a crescente desigualdade do futebol brasileiro
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O trabalho aborda a crescente desigualdade do futebol brasileiro, comparando-a com o equilíbrio da liga norte-americana de football. Mostra-se que São Paulo e Rio de Janeiro dominam cada vez mais as conquistas dos campeonatos nacionais, e expõe-se a principal razão para isso: a desigualdade financeira. O exemplo da NFL é colocado para melhor compreensão da competitividade e demanda inquestionavelmente maiores desse liga em relação ao futebol brasileiro. É sugerida a alteração do status quo do futebol brasileiro, tanto em relação à divisão dos direitos de TV, como a criação de um sistema de Draft, medidas que tornariam nosso futebol mais competitivo, atrativo e, assim, rentável. The present article addresses the inequality in brazilian soccer, comparing it with the more balanced situation of the U.S. National Football League (NFL). It exposes the increasing dominance of the states of Sao Paulo and Rio de Janeiro, as well as its main reason: financial inequality. NFL’s example is presented for a better understanding of its unquestionable larger competitivity and demand compared to brazilian soccer. It’s sugested that the brazilian soccer’ status quo should be changed, when it comes to transmission rights sharing as well as the creation of a Draft system, means that inevitably would lead to a more attractive ergo profitable soccer.TRANSCRIPT
A CRESCENTE DESIGUALDADE DO FUTEBOL BRASILEIRO
Igor Marcondes da Cruz
RESUMO O trabalho aborda a crescente desigualdade do futebol brasileiro, comparando-a com o equilíbrio da liga norte-americana de football. Mostra-se que São Paulo e Rio de Janeiro dominam cada vez mais as conquistas dos campeonatos nacionais, e expõe-se a principal razão para isso: a desigualdade financeira. O exemplo da NFL é colocado para melhor compreensão da competitividade e demanda inquestionavelmente maiores desse liga em relação ao futebol brasileiro. É sugerida a alteração do status quo do futebol brasileiro, tanto em relação à divisão dos direitos de TV, como a criação de um sistema de Draft, medidas que tornariam nosso futebol mais competitivo, atrativo e, assim, rentável. Palavras-chave: Futebol Brasileiro. Desigualdade. NFL.
ABSTRACT: The present article addresses the inequality in brazilian soccer, comparing it with the more balanced situation of the U.S. National Football League (NFL). It exposes the increasing dominance of the states of Sao Paulo and Rio de Janeiro, as well as its main reason: financial inequality. NFL’s example is presented for a better understanding of its unquestionable larger competitivity and demand compared to brazilian soccer. It’s sugested that the brazilian soccer’ status quo should be changed, when it comes to transmission rights sharing as well as the creation of a Draft system, means that inevitably would lead to a more attractive ergo profitable soccer. Keywords: Brazilian Soccer. Inequality. NFL.
1) Introdução
O presente artigo tem como objetivo atentar a população à situação atual do futebol brasileiro. Muitos
estão eufóricos com a organização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, que
realmente são eventos interessantes para se sediar, porém duram aproximadamente 1 mês cada um,
e precisamos pensar no que teremos a partir de 2017.
O que se vê no Brasil é a dominação de uma rede de televisão, soberana em relação às suas
concorrentes, e que compreensivelmente exerce seu poder de dominação para adquirir todos os
produtos que julga rentáveis. Porém, como se verá a seguir, os moldes da organização político-
financeira do futebol brasileiro tendem a formar um oligopólio das conquistas, queda da
imprevisibilidade e, portanto, queda na demanda pelo produto futebol.
Inicialmente, será analisada a evolução das conquistas e segundos lugares do Campeonato
Brasileiro, incluindo os torneios de 1959 a 1970, bem como as conquistas e segundos lugares da
Copa do Brasil, evidenciando a crescente desigualdade entre as equipes e dominação do Eixo RJ-
SP.
