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201 Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 28, n. 2, p. 201-213, jul./dez. 2013 A crise econômica da Espanha no discurso da Folha de São Paulo Spain’s economic crisis in the discourse of Folha de São Paulo Noa María Carballa Rivas 1 José David Urchaga Litago 2 María Nieves Barahona Esteban 3 Alejandro Vivanco Sepúlveda 4 Resumo A atual situação econômica da Espanha e da Europa tem se convertido em um dos temas frequentes nos meios de comunicação brasileiros. O presente artigo traz uma análise de conteúdo das noticias sobre a crise económica da Espanha, publicadas no jornal Folha de S. Paulo, na sua versão digital, durante os meses de abril e maio de 2013. O objetivo é conhecer os diferentes frames ou enquadramentos noticiosos que se utiliza o jornal quando trata da crise econômica española, desde a perspectiva do framing. Além disso, este texto contribui acrescentando informação sobre o conceito que os estudantes universitários brasileiros têm sobre a atual situação econômica espanhola, com base em um questionário que foi aplicado aos alunos do último ano de curso de Jornalismo, da Universidade de Fortaleza (localizada no estado do Ceará, região nordeste do Brasil). Palavras-chave: Jornalismo. Concepção. Crise econômica. Espanha. 1 Doutora em Comunicação, graduada em Publicidade, Relações Públicas e Jornalismo pela Universidade Pontifícia de Salamanca. Atualmente é responsável pelo Departamento de Comunicación del Ayuntamiento de Santa Marta de Tormes (Espanha). 2 Doutor em Psicologia. Atualmente é profesor de Estatística e Metodologia da Pesquisa e de Psicologia na Facultad de Comunicación de la Universidad Pontificia de Salamanca (Espanha). 3 Doutora em Psicilogia. Atualmente é professora na Escuela Universitaria de Magisterio Fray Luis de León, en Valladolid (Espanha). 4 Graduado em Comunicaçao Social com especialidade em Jornalismo e Mestre em Ciência Política pela Universidad Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é professor nos cursos de Jornalismo e Audiovisual no Centro de Comunicação e Gestão da Universidade de Fortaleza (Ceará/ Brasil). Contatos: [email protected], [email protected], [email protected]

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A crise econômica da Espanha no discurso da Folha de São Paulo

Spain’s economic crisis in the discourse of Folha de São Paulo

Noa María Carballa Rivas1

José David Urchaga Litago2

María Nieves Barahona Esteban3

Alejandro Vivanco Sepúlveda4

Resumo

A atual situação econômica da Espanha e da Europa tem se convertido em um dos temas frequentes nos meios de comunicação brasileiros. O presente artigo traz uma análise de conteúdo das noticias sobre a crise económica da Espanha, publicadas no jornal Folha de S. Paulo, na sua versão digital, durante os meses de abril e maio de 2013. O objetivo é conhecer os diferentes frames ou enquadramentos noticiosos que se utiliza o jornal quando trata da crise econômica española, desde a perspectiva do framing. Além disso, este texto contribui acrescentando informação sobre o conceito que os estudantes universitários brasileiros têm sobre a atual situação econômica espanhola, com base em um questionário que foi aplicado aos alunos do último ano de curso de Jornalismo, da Universidade de Fortaleza (localizada no estado do Ceará, região nordeste do Brasil).

Palavras-chave: Jornalismo. Concepção. Crise econômica. Espanha.

1 Doutora em Comunicação, graduada em Publicidade, Relações Públicas e Jornalismo pela Universidade Pontifícia de Salamanca. Atualmente é responsável pelo Departamento de Comunicación del Ayuntamiento de Santa Marta de Tormes (Espanha).

2 Doutor em Psicologia. Atualmente é profesor de Estatística e Metodologia da Pesquisa e de Psicologia na Facultad de Comunicación de la Universidad Pontificia de Salamanca (Espanha).

3 Doutora em Psicilogia. Atualmente é professora na Escuela Universitaria de Magisterio Fray Luis de León, en Valladolid (Espanha).

