a doutrina da encarnação do verbo

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1 A doutrina da Encarnação do Verbo no “Adversus Eunomium” de São Gregório de Nissa 1 Introdução Gregório de Nissa (335-394) ressaltou a encarnação, como condição para a salvação do gênero humano. Ele escreveu entre os anos 380-383 uma importante obra intitulada: “Adversus Eunomium” ou também “Contra Eunomio” 2 . Este autor já tinha sido contestado por Basílio em 363-364, por causa de sua doutrina em uma obra polemica aonde ele afirmava que o Filho era uma essência diversa, subordinada aquela do Pai. Ele colocava as três pessoas em um esquema subordinacionísta. Em 380, ele escrevera uma outra obra: “Apologia da Apologia” onde ele atacava Basílio, pois ele não aceitava o “homoousios” do Filho em relação ao Pai, mas sobretudo ele reforçava de novo a sua doutrina que o Pai era o único não gerado e o Filho pelo fato de ser gerado não possui comunhão de natureza com o Pai. Ele é uma outra substancia, totalmente diversa do Pai e subordinada a ele. A realização da “Oikonomía” pelo Verbo, Salvador da humanidade. Gregório procurou responder na sua obra, a Eunomio, colocando o Verbo como Salvador da humanidade. Ele é em comunhão com o Pai. O fato de ser gerado não significava diferença de essência mas apenas a característica do Filho; Ele foi sempre gerado pelo Pai. Assim Ele vem do Pai não como uma criatura, mas como o Criador das coisas. Era necessário ressaltar a encarnação, o fato de Deus tornar-se um de nós. Assim o Nisseno percebia-a (a encarnação) como um projeto de Deus em relação ao homem. O fato é que o homem pecara, e por si só ele não podia erguer-se do pecado; desta forma o Senhor veio ao seu encontro. Gregório fala de economia de Deus para o homem 3 , ou o mistério do Senhor segundo a carne 4 , ou ainda economia temporal 5 . Esta doutrina da oivkonomi,a, já era presente em outros padres antes mesmo de Gregório a respeito da economia da carne. A diferença dos outros autores e com a intenção de confutar Eunomio, o Nisseno ligava a economia do Verbo ao Pai, origem do bem, no qual Ele mandou o seu Filho ao mundo. Assim o Verbo encarnado é a economia de Deus, a realização de seu projeto. Ele veio para renovar a sua criatura e levá-la à divinização. Se a economia própria do Verbo é destinada a favorecer a criatura humana, o Pai nesta obra não é separado do Filho; ao contrário o Verbo a realiza junto com Ele. Será presente não só na sua missão do anuncio do Reino de Deus junto aos seus, ma também no momento supremo da economia da carne, sobre a cruz e na sua morte através a doação do Filho para vida de todo o gênero humano Um outro dado importante sobre a economia divina, esta possui o seu fundamento no Amor. Gregório diz; “Nós afirmamos que o motivo pelo qual Deus aceitou a relação com o homem foi o seu amor por ele” 6 . O motivo que justifica a descida (sýnkatábasis) de Deus entre os homens é um amor que não é circunscrito por algum limite. É só desta forma que se explica a unidade modulada, realizada no tempo, pelo fato que Ele quis fazer parte da nossa debilidade 7 . Ele não recusa a ralação com os seus a ponto de poder dizer que o seu amor é concedido como Dom à sua criatura. O argumento da economia da carne ligada ao amor em Gregório seguia a tradição bíblica 1 Síntese, Pe. Vital Corbellini, Doutor em Teologia e Ciências Patrísticas. 2 CE: Nós utilizaremos esta sigla. 3 CE III, I, 48 (GNO II, 20) 4 CE III, III, 52 (GNO II, 121). 5 CE III, IV, 20 (GNO II, 144). 6 CE II, 417 (GNO I, 348). 7 CE III, III, 37 (GNO II, 120).

