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III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 A DITADURA MILITAR NO BRASIL E NO CHILE: UM ESTUDO COMPARATIVO DA PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES E CIVIS NA TRAMA GOLPISTA 1 . Jorge Nelson Cáceres Olave Junior. 2 RESUMO: O presente artigo pretende conduzir uma análise crítica e comparativa das Forças Armadas do Brasil e do Chile focando estabelecer a relação que estas instituições tiveram com os setores civis na trama golpista que se alastrou nos respectivos países. Em sua especificidade, tenta entender o programa político, econômico e social de seus integrantes na formulação e construção de uma “nova” sociedade antes e durante os golpes de estado de cada país. Tendo em vista defender uma tese que não fique circunscrita a nenhuma explicação descolada da realidade histórica e social destes países latino-americanos e respeitando as suas particularidades, o conceito de ditadura militar- civil, dada a sua complexidade, é o melhor que define as potencialidades e desdobramentos da trama golpista nestes países. PALAVRAS-CHAVE: ditadura; militar; civis; golpe de estado; política. INTRODUÇÃO: A derrocada do governo democrático de Salvador Allende no Chile em 11 de Setembro de 1973 destituído por um golpe militar liderado pelas três armas chilenas (Aeronáutica, Exército e Marinha), Carabineros (polícia) e por setores da burguesia e da classe média, condicionou a instauração de um projeto político-social-econômico renovado para aqueles que assumem o poder, trazendo consigo sérias transformações no conjunto da sociedade deste país. Por outro lado, nove anos antes, o maior país do continente sul-americano passara por um processo político parecido, porém, não idêntico ao do país andino. As correlações 1 Trabalho apresentado à III Semana de Ciência Política organizada pela Universidade Federal de São Carlos nos dias 27 a 29 de Abril de 2015. 2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação Integração em América Latina Prolam/USP. E-mail: jc- [email protected]

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III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

A DITADURA MILITAR NO BRASIL E NO CHILE: UM ESTUDO

COMPARATIVO DA PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES E CIVIS

NA TRAMA GOLPISTA1.

Jorge Nelson Cáceres Olave Junior.2

RESUMO: O presente artigo pretende conduzir uma análise crítica e comparativa das

Forças Armadas do Brasil e do Chile focando estabelecer a relação que estas instituições

tiveram com os setores civis na trama golpista que se alastrou nos respectivos países. Em

sua especificidade, tenta entender o programa político, econômico e social de seus

integrantes na formulação e construção de uma “nova” sociedade antes e durante os

golpes de estado de cada país. Tendo em vista defender uma tese que não fique

circunscrita a nenhuma explicação descolada da realidade histórica e social destes países

latino-americanos e respeitando as suas particularidades, o conceito de ditadura militar-

civil, dada a sua complexidade, é o melhor que define as potencialidades e

desdobramentos da trama golpista nestes países.

PALAVRAS-CHAVE: ditadura; militar; civis; golpe de estado; política.

INTRODUÇÃO:

A derrocada do governo democrático de Salvador Allende no Chile em 11 de

Setembro de 1973 destituído por um golpe militar liderado pelas três armas chilenas

(Aeronáutica, Exército e Marinha), Carabineros (polícia) e por setores da burguesia e da

classe média, condicionou a instauração de um projeto político-social-econômico

renovado para aqueles que assumem o poder, trazendo consigo sérias transformações no

conjunto da sociedade deste país.

Por outro lado, nove anos antes, o maior país do continente sul-americano passara

por um processo político parecido, porém, não idêntico ao do país andino. As correlações

1 Trabalho apresentado à III Semana de Ciência Política organizada pela Universidade Federal de São

Carlos nos dias 27 a 29 de Abril de 2015. 2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação Integração em América Latina – Prolam/USP. E-mail: jc-

[email protected]

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de forças internas de cada país iriam ditar a constituição dos respectivos regimes

autoritários. No caso do Brasil não se pode esquecer que o ano de 1964 não se consolidou

num mero acidente, mas sim pela organização e união de determinados setores militares

e civis conservadores, em oposição às Reformas de Base, ao nacional-popular e à

ampliação da participação política de setores populares impondo, desta forma, a trama

golpista ao país.