Em seguida, será exposto o equilíbrio entre os estados e regiões norte-americanos quanto às
conquistas e segundos lugares do Super Bowl, contrastando fortemente com a situação brasileira. A
NFL é escolhida por ser um grande exemplo de sucesso, de modo que é irrelevante que o esporte
seja diferente. Posteriormente é abordada a consequência financeira da dissolução do Clube dos
Treze, intensificando a desigualdade financeira entre os clubes. É então explicada em poucas
palavras a questão do revenue sharing da National Football League, principal razão para o sucesso
da liga de futebol americano dos EUA.
É explicada em linhas gerais a origem e funcionamento do sistema de Drafts na NFL, e é
apresentada uma sugestão para o nosso futebol, com algumas adaptações necessárias devido às
diferenças estruturais entre as categorias de base da NFL (essencialmente universidades) e do
futebol brasileiro (dentro dos próprios clubes). Por fim são feitas as considerações finais, com apelo à
mídia, federações, população e governo, que esqueçam o time que torcem e zelem pela
competitividade do futebol brasileiro.
2) A dominação do Eixo RJ-SP no futebol brasileiro
A seguir será exposta a evolução dos títulos e vicecampeonatos dos Campeonatos Brasileiros e
Copas do Brasil, fazendo a divisão por estados, para evidenciar a desigualdade entre as regiões do
país.
2.1) Campeonato Brasileiro
Reunindo todas as edições do Campeonato Brasileiro disputados desde 1959 até 2011 (incluindo
Taça Brasil, Torneio Roberto Gomes Pedrosa e Taça de Prata), houve 55 competições, das quais
São Paulo venceu 28, ou seja, 50,91%, enquanto o Rio de Janeiro venceu 14, ou seja 25,45%.
Portanto, a cada 4 campeonatos nacionais, 3 são vencidos pelo Eixo RJ-SP, sendo 2 paulistas e 1
carioca, e 1 por um clube do resto do Brasil.
A tendência paulista, entre os campeões, é de alta (Figura 1), bem como a tendência do Eixo RJ-SP
(Figura 2). Por conseguinte, em ambos os casos, a tendência do Resto do país é de queda.
Somando também os vice-campeonatos aos números anteriores, São Paulo figura em 46,36% das
ocorrências (51 vezes das 110 possíveis), ou seja, em média, todo ano um paulista está entre os dois
primeiros (Figura 3). Já o Rio de Janeiro aparece em 20,91% das ocorrências, ou seja, 23 vezes das
110 possíveis (Figura 4).
Portanto, a cada 3 anos, entre os 6 clubes que figuram entre os dois primeiros, 4 são do Eixo RJ-SP.
A tendência paulista, considerando campeões e vice-campeões, é de forte alta desde os anos 1980,
bem como a tendência do Eixo RJ-SP, similar, porém menos volátil. Por conseguinte, em ambos os
casos, a tendência do Resto do país foi de ascensão até os anos 1980 e, desde então, é de forte
queda.
Figura 1 – Evolução paulista nas conquistas de Campeonatos Brasileiros (1959-2011)
Figura 2 – Evolução do Eixo RJ-SP nas conquistas de Campeonatos Brasileiros (1959-2011)
25,0%
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SP
Resto
Linear (SP)
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85,0%
SP+RJ
Resto
Linear (SP+RJ)
Linear (Resto)
Figura 3 – Evolução paulista nas conquistas e segundos lugares de Campeonatos Brasileiros (1959-
2011)
Figura 4 – Evolução do Eixo RJ-SP nas conquistas e segundos lugares de Campeonatos Brasileiros
(1959-2011)
15,0%
25,0%
35,0%
45,0%
55,0%
65,0%
75,0%
85,0%
SP
Resto
Polinômio (SP)
Polinômio (Resto)
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60,0%
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90,0%
100,0%
SP+RJ
Resto
Polinômio (SP+RJ)
Polinômio (Resto)
2.2) Copa do Brasil
Desde 1989, ano de sua primeira edição, até 2012, a Copa do Brasil teve 24 edições, das quais São
Paulo venceu 8, ou seja, 33,3% (Figura 5), enquanto o Rio de Janeiro venceu 4, ou seja, 16,67%.
