a corrente do brasil ao largo da costa leste brasileira · a corrente do brasil ao largo da costa...

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Revisão Rev. bras. oceanogr.. 48(2):171-183. 2000 A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira (The Brazil Current off the Eastern Brazilian Coast) Ilson Carlos Almeida da Silveira; André Campos Kersten Schmidt; Edmo José Dias Campos; Sueli Susana de Godoi & Yoshimine Ikeda Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (Caixa Postal 66149, 05315-970 São Paulo, SP, Brasil) . Abstract: There is relatively few and sparse information in the literature about the Brazil Current, the boundary current that closes the westem border of the South Atlantic Subtropical Gyre. ln this article, we present a review of the currently-available literature to give a coherent overview on the kinematic and dynamical aspects of the Brazil Current along the Eastem Brazilian eoast. We discuss the current structure in terms of its water mass composition and its vertical extension. We compile the available information on the Brazil Current velocity structure and volume transport along the shelf and shelf break from 90S to 3loS. We also address the Brazil Current meandering and eddy formation, and their possible role in promoting shelf-break upwelling off the Southeast Brazilian coast. . Resumo: Existe limitada e esparsa informação na literatura sobre a Corrente do Brasil, a corrente de contorno que fecha o Giro Subtropical do Atlântico Sul em sua borda oeste. Neste artigo, compilamos as informações atualmente disponíveis na literatura para fornecer uma visão dos aspectos cinemáticos e dinâmicos desta corrente, enquanto flui ao largo do Leste Brasileiro. Discutimos sua composição em termos de massas de água e de sua extensão vertical em diversas latitudes. Também apresentamos levantamento atualizado sobre aspectos cinemático~ desta corrente, tanto em termos de velocidades observadas e geostróficas como de transportes de volume. Informações sobre o meandramento e formação de vórtices na Corrente do Brasil, ao largo da costa Sudeste, e seu provável papel na penetração da Água Central do Atlântico Sul. na quebra da plataforma continental, igualmente são abordados. . Descriptors: Brazil current, Water masses, Volume transport, Me<J.dering,Eddy formation. . Descri/ores: Corrente do Brasil, Massas de Água, Transporte de volume, Meandros, Vórtices. Introdução A Corrente do Brasil (CB) é a corrente de contorno oeste associada ao Giro Subtropical do Atlântico Sul (Fig. 1). Origina-6>eao sul de lOoS,na região onqe o ramo mais ao sul da Corrente Sul Equatorial (CSE) se bifurca formando também a Corrente do Norte do Brasil (CNB) (Stramma, 1991; Silveira et aI., 1994). A CB então flui para sul, bordejando o continente sul-americano até a região da Convergência Subtropical (33-38°S), onde conflui com a Corrente das Malvinas e se separa da costa. Contr. n° 837 do Inst. oceanogr. da Usp. As correntes de contorno oeste são caracterizadas por fluxos intensos, estreitos e bem definidos fluindo ao largo de margens continentais. Entretanto, a CB é descrita na literatura como uma corrente fraca relativamente à sua análoga no Atlântico Norte, a Corrente do Golfo (CG). As correntes de contorno oeste podem ser pensadas como fluxos de retomo do transporte de Sverdrup. Este último pode ser estimado pelos campos de tensão de cisalhamento do vento em larga escala. Entretanto, não há aparente diferença entre os campos de ventos dos dois hemisférios, que justifique tais diferenças entre CG e CB por tal argmento teórico (Zemba, 1991).