Os autores do golpe seriam as classes dominantes, os

latifundiários, os grandes empresários e banqueiros, liderados por

associações de classe sob a coordenação e a cobertura ideológica

do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e do Instituto

de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes). Agindo por si ou com

apoio externo, essas forças também formariam um bloco

irresistível. (CARVALHO, 2005, p.120)

Passados cinquenta anos do Golpe militar-civil no Brasil a ideia que este processo

fora uma “revolução” ainda é defendido por amplos setores conservadores da sociedade

civil e das Forças Armadas Brasileiras. A “ameaça comunista” deveria ser extirpada da

sociedade brasileira custe o que custasse sendo necessário para atingir os seus objetivos

a utilização do poder da violência em um contexto de Guerra Fria, onde o mundo era

dividido entre dois grandes blocos ideológicos: o capitalista e o socialista. A ferramenta

utilizada que perpetuaria o poder dos interesses das classes dominantes conservadoras

estaria vinculada ao uso do aparelho de regulamento e controle social, isto é, o Estado.

No caso chileno, desde o ano de 1964 quando o democrata-cristão Eduardo Frei

Montalva é eleito presidente da República com um projeto político intitulado “revolução

em liberdade”, o Chile começara a realizar profundas transformações políticas e sociais

no conjunto da sua sociedade muito devido ao estrangulamento do modelo econômico de

substituição de importações e a influência da revolução cubana. Um dos projetos

presentes no programa da democracia-cristã chilena focava a reforma agrária, a

incorporação dos pobres das cidades à economia e a “chilenização” do cobre.

No início da década de 60, o surgimento de ideias de reformas e

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revolução trouxe mudanças nas propostas políticas dos governos.

Embora o partido de Frei fosse conservador, o Programa de

“Cómo avanza La Revolución en Libertad” do Partido

Democrático Cristão, “Um programa que se cumpre e não se

discute”, implantado no governo Frei, tinha uma proposta social-

democrata-cristã. A proposta consistia, entre outras coisas, numa

reforma estrutural da economia, destacando uma nova política

conhecida como chilenização do cobre, a principal fonte de

riquezas do Chile, criando a Codelco, a Corporação do Cobre.

Como cita o documento do programa: “Por uma educação para

todas as crianças chilenas, pela organização da comunidade

(Promomoción Popular), pela criação de novas fontes de trabalho,

pela Reforma Agrária, pelo Plano de Viviendas, pela reforma do

sistema de propriedade, pela modernização da legislação do

trabalho e a ampliação das bases sindicais, pela extensão e

melhoramento dos programas de saúde, pela reforma e ampliação

do sistema de segurança social, por alcançar essas metas, disse o

presidente Frei que não se transigirá, que não mudará nenhuma

das propostas nem por um milhão de votos (...) figuram também

outras pontos de grande importância como a aceleração do

crescimento econômico, o controle paulatino da inflação, a

redistribuição dos salários, o melhoramento da balança comercial,

a reforma constitucional, a racionalização da administração

pública e toda uma nova linha de ação nas relações

internacionais” (FILHO, 2009, p.40-41).

Desta forma, o governo Frei tentava realizar algumas concessões à esquerda -

mesmo derrotada nas eleições de 1964 – que já era a representante significativa dos

setores populares do Chile na década de 1960. Transcorridos seis anos de governo Frei,

chega a vez do ex-senador e fundador do Partido Socialista do Chile em 1933, Salvador

Allende Gossens, tentar por meio da união das mais variadas vertentes político-sociais

aglutinadas na Unidade Popular (UP), uma coalizão que tinha como eixo os Partidos

Comunista e Socialista, social-democratas (PSD), Ação Popular Independente (API), o

Movimento de Ação Popular Unificado (MAPU), radicais (PR) e parte da esquerda

católica, construir uma “via chilena ao socialismo”.

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Salvador Allende elege-se em 1970, por meio de uma eleição polarizada, com uma

votação percentual de 36,3% dos votos válidos, seus oponentes Jorge Alessandri, do

Partido Nacional e Radomiro Tomic da Democracia Cristã recebem 34,9% e 27,9% dos

votos válidos respectivamente. Alberto Aggio observa bem esse período:

Após a vitória da UP, a extrema direita desencadeou uma tentativa de

desestabilização política que culminou no assassinato do comandante-

chefe do Exército Chileno, general René Schneider. Mas foi no plano

político-institucional que a conjuntura aberta com a vitória de Allende

conseguiu ganhar estabilidade: através de um acordo firmado entre a UP e

a DC, ratificou-se a vitória de Allende no Congresso Nacional.

Confirmado, então, como novo presidente, Allende assumiu o governo no

dia 4 de novembro do mesmo ano [...] Nascia aí à chamada experiência

chilena, expressão cunhada na época por intelectuais e políticos de

esquerda, não apenas do Chile, com o claro sentido de indicar a opção e o

desafio que se abria diante da esquerda daquele país, cujo presidente eleito

e empossado anunciava a intenção de realizar a “transição ao socialismo

em democracia”. (AGGIO, 1993, p.16).