Portanto, a cada duas edições, uma é vencida por um clube do Eixo RJ-SP. A tendência paulista,
entre os campeões, é de alta, bem como a tendência do Eixo RJ-SP (Figura 6). Por conseguinte, em
ambos os casos, a tendência do Resto do país é de queda.
Somando também os vice-campeonatos aos números anteriores, São Paulo figura em 25% das
ocorrências (12 vezes das 48 possíveis), ou seja, em média, a cada dois anos, um paulista é finalista
(Figura 7). Já o Rio de Janeiro aparece em 22,92% das ocorrências, ou seja, 11 vezes das 48
possíveis (Figura 8). Portanto, em média, todo ano há um representante do Eixo RJ-SP na final da
Copa do Brasil.
A tendência paulista, considerando campeões e vice-campeões, é de alta, bem como a tendência do
Eixo RJ-SP. Por conseguinte, em ambos os casos, a tendência do Resto do país é de queda. Os
dados apresentados abaixo deixam claro que, além de São Paulo e Rio de Janeiro possuírem forte
domínio das conquistas do futebol brasileiro, esse domínio vem apresentando tendência de
crescimento.
Figura 5 – Evolução paulista nas conquistas de Copas do Brasil (1989-2012)
0,0%
10,0%
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1989-1994 1995-2000 2001-2006 2007-2012
SP
Resto
Logaritmo (SP)
Logaritmo (Resto)
Figura 6 – Evolução do Eixo RJ-SP nas conquistas de Copas do Brasil (1989-2012)
Figura 7 – Evolução paulista nas conquistas e segundos lugares de Copas do Brasil (1989-2012)
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1989-1994 1995-2000 2001-2006 2007-2012
SP+RJ
Resto
Logaritmo (SP+RJ)
Logaritmo (Resto)
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1989-1994 1995-2000 2001-2006 2007-2012
SP
Resto
Logaritmo (SP)
Logaritmo (Resto)
Figura 8 – Evolução do Eixo RJ-SP nas conquistas e segundos lugares de Copas do Brasil (1989-
2012)
3) O equilíbrio do Super Bowl
Agora será exposta a evolução dos títulos e vicecampeonatos do Super Bowl (final da NFL), também
fazendo a divisão por estados, para comparar a clara desigualdade brasileira com o equilíbrio
norteamericano.
O Censo oficial dos EUA divide o país em quatro regiões. Dentre os estados com ao menos uma
presença em uma edição de Super Bowl, são estas as regiões: Região 1 (Nordeste) –
Massachusetts, New York e Pennsylvania; Região 2 (Centro-Oeste) – Illinois, Indiana, Minnesota,
Missouri, Ohio e Wisconsin; Região 3 (Sul) – District of Columbia, Florida, Georgia, Louisiana,
Maryland, North Carolina, Tennessee e Texas; Região 4 (Oeste) – Arizona, California, Colorado e
Washington.
Desde 1967, o Super Bowl já teve 45 edições (até 2011). A Região 1 venceu 13 vezes e foi vice 12
vezes, a Região 2 venceu 8 vezes e foi vice 11 vezes, a Região 3 venceu 14 vezes e foi vice 12
vezes, e a Região 4 venceu 10 vezes e foi vice outras 10 vezes. Portanto, não se observa a
desigualdade presente no futebol brasileiro. E, como ilustrado nos gráficos a seguir (Figuras 9 e 10),
não há tendência clara de aumento/diminuição de dominância das regiões. Veja também que a
dominação dos estados na NFL (Figura 12) é muito menos evidente que no futebol brasileiro (Figura
11).
