a desconstrução como fator de sustentabilidade na indústria da construção civil

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1 A Desconstrução como Fator de Sustentabilidade na Indústria da Construção Civil Marcelo Luiz Gonçalves de Freitas (1), Arnaldo Cardim de Carvalho Filho (2), Fátima Maria Miranda Brayner (3) (1) Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, POLI/UPE/Brasil. E-mail:[email protected] (2) Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, POLI/UPE/Brasil. E-mail:[email protected] (3) Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, POLI/UPE/Brasil. E-mail:[email protected] Resumo: A desconstrução é um conjunto de ações de desmantelamento de uma construção que possibilita um alto nível de recuperação e de aproveitamento dos materiais, ambos com a finalidade de reincorporá-los às novas construções. Este conceito surgiu pelo rápido crescimento na demolição de edifícios e na evolução das preocupações ambientais da população. Com o processo de desconstrução, a reutilização e a valorização de materiais e elementos da construção civil tornam-se, também, assuntos tratados de maneira diversa àquela de resíduos sem qualquer valor, agregando custos desnecessários à obra, além de proporcionar a diminuição excessiva na própria produção de resíduos no ambiente da construção. O objetivo deste artigo é assinalar critérios gerais e particulares que devem ser adotados na execução material dos trabalhos de desconstrução, levando em conta que, para fazê-los, é imprescindível que sejam tomadas as devidas medidas de segurança, tanto no processo (dizendo respeito ao meio- ambiente) quanto nas pessoas que realizarão tais execuções materiais. A metodologia utilizada neste artigo foi a revisão bibliográfica e um estudo de caso. Os resultados são apresentados ao final do artigo. Palavras chaves: Desconstrução; Sustentabilidade na Indústria da Construção Civil;. Reaproveitamento de materiais. Abstract: The deconstruction is a group of actions for dismantling of a building that allows a high level of recovery and use of materials, both for the purpose of reuse to new buildings. This concept appeared by the quick growth in the demolition of buildings and changes in the environmental concerns of the population. With the process of deconstruction, the reuse and the increase in value of materials and elements of the civil construction becomes, also, subjects treated differently to that of waste without any value, adding unnecessary costs to the work, and provide a reduction in the excessive production residue in the environment of the construction. The aim of this paper is to mark general and particular criteria that must be adopted in the material execution of the works of deconstruction, observing that, for it, is essential to take appropriate security measures, both in the process (concernig to the environment) and in people who carry out such executions materials. The methodology used in this article was a literature review and a case study. The results are presented to the end of the paper. . Key words: Deconstruction; Sustainability in the construction industry; Reuse of materials. 1. INTRODUÇÃO As crescentes exigências a respeito do meio-ambiente, aplicadas no âmbito da construção, promovem a recuperação e a obtenção do máximo aproveitamento dos materiais e dos elementos das edificações que são demolidas, de maneira que é possível tornar a incorporá-las às edificações por meio de reciclagem ou de reutilização. Demolir é inutilizar o produto edifício através de um processo de desmonte (DEGANI e CARDOSO, 2002). A desconstrução de um edifício é um processo que se caracteriza pelo seu desmantelamento

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A desconstrução é um conjunto de ações de desmantelamento de uma construção quepossibilita um alto nível de recuperação e de aproveitamento dos materiais, ambos com a finalidade dereincorporá-los às novas construções. Este conceito surgiu pelo rápido crescimento na demolição deedifícios e na evolução das preocupações ambientais da população. Com o processo de desconstrução, areutilização e a valorização de materiais e elementos da construção civil tornam-se, também, assuntostratados de maneira diversa àquela de resíduos sem qualquer valor, agregando custos desnecessários àobra, além de proporcionar a diminuição excessiva na própria produção de resíduos no ambiente daconstrução. O objetivo deste artigo é assinalar critérios gerais e particulares que devem ser adotados naexecução material dos trabalhos de desconstrução, levando em conta que, para fazê-los, é imprescindívelque sejam tomadas as devidas medidas de segurança, tanto no processo (dizendo respeito ao meioambiente)quanto nas pessoas que realizarão tais execuções materiais. A metodologia utilizada nesteartigo foi a revisão bibliográfica e um estudo de caso. Os resultados são apresentados ao final do artigo.

