a economia do uruguai (2)

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Uma fila se forma em frente ao Departamento de Identificação Ci- vil, no centro de Montevidéu. É ho- ra de almoço, e as dezenas de pes- soas aguardam o reinício do expe- diente no período da tarde. Quando as portas se abrem, um velho se le- vanta e começa a gesticular, indi- cando para qual porta cada cidadão deve se dirigir. Se alguém tem dúvidas sobre a retirada de documentos, acorre a Luiz Dolz. Mas, ao contrário do que parece, ele não é funcionário públi- co. Pelo contrário. Aos 77 anos, Dolz recebe pensão equivalente a R$ 254 do governo fe- deral e sobrevive vendendo capas de plástico e de couro para carteira de identidade, passaporte e tudo quanto é documento que se possa imaginar, incluindo nessa lista carteira de pes- cador do Peru, muito procurada por funcionários de pesqueiros peruanos que aportam em Montevidéu. O dinheiro que ganha como ca- melô soma uma média equivalente a R$ 1 mil por mês. Montante indis- pensável para que sobreviva sozinho em um apartamento no centro da capital uruguaia. – No Uruguai, todo mundo diz que não há trabalho. Mentira! Não tem o trabalho que eles querem, o trabalho que o governo dá. Todo mundo quer receber do governo – brada o ambulante. Velhice longe da mulher e dos filhos, só vistos em fotos Dolz já gastou sua lábia de came- lô no Brasil. Em 1960, passou um ano nas ruas de São Paulo venden- do óleo de carnaúba para engraxar sapato. A segunda passagem foi mais longa – 17 anos (entre 1981 e 1997) ofertando cadarços na Aveni- da Paulista. Agora, passa a velhice na terra natal, longe de uma mulher e dois filhos que o deixaram, e ele nem sabe onde estão – só os tem em fo- tos guardadas na carteira. De óculos escuros, camisa de fla- nela xadrez, estilo lenhador e quase sempre com um jornal à mão, Dolz sobrevive com saúde aos seus 77 anos. Enquanto isso, diante de seus olhos, vê dezenas de jovens busca- rem seus passaportes à procura de um destino promissor. Aparicio Garcia, 26 anos, vive com os olhos voltados para o Exterior. Entre 2002 e 2005, esteve nos Esta- dos Unidos, ralou em restaurantes de Miami para juntar dinheiro e concluir o curso de audiovisual no Uruguai. De volta ao Uruguai, pôde pagar os estudos. Agora, formado, não tem trabalho fixo – é freelancer – e trata de renovar seu passaporte para deixar de novo o país. Pretende viajar para a Irlanda e trabalhar por um ano, para juntar di- nheiro. Com o arrecadado, deve ir para a Espanha fazer pós-graduação e buscar trabalho em sua área. – O Uruguai é um país muito pe- queno, não tem mercado. É difícil fi- car aqui, ainda mais para quem tem ambições profissionais maiores – diz. Para o uruguaio Juan Pla, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fatores econômicos explicam o movimento migratório. – O desemprego crônico da eco- nomia uruguaia pressiona as novas gerações a saírem – afirma Pla, um migrante há 30 anos no Brasil. Em Montevidéu é difícil encontrar um jovem de classe média ou alta que não tenha amigos que se foram. Espanha, Itália, Brasil, Argentina, Austrália e Nova Zelândia são alguns dos destinos preferidos. Funcionário de uma trading que trabalha com ex- portação e importação de têxteis, Se- bastián Laguna, 21 anos, já viu oito amigos partirem para outros países. – Vão em busca de um futuro melhor. Não é nem que falte empre- go, mas os que há pagam muito pouco por aqui – resume. PERFIL ECONÔMICO A composição do Produto Interno Bruto uruguaio: Estabelecimentos financeiros, seguros, imóveis e serviços às empresas 20,6% Indústrias 18,9% Serviços sociais e pessoais 14,4% Transporte, armazenagem e comunicações 12,8% Agropecuária 12,5% Comércio, restaurantes e hotéis 11,9% Outros 8,9% RECUPERAÇÃO DEPOIS DO CORRALITO NA ARGENTINA A evolução do PIB uruguaio: 2001 -3,4% 2002 -11% 2003 2,2% 2004 11,8% 2005 6,6% 2006 7,5% O RETORNO DOS POBRES A evolução da pobreza e da indigência: 1990 21,3% 1999 11,2% 2005 22,9% Fontes: Cepal, FEE e Banco Mundial ZERO HORA > DOMINGO | 27 | MAIO | 2007 Economia > | 21 | Dolz vende capas de plásticos e de couro para todo tipo de documentos, como passaporte, a maioria para a juventude Garcia esteve nos EUA, voltou mas não tem trabalho fixo e pretende retornar para o Exterior – desta vez para a Irlanda FOTOS SEBASTIÃO RIBEIRO POPULAÇÃO Uruguai 3,478 milhões RS 10,745 milhões Brasil 190,127 milhões Argentina 38,971 milhões ECONOMIA Uruguai US$ 17 bilhões RS US$ 60 bilhões Brasil US$ 800 bilhões Argentina US$ 185 bilhões * PIB em 2005 DESEMPREGO Uruguai 11,6% RS 10,2% Brasil 10,1% Argentina 10,4% * Dados de 2006 INFLAÇÃO Uruguai 6,4% Brasil 4,2% Argentina 10,9% * Dados de 2006 POBREZA Uruguai 22,9% Brasil 41% Argentina 35,1% * População pobre ou indigente nas ci- dades, dados de 2005 ANALFABETISMO Uruguai 2% Brasil 11,1% Argentina 2,8% * Pessoas com 15 anos ou mais analfabetas, em 2005 IDOSOS Uruguai 12,9% Brasil 5,4% Argentina 9,8% * Percentual de pessoas com 65 anos ou mais JOVENS Uruguai 24,8% Brasil 29,6% Argentina 28% * Percentual de pessoas com idade entre zero a 14 anos em 2005 Fontes: Cepal, FEE e Banco Mundial O Uruguai em números Uma comparação com os vizinhos Os idosos ficam... ...os jovens se vão Como se situa o Uruguai em relação ao Rio Grande do Sul, à Argentina e ao Brasil: Segue

