a doutrina do lógos através da história

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O entendimento logos dentro de vários contextos

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A DOUTRINA DO LGOS ATRAVS DA HISTRIA2.1 O Lgos no helenismoLadd observa que os estudiosos, com freqncia, tentaram encontrar a fonte do conceito de Joo a respeito do Logos no pensamento helenstico (2009, p.357). Falando a este respeito, Cullmann (2008, p. 330) destaca que o ttulo Logos ocorre j na mais antiga filosofia grega, a de Herclito, e, mais tarde, especialmente no estoicismo. A partir destas referncias analisaremos a ocorrncia do termo Lgos e seus variados conceitos no pensamento helenstico.2.1.1 HerclitoPara Herclito de feso (530-470 a.C.) [...] todas as coisas estavam em um determinado curso, e [...] nada permanece da mesma maneira. Entretanto, a ordem e o padro podem ser percebidos em meio ao fluxo e ao refluxo eternos e incessantes das coisas no Logos o princpio eterno de ordem no universo. Ele mantinha ainda que o Logos, por trs de qualquer mudana duradoura, que faz com que o mundo se torne um cosmos e um todo ordenado (LADD, 2009, p. 357).Herclito o criador da famosa ilustrao, a qual [...] contende que um homem no pode parar no mesmo rio duas vezes, visto que a gua e o leito do rio esto constantemente se movendo e mudando. Em acrscimo a isto, postulado que o prprio homem est constantemente mudando tambm, de forma que quando ele parar num rio pela segunda vez, ele j ser diferente do homem que era quando parou no rio pela primeira vez (CHEUNG, 2008, p. 65).Cheung argumenta que o conhecimento depende da imutabilidade, visto que se um objeto muda o tempo todo, torna-se impossvel traar qualquer definio a seu respeito, o que findar reduzindo-o a nada, e se nada, ento no pode ser conhecido. Sendo assim, o Lgos, no entendimento de Herclito, seria [...] uma lei ou princpio, que no muda. [...] um agente racional e bom, cuja atividade parece como a ordem na Natureza. Sem isso tudo seria um caos, e a natureza seria ininteligvel (2008, p. 65).2.1.2 O estoicismoPara o estoicismo, que por sua vez, teve origem com Zeno de Ccio ( 263 a.C.) [...] Sua doutrina do Logos o concebia como a razo impressa na estrutura do universo e tambm como a fonte de energia de todas as coisas (GRANCONATO, 2010, p. 51), ou, como o expressou Cullmann (2008, p. 330), O Logos a a lei suprema do mundo, que rege o universo e que, ao mesmo tempo, est presente na razo humana. Trata-se pois de uma abstrao e no de uma hipstase. Uma espcie de alma impessoal e pantesta do mundo. , portanto, muito natural a declarao de Ladd (2009, p. 357) de que o Logos era um dos elementos mais importantes na teologia estica. Foi esta idia do Lgos que os esticos usaram [...] para prover a base para uma vida moral e racional (LADD, 2009, p. 357).Ladd explica que este conceito de Lgos surgiu da confrontao [...] com o dualismo comum dos gregos, a respeito de Deus e do mundo, e destaca que, a fim de resolver o problema da dualidade, passou-se a empregar o conceito do Logos como uma idia unitria (2009, p. 357).Neste sistema de pensamento, portanto, todo o universo passou a ser [...] concebido como formando um conjunto vivo singular, que era permeado em todas as suas partes por um poder primitivo, o qual era idealizado [...] como um poder que nunca precisava de repouso, um fogo capaz de penetrar todas as coisas, ou um vapor abrasador [...], um tipo difuso e firme de ar flamejante que possua a propriedade de pensar, uma substncia ultra refinada [...] imanente em todo o mundo e aparecendo nos seres vivos como a alma. Assim, este poder Divino [Logos ou Deus] de carter mundial, contendo dentro de si mesmo as condies e os processos de todas as coisas, era visto como um poder produtivo, sendo [...] denominado de spermatikos logos, o Logos seminal ou princpio gerador do mundo, o