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Page 1: A Doutrina Da Encarnação Do Verbo

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A doutrina da Encarnação do Verbo no “Adversus Eunomium” de São Gregório de Nissa1

Introdução Gregório de Nissa (335-394) ressaltou a encarnação, como condição para a

salvação do gênero humano. Ele escreveu entre os anos 380-383 uma importante obra intitulada: “Adversus Eunomium” ou também “Contra Eunomio”2. Este autor já tinha sido contestado por Basílio em 363-364, por causa de sua doutrina em uma obra polemica aonde ele afirmava que o Filho era uma essência diversa, subordinada aquela do Pai. Ele colocava as três pessoas em um esquema subordinacionísta. Em 380, ele escrevera uma outra obra: “Apologia da Apologia” onde ele atacava Basílio, pois ele não aceitava o “homoousios” do Filho em relação ao Pai, mas sobretudo ele reforçava de novo a sua doutrina que o Pai era o único não gerado e o Filho pelo fato de ser gerado não possui comunhão de natureza com o Pai. Ele é uma outra substancia, totalmente diversa do Pai e subordinada a ele. A realização da “Oikonomía” pelo Verbo, Salvador da humanidade. Gregório procurou responder na sua obra, a Eunomio, colocando o Verbo como Salvador da humanidade. Ele é em comunhão com o Pai. O fato de ser gerado não significava diferença de essência mas apenas a característica do Filho; Ele foi sempre gerado pelo Pai. Assim Ele vem do Pai não como uma criatura, mas como o Criador das coisas. Era necessário ressaltar a encarnação, o fato de Deus tornar-se um de nós. Assim o Nisseno percebia-a (a encarnação) como um projeto de Deus em relação ao homem. O fato é que o homem pecara, e por si só ele não podia erguer-se do pecado; desta forma o Senhor veio ao seu encontro. Gregório fala de economia de Deus para o homem3, ou o mistério do Senhor segundo a carne4, ou ainda economia temporal5. Esta doutrina da oivkonomi,a, já era presente em outros padres antes mesmo de Gregório a respeito da economia da carne. A diferença dos outros autores e com a intenção de confutar Eunomio, o Nisseno ligava a economia do Verbo ao Pai, origem do bem, no qual Ele mandou o seu Filho ao mundo. Assim o Verbo encarnado é a economia de Deus, a realização de seu projeto. Ele veio para renovar a sua criatura e levá-la à divinização. Se a economia própria do Verbo é destinada a favorecer a criatura humana, o Pai nesta obra não é separado do Filho; ao contrário o Verbo a realiza junto com Ele. Será presente não só na sua missão do anuncio do Reino de Deus junto aos seus, ma também no momento supremo da economia da carne, sobre a cruz e na sua morte através a doação do Filho para vida de todo o gênero humano Um outro dado importante sobre a economia divina, esta possui o seu fundamento no Amor. Gregório diz; “Nós afirmamos que o motivo pelo qual Deus aceitou a relação com o homem foi o seu amor por ele”6. O motivo que justifica a descida (sýnkatábasis) de Deus entre os homens é um amor que não é circunscrito por algum limite. É só desta forma que se explica a unidade modulada, realizada no tempo, pelo fato que Ele quis fazer parte da nossa debilidade7. Ele não recusa a ralação com os seus a ponto de poder dizer que o seu amor é concedido como Dom à sua criatura. O argumento da economia da carne ligada ao amor em Gregório seguia a tradição bíblica

1 Síntese, Pe. Vital Corbellini, Doutor em Teologia e Ciências Patrísticas. 2 CE: Nós utilizaremos esta sigla. 3 CE III, I, 48 (GNO II, 20) 4 CE III, III, 52 (GNO II, 121). 5 CE III, IV, 20 (GNO II, 144). 6 CE II, 417 (GNO I, 348). 7 CE III, III, 37 (GNO II, 120).