É justamente a caracterização desta democracia que chamaria a atenção aos

estudiosos do assunto. O Chile -quando colocado em paralelo ao restante dos países da

América Latina- é considerado um país que em sua história respeitara os alicerces da

institucionalidade, entre os anos de 1932 a 1973 tivera sete presidentes ininterruptamente

eleitos pela via democrática. O Brasil, por outro lado, vivenciou entre os anos de 1889-

1930 um sistema eleitoral baseado na troca alternada do poder entre os representantes de

duas oligarquias (a paulista e a mineira) para logo em seguida instaurar um projeto

político iniciado com a Revolução de 1930 que culminaria na instauração de uma ditadura

até o ano de 1945. Os anos de 1946-1964 denominados pela historiografia brasileira como

“República Populista” também serão de instabilidade política muitas vezes instigada pela

União Democrática Nacional (UDN), partido de direita que representava os interesses dos

setores conservadores da sociedade brasileira.

Por outro lado, a história é a ciência do homem, e é a construção deste mesmo

homem no seu tempo. Cada tempo cronológico elenca novos temas e novos desafios que,

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no fundo, dizem e representam muito mais que suas próprias inquietações e convicções

do que tempos memoráveis, cujas formas podem ser logo descobertas. O passado deve

ser entendido como uma estrutura em progresso e não uma estrutura estática e/ou irreal.

Da mesma forma que será a preocupação deste artigo compreender o objeto de estudo

aqui proposto. Tal objeto exprime o movimento histórico das sociedades brasileira e

chilena procurando estabelecer pontes com a grande hipótese deste trabalho: a

participação, a união e a estratégia política de militares e civis na trama golpista do Brasil

e do Chile.

Assim, Octavio Ianni, sociólogo brasileiro, compreende que:

No esforço para entender a história de um país, a perspectiva

comparativa pode dar origem a perguntas bastante úteis e às vezes

novas. Há vantagens adicionais. As comparações podem

funcionar como um teste negativo, ainda grotesco, de

interpretações históricas correntes. Uma abordagem comparativa

pode originar novas generalizações históricas. (IANNI, 1975,

p.17).

Por fim, faz-se necessário atribuir determinados simbolismos e questionamentos

que se esforçam em entender a história peculiar de cada país, neste caso o Brasil e o Chile,

a partir das suas complexas estruturas políticas, sociais e econômicas. Estas estruturas

estariam vinculadas a partir das mudanças ocorridas nas instituições representativas do

Brasil e do Chile. Por outro lado, as particularidades, os nuances e os reflexos da

sociedade brasileira e chilena serão compreendidas quando ligadas a história de cada país

se firmando em seu próprio devir buscando, assim, alcançar e objetivar novas

perspectivas que caminhem em direção da compreensão do objeto de estudo aqui

proposto.

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BRASIL, 1964; CHILE, 1973: O CAMINHO SEM VOLTA. O GOLPE DE

ESTADO.

O Brasil dos anos 1960 vivia uma intensa polarização política que culminaria nas

propostas contidas no programa de governo de João Goulart intitulado “reformas de

base”. Será no dia 13 de março de 1964 que João Goulart -após convocar um comício na

Central do Brasil na cidade do Rio de Janeiro- assinaria os decretos facilitadores da

reforma agrária e de encampação das refinarias particulares de petróleo, entre outras

propostas.

A historiografia brasileira aponta que o 31 de Março de 1964 não foi um

acontecimento casual ou intempestivo de determinados grupos conservadores presentes

na sociedade. Os militares brasileiros unidos a alguns setores conservadores da sociedade

civil não despertaram da noite para o dia e decidiram a bel-prazer realizar o Golpe de

Estado no Brasil. Para se chegar ao 31 de Março de 1964 a dinâmica histórica que

antecedeu a este fatídico dia se fez presente. O historiador e militar Nelson Werneck

Sodré joga luz a esta afirmação ao analisar os momentos que precederam o Golpe Militar-

Civil Brasileiro:

A partir do momento mesmo em que ficou assegurada a posse do

vice-presidente João Goulart no cargo que vinha de ser

abandonado pelo sr. Jânio Quadros, elementos militares iniciaram

a conspiração para depô-lo. Todos eles, após a vitória do golpe de

abril de 1964, confessaram tal atividade e vangloriaram-se dela.

