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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
LAERCIO DIAS GUIMARÃES
A CRISE POLÍTICA E A DESAGREGAÇÃO DO IDEAL DE
CIDADANIA NA ATENAS CLÁSSICA
SÃO LUÍS
2012
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LAERCIO DIAS GUIMARÃES
A CRISE POLÍTICA E A DESAGREGAÇÃO DO IDEAL DE
CIDADANIA NA ATENAS CLÁSSICA
SÃO LUÍS
2012
Trabalho apresentado ao curso de
História Licenciatura Plena da
Universidade Estadual do Maranhão,
como pré-requisito para obtenção do
título de licenciado em História.
Orientador(a): Prof. Dra. Ana
Lívia Bonfim Vieira.
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Guimarães, Laercio Dias. A crise política e a desagregação do ideal de cidadania na Atenas Clássica / Laercio Dias Guimarães. – São Luís, 2012. 73 f Monografia (Graduação) - Curso de História, Universidade Estadual do Maranhão, 2012. Orientador: Profa. Drª. Ana Lívia Bonfim Vieira. 1.Política. 2.Cidadania. 3.Democracia. Título CDU: 321.15
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LAERCIO DIAS GUIAMARÃES
A CRISE POLÍTICA E A DESAGREGAÇÃO DO IDEAL DE
CIDADANIA NA ATENAS CLÁSSICA
Aprovado em ____/_____/______
Banca Examinadora
__________________________________________________________________
Prof. Dra. Ana Lívia Bonfim Vieira (Orientadora)
___________________________________________________________________
1° Examinador
____________________________________________________________________
2° Examinador
Trabalho apresentado ao curso de
História Licenciatura Plena da
Universidade Estadual do Maranhão,
como pré-requisito para obtenção do
título de licenciado em História.
Orientador(a): Prof. Dra. Ana
Lívia Bonfim Vieira.
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A minha querida mãe, Luzia,
ao meu pai, Rafael,
e as minha irmãs.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus pela minha existência e por estar sempre
presente em minha vida, iluminando-me e dando- me forças.
À Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e à Coordenação do curso de
História, por proporcionar os meios e as condições para um aprendizado de qualidade.
Pela concessão da minha primeira bolsa de iniciação científica BIC/UEMA e também
ao CNPQ por ter acreditado no desenvolvimento da minha pesquisa e ter feito com que
pudesse prosseguir com tal pesquisa.
A todos os professores pelos ensinamentos transmitidos, em especial à
professora Adriana Zierer pelos conselhos repassados, pelas conversas em momentos de
crise. Ao caro professor Fábio Henrique Monteiro, velho conhecido da 5° série do
ensino fundamental e que tive a satisfação de reencontrá-lo na UEMA, depois de muitos
anos. Também, ao professor Yuri Costa pelas conversas desenvolvidas e pelas dicas e,
principalmente, pelas cobranças feitas e que influenciaram meu desenvolvimento
acadêmico.
A minha orientadora, professoraAna Lívia Bonfim Vieira, por aceitar o desafio
de orientar este trabalho, fruto de longo tempo de pesquisa na área de História Antiga,
pela orientação nestes anos como bolsistas, a sua dedicação e paciência, pelo constante
apoio e incentivo para a realização deste trabalho.E, principalmente, por ter contribuído
pela paixão que sinto nesteramo da História.
Aos meus pais, Luzia Dias Guimarães e Rafael Sena Guimarães, pela presença
constante em minha vida, pelo apoio, cuidado e dedicação, e também por me
proporcionarem condições necessárias para meus estudos e, principalmente, na minha
formação como ser humano. E, aos minhas irmãs, Alinhe Dias Guimarães e Helaine
Dias Guimarães, pelo companheirismo e compreensão e pelos longos debates com elas.
Aos meus amigos: Felipe Carvalho Nina, Marcio Renato Ribeiro, Thiago
Silva Menezes, Eduardo Nogueira, Fabiana Santana, Vera Lúcia, Cibely França,
Alderico Segundo, Elielson Câmara, Melissandra Pinheiro,que sempre estiveram
presente nesses anos, compartilhando momentos de aprendizagem, alegria, tristezas e
amizade. E, a todos os outros amigos que estiveram presente durante a execução desta
monografia, dando-me forças para a execução da mesma.
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Faça sempre com que as pessoas acima de você se sintam
confortavelmente superiores. Querendo agradar ou
impressionar, não exagereexibindo seus próprios talentos ou
poderá conseguir o contrário inspirar medo einsegurança.
Faça com que seus mestres pareçam mais brilhantes do que
são narealidade e você alcançará o ápice do poder. Robert
Greene e JostElffer.
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RESUMO
Este trabalho visa estabelecer uma reflexão sobre as relações entre a política e a
cidadania na Atenas Clássica. Durante o Período Clássico, Atenas viveu sob o sistema
de governo criado e desenvolvido por ela, a Democracia. Neste sistema, o ideal era o da
participação direta dos cidadãos na política, ou seja, era exigida a sua participação ativa
na Assembleia deliberativa votando as leis e as decisões que entrariam em vigor.
Considerava-se como modelo ideal de cidadão ateniense aquele que estava preocupado
com o bem da sua comunidade e, assim, com toda a população. Portanto, a comunidade
ateniense prezava a harmonia, o equilíbrio e a justa-medida. Alguns destes valores eram
esperados e exigidos de seus cidadãos formando, assim, o modelo de cidadão ideal.
Além do mais, verificaremos os fatores que levaram a inversão destes valores, ou seja, o
momento de crise do sistema democrático daquela polis, invertendo os valores ligados
ao bem comum, ligados a comunidade e dando ênfase aos valores privados ou
individuais.
Palavras-chave: Cidadania. Democracia. Política.
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ABSTRACT
This study aims to provide a reflection on the relations between politics
and citizenship in classical Athens. During the Classic Period, Athens lived under
the system of government created and developed by itself, the Democracy. In this
system, the ideal point was the direct participation of citizens in politics, in other words,
it was required their active participation in the deliberative Assembly voting laws
and decisions which enter into force. Considered as ideal model of Athenian citizen that
one who was concerned about the welfare of their community and then, the entire
population. Therefore, the Athenian people valued harmony, balance and fair-
measure. Some of these values were expected and required of its citizens, forming the
model of the ideal citizen. Moreover, we find the factors that caused the
reversal of values, that is, the moment of crisis of the democratic system of that polis,
reversing the values attached to the common good, connected to the community
and emphasizing the private or individual values.
Keywords: Citizenship. Democracy. Politics.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... p.11
1. O “SER” CIDADÃO EM ATENAS: DEFINIÇÃO E REQUISITOS...........p. 14
1.1. A Definição da Cidadania...............................................................................p.14
1.2.Os Desprovidos da Cidadania.........................................................................p.16
1.3.A Arte da Guerra: O cidadão-guerreiro ateniense..........................................p.23
1.4.A Formação da Polis Ideal...............................................................................p.27
1.5.As Virtudes Ideais do Bom Cidadão.................................................................p.34
2. A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA ATENIENSE: AS REFORMAS
“DEMOCRÁTICAS” E A CONSOLIDAÇÃO DA ASSEMBLEIA............p.37
2.1..1. O governo de Sólon..........................................................................p.37
2.1.2. O governo de Clístenes.....................................................................p.40
2.1.3.As Guerras Médicas e as reformas de Efialtes..................................p.43
2.2. A “Idade do Ouro” Atenas: Péricles e as reformas políticas e sociais na
democracia dos atenienses....................................................................................p.45
2.3. Sessões e Funções da Assembleia..................................................................p.49
3. A DEMOCRACIA EM PERIGO.....................................................................p.55
3.1.O Imperialismo Ateniense................................................................................p.55
3.2.A Guerra do Peloponeso e a Derrocada de Atenas.........................................p.57
3.2.1.A Expedição à Sicília e o desastre total de Atenas.............................p.61
3.3.As Revoluções Oligárquicas e a Derrota de Atenas.......................................p.65
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................p.71
5. REFERÊNCIAS..............................................................................................p.73
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INTRODUÇÃO
Esta monografia visa estabelecer uma reflexão sobre as relações entre a política
e a cidadania na Atenas Clássica e como estes fatores se associam com o processo de
desagregação do regime democrático e de inserção e submissão de Atenas à esfera de
poder da cosmopólis. Para isso, é preciso considerar as mudanças ocorridas em Atenas,
sobretudo no que se refere ao ideal de cidadania e os fatores que contribuíram para o
afastamento do cidadão da política.
Alguns analistas associam o processo da chamada Globalização ou
Mundialização a uma crise ou esfacelamento da noção tradicional de cidadania. A
descrença no poder público, a substituição das fronteiras geográficas por fronteiras
econômicas1, o crescimento dos interesses e do poder das esferas econômicas
internacionais, de um lado, e, o crescente fortalecimento de atitudes políticas
ultranacionalistas, fundamentalistas e individualistas de outro integram um mesmo bojo
onde os valores morais e éticos reconhecidos por todos se encontram cada vez mais
diluídos2. Neste contexto, o enfraquecimento das instituições políticas e sociais
fortaleceria tal afastamento do cidadão do âmbito das decisões da polis ateniense.
A partir da perspectiva do comparativismo construtivo de Marcel Detienne3, este
contexto contemporâneo nos impulsiona a pensar o caso da polisdos atenienses no
período clássico (V e IV séc. a.C), notadamente o IV século, quando podemos perceber
Atenas estando inserida em um processo de diluição de fronteiras culturais, com as
conquistas de Filipe e Alexandre, contribuindo para uma crise e mudança dos valores e
parâmetros culturais que até então incidiam e norteavam essa sociedade. Estes valores
em desagregação estariam fundamentalmente ligados à cidadania e à democracia.