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Page 1: A Desconstrução como Fator de Sustentabilidade na Indústria da Construção Civil

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A Desconstrução como Fator de Sustentabilidade na Indústria da Construção Civil

Marcelo Luiz Gonçalves de Freitas (1), Arnaldo Cardim de Carvalho Filho (2), Fátima Maria Miranda Brayner (3)

(1) Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, POLI/UPE/Brasil. E-mail:[email protected]

(2) Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, POLI/UPE/Brasil. E-mail:[email protected]

(3) Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, POLI/UPE/Brasil. E-mail:[email protected]

Resumo: A desconstrução é um conjunto de ações de desmantelamento de uma construção que

possibilita um alto nível de recuperação e de aproveitamento dos materiais, ambos com a finalidade de

reincorporá-los às novas construções. Este conceito surgiu pelo rápido crescimento na demolição de

edifícios e na evolução das preocupações ambientais da população. Com o processo de desconstrução, a

reutilização e a valorização de materiais e elementos da construção civil tornam-se, também, assuntos

tratados de maneira diversa àquela de resíduos sem qualquer valor, agregando custos desnecessários à

obra, além de proporcionar a diminuição excessiva na própria produção de resíduos no ambiente da

construção. O objetivo deste artigo é assinalar critérios gerais e particulares que devem ser adotados na

execução material dos trabalhos de desconstrução, levando em conta que, para fazê-los, é imprescindível

que sejam tomadas as devidas medidas de segurança, tanto no processo (dizendo respeito ao meio-

ambiente) quanto nas pessoas que realizarão tais execuções materiais. A metodologia utilizada neste

artigo foi a revisão bibliográfica e um estudo de caso. Os resultados são apresentados ao final do artigo.

Palavras chaves: Desconstrução; Sustentabilidade na Indústria da Construção Civil;. Reaproveitamento

de materiais. Abstract: The deconstruction is a group of actions for dismantling of a building that allows a high level of recovery and use of materials, both for the purpose of reuse to new buildings. This concept appeared by the quick growth in the demolition of buildings and changes in the environmental concerns of the population. With the process of deconstruction, the reuse and the increase in value of materials and elements of the civil construction becomes, also, subjects treated differently to that of waste without any value, adding unnecessary costs to the work, and provide a reduction in the excessive production residue in the environment of the construction. The aim of this paper is to mark general and particular criteria that must be adopted in the material execution of the works of deconstruction, observing that, for it, is essential to take appropriate security measures, both in the process (concernig to the environment) and in people who carry out such executions materials. The methodology used in this article was a literature review and a case study. The results are presented to the end of the paper. .

Key words: Deconstruction; Sustainability in the construction industry; Reuse of materials.

1. INTRODUÇÃO

As crescentes exigências a respeito do meio-ambiente, aplicadas no âmbito da construção, promovem a recuperação e a obtenção do máximo aproveitamento dos materiais e dos elementos das edificações que são demolidas, de maneira que é possível tornar a incorporá-las às edificações por meio de reciclagem ou de reutilização. Demolir é inutilizar o produto edifício através de um processo de desmonte (DEGANI e CARDOSO, 2002). A desconstrução de um edifício é um processo que se caracteriza pelo seu desmantelamento