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1989-1994 1995-2000 2001-2006 2007-2012
SP+RJ
Resto
Logaritmo (SP+RJ)
Logaritmo (Resto)
Figura 9 – Evolução das regiões dos EUA nas conquistas do Super Bowl (1967-2011)
Figura 10 – Evolução das regiões dos EUA nas conquistas e segundos lugares do Super Bowl (1967-
2011)
0,0%
10,0%
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30,0%
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60,0%
70,0%
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Região 1
Região 2
Região 3
Região 4
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Região 1
Região 2
Região 3
Região 4
Figura 11 – Estados com mais títulos e vice-campeonatos nacionais (1959-2012)
Figura 12 – Estados com mais títulos e vice-campeonatos do Super Bowl (1967-2011)
SP
RJ
RS
MG
BA
PR
PECE
SC DF GO
California
Pennsylvania
New York
Texas
ColoradoFlorida
Massachusetts
District of
Columbia
Wisconsin
Minnesota
Missouri
Maryland
Illinois
IndianaOhio
ArizonaGeorgia
Louisiana
N. Carolina TennesseeWashington
4) Futebol Brasileiro X Super Bowl
Até a crise de 2011, o Clube dos Treze que negociava os contratos de TV do futebol brasileiro e
estabelecia a divisão entre os clubes. Como se verá a seguir, tal divisão já não era igualitária, porém
com a dissolução dessa entidade, a desigualdade aumentou drasticamente (Figura 13).
No contrato válido de 2006 a 2008, Corinthians, Flamengo, Palmeiras, São Paulo e Vasco formavam
o Grupo 1, com receita de R$ 21 milhões por ano; O Santos estava sozinho no Grupo 2, com receita
anual de R$ 18 milhões; o Grupo 3 era formado por Atlético-MG, Botafogo, Cruzeiro, Fluminense,
Grêmio e Internacional, cada um recebendo R$ 15 milhões por ano; América-MG, Atlético-PR,
Figueirense, Goiás, Juventude, Náutico, Paraná e Sport formavam o Grupo 4, recebendo R$ 11
milhões por ano.
Após os acordos individuais, os contratos com a Globo, válidos até 2015, apenas Corinthians e
Flamengo integram o Grupo 1, recebendo R$ 114 milhões por ano; Palmeiras, Santos, São Paulo e
Vasco, no Grupo 2, receberão R$ 70 milhões por ano; Atlético-MG, Botafogo, Cruzeiro, Fluminense,
Grêmio e Internacional formam o Grupo 3, recebendo R$ 47 milhões anualmente; o Grupo 4, com
Atlético-PR, Bahia, Coritiba, Goiás, Guarani, Portuguesa, Sport e Vitória, recebe R$ 30 milhões por
ano.
Note que o Grupo 2 praticamente não variou, porém os Grupos 3 e 4 perderam participação para o
Grupo 1. Antes, o Grupo 1 recebia 91% a mais que o Grupo 4, 40% a mais que o Grupo 3 e 17% a
mais que o Grupo 2. Agora recebe 280% a mais que o Grupo 4, 143% a mais que o Grupo 3 e 63% a
a mais que o Grupo 2. O Grupo 2, que antes recebia 20% a mais que o Grupo 3 e 64% a mais que o
Grupo 4, agora recebe 49% a mais que o Grupo 3 e 133% a mais que o Grupo 4. O Grupo 3, que
antes recebia 36% a mais que o Grupo 4, agora recebe 57% a mais.
Para se compreender o impacto desses valores acima expostos nas contas dos clubes, é oportuno
citar Receita Bruta do Futebol de alguns clubes, por exemplo, em 2010: Corinthians R$ 138 milhões,
Flamengo R$ 110 milhões, Santos R$ 96 milhões, Cruzeiro R$ 88 milhões, Vasco R$ 83 milhões,
Atlético-MG R$ 80 milhões, Botafogo R$ 52 milhões, Coritiba R$ 30 milhões. Ou seja, os novos
contratos de TV, por si só, têm valores próximos aos das antigas receitas anuais dos clubes com o
futebol e, portanto, terão claro impacto nas contas desses clubes.
O modelo mais justo (e interessante à competitividade do campeonato) seria a divisão igualitária dos
contratos de transmissão. Fazendo uma conta simples, chega-se ao montante de R$ 1,03 bilhão nos
quatro grupos (R$ 228 milhões divididos entre dois times no Grupo 1, R$ 280 milhões divididos entre
quatro times no Grupo 2, R$ 282 milhões divididos entre seis times no Grupo 3 e R$ 240 milhões
divididos entre oito times no Grupo 4). Dividindo esse montante igualmente pelas 20 equipes, cada
uma receberia R$ 51,5 milhões anualmente.