Aos primeiros conspiradores, de número reduzido, outros se

foram juntando, à medida, principalmente, em que, no governo

do sr. João Goulart, abriam-se condições para o alargamento da

democracia brasileira e esse alargamento permitia encaminhar as

reformas de que a estrutura brasileira necessita, de forma cada vez

mais premente. Assim, a afirmação de que o golpe resultou de

acontecimentos de março de 1964 – o comício do dia 13, o

episódio dos marinheiros, a solenidade do Automóvel Clube, já

ao findar o mês – não corresponde à verdade. Tais acontecimentos

contribuíram, evidentemente, para a eclosão do ato de força, mas

este vinha sendo meticulosamente preparado há muitos e muitos

meses, e as confissões, nesse sentido são numerosas. A decisão

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para a solução de força amadureceu, sem a menor dúvida, a partir

do Plebiscito em que o presidente retomou os poderes que o golpe

político de setembro de 1961 lhe havia retirado. Já a realização

do plebiscito, pelo sentido popular de que se revestiu,

confirmando a realidade a significação da palavra, importava em

derrota que as forças da reação não poderiam suportar. (SODRÉ,

2010, p.465-466).

Para se chegar à eclosão da força a que se refere Werneck Sodré vale a pena pensar

o dia 19 de Março de 1964. Neste dia o Brasil assistiria nas ruas paulistas a “Marcha da

família com Deus pela Liberdade”, marcha que tinha em sua gênese social setores

católicos da classe média urbana e movimentos de mulheres conservadoras, contra a

política “populista” e as “ideias comunistas” presentes no governo de João Goulart. Este

é um dos episódios fundamentais para a compreensão do conceito de golpe “militar-civil”

no Brasil.

Nada era pacifico até 31 de Março. As opções estavam abertas até

o último momento. Houve, sem dúvida, nos últimos meses antes

do golpe, uma polarização das forças políticas. Grandes

manifestações se verificaram a favor e contra Goulart nos

principais centros urbanos. Lembro-me de um comício de Leonel

Brizola em Belo Horizonte, em 25 de fevereiro de 1964, que foi

desbaratado por opositores apoiados pela polícia estadual do

governador Magalhães Pinto. Do conflito resultaram mais de 50

feridos. O prédio da Secretaria de Saúde foi tomado por

opositores e a mesa foi ocupada por senhoras que agitavam terços.

Brizola não passou do hall de entrada. O comício de 13 de março

em frente à Central do Brasil no Rio de Janeiro, em apoio às

reformas, mobilizou 150.000 pessoas. Em São Paulo, no dia 19

de março, os inimigos do presidente reuniram 500.000

manifestantes na “Marcha da família com Deus pela liberdade”.

No dia 2 de abril, calcula-se que um milhão de cariocas tenha

desfilado no Rio de Janeiro para festejar o êxito do golpe.

(CARVALHO, 2005, p. 122).

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Seis dias depois deste momento histórico, em 25 de março de 1964, o Ministro da

Marinha, Silvio Mota, emitiria a ordem de prisão contra os marinheiros reunidos na Sede

do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. A exigência de melhores condições de

trabalho e o apoio irrestrito e incondicional às Reformas de Base do governo João Goulart

iriam ser as principais causas daquilo que seria denominado e difundido em todo o país

pela imprensa nacional como a “Revolta dos Marinheiros”. Jango, por outro lado, decide

anistiar todos os marinheiros envolvidos na Revolta. Essa atitude geraria uma enorme

insatisfação dentro das Forças Armadas. Para grande parte dos oficiais, inclusive para

aqueles que defendiam o estado de direito, o governo Jango estava subvertendo os pilares

básicos da instituição militar: a hierarquia e a disciplina.

No dia 27 de Março de 1964, o governador da Ganabara, Carlos

Lacerda (1914-1977), mandou a família para a casa de amigos e

resolveu dormir no Palácio Guanabara. Apelidado de “O Corvo”,

por seu nariz adunco e sua participação na crise que levou ao

suicídio de Getúlio em agosto de 1954, o conspirador via chegada

a hora do acerto de contas com seus inimigos políticos. Em sua

avaliação, a situação do país tinha atingido o ponto de não

retorno. O sinal verde para o Golpe abriu-se com a Revolta dos

Marinheiros e o discurso radical do presidente João Goulart no

Automóvel Clube, no dia 30 de Março, para um público de

sargentos e suboficiais. (FILHO, 2006, p. 152).