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porque esta falara de tal realidade. O Nisseno seguia o NT8, mas também a visão alexandrina onde Clemente, Orígenes e Atanásio tinham falado do amor de Deus pelo homem. Assim para Gregório, amor de Deus era o motivo fundamental da economia da carne e o ponto basilar da sua morte; assim que toda a obra salvífica é concebida nesta óptica. Este aspecto encontra-se uma única vez em toda a obra confutada, reafirmando-se desta forma a perspectiva que a economia devia vir o mesmo em favor do homem. No entanto as afirmações freqüentemente repetidas no CE insistem sobre a necessidade da realização da economia com o fim de recuperar o homem de sua caída. Como o homem não podia erguer-se por si só, o Nisseno fala de um elemento essencial; a economia, o projeto de redenção tornar-se-á realidade através a encarnação. O Verbo vem para chamar novamente o homem à graça da vida, à condição da situação original, isto é na vivência do Dom da sua imagem e semelhança9. A economia divina e a Sagrada Escritura A economia da carne como projeto divino é interpretado a partir da Sagrada Escritura porque esta tinha anunciado à sua vinda neste mundo. O recurso à SE no CE por parte de Gregório não era somente para defender pontos essenciais do ser criador do Verbo, mas para dar fundamento ao mistério que devia acontecer na realidade visível. O mistério escondido a séculos no seio do Pai, foi manifestado em seu Filho Jesus Cristo, porque Ele se fez carne10 e Ele comunicou a sua mesma vida divina ao ser humano. A SE anunciara a vinda do Verbo; Ele deveria manifestar-se na carne11. As teofanias do AT sobretudo aquela acontecida a Moisés: “Aquele que é” era para Gregório o Deus Unigênito que dirige a sua palavra ao seu servo Moisés. Ele (o Verbo) coopera na salvação do seu povo12. Na Nova Aliança através da encarnação, o Verbo será motivo de vida e de redenção não só para um povo, mas para toda a humanidade. Portanto a afirmação “Aquele que é” é lida em função não somente do Unigênito do Pai, mas também do projeto da salvação humana; também Ele um dia deveria fazer-se servo em favor dos suas criaturas.

Gregório reconhecia que a Escritura falara da vinda do Verbo de modo que o mistério da encarnação é percebido como mistério proclamado pela Palavra de Deus. Três textos foram importantes na visão salvífica da encarnação em Gregório de Nissa; dois do AT e um do NT. A profecia de Isaías13 é um texto que é compreendido na óptica do mistério da Encarnação. Ao Verbo é dado o nome de filho como exige a visibilidade própria do ser humano que um dia Ele deveria assumi-la. Um outro texto do AT14 é interpretado como a assunção da natureza humana. Mas a passagem de maior relevância é o texto joanino: “O Verbo se fez carne”15. Deus se manifestou na carne. O mistério escondido pelo Pai nos séculos foi revelado à nossa realidade visível. Na afirmação Joanina é afirmada a entrada de Deus na carne. As promessas contidas na SE se realizaram na história; a Palavra de Deus tornou-se carne. Assim o nascimento do Verbo foi um evento histórico importante porque é estabelecida a sua unidade com o homem. A historia não é mais a mesma a partir da entrada do Verbo porque por esta recebeu um impulso à vida, à maturidade e um olhar para o alto. O aspecto histórico levou o 8 Jo 3,16; 1Jo 4,10. 9 Gn 1,26. 10 Jo 1,14. 11 Cfr. CE III,III;35 (GNO II, 120). 12 CE III, IX, 36 (GNO II, 277). 13 Is 7,14 14 Bar 3,38 15 Jo 1,14.

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Nisseno a falar da geração do Verbo na carne em; este nasceu como todos os outros meninos; não porém com uma geração comum uma relação entre homem e mulher, mas por obra do Espírito Santo16. Se Gregório concebia livre das paixões a geração divina17 da mesma forma ele afirmava em relação aquela visível; o Verbo é concebido sem vestígio de mal e portanto imaculado(avkh,raton)18. Aqui entra a figura de Maria na encarnação. Também se o Nisseno não desenvolveu uma doutrina especificamente mariana, porém no CE encontra-se elementos de pensamento mariológico. Ele a chama “Mãe Imaculada”, condição esta ligada à obra do Filho Imaculado. Ele a chama também “santa virgem”19, um titulo indicativo daquela mulher na historia da salvação de Deus pensado para o homem. O Nisseno reconhece também em Maria a condição de pureza como “mistério da virgindade”20 vendo as coisas acontecidas nela, grandiosas de uma dimensão que ultrapassa a razão. Se ela de fato foi livre do pecado, isto é a condição de todos os homens, tal aspecto é percebido como graça de Deus. O sentido da encarnação O sentido da encarnação ou da entrada do Verbo na carne é percebido por Gregório a partir do extraordinário, da maravilha. A carne foi visitada pelo Verbo e esta viu a maravilha do mistério. Foi uma ação em favor do homem que proporcionou o cumprimento escatológico das manifestações divinas daquelas acontecidas através o fogo, a tenda21. O volto divino não é mais escondido, mas ele é reconhecido na carne. A luz veio para iluminar os homens que eram nas trevas22. O grande Dom de Deus dado ao homem é a vinda do Verbo, tornado carne23. É uma maravilha única, dada ao cristianismo para a salvação de todos. Esta é ligada à mesma pessoa; a Aquele que apareceu na carne que era o mesmo, junto de Deus24. Tal identidade não era de criatura com criatura no sentido que Ele fosse em tal condição na sua preexistência. Ele de fato, é o Criador que nasce à natureza humana