4 Graduado em Comunicaçao Social com especialidade em Jornalismo e Mestre em Ciência Política pela Universidad Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é professor nos cursos de Jornalismo e Audiovisual no Centro de Comunicação e Gestão da Universidade de Fortaleza (Ceará/ Brasil).

Contatos: [email protected], [email protected], [email protected]

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Abstract

The present economic situation in Spain and Europe has become in one of the recurring topics of the Brazilian mass media. This article presents a content analysis of the news about the economic crisis in Spain, published in the newspaper Folha de São Paulo, digital version, during the months of April and May 2013. The objective is to know the different news frames that have employed this newspaper to treat the Spanish economic crisis from the perspective of framing. Furthermore, the article provides added information about the concept of the Brazilian university students and the current Spanish economic situation, based on questionnaires applied to last year students of Journalism at the University of Fortaleza.

Keywords: Journalism. Framing. Economic crisis. Spain.

Introdução: A crise econômica espanholaA economia espanhola entrou tecnicamente em recessão no ano de

2008, quando se produziram taxas de crescimento negativas. Os efeitos têm se prolongado até hoje, e não apenas no plano econômico, mas também no âmbito político e social.

A origem desta crise se enquadra no sobredimensionamento do setor da construção. Cabe lembrar que a fase de crescimento da economia espanhola se sustentou na construção, convertendo-se no setor dinamizador do desenvolvimento econômico a partir de 1997 (MATEA y SÁNCHEZ, 2006). Este sobredimensionamento do setor da construção provocou um crescimento desenfrenado de moradias que acabaram sem compradores, dado a abrupta estagnação do boom imobiliário. Isto foi consequência da “bolha”, mas também prova o quanto a superprodução da “bolha” especulativa contribuiu para tal (VERGÉS, 2011).

A crise econômica da Espanha tem repercutido nos meios de informação internacionais e, como consequência, a imagem da Espanha tem sido afetada nas primeiras páginas dos jornais, como o francês Libération (26 de julho de 2012), que trazia a bandeira da Espanha e sobre ela escrito “Perdidos”, ou o semanário econômico The Economist (27 de julho de 2012) que mostrava um touro ferido na arena em cuja testa aparecia escrita a manchete “Spain” (Espanha), mas com o “S” caindo formando a palavra ‘Pain” (dor), uma forma muito expressiva e gráfica de resumir a dura realidade econômica espanhola.

Considerando que o Brasil é uma potência emergente, não apenas pelo seu contingente populacional, mas também devido ao seu crescimento

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econômico (aumento das exportações, reservas econômicas internacionais etc.), com este estudo se pretende conhecer a imagem que tem apresentado sobre a crise econômica de Espanha o jornal mais influente do Brasil, a Folha de S. Paulo, através de “enquadramentos noticiosos”.

Enquadramentos noticiosos. Origem

As notícias são uma forma de interação verbal e simbólica. Para que um fato seja notícia, além de ser informado também deve ser recebido por um receptor que lhe atribua significado. Ao longo dos anos, a notícia tem sido definida de múltiplas formas. Cada uma delas semelhante à definição que oferece Young (1986): “Um acontecimento, fato, opinião ou valor que se torna público e que é de interesse de um certo número de pessoas, as quais podem responder a ele intelectualmente, emocionalmente ou mediante a ação manifesta” (p. 111). Portanto, as notícias podem chegar a influenciar de forma considerável a sociedade.

Há diferentes interpretações sobre uma mesma notícia, e é isto que trata de explicar a teoria do framing: a diversidade de enfoques/angulações que pode ter um mesmo tema, dependendo do meio de comunicação.

Esta teoria sustenta que os profissionais que trabalham com a informação a enquadram, isto é, adotam distintos frames ou enfoques, em função de suas experiências pessoais, afinidades, orientações políticas etc.

Segundo Enteman (1993), ‘framing’ é o processo em que selecionam alguns aspectos da realidade percebida, tornando-os mais destacados no texto comunicativo, de tal forma que se consiga promover uma definição de problema particular, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratatamento para o assunto descrito. Portanto, o autor apresenta uma ideia de enquadramento que contém várias interpretações. Diversos teóricos têm oferecido definições que seguem essa linha. Muñiz (2007) reúne as diversas definições dos autores e, entre as mais recentes, está a de Ross (2003), que assinala que o framing determina a relevância da informação e estabelece um contexto para a sua compreensão. Por sua vez, Nelson (2004) aponta que os enquadramentos são descrições e interpretações de uma mesma informação, problema o solução.

