a corte europeia de direitos humanos conta

12
A Corte Europeia de Direitos Humanos conta, em sua jurisprudência, com alguns casos envolvendo a proibição e repressão do direito de manifestação. Tal direito é protegido pelo artigo 11 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que prevê: 11.1) Todos tem o direito de livremente se reunir de forma pacífica e livremente associar-se com outros, including the right to form and join trade unions for the protection of his interests. 11.2) Nenhuma restrição deverá ser imposta no exercício destes direitos além daquelas descritas por lei e que são necessárias para uma sociedade democrática no que concerne à segurança nacional ou segurança pública, para a prevenção da desordem ou de crimes, para a proteção da saúde ou da moral ou a proteção de direitos e liberdades de outros. This article shall not prevent the imposition of lawful restrictions on the exercise of these rights by members of the armed forces, of the police or of the administration of the state. A jurisprudência da Corte que mais se destaca sobre o tema restringe-se a dois casos de suma importância: “Baczkowski and others v. Poland1 e “Alekseyev v. Russia” 2 ambos envolvendo manifestações do orgulho gay nos respectivos países. 1 Caso Baczkowski v. Polônia 1 European Court of Human Rights – Case nº 1543/06: Baczowski and Others v. Poland. Disponível em <http://archive.equal-jus.eu/118/1/ECHR %2C_Baczkowski_and_Others_v._Poland%2C_no._1543:06.pdf>. Acessado em 09/10/2013, às 11:41h. 2 European Court of Human Rights – Applications nºs 4916/07, 25924/08 e 14599/09: Alekseyev v. Russia. Disponível em <http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001- 101257#{"itemid":["001-101257"]}>. Acesso em 11/10/2013, às 10:45h.

Upload: felipe-telles

Post on 27-Dec-2015

14 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A Corte Europeia de Direitos Humanos conta, em sua jurisprudncia, com alguns casos envolvendo a proibio e represso do direito de manifestao.Tal direito protegido pelo artigo 11 da Conveno Europeia de Direitos Humanos, que prev:

11.1) Todos tem o direito de livremente se reunir de forma pacfica e livremente associar-se com outros, including the right to form and join trade unions for the protection of his interests.11.2) Nenhuma restrio dever ser imposta no exerccio destes direitos alm daquelas descritas por lei e que so necessrias para uma sociedade democrtica no que concerne segurana nacional ou segurana pblica, para a preveno da desordem ou de crimes, para a proteo da sade ou da moral ou a proteo de direitos e liberdades de outros. This article shall not prevent the imposition of lawful restrictions on the exercise of these rights by members of the armed forces, of the police or of the administration of the state.

A jurisprudncia da Corte que mais se destaca sobre o tema restringe-se a dois casos de suma importncia: Baczkowski and others v. Poland[footnoteRef:1] e Alekseyev v. Russia[footnoteRef:2] ambos envolvendo manifestaes do orgulho gay nos respectivos pases. [1: European Court of Human Rights Case n 1543/06: Baczowski and Others v. Poland. Disponvel em . Acessado em 09/10/2013, s 11:41h.] [2: European Court of Human Rights Applications ns 4916/07, 25924/08 e 14599/09: Alekseyev v. Russia. Disponvel em . Acesso em 11/10/2013, s 10:45h.]

1 Caso Baczkowski v. Polnia

O caso de Baczkowski, julgado em setembro de 2007, teve incio com a vontade do ativista em organizar em junho de 2005 uma marcha a fim de alertar a opinio pblica para o problema da discriminao contra minorias sexuais, tnicas e religiosas, bem como contra mulheres e deficientes. Contudo, aps protocolar o requerimento para organizao do evento junto Prefeitura de Warsaw, o ativista obteve uma negativa vinda do Diretor de Trnsito, ao argumento de que no havia sido encaminhado o plano de organizao do trnsito.Com isto, o organizador enviou uma notificao de que seriam realizadas sete manifestaes em diferentes praas da cidade, as quais no iriam se movimentar e, portanto, no influiriam no trnsito. Porm, foram surpreendidos mais uma vez com uma negativa. O Prefeito da cidade proibiu a realizao das manifestaes novamente utilizando o argumento de que atrapalhariam o trnsito desta vez porque no especificaram onde os carros de som que iriam utilizar estacionariam. Alm disso, o prefeito afirmou que outras manifestaes seriam organizadas no dia em oposio aos ideais daqueles manifestantes, o que poderia resultar em violentos conflitos.De fato ocorreram outras manifestaes no mesmo dia 11/06/2005 algumas defendendo valores cristos e uma delas contra a adoo de crianas por casais homoafetivos.A negativa do prefeito, contudo, no conteve os manifestantes, que realizaram sua marcha com aproximadamente 3.000 pessoas, que contaram com proteo policial.Em junho de 2005 fora apresentada uma apelao ao Comit de Apelao Governamental, referente ao plano inicial de manifestao, questionando que a exigncia de envio de um plano de trfego carece de qualquer base legal, no podendo ser uma restrio ao direito de reunio e que, na verdade, a negativa se deu por motivos ideolgicos. O recurso foi julgado procedente, considerando ilegal a restrio imposta.Ainda, foram apresentadas outras apelaes questionando a recusa s manifestaes estticas, argumentando que estas no trariam qualquer problema ao trnsito, bem como tinham em seus planos ser completamente pacficas, no representando qualquer perigo. Mais uma vez fora reconhecida a ilegalidade no ato do Prefeito em proibir tais manifestaes.Quando inquirido pela imprensa se havia algo no requerimento de manifestao protocolado que representasse perigo, o prefeito afirmou:

Eu no sei, eu no li os pedidos. Mas vou proibir qualquer demonstrao, independentemente do que eles escreverem. No sou preconceituoso quanto orientao sexual, (...) mas no haver qualquer propaganda pblica sobre homossexualidade[footnoteRef:3]. [3: Traduo livre de trecho contido na sentena da Corte Europia de Direitos Humanos. European Court of Human Rights Case n 1543/06: Baczowski and Others v. Poland, p. 07. Disponvel em . Acessado em 09/10/2013, s 11:41h.]

Ficou evidente, portanto, que no se tratava de uma questo de segurana, mas sim uma verdadeira censura manifestaes que fossem contra a moral do Prefeito.Na Corte Europeia, o Governo polons argumentou preliminarmente que os peticionrios do caso no poderiam ser considerados vtimas, na medida em que as decises administrativas tomadas em recurso acataram totalmente os argumentos dos manifestantes, condenando as decises do prefeito, no sofrendo qualquer prejuzo pecunirio. Contudo, a Corte optou por admitir o caso, pois tal preliminar se confundiria com o mrito.Afirmou, ainda, que haviam outros remdios judiciais cabveis aos peticionrios, no tendo eles esgotado as vias internas. Contudo, em contrapartida, os manifestantes afirmaram que nenhum remdio interno foi capaz de tratar da causa tempo das planejadas manifestaes. A Corte entendeu que esta preliminar tambm se confunde com o mrito.A Corte inicia seu julgamento de mrito afirmando que

Como esta corte j decidiu vrias vezes, a democracia no s um componente fundamental na ordem pblica europeia, mas tambm a Conveno foi elaborada para promover e manter ideais e valores de uma sociedade democrtica. A Democracia, como esta Corte j afirmou, o nico modelo poltico contemplado pela Conveno e o nico compatvel com esta. [] A nica possibilidade de interferncia nos direitos da Conveno que seu exerccio traga prejuzo sociedade democrtica.

