordo emergencial com o FMI. Esse acordo significava a

201 Revista Conjuntura Econômica, out/98. 202 Em 1998, 42,6% do PIB contra 34,5 de 1997, 33,3 de 1996 e 30,5 de 1995. Banco Central, Ago/99 203 O período em que o Congresso elaborava a Carta Constitucional é o mesmo em que o governo central consolidava sua iminente fraqueza após o desgaste político dos fracassos dos planos de estabilização de 1986 e 1987. Esse enfraquecimento do Executivo foi “perfeito” para o desastre da Constituição de 1988 que acabou por reduzir os graus de liberdade para a condução de política econômica. “A Constituição não conseguiu dotar o País de um mecanismo coerente de proteção dos interesses da maioria da população contra as complexas e múltiplas pressões típicas de uma democracia de massa. Muito ao contrário: reforçou uma velha e deletéria propensão à extração de favores indevidos do Estado por parte de segmentos influentes da sociedade brasileira. A Constituição acabou impondo sobre o orçamento federal pesados encargos adicionais, ao mesmo tempo em que reduzia substancialmente os recursos da União, em benefício dos estados e dos municípios, na esteira de um novo e incoerente arranjo de federalismo fiscal”. Werneck(2000) 204 O fato de o Brasil já ter descumprido várias metas fiscais em períodos anteriores abalou a confiança na sua capacidade de realizar o referido ajuste.

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implementação imediata de medidas que corrigissem o déficit e de outras tantas que

eliminassem os focos do endividamento do Estado.205

Mais uma vez o governo se via diante uma questão crucial que precisaria romper o

já conhecido impasse interno para se encaminhar a correção dos erros de percurso. As

mudanças haviam sido concebidas com o propósito de modernizar a economia e paramentá-

la para um crescimento sustentável. Para isso, fez-se a abertura e a estabilização, mas ficou-

se muito reticente quanto à questão fiscal, não conseguindo sequer encaminhar a reforma

fiscal206. Tudo isso, levou o governo a enfrentar o peso de um orçamento excessivamente

grande e do financiamento da dívida pública207. Essa situação gerou uma armadilha para o

projeto de longo prazo da economia (as reformas estruturais). Impunha manutenção de

taxas de juros elevadas que, ao exercerem forte atração sobre o capital estrangeiro de curto

205Cumpre registrar que, diante das complexas negociações políticas de que dependiam a aprovação de tais medidas pelo Congresso – que havia sido recomposto pelas eleições de out/98 com as eleições para presidente da república, governador,senador, deputado federal e estadual – esse acordo cumpriu o papel de ajudar o governo a implementar as medidas fiscais que até aquele momento ele não conseguira (por opção ou por imposição). O fato curioso nesse episódio foi a característica do ajuste. Enquanto se esperava um corte de gastos, o pacote apresentou e priorizou o aumento de impostos e contribuições (Cofins, CPMF, contribuições previdenciárias de servidores ativos e inativos, etc). Eis a Proposta do Executivo: A meta básica era a obtenção de um superávit fiscal primário no setor público consolidado de 2,6% do PIB em 1999, o que equivale a esperados R$28 bilhões. Principais medidas de redução de despesas : (a) R$8,7 bi no item ‘outras despesas correntes e de capital’ (OCC); (b) R$2,7 bi em despesas de estatais federais (até 2001); (c) ampliação do FEF até 2006, com aumento de 20% para 40% do percentual de desvinculação da arrecadação. Principais medidas de aumento de arrecadação: (a) R$1,7 bi com a universalização da contribuição de 11% para a previdência estatal por parte dos servidores públicos ativos e inativos; (b) R$2,7 bi por meio da cobrança de contribuição previdenciária adicional de 20% sobre a parcela da remuneração que exceder R$1.200,00; (c) R$7,2 bi através da prorrogação da CPMF e do aumento de sua alíquota para 0,38%; R$1,2 bi com a universalização da Cofins e R$3,3 bi em antecipação de receita por meio do acréscimo de sua alíquota em 1% admitida a compensação com o IRPJ; (d) R$1,4 bi em incorporação de depósitos judiciais pela Receita Federal ou pelo INSS. Revista Conjuntura Econômica,nov/98. 206 Preocupado com a situação das contas públicas, o Ministro da Fazenda apresentou ao Congresso uma nova emenda de reforma tributária, em novembro/97, depois de tê-la deixado paralisada por mais de um ano. 207O que ocorreu na verdade, foi que os esforços que deveriam ter sido direcionados para implementação das medidas para sanar o problema fiscal foram utilizados para aprovação da emenda constitucional pela qual foi aprovada a reeleição de FHC. Na opinião da Revista Conjuntura Econômica: “(...)O governo foi bom em duas áreas: tomar empréstimos e vender os ativos do Estado, o que serviu para cobrir momentaneamente o déficit fiscal e ganhar a eleição. Mas, não demonstrou interesse na estabilização financeira duradoura, na melhoria do padrão de vida e (menos ainda) em mudanças permanentes na distribuição de renda. Em apenas quatro anos, o setor público acumulou uma dívida enorme, o que provocou uma situação de megataxas de juros reais e a ameaça de colapso”. Nov/98, p.20