O conceito de framing é relativamente novo no âmbito da comunicação, e o contexto que dá origem a esta teoria do enquadramento é amplo e difuso

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quando se interrelaciona com as contribuições de ciências como a Psicologia, Sociologia ou Filosofia. De fato, o framing surge pela motivação de psiocólogos e sociólogos por meio dos estudoas do conhecimento.

Sábada (2008) aponta que a teoria do enquadramento tem a sua origem no desenvolvimento da denominada sociologia interpretativa. Nesta vertente, se alinham três escolas cujas contribuições aparecerão nos linhas de pensamento que se interessam pelo framing: a Escola de Chicago, a da fenomenologia e a da etnometodologia, a partir das quais surgirá um novo conceito, o framing.

Foi o antropólogo Bateson quem cunhou o termo “frame”, em 1955, no âmbito da psicologia cognitiva, ao se referir ao processo de recepção das mensagens, para definir o contexto ou marco de interpretação que levam as pessoas a se deterem em uns aspectos da realidade e desconsideram de outros?

Para Bateson, os marcos são instrumentos da psique, por meio dos quais nos aprofundamos nas diferenças que encontramos nas coisas. O seu interesse não reside nas coisas em si, senão nos que ele denomina de ‘circuitos’ das formas diferenciais que extraemos das coisas e que residem na mente. Daí que a sua definição de marco possa ser enquadrada na psicologia (SÁDABA, 2008, p. 31).

Na sociologia, Goffman dedica a última etapa da sua trajetoria profissional ao estudo desse conceito. Assim, em 1974, publica Frame Analysis. An Essay on the Organization of Experience, onde retoma o estudo feito por Bateson e o aplica à sociologia para explicar como se organizam os acontecimentos na mente e na sociedade no seu conjunto.

No âmbito da comunicação, o estudo do frame se inicia apenas em 1978, a partir de Tuchman. Esta autora é quem inicia o estudo dos frames aplicados aos meios de comunicação e descreve o marco como a conjugação do trabalho do jornalista e da organização, dois fatores que acabam por influir no produto final que elabora o meio de comunicação. Sendo assim, o objetivo do seu estudo é conhecer o impacto que tem tanto o jornalista como a organização na elaboração das notícias. Isso dependerá de diversos fatores, tais como as fontes das quais dispõe o jornalista, seu estilo, linguagem ou ideologia, entre outros.

Dois anos depois do estudo de Tuchman, em 1980, Todd Gitlin também se interessa pelos enquadramentos dos meios e a sua repercussão na ação coletiva com a sua análise sobre a cobertura do canal de televisão CBS acerca dos

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protestos estudantis nos Estados Unidos. Gitlin afirma que os frames permitem que os jornalistas processem grandes quantidades de informação de forma rápida e rotineira, e, além disso, segundo Giménez y Berganza (2009), este autor acrescenta à teoria um enfoque socializador em termos de poder quando determina que quem opera os frames é quem gestiona os símbolos sociais:

Por sua parte, Hackett acrescentará que é a ideologia do comunicador a que proporciona o enquadramento, mas em termos de influência mediática sobre o público. Embora admitindo que os meios sustentem determinados princípios ideológicos, não quer dizer que imponham seus teses a suas audiências, senão que selecionam e transformam elementos da cultura devolvendo-os de novo ao público (GIMÉNEZ Y BERGANZA, 2009, p.56).