Quanto a aplicao do artigo 11, a Corte ressalta o papel essencial que agremiaes polticas tem em assegurar o pluralismo e a democracia. Da mesma forma deve ser visto o papel das associaes formadas com outros propsitos, mas que tambm so importantes para o funcionamento democrtico. O pluralismo, segundo a Corte, construdo em um exerccio de reconhecimento e respeito pela diversidade e o dinamismo de tradies culturais, valores tnicos, crenas religiosas e ideais artsticos, literrios e socioeconmicos. Nesta sequncia, a interao harmoniosa de pessoas e grupos com vrias identidades essencial para atingir a coeso social. natural que em uma sociedade civil grande a participao dos cidados no processo democrtico seja atingida atravs da participao de associaes que certos grupos integram e possuem objetivos em comum.No que concerne ao conceito de sociedade democrtica, a Corte faz referncia aos casos Young, James and Webster v. the United Kingdom, e Chassagnou and Others v. France. Neste sentido ressalta a importncia do pluralism, da tolerncia e do liberalismo. Neste contexto, apesar de que interesses individuais se subordinam aos interesses do grupo, democracia no significa que a viso da maioria deva sempre prevalecer: um equilbrio deve ser alcanado para atingir um justo tratamento para as minorias e evitar abusos das posies dominantes.Nos casos Informationsverein Lentia and Others v. Austria, Ouranio Toxo v. Greece e Wilson & the National Union of Journalists and Others v. the United Kingdom a Corte afirma que o Estado o guardio mximo do pluralismo. dito que uma efetiva proteo liberdade de associao e de manifestao no podem ser reduzidas a um mero dever do Estado de no interferir. Devem existir obrigaes positivas ao Estado para assegurar que tais liberdades sejam efetivadas. Esta obrigao tem importncia fundamental para pessoas que mantm uma opinio impopular, pertencendo minorias e sendo, portanto, mais vulnerveis a uma vitimizao. No que concerne ao caso, a Corte reconhece que as decises de segunda instncia anularam as proibies manifestaes e, mesmo estas tendo ocorrendo (sem autorizao das autoridades), obrigada a apontar que tais decises vieram somente aps a realizao das manifestaes, perdendo sua efetividade. Na oportunidade, os manifestantes foram s ruas correndo o risco de sofrerem uma represso policial, pois no tinham uma posio oficial sobre a legalidade de seus atos, apesar da presumida liberdade de reunio e de expresso.A falta de autorizao oficial, apesar de no conter o movimento, com certeza trouxe uma disperso e perda de fora para este, inibindo algumas pessoas de participarem em razo do medo de retaliao oficial instaurado.Assim, mesmo conseguindo reverter a deciso de proibio do prefeito, os manifestantes no tiveram um remdio efetivo para reverte-la a tempo do ato, afastando, portanto, as preliminares alegadas pelo Estado, j julgando, tambm, o mrito do caso.Em concluso, a Corte entende violados os direitos de reunio e livre manifestao, o direito a um remdio efetivo e o direito de no ser discriminado.