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cuidadoso, de modo a possibilitar a recuperação de materiais e componentes da construção, promovendo a sua reciclagem e reutilização (COUTO et alli, 2006). Desconstrução é um conceito recentemente criado que apareceu por causa do rápido crescimento do volume de demolição de edifícios e da evolução das preocupações ambientais da população. No processo de desconstrução, interferem mais participantes diferentes que no processo de demolição atual. As ações de desmantelamento também são mais complexas: o andamento do processo assemelha-se mais ao de uma construção do que ao de uma demolição tradicional. Porém, o conjunto destas ações deve sempre comportar as medidas de segurança das pessoas (individualmente e da coletividade), além da segurança do processo (relacionando ao meio-ambiente). A desconstrução tem também, como premissa, a diminuição do impacto ambiental das atividades do conjunto do setor, visando reduzir os volumes de resíduos inertes que são obtidos no processo de desmantelamento da obra (GENERALITAT DE CATALUNYA, 1995). As atividades de desconstrução no Brasil ainda são quase inexistentes, devido à falta de normas reguladoras e estudos sobre o assunto. Há apenas a NBR 5682, que trata da contratação, execução e supervisão de demolições (ABNT, 1977). As atividades de demolição (e não de desconstrução) geram grande quantidade de RCD´s (resíduos da construção e demolição). Algumas empresas brasileiras já fazem o reaproveitamento dos desperdícios gerados por estas demolições, reciclando-os e reaproveitando-os nos próprios canteiros de obras. Porém, estes reaproveitamentos não são estruturais, limitando-se apenas à confecção alguns produtos como, por exemplo, blocos de concreto. Os países mais avançados em desconstrução atualmente são Portugal e Espanha. O fato deles possuírem cidades com edificações de modelos arquitetônicos bastante antigos fizeram a necessidade de uma reavaliação no conceito de sustentabilidade na construção. Portugal é, relativamente à sua população, o país da Europa com maior número de edifícios em construção que são feitos no lugar dos edifícios antigos. Apesar dos seus 5.019.425, existem 1.222.280 edifícios construídos antes de 1960 (COUTO et alli, 2006), configurando um vastíssimo patrimônio edificado que abre grandes possibilidades de reabilitação. Porém, muitas vezes a reabilitação desses edifícios caracteriza-se unicamente pela manutenção das fachadas, sem qualquer aproveitamento do seu interior. A demolição indiferenciada produz uma enorme quantidade de resíduos que resultam, na maioria dos casos, num aumento do volume de materiais destinados a aterros. Uma alternativa ao envio para aterro de materiais e elementos construtivos de operações de reabilitação é optar-se pela desconstrução em detrimento da habitual demolição (COUTO et alli, 2006). 1.1. A Importância da desconstrução A importância da desconstrução em termos ambientais está no fato desta permitir a valorização de resíduos, permitindo cumprir de forma mais eficaz a hierarquia de valorização dos resíduos aplicada à indústria da construção. A figura 1, a seguir, representa sucintamente esta função:

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FIGURA 1 - Hierarquia da gestão de resíduos para a demolição e operações de construção

Fonte: Charles J.K. e Abdol R. C. (2001) A desconstrução possibilita (DEGANI e CARDOSO, 2002):

• A reutilização de materiais; • A reciclagem de materiais; • A inovação e tecnologia; • A sustentabilidade na construção; • O aparecimento de um novo mercado – o de materiais usados; e • Os benefícios econômicos ambientais.

Na verdade, o que temos, se não optarmos pela desconstrução, é um amontoado de resíduos cujo reaproveitamento se torna impraticável. A desconstrução não é definida por meio de um só modelo. Ela admite diversos modelos e graus de intensidade de acordo com os objetivos previstos no contexto em que é produzido. O que se é comum a todos os modelos, porém, é que a desconstrução é um processo de desmontagem gradual e seletivo, em que se empregam diversos métodos e técnicas de forma coordenada e complementar. Dependerá, então, de cada caso tratado. Para cada caso, o que se cabe é definir qual o modelo ótimo de desconstrução que deve ser desenvolvido para satisfazer, de maneira equilibrada, as exigências do meio-ambiente, enfocando as possibilidades reais do nosso contexto técnico e econômico. Porém, qualquer modelo proposto deve sempre pretender um alto valor de aproveitamento dos materiais e dos elementos constituintes da construção que se pretende desmontar, além da viabilidade econômica de todo o processo. Sem dúvida, satisfazer estes critérios fundamentais reduzirá, de forma significativa, o impacto no meio-ambiente causado pelo desaparecimento de uma construção (CRAMPTON, 2000). O modelo de desconstrução proposto decompõe a demolição do edifício nas seguintes ações coordenadas (GENERALITAT DE CATALUNYA, 1995):

REDUÇÃO

REUSO

RECICLAGEM

COMPOSTAGEM

INCINERAÇÃO

ATERRO

Desconstruir Desmantelamento de edifícios para recuperação de materiais

Reusar Em vez da aplicação de novos materiais

Reciclar Criar valor acrescentado aos produtos

Reciclar Matéria prima para uso semelhante ou equivalente

Reciclar Matéria prima para produto de valor inferior

Otimizar recursos Repensar a concepção

Reduzir na fonte Estimativa e planejamento cuidadosos

Reduzir embalagens Reencaminhar para os fornecedores

Prevenção Implementar técnicas eficientes de recuperação de materiais

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• Recuperação de Materiais Arquitetônicos

São trabalhos de recuperação de elementos arquitetônicos completos ou em partes, de maneira que possam ser reutilizados com um mínimo de operações ou transformações: escadas, portas , mobiliário fixo (de banho e de cozinha), etc.