Durante o Período Clássico, Atenas viveu sob o sistema de governo criado e
desenvolvido por ela, a Democracia. Neste sistema, o ideal era o da participação direta
dos cidadãos na política, ou seja, era exigida a sua participação ativa na
1 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Ed. Record, 2001, pp. 80-81. 2 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. São
Paulo: Ed. Record, 2001 3 DETIENNE, Marcel. Comparar o Incomparável. São Paulo: Idéias& Letras, 2004. Compartilhamos a
perspectiva da História de Marc Bloch ou de Eric Hobsbawm, para quem "Já se disse que a História é
História contemporânea disfarçada. Como todos sabemos, existe algo de verdade nisso. O grande
Theodor Mommsen escrevia sobre o império romano como um liberão alemão da safra de 48 refletia
também sobre o novo império alemão. Por trás de Júlio César, discernimos a sombra de Bismarck"
HOBSBAWN, Eric J. Sobre História. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998, p. 243.
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Assembléiadeliberativa votando as leis e as decisões que entrariam em vigor.
Considerava-se como modelo ideal de cidadão ateniense aquele que estava preocupado
com o bem da sua comunidade e, assim, com toda a população. Contudo, este ideal de
unidade e de coesão social, entra em desagregação no final do século V, e, entre outros
fatores, por conta, em especial, da Guerra do Peloponeso.
A comunidade ateniense prezava a harmonia, o equilíbrio e a justa-medida.
Alguns destes valores eram esperados e exigidos de seus cidadãos formando, assim, o
modelo de cidadão ideal. Tais características são apontadas por Aristóteles na Ética à
Nicômaco4, como sendo: a temperança (sophrosýne), a bondade (praótes), a liberdade
(eleutheriótes), a verdade (alétheia), a reserva (aidós), a justa indignação (gémesis), a
amizade e o amor (philía), a piedade (eusébeia) e a disciplina (eutaxía), a honra (time) e
a honestidade (agathón).
Na Política, Aristóteles define que: “toda cidade é uma espécie de comunidade, e
toda comunidade se forma com vista a algum bem, pois todas as ações de todos os
homens são praticadas com vista ao que lhes parece um bem...” 5 Prossegue enfatizando
sobre o que é citado nos parágrafos anteriores, a respeito do bem comum da polis grega:
“Da mesma forma, um cidadão difere do outro, mas a preocupação de todos é a
segurança de sua comunidade...” 6
Com isso, qualquer violação a esses valores tidos como regentes da ordem,
representava um perigo à unidade dos cidadãos, sobre a qual repousava o ideal de pólis
democrática. A presença do desequilíbrio era vista como uma ameaça à sobrevivência
de todo o corpo cívico da polis ateniense. Ideologicamente, o bem comum suplantava o
indivíduo. E uma desmedida (hýbris) poderia provocar uma contaminação (miasma) em
toda a sociedade, desestruturando-a. Somente a obediência às leis, aos valores morais
e/ou aos ritos religiosos poderia promover à purificação (katharsis) e o retorno à ordem
(eunomia).
A Hélade, território dos antigos gregos, abrangia uma grande área de terra que
incluía o litoral do Mar Negro a leste, as regiões costeiras da Ásia Menor, as Ilhas do
Mar Egeu, a Grécia continental, o sul da Itália e grande parte da ilha da Sicília,
prolongando-se a oeste em ambos os lados do Mediterrâneo até Cirene na Líbia e até
Marselha e alguns pontos costeiros da Espanha.
4 ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco: II. 1-10; III. 1-12 5ARISTÓTELES. Politica : I. 1252 a. 6ARISTÓTELES. Politica : II. 1277 a.
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Os gregos, conforme os relatos dos homens da época, nunca se denominavam de
“gregos”. Tal termo derivava da denominação que os romanos lhe atribuíram: Graeci.
Nos tempos micênicos eram denominados, ao que tudo indica, como Aqueus; conforme
os se podem observar na poesia homérica.
Durante o período denominado Idade das Trevas ou no seu final, o termo
helenos substituiu os outros termos e Hélade passou o nome coletivo para designar toda
a sociedade grega. Deste modo, todos que não falavam sua língua pátria, neste caso o
grego, eram considerados como “bárbaros”. Estes, para os gregos, segundo Finley7, não
só eram considerados incompreendidos, mas, também, seres de natureza inferior e,
conforme,Aristóteles deviam ser subjugados e transformados em escravos.
As cidades gregas eram pequenas e a maioria dos cidadãos vivia nas áreas
urbanas. Os não cidadãos, a maior parte da população, concentravam-se na cidade e nas
zonas do porto e, principalmente, no campo; pois, grande parte da vida e interesses
econômicos estava voltada à agricultura.
Nas cidades viviam centenas de famílias de grande riqueza: cidadãos que viviam
do rendimento das suas propriedades e dos investimentos em escravos; não-cidadãos,
cuja base econômica era o comércio, a fabricação ou o empréstimo de dinheiro. Os ricos
eram os donos das propriedades à renda e, deste modo, estavam sempre livres para se
dedicarem a política e aos estudos; principalmente, por não exercerem as atividades
manuais, que ficavam a cargo dos escravos.
A maioria dos escravos situava-se nas minas e nos serviços domestico, sendo
este último ocupado por uma vasta maioria de homens e mulheres improdutivos. Na
agricultura e na manufatura, os escravos eram menos numerosos, sendo excedido nesse
ramo da economia pelos camponeses livre.
Deste modo, no primeiro capítulo iremos estabelecer os valores da cidadania. Ou
seja, quais eram os requisitos e virtude esperados pela pólis para ser considerado
cidadão na Atenas Clássica. Além do mais, faremos menção àqueles que não detinham
tal a garantia do direito à cidadania e, também, políticos.
O segundo capítulo, abordará o surgimento da Assembleia e sua consolidação,
ao longo da história dos atenienses, junto com as reformas políticas estabelecidas pelos
legisladores, em especial: Sólon, Clístenes, Efialtes e Péricles. Verificaremos, também,
7 FINLEY, Moses. I. Os Gregos Antigos. (p.16).
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os procedimentos de votação, composição e discussão dos assuntos mais importantes
colocados em pauta pelo governo de Atenas aos seus cidadãos neste órgão.
Por fim, no terceiro capitulo trataremos da potência esta levada além mar. Ou
seja, Atena com seu projeto imperialista, iniciado após as Guerras Médicas (entre
gregos e persas). Falaremos também da Guerra do Peloponeso, envolvendo as duas
pólis rivais, de um lado, Atenas com o sistema democrático e, do outro, Esparta com seu
sistema oligárquico e como está guerra contribuiu para a desagregação do regime
democrático em Atenas.
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1. O “SER” CIDADÃO EM ATENAS: DEFINIÇÃO E REQUISITOS
1.1. A Definição da Cidadania
O problema da cidadania, na Atenas do período clássico, passa por vários
estágios. Primeiramente, na definição de quem era considerado cidadão e que, deste
modo, estaria apto a exercer tal papel: o de participar das decisões políticasreferentes
àpólis ateniense.Exercício este que ocorria nas reuniões da Assembleia e, também, com
o exercício da função de cidadão-guerreiro.
Assim, no que concerne às ideias, citadas acima, perguntamo-nos quem poderia
ser considerado cidadão na Atenas do período clássico? O que definia o cidadão? Quais
requisitos e práticas estes deviam assumir?Estas sãoquestões, a priori, simples de
responderem. Poderia ser resumida da seguinte maneira: são considerados cidadãos
apenas indivíduos do sexo masculino com dezoito ou mais anos de idade e
queparticipavam das reuniões e deliberações da Assembleia.
Quando estavam aptos para o exercícioda vida política, os filhos eram
apresentados por seus pais ao demose estes deveriam prestar o juramento de que
àqueles possuíam tal idade e que realmente eram cidadãos. Os filhos, portanto,
deveriam ser frutos de um casamento legal, em que os pais eram cidadãos atenienses e
livres de nascença, requisito vinculante para aquisição de tal direito.
Neyde Theml explicitaos requisitos da cidadania em Atenas e, ainda, fala sobre
aqueles que não tinham tal direito, afirmando que:
Os cidadãos eram considerados como o povo (dêmos), exercendo o controle político, e
não se confundiam com a população. A pólisera a koinonía politiké, de homens adultos,
de condição livre eleutheroí, com direito à participação política, à propriedade da terra e
a defesa do território cívico, soldados (hoplitas). Eles tinham os mesmos direitos e
deveres, as mesmas instituições, os mesmos cultos e gerenciavam coletivamente o
interesse do grupo (politaí) e da população global. Os politaí, eleutheroí eram aqueles
que possuíam os direitos políticos, elegendo ou sendo eleitos para exercerem uma
função pública, participando ativamente no espaço político. Cada cidadão
(polités/eleutheroí), na sua atividade pública, representava as mulheres de sua família,
seus filhos, seus escravos, os metecoí, os órfãos, as viúvas e os velhos. Mulheres,
crianças, velhos, escravos e metecos não eram compreendidos como um conjunto em si
mesmo, distinto e exterior à pólis. Eles eram bem heterogêneos e desigualmente
integrados, mas eles eram indissociáveis do sistema políade. O direito de cidadania em
Atenas advinha do fato de ser homem, livre, nascido em Atenas, ser filho de pai ou mãe
ateniense, ser reconhecido pela phatria de seu pai, inscrito nos registros cívicos
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(dêmos)e cumprir com as obrigações militares. Assim sendo, a pólis era o conjunto dos
cidadãos (politaí), que não se confundiam com a população do território cívico.8
Por outro lado, Aristóteles, na sua obra Política, define os vários requisitos
necessários para ser considerado um cidadão e, vale lembrar, um cidadão ideal que,
deste modo, estaria apto ao exercício do maior bem de um homem: a participação nas
decisões da vida pública da polis. Com isso, o mesmo autor define que:
A cidadania não resulta do fato de alguém ter o domicilio em certo lugar [...] Um
cidadão integral pode ser definido por nada mais nem nada menos que pelo direito de
administrar justiça e exercer funções públicas [...] Dizemos que são cidadãos aqueles
que podem exercer tais funções públicas. Esta é de um modo geral a definição de
cidadão mais adequada a todos aqueles que geralmente são chamados cidadãos.[...]