Cinco dias após a ordem de prisão emitida pelo Ministro Mota contra os

marinheiros reunidos na Sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, o

presidente João Goulart fora o convidado de honra da festa promovida pela Associação

dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar na sede do Automóvel Clube, no Rio de

Janeiro. A presença de Goulart seguido do discurso defendendo os princípios presentes

nas Reformas de Base reiterando a opção pela luta política no espaço público reforçaria

a insatisfação e o estrago político causado pela anistia aos Marinheiros. As cartas do jogo

estavam dadas e o “afronte” às três armas brasileiras constituídas (o Exército, a Marinha

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e a Aeronáutica) já era uma realidade praticamente insustentável para a manutenção no

poder do governo de João Goulart.

Sobretudo, Goulart não atendeu aos apelos dramáticos de

Tancredo Neves e outros amigos no sentido de não comparecer à

festa dos sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro, realizada

no Automóvel Clube a 30 de março. Respondeu que devia muito

aos sargentos e não podia decepcioná-los. Não só compareceu à

festa como abandonou o texto escrito do discurso e falou de

improviso, em tom exaltado, para um auditório de que fazia parte

o famigerado “cabo” Anselmo. Como se sabe, o discurso

precipitou o início do golpe. Ao ouvi-lo, o general Mourão Filho

decidiu deslocar suas tropas de Juiz de Fora em direção ao Rio

De Janeiro. Nas palavras de um dos conspiradores, muitos

militares dormiram legalistas a 30 de março e acordaram

revolucionários no dia seguinte. A atitude do presidente diante

dos movimentos dos sargentos e marinheiros era tudo o que

faltava para que os conspiradores militares conseguissem o apoio

da maioria de oficiais que hesitava em aderir a seus planos.

Corroer as bases da disciplina era inaceitável para qualquer

oficial, mesmo para os que apoiavam as reformas propostas pelo

presidente. (CARVALHO, 2005, p. 123-124).

·

Por outro lado, no Chile observa-se que logo após as eleições de 1970 os conflitos

ocorridos no meio político-social tendencialmente se aprofundaram. Os setores

conservadores da sociedade chilena tentam de todas as formas criar uma política de

enfrentamento ao governo de Salvador Allende, desde que este subira ao poder:

O Chile vivia, segundo a direita, um insanável antagonismo. Os acontecimentos do

período apenas revelaram que o socialismo, para prevalecer, só poderia fazê-lo

destruindo a democracia. Este segmento acreditava que o governo de Allende

empurrava, paulatinamente, o país para uma desagregação total, o que possibilitaria a

implantação da ditadura do proletariado. Toda sua política esteve assentada nesta

crença, e suas interpretações posteriores nada mais fizeram do que legitimar a correção

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da sua política na época e justificar a necessidade de uma “ruptura radical” mediante

a intervenção das Forças Armadas no processo político. (AGGIO, 1993, p.29).

Passado dois anos da eleição presidencial e conduzida pelas organizações patronais

e com ativo apoio externo ocorre uma paralisação geral de vários setores econômicos do

Chile em outubro de 1972. Este acontecimento seria o ponto culminante das reivindicações

parciais dos setores empresariais e da classe média, pressionando o governo com a ameaça

e depois com a efetivação de paralisações de âmbito nacional. Estas manifestações

iniciaram-se por setor e por região no início do mês, com reivindicações pontuais e

corporativas, para depois ganharem dimensão nacional. Para atingir este patamar, o

movimento precisou ultrapassar os interesses corporativos e contraditórios existentes no

seio do empresariado, algo que somente pôde ocorrer em virtude de uma articulação

política alcançada a partir das próprias organizações patronais.

A oposição ao Governo da Unidade Popular favoreceu o

crescimento do “gremialismo”. Guzmán teve uma estreita relação

com os dirigentes do empresariado, a quem tomaram essas ideias

sobre o papel dos grêmios. Estas lhes foram muito úteis, pois

proporcionavam um bom argumento para integrar interesses

heterogêneos na luta contra Allende, desde os grandes

agricultores da sociedade nacional da Agricultura (SNA) e os

grandes industriais da sociedade de fomento fabril (SFF), até os

pequenos comerciantes da confederação do comércio varejista e

os donos de caminhões. Esta aproximação foi assumida pelos

dirigentes das organizações de empresários na greve de 1972,

conhecida como a “greve de outubro”, a que se ligou a FEUC

(Federação dos estudantes da Universidade Católica) e que

constituiu a base do documento dos grevistas, denominado a

“especificação do Chile”. A FEUC participou ativamente da

política nacional, apoiando uma importante greve impulsionada

pelos mineiros da empresa de propriedade do Estado denominada

“El Teniente”. (HUNEEUS, 2000, p.239).