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Page 1: A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira · A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira 173 precipitação, característicos do Atlântico Tropical. Em

RevisãoRev. bras. oceanogr.. 48(2):171-183. 2000

A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira

(The Brazil Current off the Eastern Brazilian Coast)

Ilson Carlos Almeida da Silveira; André Campos Kersten Schmidt; Edmo José Dias Campos;Sueli Susana de Godoi & Yoshimine Ikeda

Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo(Caixa Postal 66149, 05315-970 São Paulo, SP, Brasil)

. Abstract: There is relatively few and sparse information in the literature about the BrazilCurrent, the boundary current that closes the westem border of the South AtlanticSubtropical Gyre. ln this article, we present a review of the currently-available literatureto give a coherent overview on the kinematic and dynamical aspects of the BrazilCurrent along the Eastem Brazilian eoast. We discuss the current structure in terms of itswater mass composition and its vertical extension. We compile the available informationon the Brazil Current velocity structure and volume transport along the shelf and shelfbreak from 90S to 3loS. We also address the Brazil Current meandering and eddyformation, and their possible role in promoting shelf-break upwelling off the SoutheastBrazilian coast.

. Resumo: Existe limitada e esparsa informação na literatura sobre a Corrente do Brasil, acorrente de contorno que fecha o Giro Subtropical do Atlântico Sul em sua borda oeste.Neste artigo, compilamos as informações atualmente disponíveis na literatura parafornecer uma visão dos aspectos cinemáticos e dinâmicos desta corrente, enquanto fluiao largo do Leste Brasileiro. Discutimos sua composição em termos de massas de águae de sua extensão vertical em diversas latitudes. Também apresentamos levantamentoatualizado sobre aspectos cinemático~ desta corrente, tanto em termos de velocidadesobservadas e geostróficas como de transportes de volume. Informações sobre omeandramento e formação de vórtices na Corrente do Brasil, ao largo da costa Sudeste, eseu provável papel na penetração da Água Central do Atlântico Sul. na quebra daplataforma continental, igualmente são abordados.

. Descriptors: Brazil current, Water masses, Volume transport, Me<J.dering,Eddyformation.

. Descri/ores: Corrente do Brasil, Massas de Água, Transporte de volume, Meandros,Vórtices.

Introdução

A Corrente do Brasil (CB) é a corrente decontorno oeste associada ao Giro Subtropical doAtlântico Sul (Fig. 1). Origina-6>eao sul de lOoS,naregião onqe o ramo mais ao sul da Corrente SulEquatorial (CSE) se bifurca formando também aCorrente do Norte do Brasil (CNB) (Stramma, 1991;Silveira et aI., 1994). A CB então flui para sul,bordejando o continente sul-americano até a região daConvergência Subtropical (33-38°S), onde confluicom a Corrente das Malvinas e se separa da costa.

Contr. n° 837 do Inst. oceanogr. da Usp.

As correntes de contorno oeste sãocaracterizadas por fluxos intensos, estreitos e bemdefinidos fluindo ao largo de margens continentais.Entretanto, a CB é descrita na literatura como umacorrente fraca relativamente à sua análoga noAtlântico Norte, a Corrente do Golfo (CG). Ascorrentes de contorno oeste podem ser pensadas comofluxos de retomo do transporte de Sverdrup. Esteúltimo pode ser estimado pelos campos de tensão decisalhamento do vento em larga escala. Entretanto,não há aparente diferença entre os campos de ventosdos dois hemisférios, que justifique tais diferençasentre CG e CB por tal argmento teórico (Zemba,1991).

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172 Rev. bras. oceanogr.. 48(2). 2000

-40'

~O'

~O'

.20~ O'

.t\ântico sul

-40'

Corrente

Circumpolar

Antártica

-60'

1000 m

< 3000m

O' 20'

Fig. I. Representação esquemática do Giro Subtropical do Atlântico Sul. Deacordo com Peterson & Stramma (1991).

Uma tentativa de explicação pioneira para taldiferença partiu de Stommel (1965). Separando acirculação oceânica em componentes "gerada pelovento" e termohalina, Stommel (op.cit.) creditou adiferença entre CB e CG à possibilidade dacomponente termohalina ter sentido oposto daquelagerada pelo vento no Atlântico Sul (Fig. 2). No casoda CG, as componentes se somariam.