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prazo, aumentava a oferta de moeda estrangeira e criava uma forte pressão para valorização

da taxa de câmbio208. O papel assumido pelo câmbio no processo de consolidação da

estabilidade dificultava qualquer iniciativa que visasse mexer na taxa e/ou alterar o regime

cambial. À medida que o governo descartava esse instrumento de ação, criava outra

fragilidade: o aumento do déficit e o encarecimento do seu financiamento. As elevadas

taxas de juros “seguravam” a taxa de crescimento, que por sua vez, “precisavam” ser baixas

para evitar um desequilíbrio maior no setor externo diante do câmbio valorizado. Em última

instância, até 1998, o governo financiou a estabilidade com um crescente endividamento do

setor público. Ao fazer isso, acabou sobrecarregando as políticas tarifária e cambial que, no

limite, não deveriam ter o papel que acabaram assumindo. Como estava sendo conduzida, a

política de estabilização passou a ser um fim em si mesma, e não uma meta para que se

cumprisse o projeto de reforma estrutural da economia.

208 Além de pressionar a monetização.

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CONCLUSÃO

A história econômica é o segmento das ciências sociais que tem por objetivo

construir interpretações dos fatos econômicos. Se entendermos que os fatos econômicos são

subprodutos da execução das idéias econômicas, podemos admitir que o trabalho do

historiador econômico é, no âmbito das relações do agente com o ambiente da economia, o

de construir uma estrutura analítica que permita interpretar os efeitos da teoria econômica

quando colocada em prática. Portanto, ele constrói a história da política econômica ou, no

limite, a história dos conceitos econômicos209.

O mérito de um trabalho dessa natureza é contribuir para que se faça uma análise

das transformações ocorridas na economia de maneira que se possa compreender as

alterações institucionais e culturais que a economia sofre e provoca ao longo do tempo.

Enfim, seu mérito é agregar poder explicativo à doutrina econômica, a partir da

interpretação dos efeitos subjacentes à sua implementação. Qualquer história econômica de

um país é incompreensível se for desligada desse elo. O ambiente - as condições

econômicas, políticas, institucionais - é crucial, quer para o surgimento de uma doutrina

econômica, quer para as características que adquire sua implementação.

Pois bem, seguindo esse raciocínio, neste trabalho, estou chamando de ambiente, o

processo de mudança na economia internacional a partir dos anos 70 e 80, e de fato, um

subproduto desse ambiente, a política comercial brasileira adotada a partir dos anos 90.