Então o cidadão será necessariamente diferente sob cada forma de constituição, e,
portanto, a definição de cidadão que já demos aplica-se especificamente à cidadania em
uma democracia; ela pode ser boa sob outras formas de governo, mas não
necessariamente. [...] Afirmamos agora que aquele que tem o direito de participar da
função deliberativa ou da judicial é um cidadão da comunidade na qual ele tem este
direito, e esta comunidade – uma cidade – é uma multidão de pessoas suficientemente
numerosa para assegurar uma vida independente na mesma. [...] Na prática, porém, a
cidadania é limitada ao filho de cidadãos pelo lado do pai e pelo lado da mãe, e não por
um lado só, como no caso do filho apenas do pai cidadão ou apenas de mãe cidadã.9
Desta citação percebemos quais as características que, idealmente – e, em certa
medida, era esperada na prática – eram exigidas, para ser um bom cidadão, são elas:
administrar a justiça, exercer funções públicas, participar da função deliberativa ou da
judicial. Como regra, visualizamos que este cidadão deveria estar preocupado em
ocupar as funções tipicamente administrativas ou de gestão pública da cidade. Ao final,
o autor afirma que na prática exigia-se como requisito vinculante para o exercício da
cidadania o pertencimento de nascença ao pai e mãe atenienses e, ainda, este cidadão
deveria ser homem.
Além do mais, a ideia de cidadania não estava atrelada ao fato de a pessoa
residir em determinado território. Como fala Aristóteles, ela esta voltada para ideia de
participação política e preocupação com os assuntos dapólis. A participação do cidadão
ateniense no destino da comunidade constituía também um requisito importante para a
formação do bom cidadão. A priori, pelo menos, idealmente, este devia se preocupar
com a comunidade, ou melhor, com o bem comum da pólis; já que, neste sistema
8 THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII° ao IV° séc. a.C.: O modelo Ateniense. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1988. pp. 38-39. 9ARISTÓTELES. Política: III. 1275 ab; 1275 b; 1276 a.
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político ateniense (a democracia), o ideal era o da participação direta e ativa dos
cidadãos na política. Fazendo-se presente na Assembleia votando as leis e as decisões
que entrariam em vigor, já que esta constituía uma forma direta de governo com os
cidadãos decidindo sobre a vida da pólis.
Percebemos, também, que o exercício da cidadania não estava disponível a todos
os membros que habitavam a cidade ateniense. Era extensiva apenas aos cidadãos do
sexo masculino, ou seja, a uma parcela irrisória da população. Taveira, afirma que:
Nem todos os habitantes de Atenas participavam deliberativamente na gestão política e
judiciária da pólis; esse papel estava destinado a poucos. Portanto, a democracia quando
fala tem como porta-voz esses integrantes de um grupo delineado e bastante restrito: o
dos cidadãos. Mais do que integrantes, eles são atores cujo papel principal nesta peça é
o de militantes sendo uns mais ativos outros menos. “Militar”, portanto, significava,
para Aristóteles, exercer funções de mando e decisão no governo; o ativismo político
era a marca riscada no peito do cidadão ideal.10
1.2.Os Desprovidos da Cidadania
Ficavam de fora de deste bem – a cidadania – os estrangeiros (metecos como
eram chamados pelos gregos) e que se dedicavam as atividades comerciais e/ou
artesanais. Além deles as mulheres, idosos, crianças e escravos não poderiam e não
tinham direitos políticos.
Quanto às mulheres estas estavam submissas à vontade do pai, dos irmãos ou do
marido e viviam dentro do âmbito privado, “afastadas”, portanto, do mundo público, ou
melhor, do espaço das decisões políticas. Em suma, elas eram consideradas seres
inapropriados para tomar decisões sobre política por não terem capacidade para isso e
seriam inferiores aos homens, tanto que Xenofonte dizia que era mais honroso para as
mulheres permanecerem em casa, mandando nos escravos, cuidando dos filhos e de
todos os afazeres domésticos do que ficar saindo.
A mulher, idealizada pela sociedade ateniense, portanto, deveria estar relegada e
apta para gerir o espaço privado, o oikos. Fica compreendido que a educação e os
requisitos da mulher “correta”, deveria se adequar ao gerenciamento das atividades de
âmbito doméstico, como: supervisionar os escravos, receber, distribuir e cuidar dos
alimentos, ordenar as tarefas para os subordinados, fiar, tecer, tratar dos escravos
10 TAVEIRA, Daniel Teixeira. Um Ambiente Discursivo: Reflexões sobre a rede de relações entre
cidadãos e não-cidadãos na Atenas Clássica e sua Produção Discursiva.p.23.IN:
http://www.gaialhia.kit.net/artigos_2010_2/artigo002_2010_2.pdf
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quando este precisassee cuidar do marido e filhos, deviam conceber filhos saudáveis e,
principalmente, do sexo masculino, “participar de festas entre elas as Thesmophórias,
devem permanecer em silêncio, são débeis, frágeis e apresentam a cor da pele clara.”11
Sendo assim, inferimos que todo o “sucesso” e desenvolvimento do oikos eram
atribuídos às mulheres. ParaSouza, “o cidadão ateniense reservava uma atenção especial
à atuação de sua esposa no espaço privado, pois o êxito do oikos dependia também da
atuação feminina.”12
Mesmo participando das atividades do lar, ajudando na sua execução, a mulher,
não poderia fazer as atividades típicas das escravas. Só poderia fazer aquilo que fosse
digno de seu status social. Nada que a confundisse e a coloca-se no mesmo status quo
de um escravo.
Além do mais, desta mulher, apesar de, no seu papel social, estar inclusa e
restrita ao espaço do oikos, esta não deveria ficar ociosa em casa. Deveria participar das
tarefas domésticas, tomando cuidado para não executar as tarefas próprias dos escravos,
pois, assim, estariam “cuidando de sua saúde, tornando seu corpo mais resistente para o
parto.” 13
Todos estes aspectos relacionados à mulher do período Clássico eram
construções da forma ideal pretendida pelos homens. Na vida cotidiana, todos estes
valores e modelos idealizados eram “rompidos”, “transgredidos”, mas não
definitivamente e nem por completo. Criavam, para si, um lugar social não somente no
espaço privado (oikos), mas também na esfera pública – neste último caso, utilizando-se
dos momentos de “liberdade” garantidas pelas festas, as quais as mulheres se
uniamentre si, para discutir sobre seu universo. Novas pesquisas sobre o papel das
mulheres no mundo antigo vêm sendo desenvolvidas, em especial:
Sobre a atuação feminina no mundo Clássico, colocando em xeque o modelo de
comportamento feminino idealizado pela pólisdos atenienses. Entendemos que no
cotidiano [...]transgredia esta idealização que a sociedade masculinizada havia
planejado para ela, mas vale a pena ressaltar que estas transgressões não rompiam
definitivamente com o próprio sistema. [...] quando conseguiam, assim acreditamos,
atuavam no espaço do outro, utilizando-se de táticas, subvertendo desta forma a
dominação masculina...14
11 SOUZA, Maria Angélica Rodrigues de. Mélissa: gerenciamento, complementaridade e transgressão na
Atenas Clássica.p.03. IN: http://www.gaialhia.kit.net/artigos/mariaangelica2002.pdf. 12 SOUZA, Maria Angélica Rodrigues de.Op. Cit.p.02 13SOUZA, Maria Angélica Rodrigues de. Op, cit. p.02. 14 SOUZA, Maria Angélica Rodrigues de. Op, cit. p.04.
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Assim como as mulheres, os metecos faziam parte de um grupo social que não
detinham o estatuto de cidadão e, concomitantemente, dos direitos políticos. Dentro da
historiografia especializada (visão predominante) e, também, dos autores clássicos, eles
são visto apenas como um componente estrutural da cidade. Ou seja, suas únicas
funções, na cidade, seria cuidarem dos trabalhos manuais e do desenvolvimento das
atividades econômicas, participar do exército quando convocados e pagar os impostos
devidos a pólis.
Por outro lado, temos estudos que relacionam estes indivíduos, de suma
importância para a pólis, chegando a afirmar que os metecos eram quase cidadãos ou,
utilizando-se da terminologia de Michel Clerc, “concidadãos”. Com isto, percebemos
que existe uma dialética com relação ao status quo do mesmo.Mas, o que predomina em
quase todos os estudos sobre tal grupo é a análise que o despreza. Isento, portanto, de
todos os privilégios que a cidade ateniense poderia lhe proporcionar, exceto pelo
domínio das atividades econômicas.
Neste viés econômico os metecos não eram desprezíveis pela pólis por constituir
fonte de rendimento em trabalho, sendo mão-de-obra abundante e, economicamente,
participando das atividades comerciais gerando lucro e pagando seus tributos para a
cidade. Afirma Soares, tendo como base um discurso de Xenofonte que, “os metecos
não são um gasto para a polis, pelo contrário, são uma fonte de rendimento, em serviços
e em dinheiro. [...] são gratuitos. Quanto à contribuição em dinheiro, trata-se do
metoikion.”15
A respeito de tais visões antagônicas sobre o estatuto de meteco, podemos citar
Michel Clerc, defensor da ideia de que este grupo eram concidadãos. Do outro lado,
David Whitehead afirmando que estes eram seres apolíticos.
