a crítica viva de décio de almeida prado

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Page 1: A Crítica Viva de Décio de Almeida Prado

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Antes de mais nada devo dizer que, do meuponto de vista, Decio de Almeida Prado é a pessoaque melhor escreve, hoje, no Brasil. Diante deseus textos sinto impulsos de plagiar Alceu deAmoroso Lima, deslocar personagens e tam-bém proclamar: ninguém escreve como ele, elenão escreve como ninguém.

Aos espíritos incrédulos – tudo é possível!– essa afirmação a seco pode parecer gêmea dainsensatez da Duquesa, o que escandalizouAlice: “primeiro a sentença, depois o julga-mento”. Por isso, apresso-me a acrescentar quetal juízo não se deve só, ou principalmente, acritérios estéticos, embora seja extraordinárioobservar a risca de um estilo que, avaliativo ecrítico, próprio de alguém que conhece melhorque ninguém o seu ofício, move-se de jeitoleve, com um ar às vezes um pouco distraídocomo se improvisasse (mas sei que essa im-pressão é falsa, como falsa é a sensação denaturalidade que os grandes atores transmitem).

Tal resultado se deve certamente à compe-tência e ao talento, mistura cada vez mais raranos dias que correm, o que permite casar pes-quisa rigorosa com experiência pessoal, remi-niscências em tom às vezes de conversa, mei-as-confissões pespontadas de ironia. Essa

A críticaviva deDecio deAlmeidaPrado

V I L M A A R Ê A S

“ A R E A L I D A D E

N A C I O N A L

N O P A L C O D E I X A

D E S E R F I C Ç Ã O ! ”

( D . A . P R A D O ) .

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inflexão discreta da voz talvez seja o que situeo crítico tão longe do cabotinismo freqüentena roda intelectual, lamentavelmente esqueci-da das sábias palavras que Bento Prado Jr.espalhou aos quatro ventos: “o narcisismo éinimigo natural da inteligência”. Ao contráriodisso Decio esgrime o senso de humor quenunca falha e que estabelece a distância neces-sária entre analista e objeto analisado, com umresultado que pode ser ou não isento, mas quese mostrará quase sempre desconfiado dalimpidez das generalidades. Escapa ele dessemodo da fábrica das idéias pré-moldadas emdireção à zona livre dos contatos diretos, sejacom seus objetos de estudo, seja com teorias,incapazes desde sempre, como bem sabemos,de se organizarem numa “ciência do teatro”.

Pois bem, Peças, Pessoas, Personagens éum livro excepcionalmente rico em todos essesaspectos, alinhando-se junto aos outros ensaiosdo autor, interessado em acompanhar o desen-volvimento do teatro no Brasil, desde seus dis-cutíveis e discutidos inícios, investigar seu pa-pel no sistema da cultura brasileira (1). Um te-atro que “tem crescido sem cessar, ainda que noritmo desordenado, cheio de altos e baixos, queé o da própria vida nacional”.

Como outros livros, este examina o teatroentre as balizas da literatura dramática e dateatralidade, “pano de fundo sem o qual as pró-prias peças não adquirem o necessário relevo”.Atento a essa realidade física, tal como se apre-senta concretamente no palco, o crítico enfrentao desafio mais radical: aquilo que, no teatro, ésempre o mais fundamental e o mais fugidio, istoé, o desempenho do ator. Sua lição tem sido a deafirmar que a arte de representar exige tanta ima-ginação criadora quanto a de escrever. Se o dra-maturgo fornece as palavras, “o resto, que nahora da representação é quase tudo, compete aoator”. Quanto a esse aspecto, João Caetano, pe-los motivos óbvios da distância no tempo ebibliografia precária, permanece como realiza-ção invejável em seu traçado metódico da figurado grande intérprete, cuja definição exigiu seuencaixe nas questões controversas do século XIX.

Em contrapartida, entretanto, a esse e de-mais livros, Peças, Pessoas, Personagensobedece a um outro plano e apresenta umaorganização material diferente. Não se trataagora de uma reunião de observações e co-mentários escritos ao calor da hora como ostrês volumes de crítica que conhecemos e que,na constância da descontinuidade, acabam por

Peças, Pessoas, Persona-gens, de Decio de AlmeidaPrado, São Paulo, Companhiadas Letras, 1993.