209 Veja a respeito: TAWNEY(1933), ASHTON(1946), NEF(1944), CHAMBERS(1960) e KULA(1977)

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Esses são os eixos centrais da minha Tese. No primeiro e no segundo capítulo eu discuti o

ambiente e, no terceiro e quarto, o fato.

E, sendo ela uma tese de história econômica, estou me colocando aqui,

pretensamente, no papel de um historiador econômico. Nesse sentido, ao discutir a história

da política comercial brasileira nos anos 90, me propus a dar minha interpretação de um

fato que participou da história da abertura comercial do País. O fato econômico que me

propus interpretar foi uma particularidade do processo de reestruturação da economia: o

tratamento dado à política comercial nesse período.

A partir da agenda do desenvolvimento dos anos 90, em que se sobrepunham as

discussões sobre o descolamento da economia brasileira do paradigma tecnológico, as

mudanças das orientações das políticas públicas domésticas, a penetração das idéias liberais

na própria agenda retirei a política comercial e me dispus a estudar o processo da

liberalização do comércio brasileiro sob o ponto de vista do tratamento que os instrumentos

da política comercial – tarifas e câmbio – receberam dentro do processo de reestruturação

da economia. Sustentei a hipótese de que a política comercial foi utilizada como

instrumento da política de estabilização, como uma opção deliberada dos gestores de

política econômica, de priorizar o papel ‘estabilizador’ dos instrumentos da política

comercial, deixando para o segundo plano, o seu papel legítimo - e esperado, considerando-

se a doutrina econômica que orientava esses atores - de pilar da reforma estrutural. Nesse

sentido, minha tarefa era a de mostrar como e por que isto aconteceu.

Uma característica marcante desse contexto foi a tendência de adesão às políticas

ortodoxas para efetuar as reformas market-oriented, usualmente denominadas de reformas

liberais, denotando o poder da influência das idéias econômicas que prevaleciam nos países

desenvolvidos. Este fato me levou a um questionamento: “Como uma idéia econômica

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adquire poder político para promover uma mudança de paradigma?” “Quais foram os

canais que as idéias liberais encontraram para penetrar na sociedade brasileira dos anos

90?” Isto significava que, para prosseguir minha análise teria que trabalhar esse elemento

novo e pouco usual nas análises econômicas.

As influências das idéias liberais eram inegáveis no modelo de desenvolvimento que

se construíra. A própria abertura comercial, ao descartar todo instrumento de proteção

comercial que não as tarifas de importações, além de defender um regime de câmbio livre,

para que os movimentos da taxa de câmbio complementassem a proteção, quando as baixas

tarifas resultassem em um crescimento indesejado das importações, sustentando que a

extinção das barreiras de comércio aumentaria o grau de exposição do setor produtivo

brasileiro à concorrência internacional, levando-o a buscar maior eficiência e

competitividade, não deixava dúvidas quanto a natureza daquela reforma.

Diante deste fato, eu precisava explicar como surgiu a idéia da abertura e também a

penetração das idéias liberais na economia brasileira.

O primeiro passo foi identificar os elementos que explicaram a definição da agenda

econômica brasileira, isto é, mostrar como surgiu a idéia da abertura. Fiz isto no primeiro

capítulo, revendo o debate travado no País sobre as causas da perda do dinamismo do

parque produtivo e, conseqüentemente, do baixo desempenho das exportações. A partir

dessa discussão mostrei que, as causas do baixo dinamismo da estrutura produtiva brasileira

eram imputadas ao atraso tecnológico do seu parque industrial. Este atraso estaria gerando

uma economia improdutiva e pouco competitiva, descolada das tendências da economia

internacional.

A idéia da abertura comercial surgiu a partir das constatações das deficiências da

economia, e foi pensada como um instrumento que contribuiria para aumentar sua

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competitividade e eficiência alocativa. Nesse sentido, ela foi desenhada para ser um

instrumento da política de longo prazo – a política de desenvolvimento e da reforma

estrutural. Resumindo, no primeiro capítulo, mostrei como surgiu a idéia da abertura e qual

o papel que lhe foi imputado.