qual, permeando o universo, revelava-se em [...] inumerveis logoi spermatikoi, ou foras formativas, que energizavam o fenmeno mltiplo da natureza e da vida. Desta forma, o Lgos forneceria [...] a ordem racional do universo e providenciaria o padro para a conduta e para a adequada ordenao da vida para o homem racional (LADD, 2009, pp. 357, 358). Por esta razo, Granconato escreve que a concluso dos esticos era a de que o homem sbio aquele que ajusta sua vida ordem natural que existe no universo, suprimindo suas paixes, abandonando desregramentos e obedecendo lei natural que existe no mundo e que est impressa no ser de cada pessoa (2010, p. 51).2.1.3 O platonismo Cullmann (2008, p. 330) afirma que o platonismo tambm alimentava um conceito referente ao Lgos. Granconato diz que de acordo com as noes do mdio-platonismo (Scs. I a.C. II AD), Deus era concebido como absolutamente transcendente e impassvel. Esse Deus mantinha ligao com o mundo sensvel atravs do Logos, a razo universal (2010, p. 51). Para Cullmann, aqui j nos aproximamos mais da idia de um ser real [o demiurgo]; real no sentido do idealismo platnico. Porm, ainda assim, no estamos diante de uma hipstase, e a idia de uma encarnao do Logos absolutamente inconcebvel (2008, p. 330). digno de nota que, embora no devamos permitir que a analogia da terminologia nos induza [...] a identificar a concepo de Logos atestada no judasmo tardio, ou mesmo a do Evangelho de Joo, com a da filosofia grega (CULLMANN, 2008, p. 330), segundo proposto por Cullmann, esta concepo filosfica do Logos ocupa um lugar essencial na histria longa e complicada deste termo, pois influenciou ao menos na forma, as idias judaicas e pags tardias de um Logos mais ou menos personificado (2008, p. 330).Embora seja provvel que temas mitolgicos tenham influenciado mais profundamente, Cullmann est convencido de que a doutrina filosfica do Logos, incontestavelmente, uma das fontes destas concepes tardias (2008, pp. 330, 331). Para Cullmann um exemplo claro de algum sob tal influncia pode ser visto em Flon [ou Filo, como mais comum] de Alexandria (2008, p. 331).2.1.4 Filo de AlexandriaNascido em Alexandria (20-25 a.C.), de acordo com Lopes (2007, p. 83), Filo era um judeu praticante, da Dispora, que teria morrido entre 42 e 50 d.C.[7] Ele foi [...] contemporneo de Herodes, o Grande, dos sbios rabnicos como Gamaliel, Hilel e Shamai, e ainda de Jesus e de Paulo (LOPES, 2007, pp. 83, 84). Bem versado na Septuaginta e nas tradies do Judasmo, Lopez declara ainda que Filo teve um treinamento completo em filosofia grega e, Filosoficamente falando, ele era uma mistura de platonista e estico, com a predominncia do pensamento de Plato (2007, p. 84).Filo ficou conhecido por seu mtodo hermenutico, ao que Ladd (2009, p. 358) chama de [...] interpretao alegrica extremada. Tal mtodo influenciou profundamente a [...] academia cristo patrstica, tornando-se [...] o mtodo de interpretao predominante em uma das mais importantes escolas de catequese nos primrdios da Igreja crist, a escola de Alexandria, no Egito, sendo posteriormente adotado como [...] o mtodo dominante durante a Idade Mdia, aps passar por algumas modificaes (LOPES, 2007, p.83).Relevante para nossos objetivos o empreendimento de Filo na [...] extraordinria tarefa de casar a religio judaica com a filosofia helenstica (LADD, 2009, p. 358). Filo defendia [...] a perspectiva grega de um Deus completamente transcendente e separado do mundo; e utilizou o conceito do Logos para prover uma forma de mediao entre o Deus transcendente e a criao (LADD, 2009, p. 358).Segundo Champlin, Algumas vezes Filo se referia impessoalidade do , como se fosse a essncia imaterial da mente de Deus, de onde teria procedido o plano e o padro da criao. Em outras ocasies, [...] entretanto, ele falou pessoalmente sobre o , como o anjo do Senhor (2008, p. 899).O que se pode, de fato, falar