• Recuperação de Materiais Contaminantes

São todos os trabalhos descritos no item anterior, porém o objetivo não é reincorporar o material à construção e sim, exclusivamente, dar-lhes um tratamento especial para transportá-los a um vertedor específico.

• Recuperação de Materiais Recicláveis

Somente são considerados os trabalhos de recuperação dos materiais recicláveis da construção. Quer dizer, são os que tem natureza pétrea: fustes, metais, produtos asfálticos e betuminosos, e plásticos.

• Recuperação de Materiais Pétreos

São as partes que tem mais incidência no processo de demolição. São as relacionadas com a reciclagem dos materiais de origem pétrea: concretos, cerâmicas, areias e pedras.

A reciclagem de todos os materiais de natureza pétrea que compõem as construções – pré-fabricados e concreto armado, principalmente – permite obter uma recuperação significativamente alta dos materiais em relação ao volume total das construções que são demolidas. A reciclagem dos materiais de natureza pétrea podem passar a assumir os seguintes valores (GENERALITAT DE CATALUNYA, 1995):

• Nos edifícios com estruturas pré-fabricadas, 95% do total, e • Nos edifícios contemporâneos, a reciclagem do concreto armado da estrutura e dos pré-

fabricados é 98% do total. Além dos equipamentos de demolição tradicionais, deve-se incorporar ao processo de desconstrução técnicas precisas e detalhadas, com minuciosos trabalhos de desmontagem. Ora, o que se entende é que todos estes métodos e técnicas deixaram de ser um fato marginal, condicionado para um caso concreto pouco corrente e pouco relevante no volume total de construções demolidas principalmente na Espanha e Portugal, onde se mostram comuns os processos de desconstrução. Em toda a fase de projeto, a figura do coordenador de projetos é imprescindível e fundamental, principalmente no que se refere às verificações e conferências na validade dos dados do projeto, evitando, desta forma erros ou supressões que possam comprometer o projeto como um todo. 1.2. O projeto do processo de desconstrução O documento que se denomina Projeto de Execução da Desconstrução é um documento técnico completo que pretende facilitar a ação coordenada dos participantes no processo, atingir um alto grau de eficácia na recuperação dos materiais e componentes, além de garantir a segurança pessoal e coletiva necessária. Assim dito, o projeto de desconstrução apresenta-se como documento fundamental na definição do processo. Em geral, o projeto considera quatro âmbitos (GENERALITAT DE CATALUNYA, 1995):

• A ordenação do processo, os métodos e as técnicas que serão utilizadas;

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• A coordenação dos participantes e a definição de responsabilidades de cada um deles; • A determinação dos trabalhos e as operações prévias para a reciclagem e/ou reutilização

posteriores, e • Destinação final dos resíduos da demolição.

