a defesa tem a palavra

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A DEFESA TEM A PALAVRA Evandro Lins e Silva O CASO DOCA STREET E ALGUMAS LEMBRANÇAS 4ª EDIÇÃO PREFÁCIO FÁBIO KONDER COMPARATO

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"A defesa tem a palavra é um livro que será lido com grande proveito por estudantes de direito e profissionais da justiça criminal, e com prazer pelos não iniciados. Evandro lins e silva, como os antigos mestres das corporações medievais, expõe aos aprendizes do ofício, e a seus colegas, a invejável habilidade neste meio século de exercício profissional." (nilo batista) "Tal como a medicina hipocrática, para qual não doenças, mas apenas doentes, na ars argumentandi de evandro o advogado não lida com crimes e acusações em geral, mas sempre especificamente com réus, isto é, homens e mulheres nominalmente acusados perante a justiça, homens e mulheres de carne e osso, que se apresentam, cada qual em si mesmo, como seres únicos e insubstituíveis". (fábio konder comparato)

TRANSCRIPT

O leitor terá a oportunidade

de conhecer, por meio deste livro,

aquele inigualável evento da

crônica forense, e ainda disporá de

rico material técnico-jurídico, que

consiste nas magistrais petições

de Evandro, capaz de auxiliar os

advogados, iniciantes ou

veteranos, na elaboração de

defesas perante o Tribunal do Júri.

Terminado o julgamento, no dia

seguinte, depois de mais de 24

horas, voltamos à casa da amiga

Sônia Pereira da Silva, na Praia do

Peró, onde nos hospedamos,

e meu avô, absolutamente

tranquilo, me levou (melhor seria

dizer me carregou, pois eu estava

bambo de sono) para tomar um

banho de mar.

Assim era Evandro, meu avô.

Ranieri Mazzilli Neto Advogado criminalista

A DEFESA TEM A PALAVRA

EvandroLins e Silva

O CASODOCA STREETE ALGUMASLEMBRANÇAS

4 ª E D I Ç Ã O

Tenho viva na memória

a lembrança daquela manhã

no distante ano de 1979, quando

cheguei ao Tribunal do Júri de

Cabo Frio, em companhia de

Evandro Lins e Silva e de Doca

Street. Fazia um dia lindo de muito

sol e eu ainda não sabia, mas

estava prestes a vivenciar um

momento que iria, para sempre,

influenciar a minha vida.

Depois de longa leitura de

trechos do processo, iniciaram-se

os debates e ingressei no mítico

mundo do Tribunal do Júri com

o pé direito. Ouvi a réplica de

Evaristo de Moraes e depois

a tréplica de Evandro e hoje sei ter

assistido a um dos maiores

julgamentos da história

do Júri no Brasil.

PREFÁCIO FÁBIO KONDER COMPARATO

A palavra e o direito a serviço da justiça

“Este é um livro que será lido com grande proveito por estudantes de direito e profissionais da justiça criminal, e com prazer pelos não iniciados. Evandro Lins e Silva, como os antigos mestres das corporações medievais, expõe aos aprendizes do ofício, e a seus colegas, a invejável habilidade adquirida neste meio século de exercício profissional.”

“A defesa tem a palavra contém um curso teórico, prático e diplomático de advocacia. Seu conteúdo aberto, complexo e denso não corresponde ao título...”

“Tratando de questões gerais de interesse sempre atual e documentando, de forma completa, o livro de Evandro Linse Silva será lido com prazer por todos, e com particular encantamento pelos advogados.”

“Mais do que um volume de reminiscências, o livro do ministro Evandro Lins e Silva correspondente à súmulade experiências profundamente vividas, no trato com a fragilidade e os erros da condição humana, como advogado dessa fragilidade e desses erros.”

“Tudo que Evandro conta e escreve é sempre atraente. Mas, no caso Doca, é especialmente emocionante.”

“Seu livro é desses que não se esquecem, que se recomendam e que honram não apenas quem o fez, mas também quem o lê.”

Nilo Batista

Roberto Lyra

Heleno Fragoso

Josué Montello

Samuel Wainer

Antônio Houaiss

A DEFESA TEM A PALAVRA

A A P

ALAV

RADE

FESA

TEM

Evandro Lins e Silva

PRETO E PANTONE 221C

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A defesa tem a palavra

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EvandroLins e Silva

A DEFESA TEM A PALAVRA

4a EDIÇÃO

O CASO DOCA STREETE ALGUMAS LEMBRANÇAS

Copyright 2009 Evandro Lins e Silva (herdeiros)

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizadaou reproduzida, por qualquer meio ou forma,seja digital, fotocópia, gravação, etc., nem

apropriada ou estocada em banco de dados,sem a autorização dos herdeiros.