O primeiro faz um estudo positivo dos metecos na pólis de Atenas, buscando
fugir das amarras institucionais e legais, e se detendo, especialmente, na vida cotidiana
destes e sua relação com os cidadãos. Diz que não existe diferença propriamente dita
entre os metecos e os cidadãos, que viviam uma vida harmoniosa e que, o desprezo
destes para com aqueles era feita pelos aristocratas, até mesmo contra os cidadãos mais
pobres. Assim, afirma que:
15 SOARES, Fábio Augusto Morales. A Democracia Ateniense pelo Avesso: Os metecos e a política nos
discursos de Lísias. IN:http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-27042010094630/es.php.
p.50-51.
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Cidadãos e metecos viviam da mesma vida, e, aos olhos do observador mais atento, não
se distinguia nada entre uns e outros [...] [O parecer-se com os cidadãos] não era nada
junto de um outro privilégio que fazia realmente os metecos, na vida de todos os dias,
iguais aos cidadãos [...] Os metecos tinham a mesma liberdade de comportamento, de
movimento, de expressão que os cidadãos, e na rua, não se distinguiam em nada. Atenas
era provavelmente a única cidade (ville) onde, o quinto e quarto séculos, a fusão foi
alcançada a tal ponto entre cidadãos e os estrangeiros domiciliados.16
Tal citação mostra que para o autor existe um laço de igualdade e liberdade entre
estes dois estratos sociais, garantido pela ideia da democracia que favorecia este
estrangeiro a tomar o controle da vida econômica da pólis ateniense e, deste modo,
garantir sua liberdade na economia e, possivelmente, sua liberdade política.
Apesar da relevância deste estudo, o autor supervaloriza a figura do meteco,
desprovendo-o de qualquer alteridade entre os cidadãos, negando as constantes lutas
entre estes últimos e os primeiros. Principalmente acreditando que este tinha direito a
liberdade de expressão e de participação nas instituições políticas e, também, ao
valorizar que a vida econômica era o motivador fundamental para o status privilegiado
deste ao defender a democracia, pois esta garante sua liberdade econômica, livrando-o
das amaras sociais, da subjugação por parte dos atenienses.
Por outro lado, Whitehead, defensor da ideia dos metecos como seres apolíticos
busca em seu trabalho definir o que seria o meteco, por meio das ideologias criadas em
torno deste. Afirma que, a construção e definição sobre o que é ser um meteco parte, a
priori, de um modelo ideológico feito por não-metecos. Ou seja, um discurso produzido
pelos cidadãos, pelos outros e não por eles mesmos. Critica, deste modo, a teoria
daqueles que acreditavam que o status de meteco era um privilégio adquirido pelos
estrangeiros concedidos pela pólis e que poderiam participar ativamente da vida
econômica, intelectual e religiosa junto com os cidadãos.
Whitehead afirma que o meteco tinha apenas meros benefícios e que seu estatuto
não era um privilégio, pois:
Os metecos deviam pagar o metoikion, (se capazes) pagar as eisphorai e servir como
hoplitas; [...] os metecos eram livres para promover cultos de seus locais de origem, mas
estavam proibidos de participar na observância de cultos cívicos, exceto provavelmente
pela participação (somente) na procissão do festival panatenaico e em alguns cultoso
locais do demos de residência; [...] estavam impedidos do acesso à propriedade de terra
ou de uma casa.17
16 CLERC, MICHELApud SOARES, Fábio Augusto Morales.Op. Cit. p.56. 17WHITEHEAD, David ApudSOARES, Fábio Augusto Morales.Op. Cit. p.59.
-
21
Em seguida, faz uma digressão histórica sobre o meteco entre os séculos VII e
III a.C., mostrando as variações e transformações deste grupo ao longo da história
ateniense. A partir daí é que podemos nos perguntar em que sentido o meteco é um ser
apolítico? Segundo o autor, quando os atenienses os recebem, este passa a ter um estado
e algumas garantias conferidas por lei. Mas, no momento, de admiti-lo ao corpus da
cidade, igualando-o aos cidadãos, tal direito é negado.
O meteco é excluindo das honrarias que são concedidas aos cidadãos, como:
participação na assembleia, exercer a magistratura, ser júri, ser sacerdote, entre outros.
Tal restrição é dada, segundo o autor, pelo fato de que este utiliza o conceito de política
como sendo um ato meramente baseado na timai, ou seja, as honras ou dignidades do
cidadão. Para Fábio Soares, segundo a interpretação feita por Whitehead, afirma que:
Neste sentido, não há qualquer conflito: cabe aos metecos, aos bons metecos alias
aceitarem a ideologia que os coloca como homines apolitici. A única contestação
possível está no desrespeito às leis: a infiltração dos metecos nas instituições. [...] Esta
construção impede que Whitehead perceba como o conceito de política, assim como os
parâmetros da cidadania, também é parte de uma disputa que pode se dar seja nos níveis
discursivos, seja nos níveis da ação prática. Política é o que o cidadão considera que é
política. [...] A política mantem-se monopólio dos cidadãos, não porque era, mas porque
os cidadãos diziam que era – a ideologia se torna evidência.18
Quanto à questão da participação política dos metecos na sociedade ateniense, as
respostas variam de acordo com a definição de política adotada pelos historiadores. Em
geral, o conceito sobre política foi e tem sido entendido como ação institucional. Ou
seja, a prática do debate e da decisão dentro das instituições políticas oficiais, como a
Assembleia, o Conselho e os tribunais.Entretanto, esta visão tem sido criticada
recentemente e novas abordagens se tornam possíveis para o tratamento do tema da
participação política dos metecos.
Deste modo, se a política for entendida como prática da liberdade e os espaços
políticos forem entendidos como situações espaciais desta prática, abrem-se brechas nos
impedimentos políticos aos metecos - ao combater ao lado dos cidadãos, ao discutir
política em espaços privados, ao escrever discursos para serem pronunciados em
tribunal, os metecos fariam, também, política. O exemplo mais claro desta exposição
acontece na “restauração democrática” de 403.a.C., quando os metecos fizeram parte do
18 SOARES, Fábio Augusto Morales. Op. Cit. p.62.
-
22
exército que derrubou o regime oligárquico dos Trinta Tiranos e, em seguida,
reestabeleceram a ordem da democracia ateniense, junto com os cidadãos.
Apesar destas variantes no que concerne ao estudo sobre os metecos, temos
alguns pontos em comum sobre os mesmos, a saber:a população meteca cresceu com a
formação do Império ateniense, que dinamizou a circulação de bens e pessoas no mar
Egeu e Ásia Menor; os metecos não formavam uma classe social homogênea; o fato de
pertencer à categoria trazia uma série de impedimentos legais, como o de participar da
Assembleia, de comandar navios (havia exceções), de adquirir a propriedade da terra, de
dirigir cultos públicos; eram obrigados a pagar um imposto anual, a metoikia,
equivalente a um dia de trabalho; os metecos mais ricos contribuíam, junto com os
cidadãos ricos, com os custos militares; entre as atividades exercidas pelos metecos
(mas que não eram exclusivas deles: cidadãos também a exerciam) estão o comércio de
varejo e atacado, como a importação e comercialização do trigo, a manufatura, como a
fabricação de armas (caso de Céfalos), e as atividades intelectuais, como a docência de
retórica (Górgias), de filosofia (Protágoras, Aristóteles), e a escrita de discursos
judiciários para cidadãos (Lísias); entre outros.
Como complemento desta definição de quem poderia ser cidadão, com seus
requisitos básicos e, deste modo, exercer seus direitos políticos – neste caso, participar
da Assembleia e, assim, das decisões da polis – Aristóteles faz uma definição muito
importante referente ao ser cidadão: primeiramente, distingue os cidadãos em dois
momentos, sendo os cidadãos completos (os homens adultos e, neste caso, estariam
aptos de todos os direitos a exercerem seu papel social) e, no segundo momento,
afirmando que somente é digno deste direito – a cidadania –aquele que é livre do
trabalho laboral:
Com efeito, é verdade que nem todas as pessoas indispensáveis à existência de uma
cidade devem ser contadas entre os cidadãos, porquanto os próprios filhos dos cidadãos
não são cidadãos no mesmo sentido que os adultos: estes são cidadãos de maneira
absoluta, enquanto aqueles são cidadãos presuntivos (são cidadãos, mas incompletos)
[...] Logo, a melhor forma de cidade não devera admitir os artífices entre os cidadãos; se
forem admitidos, nossa definição das qualidades do cidadão nãos se aplicará a cada
cidadão nem a cada homem livre como tal, mas somente àqueles isentos das atividades
servis. 19
19 ARISTÓTELES. Política :III. 1278 a.
http://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%B3rgias
-
23
Portanto, não era considerado digno que um cidadão exercesse funções manuais
ficando estas relegadas a dois principais grupos: os metecos e, principalmente, os
escravos. Em tese, eram estes dois segmentos sociais que exerciam tais atividades; já
que, para os atenienses as atividades mais importantes estavam relacionadas à política,
ao estudo filosófico e aos exercícios atléticos.