2 Caso Alekseyev v. Russia

O caso refere-se, como o anterior, a proibio da Marcha do Orgulho Gay na Rssia. A marcha, organizada por Alekseyev e outros peticionrios estava prevista para 27/05/2006, acompanhando a marcha de outros pases, que visa conscientizar o pblico para a discriminao das minorias gay e lsbica do pas.J em fevereiro de 2006 o Secretrio de imprensa do Prefeito de Moscou j declarou em rede nacional que de forma alguma autorizaria a realizao da parada gay, pois no queria provocar a sociedade, que se enoja com estes acontecimentos na vida e que, apesar de tentar tratar tudo com tolerncia, considera a homossexualidade como algo no-natural.Em maro de 2006, o vice-prefeito recomendou a proibio do evento, pois este iria contra a moral e os bons costumes, alm de que a proibio atenderia o pedido de vrios setores da sociedade, que no queriam ver a promoo da homossexualidade.Em seguida, o prefeito ordenou, com base em pedidos da sociedade, que alguns agentes tomassem medidas efetivas para prevenir e erradicar qualquer ao com orientao gay direcionada ao pblico. Em 15 de maio de 2006 o peticionrio informou sobre a realizao da marcha no dia planejado (27/05/2006). Trs dias depois recebeu a recusa do prefeito, que alegou possvel ocorrncia de desordem social, vez que vrios setores da sociedade que so contra os ideais dos manifestantes protestariam em resposta, podendo causar violentas reaes. No dia seguinte o peticionrio recorreu ao Judicirio. Outro pedido de manifestao foi enviado, tambm recusado.No dia 26 de maio de 2006, o prefeito afirmou que nenhuma marcha gay seria permitida em Moscou, sob nenhuma circunstncia enquanto ele fosse prefeito. Afirmou estar agindo em defesa da moral e da religio do pas, bem como atendendo a vontade da maioria do pas.No mesmo dia, o Judicirio tomou uma deciso no caso, ratificando a deciso do prefeito, sob o argumento de que a manifestao era realmente perigosa e que assim a recusa era vivel. Disse, ainda, que tal ato no consistia em violao da liberdade de expresso, mas que os manifestantes no mostraram nenhuma alternativa ao evento e no se demonstraram abertos para alterar datas, horrios e lugares, por exemplo. Considerou legtima e recusa e que esta no violava os direitos do autor. O peticionrio apelou desta deciso, afirmando que obrigao das autoridades propor mudanas nas manifestaes, e no dos organizadores.Em 27 de maio, Alekseyev e outras pessoas participaram de uma conferncia internacional contra homofobia e anunciaram uma pequena manifestao contra a proibio da marcha do orgulho gay em determinado ponto da cidade. Chegando l, o autor disse que cerca de 150 policiais esperavam pelos manifestantes, alm de 100 outros manifestantes em protesto ao ato. Nesta data Alekseyev foi preso por desacato, uma vez que organizou uma manifestao sem autorizao legal. Enquanto isto, os demais manifestantes prosseguiram em direo ao escritrio do prefeito para protestar. Cerca de 100 pessoas foram presas e vrias saram lesionadas pelos policiais. Sobre este evento, o prefeito afirmou somente ter considerado uma provocao daqueles gays.Em 19 de setembro e 28 de novembro daquele ano as apelaes de Alekseyev foram julgadas improcedentes, pois consideraram a proibio das marchas devidamente fundamentadas no argumento da segurana.No ano seguinte, os organizadores planejaram uma nova marcha programada para o dia 27 de maio, nos mesmos moldes da anterior. Novamente, o prefeito recusou o pedido, com os mesmos argumentos sobre segurana, alertando, ainda, que a realizao da marcha sem autorizao deixaria os manifestantes vulnerveis.Com a recusa, foram encaminhados outros dois pedidos para a realizao de eventos similares, tambm recusados e com o mesmo aviso de que os manifestantes estariam vulnerveis caso realizassem o evento.Em 26 de maio anunciaram que fariam no dia seguinte um pequeno protesto e panfletagem em frente ao escritrio do prefeito, mais uma vez em oposio s proibies. No dia 27 de maio Alekseyev e outros 20 manifestantes foram detidos quando tentavam se aproximar do local. Ficaram presos por 24 horas sob a acusao de desacato. Em 9 de junho daquele ano o peticionrio foi julgado culpado e condenado uma multa de 1.000 rublos. A deciso foi mantida em recurso.Em seguida, os manifestantes apelaram das trs novas proibies de manifestao, sendo as trs julgadas legais pelas respectivas cortes.Em abril de 2008 os mesmos organizadores enviaram um comunicado de que realizariam dez marchas, similares a dos anos anteriores em 1 e 2 de maio daquele ano. Mais uma vez, todos os pedidos foram recusados sob os mesmos argumentos. Em resposta, os organizadores encaminharam propostas de outras 130 marchas, facultando ao prefeito escolher aquela que mais se adequava aos propsitos de segurana. Todas foram recusadas.Em maio, os peticionrios enviaram um pedido ao Presidente da Rssia sobre uma marcha naquele mesmo ms, sem resposta, contudo.Todas as recusas foram objeto de apelao, sendo todas julgadas tambm improcedentes.Quanto ao procedimento perante a Corte, a Rssia no alegou nenhuma exceo preliminar, mas se limitou a versar sobre o mrito da controvrsia, alegando novamente que proibiu as manifestaes em respeito moral, bem como alegando que pela prpria segurana dos manifestantes, a melhor opo era proibir as manifestaes. Trouxe opinies da igreja e de setores conservadores da sociedade russa que eram contra tais manifestaes. Ao contrrio do caso Baczkowski, temos uma oposio entre Estado e peticionrio sobre a legalidade das manifestaes. Neste sentido, a Corte clara ao entender que existiam motivos morais das autoridade para justificar a proibio das manifestaes, no acolhendo a justificativa de segurana dada pelo Estado.Neste sentido, a Corte assevera que o direito de manifestao deve ser protegido a todo custo e que somente mero risco de violncia no suficiente para justificar a falta de autorizao aos eventos. Apesar de existirem, de fato, manifestaes em contrrio causa gay, o Estado no tomou qualquer providncia para ajustar tais manifestaes. Se o fizesse, seria plenamente possvel que ambas manifestaes ocorressem pacificamente.Em suma, a Corte coloca que em casos como este o Estado deve, na verdade, assegurar a segurana dos manifestantes, e no deix-los sem qualquer tutela, como foi o caso. Se h grupos de oposio, a polcia deve trabalhar para evitar que hajam conflitos, e no causar os conflitos, como ocorreu no caso, em que se baniu previamente as manifestaes.Por fim, a posio do prefeito de que no apoiaria a propaganda gay em ateno a moral e ideias religiosos no o suficiente para impor restries ao direito de manifestao. Neste sentido, retoma as argumentaes do caso Baczkowski sobre a importncia do estado prezar pelo pluralismo como elemento essencial da democracia, devendo proteger suas minorias, reconhecendo, portanto, uma violao do direito de manifestao.De consequncia, a Corte considera tambm violado o direito a um remdio efetivo, j que o judicirio de nada serviu aos organizadores, e ainda reitera a necessidade de que tais manifestaes sejam rpidas e eficazes.Por fim, o Estado Russo condenado ao pagamento de uma indenizao de 12.000 euros aos peticionrios, mais a reparao de todas as custas judiciais gastas no caso.