CapaRachel Braga

EditorGlauco de Oliveira

Editor AssistenteBruno Torres Paraiso

Direitos exclusivos desta edição:Booklink Publicações Ltda.

Caixa Postal 3301422440 970 Rio RJ

Fone 21 2265 0748www.booklink.com.br

[email protected]

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Silva, Evandro Lins e, 1920-1998.A defesa tem a palavra / Evandro Lins e Silva. – 4a ed. - Rio deJaneiro: Booklink, 2011.356 p. 20,5 cm.

ISBN: 978-85-7729-103-8

1. Direito penal - Brasil. 2. Defesa. I. Título.

CDD 341.5

iz Carlos de, 1944-

Para Musa, minha mulher,companheira de quarenta anos.

Ao Tribunal do Júri,

ponto de partida, escola de democracia,o povo na Justiça, onde aprendi que oDireito deve servir à vida.

Supremo Tribunal Federal,

ponto de chegada, cume, envaidecedor coroamento deuma carreira, cátedra maior, cenário político, poder daRepública. Intérprete da Constituição, para a preser-vação de seus princípios e para a garantia das liberda-des públicas, a Corte foi-lhe fiel e arrostou difíceistranses. Estavam tranquilos os seus juízes, mas sabiamque era “a calma no meio de um furacão”. Não foi su-ficiente a força moral do Poder Judiciário para deteros ímpetos da intolerância e do despotismo contra asinstituições democráticas. O resto é história.

Depois...

a volta, o reencontro com o júri, doce momento, gera-ção deste livro.

EVANDRO LINS E SILVA, O SENTIDO PÚBLICO DA ADVOCACIA / FÁBIO KONDER COMPARATO.................................................... 15NOTA DA 3a EDIÇÃO ........................................................................ 23AGRADECIMENTOS ......................................................................... 25PREFÁCIO DA 1a EDIÇÃO ................................................................ 27

PRIMEIRA PARTE

VARIAÇÕES EM TORNO DA ADVOCACIA NO JÚRIE NO CRIME POLÍTICO

1. TEM A PALAVRA A DEFESA........................................................ 312. IMPROVISAÇÃO, RESULTADO DE CONHECIMENTOS ACUMULADOS ........................................... 363. PREPARAÇÃO DO PROCESSO, BINÔMIO ACUSADO-VÍTIMA, PREPARAÇÃO TÉCNICA ......................... 39 - Algumas lembranças .................................................................... 43 - Tempo de coagulação do sangue: argumento decisivo ............... 43 - Casos de balística ........................................................................ 48 - Desabamento: acusação de erro de cálculo ................................. 50 - Acusações de culpa médica ......................................................... 52 - Três casos de infanticídio: estreia de Carlos Lacerda no júri e um poema de Bertolt Brecht .................................................... 554. CAUSA BOA, CAUSA MÁ ........................................................... 625. PROBIDADE PESSOAL: MÍSTICOS E MÁGICOS ....................... 656. MEMORIAL PARA JURADOS ..................................................... 667. CENSORES DO JÚRI: REFRÃO ANTIGO ...................................... 738. CONTROVÉRSIA IMEMORIAL. SÓCRATES, CATILINA, A INQUISIÇÃO: OS GRANDES PROCESSOS DA HISTÓRIA ...... 79

SUMÁRIO

9. ERROS JUDICIÁRIOS .................................................................... 8110. A DEFESA NO CRIME POLÍTICO ................................................ 84

SEGUNDA PARTE

O PROCESSO DOCA STREET: ATUAÇÃODO ADVOGADO NUM CASO CONCRETO

1. O COMEÇO ..................................................................................... 932. A DENÚNCIA E O INTERROGATÓRIO DO ACUSADO ................ 953. REQUERIMENTO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA .......................................................... 1094. NOVO REQUERIMENTO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO ........... 1205. O PRIMEIRO HABEAS CORPUS ................................................. 1316. MEMORIAL PARA O PRIMEIRO HABEAS CORPUS ................. 1387. RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL............... 1428. O SEGUNDO HABEAS CORPUS .................................................. 1509. MEMORIAL PARA O SEGUNDO HABEAS CORPUS ................. 15510. A DEFESA PRÉVIA ..................................................................... 16211. RAZÕES FINAIS ........................................................................ 16412. RECURSO DA PRONÚNCIA ...................................................... 16813. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO ACÓRDÃO QUE CONFIRMOU PARCIALMENTE A PRONÚNCIA..................... 17214. AGRAVO DE INSTRUMENTO DO DESPACHO QUE NÃO ADMITIU O RECURSO EXTRAORDINÁRIO ......................... 17915. CONTRARIEDADE AO LIBELO ................................................ 18416. MEMORIAL AOS JURADOS ..................................................... 18817. A DEFESA NO JÚRI ................................................................... 19718. TRÉPLICA ................................................................................... 23319. DEFESA DA DECISÃO DO JÚRI: CONTRARAZÕES DE APELADO ............................................................................ 241