Afirma Xenofonte, negando os valores do trabalho manual para os cidadãos que
deveriam se dedicar, única e exclusivamente, aos ofícios tidos como bem supremo, que
seriam a prática da política, em sua acepção ampla e a arte da guerra, como sendo as
coisas dignas do verdadeiro cidadão, deixando o restante dos trabalhos àqueles que
realmente deveriam dispor dele, como os metecos e os escravos, que:
Os ofícios chamados artesanais estão desacreditados e é natural que sejam desprezados
nas cidades. Arruínam o corpo dos operários que os exercem e o corpo dos que os
dirigem, obrigando-os a levar uma vida caseira, sentados à sombra das suas oficinas e a
passar, por vezes, todo o dia perto do fogo. Ainda por cima, esses ofícios chamados
artesanais não lhes deixam nenhum tempo livre para se ocuparem dos amigos e da
cidade: de forma que quem exerce tais ofícios parece um indivíduo mesquinho quer nas
relações com os amigos quer na ajuda prestada à pátria. Por isso, em algumas cidades, e
em especial nas que são tidas por guerreiras, chega-se mesmo a proibir que os cidadãos
exerçam os ofícios artesanais.20
1.3. A Arte da Guerra: O cidadão-guerreiro ateniense
Luciano Canfora21
, em sua definição de cidadão, qualifica que, além da função
de participar das deliberações da Assembleia, este possuía outro requisito vinculante, a
saber: ser um cidadão-guerreiro22
. Era detentor de tal direito quem era capaz de exercer
a principal função dos homens adultos livres: a guerra.“É cidadão, faz parte de pleno
direito da comunidade através da participação nas assembleias deliberativas, quem é
capaz de exercer a principal função dos homens adultos livres: a guerra.” 23
Para ser considerado guerreiro, durante a antiguidade, este devia dispor dos
meios financeiros para prover seu armamento pessoal. Assim, o requisito para participar
20Xenofonte Apud MOSSÉ, Claude. O homem e a economia. IN:VERNANT, Jean P. O Homem Grego.
O Homem Grego. p. 30. 21CANFORA, Luciano. O Cidadão. IN:VERNANT, Jean P. O Homem Grego. O Homem Grego. p. 108. 22 A noção de cidadã-guerreiro apresentada é caracterizado pelo novo modelo de combatente: o hoplita.
Este tinha os seguintes componentes: grevas, elmo, couraça de bronze e um escudo circularcom diâmetro
em torno de 80 ou 90 centímetros, feito a bronze ou de uma amálgama de madeira, vimes e peles. 23CANFORA, Luciano. O Cidadão. IN: O Homem Grego. Op. cit. p. 108.
-
24
do exército era que este cidadão ateniense tivesse meios financeiros para custearem suas
despesas.
Canfora afirma que: “a noção de cidadão-guerreiro identificou-se com a noção
de ser rico; detentor de certo rendimento (na maior parte dos casos, fundiários) que
desse ao potencial guerreiro a possibilidade de se armar a expensas próprias.” 24
Com
isso, “até este momento, os que nada possuíam permaneceram numa condição de
minoridade civil e política bastante próxima da condição servil.” 25
Fato este, que não os
colocava com o direito de exercer a cidadania e, em consequência, não participar da
assembleia e nem do exército.
Tal benefício só foi possível aos que nada possuíam quando da guerra contra os
Persas em que se fez necessária uma expansão da mão-de-obra belicista. Foi, portanto,
este fato:
Político-militar que provocou – nas democracias marítimas – o alargamento dacidadania
aos que nada possuíam (os tetes), que assim ascendem finalmente à condição de
cidadãos-guerreiros, e, no caso de Atenas, como marinheiros da mais poderosa frota do
mundo grego.26
Finley afirmava que todos os cidadãos e, inclusive, os metecos poderiam ser
chamados para constituir o exército, porém apenas os mais ricos detinham tal beneficio
na prática e, assim, eram convocados. Escreve ele:
Todo o cidadão e meteco eram aptos para serviço militar, sendo a Assembleia a
determinar a dimensão de cada recrutamento. Contudo, de modo geral, apenas os
hoplitas e a cavalaria, isto é, os dois sectores mais abonados, eram chamados. Exigia-se-
lhes que fornecessem seu próprio equipamento... Embora as chamadas levas de tropas
ligeiramente armadas fossem recrutadas em certas ocasiões, é exacto dizer que, em
Atenas, o exército recrutado e não profissional no sentido moderno, era uma instituição
restrita às classes altas e médias.27
A ideia dealargamento da cidadania, em Atenas, está ligada a um fator de suma
importância, o imperialismo. Um império que tinha como base o fundamento da
opressão sobre os conquistados. Mesmo com tal subordinação, o alargamento da
cidadania28
e, portanto, do sistema democrático,
24CANFORA, Luciano. Op. cit. p. 108-109. 25 CANFORA Luciano. Op. cit. p. 108-109. 26 CANFORA Luciano. Op. cit.p.109. 27 FINLEY, Moses I. Os Gregos Antigos.pp. 63-64. 28 No entanto, a concessão da cidadania aos que nada possuem não aconteceu de forma unânime no
interior da polis ateniense. Pois, os grupos que tinham o domínio político dividiram-se. De um lado,
encontramos o grupo que irá aceitar e concordar um sistema político no qual os não detentores de
-
25
Às comunidades aliadas era considerado como um vínculo de solidariedade com os
aliados-súbditos, o que significa que, nas comunidades aliadas, e apesar da exploração
imperial por parte de Atenas, havia sempre uma parte social que achava mais
conveniente a aliança com Atenas, que devia ser consolidada pela adopção do sistema
político do Estado guia.29
Deste modo, à noção do cidadão-guerreiro faz-se um requisito necessário e, até
mesmo, uma obrigação que permeia toda a vida moral deste homem, tornando-o um
exemplo de virtude e um diferenciador social frente aos seus semelhantes (isoí), “na
medida em que, os homens se reconheciam nos olhos dos outros homens e marcavam
suas identidades como cidadão.”30
.Tão forte este sentimento de belicismo, de virtude,de
excelência,de status e de civilidade para o modelo ideal de cidadãoque Garlan afirma:
Na vida diária, a guerra é uma preocupação constante para os cidadãos: por isso,
participar nela é uma obrigação que, em Atenas, ia desde os dezenove até aos cinquenta
e nove anos (até os quarenta e nove anos, no activo, e depois, na reserva); decidir a
respeito dela constitui, por toda a parte, a competência mínima das assembleias
populares. A todos os níveis e em todos os campos se afirma o predomínio do modelo
guerreiro: na vida familiar, o soldado é [...], a figura central em torno da qual se
articulam as relações internas do oikos;na vida religiosa, cada uma das divindades do
Olimpo é dotada de uma função militar especifica; na vida moral, o valor de um homem
de bem (agathòs), a sua aretè, consiste em primeiro lugar na coragem racional que
manifesta tanto no seu íntimo, ao lutar contra as paixões mesquinhas, como no campo
de batalha onde o aguarda a “bela morte”, a única que tem um significado social.31
Notamos que este estatuto da guerra trazia em si uma relação de hierarquia
social que servia para distinguir os cidadãos dos não cidadãos e, assim, elevar, cada vez
mais, os privilégios dos primeiros e seu domínio político, econômico e militar frente aos
outros membros que compunham a pólis ateniense. Existe, segundo Garlan,
Uma concentração das capacidades e responsabilidades militares no topo da hierarquia
social, nas mãos de uma elite que no campo de batalha desempenha um papel
determinante, proporcional àquele que desempenha igualmente na política e na
economia. É a essa elite que compete exibir, na primeira fila, a sua riqueza, o seu poder
e a sua coragem, enquanto o povo, em segundo plano, se acantona em formações
compactas para apoiar e aplaudir as façanhas dos campeões. Cabe-lhe também o
privilegio das armas forjadas pelos deuses protetores, dos gigantescos paveses e,
sobretudo dos carros de guerra. [...] O exercício da força armada não constituía a fonte,
riquezas têm para si o atributo da cidadania; portanto, a maioria. Por outro lado, a minoria, apela para a
redução drástica da cidadania aos não possidentes e reestabeleça tal direito somente aos cidadãos de pleno
direito. Ponto este que será discutido posteriormente. 29CANFORA, Luciano. O Cidadão. IN: O Homem Grego. p. 109. 30
SÁ CODEÇO,Vanessa Ferreira de. Modelo de cidadania e modelo de: A Paidéia idealizada pelos filósofos. p.53. IN: http://www.gaialhia.kit.net/artigos/artigo003_2008_2.pdf. 31 GARLAN, Yvon. O homem e a Guerra. IN: O homem grego. pp. 49-50.
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26
mas a expressão privilegiada de todo um conjunto integrado de posições estatutárias
representativas dos diferentes aspectos da cidadania. Em primeiro lugar, estava a
capacidade econômica de os indivíduos se dotarem, em caso de necessidade, de um
armamento adequado. Mas não era essa capacidade em si que determinava a sua
categoria cívica. Assim, em Atenas, a classificação censitária dos cidadãos e as
atribuições políticas que lhe estavam associadas baseavam-se na importância dos seus
rendimentos e não em critérios de natureza militar.32
O caráter da guerra aceito, entre os gregos,era aquele que não fosse à guerra-
civil (stasis). Pois, esta, representava o rompimento do equilíbrio interno entre os
membros da pólis. A única aceita era a guerra entre pólis diferentes33
. Segundo Garlan,
“a guerra desenfreada e selvagem, a guerra de lobos, era considerada uma transgressão
escandalosa (hybris) às normas de convivência – por outras palavras, de justiça – que os
homens deviam respeitar não só entre eles, mas também em relação aos deuses.”34
Todos estes elementos contribuíam para que, dentro da pólis, não fossem
suplantados os elementos que davam a harmonia ao ideal de comunidade e também de
cidadão. Em que, os valores individuais, neste caso, as façanhas no combate, deste
guerreiro hoplita, que também era um cidadão, não fossem mais importantes do que a
valorização do bem comum do corpus social. Fato típico das características do guerreiro
homérico em que se prezavam os valores individuais, pois o que contava para este herói
Era a façanha individual, a proeza feita em combate. Na batalha, mosaico de duelos em
que se enfrentavam os prómachoi, o valor militar afirmava-se sob a forma de uma
aristeia, de uma superioridade toda pessoal. A audácia que permitia ao guerreiro
executar aquelas ações brilhantes, encontrava-se numa espécie de exaltação, de furor
belicoso, a lyssa, onde o lançava, como fora de si mesmo, o menos, o ardor inspirado
por um deus.35
Nas palavras de Vernant, sobre o modelo de guerreiro hoplita, diferentemente do
que acontecia no período homérico, os valores haviam se invertido, já que:
O hoplita já não conhece o combate singular; deve recusar, se se lhe oferece a tentação
de uma proeza puramente individual. É o homem da batalha de braço a braço, da luta
ombro a ombro. Foi treinado em manter a posição, marchar em ordem, lançar-se com
32 GARLAN, Yvon. Op. cit. p. 57. 33 Os meios para promover uma guerra variavam e, na prática, eram sempre recorrentes. Eis, alguns
segundo Garlan: “agressão territorial, atraques às vias de abastecimento, desrespeito por acordos
anteriores, estabelecimento de regimes malquistos, qualquer forma de ameaça real ou potencial,
impiedade, afrontas que ofuscavam a glória da cidade, tudo servia para fazerem justiça...” (GARLAN,
1991, p.52) 34 GARLAN, Yvon. Op. cit. p. 50. 35 VERNANT, Jean P. As Origens do Pensamento Grego. 18° ed. Rio de Janeiro: Difel, 2009. p.67.