Os Benefícios da encarnação A encarnação é percebida na perspectiva dos benefícios que o Salvador trouxe à natureza humana, provenientes da natureza divina. A tenda edificada nesta realidade concedera dons a quem era necessitado. Existe a idéia que foi o Senhor a amar por primeiro a sua criatura e a dar a vida ao homem. A encarnação deu a natureza humana a possibilidade da divindade. O homem então olha ao Verbo encarnado e encontra um estimulo para o encontro com o Altíssimo, porque Ele revela na carne o Pai. A presença do Verbo na carne fez desaparecer o mal. A ação foi como um fogo que elimina os objetos e as coisas por onde passa. O mal nas suas várias formas e vícios foi destruído em si mesmo e no seu cume da maldade. A partir da encarnação a natureza humana é novamente beneficiada porque o Verbo a restaurou naquela beleza primitiva que o Criador quis dar-lhe desde seu inicio25.

16 Lc 1,35 17 Cfr CE III, II, 60 (GNO II, 72); CE III, II, 63 (GNO II, 73). 18 Cfr. CE III, II, 27 (GNO II, 60). 19 Ref. Conf. 18 (GNO II, 319). 20 Cfr. CE III, I, 55 (GNO II, 23). 21 Ex 26,33; Dt 4,11-12. 22 Is 9,1. 23 Jo 1,14; CE III,III,35 (GNO II, 129). 24 Cfr. CE III, III, 62 (GNO II, 129-130). 25 Cfr. M. CANEVET, “Sexualité et péché chez Grégoire de Nysse”, in Christus 17 (1970) 246-247: cfr. “Gregorio di Nissa”, in DiTF , 531.

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Um outro beneficio que o Verbo divino concedeu ao homem foi a reconciliação. Ele modificou a situação da hostilidade da natureza humana em favor da reciprocidade das relações, porque “tomando sobre si a nossa inimizade que era surgida com Deus a causa do pecado e matando-a em si mesma, como diz o Apostolo (e a inimizade era o pecado) e Ele tornando-se aquilo que nós somos, por seu meio reuniu novamente a Deus a natureza humana” 26. Assim entre o céu e a terra é reconstituída a harmonia. O Verbo “todo inteiro Deus e sendo feito todo inteiro homem” 27criou uma situação de vida nas relações entre Deus e o homem. Ele trouxe Deus ao homem e o homem foi levado à condição divina. A mutabilidade do Verbo? A encarnação comportou a mutabilidade no Verbo, Ele que era na imutabilidade. Ele não podia entrar em nossa realidade sem assumir o que é verdadeiramente humano. Se de um lado, a realização do mistério foi o grande acontecimento que enaltece a natureza humana, por outro lado, algumas objeções levantadas na historia colocavam em dúvidas e questionavam a finalidade da encarnação. O mundo pagão acentuava a onipotência de Deus capaz de destruir o pecado sem misturar-se com o que é humano. Este também levantava a pergunta; porque o Salvador veio assim tarde? Se tal acontecimento era assim tão bom e digno de Deus, porque o beneficio foi reenviado?28. O Nisseno concordava sobre a Onipotência divina; porém ele colocava em realce a pedagogia de Deus manifestada no seu Filho em favor do homem. Por isto a encarnação do Verbo curou a parte doente, que estava sobre a terra. Assim o Verbo assumiu os momentos fundamentais da existência humana, o seu desenvolvimento e sua morte. Ele não veio ao inicio mas em seguida, não porque a Providencia divina tivesse esquecido o ser humano, mas para eliminar o momento certo todo o inconveniente na relação entre Deus-Homem. Zemp afirma que o cume do mal e a encarnação não acontecem contemporaneamente mas um acontecimento dependente do outro. A “Oikonomía” de Deus não deixou reinar a encarnação antes do cume do mal29. Sobre esta afirmação gregoriana, Daniélou fez uma consideração importante dizendo que o remédio poderia vir depois que o mal era totalmente expresso e tinha exteriorizado as suas virtualidades30.