- Limitação do recurso contra julgamento do júri ....................... 243- Vitória do machismo: crítica tola e inepta .................................. 245- Vitória da justiça ....................................................................... 246- Refrão e fantasia da acusação: júri abre clareirasaplica direito penal finalístico ..................................................... 248- Participação da vítima na eclosão do fato ................................ 249

- Os protagonistas do fsto: o acusado........................................ 250- A vítima ..................................................................................... 257- Antecedentes do fato e provocações da vítima ....................... 260- O testamento ............................................................................. 261- Precedentes judiciários e observações doutrinárias ................ 261- Paixão amorosa: motivo do crime .............................................. 265- Aplicação da pena só quando necessária ................................ 270

TERCEIRA PARTE

DEPOIS DO JULGAMENTO: APLAUSOSE IMPRECAÇÕES DECISÃO DO JÚRI

1. ECOS DO JULGAMENTO DE DOCA STREET: PUBLICIDADE NUNCA VISTA................................................... 2752. “SÓ SE SURPREENDEM COM O RESULTADO OS QUE NÃO OUVIRAM O DEBATE” ...................................... 2773. FASCÍNIO DA DOLCE VITA ........................................................ 2844. UMA CARTA CONFORTADORA ................................................ 2855. A PRESIDÊNCIA DO JÚRI ............................................................ 2866. CONSELHO DE SENTENÇA REPRESENTASTIVO DA SOCIEDADE DE CABO FRIO ............................................... 2887. PARTIDÁRIO DO JÚRI ................................................................. 291

QUARTA PARTE

O SEGUNDO JULGAMENTO DE DOCA STREET

1. REFORMA DA DECISÃO DO JÚRI E INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ................................................................. 2952. AGRAVO DE INSTRUMENTO...................................................... 3013. PEDIDO DE REFORMA DO DESPACHO AGRAVADO ................ 302

- O segundo júri .......................................................................... 304- Razões de apelação ................................................................... 305

4. RAZÕES DO APELANTE RAUL FERNANDO DO AMARAL STREET ............................... 306

- Júri coagido, pressões espúrias. Jurado confessadamenteparcial, suspeito e estranho à comarca ....................................... 306- Jurada impedida legalmente funcionou no conselho de sentença ................................................................................ 316- Quesito deficiente ..................................................................... 321- Jurado inabilitado para julgar: contradições nas respostasdos quesitos ............................................................................... 324- Conclusão ................................................................................. 328

5. DECISÃO DO JÚRI CONFIRMADA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ........................................................................ 331

- Recurso admitido ...................................................................... 341- A decisão do Supremo .............................................................. 341

ÍNDICE ONOMÁSTICO ................................................................... 343

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A advocacia, como toda arte ou ofício, obedece a certas re-gras técnicas, consagradas pela experiência como o conjunto dosmeios mais aptos à consecução da sua finalidade. Cuidando-se,como é o caso, de uma profissão cujo objeto é o próprio homem,a advocacia não se reduz a uma simples técnica, mas liga-setambém, intimamente a uma ética superior, fora da qual o desem-penho profissional perde todo sentido e pode converter-se numinstrumento de degradação humana. A ética própria da advoca-cia – hoje o vemos com clareza – é a defesa dos direitos huma-nos em todas as suas modalidades. Com a evolução histórica, anossa profissão foi adquirindo dimensões novas, ao acompanharo desdobramento histórico desses direitos inerentes à pessoahumana em patamares sucessivos, dos indivíduos aos grupossociais minoritários ou desfavorecidos, destes últimos aos povoscomo realidades políticas soberanas e, finalmente, da coletividadedos povos a toda a humanidade.

Ora, o advogado, cuja memória hoje celebramos, soube distin-guir-se singularmente dentre os seus pares, não apenas pelo exí-mio manejo da técnica profissional, mas também em razão dadefesa enérgica e destemida dos direitos humanos, em suas dife-rentes expressões.

A técnica própria da advocacia foi, desde a antiguidade clássi-ca, entendida como a oratória ou arte retórica, isto é, a lógica dapersuasão. No De Oratore (II, 114 e ss.), Cícero atribui-lhe trêsfunções: probare, conciliare, movere.

EVANDRO LINS E SILVA:O SENTIDO PÚBLICO DA ADVOCACIA

* Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra

Fábio Konder Comparato*

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Para realizar a demonstração probatória, assinalou Cícero, oadvogado deve saber explicar, em linguagem acessível ao enten-dimento dos julgadores, as teorias que envolvem as questões con-trovertidas na causa (idem, I, 59 e ss.). A advertência é compre-ensível, quando se atenta para o fato de que os juízes, no proces-so judicial da Roma republicana, eram sempre cidadãos leigos, li-mitando-se o pretor a dirigir o procedimento, tal como faz, entrenós, o juiz presidente do tribunal do júri.

