a diferença entre sara e hagar

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Gálatas 4.21-31 - O Contraste entre Sara e Hagar

O método de interpretação da Bíblia usado pelosevangélicos atuais que seguem na esteira dos

reformadores do século XVI é eventualmentedenominado método histórico-gramatical. Uma dasmarcas desse modelo hermenêutico é sua forte ênfaseno sentido literal do texto escriturístico. Para osdefensores desse método de interpretação, as palavrasda Bíblia têm apenas um significado, ou seja, aquele

 pretendido pelo autor sagrado. Até mesmo em face das figuras de linguagem, quandologicamente as palavras adquirem duplo sentido, os proponentes desse métodoentendem que a intenção autoral deve ser preservada como um fator que impõe limitesao intérprete, impedindo-o de atribuir ao texto significados oriundos da sua imaginação

ou que atendam aos seus interesses e opiniões pessoais.Esse método tão defendido nos séculos IV e V pelos teólogos da Escola de Antioquia edistintivo dos protestantes ao longo da história está em franca oposição ao chamadométodo alegórico, popularizado já na igreja antiga especialmente por Orígenes deAlexandria (185-253 d.C) e que consiste, grosso modo, na busca de um significadooculto por trás da letra. O método alegórico, praticado largamente pelo catolicismoromano, ainda que não despreze o sentido literal do texto bíblico, entende que há neleum sentido espiritual, mais profundo do que aquele que se obtém a partir de uma leituranatural. A tarefa do exegeta é descobrir esse sentido que transcende as palavras e até

mesmo a intenção do autor inspirado.[1]

 É por adotarem esse método hermenêutico quemuitos expositores católicos e também evangélicos sentem-se à vontade para fazer asinterpretações mais extravagantes e absurdas da Bíblia.A seção da Carta aos Gálatas colocada agora sob análise se constitui num grandedesafio para os defensores do método histórico-gramatical. Isso porque o modo comoPaulo interpreta a história de Sara e Hagar (Gn 16.15; 21.1-10) parece ser marcantemente alegórico, já que se afasta flagrantemente da intenção autoral e dá aotexto de Gênesis um sentido a que é impossível chegar pela via da leitura natural. Seriaesse modo como Paulo lê a narrativa um “sinal verde” para o método alegórico? Pode o

intérprete cristão moderno, seguindo o exemplo do Apóstolo, mergulhar no texto bíblicoà busca de sentidos ocultos, no afã de descobrir verdades jamais sonhadas sequer pelosseus autores?Os defensores do método histórico-gramatical têm explicado o procedimento de Paulona texto em questão de três diferentes maneiras. A primeira é a afirmação de que ali oApóstolo não estava “alegorizando”, mas sim traçando um paralelo entre o que

aconteceu na história do povo de Israel e o que acontecia agora na igreja de seus dias. Éo caso, portanto, de tipologia e não de alegoria.[2]  Segundo esse entender, a palavra“alegoria” (ἀλληγορούμενα) constante do v. 24, teria um sentido pouco preciso, não

 podendo corroborar o método alegórico de interpretação. De fato, o argumento de Paulo

no texto em análise é marcantemente comparativo. Diferente dos alegoristas, ele nãotrabalha com o texto isolado e, unicamente a partir dele, cria um sentido que considera

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adequado. Antes, apresenta duas realidades (o conflito entre Sara e Hagar e o conflitoentre a velha e a nova aliança) e realça o que ambas têm em comum. Mais do queinventar sentidos, Paulo compara fatos e, dessa forma, vê nas duas mulheres tipos oufiguras das duas alianças agora em franca oposição. Ora, o uso de tipos é comum nasEscrituras (e.g., o sacerdote Melquisedeque, o cordeiro pascal, o Tabernáculo), sendocerto que só podem ser reconhecidos quando a própria Bíblia os aponta. É esse o casoem Gálatas 4.21-31.A segunda maneira, também revestida de alto grau de plausibilidade, pela qual seexplica o método hermenêutico de Paulo nesse texto em particular consiste na afirmaçãode que o Apóstolo está fazendo uso momentâneo de um método muito familiar paragrande parte dos judeus que compunham o número de seus leitores. Com isso ele quer apenas usar mais um recurso para reforçar sua mensagem e não demonstrar comoGênesis deve ser lido. Esse entendimento, mais recente que o primeiro, se constituirealmente numa excelente hipótese. [3] 