1 Em “Decio de Almeida Pra-do e o Papel do Teatro noSistema da Cultura Brasi-leira” (Cultura Vozes, 6,ano 89, nov.-dez. de 1995)Paulo Arantes sugere quea obra de nosso autor per-faz o roteiro de uma verda-deira formação do teatrobrasileiro.

No sentido horário:

Decio de Almeida Prado;

Ziembinski em Divórcio

para Três, de Victorien

Sardou (TBC, 1953);

e Procópio Ferreira

em O Avarento,

de Molière, 1969.

VILMA ARÊAS éprofessora deLiteratura Brasileirana Unicamp,ensaísta e autorade, entre outros, ATerceira Perna(Editora Brasiliense).

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partilhar a mesma linha uniforme. Tambémnão se desenvolve ao redor de um motivoespecífico como João Caetano ou o ensaioque se segue, João Caetano e a Arte do Ator.Temos agora nove textos aparentemente dis-tantes, distribuídos em grupos de três. Nomiolo de cada grupo, frisando-se portantosua importância, a figura de um grande ator(Procópio, Cacilda) ou do ator/autor,Guarnieri. O crítico entretanto nos adverteque embora tenham sido escritos em épocasdiferentes, obedecendo a razões várias, gi-ram todos ao redor do movimento de reno-vação do teatro nacional. Possuem portantoa unidade da preocupação comum.

Mais do que isso e estruturalmente liga-do a preocupações anteriores (as conclusõessobre Oswald, por exemplo, retrabalham otexto de 67, publicado em Exercício Findo)Peças, Pessoas, Personagens tem muito deuma suma da produção teórica do autor, pas-sada pelo fio do depoimento, da memória eda interpretação da cultura e da sociedadebrasileiras.

Examinarei cada um desses aspectos pro-curando relacioná-los.

Em primeiro lugar observo que essasquestões, mesmo possuindo um fulcrotemático, se desenrolam-se de forma inter-mitente, indo e voltando, abandonadas uminstante para serem pouco depois retocadas,mergulhadas que estão nos assuntos que senomeiam como principais: os três ensaios(“O Teatro e o Modernismo”, “ProcópioFerreira, um Pouco da Prática e um Poucoda Teoria” e “Fredi Kleeman, Ator e Fotó-grafo”); os três prefácios, nomeados à ma-neira inglesa (“A Antropofagia Revisitada”,“Guarnieri Revisitado” e “A CensuraRevisitada”); finalmente as três homenagens,a Anatol Rosenfeld, Cacilda Becker eAlfredo Mesquita.

Mais do que unidos ao redor da preocu-pação comum, a própria tensão a que é sub-metida a matéria – ora retesada, ora solta –faz com que ela tenha uma forma regular-mente irregular e que surjam à tona ousubmerjam, ora o fio contínuo da história,ora as interpretações críticas, ora observa-ções pessoais ou a consciência um poucomelancólica, mas sempre estóica, do passar

do tempo, responsável pela desaparição daspessoas que admiramos ou amamos.

Assim, em ritmo intercadente, toda a his-tória do teatro nacional comparece em Pe-ças, Pessoas, Personagens, dos românticose realistas do século passado (personagenscolaboradores do autor em sua tragicomé-dia, escrita “de brincadeira”, “A CensuraRevisitada”, ao lado, claro, da presença fran-cesa), passando pelos pré-modernistas, mo-dernistas e pós-modernistas, com suas es-trelas de primeira grandeza e suas pequenascelebridades datadas, seus estilos, palavrasde ordem e intérpretes.

No entanto, isso assim posto quase nadadiz da disposição, no sentido retórico, e al-cance dos capítulos deste livro.

O trabalho do analista é, uma vez carac-terizados aspectos e modos teatrais,relacioná-los no espírito e no tempo.

Um exemplo: quem suspeitaria que a fe-bre de aforismos e paradoxos (2) dos anos20 tivesse algo a ver com o teatro de Oswaldde Andrade, que só conhecemos como tea-tro ao final dos anos 60 (3)? Pois Decio nosmostra de forma irrevogável que o espíritoepigramático colado ao “teatro de frases”,que substituíra a voga do vaudeville e denossa gasta comédia de costumes, cristali-zou-se na famosa obra de Joracy Camargo(4), espelhando-se em O Rei da Vela, peçaescrita “na cola de Deus lhe Pague”, conclu-são que não deixa de ser desconcertante, hoje.