Em sua estreia no júri, ao fazer a defesa de um réu, predesti-nado pelo prenome Otelo a matar a amante num surto patológicode ciúme, Evandro Lins e Silva, na audácia de seus 19 anos, nãohesitou em explicar aos jurados a teoria de Krestschmer, recém-divulgada à época em nosso país, sobre a diferença caracterialentre os ciclotímicos e os esquizotímicos. No rumoroso caso domotorista de táxi cognominado Marcha-à-Ré, em Belo Horizonte,a absolvição foi conseguida com a demonstração científica dainsustentabilidade da denúncia, levando-se em conta o tempo decoagulação do sangue humano. Isto, sem falar em sua atuaçãocomo advogado dativo de um modesto motorista de caminhão,acusado de furto de vinho, que teria sido por ele retirado de umapipa que transportara. Lembrando-se das lições de física que re-cebera no Colégio Pedro II do ilustre Professor Francisco Venan-cio Filho, Evandro convenceu o juiz da inanidade da acusação, aodemonstrar que o líquido não poderia haver jorrado da pipa, poisesta, como revelado na perícia, apresentava um só furo lateral.

Já na tarefa de convencer (o conciliare de Cícero), importalembrar o que salientou Aristóteles em seu tratado de retórica(I, 1356 a, 10-15). A autoridade moral do orador ou advogado, disseele, é a principal prova da justiça da causa por ele defendida. Ora,desde os primeiros anos de exercício da advocacia, Evandro Linse Silva granjeou uma sólida reputação de integridade profissional,que lhe valeu, em todas as ocasiões, o respeito e a confiança dosjuízes, togados ou leigos. Essa auctoritas, no original sentido roma-no do vocábulo, foi sempre o seu grande argumento pressuposto.

Por fim, completando a tríade funcional da retórica, sustentouCícero que o advogado deve comover os julgadores para melhor

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persuadi-los. O bom advogado, ponderou, há de esforçar-se poralcançar a benevolência dos juízes, suscitando as emoções úteis àcausa defendida (De Oratore II, 114 in fine).

Sobre esse ponto, no entanto, a opinião dos autores clássicos nãoé unânime. Aristóteles, por exemplo, considerou uma aberraçãoque o advogado provocasse no juiz sentimentos de ódio ou decompaixão, pois tal equivaleria a torcer a régua com a qual se devemedir algo (Retórica I, 1354 b, 20-30). A justiça, sustentou ele, háde ser demonstrada tão só com a razão.

Hoje, graças aos desenvolvimentos da teoria axiológica, sabe-mos que os valores não se apreendem pelo raciocínio dedutivo, massim pela intuição sentimental. Os grandes advogados sempre tive-rem consciência dessa verdade. A própria lei penal, aliás, obrigao julgador a discernir, no comportamento do réu, a manifestaçãode sentimentos bons ou maus. O Código Penal arrola entre ascircunstâncias agravantes da pena ter o agente cometido o crimepor motivo fútil ou torpe (art. 61, II, a); reversivamente, comocircunstância atenuante, inclui o fato de haver o agente cometidoo delito por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob ainfluência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima(art. 65, III, alíneas a e c).

Seja como for, Evandro Lins e Silva jamais precisou utilizar, nascausas que assumiu, sentimentos de empréstimo, ou afetações deator teatral, como fazem os advogados medíocres. Toda a suaatividade forense foi marcada pela alternância de compaixão e deindignação, que lhe brotavam naturalmente da alma. A compaixãosolidária com o cliente, aquela simpatia no sentido etimológico dotermo, ou seja, a natural disposição a partilhar o sofrimento deoutrem, sempre foi, como ele próprio reconheceu em O salão dospassos perdidos, “o norte, o caminho, o rumo” de sua vida. O quenão o impediu de manifestar, com frequência, uma santa indigna-ção diante da hipocrisia ou do cinismo dos poderosos.

Acontece que a retórica é a arte de persuasão pela palavra. Daía supina importância do correto emprego do estilo literário adequa-do. Cícero, fiel ao seu ritmo ternário de pensamento, destacou como

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virtudes da boa oratória a correção da linguagem, a clareza e preci-são das ideias, e a elegância na elocução (De Oratore III, 37 e ss.).