Figura 13 – Participação dos grupos de clubes na receita com direitos de transmissão de TV, antes e
depois da dissolução do Clube dos Treze
Ao calcular a correlação dos valores dos novos contratos acima expostos e o número de torcedores,
chega-se a 95,43%, ou seja, quanto mais torcedores uma equipe possui, mais dinheiro este receberá
referente aos direitos de transmissão de TV. Do ponto de vista da Rede Globo, ao menos no curto
prazo, isso é natural, pois se faz um cálculo de oferta e demanda (quanto maior a demanda pelos
jogos de um time, mais dinheiro este deverá receber pelos direitos de TV). Porém, se os times com
maiores torcidas recebem mais dinheiro, deverão, via de regra, conquistar mais títulos, gerando mais
torcedores, mais renda e ainda mais títulos, formando um círculo virtuoso para essa minoria, porém
vicioso para os outros clubes e para o futebol brasileiro, pois quanto menos candidatos ao título um
campeonato possui, menos valorizado ele é (DA CRUZ, 2010).
Agora voltemos nossas atenções à NFL. As franquias têm suas receitas divididas em shared
(compartilhadas) e retained (retidas). Em 2009, cada franquia recebeu US$ 96 milhões pelos
contratos com as redes CBS, NBC, ESPN e Fox, desde os grandes, como os Dallas Cowboys (cidade
com mais 1,2 milhão de pessoas), até os pequenos, como os Green Bay Packers (cidade com
população de 110 mil pessoas). Quanto aos ingressos, excluindo os setores de luxo dos estádios,
60% da renda é retida. Dos 40% restantes, 34% são divididos igualmente pelas equipes, e os outros
6% são retidos pelo time da casa para cobrir despesas.
A renda da empresa NFL Properties, empresa que administra os licenciamentos das 32 franquias, é
também dividida igualmente entre elas. Cada franquia retém sua renda com patrocínios, anúncios e
renda resultante das vendas em suas lojas, bem como estacionamentos, concessões e mídia local.
Esse sistema “socialista”, ironicamente no país símbolo do capitalismo, é a principal causa da força
da NFL, sua competitividade e o interesse que ela desperta. Uma fala que representa o pensamento
por trás de tudo isso é a do dono dos Buffalo Bills (cidade de 261 mil pessoas, um dos menores
mercados da liga), Ralph Wilson, em junho de 2011, simbolizando a preocupação com a
0,0%
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Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4
Antes
Depois
competitividade da liga: “A renda não-compartilhada está crescendo e tem que ser abordada, senão
mercados como Buffalo não conseguirão competir”.
A tabela da NFL comporta jogos, via de regra, às segundas, quintas e domingos, mas não são todos
vendidos à mesma emissora. Vendem-se cinco pacotes diferentes, de modo que no último contrato
assinado, vigente de 2014 a 2021, a CBS pagará anualmente US$ 1 bilhão pelos jogos da AFC
(American Football Conference), a Fox US$ 1,1 bilhão pelos jogos da NFC (National Football
Conference), a ESPN US$ 1,9 bilhão pelos jogos às segundas (jogos mais demandados) e a NBC
pagará US$ 950 milhões pelos jogos aos domingos, sendo que a rede da própria NFL transmitirá os
jogos às quintas.
Diferentemente da NFL, o futebol brasileiro apresenta um monopólio televisivo e uma divisão
extremamente desigual dos direitos de transmissão entre os clubes. Isso, infelizmente, faz com que a
tendência do nosso futebol seja a de que cada vez menos equipes diferentes vençam os
campeonatos nacionais, formando um oligopólio das conquistas, levando à depreciação das
competições. Para mudar isso, alguém teria que desafiar a Rede Globo por uma divisão mais
igualitária dos direitos de transmissão, bem como a venda desses direitos a mais de uma emissora.