e saber acerca do Deus de Filo, em virtude de seu carter transcendental, que ele existe. Nada mais nos dito a seu respeito, nem qualquer detalhe nos oferecido sobre ele, com exceo da afirmao de sua existncia. Como Ladd bem expressa:Deus absoluto e encontra-se fora do universo material. Ele abrange todas as coisas e, no entanto, Ele prprio no pode ser abrangido. Est fora do tempo e do espao e no pode ser conhecido em seu prprio ser. O nico nome pelo qual Deus pode ser designado ser puro, to on, um ser sem atributos em si mesmo (2009, p. 358).Sendo assim, visto que Deus no se mistura ao mundo material, ele [...] precisa contar com agentes, tanto na criao como nos seus contatos com o mundo (CHAMPLIN, 2008, p. 900).O Lgos, ou Razo, conforme concebido por Filo , portanto, [...] o mesmo que o de Plato, ou seja, O princpio de mediao entre Deus e a matria [...], no qual estariam comprimidas todas as idias das coisas finitas, e que teria criado o mundo material, fazendo estas idias penetrarem na matria, ou ainda, [...] a razo divina e universal, a razo imanente, que contm dentro de si mesmo o ideal universal, mas que ao mesmo tempo, a palavra expressa, que procede da parte de Deus e que se manifesta neste mundo em tudo quanto aqui existe (CHAMPLIN, 2008, p. 900). Por esta razo, Ferreira e Myatt (2007, p. 509) resumem o pensamento de Filo acerca do Lgos como [...] a emanao divina que intermediou a criao do universo.Assim sendo, vendo o Lgos como [...] a manifestao que Deus faz de si mesmo neste mundo, Filo entendia que ao revelar a si mesmo, Deus poderia ser chamado de Logos, e [...] o Logos, na qualidade de agente revelador de Deus, poderia ser chamado de Deus (CHAMPLIN, 2008, p. 900).2.2 O Lgos no judasmoNo pensamento judaico encontramos duas concepes acerca do Lgos: a concepo judaico-helenstica, onde temos seu maior representante em Filo, como j apresentado acima; e aquilo que Cullmann chama de [...] a concepo autenticamente bblica, a qual remontaria [...] a Gn 1, segundo a qual o Verbo de Deus, o debar Iahweh, entendido em seu sentido primitivo e torna-se, s vezes, em virtude de um desenvolvimento imanente do pensamento, uma hipstase divina (2008, p. 333).2.2.1 A concepo judaico-helensticaQuanto primeira concepo, embora j tenhamos discorrido sobre a influncia do platonismo e do estoicismo aliados hermenutica alegrica no trato com a Bblia judaica (o Antigo Testamento) em Filo, Cullmann (2008, p. 331), seguindo Bultmann, aponta para uma possvel influncia do paganismo, e/ou da doutrina gnstica, na formulao destes conceitos no pensamento judaico-helenstico. Ele escreve:Aqui o Logos um ser mitolgico, intermedirio entre Deus e o homem. No tido s por criador do mundo , em primeiro lugar, o portador da revelao e a este ttulo, Salvador; pode tambm, transitoriamente, revestir-se da forma humana, porm, sempre dentro de um quadro mtico e doceta; jamais no quadro histrico de uma verdadeira encarnao.Cullmann (2008, p. 331) faz questo de frisar que o prprio Bultmann deixa claro que este ser mitolgico [...] est somente disfarado de homem, reforando a rejeio de qualquer idia de encarnao real.Exemplos da prefigurao deste Lgos personificado nas religies antigas podem ser vistos em Hermes e no deus egpcio Thot, os quais [...] ostentam o ttulo de Logos (CULLMANN, 2008, p. 332). Embora endossando o pensamento de Bultmann a este respeito, Cullmann (2008, p. 332) o critica por considerar [...] esta doutrina gnstica acerca do Logos como a nica fonte da doutrina judaico-alexandrina do Logos e da sabedoria, tal como a encontramos em Flon, nos livros da sabedoria e nos textos rabnicos e, tambm, como a nica fonte de noo joanina do Logos.2.2.2 A concepo veterotestamentrioNa viso judaica mais preocupada em deter-se sobre a revelao bblica, em detrimento das consideraes filosficas e pags correntes, trs so os conceitos sobre os quais uma doutrina do