Pode-se dizer que, dessas três qualidades do estilo forense, amais importante e, paradoxalmente, a menos prezada entre nós,é a clareza e precisão das ideias. Nos arrazoados escritos, pre-domina aquele linguajar dito “de boca de foro”, recheado de ex-pressões latinas mal digeridas ou de arcaísmos de mau gosto,numa triste paródia do modelo tido como próprio de Rui Barbo-sa. Nas sustentações orais, dificilmente conseguimos resistir àvelha tentação nacional de usar da palavra como puro instrumen-to de prazer estético, ou como mera atração lúdica. Em ambosos casos, a palavra é desvirtuada como expressão da racionali-dade argumentativa.

Evandro Lins e Silva, ainda aí, seguiu rigorosamente os ensina-mentos clássicos. A sua preferência marcada sempre foi pelaclareza e precisão nas ideias, mesmo quando, no teatro do júri, foiobrigado a sustentar a atenção do conselho de sentença durantehoras a fio e noite a dentro. Sempre lhe pareceu que os argumen-tos de fácil compreensão, até mesmo pelo leigo em direito, são maisconvincentes do que as proezas declamatórias. E daí o seu velhocostume de procurar, mesmo no processo eminentemente oral dojúri, reduzir a suma de sua argumentação a escrito, por meio dememoriais entregues aos jurados.

Tal, porém, não significa dizer que o estilo oratório, como sus-tentou Aristóteles, deva ser depurado de qualquer sentimento efundar-se unicamente nos cânones abstratos da lógica formal. Nosassuntos humanos, como advertiu Pascal, devemos nos deixarguiar não pelo esprit de géométrie, mas pelo esprit de finesse. Eeste se adquire pela constante leitura dos grandes romancistas,daqueles que souberam desvendar intuitivamente a extrema com-plexidade do alma humana.

Tudo isso no tocante à técnica advocatícia. Mas a nossa pro-fissão, como salientei, está intimamente ligada a uma ética, que éa defesa dos direitos humanos.

A advocacia moderna nasceu, propriamente, com a RevoluçãoFrancesa na dramática contradição do seu desdobramento. Pois se,

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de um lado, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,que antecedeu o Bill of Rights norte-americano, postulou em seupreâmbulo que “a ignorância, o descuido ou o desprezo dos direi-tos humanos são as únicas causas das desgraças públicas e dacorrupção dos governos”, de outro lado, o terror revolucionário veiodenegar escandalosamente, na prática política, o reconhecimentosolene desses “direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem”,proclamados na Declaração. Coube então aos advogados, naverdade uma ínfima minoria deles, a honra e a glória de defender,com apoio naquele texto fundamental e contra a crueldade dogoverno revolucionário, o princípio da dignidade humana.

Mas as ondas de choque da Revolução, tanto na França, quantona América do Norte, vieram em breve espraiar-se no remanso danova ordem jurídica burguesa. A palavra de ordem passou a ser,doravante, a igualdade de todos perante a lei. Isto significou, des-de logo, a abolição dos antigos privilégios estamentais da nobrezae do clero. Quanto ao futuro, porém, os efeitos jurídicos da isono-mia redundaram, na prática, em legitimar a profunda e crescentedesigualdade, política, econômica e cultural, entre as classes sociais.Ainda aí, de início, foi tão só uma minoria destemida de advogadosque decidiu consagrar-se à defesa dos trabalhadores, prestamis-tas e pequenos proprietários, todos eles esmagados pela prepotên-cia do grande capital.

Análogo cenário abriu-se no século XX, com o reconheci-mento dos primeiros direitos dos povos – direitos à autodeter-minação, à democracia, à paz, ao desenvolvimento – e os nas-centes direitos da humanidade, como a proteção do equilíbrioecológico do planeta, ou a preservação do genoma humanocontra as tentativas de apropriação de suas sequências por meiode patentes. Felizmente, para a grandeza de nossa categoriaprofissional, vem crescendo em todos os continentes o númerode advogados que se colocam, decididamente, do lado da dig-nidade humana, atuando em nome de organizações não gover-namentais ou associações de interesse público, na defesa des-ses novíssimos direitos humanos.

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Pois bem, o que impressiona, quando se considera a vida pro-fissional de Evandro Lins e Silva nos mais de setenta anos de seudesempenho, é a lucidez em saber discernir os sinais dos tempos,e a permanente disponibilidade para se pôr sempre do lado dosque mais carecem de proteção, quer no campo das liberdades in-dividuais, quer em matéria de direitos econômicos, sociais e cul-turais. É isto que explica a fidelidade de toda a sua vida aos doissantos de sua maior devoção: o advogado norte-americano Cla-rence Darrow, que deixou a defesa dos interesses de uma em-presa ferroviária para patrocinar a causa de seus empregados emgreve, e o nosso Evaristo de Morais, rábula criminalista de gênio,que já em 1905 fazia publicar o livro pioneiro, Apontamentos dedireito operário.