Ao apresentar o debate sobre as interpretações dos problemas da economia

brasileira, mostrei que apesar de os diagnósticos convergirem para um mesmo fim, os

prognósticos eram diferentes. Isto é, havia convergência nos fins, mas não nos meios para

se alcançar a eficiência alocativa e aumentar os níveis de competitividade da economia.

Segmentei essa divergência em duas linhas de pensamento, de maneira que pudesse mostrar

qual seria a política de desenvolvimento que o País teria se cada uma delas assumisse o

controle da economia. Chamei uma linha de micro/macroeconômica ortodoxa, que

vinculava a competitividade ao desempenho do comércio exterior e admitia uma

causalidade entre o funcionamento dos mercados e os ganhos de competitividade. Para esta

corrente, as políticas intervencionistas do Estado eram a chave para explicar a perda de

competitividade do setor produtivo, visto que interferiam no processo de formação dos

preços. Para ela, a competitividade seria uma questão de custo, assim, se a competição não

fosse distorcida, os preços conduziriam a uma especialização eficiente a partir de alguma

vantagem, relativa à dotação de fatores. Esta linha defendia os mecanismos de mercado

como os meios mais eficientes para a alocação dos recursos. Recomendavam, portanto, a

desregulamentação dos mercados e a eliminação de distorções nos mecanismos de

formação dos preços, pois isto permitiria que os preços fossem a expressão da eficiência.

Resumindo, condicionava a competitividade aos instrumentos da política macroeconômica.

A outra linha, preponderantemente microeconômica, explicava a competitividade

não apenas em termos de desempenho comercial. Para ela, competitividade é uma

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construção, não um processo guiado unicamente por forças de mercado. Para construí-la

seria necessário considerar os aspectos tecnológicos e institucionais da economia. Isto é, a

competitividade estaria relacionada à capacidade de se ajustar a um contexto de mudança

permanente, no qual existem falhas de mercado, e a eficiência se mede não em termos

estáticos. Nesse caso, o Estado teria um papel central na construção da competitividade,

porque caberia às políticas públicas fortalecerem as externalidades positivas às firmas como

forma de melhorar o desempenho econômico de longo prazo. Sugeriam então, uma política

industrial que promovesse um ambiente favorável à produção acompanhado de políticas

macroeconômicas que viabilizassem a oferta de bens coletivos, tais como, infraestrutura,

educação e pesquisa, enfim, que cobrissem as falhas de mercado.

Atribuí um código identificador para cada uma, com o cuidado de não fazer

qualquer juízo de valor. Minha intenção não era julgar e sim contextualizar o debate. À

linha microeconômica dinâmica, chamei GRUPO 1 e à micro/macroeconômica ortodoxa,

chamei GRUPO 2.

Em suas análises, o GRUPO 2 atribuiu a responsabilidade pelo baixo dinamismo da

economia ao modelo de desenvolvimento através da estratégia da substituição de

importações. Para ele, o protecionismo e a ampla ingerência do Estado sobre a economia,

eram os responsáveis pelos problemas estruturais que a economia brasileira enfrentava. O

primeiro porque limitou o acesso aos mercados externos e comprometeu o potencial

exportador; o segundo por disseminar a instabilidade macroeconômica. O GRUPO 1

responsabilizou o atraso tecnológico aos desequilíbrios da estrutura produtiva que por sua

vez foi resultado de uma deficiência da política industrial, que não soube enfrentar a

heterogeneidade do setor produtivo brasileiro.

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Nesse sentido, havia duas correntes de opiniões sobre o papel da política industrial

no processo de correção dos desequilíbrios estruturais da economia brasileira. O GRUPO 2

acreditava que as forças de mercado, num ambiente macroeconômico estável, com regras

transparentes e uma economia aberta concorreria para que se construísse uma economia

moderna, produtiva e competitiva. O GRUPO 1 acreditava na adoção de uma política

industrial que assumisse o papel de árbitro no processo de condução e implementação dos

fatores geradores da competitividade. Enquanto para o GRUPO 2, a modernidade seria

capitaneada pela estabilidade macroeconômica, para o GRUPO 1, seria pela política

industrial, que promoveria a transformação da estrutura produtiva do País. As políticas de

estabilização e comercial seriam as auxiliares.