GeradapelaVentorN

Atlântico NorteCorrente do Golfo +

Termohalina Soma

~N

ÁguaProfunda

=r-

Nr N

AtlânticoSul. . + =Corrente do Brasil

NIntermediária

ÁguaProfunda

Água Antárticade FundO

Fig. 2. Representação esquemática da hipotése deStommel para explicar a ftaca intensidaderelativa da Corrente do Brasil (painel inferior)comparativamente à Corrente do Golfo (painelsuperior). De acordo com Stommel (1965).

Passados mais de trinta anos, a hipótese deStommel ainda não foi contestada, embora estudosobservacionais mais recentes tenham sugerido que opadrão de circulação, associado às massas de água

intermediárias e profundas, seja bem mais complexodo que se supunha anteriormente. Em particular, aolargo do Sudeste e Sul brasileiro, devido às células derecirculação dessas massas, é possível que haja umfluxo contínuo ao longo dos primeiros trêsquilômetros de coluna d'água.

Na Seção 2 desse artigo, descrevem-se asmassas de água na região da CB e a extensão verticaldesta corrente ao largo do leste brasileiro. Na Seção3, resumem-se aspectos cinemáticos da CB. Na Seção4, comentam-se os meandros e vórtices da CB naBacia de Santos.

Massas de água e extensão vertical daCorrente do Brasil

A região da CB é formada peloempilhamento das massas de água características doAtlântico Sul (Fig. 3). Nos primeiros três quilômetrosde coluna d'água encontram-se a Água Tropical(AT), Água Central do Atlântico Sul (ACAS), ÁguaIntermediária Antártica (AIA), Água CircumpolarSuperior (ACS) e Água Profunda do Atlântico Norte(APAN).

A AT foi descrita por Emilson (1961) comoparte da massa de água quente e salina que ocupa asuperficie do Atlântico Sul Tropical, a qual étransportada para o sul pela CB. Essa água desuperficie é formada como conseqüência da intensaradiação e excesso de evaporação em relação à

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SILVEIRA et aI.: A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira 173

precipitação, característicos do Atlântico Tropical.Em seu trajeto para o sul, mistura-se com águas deorigem costeira mais frias e de baixa salinidade. Oresultado é que a ATé caracterizada por temperaturasmaiores que 20°C e salinidades acima de 36 ups, aolargo do Sudeste brasileiro.

32

81- o li'

~JAIA~o ~ APAN

o34

Salinidade

Fig. 3. Diagrama T-S espalhado de radiaisoceanográficas em 19°5 (círculos) e aolargo de Cabo Frio (cruzes). De acordocom Evans et aI. (1983).

A ACAS é encontrada fluindo na região dapicnoclina, e com temperaturas maiores que 6°C emenores que 20°C, e salinidades entre 34,6 e 36 ups.Mais precisamente, Miranda (1985) sugere 20°C e36,20 ups como índice termohalino da ACAS noSudeste brasileiro. Sverdrup et aI. (1942) mencionamque a ACAS é formada por afundamento das águasna região da Convergência Subtropical, e subseqüenteespalhamento ao longo da superficie de densidadeadequada a seu ajustamento hidrostático. O padrão defluxo da ACAS, no entanto, não é um simplesmovimento para norte em nível picnoclínico em todabacia do Oceano Atlântico Sul. A ACAS entra comoparte do Giro Subtropical, circula com as Correntesdo Atlântico Sul e Benguela, e atinge a costa daAmérica do Sul transportada pela Corrente SulEquatorial. Como nas correntes em superficie hábifurcação e parte da ACAS flui rumo ao equador,enquanto outra porção toma a direção sul. Alocalização exata da separação do fluxo da ACAS éincerta. No entanto, parece existir consenso naliteratura de que ao sul do Cabo de São Tomé (22°S),a ACAS flui para o sul ao largo da costa brasileira.As primeiras evidências de tal padrão foramapresentadas por Wüst (1935) e Defant (1941).