Finalmente, há o entendimento de que Paulo, ao associar Sara e Hagar aos conflitosteológicos de seu tempo, agia com uma capacitação especial dada pelo Espírito Santo.Como apóstolo, Paulo foi um instrumento de Deus para revelação de seus mistérios(1Co 2.1,7; Ef 3.3-9; Cl 1.26-27), sendo certo que, por meio do processo de inspiraçãodas Escrituras, ele os registrou em suas cartas que hoje compõem o Novo Testamento.Foi no exercício desse dom apostólico que Paulo pôde vislumbrar o liame existenteentre a história das duas mulheres e o conflito entre os “filhos” das duas alianças. O fimdo período apostólico, já no primeiro século da Era Cristã, implica o fato de queninguém mais tem autoridade para interpretar textos bíblicos da mesma forma como

Paulo o fez em Gálatas 4.21-31.[4] Das três linhas de argumentação acima expostas, todas são aceitáveis para o estudantehonesto da Bíblia. Este deve tão-somente abster-se a todo custo do malfadado métodoalegórico, sob o risco de, ao adotá-lo em suas leituras e estudos, atribuir sentidos aotexto bíblico jamais pretendidos pelos escritores sagrados e, dessa forma, passar a seguir e defender idéias que sejam meros frutos de sua criatividade.Assim, após lamentar o afeto que tinha perdido por parte dos galateus e expressar seudesejo de estar perto deles a fim de corrigi-los de maneira mais eficaz (vv.12-20), Pauloretoma a estratégia de ataque contra os mestres legalistas. É a eles e aos simpatizantesde seus ensinos que o Apóstolo se dirige diretamente agora, referindo-se a essas pessoascomo “os que querem estar debaixo da Lei” (21[NVI]), ou seja, os que se submetiam à

lei mosaica crendo que, com isso, poderiam obter a justificação (5.4). Num tom provocativo, Paulo lhes pergunta: “Acaso vocês não ouvem a Lei?” Há aqui a

sugestão de que era de se esperar que os mestres legalistas, com sua suposta autoridadeespiritual, tivessem uma percepção mais clara da mensagem que a própria Lei, tãodefendida por eles, transmitia. A pergunta de Paulo deixa claro que especialmenteaqueles mestres, diferentemente dele, eram incapazes de captar as verdades profundasda Palavra e não estavam qualificados para apresentar mistérios antes desconhecidos,como os apóstolos de Cristo tinham autoridade para fazer (1Co 2.1,7; Ef 3.3-9; Cl 1.26-

27).

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mostra a real condição da metrópole de que tanto se jactavam. Na verdade, seus filhos,ou seja, seus cidadãos e todos os que adotavam seus princípios, homens tão meticulososno tocante às determinações da antiga aliança, estavam sob escravidão, oprimidos sob ofardo de uma religiosidade exterior incapaz de tornar o homem livre e justo diante deDeus (Rm 3.20). Para Paulo, portanto, o sistema mosaico, em vez de criar novosisraelitas, criava novos ismaelitas!Em contraste com a Jerusalém terrena que, sendo serva como Hagar, é mãe de escravos,há a Jerusalém celestial que, como Sara, é livre (26). Essa Jerusalém também é mãe. Defato é nossa mãe, ou seja, mãe dos crentes, aqueles que são livres da Lei mediante a féem Cristo (v. 31; Rm 7.6). Paulo se refere à Nova Aliança (1Co 11.25; 2Co 3.6; Hb9.15) como “a Jerusalém lá de cima” porque seus filhos são gerados pelo poder do altoe, ainda que se encontrem por um tempo neste mundo, não têm aqui nenhuma cidadesagrada em que se concentrem (Hb 13.14). Antes são, na verdade, cidadãos celestes (Fp3.20), homens livres cuja liberdade lhes advém do Pacto da Cruz, no qual Deus se

compromete a dar a vida eterna aos que tão-somente crêem em seu Filho (Jo 6.40). A pátria deles está, pois, nos céus (Hb 11.10, 16; 12.22; 1Pe 2.11; Ap 21.2), mas aliberdade que têm como cidadãos do alto já é desfrutada aqui (5.1).Mantendo viva a comparação entre os filhos da Nova Aliança e Isaque, o filho de Sara,Paulo recorda mais uma vez que, além de ambos serem gerados em liberdade, tambémambos nasceram por causa do milagre realizado por Deus. Citando Isaías 54.1, oApóstolo aponta para o fato de que o profeta se refere à Jerusalém restaurada como umamulher que tinha sido estéril, mas que, por causa da promessa e do poder de Deus teránumerosos filhos (27). A princípio, o texto se refere à restauração da Jerusalém exilada

em Babilônia.[7]