A diferença, observa o crítico, é que a peçade Oswald é isso e também o seu contrário, “aparódia, o deboche, os processos cênicos edramatúrgicos postos à mostra” (5). Não nosesqueçamos de que o “teatro de frases” tam-bém inclinou-se para um gênero oposto aoseu, isto é, o teatro de tese, contradição de queo próprio Oswald era consciente.

Essa reconstituição crítica da história sededica também a desfazer equívocos, a ilu-minar impasses difíceis de se compreender,corrigindo a rota da interpretação da cultura.

O primeiro ensaio, por exemplo, “O Te-atro e o Modernismo”, nega a idéia corrente,eternamente reiterada, da irrelevância do te-atro no modernismo brasileiro. Procurandopreencher tal lacuna, o crítico tece “um fei-xe de relações entre o teatro e o modernis-

2 A popularidade de BeriloNeves e o título do livro deD. Xiquote(!) (Bastos Ti-gre), Penso, Logo... EisIsto, dão bem o clima inte-lectual da época.

3 Em Pequena Taboada doTeatro de Oswald deAndrade (tese dedoutoramento, Unicamp,inédita), Orna Messer Levindescobre um verdadeiroovo de Colombo que esca-pou a todos, ao observarque a montagem do Ofici-na em 67 “impôs-se de talmaneira na historiografia doteatro brasileiro, que ficouimpossível analisar o textode Oswald sem levar emconta a versão deste espe-táculo”.

4 Mendigo: “Viver é racioci-nar. E o raciocínio é o su-premo bem da vida. Quemraciocina não sofre... Peloraciocínio, sabemos o fimde todas as coisas. A soci-edade vai sofrer, porquenão raciocina” (citado peloautor).

5 Passando ao largo da pola-rização dos anos 70 quedesencavou os velhos clu-bes do Alecrim e daManjerona – Mário ouOswald? –, Decio tem exa-minado com minúcia ascontradições de nosso mo-dernista, espelhadas comperfeição na volubilidadedas opiniões de época, ouem suas vicissitudes.

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mo, com o objetivo de provar que há entre osdois mais vínculos profundos do que sonhanossa habitual historiografia”.

A partir da evidência de que o moder-nismo conta com um autor – Oswald – e umcrítico – Alcântara Machado – a análise pas-sa a iluminar o lugar do criador de PathéBaby, “cuja exata contribuição está aindapor se levantar”. E será mesmo do exameda produção crítica do nosso modernista,“apocalíptico” e “profeta de uma nova eraestética”, que Decio conclui tratar-se, nãode um crítico no sentido profissional da pa-lavra, apreciando peças e espetáculos se-gundo padrões estéticos, mas de alguém queescreve artigos doutrinários semelhantes “àpregação naturalista de um Zola em 1870ou à campanha empreendida por BernardShaw, em fins do século XIX, a favor doibsenismo”.

Comprometido até a medula com o pro-jeto nacionalista do modernismo, AlcântaraMachado atacava os pilares básicos da cul-tura oficial brasileira, propondo “trancos”para reorientar o teatro, integrando-o aomomento universal (6) e ao que seria pró-prio do Brasil, isto é, segundo ele, a velhacomicidade farsesca. “O riso popular, su-bindo do circo e da revista, foi a chave parauma interpretação genuinamente brasileirade textos brasileiros, servindo ainda, de pas-sagem, para a reavaliação de clássicos fran-ceses e espanhóis.”

A análise minuciosa a que Decio subme-te os textos de Alcântara Machado, mostran-do-os em relação com o teatro que se fezdepois e examinando suas limitações, se fazjustiça à sua importância ao compará-los aum verdadeiro Prefácio de Cromwell denosso modernismo, aponta sua paradoxalinanidade, pois que, se alguém os leu, nãotiveram a menor repercussão no teatro. Essaintensa pregação teórica caiu no vazio. Equando de fato se iniciou a renovação tea-tral, entre 1940 e 1950, “esta se fez sem pla-no de conjunto, por avanços e recuos, poriniciativas às vezes antagônicas, quase to-das de caráter individual”.