Wüst (op. cit.) aplicou seu "Método do núcleo", oqual consiste em determinar os valores extremos desalinidade ou temperatura na região de formação damassa de água, e assim acompanhar o espalhamento emistura desta através de um máximo secundário, comdados hidrográficos da região. Por seus resultados,

este autor considerou a CB contida na troposferaoceânica (formada por ATe ACAS) e com espessurade 400-700 m ao largo do Sudeste-Sul brasileiro.Defant (1941) aplicando o cálculo geostróficocorroborou as considerações de Wüst (1935). Emapoio às referências clássicas citadas, análises maisrecentes como aquelas realizadas por Tsuchya(1986), Reid (1989) e Stramma & England (1999)parecem também confirmar o movimento da ACASna direção do polo Sul em latitudes abaixo de 200S,ao largo da costa Sudeste brasileira (Fig. 4).

-40' -30' -20'

-10' -10'

-20' -20'

-30' -30'

-40'

-50'-60"

-50'-50' -40' -30' -20'

Fig. 4. Representação esquemática da circulaçãono Oceano Atlântico Sudoeste ao nível de250 m. Baseada em Reid (1989) eStramma & England (1999).

Se existe um aparente consenso a respeito dosmovimentos das ATe ACAS , ao largo da partemais setentrional da costa brasileira, o mesmo nãopode ser dito sobre os movimentos da AIA, emnível subpicnoclínico. Segundo Sverdrup et ai.(1942) os limites termohalinos da AIA são 3° - 6°Cpara temperaturae 34,2-34,6 .upspara salinidade,e demarcada pelo mínimo de salinidade no diagramaT-S (Fig. 3). A imagem clássica, sugerida pelospioneiros estudos de Wüst (1935) e Defant (1941),exibe a AIA sendo formada na ConvergênciaSubantártica, "espalhando-se" em níveis interme-diários e fluíndo para o norte. Outros autores noentanto, como Taft (1963), Buscaglia (1971), Reid etai. (1977) e Gordon & Greengrove (1986) apoiama idéia de que a maior parte da AIA flui para lestena ConfluênciaBrasil-Malvinas("" 38°S), comopartede uma recirculação mais profunda associada ao GiroSubtropical. Esta água fluiria então anticiclonica-mente, e parte uniria-se novamente ao contorno oeste,em tomo de Cabo Frio (23OS), em um padrãosemelhante ao da ACAS. As análises de Reid

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174 Rev. bras. oceanogr., 48(2), 2000

(1989), Zemba (1991), Suga & Talley (1995) eBoebel et a/o (1997) confinnam que no limite sul daBacia de Santos (~300S), a AIA flui para o sul aolargo da costa brasileira. Os resultados de Reid(1989) são ambíguos em relação à direção da AIA,entre o Cabo de São Tomé (22°S) e o Cabo de SantaMarta Grande (27°S), provavelmente conseqüência daresolução de sua análise de escala hemisférica.

.60' .50' .40' .30' .20'

'10'

.40'

.10

.20' 1.20,

.30' .30'

.40'

.50' ~ _ .~ .50'.60' .50' .40' .30' .20'

Fig. 5. Representação esquemática da circulaçãono Oceano Atlântico Sudoeste ao nível de800 m. Baseada em Reid (1989), Stramma& England (1999) e Boebel et ai. (1999).

Piola & Gordon (1989) sugerem um padrãohíbrido entre a visão clássica e a mais moderna, ondeseria possível que um ramo menor da AIA fossetransportado para o norte ao longo do contorno oeste,enquanto um ramo maior fluiria como parte profundado Giro Subtropical.