São possíveis forças para a mudança do status quo: a população, a mídia, as federações e o
governo.
Enquanto 21% da população não torce para nenhum clube, 30% torce para os quatro grandes de São
Paulo e 22% para os quatro grandes do Rio. Portanto, 27% da população (100%-30%-22%-21%)
torce para clubes além dos 8 grandes do Eixo RJ-SP. Assim, uma disputa apenas através da
população provavelmente não seria suficiente para mudar os rumos do nosso futebol. Porém, do
ponto de vista dos estados, seriam 25 (24 mais o Distrito Federal) contra 2 (Rio de Janeiro e São
Paulo), de modo que se cada federação estadual se unisse à torcida e à mídia, poderia ser gerada
uma aliança poderosa rumo à socialização e salvação do futebol brasileiro.
Quanto às emissoras concorrentes, supondo que haja a vitória da aliança citada acima, e assim as
rodadas fossem fatiadas em pacotes, poderá haver a seguinte situação: os jogos mais atrativos são
alocados aos domingos, de modo que o pacote seja mais caro, sendo provavelmente comprado pela
Globo. Porém, ao fazer essa divisão, proporciona-se às outras emissoras, que não teriam condições
de comprar o campeonato inteiro, a oportunidade de também investir no futebol, concentrando seus
esforços em um pacote com jogos menos importantes, portanto mais barato. Assim: 1) Globo compra
os jogos de domingo por R$ X milhões; 2) Record compra os jogos de quarta por R$ Y milhões; 3)
Bandeirantes compra os jogos de sábado, por R$ Z milhões. Nesse cenário, provavelmente X>Y e
X>Z, porém (X+Y+Z)/20 provavelmente resultará em montante maior do que os R$ 51,5 milhões para
cada clube que calculamos acima.
A outra saída, se o mercado não for capaz de se ajustar, seria a intervenção do governo, que deverá
deixar de lado as pressões do Eixo RJ-SP em prol de um bem maior, uma vez que todos ganharão no
futuro, se uma liga mais competitiva for lograda.
5) Draft: Por que não?
O primeiro Draft da história se deu no futebol americano, mais precisamente na liga dos Estados
Unidos, a NFL, no ano de 1935. O sistema foi criado por De Benneville "Bert" Bell, com o intuito de
equilibrar a NFL. Bell propôs o sistema ainda quando era dono dos Philadelphia Eagles, cargo que
ocupou de 1933 a 1940. Em 1940, vendeu os Eagles e comprou os Pittsburgh Steelers, que vendeu
em 1946, quanto foi eleito commissioner (encarregado, delegado) da NFL. O Draft passou a ser
utilizado por outros esportes anos depois, conforme a competitividade da NFL fazia com que o
interesse do público crescesse em detrimento dos outros esportes. Em 1947, a NBA (National
Basketball Association, liga de basquete americana) adotou o sistema, em 1963 foi a vez da NHL
(National Hockey League, liga de hóquei americana/canadense) e em 1965 a MLB (Major League
Baseball, liga de baseball americana).
O Draft da NFL é composto por 7 rodadas de escolhas. Em cada rodada, as 32 franquias escolhem
um jogador cada para contratar. A primeira a escolher é a franquia com pior campanha na temporada
anterior, seguida pela franquia com a segunda pior campanha, e assim em diante até que a franquia
campeã faça sua escolha. As escolhas podem ser trocadas por jogadores ou mesmo por outras
escolhas (Exemplo: Em 2009, os Chicago Bears passaram aos Denver Broncos sua primeira e
terceira escolhas do ano, bem como sua primeira escolha de 2010 mais o jogador Kyle Orton, tudo
em troca do Quarterback (posição análoga ao jogador “camisa 10” no futebol) Jay Cutler mais a
quinta escolha dos Broncos no ano).