Concluindo, a partir de 1970, os estudos comunicativos de framing têm experimentado um longo e complexo processo de evolução até a sua consolidação. Desta maneira, Vicente y López (2009) mostram que sobre estes estudos é possível perceber uma linha de trabalho que se divide em três grandes etapas cronológicas: uma fase inicial de formação (1974-1990), caracterizada pela aparição da teoria do framing em um espaço intermediário entre o psicológico e o sociológico; uma segunda etapa de definição como especialidade de estudo mediático e de aplicação desenfreada (1991-1999), definida pela aparação de um conjunto de trabalhos que combinam reflexões teóricas sobre o enquadramento mediático com uma aplicação empírica decisiva desta perspectiva em torno da análise do discurso noticioso e, finalmente, a etapa atual de reorganização teórica e de desenvolvimento empírico (a partir do ano 2000 em diante), em que tenta reorganizar teoricamente toda a especialidade. Esse período foi marcado pelo surgimento de importantes obras teóricas e metodológicas de referência (D’ANGELO, 2002; TEWKSBURY e SCHEUFELE, 2007; MATTHES e KOHRING, 2008).

Identificação dos frames

A identificação dos distintos tipos de news frames tem sido umas das preocupações dos pesquisadores do processo de tratamento informativo.

A metodologia do framing se caracteriza pela seleção de métodos quantitativos e qualitativos, com base nas duas concepções teóricas existentes:

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por um lado, a que considera que o framing é um paradigma comunicativo unitário com umas funções limitadas que, tendo como âmbito de aplicação o processo mediático, centra-se unicamente no estudo do tratamento informativo (ENTMAN, 1993); e, por outro lado, a concepção que o coloca como um estudo de pesquisa que integra diversos paradigmas (cognitivo, crítico, construtivista) e que pretende oferecer explicações gerais sobre o processo comunicativo.

Os métodos quantitativos que se utilizam para estudar o framing são principalmente a análise de conteúdo e as técnicas experimentais, com as quais é possível identificar e medir com precisão os elementos de enquadramento que estão presentes no discurso. Entretanto, os qualitativos fornecem uma observação interpretativa mais contextualizada. Contudo, esses métodos geram uma categorização com um provável excesso do analista. Consciente do valor positivo da visão pluralista do framing, para explicar deiferentes processo de comunicação, a nossa pesquisa integra os dois métodos (quantitativo e qualitativo).

Desde a perspectiva quantitativa, diversos teóricos têm determinado que existem duas possíveis abordagens à análise de conteúdo: o indutivo e o dedutivo (IGARTUA e HUMANES, 2004; MUÑIZ, 2007). Pelo método indutivo, se analisam os fatos narrados nas notícias com o objetivo de revelar os enquadramentos existentes nas informações:

Dentro do modelo indutivo, podemos posicionar a proposta que realiza Entman (1991) para identificar os enquadramentos noticiosos em um artigo noticioso. Este sinaliza que os enquadramentos estão construídos mediante palavras-chave, metáforas, conceitos e símbolos e/ou imagens visuais enfatizadas na notícia (MUÑIZ, 2007, p. 164).

Desta maneira, o enquadramento pode ser detetado pela presença de palavras-chave, associadas com as imagens visuais que aparecem como complemento da narração.

Para Miller e Riechert, citados por Muñiz (2007), os news frames podem ser identificados através da definição de certas palavras-chave. O método que empregam estes dois autores é descrito por Muñiz:

Por meio de uma análise de conteúdo, elaboram-se listas de conceitos presentes nas notícias sob objeto de estudo, a partir dos quais se pode extrair uma relação de palavras-chave

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existentes nos conteúdos dos meios. Em seguida, se debe avaliar a presenção ou ausência dos conceitos no texto, isto é, o nímero de vezes que a palabra é encontrada ou uma avaliação da presência através de uma escala de intensidade. Assim que se registra o número de vezes que as palavras aparecem, realiza-se uma série de múltiples análises para determinar a interdependência (método de agrupação de variáveis), que pode ser a análise de múltiple escalonamento ou dimensional, e a análise de conglomerados (cluster analysis). Como resultado, conseguem-se termos de enquadramento (frame terms) que tendem a ser associados exclusivamente com um ou mais grupos de conceitos, que compõem ou podem compor diferentes enquadramentos midiáticos (MUÑIZ, 2007, p. 165).