Recentes observações diretas, entretanto,parecem ter resolvido a polêmica. A análise de dadoscorrentométricos conduzida por Castro & Moreira(1994)* e, posterionnente, Moreira (1997), à latitudeda cidade de Santos (23°S), indica que o fluxo emprofundidades de 700 m foi para norte (maisprecisamente nordeste, devido a orientação da costa)no decorrer do verão de 1993. Já os resultados dosfundeios do "World Ocean Circulation Experiment -

WOCE" nas latitudes de 20oS, 24°S e 28°S, descritospor Müller et a/o (1998), corroboram os de Moreira(1997), e são coerentes com os padrões de fluxopropostos pelos estudos hidrográficos anteriores deReid (1989) e Suga & Talley (1995). Müller et aI.(1998) concluem que a AIA move-se em direção ao

(.) Castro Filho, B. M. & Moreira, J. R. G, B. 1994. Currentmeasurements in the Santos Continental Shelf In:Southwestem Atlantic Physical Oceanography Workshop,Universidade de São Paulo, São Paulo,Brasil, p. 48.

equador ao norte de 25°S, enquanto apresenta-secomo uma corrente de contorno oeste bem definida,em níveis subpicnoclinicos, fluindo para o sul em28°S. Assim, os estudos de Müller et ai. (1998)fornecem o padrão em meso-escala da bifurcação dofluxo da AIA ocorrendo dentro da Bacia de Santos.Stramma & England (1999), através de densareanálise de dados hidrográficos, respaldados porsimulacões de dois diferentes modelos numéricos decirculacão global, corroboram Müller et ai. (1998),centrando o eixo da bifurcacão da AIA ao sul de25°S. Tal resultado foi confinnado pela compilaçãode dados de 170 flutuadores de diversos tiposrealizada por Boebel et aI. (1999). A bifurcação daAIA ocorreria à longitude de Santos, mas com o eixoda divergência ocorrendo praticamente paralelo aotalude em tomo de 28°S (Fig. 5). O escoamentoassociado à AIA, denominada de Corrente deContorno Oeste Intermediária pelos autores, fluiriapraticamente para o norte no interior da Bacia deSantos.

Subjacente à AIA, a APAN é caracterizada porvalores de temperatura entre 3°C - 4°C e salinidadesentre 34,6 - 35 ups, ocupando níveis entre 1500 m e3000 m, ao largo do Sudeste brasileiro. Há consensona literatura de que, a APAN se apresenta como umfluxo organizado fluindo para o sul ao longo docontorno oeste até cerca de 32°S (Fig. 6), onde pelomenos parte da corrente retoma em direção aoEquador (Reid, 1989;Weatherly, 1993).

Fig. 6. Representação esquemática da circulaçãono Oceano Atlântico Sudoeste ao nível de2000 m. Baseada em Reid (1989) eStramma & England (1999).

A descrição acima das massas de água quecompõem os três primeiros quilômetros de colunad'água e seus padrões de escoamento no Atlântico Sul

.50' .40' .30' .20'

,- .

.10

I

1,20'

II

LI

'I

:1

to'I!IIi

.m.J.30' .20'

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SILVElRA et ai. : A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira 175

Subtropical levanta a discussão sobre o queconsiderar como extensão vertical da CB, ou emoutras palavras, como definir esta corrente.Limitemo-nos aqui à elaboração de uma figuraqualitativa, baseada nas informações apresentadas,deixando para a Seção 3 as estimativas de transportede volume e detaJhamentos da estrutura de velocidadedaCB.

A figura que emerge é a seguinte. A poucosgraus de latitude, ao sul de sua área de formação(região de bifurcação do ramo sul da CSE ), a CB éuma corrente rasa, quente e salina constituídabasicamente por AT fluindo junto à quebra daplataforma. Nos entornos da latitude de 200S, onderecebe efetiva contribuição da ACAS , se toma maisprofunda e cresce em transporte (Fig. 4). Em 28°S, nosul da Bacia de Santos, a espessura da ACAS seestende até 750 m e a corrente apresenta-seorganizada até esta profundidade (Evans & Signorini,1985; Campos et al., 1995). .