-
27
passos iguais contra o inimigo, cuidar, no meio da peleja, de não sair do posto. A
virtude guerreira não é mais da ordem do thymós; é feita de sophorosyne; um domínio
completo de si, um constante controle para submeter-se a uma disciplina comum, o
sangue frio necessário para refrear os impulsos instintivos que correriam o risco de
perturbar a ordem geral da formação. A falange faz do hoplita, como a cidade faz do
cidadão, uma unidade permutável, um elemento semelhante a todos os outros, e cuja
aristeia, o valor individual, não deve jamais se manifestar senão no quadro imposto pela
manobra em conjunto, pela coesão de grupo, pelo efeito de massa, novos instrumentos
da vitória. Até na guerra, a Eris, o desejo de triunfar do adversário, de afirmar-se sua
superioridade sobre outrem, deve submeter-se à Philia, ao espirito da comunidade; o
poder dos indivíduos deve declinar-se diante da lei do grupo. 36
Além disso, os beligerantes deveriam seguir alguns requisitos essenciais antes de
travar qualquer embate, quais sejam:
Declaração de guerra na forma devida, realização dos sacrifícios adequados, respeito
pelos lugares (santuários), pelas pessoas (arautos. peregrinos, suplicantes) e pelos actos
(juramento) referentes à divindade, concessão de autorização aos vencidos para
recolherem os seus mortos e, em certa medida, abstenção da crueldade gratuita.37
1.4. A Formação da Pólis Ideal
Já que o cidadão, tanto em seu modelo ideal quanto na realidade vivida, deveria
estar preocupado com o destino da pólis, então, cabe-nos saber o que era uma cidade ou
pólis? Qual o seu papel na vida dos cidadãos? A comunidade ou cidadeera o espaço que
abrangeria a todos que pertenciam a esta localidade. Era, portanto, um conjunto
formado por “várias famílias [...], vários povoados” 38
. Aristóteles prossegue dizendo
que:
Toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a
algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que
lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a
mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este
objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a
comunidade política. 39
Além do mais, tal comunidade deveria ter mais do que uma quantidade
significativa de pessoas, que formava um todo.Deveria ter, por excelência, um requisito
36 VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. p.67-68. 37 GARLAN, Yvon. Op. cit. p. 50 38 ARISTÓTELES. Política: I. 1252 b; 1253 a. 39 ARISTÓTELES. Op. cit. I. 1252 a.
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28
básico: ser auto-suficiente. E, como finalidade maior: o bem de todos os seus membros,
principalmente, dos seus cidadãos. Ou, como define Aristóteles:
A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir
o ponto de uma auto-suficiência praticamente completa; assim, ao mesmo tempo que já
tem condições para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para
lhes proporcionar uma vida melhor [...] Mais ainda: o objetivo para o qual cada coisa foi
criada – sua finalidade – é o que há de melhor para ela, e a auto-suficiência é uma
finalidade e o que há de melhor. 40
O que significava ser auto-suficiente? Para Aristóteles, seria um conjunto de
serviços indispensáveis prestados pelo Estado para satisfazer os interesses da
comunidade e, assim, trazer, de modo ideal, a felicidade de todos que lá vivem. Ou,
como se verifica nesta citação:
Em primeiro lugar a cidade deve ter um suprimento de alimentos; depois, artífices
capazes, pois para viver necessitamos de instrumentos; em terceiro lugar, armas, pois os
membros da comunidade devem possuir necessariamente armas, tanto para seu próprio
uso quanto para servir ao governo em caso de insubordinação, e para usá-la contra quem
tentar molestá-los vindo de fora; deverá haver também certa disponibilidade de
dinheiro, de forma a assegurar recursos bastantes para necessidades internas e para as
emergências da guerra; em quinto lugar, mas como se fosse em primeiro, os serviços
religiosos – as chamadas funções sacerdotais; em sexto lugar na enumeração, mas o
mais necessário de todos, meios para decidir as questões que envolvam interesses e
direitos recíprocos dos cidadãos. Estes são os serviços dos quais a bem dizer todas as
cidades necessitam ( a cidade não é um ajuntamento de homens ao acaso, e sim uma
comunidade visando à auto-suficiência quanto às necessidades da vida, como já
dissemos, e se faltar algum deles será impossível assegurar a auto-suficiência absoluta
da comunidade). É indispensável, portanto, que a cidade seja organizada de maneira a
dispor destes serviços; consequentemente ela deve possuir um número de agricultores
suficiente para assegurar o suprimento de alimentos, além de artífices, militares, homens
ricos, sacerdotes e juízes para decidirem o que for necessário e conveniente.41
Tal ideia, para Aristóteles, era possível porque o homem é um ser social ou um
“animal político”. O único com capacidade de entender e suprir suas
necessidadesracionalmente. De agir não pensando somente em si, mas no destino de
todos. “Fazer-se um ser socializado”42
, eis o ponto principal na definição de um bom
cidadão. Pois,
A cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social, e um
homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma,
40 ARISTÓTELES. Op. cit.: I. 1253 a 41ARISTÓTELES. Op. cit.: VII. 1328 b. 42 TAVEIRA, Daniel Teixeira. Um Ambiente Discursivo: Reflexões sobre a rede de relações entre
cidadãos e não-cidadãos na Atenas Clássica e sua Produção Discursiva.p.30.IN:
http://www.gaialhia.kit.net/artigos_2010_2/artigo002_2010_2.pdf
-
29
seria desprezível ou estaria acima dos deuses (como o “sem clã, sem leis, sem lar” de
Homero fala com escárnio, pois ao mesmo tempo ele é ávido por combates), e se
poderia compará-lo a uma peça isolada do jogo de gamão. É claro, portanto, que a
cidade tem precedência por natureza sobre o indivíduo. De fato, se cada individuo
isoladamente não é auto-suficiente, consequentemente em relação à cidade ele é como
as outras partes em relação ao todo, e um homem incapaz de integrar-se numa
comunidade, ou seja auto-suficiente a ponto de não ter necessidade de fazê-lo, não é
parte de uma cidade, por ser um animal selvagem ou um deus.43
Portanto, viver na comunidade e para a comunidade era o bem maior. A forma
mais justa para o homem político e, também, para o modelo ideal de cidadão. Pois, a
cidade formava um todo organizado, “um cosmos, que se torna harmonioso se cada um
de seus componentes está em seu lugar e possui a porção de poder que lhe cabe em
função de sua própria virtude.”44
Concomitantemente, esta mesma comunidade deve proporcionar ao cidadão uma
vida justa, de felicidade e, por excelência, de ações nobilitantes, como podemos
verificar nesta passagem que, em suma, seria a comunidade ideal e o que ela deveria
proporcionar a este corpo cívico:
É evidente, portanto, que uma cidade não é apenas uma reunião de pessoas num mesmo
lugar, com o propósito de evitar ofensas recíprocas e de intercambiar produtos. Estes
propósitos são pré-requisitos para a existência de uma cidade, mas isto não obstante,
ainda que todas estas condições se apresentem este conjunto de circunstancias não
constitui uma cidade; esta é uma união de família e de clãs para viverem melhor, com
vistas a uma vida perfeita e independente. [...] Uma cidade é uma comunidade de clãs e
povoados para uma vida perfeita e independente, e esta em nossa opinião é maneira
feliz e nobilitante de viver. A comunidade política, então, deve existir para a prática de
ações nobilitantes, e não somente para a convivência. 45
Além de todos estes requisitos, citados anteriormente, para esta cidade ideal, a
mesma deveria ter condições físicas para se estabelecer. Ou seja, não deveria ser
somente auto-suficiente, mas ter uma boa localização territorial. Pensava Aristóteles que
quanto a esta última característica a cidade tinha que ser:
Favorável sob quatro aspectos: primeiro, como condição preponderante, o aspecto da
salubridade; cidades situadas em declive no sentindo oriente, e expostas a ventos que
sopram do levante, são mais salubres; como segunda condição, aquelas protegidas
contra o vento norte, pois nelas o inverno é mais suave; entre outros aspectos, o local
deve ser favorável tanto as atividades administrativas quanto às ações militares; em
relação a estas o local deve permitir a retirada fácil dos cidadãos e deve ser dificilmente
43ARISTÓTELES.Op. Cit. I. 1253 a. 44 VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. p.98. 45 ARISTÓTELES.Op. cit. III. 1281 a.