Estes autores denominam esta técnica de estudo de frame mapping e o objetivo final é “relacionar os objetos estudados com determinados objetos e a sua relação semântica (relação entre conceitos e ausência ou presença e intensidade das concorrência entre eles) a fim de descobrir a sua estrutura latente (MUÑIZ, 2007, p. 165).

Já o enfoque dedutivo panteia uma lista de itens preestabelecidos para verificar a presença/ausência dos distintos enquadramentos. Neste modelo, as análises de conteúdo são mais facéis de realizar e, além disso, através deste procedimento é possível perceber as diferências que existem entre os enquadramentos empregados em distintos meios, por exemplo, entre a imprensa escrita e a televisão. Entretanto, segundo Igartua e Humanes (2004), pode acontecer que alguns enquadramentos não sejam levados em conta porque o pesquisador tenha realizado uma relação incompleta deles.

Após descrever os enfoques, Muñiz (2007) conclui que a complexidade que acarreta o estudo a partir de uma metodologia indutiva tem feito com que a maior parte das pesquisas sobre enquadramentos noticiosos se tenham realizado a partir de um modelo dedutivo.

Finalmente, na hora de determinar os enquadramentos, o pesquisador realiza uma análise prévia em uma amostra das notícias. Para Entman (1993), os news frames são identificados pela presença e ausência de certas palavras-chave, frases feitas, fontes de informação etc. O primeiro passo consiste em definir o problema principal, a atribuição de responsabilidade, a valorização moral e a recomendação de um tratamento. Em uma linha semelhante, Druckman, citado

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por Muñiz (2007), expõe que os enquadramentos vêm determinados por termos, imagens, frases ou pensamentos que se empregam para relatar e informar sobre determinado assunto, e Tankard, citado por Muñiz (2007), propõe uma lista de onze mecanismos para identificar e medir os enquadramentos noticiosos nas notícias. Entre eles, seleções entre aspas, o início dos entre aspas, os logotipos, os quadros de estatísticas, gráficos e os parágrafos e declarações concluintes.

Com tudo isso, os pesquisadores podem realizar listas de news frames prévios à análise para determinar a sua presença dentro dos conteúdos informativos da pesquisa.

Metodologia

O universo analisado neste trabalho está composto por todas as notícias que foram publicadas na versão digital da Folha de S. Paulo5 durante os meses de

5 A empresa teve início com a fundação do jornal Folha da Noite, em 19 de fevereiro de 1921, que denunciava as deficiências dos serviços públicos. Em 1925, é criada a versão matutina do jornal, a Folha da Manhã. Em 1931, defende o liberalismo e se opõe ao Estado Novo, regime ditatorial implantado pelo presidente Getúlio Vargas. A tiragem passa de 15 mil para 80 mil exemplares e a empresa muda seu nome para Empresa Folha da Manhã. Em 1º. de julho de 1949 é lançada a Folha da Tarde. Em 1º. de janeiro de 1960 os três jornais fundem-se no título Folha de S. Paulo. Na década de 1960, a empresa inicia um processo de modernização gráfica e editorial que culminará com a sua liderança na metade da década de 1980.

Durante a ditadura militar (1964-1985), abre suas páginas do jornal para intelectuais e políticos de variadas tendências ideológicas. Em 1983, torna-se a primeira empresa jornalística da América Latina a informatizar a sua redação. Desempenha importante papel político ao promover a volta da democracia. Depois de dar destaque nas suas páginas à “Campanha das Diretas-jà”, em 1984, movimento parlamentar e popular que exigia o retorno do direito de eleger diretamente, através do voto, o presidente do Brasil. No início da década 1990, o jornal é divido em cadernos, período que coincide com a ampla cobertura que realiza sobre o impeachmant do presidente Fernando Collor, primeiro civil eleito pelo povo após o regime militar. No início de 2000, o Universo Online, do Grupo Folha da Manhã, inicia operações de parceria com empresas latino-americanas, como a UOL Venezuela, junto com o Grupo El Universal, e UOL Colombia, com o Grupo Bavaria. Também inicia participações no mercado espanhol com a UOL Espanha.