Abaixo de 25°S, AT , ACAS, AIA e APANfluem consonantemente na direção do polo Sul.Levanta-se então o dilema se consideramos o fluxo daAIA como parte da CB, o que significaria consideraruma corrente de contorno oeste com estrutura verticalde 3000 m.

A escolha do que definir como CB podeseguir tanto critérios dinâmicos, como os cinemáticos,ou mesmo históricos. Um critério dinâmico seriautilizar o conceito teórico de que a CB é umacorrente de contorno oeste, requerida pelo transportede Sverdrup para "fechar" a circulação gerada pelovento no Giro Subtropical. Caso seguido, esse critériodelimitaria como CB apenas o fluxo associado aomovimento da AT e ACAS. Essà definição da CB éadotada pela vasta maioria dos autores,provavelmente, por razões históricas, e será tambémadotada na presente revisão. Vale ressaltar que, noentanto, foi Wüst (1935) quem introduziuCB=AT+ACAS e este autor utilizou argumentosobservacionais para formulá-Ia.

Foi Zemba (1991) quem considerou a CBcom inclusão dos fluxos da AIA e APAN, partesintegrantes da circulação termohalina. Seu argumentoé cinemático, alegando que se a definição de correntecompreende todo o fluxo contíguo fluindo na mesmadireção que a corrente em superficie, por que nãoconsiderar a inclusão dos fluxos da AIA e APANcomo parte da CB ao sul de 25°S? Certamente, a"fusão" entre a CB , defmida classicamente, com aCorrente de Contorno Oeste Profunda acarretaria uma"nova" CB quase tão intensa (em termos detransporte) como a CG (Zemba & McCartney,1988)*. Por outro lado, tal defmição colocaria a CB

(*) Zemba, J. C. & McCartney, M. S. 1988. Transport ofthe BrazilCurrent: it's bigger than we thought. (Abstract). EOS; 69(44) :1237.

em classe distinta das demais correntes de contornooeste subtropicais (CG , Kuroshio, Corrente dasAgulhas e Corrente do Leste da Autrália), visto quenão há coerência dos fluxos de superficie com osintermediários e profundos nos outros oceanos.Entretanto, a definição da CNB , corrente decontorno oeste que fecha o Giro Equatorial doOceano Atlântico, inclui os fluxos por forçantestermohalinas da AIA , que nessas latitudes tropicaisfluem em direção ao norte subjacentes à ACAS(Silveira et. a!.,' 1994; Bub & Brown, 1996). É claroque a dinâmica da CNB e da CB são distintas,apesar da origem comum. Mas, neste contexto, taldiscussão acima tem o objetivo de exemplificar que apolêmica dos critérios de definição das feições dacirculação oceânica está longe de ser uma questãofechada.

Velocidade e transporte da Corrente doBrasil

A maioria das estimativas de transportecalculado para CB tem se concentrado em duasregiões: próximo ao Rio de Janeiro e na Zona deConfluência Brasil-Malvinas. Como o objetivo dessemanuscrito é rever o estado do conhecimento atual daCorrente do Brasil ao largo do Leste brasileiro,concentraremos nossa revisão até a latitude de 300S.A quase totalidade dos valores encontrados naliteratura são provenientes de cálculo geostrófico. Asperfilagens de velocidade, pelo instrumentoPEGASUS, resumem-se à iniciativa pioneiradescritas em Evans et ai. (1983) e Evans & Signorini(1985). Avaliação do transporte por mediçõescorrentométricas são únicas e referentes aoExperimento WOCE (MüIler et ai., 1998). O maiscompleto compêndio sobre valores de transporte daCB foi elaborado por Garfield (1990) e a Tabela 1representa sua atualização.