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A simultaneidade das demandas e a forma de ação com comandos múltiplos, táticas

de guerrilha e greve generalizada explicitavam, portanto, a presença da direita civil em

todo o movimento, cujo intuito era gerar uma situação de enfrentamento decisivo das

classes proprietárias contra o governo, esperando que o clima geral de instabilidade e

violência propiciasse um levante militar. Importava à direita civil/conservadora colocar as

organizações patronais como lideranças do movimento, evitando assim uma identificação

política mais precisa. Expressando a fusão de interesses que se forjavam, o movimento

teve como seu centro dirigente o “gremialismo”, liderado por Jaime Guzmán, articulando

as reivindicações das organizações patronais dos comerciantes, dos industriais, dos

empresários agrícolas, dos construtores, dos transportadores e aquelas dos técnicos e

profissionais do nível médio.

O “gremialismo” foi o principal grupo de poder dos civis que

apoiaram o regime de Pinochet. Colaborou ativamente na sua

instauração e consolidação, aproveitando as condições próprias

do autoritarismo para desenvolver seu próprio projeto político: a

construção de um poderoso movimento de direita. Este

movimento esteve integrado por um grande número de ativistas

que assumiram diversos papeis dentro do sistema político e

atuaram com uma grande coesão fundamentada em uma dupla

lealdade. Por um lado, uma lealdade externa, em direção ao

regime militar, com especial adesão ao general Pinochet, que os

fez justificar cada uma de suas principais políticas, inclusive os

atropelos aos direitos humanos; por outro lado, uma lealdade

interna, em direção aos princípios do movimento gremial,

privilegiando o trabalho com pessoas que aderiram a este e a

liderança de Guzmán. (HUNEEUS, 2000, p.329).

No final de 1972, restam poucas manobras políticas para a continuidade do projeto

colocado por Salvador Allende. Isto não significou necessariamente a própria superação

no sentido de permear a resolução dos conflitos políticos ocorridos em outubro daquele

ano, como no caso da greve geral convocada pelo patronato e a classe média. Certamente

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estes refluíram, mas para voltarem à cena política com toda a intensidade, desembocando

no Golpe de Estado de Setembro de 1973.

Já no Brasil, o empresariado, a imprensa, os proprietários rurais, setores da Igreja

Católica e setores civis conservadores da sociedade, também tiveram o seu papel ativo na

estruturação da trama golpista que estava se consolidando no final de Março de 1964.

Jorge Ferreira ajuda-nos a compreender melhor este processo que começava a se

estruturar nas intuições políticas brasileiras.

Jango percebeu que não eram grupos civis e militares minoritários

que tentavam golpear as instituições, como ocorrera em episódios

anteriores. Era um movimento conjunto das Forças Armadas com

apoio de empresários, de amplos setores das classes médias e dos

meios de comunicação. O movimento ainda contava com os

governadores da Guanabara, de Minas Gerais, de São Paulo e do

Rio Grande do Sul, com suas polícias civis e militares. No

Congresso Nacional, grande parte dos parlamentares deu aval ao

golpe. O Supremo Tribunal Federal calou-se diante da crise

política. Além disso, o movimento golpista tinha o apoio do

governo norte-americano. Jango compreendeu a extensão do

golpe que estava em curso. A convocação para a resistência

deflagraria uma guerra civil com consequências imprevisíveis.

Na manhã do dia 1° de Abril, ele iniciou o recuo. Ao meio-dia,

partiu para Brasília – atitude interpretada como capitulação.

(FERREIRA, 2007, p.24).

Chegando a Brasília, Jango ciente das manobras golpistas propagadas por setores

conservadores das Forças Armadas e da sociedade civil, emite um comunicado apontando

que as Reformas de Base propostas em seu governo uniram forças políticas e econômicas

que impediam ao povo brasileiro um melhor acesso aos padrões de cultura, de segurança

e de bem-estar social. Assim, as instituições legitimamente eleitas pelo povo brasileiro e

os possíveis ganhos sociais (idealizados no plano de Reforma de Base) da sociedade

brasileira corriam um sério risco de serem devastados e extirpados do cenário político

nacional enquanto projeto social. O Golpe era uma questão de horas.