A Folha Online passa a disponibilizar conteúdo para celulares. Em 2 de maio de 2000, em parceria com o jornal O Globo, cria um jornal especializado em economia, cujo título é Valor. De acordo com a Associação Nacional de Jornais, em 2012, a Folha de S. Paulo possuia uma tiragem nacional média de 294.600 exemplares, acima dos seus dois principais concorrentes, O Globo, com 277.900, em terceiro, e o Estado de S. Paulo, em quarto lugar, com 233.200 exemplares. O segundo lugar é ocupado por um tablóide de tiragem estadual, no estado de Minas Gerais (Fonte: Texto feito a partir de dados disponíveis em http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_folha.htm).

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abril e maio de 2013. O principal motivo de escolha deste jornal se justifica por ser considerado um dos impressos mais influentes da imprensa diária brasileira.

Somente foram analisadas as notícias que tratavam sobre a crise econômica na Espanha. Para isso, se utilizaram os seguintes categorias: “crise” e “Espanha”. Através dessas duas categoría,s foram compiladas 85 unidades, das quais somente 23 correspondiam ao tema de estudo. O restante das unidades ou não eram textos informativos ou tratavam de outros temas que incluíam categorias com, por exemplo, futebol.

Os frames estudados foram os seguintes: Paralisação, Demissões, Reformas, Consumo, Recessão, Artigos sobre o Governo, Corrupção e Manifestações/Greve. Estes enquadramentos noticiosos são os que mais se relacionam com a crise econômica espanhola nos jornais espanhois e internacionais, portanto, foram considerados para análise neste trabalho.

Além disso, como material de apoio, foram aplicados questionários (n=74, 66,7% mulheres e 32,4 homens) aos alunos do último ano do curso de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Universidade de Fortaleza (Unifor), no estado do Ceará, estado ao nordeste de Brasil, com a finalidade de conhecer dados sociodemográficos, o consumo da mídia e suas impressões sobre a Espanha.

Resultados

Com os resultados obtidos, pode-se observar na Tabela 1 que o frame mais presente Paralisação (n=14), seguido de Recessão (n= 10) e como temas minoritários encontramos Demissões (n=3), Consumo (n=2) e Reformas (n=1). Não foram encontrados em nenhum dos textos assuntos relacionados à Corrupção ,a Manifestações ou Artigos sobre o Governo. Isto indica que a situação de desemprego na Espanha passou por cima dos enquadramentos noticiosos sobre o âmbito político (Manifestações, Greve e Artigos sobre o Governo), já que esses frames estavam ausentes.

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Tabela 1 - Frequência dos frames

Frames Sim Não % Total Frames (n=30)

Paralisação 14 9 46,7Recessão 10 13 33,3Demissões 3 20 10Consumo 2 21 6,7Reformas 1 22 3,3Corrupção 0 23 0Manifestações/greve 0 23 0Artigos sobre o Gobierno 0 23 0

Com relação aos resultados dos questionários aplicados, identificou-se uma idade média de 22,8 anos (desvio típico: 2,90), sendo o grupo majoritário de 21 anos. A maior parte dos entrevistados nasceram e residem no estado do Ceará (86,5%).

No que diz respeito à ideologia (1, extrema esquerda vs. 10, extrema direita), a maiorira dos estudantes posicionou-se de centro direita, isto é, 5 e 6 (41,9%) e a média ideológica foi de 5,26 (desvio típico de 2,01).

Quanto à renda familiar, os estudantes se dividem quase equitativamente nas quatro categorias de renda que foram apresentadas: menos de sete salários mínimos (27%), de sete a oito (19%), de nove a 10 salários (27%) e mais de 10 salários (27%). Portanto, podemos deduzir que, na Universidade de Fortaleza, há mais pessoas de renda alta que baixa, em comparação com a distribuição de renda no Brasil, embora também inclua a pessoas de renda baixa.

Ao estudar o consumo dos meios de comunicação, observou-se que o mais frequente entre os entrevistados é o consumo de televisão entre uma e duas horas por semana (51,4%), seguido por um baixo consumo de uma hora (27%). Quanto ao consumo do rádio, o mais frequente é o baixo consumo: menos de uma hora por semana (73%). E com relação ao consumo de jornais, a maioria dedica menos de uma hora (48,6%) ou entre uma e duas horas por semana lê o que imprensa publica (43,2%). O dado mais frequente entre os estudantes entrevistados é o consumo da Internet: cinco ou mais horas por semana (51,4%). Portanto, dedicam mais tempo à Internet do que aos outros meios, seguido da televisão, da imprensa escrita e, por último, do rádio.