Descrições da CB próxima à sua origemficam praticamente restritas às análises geostróficasde Stramma et ai. (1990). Esses autores, utilizandoradiais hidrográficas históricas do "WorldOceanographic Data Center-WODC", propõem quea origem da CB ocorre devido à bifurcação do ramosul da CSE, que transporta 8 Sv (1 Sv = 106m3s-1)nos primeiros 500 m de coluna d'água, em tomo de100S(Fig. 7). A CB geostrófica então rumaria para osul, transportando 4 Sv e fluindo sobre a quebra daplataforma.

Em 15°S, devido ao alargamento daplataforma continental, a CB se afasta da costa,embora às vezes meandre em direcão à plataformainterna. Stramma et ai. (1990) consideram apossibilidade de uma célula de (re)circulaçãociclônica costeira que transporta 2 Sv (Fig. 7), entre12°S e 16°S. O resultado é o transporte da CB nessaslatitudes estimado em 6 Sv (Tab. 1).

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176 Rev. bras. oceanogr., 48(2), 2000

Tabela 1. Estimativas de Transporte de Volume e Velocidade Máxima da Corrente do Brasil, entre 100S e 31 oS. Adaptadade Garfield (1990).

Latitude Profundidade deReferência

(m)

390-510

470-530

500

500

470-640

590-630

3,8/6,8

500

500-1300

500-1300

550

Transporte de Volume

(106 m3s-I)(S)

9°_13°

15°

19°

19°

19"25'

20°3'

20"28 '

21°40'

22°

23°

23°

23°

23°

23°

23°30'

24°

24°

24°

24°

24°

24°30'

25°

28°

28°_30°

31°

4,1

6,0

6,55,3

5,7

1,6

500/1000

4,4

5,2

4,4

2,2/2,7

11

6

10,1/10,9

8,0

7,5

14,0

4,1/7,8

9,4/10,1

1,3

13,2

7,3

16

11,4

18

Pegasus

Pegasus

600/1300

500-1300

1300

500-1300

500/1000

600/1300

Correntômetro

500-1300

750

Correntômetro

1550-1600

Pegasus-

_.-~---_. -~--- - ----40 °W 3035

15

40 35 30

Fig. -I. Kepresentação esquemática da região de origem daCorrente do Brasil, baseada em seções históricasdo WüDC. Cada linha sólida representa umtransporte de 2 Sv. De acordo com Stramma et ai.(1990).

Velocidade Máxima

(ms-')Referência Bibliográfica

0,31

0,16

0,720,50

0,19

0,24

0,52

0,61

0,19

0,52

0,49

0,50

0,70

Stramma et aI. (1990)

Stramma et ai. (1990)

Miranda & Castro (1981)Evans et ai. (1983)

Stramma et ai. (1990)

Stramma et ai. (1990)

Evans et ai. (1983)

Evans et ai. (1983)

Signorini (1978)

Signorini (1978)

Miranda & Castro (1979)

Evans & Signorini (1985)

Garfield (1990)

Stramma (1989)

Signorini (1978)

Fisher (1964)

Signorini (1978)

Evans et ai. (1983)

Stramma (1989)

Mül1er et ai. (1998)

Signorini (1978)

Campos et ai. (1995)

Mül1er et ai. (1998)

Fisher (1964)

Garfield (1990)

0,75

0,25

0,62

0,31

0,68

0,60

0,70

0,80

Em 19°5, a CB pennanece como umacorrente estreita ("" 75 km de largura) e rasa. Otransporte (relativamente à superficie isanostérica de130 cl ton-I, ou "" 500 m) é de 5,5 Sv e velocidade desuperficie máxima de 0,72 ms-1, sendo que mais de50% encontra-se confinado aos primeiros 200 m(Miranda& Castro, 1981).