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Para Guillermo O´Donnell o cenário que se forma tanto no Brasil quanto no Chile

no período pré-golpe reflete a necessidade de se criar um “consenso tácito” entre as

classes dirigentes:

Nestas condições, o melhor que se pode esperar é o “consenso

tácito”. Ou seja, despolitização, apatia e refúgio num cotidiano

altamente privatizado [...] o “consenso tácito” é um alicerce muito

arenoso para dar sustentação ao Estado. O medo, por seu lado, é

junto com a grande burguesia e os setores médios “modernos”

mais intimamente ligados a ela, o grande suporte do estado

burocrático-autoritário. (O´DONNELL, 1986, p.25)

Por outro lado, o ano de 1972 no Chile representou a tentativa de Salvador Allende

manter o consenso institucional e social dos chilenos. Diante de toda a polarização

política presente no conjunto da sociedade, o Exército teria um papel proeminente no

entendimento dos fatos ocorridos, não necessariamente como protagonista, mas acima de

tudo como articulador dos processos políticos colocados, quando seus integrantes aos

poucos começam a ocupar cargos dentro do aparato burocrático estatal chileno.

Sem dúvida, esta procedência política do Exército não se devia ao

desconhecimento do que estava ocorrendo no país, senão muito

bem o desejo de permanecer, de acordo com os deveres

constitucionais, como instituições obedientes e não deliberantes.

Não obstante, ao final de 1972 os fardados passaram a formar

parte do gabinete do presidente Allende, como uma medida que

tendia a facilitar um acordo de governabilidade após a “greve de

outubro”. Assim, o próprio comandante-em-chefe do Exército,

general Carlos Pratz, integrou o governo como ministro do

Interior. (FRANCISCO; SOTO, 2006, p.141)

Logo ocorre uma última tentativa de manter a institucionalidade por parte do

governo de Salvador Allende, quando este decide trazer para seu governo o alto comando

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das Forças Armadas, buscando assim manter seu projeto político, sempre visando à

manutenção da construção da via socialista em democracia:

Allende fez ainda uma última tentativa de reestruturação ministerial,

trazendo novamente os militares para um gabinete de emergência que

duraria pouquíssimo tempo. Contudo, a intenção de Allende ao

reincorporar os militares não era mais a de estabelecer uma política de

consenso. Os militares estavam sendo chamados para defender o governo

contra uma sedição aberta e, neste caso, à medida que as Forças Armadas

tinham de optar por um dos dois lados, o papel dos militares extrapolava a

tradicional postura institucional para postar-se a favor de um dos blocos

do conflito. A posição de árbitros, em última instância, estava, portanto,

cancelada, e a correlação de forças no interior do aparelho militar já se

mostrava favorável a uma solução extra constitucional. Na leitura da

corrente que prevaleceria no alto comando, aos militares importava salvar

a nação e não um governo que, de acordo com essa visão, já havia deixado

de ser legal. Ao contrário de outubro de 1972, portanto, a presença militar

no governo acentuaria mais ainda as fortes dissensões no interior das

Forças Armadas. (AGGIO, 1993, p. 150).

Vê-se que no plano político, o mundo observa a subida ao poder de um exército

tendo um consistente aparato ideológico que permite o respeito à hierarquia, à disciplina

e a obediência por parte de seus membros a esta instituição secular vinculado estritamente

aos setores civis conservadores da sociedade. A própria lógica constitutiva engendrada

pelo regime militar perpassa por questões que reverberam e aludem ao Estado Liberal

Burguês. É a lei e a ordem que devem ser preservados pelos militares em detrimento da

“resistência marxista” de grupos políticos opositores ao regime.

Em matéria econômica, a construção do que seria o estado burocrático-autoritário

chileno estabeleceria vínculos que estariam ligados aos interesses da burguesia nacional

gerando assim uma política monetarista ortodoxa, inspirada nos ideais do economista

liberal norte-americano Milton Friedmam, estudioso da Universidade de Chicago, cuja

grande aposta fora o controle inflacionário, privatizações das instituições estatais do

governo e respeito às liberdades dos fluxos de capitais nos mercados financeiros mundiais,

desenhando no que desembocaria nas políticas econômicas neoliberais, atraindo consigo

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a atenção da comunidade internacional dos negócios, estudos desenvolvidos nas grandes

universidades e organismos multilaterais (Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco

Mundial (BIRD) Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)) que observam o

experimento recém-iniciado.

Num outro plano, o sistema institucional do estado burocrático-

autoritário reflete as prioridades que os seus atores assumem. As

instituições especializadas na coação ocupam o mais alto lugar

desse sistema, pelo direito de haver imposto a ruptura da situação

precedente e porque ficam encarregados de impor a ordem e- não

menos importante- de ser uma garantia contra possíveis alterações

futuras. Por outro lado, a normalização da economia fica a cargo

de “técnicos” civis que vêm do coração da grande burguesia e dos

organismos financeiros internacionais; eles acreditam na

racionalidade da ortodoxia econômica sabem como aplicar e são

reconhecidos como interlocutores confiáveis pelo grande capital

local e internacional. Estes são os dois eixos dos políticos e do

peso institucional do estado burocrático-autoritário na sua

primeira etapa. As duas grandes tarefas de imposição de ordem (e

os seus agentes organizacionais, as Forças Armadas), e de

normalização da economia (e a base social na grande burguesia,

com suas prolongações nos “técnicos” que as tentam) se

introduzem institucionalmente no estado burocrático-autoritário.