Lgos foi erigida: o debar Iahweh, o memra djahv e a sabedoria.a) O debar Iahweh O debar Iahweh, ou a Palavra de Deus, [...] foi um importante conceito para os judeus (LADD, 2009, p. 358). Conforme Cullmann, H no Antigo Testamento, toda uma srie de passagens nas quais a Palavra de Deus, se no est personificada , ao menos, considerada como uma entidade independente e que passa a ser objeto de reflexo teolgica em razo do enorme poder de sua ao (2008, p. 335).Champlin nos diz que a Palavra, que corporifica a vontade divina, personalizada na poesia hebraica. Deste modo, sendo-lhe conferidos atributos divinos, a Palavra nos apresentada como [...] um curador (ver Sal. 107:27); um mensageiro (ver Sal. 147:15), e o agente dos decretos divinos (ver Is. 55:11). (Ver tambm Sal. 32:4; Is. 40:8 e Sal. 119:105) (2008, p. 899).Ladd (2009, p. 358), ainda apontando para esta realidade, nos relembra que a criao veio a existir e foi preservada pela palavra de Deus (Gn. 1:3, e disse Deus, veja Sl. 33:6, 9; 47: 15-18); e a palavra de Deus a portadora da salvao e da nova vida (Sl. 107:20; Is. 4:8; Ez. 37:4-5). Ele arremata ao declarar que no Antigo Testamento, a palavra no meramente uma forma de expresso; uma existncia semi-hiposttica, de forma que pode mover-se e cumprir o propsito divino (Is. 55:10-11). Assim, A palavra de Deus proferida na criao, expressa por intermdio dos lbios dos profetas (cf. Jr. 1:14, 11; 2:1) e na Lei (Sl. 119:38, 41, 105), tem um certo nmero de funes que podem muito bem ser comparadas com aquelas atribudas ao Logos em Joo.Interessantssimo, enquanto delineando um exemplo muito claro da Palavra como um ser hipostasiado, a descrio encontrada na [...] Sabedoria de Salomo (submetida j influncia alexandrina), onde lemos no captulo 18:15: Tua Palavra onipotente sai do trono real como um guerreiro implacvel... (CULLMANN, 2008, p. 335). A nvel de paralelo, acerca deste trecho de Sb. 18:15, Jeremias (2006, p. 397) declara: Isto nos lembra imediatamente Ap 19.11ss, onde Cristo descrito como o heri que chega num cavalo branco com uma espada na boca, e onde chamado o Lgos de Deus (19:13).b) O memra djahvMemra djahv, ou simplesmente Menra, [...] a designao aramaica da Palavra de Iahweh (CULLMANN, 2008, p. 335). Este um conceito posterior no pensamento judaico e parece expressar uma reflexo mais acurada acerca do conceito da Palavra de Deus, elevada ao nvel em que pode ser usada at mesmo para substituir o prprio nome de Deus.Champlin nos informa que devido personalizao do conceito da Palavra de Deus nos [...] comentrios e [...] exposies do A.T., assim como na [...] teologia judaica, [...] um agente de Deus, como se fora a unio de seus atributos, segundo eles so revelados aos homens, foi criado, e a este (tomado como uma espcie de princpio todo inclusivo) fora dado o nome [...] Menra (Palavra ou ) de Jeov (2008, p. 899).Esta idia, conforme nos explica Champlin (2008, p. 899), fora, ento, introduzida pelos eruditos judaicos nos Targuns, [...] ou seja, nas parfrases inseridas no V.T., escritas no idioma aramaico. Um exemplo de tais parfrases nos fornecido por ele (2008, p. 899) acerca de Gn. 39:21: . No trecho em questo, a palavra substituda por Menra , na verdade, o Senhor. Nesta concepo, portanto, A tambm teria sido o anjo que destruiu os primognitos do Egito, e tambm teria sido a Menra quem conduziu Israel, na nuvem de fogo (CHAMPLIN, 2008, p. 899). Isto nos revela uma clara personificao da Palavra (Lgos) de Jeov sendo intercambivel com o prprio Jeov ou Suas teofanias.c) A sabedoriaDe acordo com Ladd (2009, p. 359), O conceito de sabedoria personificada tambm fornece um contexto judaico para o conceito de Logos. Para Cullmann (2008, pp. 336, 337), [...] foram as especulaes do judasmo tardio acerca da Sabedoria [...] as que mais influenciaram a noo de Logos no cristianismo primitivo.Nas palavras de Goppelt (1983, p. 551):J