A Encarnação e a dimensão antropológica A encarnação faz referencias à antropologia porque o Verbo nasceu na carne e

estabeleceu uma relação com o ser humano. Sendo este encontrado em uma situação de pecado e tal forma de existência não levara a um melhoramento do seu ser diante do Criador, então o Verbo não recusou de se unir a sua criatura; fez-se carne para estabelecer nesta uma unidade permanente. De fato, se o pecado provocara um afastamento entre a divindade e a humanidade, a encarnação fez a unidade entre as duas partes.

Um ponto importante na antropologia gregoriana é a recriação da humanidade a partir da encarnação. Cristo é a novidade divina do homem. Então, o ser humano na medida em que se reveste de Cristo31 possui o Dom da Salvação. Cristo foi criado na encarnação conforme a Deus. Revestir-se de Cristo é a condição da criatura livre do

26 Cfr. Ef 2,16: CE III, X, 12 (GNO II, 293-294). 27 Cfr. Ref. Conf. 143 (GNO II, 374). 28 Cfr. Orat. Cat. 29, 1 (Srawley, 108; MG 45, 73D). 29 Cfr. P. ZEMP, Die Grundlagen heilsgeschichtlichen Denkens bei Gregor von Nyssa, München 1970, 220. 30 Cfr. J. DANIÉLOU, L’essere e il tempo in Gregorio di Nissa, Roma 1991, 261-262. 31 Cfr Rm 19,14.

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pecado, porque naquele corpo habitava a plenitude da natureza divina32. Com o Verbo é reforçado o parentesco da criatura com o Pai (h` sugge,neia tou/ patro,j), expressão muito presente no CE. Esta indica um estado de união nas relações da divindade coma humanidade. O homem vive com o Verbo a sua vocação de imagem com o Criador. Assim Cristo rompe o mau ciclo do pecado, introduzindo um movimento continuo para o bem.

A dimensão antropológica referia Cristo como iniciador de uma nova humanidade. O Nisseno aprofundou o tema paulino do Senhor como Primogênito (Prwto,tokoj), não no sentido ariano e eunomiano que fazia do Filho o primeiro criado. Cristo é Primogênito entre os irmãos33 porque Ele é o primeiro que inaugurou uma nova geração não mais ligada ao pecado e à morte. A sua primogenitura é Dom porque torna seus irmãos aqueles que participam com ele à mesma geração e Ele torna-se primogênito entre aqueles que são gerados pela água e pelo Espírito34. Cristo como o prw/toj exprime a presença do Re-Criador na criação, no sentido de um inicio de uma vida melhor assim como esta era à origem. Cristo, como Primogênito colocou em confronto duas criações; a primeira com a participação ao pecado e a segunda feita com o seu Dom. O Verbo não veio para destruir a primeira criação, mas para dar um novo sentido às coisas com a sua vida e doação. Se a primeira tinha envelhecido (palaiwqei,shj)

35 porque ligada ao pecado e à morte, a segunda tem uma sorte diferente porque Cristo é o inicio de uma nova criação de modo que Ele é a primícia36. Ele é a plenitude da divindade de modo que a nova geração provinda do segundo Adão é formado pela sua presença.