Os edifícios que serão desconstruídos, em sua maioria, têm muitos anos de existência. É comum que os elementos construídos e, em particular, a estrutura, estejam deteriorados de alguma maneira. A causa determinante da degradação dos materiais tem origem nas lesões derivadas do uso e funcionamento natural do elemento construído, os quais comportam uma redução pouco homogênea da resistência, de maneira que não é fácil conhecer a resistência que resta a cada elemento. Por estas razões, é imprescindível fazer um reconhecimento prévio do estado real da edificação. O reconhecimento prévio da edificação que será desconstruída consiste fundamentalmente num processo de reconhecimento visual do edifício. No mais, cada participante deve identificar os fatores de sua conveniência, para que seja feita uma imagem mais próxima possível do real estado do edifício. Em resumo, o que se pretende é ter um reconhecimento efetivo do estado atual do edifício – sobretudo dos elementos que comprometam a resistência e a estabilidade – para determinarmos os métodos e as técnicas de desmontagem e demolição mais adequados. No mais, o reconhecimento não deve se limitar apenas à fase prévia, antes de serem iniciados os trabalhos. Deve-se prolongar a fase de reconhecimento durante todo o processo e, à vista do estado real, deve-se observar a cada momento se é possível continuar a desconstrução, com a comprovação da estabilidade e resistência dos elementos construtivos, pois, se alguma parte do edifício mostrar sintomas de ruína iminente, é melhor implodí-lo (demolição maciça) a desconstruí-lo. O processo de desconstrução tem variáveis semelhantes aos da construção. Na realidade, a documentação do projeto, no que se refere aos aspectos mais relacionados ao desmantelamento, consta de uma estrutura semelhante a de um projeto de execução de uma nova construção ou de uma reabilitação. Possui as seguintes partes componentes: memória descritiva, plantas, prescrições e valorização econômica (GENERALITAT DE CATALUNYA, 1995). O objetivo da desconstrução não é somente a demolição do edifício nem tampouco a finalização dos serviços quando o edifício foi demolido. A documentação do projeto deve possuir uma parte – esta sim não figura nos projetos de novas construções – que definem os trabalhos que deverão ser executados na obra para facilitar os processos de reciclagem e de reutilização posterior. 1.3 O processo de desconstrução No processo de execução de uma desconstrução, cabe identificar duas fases claramente diferenciadas: a que corresponde aos trabalhos previstos de preparação e as de execução material. O objetivo dos trabalhos previstos é, principalmente, o estabelecimento de medidas genéricas de segurança visando a execução da demolição. Não obstante a isso, cabe delimitar o alcance destes trabalhos que, em conjunto, devem comunicar os órgãos que possam ser afetados, o tratamento especial dos locais dos edifícios, a desativação das instalações existentes e dos depósitos de combustíveis, escoramentos prévios, disposição dos andaimes, previsão das medidas de segurança individual e coletiva e meios para retirada dos materiais e dos elementos recuperáveis. Somente devem ser iniciados os trabalhos de desconstrução quando forem executadas estas atividades. Em seguida, devem ser observadas as seguintes etapas ordenadas (GENERALITAT DE CATALUNYA, 1995):

• Desmontagem dos elementos arquitetônicos recuperáveis que não façam parte da estrutura do edifício e que não sejam suporte para outros elementos;

• Desmontagem dos materiais e elementos recicláveis que, como no caso anterior, não tenham

função de suporte;

• Desmontagem dos elementos arquitetônicos que façam parte da estrutura ou que sejam suporte de outros elementos, com escoramento prévio, e

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• Desmontagem ou derrubada da estrutura do edifício, com técnicas e métodos que facilitem a

seleção “in locu” dos materiais para uma reciclagem posterior mais fácil.

É uma medida prioritária desmantelar o edifício em sentido inverso ao da sua construção inicial. De maneira que, em resumo, o processo deve ser desenvolvido planta por planta, em sentido descendente, iniciando com a retirada dos equipamentos industriais e a desmontagem da coberta e finalizando no último pavimento da fundação (térreo ou sub-solo). 1.4. A figura do supervisor Os trabalhos de execução da desconstrução devem seguir o modelo tradicional baseado na figura de um supervisor geral de execução dos trabalhos, que assumirá a responsabilidade por todo processo. O supervisor poderá, a seu critério, montar equipes disciplinares para auxiliá-lo no acompanhamento da execução dos serviços de desconstrução, sendo, cada equipe, responsável por uma etapa do desmantelamento da obra.

2. OBJETIVO

O objetivo deste artigo é o estudo da importância do processo de desconstrução urbana como fator de sustentabilidade na indústria da Construção Civil, além assinalar critérios gerais e particulares que devem ser adotados na execução material dos trabalhos de desconstrução.

3. METODOLOGIA

A metodologia a ser utilizada foi a revisão e a pesquisa bibliográfica, além da apresentação de um estudo de caso.