  Paulo, porém, movido pelo Espírito Santo, estende seu sentido paraensinar que os filhos da Jerusalém celeste, ou seja, do Novo Pacto, são obrasobrenatural do Senhor e também realçar o grande número de cidadãos dessa pátriagloriosa. De fato, a graça de Deus, ainda que a cada geração alcance um númerocomparativamente reduzido de pessoas (Mt 7.14; 22.14), ao final se mostrará comotendo sido eficaz na vida de uma multidão redimida ao longo dos séculos (Ap 5. 9-10;7. 9).O v. 28 inicia o desfecho de toda a analogia de Paulo entre as duas mulheres de Abraãoe as duas alianças. Ele conclui que os crentes são como Isaque por serem também filhosda promessa. De fato, neles é cumprida a promessa de que Abraão teria uma grandedescendência (Rm 4.16-17; 9.8). É por isso que o Apóstolo os descreve como “filhos da

 promessa, como Isaque”. Ocorre, porém, que da mesma forma como o filho da escrava perseguia o filho da livre,assim é também agora (29). A história de Gênesis mostra que o filho de Hagar, nascidosem qualquer intervenção especial de Deus, atormentava o menino nascido de formasobrenatural (Gn 21.8-9) e Paulo vê nisso um paralelo com o que acontecia na Galácia.Ali, mestres que não haviam nascido de Deus, filhos naturais da Aliança Mosaica eescravos da Lei, perseguiam os crentes, filhos livres da Nova Aliança, nascidos graças àatuação milagrosa de Deus.

É interessante notar que o assédio dos falsos mestres à igreja, tentando impor sobre elao fardo das exigências legais, é tido pelo Apóstolo como verdadeira perseguição. Assim,

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não se deve conceber o ataque contra os santos apenas sob a forma de oposiçãosangrenta, com prisões, mortes, e torturas. A perseguição contra o povo santo tambémacontece quando pregadores da mentira tentam seduzi-lo, conduzindo-o pelos caminhostortuosos de um evangelho adulterado. Na Galácia os “perseguidores” eram mestres

 judaizantes que, com sorrisos e agrados, colocavam sobre os crentes a cargainsuportável da guarda da Lei. Hoje, esse tipo de perseguição ainda existe. Aliás,sempre que alguém se aproxima de um crente e o exorta ou ensina a se submeter aregras, dizendo que é assim que se vive o cristianismo autêntico, tal pessoa atua comoverdadeiro perseguidor, um escravo ismaelita perturbando os filhos livres da Jerusalémceleste.[8] Como terminará a história do embate entre os filhos da escrava e os filhos da livre?Paulo recorre novamente à história de Gênesis e sugere o modo como os crentes devem

 por um fim à oposição dos legalistas que pervertem o evangelho genuíno. Ali, Sara diz aAbraão: “Mande embora a escrava e o seu filho” (30). Parece clara aqui a sugestão de

Paulo de que os galateus deveriam rejeitar não somente o ensino dos mestres judaizantes, mas também eles próprios. A citação de Gênesis 21.10 parece indicar queos crentes da Galácia deveriam mandar embora aqueles que lhes estavam ensinando a

 justificação pela guarda da Lei. Como Sara, aqueles crentes não podiam tolerar osataques ousados e maldosos dos escravos contra os filhos da promessa, devendo adotar uma postura firme contra eles, eliminando qualquer grau de influência que tivessem eaté afastando-os do seu convívio.[9] O versículo 30, por outro lado, tem um sentido que suplanta a orientação dada aoscrentes de rejeitar os legalistas. O sentido dominante no texto aponta para a certeza de

que num dia futuro os que confiam na justiça própria mediante a guarda de leis serãoexpulsos do convívio dos herdeiros de Deus. Aqui Paulo confere às palavras da esposade Abraão um sentido profético e é para realçar a autoridade de tais palavras que oApóstolo as atribui à Escritura e não diretamente a Sara.De Gênesis 21.10, Paulo aduz, portanto, o destino escatológico dos filhos das diferentesalianças. Aqueles que insistem na justificação pela guarda da Lei e oprimem os crentesimpondo fardos sobre eles serão um dia afastados para sempre e os salvos, de posse daherança, se verão livres de sua presença e perseguição. Do texto citado depreende-setambém facilmente que os legalistas não receberão a herança devida aos crentes queforam gerados livres pelo evangelho da graça (Rm 4.14). De fato, o Apóstolo ensinaclaramente aqui que os que confiam na guarda da Lei estão perdidos, não têm parte naherança de Deus e serão finalmente banidos da congregação dos santos. A força dessetexto esvazia de qualquer esperança aqueles que buscam ser salvos pela observância dosmandamentos mosaicos.O v. 31 tão somente reforça a identidade dos crentes como filhos livres, conforme Pauloressaltou em versículos anteriores (vv. 26, 28).Pr. Marcos Granconato

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