A encarnação e a dimensão cristológica A encarnação é ligada à realidade cristológica pelo fato que o Verbo estabeleceu unidade profunda com a humanidade. Se a definição de uma Hipóstases em duas naturezas virá mais tarde nos concílios posteriores, encontra-se no CE, argumentos sobre a unidade da pessoa e da diversidade das naturezas em Cristo em modo que é possível afirmar a elaboração de uma doutrina cristológica. O Nisseno como Basílio tinha afirmado que na única economia da carne há uma única pessoa em Cristo. Fundando-se sobre o texto do NT37, o nosso autor queria afirmar a superação de dois seres distintos, na sua encarnação. Quando se fala de exaltação, o elemento humano é valorizado, porque o Salvador levou consigo a humanidade à uma condição melhor, isto é à divindade. A distinção das duas naturezas não significava divisão; se o Logos era antes dos séculos, a carne foi feita nos últimos tempos38. São duas as formas de atuação do Senhor; antes de tudo aquela que indicava a sua precedência, a sua eternidade em modo que Ele era em união com o Pai e portanto Ele era sempre com Ele; o segundo estado é aquele do ser criatura, desde quando Ele se uniu com a carne. Os elementos das naturezas, isto é a divindade e a humanidade do Verbo agiram juntos e distintamente. Quando a vivificação de Lázaro é tratada39 ou do esplendor da gloria40 era uma referencia à sua natureza divina; quando se tratava do seu cansaço junto 32 Cfr. Cl 2,9: CE III, X, 13 (GNO II, 294). 33 Cfr. Rm 8,29. 34 CE III, II, 51 (GNO II, 69). 35 Cfr. CE III, II, 53 (GNO II, 69). 36 Cfr. 1 Cor 15,23; Ref. Conf. 84 (GNO II, 346). 37 At 2,36. 38 CE III, III, 64 (GNO II, 130). 39 Jo 11,11ss. 40 Hb 1,3.

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ao poço de Jacó41 ou Ele foi traspassado pelos pregos, referia-se à sua humanidade. O seu ser encarnado comporta uma semelhança de fato com a humanidade e não somente na aparência, em modo que as relações que Ele estabelece com o homem são feitas na igualdade com aquilo que é humano42. A glorificação tornou-se pela humanidade do Verbo não uma especificação de um outro ser; mas Ele era o mesmo Senhor como homem e Deus que era concebido após a sua paixão e não uma outra pessoa. Um outro dado importante no pensamento cristológico do Nisseno refere-se; “Communicatio Idiomatum”, a mudança das propriedades. Esta teoria indica a possibilidade de definir a divindade com elementos humanos e vice-versa. Tal caracterização é vista como conseqüência da unidade formada pela entrada do Verbo na carne. A dimensão soteriológica da encarnação O pensamento gregoriano sobre o Verbo encarnado foi profundamente assinalado pela concepção soteriológica. O fim do Verbo na carne é a redenção. O Verbo é Salvador do gênero humano. Tal visão afirma que n’Ele iniciou-se uma nova criação, uma recriação43. Mas como a situação humana era necessitada e a parte doente era sobre a terra44 então veio o Verbo a transformar em melhor estas realidades humanas, concedendo os seus dons. Na visão eunomiana a salvação não era dada em uma forma integral do momento que o Verbo não entrava na natureza criada como seu Criador; antes Ele era considerado como criatura. Gregório, ao invés afirma que o Verbo era ligado ao Pai pela mesma idêntica divindade, assim que quando Ele entrou na dimensão visível teve condições de dar às criaturas o Dom da salvação. Assim, se o visível com o visível não podia levar à uma vida de plenitude, o invisível se fez visível para dar um sentido de vida as coisas feitas pelo homem. O Nisseno também ressaltou a missão do Salvador que veio em busca dos perdidos, dos homens em situação de necessidade, não dos justos, mas dos pecadores45. Desta forma algumas figuras na obra CE são ressaltadas, tomadas da Sagrada Escritura. Em primeiro lugar o Senhor veio como médico para quem tem necessidade de cura46. O Salvador transforma as coisas; Ele toma cura do doente dando à criatura a mesma força que Ele possui em si mesmo. Outra figura do Verbo Salvador que o Nisseno apresenta é aquele do Pastor. O encontro de Deus com a humanidade é explicado mediante a figura do pastor que toma conta das suas ovelhas: “O Verbo deixou em alto o rebanho que não tinha se perdido e estava acima do mundo e por causa do seu amor por nós, ele andou à procura da ovelha perdida, entendo dizer, a nossa natureza”47. O Salvador leva exultação neste sentido à criatura; se existir alegria na visibilidade, pois a ovelha perdida é encontrada, existe também alegria no céu. O homem é reconduzido ao rebanho para compor novamente o numero desejado, o numero da integridade: “A ovelha será salvada e destinada as cem que estão nos céus e somos sem duvida nós, isto é a natureza humana esta ovelha que foi salva pelo bom pastor com o seu tornar-se primogênito”48. A encarnação compreende também os momentos cruciais vividos pelo Verbo; a sua paixão, doação e ressurreição, portanto todo o mistério pascal. Nestes acontecimentos, a visão soteriológica é colocada em atenção: porque Cristo é entendido 41 Jo 4,6-7. 42 Cfr. J. DOMINIAN, Uno come noi. Un’interpretazione psicologica di Gesù, Cuneo 2001, 239-240. 43 Cfr. C. TANGUY, L’homme en souffrance de Dieu. Grégoire, un souffle d’espérance, Québec 2001, 101. 44 Cfr. Orat. Cat. 27, 4 (Srawley, 103; MG 45, 72B). 45 Cfr Mt 9,12-13. 46 Cfr. Mt 9,12; Ref. Conf. 125 (GNO II, 366). 47 Cfr. Mt 15,24; CE III, X, 11 (GNO II, 293). 48 CE III, II, 49 (GNO II, 68).