Ocasinalmente, um jogador não tem interesse em jogar pela franquia que lhe escolheu, seja por ela
não conseguir pagar o que ele quer, ou por ele querer jogar por uma franquia maior (Exemplo: Eli
Manning, em 2004, arrastou as negociações por algum tempo após ser escolhido pelos San Diego
Chargers, até que os New York Giants o adquiriram em troca do jogador Phillip Rivers e várias
escolhas no próximo Draft).
Outro tipo de Draft, este no futebol, é o que ocorre na MLS (Major League Soccer, liga de futebol
americana/canadense). Lá há também o draft que colhe jogadores das universidades, mas o tipo
mais interessante para a discussão é o Expansion Draft, que ocorre quando uma nova franquia entra
na liga. Nesse caso, cada equipe tem o direito de proteger 11 de seus jogadores, sendo que os
outros podem ser escolhidos pela entrante, que tem o direito de escolher 10 jogadores, desde que
apenas um de cada equipe.
Como o futebol brasileiro não opera no sistema de franquias, e as categorias de base são as
“fábricas” de jogadores, não as universidades, talvez seja difícil, num primeiro momento, imaginar o
funcionamento de um dos sistemas acima aqui. Porém, isso é sim possível, desde que haja vontade
de criar uma liga mais competitiva e emocionante. Não há apenas um modo de fazê-lo, por isso será
exposta aqui apenas uma sugestão, inspirada em uma matéria do site TheOffside.com.
As equipes teriam o direito de proteger uma certa quantidade de seus jogadores, sendo que os que
não estiverem nessa lista poderão ser escolhidos no Draft para contratação por empréstimo por
outras equipes. Os jogadores sem contrato vigente podem ser escolhidos para contratação definitiva.
Considerando que quatro equipes sobem da Série B à Série A, a quarta equipe da Série B será a
primeira a escolher no Draft, seguida da terceira, segunda e da campeã. Em seguida, o 16º colocado
da Série A escolhe (uma vez que o 17º, 18º, 19º e último colocados da Série A foram rebaixados),
seguido pelo 15º, 14º etc, até que o campeão da Série A faça sua escolha. Outras decisões acerca
do regulamento deverão ser estabelecidas, sendo as mais óbvias as seguintes: 1) o Draft terá N
rodadas; 2) as equipes são obrigadas a aceitar as ofertas de empréstimo pelos jogadores não-
protegidos; 3) a equipe que escolheu o jogador para contratar por empréstimo deverá pagar X% de
seu salário, enquanto a equipe a quem ele pertence deverá pagar (X-1)%.
6) Considerações Finais
Como foi visto, o futebol brasileiro é muito desigual financeira e esportivamente e, havendo gestão
competente, o sucesso financeiro implica sucesso esportivo e vice-versa, gerando, com o tempo, um
oligopólio das conquistas. Viu-se também que tal desigualdade vem crescendo ao longo das
décadas, e a dissolução do Clube dos Treze tende a alavancar esse processo. O exemplo da NFL
deixa claro que há modo muito melhor de se organizar um campeonato, com maior socialização
financeira e parceria entre as equipes, pois é compreendido que uma liga é tão forte quanto seu
integrante mais fraco. As torcidas dos clubes de fora do Eixo RJ-SP, bem como dos clubes menores
dentro dele, devem se unir às federações dos outros 25 estados e à mídia, em prol de mudanças no
futebol brasileiro, para competições mais imprevisíveis, emocionantes, atrativas e, portanto,
lucrativas.
7) Referências Bibliográficas
2009 NFL Draft. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/2009_NFL_Draft#cite_note-10>. Acesso em: 12 nov. 2012.
A Polêmica das Cotas de TV do Brasileirão (2012-2015). Disponível em: <http://xpock.com.br/a-polemica-das-cotas-de-tv-do-brasileirao-2012-2015>. Acesso em: 24 out. 2012.
Bert Bell. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Bert_Bell>. Acesso em: 12 nov. 2012.
Buffalo, New York. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Buffalo,_New_York>. Acesso em: 25 out. 2012.
Campeonato Brasileiro – Série A. Disponível em: <http://www.campeoesdofutebol.com.br/ brasileiro.html>. Acesso em: 22 ago. 2012.
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