Por seu turno, o reencontro do teatro deOswald de Andrade com os anos 60 é ana-lisado a partir da conjuntura política, no

plano nacional e internacional, que “puxou”o radicalismo estético e tirou do limbo apeça de nosso modernista. (Decio estendesuas considerações até a redescoberta deMário de Andrade no final dos anos 70,através do Macunaíma levado à cena porAntunes Filho.)

Talvez possamos identificar o ponto ner-voso dessa revisão histórica e crítica do te-atro brasileiro, da qual só citei dois mo-mentos, em sua qualidade de desfoque oudesencontro: entre intenção e realização,entre talento, disciplina e sensibilidade his-tórico-estética (confira-se o extraordinárioestudo sobre Procópio Ferreira) ou entreilusão e senso de realidade nas análisesconjunturais. Essas duas últimas parcelasestão expostas de forma sutil, ligeiramenteirônicas, nas análises das vicissitudes dopensamento de esquerda no Brasil, menoslevado à prática do que alimentado de lite-ratura, afinal sua forma mais comum ape-sar da inflamação retórica. Ou, como diriaDecio, “esse espírito de subversão apenasverbal...”.

Convido o leitor a perseguir esse fio sub-terrâneo ao correr dos nove ensaios, e quereponta aqui e ali. Seja observando o “abc domarxismo, explicado pelo Método Berlitz, deperguntas e respostas” de Deus lhe Pague, ouos pendores esquerdistas de Procópio, queafinal não durariam muito. (Diga-se de pas-sagem que a preocupação de Decio enquantocrítico atuante não era fiscalizar ideologica-mente Procópio e, sim, incitá-lo a retomarseu lugar em nosso teatro quando o grandeator começou a ser atirado para a periferiateatral; assim deve ser lida a crítica a EssaNoite Choveu Prata e não conforme a enten-deu Miroel Silveira, numa página de restocompletamente equivocada (7), mas que rimacom sua auto-avaliação em prefácio do pró-prio livro, como “um dos agentes decisivospara o surgimento do moderno teatro brasi-leiro”, às vezes com posição “evolucionária erealista, como Mao em relação à velha Chi-na...” – assim mesmo!)

Se continuamos a acompanhar o mesmofio, surpreendemos o trio Tarsila-Oswald-Pagu às vésperas da crise, em 1929, brilhan-do nos salões elegantes da Barão de Limeira.

6 Tarefa levada a cabo, emque pese a acusação de“teatro burguês” pelo TBC,que aliás encenou A Se-mente, de Guarnieri. Naépoca a censura só foi con-tornada graças à interfe-rência e diplomacia de De-cio de Almeida Prado eSábato Magaldi (cf. Viverde Teatro, uma Biografiade Flávio Rangel, de JoséRubens Siqueira, Secreta-ria do Estado da Cultura deSP/Nova Alexandria,1995). Aliás, todo teatro aque assistimos aqui e ali éburguês, criticando ou nãoa burguesia, tomando ounão partido de classe.Quanto ao teatro popular,confiram-se textos deMarlyse Meyer, principal-mente alguns contidos emCaminhos do Imagináriono Brasil (Edusp, 1993).

7 Em A Outra Crítica. SãoPaulo, Símbolo, 1976.

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“Pouquíssimo tempo depois, os três, jádesligados, mas obedecendo individual-mente ao mesmo imperioso mandato his-tórico, inscreviam-se artística e huma-namente na contestação comunista.Tarsila adotava a ‘pintura social’. Paguescrevia sob pseudônimo um romanceproletário. E Oswald, na capa interna doSerafim, renegava a totalidade de sua obrapublicada até aquela data, 1933”.

Se damos um salto aos anos 60, observa-mos da mesma forma uma certa incorporaçãodo marxismo, segundo a letra e a música daépoca. Em suma, segundo penso, a sugestãode Decio é a de que, assim como a fortunateatral, a formação do intelectual de esquerdano Brasil é também cheia de buracos e sujeitaa modismos, o que não significa desqualificaresse pensamento, mas, desculpem-me a rei-teração, repensá-lo. Seus equívocos, talvezingenuidades, não devem ser culpa de nin-guém, mas das próprias contingências em quenos formamos enquanto nação (8).