Fiz esta segmentação para mostrar, primeiro, que não havia unanimidade no debate,

e depois, apoiando-me no benefício do ex-post, já sabia que o processo de reforma da

economia brasileira seguiu as medidas de estímulo à competição sugeridas pelo GRUPO 2.

Esse grupo era justamente aquele que encampava amplamente as idéias do receituário do

pensamento liberal. Eu queria já deixar indicado que aquelas idéias encontravam respaldo

num importante núcleo do pensamento econômico brasileiro – o Departamento de

Economia da PUC/RJ, e dali sairiam alguns economistas que viriam a fazer parte do grupo

que efetivamente definiu os rumos do processo de abertura comercial. Com isso, deixei o

caminho aberto para, no capítulo seguinte, mostrar que um dos canais para a penetração do

receituário liberal na política econômica brasileira foi a chegada ao ministério da fazenda

da equipe de professores do Departamento de economia da PUC/RJ.

Discutir este fato era fundamental para sustentar meu argumento da influência das

idéias econômicas que utilizei para explicar – sem questionar – a opção pelo modelo de

desenvolvimento liberal, destacando a força que adquiriram, naquele momento, para

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promover a mudança do paradigma de desenvolvimento. Este assunto foi tratado no

segundo capítulo onde demonstrei que uma idéia econômica adquire poder político para

sustentar uma mudança por duas vias: (i) sua capacidade de responder às necessidades da

economia e, (ii) encontrar canais, no País, para penetrar e atuar. Para isso, recorri aos

instrumentos da ciência política, que trabalham com a questão da idéia no processo de

transformação da economia. E, trazendo essa questão, para a economia brasileira nos anos

90, mostrei a penetração da idéias liberais no País pelas respostas que ofereciam para o

equacionamento dos problemas da economia brasileira e quais foram os canais para essa

penetração. Em especial, destaquei dois, um para o leverage e um para o linkage. O

primeiro, foi o grau de dependência em relação ao setor externo; o segundo, o controle da

economia, no Governo Itamar, quando FH assume o Ministério da Fazenda e forma sua

equipe com economistas que defendiam o receituário liberal.

Dentro da minha seqüência de raciocínio, faltava apresentar o fator doméstico que

havia influenciado a opção pela estratégia liberal de desenvolvimento. Isto é, as condições

institucionais domésticas que já sinalizavam necessidade de mudança, independentemente

da influência externa. Este fator, para mim, foi o Estado. Ou melhor, as condições em que

se encontrava o Estado brasileiro. Argumentei que a presença de tal elemento sugere que a

influência externa não atua sozinha na explicação da mudança. Ela atua em momento

distinto. Enquanto a influência externa é preponderante no momento da penetração da idéia,

a interna prevalece na etapa da confecção/execução do projeto de mudança.

Mostrei que o Estado brasileiro sintetizava o componente institucional das

dificuldades enfrentadas pela economia brasileira no limiar da década de 90, a ponto de

passar a ser considerado como o obstáculo ao desenvolvimento. Meu objetivo foi mostrar

que, dentro da nova agenda do desenvolvimento, a discussão do papel do Estado, era muito

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oportuna para o Brasil porque o aparato estatal que se tinha era absolutamente inadequado

para qualquer opção de política de desenvolvimento. Ou seja, o que se passou foi uma

convergência de pontos de interesses. A agenda liberal discutia um tema, na mesma direção

que ele seria conduzido, quando se discutisse a estratégia de desenvolvimento do País,

qualquer que fosse ela. Exceto por um detalhe, a centralidade do papel do Estado. Não se

tratava, portanto, de reconstruir um Estado mínimo – como sugeriria o mais radical dos

ortodoxos – mas sim um Estado capaz de ajudar a economia a se adaptar às suas próprias

transformações.