Foi na tribuna do júri, como Evandro reconheceu por ocasião dascomemorações do seu meio século de exercício profissional, queele contraiu “o vício da defesa da liberdade”; vício agravado, comofez questão de aduzir, “na defesa dos chamados criminosos polí-ticos”. Com efeito, ao se criar, durante o Estado Novo, a reparti-ção mal denominada Tribunal de Segurança Nacional, Evandroatuou como advogado, sem cobrar honorários – e por isso mesmocom a máxima honra (honor) – na defesa de cerca de um milharde presos políticos.

Ele poderia ter se limitado a isto, e já teria largamente honra-do a beca. Mas não. Entregou-se também à defesa, tanto judicial,quanto extrajudicial, dos direitos sociais e da democracia, comodireito inalienável do povo brasileiro. Na sua “Profissão de Féaos 80 Anos”, discurso que pronunciou em sessão do Conselhoda Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio de Janeiro,fez questão de salientar que “o papel do advogado, na organiza-ção da sociedade e em face da própria vida, deve ser represen-tado com a visão ampla e dinâmica de uma pregação permanentedo aperfeiçoamento da ordem jurídica, no pretório e fora dele, eesse fim só se tem alcançado, ao longo do tempo, quanto mais sealarga e aprofunda a justiça social”. Pois “o advogado é, antes detudo, um cidadão. Por isso, tem deveres para com o povo e aNação”.

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Daí encontrar-se Evandro, logo após a deposição de GetúlioVargas, em 1945, entre os fundadores da União DemocráticaNacional e da Esquerda Democrática, depois transformada noPartido Socialista Brasileiro. Uma década mais tarde, juntamentecom Sobral Pinto e Victor Nunes Leal, Evandro criou a Liga daLegalidade, para defender a posse do presidente Juscelino Kubits-chek, ameaçada pela campanha golpista liderada por Carlos La-cerda. E quis o destino que, empossado Juscelino, ao sobrevir arebelião de Aragarças, Evandro fosse designado pelo ConselhoFederal da Ordem dos Advogados do Brasil para fazer a defesade um dos insurretos, o advogado Luís Mendes de Morais.

O coroamento dessa atividade profissional em defesa do direi-to humano do povo brasileiro à democracia deu-se com a atuaçãode Evandro Lins e Silva no processo de destituição de FernandoCollor de Mello da presidência da República. Investido, segundo afórmula feliz por ele cunhada, num “mandato invisível” que lhe foraconferido pelo povo brasileiro, Evandro defendeu, na tribuna doSenado e no Supremo Tribunal Federal, o primeiro e irrevogáveldogma de toda democracia: o poder político emana do povo, quepode, portanto, em estrita lógica e elementar justiça, retomá-lo emsuas mãos, ou destituir de pleno direito os representantes por eleeleitos, ainda que no curso do mandato.

Ainda faltava, porém, completar essa vida de advogado exem-plar com mais uma memorável defesa na tribuna do júri. Dessa vez,o crime imputado ao réu inseria-se na grande questão social queatravessa toda a nossa História: a posse da terra. No limiar de seusnoventa anos, Evandro assumiu, com o ardor e a galhardia de umjovem bacharel, a causa de José Rainha Júnior, um dos líderes doMovimento dos Sem Terra, acusado de duplo homicídio numa ci-dade do interior do Espírito Santo.

Aí está, descrita em traços largos e forçosamente infiéis, por-que sumários, a rica personalidade desse advogado, que soube fazerde sua atividade profissional um instrumento de proteção dos di-reitos humanos.

Já tive a oportunidade de afirmar, em aparente paradoxo, queEvandro Lins e Silva fez da advocacia um autêntico ministério

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público. A razão é simples. Ministro ou ministério são palavrasque provêm do étimo latino minus. Minister, na língua matriz,opõe-se a magister: é o servidor ou agente subordinado. O adje-tivo publicus, por sua vez, designava em latim o que pertence aopovo.

A explicação está, portanto, dada: o advogado Evandro Lins eSilva foi sempre, à sua maneira, um servidor do povo brasileiro. Éa suprema honra a que pode aspirar um cidadão.

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Evandro Lins e Silva conquistou uma posição singular no forocriminal do Brasil. Destacou-se desde cedo na tribuna do júri e nadefesa de rumorosos processos políticos, no Tribunal de SegurançaNacional. Dono de uma técnica pessoal incomparável e de umafecunda criatividade, a marca de sua atuação está em todas ascausas que defendeu, desde a década dos 30. A partir de 1961,desempenhou eminentes funções públicas. Foi procurador-geral daRepública, foi chefe do Gabinete Civil da Presidência da Repúbli-ca, foi ministro das Relações Exteriores e, finalmente, ministro doSupremo Tribunal Federal, onde permaneceu por mais de cincoanos, até ser aposentado com base no Ato Institucional n. 5. Atodos esses cargos emprestou o relevo de sua inteligência e de suacultura.