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não somente como Aquele que se uniu com a natureza humana, mas também como Aquele que doou a sua vida pelo bem de todos. Se a assunção era integral na visão humana, a redenção referia esta parte final, segundo a qual o Salvador não quis subtrair-se na manifestação do seu amor. A sua “Kénosis” não era só uma igualdade com os outros homens; Ele procurou abaixar-se ainda mais profundamente na obediência, morrendo na cruz. Se existiu uma economia da carne chamada por Gregório “economia de amor pelos homens”( dia. th.n fila,nqrwpon proselh,fqh

oivkonomi,an)49 que é a encarnação, assim também existiu uma economia da paixão (to. pa,qoj oivkonomi,a), onde o Verbo manifestou uma outra vez o seu amor pela humanidade. A compreensão da economia da paixão não vinha compreendida no mesmo modo por Eunomio e por Gregório. Para Eunomio, a paixão era sinal da diferença do Filho pelo Pai; o fato que a natureza do Verbo era ligada às paixões e portanto diversa do Pai; quando chega o momento da paixão da cruz, tal situação era considerada por Eunomio como diferença de natureza do Filho pelo Pai50 de modo que ao Filho vinham reservados a dor e o sofrimento. Na visão gregoriana, a economia da paixão indicava a sua integral comunhão com a natureza humana pois foi manifestada nesta, a existência de um projeto de salvação que é a revelação do amor infinito de Deus pelo homem. O Filho assumiu a economia para o nosso bem, porque Ele nos amou até o fim. Ele foi ao encontro da morte pela redenção humana. Assim o Verbo é dito Salvador porque Ele salva o homem em tudo aquilo que Ele é. Ele sofreu a paixão, não com uma natureza diferente, mas próprio com a sua natureza humana, porque Ele sujeito a estas coisas, entregue à morte pela redenção da humanidade. Na economia da paixão como também naquela da carne, o Nisseno procurou distinguir as naturezas, pontos já presentes seja em Orígenes como em Gregório de Nazianzo51. Portanto, o Verbo enquanto Filho de Deus não sofre a paixão, mas mediante o elemento humano, a colhe e é causa de sua semelhança com o gênero humano que pode assim conceder a todos a redenção. A presença divina manifesta-se também sobre a cruz52, considerada para o mundo antigo pagão e judeu como vergonha humana. Porém quem quer conhecer Deus e a sua gloria através o seu Filho deve contemplá-lo também sobre a cruz porque Ele é o justo, sacrificado pelos seus53. Seguindo Paulo, Gregório analisa a cruz na sua forma simbólica; altura, amplidão, profundidade e largura54. Tudo adquire um sentido soteriológico pela cruz. Segundo Daniélou as quatro dimensões da cruz mostram ao mesmo autor quem é Aquele que foi estendido sobre o lenho, isto é, o Cristo, o Verbo Salvador. Ele estende o seu poder sobre a criação em modo que esta é penetrada pela graça da sua Providencia, que olha para todos. A extensão da ação do Logos é universal55; assim a cruz possui uma valor imenso, tornada o mesmo tempo um sinal de comunhão entre as coisas terrestres e aquelas celestes. Cristo une as realidades; por isto a sua “Kenosis” assumida pelo Verbo, conduziu-o à uma morte como doação. Ele a fez através da obediência, tornando-se assim causa da salvação humana56.