Com isso, concluí a discussão sobre o ambiente, que no limite me levaram a

explicar a opção pela política de desenvolvimento liberal. E, conforme informei, não foi

feita nenhuma análise quanto à adequabilidade dessa opção para a economia brasileira. Não

era esse o propósito, quando incluí a influência do pensamento liberal nas orientações das

políticas públicas brasileiras na década de 90. Meu objetivo era exclusivamente mostrar

como penetraram e, para fazer isto, precisava discutir o poder que uma idéia adquire para

promover as mudanças na economia. A discussão sobre a adequação dessa opção para o

Brasil ou mesmo qual seria uma opção alternativa, pode ser objeto de estudo de um

trabalho futuro.

O passo seguinte foi entrar na discussão do fato.

A primeira etapa foi mostrar a abertura. Este foi o momento em que eu discuti a sua

necessidade e introduzi o embrião para a explicação da minha hipótese sobre o papel que

coube à política comercial no processo de reestruturação. Isto porque, para descrever a

necessidade da abertura, tive que apresentar os obstáculos que a estrutura regulatória

anterior oferecia ao bom desempenho do comércio exterior; ao fazer isso, ficava implícito

que seu papel era o de uma medida de ajuste estrutural. A motivação da política comercial

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era, sem dúvida, esta. Contudo, quando ela foi interposta à política de estabilização, a sua

trajetória passou a ser definida pela administração dos efeitos da transição de um regime

restritivo para um de comércio liberalizado defronte os interesses da política de

estabilização. Isto foi crucial para explicar o timing e a evolução das reformas da política

comercial.

Ao longo do capítulo fui construindo os argumentos que me permitiram comprovar

minha hipótese quanto à precedência atribuída à questão da estabilidade macroeconômica,

em detrimento das políticas de desenvolvimento, que acabou por definir a trajetória seguida

pela política comercial da década de 90, uma vez que ela acabou ficando condicionada à

consolidação da estabilidade.

O que ocorreu foi que, nos três governos dessa década, a política comercial sempre

foi utilizada como variável de ajuste. No Governo Collor, a freqüente preocupação com as

taxas de inflação levou a política comercial a concentrar-se nas reduções das tarifas

nominais, quando o mais apropriado seria a redução das tarifas efetivas, ou seja, as que

levam em conta a taxação dos insumos.

Ao final de 1990, a aceleração da inflação teve efeito direto sobre a reforma

comercial em curso. Adotou-se a errada opção de reduzir, prioritariamente, a tarifas de bens

de consumo, suspender novos contratos BEFIEX, e manter grande parte da indústria de

bens de capital e a indústria de informática num regime mais protegido do que antes. Essa

estratégia demonstrava, claramente, que a principal motivação da política comercial era a

redução dos preços dos bens de consumo, devido ao seu efeito na formação dos preços

domésticos e na taxa de inflação. Isto, sem mencionar o viés pró-importação para bens de

consumo contra bens de produção e o adiamento do estabelecimento de política comercial

sob o regime de tarifas. Enfim, mantinham-se os vícios da política comercial que se

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propunha eliminar. Mais ainda, o Banco Central passou a intervir sistematicamente no

câmbio, aproveitando-se da folga da demanda por moeda estrangeira que havia em

decorrência da suspensão do pagamento do serviço da dívida externa. Isso fez com que o

câmbio flutuante, usado nas operações comerciais, não reduzisse a defasagem acumulada.

Em outras palavras, o governo continuava a utilizar-se do atraso cambial como suporte do

combate inflacionário. O comportamento da taxa de câmbio foi claramente induzido para

uma trajetória de valorização, de maneira a minimizar os efeitos de seu comportamento na

taxa de inflação.