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Uma fila se forma em frente aoDepartamento de Identificação Ci-vil, no centro de Montevidéu. É ho-ra de almoço, e as dezenas de pes-soas aguardam o reinício do expe-diente no período da tarde. Quandoas portas se abrem, um velho se le-vanta e começa a gesticular, indi-cando para qual porta cada cidadãodeve se dirigir.

Se alguém tem dúvidas sobre aretirada de documentos, acorre aLuiz Dolz. Mas, ao contrário do queparece, ele não é funcionário públi-co. Pelo contrário.

Aos 77 anos, Dolz recebe pensãoequivalente a R$ 254 do governo fe-deral e sobrevive vendendo capas deplástico e de couro para carteira deidentidade, passaporte e tudo quantoé documento que se possa imaginar,incluindo nessa lista carteira de pes-cador do Peru, muito procurada porfuncionários de pesqueiros peruanosque aportam em Montevidéu.

O dinheiro que ganha como ca-melô soma uma média equivalentea R$ 1 mil por mês. Montante indis-pensável para que sobreviva sozinhoem um apartamento no centro dacapital uruguaia.

– No Uruguai, todo mundo dizque não há trabalho. Mentira! Nãotem o trabalho que eles querem, otrabalho que o governo dá. Todomundo quer receber do governo –brada o ambulante.

Velhice longe da mulher edos filhos, só vistos em fotos

Dolz já gastou sua lábia de came-lô no Brasil. Em 1960, passou umano nas ruas de São Paulo venden-do óleo de carnaúba para engraxarsapato. A segunda passagem foimais longa – 17 anos (entre 1981 e1997) ofertando cadarços na Aveni-da Paulista.

Agora, passa a velhice na terranatal, longe de uma mulher e doisfilhos que o deixaram, e ele nemsabe onde estão – só os tem em fo-tos guardadas na carteira.

De óculos escuros, camisa de fla-nela xadrez, estilo lenhador e quasesempre com um jornal à mão, Dolzsobrevive com saúde aos seus 77anos. Enquanto isso, diante de seusolhos, vê dezenas de jovens busca-rem seus passaportes à procura deum destino promissor.