4. O CASO DOS EDIFÍCIOS SÃO VITO E MERCÚRIO EM SÃO PAULO

Muito recentemente, a Prefeitura do Município de São Paulo voltou a ser notícia nos principais jornais do Estado, sobre o destino que quer dar a dois edifícios do centro da capital, o São Vito e o Mercúrio (THE URBAN EARTH, 2008). A administração atual voltou a falar em demolir os edifícios, melhor solução, segundo ela, para resolver o problema da deterioração dessas construções. Para o perfeito entendimento do assunto, são necessárias algumas perguntas.

A mais importante:

Seria melhor implodir os edifícios sem reaproveitar material nenhum, gerando grande quantidade de resíduos, tentar reformá-lo para reuso dos seus moradores ou aplicar as técnicas de desconstrução ?

Os dois edifícios foram construídos no final da década de 1950, em um terreno com frente para a Avenida do Estado, na hoje conhecida zona cerealista de São Paulo. O São Vito é um edifício de 27 andares, com 25 andares residenciais, cada andar tendo 24 apartamentos, todos quitinetes. No projeto original, na sobreloja foram construídas 13 salas comerciais, e no térreo, outras 15. Na cobertura havia um salão e um auditório. Ele tem um total de 21.000 m² de área construída. Em 2004, a Prefeitura decidiu reformar o edifício, como forma de melhorar as condições de segurança dos moradores e estancar seu processo de deterioração. O edifício foi desapropriado e os moradores receberam uma bolsa aluguel, para que pudessem arrumar uma moradia até que a reforma fosse concluída. Foi feito um projeto para reforma do edifício, que o divide em dois condomínios menores, alterando o número de apartamentos. Ao invés dos 600 iniciais ficariam 375, sendo 50 quitinetes, 275 apartamentos de 1 dormitório e 50 apartamentos de 2 dormitórios. O térreo e a sobreloja deveriam ser ocupados por serviços públicos e comunitários, como telecentro e centro de capacitação e treinamento. O edifício Mercúrio tem 25 pavimentos, com unidades comerciais no térreo e na sobreloja, e cada pavimento residencial tem 6 apartamentos, sendo 2 quitinetes e 4 apartamentos de 1 dormitório. Como o Mercúrio apresentava melhores condições, a administração anterior não viu necessidade de intervir.

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FIGURA 2 - Pavimento tipo do edifício São Vito. Fonte: http://saopauloabandonada.com.br/edificio-sao-vito/

FIGURA 3 - Edifícios São Vito (à direita) e Mercúrio (à esquerda, colado). Fonte: Wagner Gomes, O Globo Online, 2006

A Prefeitura de São Paulo anunciou a intenção de transformar o São Vito em um edifício de habitações populares em 2003. A proposta inicial era desapropriar o prédio, reformá-lo e financiá-lo posteriormente pela Caixa Econômica Federal. Alguns apartamentos teriam a área aumentada para até 60 metros quadrados. A retirada dos moradores foi feita pela Prefeitura de forma pulverizada O prédio foi esvaziado em 2004 para iniciar a revitalização. A proposta era trazer os moradores de volta dois anos depois, já com o prédio novo. Mas, após as eleições, a nova gestão já anunciou sua intenção de implodir o prédio. A

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Secretaria das Subprefeituras admitiu que a solução viável é mesmo a demolição, pois mesmo sendo revitalizado agora, o prédio teria de passar por outras reformas mais adiante, o que demandaria novos recursos. A demolição, além de melhorar a paisagem da região, custaria bem menos e seria definitiva. Já há propostas para uso do terreno que será deixado pelo prédio: em seu lugar pode ser construído um estacionamento vertical para atender a demanda por vagas e o Mercado Municipal, que foi transformado em ponto de turismo em São Paulo (O GLOBO ONLINE, 2006).

FIGURA 4 - Estado de abandono do Edifício São Vito. Fonte: Gogliardo Maragno, Projetos Urbanos, 2007.

Se a Prefeitura optar por demolir o Edifício São Vito, faz-se necessário demolir também o Edifício Mercúrio, já que eles formam um único bloco. A demolição indiferenciada produz uma enorme quantidade de resíduos que, fatalmente serão destinados a aterros, já que seu aproveitamento será impraticável. Mas há outro problema. Análises técnicas não recomendam a demolição pelo método de implosão nem pelo método da bola de demolição. Haveria a possibilidade de afetar construções do entorno, inclusive o Mercado Municipal, situado no outro lado da Avenida. No Mercado, existem 32 painéis de vidro importados da Alemanha no fim dos anos 20 e uma implosão fatalmente afetaria a integridade desses painéis.