na poro mais recente dos Provrbios (sculo III AC), confere-se Sabedoria uma funo cosmolgica. Ela primcia das obras de Deus e participa da obra da criao (Pv 8,22-36). Ao mesmo tempo, tem funo soteriolgica: quem ouve suas admoestaes e observa seus caminhos encontra a vida, quem, todavia, a odeia, encontra a morte (Pv 8,36; cf. sir Bar 3,9-4,4).Digna de ateno a noo de Sabedoria desenvolvida no livro de Provrbios. Em Provrbios 8:22-31, a sabedoria semi-hiposttica. A Sabedoria foi a primeira de todas as coisas criadas e, depois, por ocasio da criao do mundo, diz de si mesma: Eu estava com ele e era seu aluno (LADD, 2009, p. 359). Na verdade, este captulo 8 de Provrbios constitui-se num discurso feito pela prpria Sabedoria em primeira pessoa. Cullmann (2008, p. 337) diz que esta mesma idia pode ser encontrada [...] em Eclo. 1.1 ss.; 24.1 ss., e ainda em diversos outros lugares. Em Sir. 24:8 l-se que [...] a Sabedoria emanou de Deus para habitar em Israel e torn-lo o povo de Deus (LADD, 2009, p.359). Na Sabedoria de Salomo se diz que a Sabedoria um reflexo da luz eterna de Deus (7.26) (CULLMANN, 2008, p. 337). Tudo isto demonstra uma ntima relao entre o conceito de Lgos e a Sophia, que para Cullmann [...] so palavras quase intercambiveis (2008, p. 337).Conquanto tenhamos distinguido nestas sees, 2.2.1 e 2.2.2, entre duas linhas diretivas no judasmo; a que adota o conceito de Palavra simplesmente, desenvolvida a partir de influncias exteriores, e a linha especificamente bblica acerca da Palavra de Deus, do debar Iahweh, deve-se destacar que ambas tm em comum o expressarem a obra pela qual Deus se revela. Porm, a idia desta obra, esta Palavra dirigida por Deus ao mundo, poder finalmente encarnar-se no quadro histrico de uma vida humana e terrena, coisa to estranha a uma como a outra (CULLMANN, 2008, p. 338).3 O LGOS NO PENSAMENTO JOANINOConforme Schreiner e Dautzengerg (1977, p. 48), A aplicao do ttulo de Logos a Cristo especfica da apresentao Joanina. Ainda que no Evangelho o ttulo seja empregado somente no prlogo (Jo 1:1, 14), Joo faz uso deste tambm em uma de suas cartas (1 Jo 1:1 Verbo da vida) e em Apocalipse 19:13 (Verbo de Deus). No significa dizer com isto que a idia do Lgos empregada por Joo no encontre paralelos em outros escritos do prprio Novo Testamento. Exemplo claro disso pode ser visto em Hebreus 1:1-3. De acordo com Cullmann, verdade que o termo mesmo no aparece a; porm, o falar de Deus em seu Filho est associado com a criao do mundo e ligado a uma definio da relao eterna entre o Filho e Deus o Pai (2008, p. 342).O Verbo apresentado como Deus em Joo (1:1c), descrito pelo autor aos Hebreus como o esplendor da glria e a expresso exata do seu [de Deus] Ser. O Verbo por intermdio do qual foram feitas todas as coisas e, sem o qual, nada do que foi feito se fez (Jo 1:3), encontra mais um claro paralelo no Filho retratado em Hebreus, sobre o qual lemos que fez o universo (Hb 1:2) e sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder (Hb 1:3). Procurou-se por muito tempo compreender o Lgos joanino apenas com base no uso helenstico do termo, ou ainda, mais recentemente, como uma mera extenso do pensamento judaico, seja no conceito bblico da Palavra de Deus ou da Sabedoria, seja no conceito filosfico apresentado por Filo. Embora paralelos existam, pois como diz Champlin (p. 900), [...] essa doutrina no foi criada no vcuo, Ladd destaca que [...] a despeito de certas semelhanas, nem a idia do Logos nem a de sabedoria se aproxima da verdade que Joo enuncia por meio de sua doutrina do Logos: a preexistncia pessoal e a encarnao do Logos (2009, p. 359). Como j vimos anteriormente, mesmo que o conceito de Lgos fosse por vezes apresentado como hipostasiado, ou mesmo personificado, jamais era concebido como personalizado, nem se aceitava qualquer idia relativa encarnao real.Para Ladd (2009, p. 360), portanto, A