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O questionário aplicado também buscou saber qual é o meio mais utilizado para informar-se das notícias (Tabela 2). Com a análise dos dados encontrados, foi possível observar que a Internet é o meio mais empregado, seguido da TV, da imprensa e, por último, da rádio, coincidindo com o uso semanal que fazem dos meios de comunicação. Isto indica mudanças de consumo se comparadas às gerações anteriores e reflete inclusive um desinteresse pelos meios tradicionais.

E quanto ao acompanhamento de notícias de âmbito exterior, a maior parte dos entrevistados assegura fazer um acompanhamento médio (40,5%) ou grande (32,4%).

Tabela 2 - Meios de comunicação mais usados para informar-se das notícias

Rádio Imprensa TV InternetNada 21,6 4,1 0 0Pouco 52,7 28,4 17,6 1,4Médio 16,2 41,9 39,2 4,1Bastante 2,7 14,9 31,1 29,7Muito 6,8 10,8 12,2 64,9Total 100 100 100 100

Com relação aos aspectos questionados sobra a Espanha no questionário, 82,4% dos alunos afirmam poder localizar a Espanha no mapa, diante de 17,6%, que não saberiam localizar espacialmente o país. 18,9% visitou a Europa e, desta porcertagem, 13,5% foram à Espanha.

Em geral, a impressão sobre a Espanha é regular (44,6%) ou boa (39,2%). Portanto, há uma impressão mais positiva que negativa.

A respeito das oportunidades de trabalho: os estudantes entrevistados apontam, na sua maioria, que há poucas opções de trabalho (77%). Somente uns 15% acreditam que há bastantes oportunidades. O lado positivo é que 62% dos entrevistados, se tivessem uma oportunidade de encontrar emprego na Espanha, iria até lá para trabalhar.

Como anedota, as mulheres, em geral, têm um melhor conceito da Espanha (46% das mulheres diante de 25% dos homens) e acreditam que há mais oportunidades profissionais (18% das mulheres diante de a um 8% dos homens). Apesar disso, os homens estão mais dispostos a imigrar a Espanha para trabalhar: um 75% dos homens iria a Espanha para trabalhar, diante de 56% das mulheres.

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Noa María Carballa Rivas, José David Urchaga Litago, María Nieves Barahona Esteban, Alejandro Vivanco Sepúlveda

Considerações finais

Nos temas relacionados com a crise espanhola, a Folha de S. Paulo deu mais destaque ao drama da paralisação na Espanha. Além disso, cabe salientar que o recorde de desemprego (taxa de 27,16%) ocorreu durante o período estudado, o 25 de abril de 2013.

A Folha de S. Paulo não trouxe, em nenhuma das 23 notícias analisadas, referências a manifestações, a greves ou artigos sobre o Governo, fatos que estavam ocorrendo no período de análise. A ausência desses frames indica que, no período, não publicou sobre temas que pudessem oferecer uma imagem negativa do Governo da Espanha.

Os estudantes entrevistados caracterizam-se por um escasso consumo de meios de comunicação tradicionais. Destaca-se o uso da Internet, que é o meio através do qual eles se informam das notícias diárias.

A renda dos lares dos entrevistados se caracteriza pela clase média-alta e ideologicamente esses jovens posicionam-se como de centro direita.

Em geral, a impressão que os estudantes da Universidade de Fortaleza têm da Espanha é positiva, mas consideram negativa a questão do desemprego.

A maioria dos entrevistados acredita que não há oportunidades de trabalho na Espanha, contudo, muitos deles gostariam de poder encontrar um trabalho na Espanha, em especial os homens, que se mostram mais receptivos em relação às mulheres à ideia de fazer as malas e imigrar para a Espanha.

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Data da submissão: 06/08/2013Data do aceite: 15/10/2013