O processo de desconstrução enquadra-se perfeitamente neste caso. Ele caracteriza-se pelo seu desmantelamento cuidadoso, gradual e seletivo, de modo a possibilitar a recuperação de materiais e componentes da construção, promovendo a sua reciclagem e, quando possível, a sua reutilização na própria obra. Além dos benefícios econômicos e ambientais, as técnicas de desconstrução a serem aplicadas nos edifícios São Vito e Mercúrio favoreceriam a sustentabilidade no setor da construção e o baixo impacto ambiental, uma vez que ambos visam a valorização dos recursos materiais existentes. O processo de desconstrução destes edifícios contribuiria com a redução do volume de resíduos desperdiçados ou não reaproveitados, o que seria impossível acontecer se houvesse uma demolição indiferenciada. Edifícios como o São Vito e o Mercúrio, em seus atuais estados, representam restrições ao desenvolvimento urbano, pois, além de influenciarem na desvalorização dos imóveis no seu entorno, contribuem com o stress psicológico nas populações diretamente envolvidas. Devem-se considerar, também, os riscos à segurança pública e à saúde humana que edificações como essas representam

MERCADO MUNICIPAL

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(SANCHEZ, 2006). A desconstrução espacial urbana, portanto, deve ser manifestada sempre visando o reaproveitamento urbanístico ideal do local, promovendo sua valorização meio-ambiental incontestável (ASSUMPÇÃO, 2002).

Conforme Gusmão (2008), para se ter uma noção dos números envolvidos, ao ser demolida uma casa com 400 m2 de área construída para a construção de outra edificação, seriam geradas, em 20 dias de demolição indiferenciada, aproximadamente 360 toneladas de resíduo da construção civil (RCC), de acordo com a tabela 1. Considerando-se uma construção com 20 andares e 10.000 m2 de área de construção, seriam geradas aproximadamente 9.000 toneladas de RCC, potencialmente reaproveitáveis para reutilização em novas construções, através do processo de desconstrução.

Fase da Obra Período Área (m2) Indicador de Geração

Geração de RCC (ton)

Taxa de Geração (ton /

dia) Demolição da casa

20 dias 400 900 kg/m2 360 18

TABELA 1 – Demonstrativo de geração de RCC por demolição indiferenciada. Fonte: GUSMÃO, 2008

De acordo com Sanchez (2001), muitas instalações e imóveis foram convertidos para outros usos, com reaproveitamento da estrutura e dos materiais. A valorização do patrimônio arquitetônico foi representada diversas vezes por projetos de reutilização, como o Musée d’Orsay em Paris, antiga estação ferroviária que foi construída entre 1898 e 1900 e serviu de depósito e prisão durante a guerra, sendo depois destinada à demolição. Só em 1976 foi definida a transformação da estação em museu, sendo inaugurado em 1986.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A degradação dos edifícios São Vito e Mercúrio não é única e nem exclusiva de São Paulo. Grandes cidades do mundo enfrentam essa realidade de degradação das áreas mais antigas e de valores históricos. Lisboa, em Portugal, é um exemplo disto. A cidade transformou as localidades da Zona Oriental e da região Ribeirinha do Tejo em novos bairros que respiram cultura. Com a desconstrução, os fatores econômicos, sociais e ambientais, conhecidos como “Tripé da Sustentabilidade”, estarão sendo diretamente atendidos, satisfazendo, de maneira equilibrada, as exigências meio-ambientais, enfocando as possibilidades reais do contexto social e econômico. Sem dúvida, satisfazer estes critérios fundamentais reduzirá, de forma significativa, o impacto no meio-ambiente causado pelo desaparecimento de uma construção. Porém, o conjunto destas ações deve sempre comportar as medidas de segurança das pessoas (individualmente e da coletividade), além da segurança do processo (relacionando ao meio-ambiente). A adoção de todas essas medidas trará sustentabilidade para a indústria da construção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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THE URBAN EARTH. Sala de Leitura – o edificio São Vito / São Vito Block. São Paulo /Brazil, fevereiro 15, 2008

Sites da Internet

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