-
30
acessível e sitiável pelo inimigo; deve haver no local abundância natural de nascentes e
fontes...46
Outro requisito que Aristóteles considerava de grande importância, para o
modelo ideal de cidade, era com relação à natureza deste território, em especial, a sua
disposição estratégica que, de certo modo, iria influenciar na segurança da pólis e de
todo o corpus social que nela vivia.Acreditava que este território – que, de certa forma,
estaria preparado para as atividades militares:
De um lado ele deve ser de difícil acesso ao inimigo e fácil de ser abandonado por seus
habitantes; por outro lado, e em adição a isto, nossa asserção acerca da magnitude da
população se aplica ao território – deve-se poder abrangê-lo facilmente com o olhar, e
isto quer dizer que o território fácil de ver é também fácil de defender. Quanto à
posição, se quisermos fazer a cidade segundo nossos desejos deveremos localizá-la
favoravelmente tanto em relação ao mar quanto à terra. Um dos fatores decisivos é que
a cidade tenha comunicação fácil com todo o seu território para efeito de proteção; o
outro fator é fazê-la facilmente acessível ao recebimento dos frutos do solo de seu
território...47
O quantitativo ideal de habitantes que uma cidade deveria ter foi assunto,
também, de extrema importância para Aristóteles. Defendia que as melhores póliseram
aquelas que possuíam uma quantidade de pessoas adequadas- nem muito e nem pouco
integrantes, mas o valor mais correto e justo – e que, como fim último, buscasse o
equilíbrio dos valores internos de todos os cidadãos, além da auto-suficiência. Pois,
acreditava que “na realidade não se deve ter em vista o número de habitantes, e sim a
sua eficiência.”48
Então, mais a frente diz o filósofo que:
Não é possível que uma cidade dotada de grande número de artífices, mas de poucos
soldados pesadamente armados, seja realmente uma grande cidade [...] é difícil, ou
mesmo impossível, governar bem uma cidade muito populosa; ao menos vemos que
nenhuma das cidades com reputação de em governadas permite o crescimento
indiscriminado de sua população. [...] Há um limite, porém, para o tamanho de uma
cidade, tanto quanto para o de todas as outras coisas. [...] Da mesma forma uma cidade
constituída de um número muito pequeno de habitantes não será auto-suficiente (uma
cidade deve ser auto-suficiente), e uma constituída de um número excessivamente muito
grande, embora auto-suficiente para as necessidades básicas, será um amontoado de
gente, e não uma cidade, pois não será fácil de dotá-la de um governo constitucional.
[...] Por via de consequência tem-se o limite mínimo de habitantes para constituir uma
cidade quando esta é dotada de uma população com o número mínimo capaz de
assegurar-lhe a auto-suficiência com vistas a uma vida melhor.49
46 ARISTÓTELES.Op. cit. VII. 1330b. 47 ARISTÓTELES. Op. cit. VII. 1327 a. 48ARISTÓTELES.Op. cit. VII. p.1326 a. 49ARISTÓTELES.Op. cit. VII. 1326a – 1326b.
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Em suma, a vida da pólis e seu espaço físico, em sua forma ideal, segundo Paulo
Fernandes Louro:
Deverá ser planejado com o objetivo de apoiar o pleno desenvolvimento do cidadão e de
sua consciência cívica, pois ali vive uma comunidade que deve ser preservada e
reproduzida, com suas instituições próprias, resguardando o sentido de autonomia e o
sentimento de liberdade que era tão típico entre os gregos.50
Por fim, a respeito dos requisitos de uma boa comunidade e dos benefícios que
esta deve proporcionar aos seus habitantes, somenteé possível por meio de um
pressuposto básico e indispensável, a saber: uma boa constituição. Esta seria a base de
todas as qualidades para a definição de um bom cidadão e também de uma cidade
adequada, pois iria garantir o equilíbrio interno da cidade.
Desta forma, a constituição idealizada devia trazer a felicidade aos seus
membros, em especial, aos seus cidadãos; prezando sempre pela harmonia interna do
corpus social, também, pelos interesses que visassem o bem comum da comunidade. De
outra forma, os outros tipos de constituições ou leis que visassem aos interesses dos
governantes ou somente do povo, ou seja, a os interesses particulares de
determinadogrupo, seriam leis ou constituições falhas, por faltar um requisito básico e
indispensável, a saber: a prevalência do interesse comum ou público sobre o privado.
Aristóteles afirma que:
As constituições cujo objetivo é o bem comum são corretamente estruturadas, de
conformidade com os princípios essenciais da justiça, enquanto as que visam apenas ao
bem dos próprios governantes são todas defeituosas e constituem desvios das
constituições corretas; de fato, elas passam a ser despóticas, enquanto a cidade deve ser
uma comunidade de homens livres. 51
Mais a frente prossegue dizendo que:
Uma vez que constituição significa o mesmo que governo, e o governo é o poder
supremo em uma cidade, e o mando pode estar nas mãos de uma única pessoa, ou de
poucas pessoas, ou da maioria, nos casos em que esta única pessoa, ou as poucas
pessoas, ou a maioria, governam tendo em vista o bem comum, estas constituições
devem ser forçosamente as corretas; ao contrário, constituem desvios os casos em que o
governo é exercido com vistas ao próprio interesse da única pessoa, ou das poucas
50LOURO, Paulo Fernandes. Planejando a Pólis Ideal.IN:
http://www.revistaphoinix.kit.net/Phoinix%201996/artigo020_1996.pdf. p. 275. 51 ARISTÓTELES. Op. cit.III. 1279 a.
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pessoas, ou da maioria, pois ou se deve dizer que os cidadãos não participam do
governo da cidade, ou é necessário que eles realmente participem. 52
Portanto, toda e qualquer ação que esteja em desconexão com este princípio
pode soar frente aos outros membros da comunidade ateniense à tentativa de
implantação da tirania ou a relutância para a destruição da democracia. Estes assuntos
do âmbito público nunca deviam ser confundidos com o da vida privada e, muito
menos, ter importância secundária.
As constituições para ser eficientes e justas devem, necessariamente, ter sua
divisão em três partes básicas e ordenadas entre si, sem prioridade de poder ou
supremacia para nenhuma das partes.Divisão feita da seguinte forma: 1-) deliberação
sobre os assuntos públicos; 2-) as funções públicas e, por fim, 3-) o poder judiciário.
Segundo Aristóteles:
Todas as constituições apresentam três partes em referências às quais o bom legislador
deve examinar o que é conveniente para cada constituição; se estas partes forem bem
ordenadas, e na medida em que elas diferem umas das outras as constituições também
diferem entre si. Destas três partes uma trata da deliberação sobre assuntos públicos; a
segunda trata das funções públicas, ou seja: quais são as que devem ser instituídas, qual
deve ser sua autoridade específica, e como devem ser escolhidos os funcionários; a
terceira parte trata de como de ser o poder judiciário.53
Esta mesma lei deveria, em sua forma perfeita, seguir e garantir como forma de
justiça e equidade a seus cidadãos o princípio da isonomia54
, o qual impõe ao Estado,
neste caso, a pólis ateniense, tratar igualmente todos os cidadãos que estejam na mesma
situação fática e jurídica. Ou seja, significava que os desiguais deveriam ser tratados
desigualmente em relação àqueles que não se enquadravam na mesma situação.
52 ARISTÓTELES.Op. cit. III. 1279 b. 53 ARISTÓTELES. Op. Cit. IV. 1298 a. 54 O principio da isonomia pode ser dividido em duas formas principais: a isonomia formal e a isonomia
material. A primeira diz que todos poderão igualmente buscar os direitos expressos na lei. Já a segunda,
trata da igualdade real, a vivida pelas pessoas. A busca da igualdade material acontece quando as pessoas
são tratadas desigualmente as pessoas que estejam em situações desiguais. Geralmente, ela é usada para
favorecer grupos que estejam em desvantagem. E só tem sua eficácia e eficiência quando for pautada por
motivos lógicos e justificáveis. A isonomia, também, pode ocorrer, também, perante a lei e na lei.
Àqueladiz respeito a sua aplicabilidade, pelo legislador, seja feita sem distinções de qualquer tipo de
credo, sexo, raça, cor, entre outros. Esta última tem a ver com direcionar o legislador para não fazer
distinções entre as pessoas no momento de elaboração de tal lei.
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Este princípio vai caracterizar a relação harmônica desenvolvida no interior da
comunidade, pelo menos no plano ideal, formando uma nova forma de agir e pensar do
cidadão perante a lei55
, principalmente, entre os isois, os iguais. Para Vernant:
O vínculo do homem com o homem vai tomar assim, no esquema da cidade, a forma de
uma relação recíproca, reversível, substituindo as relações hierárquicas de submissão e
de domínio. Todos os que participam do Estado vão definir-se como Hómoioi,
semelhantes, depois, de maneira mais abstrata, como os Isoí, iguais. Apesar de tudo o
que os opõe no concreto da vida social, os cidadãos se concebem, no plano político,
como unidades permutáveis no interior de um sistema cuja lei é o equilíbrio, cuja norma
é a igualdade. Essa imagem do mundo humano encontrará no século VI sua expressão
rigorosa num conceito, o de isonomia: igual participação de todos os cidadãos no
exercício do poder.56
Em suma, a constituição ideal, para Vernant:
Deve estabelecer entre os cidadãos um justo equilíbrio a garantir a eunomia: a divisão
equitativa dos cargos, das honras, do poder entre os indivíduos e as facções que
compõem o corpo social. [...] assim concilia, harmoniza esses elementos para deles
fazer uma só e mesma comunidade, uma cidade unida.57
1.5. As Virtudes Ideais do Bom Cidadão
Além desses requisitos, outros se esperam deste cidadão, pois a comunidade
ateniense prezava a harmonia, o equilíbrio e a justa-medida. Alguns destes valores eram
esperados e exigidos de seus cidadãos formando, assim, o modelo de cidadão ideal. Tais
características são apontadas por Aristóteles na Ética à Nicômaco58
, como sendo: a
temperança, a bondade, a liberdade, a verdade, a reserva, a justa indignação, a amizade,
o amor, a piedade e a disciplina, a honra, a honestidade, a coragem, ao saber, a
faculdade de opinar, a sabedoria, o conhecimento, a inteligência. Todos estes valores
seriam, portanto, o meio termo de entre aquilo que seria mais adequado para uma vida
digna e feliz do cidadão no interior da pólis e, também, proporcionada por ela.