questo importante o uso teolgico que Joo faz do conceito do Logos, e esse uso, por ser peculiar, no encontra paralelos, quer na filosofia helenstica quer no pensamento judaico. Acerca deste uso teolgico, destacam-se dois conceitos: (1) A preexistncia de Jesus (o Lgos); e (2) Sua divindade.Em primeiro lugar, digno de nota a aluso deliberada feita por Joo a Gnesis 1:1, onde lemos o relato da criao; criao esta que, tanto ali como em Joo (1:3), vem existncia por meio da palavra de Deus (Disse Deus Gn 1:3), o prprio Lgos. Se compararmos (No princpio) em Jo 1:1 com a traduo feita pela Septuaginta de Gn 1:1, perceberemos que no h qualquer diferena. As palavras so exatamente as mesmas. A nica distino aqui se deve ao fato de que No princpio, em Jo 1:1, refere-se a um perodo anterior a Gnesis 1:1 [...] pois o Logos foi o agente da criao. Assim, O Verbo j existia na eternidade, que no tem incio e nem fim (LADD, 2009, p. 360).A este respeito, Hendriksen (2004, p. 99) declara: A maneira como este Evangelho comea magnificente. Ele comea retratando a vida de Cristo na eternidade, antes que o mundo existisse.Nas palavras de Ladd, A preexistncia de Jesus refletida em vrias passagens de seu prprio ensino. Exemplo disto pode ser visto na declarao: Antes que Abrao existisse, eu sou (8:58). Essa surpreendente afirmao uma aluso ao uso do Antigo Testamento. Deus Revelou-se a Moiss como EU SOU O QUE SOU (x. 3:14) (2009, p. 360). Ou ainda, Vede, agora, que eu, eu o sou, e mais nenhum deus comigo (Dt. 32:39). Jesus tambm interrogou: Que ser, pois, se virdes o Filho do Homem subir para o lugar onde primeiro estava? (Jo 6:62). Embora a expresso o lugar onde primeiro estava no aponte diretamente para Sua preexistncia na prpria eternidade, se compararmos esta passagem com Sua orao final, poderemos encontrar, ento, uma clara afirmao desta preexistncia: e, agora, glorifica-me, Pai, contigo mesmo, com a glria que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo (Jo 17:5). Est, pois, evidente que o lugar onde primeiro estava, , portanto, junto ao Pai, antes que houvesse mundo. Assim, quando cu e terra foram criados, havia a Palavra [ou Verbo] de Deus, j existindo na mais prxima associao com Deus e compartilhando da essncia de Deus (BRUCE, 1983, p. 31) [8]. Desta forma, Bruce (1983, p. 31) nos alerta: No importa para quo distante possamos tentar empurrar nossa imaginao, no podemos nunca buscar um ponto no qual poderamos dizer da Divina Palavra [ou Verbo], como rio o fez, Houve um tempo quando ele no existia. [9]Como dito previamente, Em segundo lugar, Joo utiliza a idia do Logos para afirmar a divindade de Jesus Cristo. O Logos estava com (pros) Deus, e o Verbo era Deus (theos n ho logos) (LADD, 2009, p. 360). Conforme supramencionado, Deus apresenta a Si mesmo como o EU SOU. Cristo faz uso da mesma expresso para representar sua divindade, e, no Evangelho de Joo este uso do profcuo (ex: 6:35, 41, 48, 51; 8:12; 10:11, 14; 11: 25; 14: 6; 15:1, 5) e est sempre conectado ao uso do Antigo Testamento, mesmo quando tratado de maneira figurada (ex. Jo 4:14; 7:38, comparar com Jr 2:13 Jesus gua viva; Deus manancial de gua viva. A promessa aos que sero salvos, segundo escreve Joo em Ap 7:17; 21:6, 22, a de que sero conduzidos gua da vida). A apropriao que Jesus fazia de Deus como Seu Pai tambm apontava para Sua divindade, desde que este o fazia de forma toda particular. Isto fica muito evidente em Jo 5:17, 18, onde os judeus procuravam mat-lo, no somente por violar o sbado, mas porque dizia tambm que Deus era seu prprio Pai. No pensamento joanino, Jesus no a criatura agarrando-se ao Criador como a um Pai, mas antes o unignito [no criado, mas eternamente gerado] do Pai (Jo 1:14). Ainda em Joo 5:18, devemos ressaltar que o evangelista, inspirado pelo Esprito Santo, e no os judeus, quem declara abertamente que outro motivo pelo qual buscavam assassinar