Evandro Lins e Silva acaba de ter seu grande reencontro com atribuna do júri, quase vinte anos depois de a ter deixado, no famosoprocesso Doca Street, cujo julgamento, em Cabo Frio, alcançou umarepercussão nunca vista nos anais do foro brasileiro.

Mais uma vez, o notável advogado voltou a dominar a tribuna,onde é considerado mestre, no consenso de todos os seus colegase, nobremente, até de seus adversários.

Este livro é uma verdadeira antologia da advocacia criminal. Aprimeira parte contém observações sobre a atuação do advogadono júri e nos crimes políticos. A segunda parte descreve a atuaçãodo advogado num caso concreto – o processo Doca Street –, des-de a luta por sua liberdade até a sustentação da decisão dos jura-dos. A terceira parte comenta ecos do julgamento.

O livro interessa a todos, bacharéis e não bacharéis, porquerelata, no estilo vivo do autor, um drama emocionante da vida,conta outras estórias, é denso de informações sobre a instituição

NOT A DA 3a EDIÇÃO

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do júri popular, relembra o Tribunal de Segurança Nacional, naditadura do Estado Novo (1937 a 1945), tribunal de exceção, detriste memória, que condenou milhares de brasileiros por crimes deopinião. Ao mesmo tempo, é uma lição e um exemplo para advo-gados e estudantes de direito, que nele encontram um raro e mag-nífico modelo de atuação profissional.

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A muitas pessoas devo agradecer a colaboração prestada noprocesso a que respondeu Raul Street. O rol deve ser encabeça-do pelo Dr. Waldemar Nogueira Machado, hoje meu amigo, figu-ra modelar de advogado, na cidade de Cabo Frio. Comparei-o, emcarta, a dois grandes e famosos advogados do interior da França:Raymond Filippi e Joannés Ambre, biografados por Georges Di-rand e Pierre Joly, juntamente com René Floriot, num livro delicio-so Maitre, vous avez la parole (Ed. Calman-Levy, 1975). E aliescrevi: “Esse famoso júri de Cabo Frio deu-me a oportunidade deconhecer de perto um advogado que milita no interior e que nadafica a dever a Ambre e a Filippi, na capacidade técnica, na probi-dade e na ética com que exercia a profissão. Foi pena que essenotável advogado, que se chama Waldemar Nogueira Machado,não me tivesse acompanhado à tribuna do júri, apesar da minhainsistência. Nem por isso foi menos valiosa a sua cooperação nadefesa da causa, com os seus conselhos, com as suas observaçõesoportunas e até com a indicação de dados doutrinários, de livros ede jurisprudência”.

Aos meus companheiros de causa, Técio Lins e Silva, ArthurLavigne e Ilídio Moura, agradeço a leal e eficiente cooperação emtodas as peripécias do processo e, mais do que isso, superandovaidades naturais, a iniciativa que tiveram de me delegar a defesapor inteiro no julgamento perante o júri, de forma a dar maior uni-dade ao seu desenvolvimento. Agradeço também ao jovem cole-ga de Cabo Frio, Dr. Paulo Roberto Pereira, que acompanhou acausa desde o seu começo e que teve uma excelente atuação nojúri, no pouco tempo de que dispôs.

A Emmanuel Viveiros de Castro, colega do mais alto nível in-telectual, cujas sugestões me foram extremamente úteis, tambémdeixo aqui um agradecimento especial.

AGRADECIMENTO

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À minha assistente Dra. Nadi Maria de Melo Lima, que traba-lhou a valer, com dedicação exemplar, na feitura e preparo de to-das as peças da defesa, bem como na ordenação dos originaisdeste livro; à Dra. Neide de Moraes e Silva, também nossa as-sistente, incansável na pesquisa de elementos; aos nossos es-tagiários Nelson Porto Filho e João Carlos Castellar Pinto; e aoscolaboradores de nosso escritório, Luiz Carlos Coelho e CarlosAntônio Ferreira, solidários e dedicados dentro de suas atribuições,o nosso agradecimento.

Aos funcionários do cartório de Cabo Frio, escrivão SidneyMartins e escreventes Jailton Silva Ferreira, Ivana Ferraz, Deni-ze Costa, Salete Souza Santos, Elisabeth Campos e Lúcia ReginaMoura; aos oficiais de justiça Horácio dos Santos e Jalles Antunese demais auxiliares, aqui fica o registro da lisura de seu procedimen-to e da cordialidade mantida com todos os companheiros, antes edepois do julgamento.