Por isso este aparece, também aqui, como uma conjugação

diáfana de coação com a denominação econômica. (O´

DONNELL, 1986, p.27).

Desta forma o poder instituído pelas Forças Armadas tanto no Brasil quanto no

Chile se consolidaria, a partir de um duro golpe contra os alicerces democráticos dos

respectivos países. Assim, logo após o Golpe de Estado, houve a necessidade de se

implementar o mais rápido possível uma nova conduta que remeteria à consolidação

eficiente de um novo modelo político-econômico-social.

Ademais se faz necessário realizar uma pertinente pergunta: qual a relevância dos

dois casos (o brasileiro e o chileno) para o que está querendo se comprovar, qual seja que

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os golpes e as ditaduras subsequentes foram fruto de um pacto militar-civil interno em

cada um dos dois contextos?

A resposta estaria vinculada a importância de se pensar que em ambos os casos o

golpe militar foi um ato de força e de consenso presente na conjuntura das forças sociais

conservadoras do Brasil e do Chile. Utilizar o conceito militar-civil é importante na

medida em que logo após os Golpes de Estado no Brasil e no Chile (no desenrolar da

consolidação das respectivas ditaduras) o elemento militar ganhou proeminência sobre o

civil, impondo -muitas vezes- as cartas do jogo a serem seguidas tanto no âmbito político,

econômico e social. Como pode ser mostrado no caso do Brasil, os militares desde a

década de 1950 acompanham sempre atentos o regime democrático populista. É certo que

vez por outra (em 1945, 1954, 1961) os militares tentaram chegar ao poder se utilizando

muitas vezes de ferramentas políticas distintas, porém, sem êxito. Somente em 1964 a

vitória se constrói como certa e o elemento militar quando chega ao poder se configura

com mais força do que o civil em um primeiro momento. Para corroborar o que está sendo

dito, recorre-se mais uma vez a Werneck Sodré que sinaliza:

O que ajudou extraordinariamente a conquista de largas camadas

de opinião e de ponderáveis forças econômicas e políticas, da

parte dos que vinham conspirando desde 1961 foi, sem dúvida, o

quadro militar, e aqui voltamos ao tema específico deste trabalho.

Convém tomá-lo, de início, nas exterioridades, nos

acontecimentos de março de 1964, de que participaram militares,

e que antecederam e precipitaram o golpe que deporia o

presidente João Goulart. Note-se como são absolutamente

diferentes daqueles que ajudaram a depor o presidente Getúlio

Vargas em 1945 e em 1964, mostrando como só variou a forma:

o conteúdo desses golpes foi sempre o mesmo. O sentido deles

não se alterou em nada (SODRÉ, 2010, p.467-468)

Os acontecimentos que procederam aos Golpes de Estado no Brasil e no Chile

tornaram-se símbolos da participação civil e da politização de uma sociedade dividida e

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alimentada por projetos nacionais inegociáveis. Para isso uma parcela da sociedade civil

conservadora (o empresariado, a imprensa, proprietários rurais, setores da Igreja Católica,

entre outros) acabou se unindo em uma via de mão dupla à força das armas representadas

na figura dos militares, dentro de um projeto onde a unidade representada no conceito de

golpe “militar-civil” pode ser aplicada ao se analisar os fatos históricos, políticos e sociais

de ambos os países latino-americanos, neste caso, o Brasil e o Chile.

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Editora da Universidade Estadual Paulista.

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Editora Jorge Zahar.

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FILHO, João Roberto Martins. 2006. O Golpe de 1964 e o regime militar: novas

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En Chile. El Memerial Del Ejercito 1906-2006. Santiago: Editora Centro de Estudios

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HUNNES, Carlos. 2000. El régimen de Pinochet. Santiago: Editorial Sudamericana.

O´DONNELL, Guillermo. 1986. Contrapontos: Autoritarismo e democratização. São

Paulo. Biblioteca Vértice.

Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Sabin, Ano 7, n° 83, Agosto

2012.

SODRÉ, Nelson Werneck. 2010. História Militar do Brasil. São Paulo. Editora:

Expressão Popular.