Jesus se devia ao fato de Ele fazer-se igual a Deus (Jo 5:18). Mais adiante, os prprios judeus indicam este fato quando, aps a declarao de Jesus (Eu e o Pai somos um Jo 10:30), pegam em pedras para o apedrejar acusando-o de blasfmia, pois Ele [Jesus] sendo homem, fazia-se Deus a Si mesmo.Destarte, no pensamento joanino, Jesus Deus (Jo 1:1c; 5:18). Como a segunda pessoa da Trindade Ele no o Pai, mas est em ntima e eterna relao com Este, sendo um com o prprio Deus Pai (Jo 10:30), de tal forma que Ele est no Pai e o Pai nEle (Jo 10:38; 14:10), pelo que quem O v, v o Pai (Jo 14:9). Assim, podemos resumir este ponto com a afirmao que encontramos nos Catecismos, Maior[10] e Breve[11], de Westminster, os quais declaram que Jesus [...] o eterno Filho de Deus, da mesma substncia e igual ao Pai, o qual [...] no cumprimento do tempo fez-se homem, e assim foi e continua a ser Deus e homem em duas naturezas perfeitas e distintas e uma s pessoa para sempre.[12]Escrevendo sobre Joo 1:1, Cullmann (2008, 348) afirma:, deveras, a opinio do evangelista a que se expressa aqui, quando chama ao Logos Deus. Isto o que a parte final de seu Evangelho mostra quando Tom, convencido, exclama diante do Ressuscitado: Meu Senhor e meu Deus! (Jo 20.28). Com este ltimo e decisivo testemunho, fecha-se o crculo: o evangelista retorna ao prlogo. Acerca deste prlogo, embora no objetivemos nos deter neste quesito, a saber, de se o prlogo joanino consiste num hino primitivo ou no, interessante destacar o pensamento de Jeremias (2006, p. 382). Para ele, [...] Jo 1:1-18 uma passagem potica. A partir daqui ele procura fazer uma anlise literria da passagem em questo apontando para um paralelismo semelhante s construes encontradas nos Salmos.Jeremias argumenta que no Oriente Prximo, o paralelismo tem a mesma funo que a rima entre ns: com a mtrica, diferencia a poesia da prosa. Sua argumentao desemboca na afirmao de que o prlogo joanino trata-se, na verdade, de [...] um cntico vigorosamente construdo, um poema religioso dos incios do cristianismo, um salmo, um hino ao Lgos Jesus Cristo (2006, p. 382). Ele aponta tambm para Fl 2:6-11 como [...] a citao de um hino pr-paulino a Cristo, no qual Paulo inseriu comentrios (2006, p. 384). Com isto ele busca corroborar a sua tese de que o que vemos em Joo a mesma coisa, ou seja, um hino composto em forma de paralelismo em srie ascendente, entremeado por comentrios do autor do, assim chamado, Quarto Evangelho.Se Jeremias est correto ou no ao tomar esta passagem como um [...] gnero literrio, em que a histria da salvao cantada em forma de salmodia, a [...] Heilsgeschichte in Hymnenform (histria da salvao em forma de hino) (2006, p. 386), no matria na qual devamos nos deter aqui, porm, tal discusso unida ao registro histrico encontrado na carta de Plnio Trajano (Carta X 96), onde lemos que os cristos perseguidos, em sua liturgia cantavam [...] hinos a Cristo, [adorando-o] como a um Deus (in BETTENSON, 2007, pp. 29, 30), nos fornece uma boa base para afirmarmos que ao Lgos [Jesus] era atribuda a mesma devoo, glria e louvor devida Thes [Deus o Pai], conduzindo-nos, assim, evidente constatao de que a divindade de Jesus era amplamente sustentada pela igreja primitiva.Por fim, Hrster expressa bem a idia apresentada no prlogo joanino afirmando: Esse Logos, que era um com Deus, tornou-se um homem de carne e osso e viveu com os homens. Alguns que confiaram nele chegaram a ver seu poder e majestade, reconheceram nele o Filho de Deus e admiraram-se com a bondade e fidelidade de Deus que encontraram nele (2009, p. 55). Isto mostra claramente que o infinito pode entrar em relaes finitas, e de fato entra, e que, de algum modo, o sobrenatural pode entrar na vida histrica do mundo (BERKHOF, 2002, p. 307). Sem dvida, esta concepo sustentada por Joo absolutamente singular e distinta de qualquer outra idia preconcebida acerca do Lgos.