No Governo Itamar, a opção de sustentar o câmbio valorizado foi abertamente

admitida pelas autoridades como sendo necessário à consolidação da estabilidade. Na

concepção do Diretor da Área Externa do Banco Central, Gustavo Franco, o Plano Real

abrira a oportunidade de implementar um novo modelo de política e de regulamentação

cambial, consistente com um cenário de inflação baixa. Resumindo, “deixar o movimento

do câmbio ao sabor do mercado, mas com limites”, adotando o sistema de bandas. Foi

quando se optou pela flexibilização para baixo da taxa de câmbio. O objetivo era evitar que

o Banco Central comprasse dólares, que, na opinião do Diretor, levaria a que a taxa de

câmbio encontrasse seu equilíbrio por si mesma. Por outro lado, Gustavo Franco admitia

que aquele comportamento do câmbio teria conseqüências favoráveis para o plano de

estabilização, além de não gerar maiores problemas sobre o setor exportador, pois o Dólar

estava em trajetória de desvalorização em relação a outras moedas, compensando a

valorização do Real, principalmente para os exportadores para mercados fora da área do

Dólar; e, prevendo a manutenção de taxas fixas, os exportadores antecipariam seus

fechamentos de câmbio, enquanto os importadores fariam o contrário. Assim sendo, a

valorização da taxas de câmbio ajudaria a reduzir o superávit comercial, brecaria o processo

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de valorização do real e ajudaria a retomada do processo de desvalorização. Esta foi a

orientação seguida para a política cambial.

Cabe ressaltar que, esses resultados seriam esperados se os demais setores da

economia já estivessem plenamente ajustados ou reformados. Em outras palavras, já nesse

momento, o projeto de reforma da economia enfrentava os efeitos do gradualismo das

mudanças: o problema da coordenação entre as políticas de curto e longo prazo. As

dificuldades para enfrentar as reações dos setores que estavam sendo afetados

negativamente com aquela política.

Esta situação impunha uma verdadeira armadilha ao Governo. Para construir as

condições de prosseguir com seu projeto de desenvolvimento sustentável, precisava

consolidar a estabilidade macroeconômica e prosseguir nas medidas de ajuste estrutural.

Para isso, precisava construir apoio político para aprovar tais medidas no parlamento. Mas,

para isso, também precisava de resultados da economia que sancionasse as necessidades

das mudanças. Entretanto, ao defender a estabilidade ele atingiu os interesses dos

exportadores que passaram a criticar e não apoiar a continuidade e/ou manutenção da

estratégia de estabilização.

A política de desenvolvimento entra então na fase em que seu rumo seria definido

pelas condições internas. Esta é uma questão crucial porque, no caso brasileiro, representa a

chave para a resposta ao papel que foi imputado à política comercial.

Trabalhei esta questão, no quarto capítulo, que abrange o primeiro mandato do

Governo FH. Este período foi o cenário que utilizei para mostrar porque foi seguida a

opção de priorizar a política de estabilização e, principalmente, pela utilização dos

instrumentos da política comercial, para ajudar a esse propósito.

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No Governo FH – primeiro mandato -, se recorreu à administração da taxa de

câmbio para defender a estabilidade, justificada pela adversidade do cenário externo, que

atravessava os efeitos das crises financeiras do México e Ásia. A interdependência entre a

política comercial e a política de estabilização era tão visível que, muitas vezes, no discurso

dos gestores da política econômica, percebia-se que, falar de política comercial confundia-

se com falar da estabilidade. A idéia que se passava era que o projeto da modernidade, do

crescimento sustentável, não seria puxado pelas reformas estruturais, mas sim pela

estabilidade macroeconômica. E isto se explica, precisamente, pelo fato de o conceito de

modernidade da tradição liberal não admitir crescimento sem estabilidade. A impressão que

tive foi que, para a política econômica a estabilidade era a condição suficiente para uma

estratégia de desenvolvimento bem sucedida. Por isso surgiu o impasse, toda mudança

ficou condicionada à estabilidade, inclusive a liberalização comercial.