Ainda, o agradecimento comovido de um velho advogado aopovo de Cabo Frio, que lhe dispensou uma simpática e generosaacolhida em todas as fases e durante todo o tempo em que decor-reu o processo de Raul Street. Aos cidadãos jurados não há o queagradecer, porque justiça não se agradece: há que cumprimentá-los por sua firmeza, por sua inteligência, por sua compreensão, pelaelevação com que se conduziram durante todo o desenrolar de umestafante julgamento.

Finalmente, um agradecimento particular à Sra. Sônia MariaMoura Pereira da Silva Isnard, filha do meu velho e muito queridoamigo Severino Pereira da Silva, que proporcionou condiçõesideais de permanência em sua casa, na cidade de Cabo Frio, ondefoi possível instalar toda a infraestrutura de que necessitávamospara trabalhar e para nos preparar para o julgamento.

A todos, muito obrigado.

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Conta a lenda que a grande deusa Demeter caminhava pelaterra à procura de sua filha, raptada por Hades, deus dos infernos.Chegou um dia à corte de Keleos. Ninguém a reconheceu, no dis-farce de suas roupas. A rainha Neera confiou-lhe a guarda de seufilho recém-nascido Triptoleme, que depois se tornou rei legendá-rio de Eleusis, inventor da agricultura.

Demeter tomou-se de afeição pela criança e queria torná-laimortal. Todas as noites, quando a casa inteira dormia, ela tiravaTriptoleme do berço, e, com aparente crueldade, mas na realida-de guiada por um imenso amor e com o desejo de transformá-lonuma divindade, untava o seu corpo de ambrosia e o deitava numleito de brasas.

André Gide, no seu famoso e polêmico livro Retour de l’URSS,imagina Demeter debruçada sobre essa criança radiosa, como seolhasse a humanidade futura. O ardor da fornalha fortificava anova divindade.

Demeter não pôde completar sua ousada tentativa porqueNeera, inquieta, levada por uma intuição maternal, surpreendeu aterrível experiência, repeliu a deusa, rechaçou o sobre-humano quese forjava e afastou as brasas. Perdeu-se um deus, salvou-se acriança.

Alguém quer recuperar, purificar, talvez santificar o réu, atra-vés do leito de fogo da prisão, onde as brasas, mais que o corpo,queimam o espírito. E, no enlevo de sua crença mágica, repete odesejo de Demeter, olha para o futuro e sonha ver um santo sain-do da cadeia, mais adiante.

Como na lenda, o júri não acreditou na fórmula mirífica e afas-tou as brasas da impiedosa purificação. Perdeu-se um santo, sal-vou-se o homem.

PREFÁCIO DA 1a EDIÇÃO

PRIMEIRA PARTE

VARIAÇÕES EM TORNODA ADVOCACIA NO JÚRIE NO CRIME POLÍTICO

“Se tudo mudasse de repente, provaríamosa invencível nostalgia de um passado que,malgrado as fraquezas, os anacronismos,as decepções sofridas, foi rico de alegriasas mais profundas.”

Jacques Isorni

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Terminou a acusação. O salão do júri está repleto, casa cheia,corredores superlotados, gente se acotovelando para conseguiruma posição menos desconfortável, uma multidão na rua disputandoo privilégio de entrar no recinto. Espalha-se um burburinho na pla-teia. Há expectativa, há nervosismo, o crime excitou a opinião pú-blica. Parece que sobe a cortina para um grande espetáculo. Umdrama da vida real chega ao seu epílogo, decide-se o destino doacusado.

O juiz aciona os tímpanos e se ouve sua voz de comando:– Tem a palavra o advogado de defesa.Esse é o instante angustiosamente esperado durante dias,

meses, anos, é o momento da concentração completa, absoluta, éa partida para o derradeiro esforço, é a hora de trazer à luz o fru-to de um trabalho, que vai brotar e ter vida, após longa, afanosa,cansativa preparação. O advogado levanta-se tenso, em “estadode júri”, um turbilhão de ideias e argumentos na cabeça. Deledepende a liberdade de um ser humano sentado à sua frente, é sua,somente sua, a responsabilidade de convencer os sete jurados quevão decidir a causa, de alma e consciência. Cabe-lhe esclarecer,persuadir, conquistar essa alma e consciência. Todos os olharesestão voltados para ele, tudo está parado esperando a sua palavra.

Não é possível errar, o discurso é dito uma só vez, não se re-pete, não se corrige. O advogado põe em jogo todo o seu cabedalde conhecimentos, todo o seu fervor profissional, a sincera com-penetração de seu convencimento pessoal, seu talento e sua gló-ria. Não há que vacilar, ceder ou transigir. A batalha final come-ça aí e as armas estão assestadas contra o adversário. É precisomanejá-las, com perícia e determinação, de acordo com a estra-tégia concebida para vencer a guerra, ganhando a liberdade doacusado. .

TEM A PALAVRA A DEFESA