Decio não se exime dos enganos e lá osurpreendemos assistindo a Deus lhe Pague“vibrando de entusiasmo”, acrescentando-se a seu prazer “um arrepiozinho a mais – oda subversão sem perigo, efetuada somentepor meio do pensamento”.

Aqui chegamos ao último ponto que co-mentarei de Peças, Pessoas, Personagens, eque é justamente seu caráter de impureza,entre ensaio, depoimento de percurso inte-lectual, registro de época, construçãoficcional, efetivamente realizada na tragi-comédia de A Censura Revisitada. Esse tra-ço já o havia registrado Antonio Arnoni Pra-do em ‘O Teatro de Decio de Almeida Pra-do’ (9), observando que o click da máquinade Fredi Kleeman “modelou a fisionomia deuma geração”, retratando antes personagensque pessoas. Incluindo-se também entre asprimeiras, Decio abre o intervalo necessáriopara examinar-se ou acompanhar os própriospassos com a relativa isenção permitida peladistância e com um mínimo de adesão. As-sim o flagramos em seus equívocos, ilusõesou acertos, tomamos conhecimento de seupercurso intelectual na esfera do teatro, daimportância, admitida com simplicidade, de

sua geração, participamos de sua surpresacom a própria juventude (aqui o tempo écircular) ao folhear o álbum de FrediKleeman: “Como era jovem o nosso teatropor volta de 1950! Que belos rostos adoles-centes tinham tantos dos meus amigos ecompanheiros de viagem de então!”.

Por isso Peças, Pessoas, Personagenstambém se revela como um livro de forma-ção, podendo ser alinhado ao lado de Recor-tes, de Antonio Candido que “sem ser auto-biográfico”, segundo Nelson Ascher (10),“delineia com traços fortes seu percurso in-telectual”. São ambos “livros soltos”, reche-ados de lembranças, não a serviço dasentimentalidade, mas com a intenção do tes-temunho, a homenagem aos companheiros,o respeito em relação aos traços da culturanacional, mesmo se desajeitados. Como sãolivros reveladores ou desmistificadores, nãopodem ser neutros, no sentido de manter afas-tada de si a subjetividade. Pois não é verda-de que, intrínseco ao real, o discurso é parteda subjetivação da objetividade (11)?

Passo a palavra a Yan Michalski no livropóstumo Ziembinski e o Teatro Brasileiro (12)ao observar ser impossível escrever sobre seupersonagem, “autêntico eixo da evolução doteatro brasileiro” sem escrever ao mesmo tem-po sobre a história da crítica teatral brasileirado período. Acrescenta ser indispensável “res-saltar mais uma vez o papel desempenhadopor Decio de Almeida Prado – tão revolucio-nário em sua contribuição para a crítica quantofoi o papel desempenhado por Ziembinski nasua contribuição para o palco”.

Não tenho dúvida que a razão desse re-conhecimento repousa no compromisso deDecio de Almeida Prado com a cultura viva.

Peter Brook observa em The Empty Space(13) que a diferença entre vida e morte, tãoclara no homem, é um tanto obscura em ou-tros campos. Quanto ao teatro, ele o definecomo uma arte autodestrutiva, sempre “es-crita no vento”. O espectador morto, ou ocrítico morto, ou o dramaturgo morto nãopodem respirar o ar rarefeito dessaefemeridade e apenas querem ver confirma-das no palco as próprias teorias.

É fácil concluir que Decio de AlmeidaPrado joga no time oposto.

8 Eis uma ingenuidade real-mente ingênua, hoje difícilde entender, mas que valea pena relembrar: Tempo:depois do golpe de 64;Lugar: Teatro Opinião,Copacabana; Hora: saídado espetáculo; Todos (in-clusive eu) contritos e sus-surrantes: “o golpe não vaipoder resistir depois desteespetáculo” (pano rápido).

9 Publicado em Novos Estu-dos Cebrap, 38, março de1994.

10 Folha de S. Paulo, 31 demaio de 1992.

11 A formulação é de Chicode Oliveira em O Elo Per-dido Classe e Identidadede Classe, São Paulo,Brasiliense, 1987.

12 Hucitec/Ministério da Cul-tura/Funarte, 1995. Ediçãofinal do texto de FernandoPeixoto, com a colabora-ção de Johana Albu-querque.

13 Londres, McGibbon & Klee,1968.