55 A igualdade “reside no fato de que a lei, que agora foi fixada, é a mesma para todos os cidadãos e que
todos podem fazer parte dos tribunais como da assembleia. Antes eram o „orgulho‟, a „violência de
ânimo‟ dos ricos que regulavam as relações sociais. [...] Agora é a dike que fixa a ordem de divisão das
timai, são as leis escritas que substituem a prova de força em que sempre os fortes triunfavam e que
impõem sua norma de equidade, sua exigência de equilíbrio.” IN: VERNANT, Jean Pierre. As origens do
pensamento grego. p.98. 56 VERNANT, Jean Pierre. Op. cit. p.65. 57 VERNANT, Jean Pierre. Op. cit. p.79. 58 ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco: II. 1-10; III. 1-12
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Esses valores podem ser resumidos da seguinte forma: a coragem seria o meio
termo entre o medo e a temeridade; a temperança entre do desregramento e a
insensibilidade; a bondade entre a cólera e a apatia; a verdade, entre falso e realidade; a
reserva, entre a timidez e o descomedimento; a justa indignação entre a inveja e a
aversão; a amizade e o amor consistiam no equilíbrio entre as relações afetivas entre si e
com os outros; a capacidade de opinar era uma técnica presente em virtude da
prudência; o conhecimento era classificado em três vertentes: inteligência,
demonstração e sabedoria. Ou, como fala Vernant:
A dignidade do comportamento tem uma significação institucional; exterioriza uma
atitude moral, uma forma psicológica, que se impõem como obrigações: o futuro
cidadão deve ser exercitado em dominar suas paixões, suas emoções e seus instintos.
[...] A sophorosyne submete assim cada indivíduo, em suas relações com outrem, a um
modelo comum conforme a imagem que a cidade se faz do “homem político”. Por seu
comedimento, o comportamento do cidadão afasta-se tanto da negligência, das
trivialidades grotescas próprias do vulgo quanto da condescendência, da arrogância
altiva dos aristocratas. O novo estilo das relações humanas obedece às mesmas normas
de controle, de equilíbrio, de moderação que traduzem as sentenças como “conhece-te a
ti mesmo”, “nada em excesso”, “a justa medida é o melhor”.59
As virtudes deste cidadão, elencadas acima, tinha o intuito de garantir o
equilibro interno da polis, evitando, desta forma, a desmedida (hybris) que rompia com
a ordem vigente, causando uma contaminação (míasma) ou difusão de valores
prejudiciais ao bom convívio social dos cidadãos e que, por esta razão, deveria ser
contida pelas leis – uma boa constituição – ou pelos ritos religiosos. Portanto,
Estas regras de conduta estabeleciam uma relação social de honra, cuja sanção se
materializava na vergonha e na exclusão social. Honra (time) e vergonha (aidós/aischós)
regulavam o comportamento coletivo. Estes foram dois aspectos que norteavam a
valorização da conduta social e definiam o que era bem social. Grande parte dos valores
tutelados pela pólisadivinham dos costumes, da tradição e da religião [...] A honra
ativava a necessidade diária de condutas que, indiretamente, reproduziam a ordem
políade. [...] Essa regras expressavam uma série de normas morais e religiosas que se
ligavam diretamente à consciência do homem, o qual controlava seu comportamento e
se autopunia pelo receio do constrangimento de seu grupo, pela perda de seu status, ou
mesmo, da sua morte social. Estas normas referiam-se a relações quotidianas e
fundamentais da sociedade tais como, por exemplo: o respeito e proteção aos pais; o
reconhecimento por um favor concedido, isto é, manter a confiança (psítis) do amigo; o
respeito aos deuses, a piedade (eusébia); o respeito ao hóspede; a prática da
hospitalidade; a proibição de fazer mal a um homem, mesmo criminoso, que se
refugiasse num altar; não atacar um arauto, um “embaixador” ou um suplicante; não
violar um juramento, num contrato privado; não matar em combate aquele que se
59VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego. pp. 96-97.
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rendesse; sepultar os mortos; ser moderado em suas ações (sophrosýne) e obedecer as
leis da polis.60
E, dentre todas estas características que este cidadão ideal deveria ter Aristóteles,
na Política, destaca a bondade e a obediência do mesmocomo atributo de um bom
cidadão. E, pela primeira, ela “deve relacionar-se necessariamente com a constituição
da cidade à qual ele pertence.” 61
Prossegue dizendo que “ao falar de um homem bom
queremos dizer que ele possui uma bondade única, a bondade perfeita...” 62
Desta forma,
a organização deste cosmo políade buscou desenvolver:
No cidadão, uma série de valores que o tornavam reprodutor da ordem sóciopolítica.
Isto se fazia pela valorização da coisa pública acima dos interesses individuais. Para
isso, o Estado promovia uma série de atividades, como: festivais, jogos, teatro, culto
oficial e lugares públicos cujos edifícios representavam a ideologia da autarkeía do
Estado, a harmonia, o equilíbrio e a medida. O homem vivenciava e via a presença da
pólis. Os espaços físico e social construídos no sistema políade representavam a relação
tensional e complementar entre indivíduo-sujeito e o público.63
Será possível que todos os homens que vivem na cidade e que participam da
vida política da pólis são iguais? Será que todos eles são necessariamente bons?
Aristóteles, portanto, nos responde que:
É impossível que uma cidade seja inteiramente composta de homens bons, e se cada
pessoa deve necessariamente executar bem a tarefa inerente à sua função (isto só é
possível graças à excelência de cada um), a bondade de um bom cidadão não seria a
mesma bondade de um homem bom; realmente todos devem possuir a bondade de um
bom cidadão (esta é uma condição indispensável para que uma cidade seja a melhor
possível), mas é impossível que todos possuam a bondade de um homem bom, se não é
necessário que todos os cidadãos sejam homens bons em uma cidade boa. E uma cidade
que é constituída de pessoas dissimilares segue necessariamente que a bondade de todos
os cidadãos não é uma só[...] estas considerações demonstram que a bondade de um
bom cidadão e de um homem bom não são geralmente a mesma bondade.64
Ser cidadão na sua mais perfeita qualidade envolve, por outro lado, algo mais
que a bondade. O cidadão por excelência deve possuir dois outros requisitos vinculantes
para a sua ação perfeita, pois “parece que a excelência do cidadão consiste em ser capaz
60 THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII° ao IV° séc. a.C.: O modelo Ateniense. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1988. pp. 45-46. 61 ARISTÓTELES. Política. III. 1277 a. 62ARISTÓTELES.Op. cit.: III. 1277 a. 63 THEML, Neyde. Público e privado na Grécia do VIII° ao IV° séc. a.C.: O modelo Ateniense. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1988. pp. 63-64.. 64 ARISTÓTELES. Op. cit.: III. 1277 a.
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de mandar e obedecer igualmente bem. [...] o bom cidadão deve ter os conhecimentos e
a capacidade indispensável tanto para ser governado quanto para governar.” 65
Portanto, a construção dos ideais democráticos e suas variantes como o
surgimento das Assembleias, a definição do cidadão ideal, o interesse pelo bem comum
da pólis, todos estes valores tinham como intuito a criação de uma estrutura idealizada
de valorização da cultura grega, principalmente a valorização de Atenas. Também, para
este homem grego não bastava somente ser livre e ter o atributo à cidadania, mas, sim, a
participação ativa nos problemas da pólis.
65 ARISTÓTELES. Op. cit.: III. 1277 a.
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2. A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA ATENIENSE:AS REFORMAS
“DEMOCRÁTICAS” E A CONSOLIDAÇÃO DA ASSEMBLEIA.
A Assembleia é outro ponto de debate a ser analisado, pois era nela que se
desenrolava o fazer político dos cidadãos e também o gerenciamento de quase todas as
coisas sobre a comunidade política; já que, a forma de governo em Atenas era a
democracia, a qual prezava pela participação direta dos seus cidadãos, decidindo sobre a
vida da pólis.
Neste local éque estavam presentes todos os valores esperados dos cidadãos, não
só idealmente, mas valores que fossem percebidos na vida prática de cada um deles,
também. Valores como: a temperança, a bondade, a liberdade, a verdade, a reserva, a
justa indignação, a amizade e o amor, a piedade e a disciplina, a honra e a honestidade,
entre outros citados anteriormente.
Então, para melhor entendermos o surgimento da Assembleia e sua
consolidação, ao longo da história dos atenienses, temos que nos determos sobre as
reformas políticas estabelecidas por Sólon, Clístenes, Efialtes (neste, verificamos alguns
problemas no que tange as fontes, que são raras) e Péricles, durante seus governos.
Além, de verificar como aconteciam os procedimentos de votação, composição e
discussão dos assuntos mais importantes colocados em pauta pelo governo de Atenas
aos seus cidadãos.
2.1.1. O governo de Sólon
Sólon, ao ser eleito, teve o intuito de tentar enfrentar e, ao mesmo tempo, sanar o
desequilíbrio social que Atenas estava a passando. Por um lado, os camponeses
atenienses eram obrigados a pagarem a sexta parte de sua colheita aos donos das terras;
por outro lado, sentiam-se constantemente ameaçados pelo problema do endividamento
por não conseguir pagar tal cota e, assim, reduzidos à escravidão.
Desta forma, prevendo uma possível ruptura interna que poderia abalar o status
quo da pólis, ele decretou o cancelamento das dívidas rurais e a proibição da escravidão
instituída pelo endividamento destes homens. Segundo Claude Mossé, Sólon:
Proclama a seisachteía, ou seja, a suspensão dos encargos, arrancando dos campos os
marcos que tornavam concreto o estado de dependência de seus proprietários, ao mesmo
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tempo em que anula as dívidas e revoga o direi