Isto se explica porque, conforme discutido no capítulo da Introdução, em tese, a

remoção de todas as distorções da economia melhora a alocação de recursos. Mas isto

acontece somente depois que a economia estiver completamente ajustada. No caso de haver

mais de uma distorção, a remoção de uma distorção pode piorar, ao invés de melhorar, a

alocação de recursos. Como o Brasil enfrentava, simultaneamente, desequilíbrios

estruturais (microeconômicos) e conjunturais (macroeconômicos), deparava-se, portanto,

com o dilema de qual seqüência se daria às políticas: a estabilização primeiro e depois os

problemas microeconômicos, atacar ambos simultaneamente ou combinar a política de

estabilização com reformas microeconômicas adotadas gradualmente?

Optou-se por atacar ambos, mas começando pela estabilização. E aconteceu que, no

decorrer do gradualismo das medidas de ajustes, o País se deparou com uma forte crise

financeira internacional, com conseqüências sérias sobre a economia doméstica e, as

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mudanças previstas ainda estavam inconclusas. A reação da política econômica foi proteger

a estabilização, sustentando que esta era a opção para evitar conseqüências piores para a

economia brasileira. Ao fazer isso, passa a utilizar todos os instrumentos de política

econômica para sustentar a estabilidade, inclusive a política comercial. Isto resultou numa

aceleração indiscriminada da redução dos impostos de importação e na interferência sobre o

comportamento da taxa de câmbio.

Este foi, para a economia brasileira, o momento em que o projeto da reestruturação

passa a enfrentar a reação dos agentes aos efeitos das primeiras mudanças. Este fato, que

chamei de contra-movimento, foi crucial para definir o ritmo das mudanças e as suas

chances de sucessos. O que aconteceu foi que, a necessidade do gradualismo das mudanças

afetou os interesses de determinados grupos, transformando-os em fontes permanentes de

pressão política contra as mudanças em curso, passando a ser um obstáculo concreto ao

avanço das políticas, inclusive desviando-as dos seus papéis e/ou trajetórias iniciais. Como

não se conseguiu impor às medidas de ajuste estrutural o mesmo ritmo das medidas de

estabilização, quando se desencadeou a crise financeira internacional, a economia não teve

blindagem suficiente que amortecesse os efeitos da crise em seu mercado doméstico. O

impacto das ações da política macroeconômica foi fulminante sobre os demais setores da

economia brasileira resultando numa reação dos agentes à opção seguida pelo governo.

Estando a opinião pública contra o projeto, mais difícil ficava conquistar apoio político para

aprovação das medidas estruturais.

E, nesse caso, a habilidade do governo para coordenar esse contra-movimento era

crucial para continuidade das mudanças. Mas para isso, ele teria que conquistar e sustentar

apoio político de diferentes grupos de interesses para o programa de reformas. Com isso ele

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isolaria a equipe econômica das pressões, garantindo-lhes grau de liberdade para manter o

curso das políticas de reforma.

Contudo, devido às precárias condições em que se encontrava o Estado brasileiro e

também à estrutura político partidária do País, o Governo enfrentou muitas dificuldades em

controlar o contra-movimento das reações. Isto imputou um ritmo extremamente lento nas

medidas de reformas estruturais, que acabaram impactando as outras. Por exemplo,

imputou um certo grau de fragilidade à estabilidade macroeconômica, e levou a política

comercial a se afastar de seu papel.

Concluindo, no caso brasileiro, o fator determinante de ter a política comercial se

afastado de seu papel foi a dificuldade enfrentada pelo governo em controlar o contra-

movimento das reações. Em outras palavras, este fato se deveu a uma questão de ordem

metodológica, intrínseca ao modelo adotado, que no caso brasileiro foram ampliadas pelas

condições internas do País.

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