49 CE III, III, 34 (GNO II, 119)) 50 Cfr. CE III, III, 34 (GNO II, 119). 51 Cfr. Oraz. 30, 16 (SCh 250, 260). 52 Cfr. CE III, III, 39 (GNO II, 121). 53 Cfr. Is 53,12. 54 Ef 3,18-19; CE III, III, 40 (GNO II, 121). 55 Cfr. J. DANIELOU, “Le symbolisme cosmique de la croix”, in MD 73 (1963) 26-27. 56 Cfr. L.F. MATEO-SECO, “Kenosis, exaltación de Cristo y apocatástasis en la exegesis a Filipenses 2,5-11 de S. Gregorio de Nisa”, in ScrTh 3 (1972), 312.

Page 8: A Doutrina Da Encarnação Do Verbo

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A redenção é completada no outro mistério; aquele da vida nova em Cristo, da sua ressurreição. Cristo no seu ser carne, não permanece na morte, mas Ele ressuscita57. Portanto Ele é a vida nova que nasce da mesma morte. O Nisseno tinha as bases bíblicas para falar do mistério da ressurreição58. A divindade não é tirada dos elementos que formam a sua natureza humana, assim que a alma e o corpo não são abandonados na mansão dos mortos. Estes elementos também não viram a corrupção porque a sua divindade era presente nas duas partes separadas. Se com a divindade, o Verbo tinha formado união com o corpo e com a alma, no mesmo modo estes elementos permanecem unidos a Ele na sua morte, no qual sem a divindade, ambas as partes teriam permanecidos separadas a causa da morte59. Com a ressurreição, Cristo é o Primogênito entre os mortos (prwto,tokoj evk tw/n nekrw/n). Por isto Ele não é somente o primeiro da nova criação, através a encarnação, mas Ele é também o primeiro entre os mortos porque ele vence o poder da morte. Neste sentido é afirmado o argumento da ressurreição universal, na qual Cristo é também o Primogênito da nova criação em Deus60.

A ressurreição do Senhor conduziu glorificação à natureza humana que agora está unida à condição divina do Verbo. Tal realização é a conseqüência do mistério de Deus formado na carne, no qual o elemento corruptível e mortal é revestido pelo elemento incorruptível e pela imortalidade61. Portanto as mesmas mãos que formaram o ser humano e o tinham tomado da terra para serem conduzidas sobre as costas na ocasião da sua entrada na historia, agora o enaltecem pela sua nova condição de vida, porque pela sua ressurreição, o Verbo está à direita de Deus62.

No pensamento gregoriano encontra-se afirmada a realidade da Igreja-Povo que conheceu o mistério revelado e está procurando caminhar sobre as normas traçadas pelo Cristo; o mistério da encarnação do Verbo continua na historia, naqueles que acreditam nas suas palavras e ações. A presença de Cristo encarnado e ressuscitado, impulsiona a comunidade a esforçar-se para testemunhar o amor de Deus por todos. A obra de salvação prossegue através os seus discípulos no empenho a viver os mandamentos de Deus, na celebração os sacramentos e na pratica de boas obras.

Concluindo, nós podemos dizer que o Verbo encarnado veio à humanidade para nos trazer os dons divinos e nos elevar à divindade. Ele que era Deus como o Pai, fez-se igual a nós em tudo, menos que o pecado. Com a presença do Verbo, o ser humano, resgatado de sua condição pecadora, pode anunciar ao mundo as maravilhas do Senhor. Ainda que o CE de Gregório de Nissa seja uma obra de fundamentação trinitária, ela ressaltou elementos importantes sobre a vinda do Verbo de Deus na carne em nossa realidade para que assim o ser humano fosse salvo e redimido, de modo que uma doutrina da encarnação é percebida no pensamento do Nisseno.

57 Cfr. Ref. Conf. 19 (GNO II, 318). 58 Cfr. Jo 10,18; At 2,27. 59 Cfr. R.J. KEES, Die Lehre von der ‘Oikonomía’ Gottes in der ‘Oratio catechetica’ Gregors von Nyssa,

Leiden 1995, 156. 60 Cfr. Ref. Conf. 81 (GNO II, 346). 61 Cfr. 1Cor 15,53: Ref. Conf. 179 (GNO II, 387). 62 Cfr. At 2,33: CE III, III, 43 (GNO II, 123).