Aparicio Garcia, 26 anos, vive comos olhos voltados para o Exterior.Entre 2002 e 2005, esteve nos Esta-dos Unidos, ralou em restaurantesde Miami para juntar dinheiro econcluir o curso de audiovisual noUruguai. De volta ao Uruguai, pôdepagar os estudos.

Agora, formado, não tem trabalhofixo – é freelancer – e trata de renovarseu passaporte para deixar de novo opaís. Pretende viajar para a Irlanda etrabalhar por um ano, para juntar di-nheiro. Com o arrecadado, deve irpara a Espanha fazer pós-graduação

e buscar trabalho em sua área. – O Uruguai é um país muito pe-

queno, não tem mercado. É difícil fi-car aqui, ainda mais para quem temambições profissionais maiores – diz.

Para o uruguaio Juan Pla, professorda Universidade Federal do RioGrande do Sul, fatores econômicosexplicam o movimento migratório.

– O desemprego crônico da eco-nomia uruguaia pressiona as novasgerações a saírem – afirma Pla, ummigrante há 30 anos no Brasil.

Em Montevidéu é difícil encontrarum jovem de classe média ou alta

que não tenha amigos que se foram.Espanha, Itália, Brasil, Argentina,Austrália e Nova Zelândia são algunsdos destinos preferidos. Funcionáriode uma trading que trabalha com ex-portação e importação de têxteis, Se-bastián Laguna, 21 anos, já viu oitoamigos partirem para outros países.

– Vão em busca de um futuromelhor. Não é nem que falte empre-go, mas os que há pagam muitopouco por aqui – resume.

PERFIL ECONÔMICO

A composição do Produto Interno Bruto uruguaio:

Estabelecimentos financeiros, seguros, imóveis e serviços às empresas 20,6%Indústrias 18,9%Serviços sociais e pessoais 14,4%Transporte, armazenagem e comunicações 12,8%Agropecuária 12,5%Comércio, restaurantes e hotéis 11,9%Outros 8,9%

RECUPERAÇÃO DEPOIS DOCORRALITO NA ARGENTINA

A evolução do PIB uruguaio:

2001 -3,4%2002 -11%2003 2,2%2004 11,8%2005 6,6%2006 7,5%

O RETORNO DOS POBRES

A evolução da pobreza e daindigência:

1990 21,3%1999 11,2%2005 22,9%

Fontes: Cepal, FEE e Banco Mundial

ZERO HORA > DOMINGO | 27 | MAIO | 2007 Economia > | 21 |

Dolz vende capas de plásticos e de couro para todo tipo de documentos, como passaporte, a maioria para a juventude

Garcia esteve nos EUA, voltou mas não tem trabalho fixo e pretende retornar para o Exterior – desta vez para a Irlanda

FOTO

S S

EBAS

TIÃO R

IBEIR

O

POPULAÇÃO

Uruguai 3,478 milhõesRS 10,745 milhõesBrasil 190,127 milhõesArgentina 38,971 milhões

ECONOMIA

Uruguai US$ 17 bilhõesRS US$ 60 bilhõesBrasil US$ 800 bilhõesArgentina US$ 185 bilhões

* PIB em 2005

DESEMPREGO

Uruguai 11,6%RS 10,2%Brasil 10,1%Argentina 10,4%

* Dados de 2006

INFLAÇÃO

Uruguai 6,4%Brasil 4,2%Argentina 10,9%

* Dados de 2006

POBREZA

Uruguai 22,9%Brasil 41%Argentina 35,1%

* População pobre ou indigente nas ci-

dades, dados de 2005

ANALFABETISMO

Uruguai 2%Brasil 11,1%Argentina 2,8%

* Pessoas com 15 anos ou mais

analfabetas, em 2005

IDOSOS

Uruguai 12,9%Brasil 5,4%Argentina 9,8%

* Percentual de pessoas com 65 anos

ou mais

JOVENS

Uruguai 24,8%Brasil 29,6%Argentina 28%

* Percentual de pessoas com idade

entre zero a 14 anos em 2005

Fontes: Cepal, FEE e Banco Mundial

O Uruguai em números

Uma comparação com os vizinhos

Os idososficam...

...os jovens se vão

Como se situa o Uruguai em relação ao Rio Grande do Sul, à Argentina e ao Brasil:

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