Em 20,5°S, a CB se depara com aCordilheira Trindade-Vitória. Evans et ai. (1983),através de dados batitennométricos e hidrográficos,mostraram que a corrente fluiu continuamenteatravés da passagem mais próxima à costa (Fig. 8).Os transportes geostróficos obtidos eram deaproximadamente 4 Sv (8 Sv), relativamente ao nívelde 500 db (1000 db). Ao sul da cadeia, a CBmantinha-se confinada e organizada sobre o taludecontinental.

Próximo à Cabo Frio, em 23OS, Signorini(1978) capturou uma CB meandrante em suaanálise de topografia dinâmica. Na radial normal àCabo Frio, estimou o transporte relativo àprofundidade de 600 m como sendo de 9,4 Sv,contido em dois ramos, com um pico de velocidadegeostrófica de superficie da ordem de 0,55 ms-1

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SILVElRA et ai. : A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira 177

(Fig. 9). Semelhante à latitude de 19°5, mais de50% do transporte está concentrado em profundidadesmenores que 200 m.

Miranda & Castro (1979) também detectaramum padrão meandrante na CB em suasobservacões hidrográficas na região adjacente àCabo Frio, (23°S), ao longo de duas seçõesmeridionais. Estes autores encontraram comoprincipal característica da circulação geostrófica(relativamente à superficie isanostérica de 110 clton-I, cerca de 550 m na região) a ocorrência demovimentos para oeste (no lado oceânico das seções)e leste (próximo à quebra de plataforma), sugerindoum cisalhamento ciclônico, com velocidadesmáximas de até -0,49 ms-I e 0,12 ms-I,respectivamente. O movimento para lesteapresentava um transporte de volume de 0,52 Sv e0,40 Sv nas duas seções. O movimento para oesteapresentava valores de transporte de volume de -2,24Sv e -2,68 Sv. A análise do diagrama T-Svolumétrico, conduzida pelos autores, mostra que oescoamento limitado aos primeiros 500 m deprofundidade concerne às AT e ACAS.

Signorini et ai. (1989) calcularam a correntegeostróficr para dados hidrográficos ebatitermométricos na região de Cabo Frio, emrelação à superficie isobárica de 500 db. Ospesquisadores encontraram uma boa concordância naregião próxima ao talude, onde flui a CB comvelocidades máximas na superficie, próximas a 0,3 -0,4 msol, e transporte de volume resultante deaproximadamente 3,3 Sv.

-43" -42" -41" -40" -39" -38"

As observações, até agora singulares, com operfilador PEGASUS (Evans & Signorini, 1985)nesta latitude, revelaram valores da ordem de 6 Svpara o fluxo acima da AIA. As velocidades nadireção sudoeste atingem mais de 0,5 ms-1. Asmedições diretas de velocidade confirmam asgeostróficas, mostrando uma CB rasa. A inversãode velocidade se dá em 400 m, onde aparece o fluxopara nordeste devido à AIA (Fig. 10). Evans &Signorini (1985) mencionam, ainda, que cerca deoutros 6 Sv fluem consonantemente à CB, em regiõesinteriores à quebra da plataforma.

Medições recentes, realizadas como parte doWOCE, forneceram estimativas de transporte para aCB dentro da Bacia de Santos. Campos et aI.(1995) utilizaram dados hidrográficos com altaresolução horizontal e estimaram o transporte daCB em 7,5 Sv (8,8 Sv) relativamente ao nível de750 db (900 db). A CB dentro da Bacia de Santos seestende em média até 750 m, o limite estimado pelosautores entre ACAS. e AIA.

As análises dos dados correntométricos dosfundeios do WOCE por MüIler et ai. (1998), entre200S e 28°S, confirmam estimativas pretéritas que aCB se torna mais profunda e com maior transporteem direção ao sul. A CB tem profundidade em tomode 200 m no fundeio ao largo de Cabo Frio e comvelocidades médias da ordem de 0,15 m S.I.Em 28°S,nas proximidades do Cabo de Santa Marta Grande,sua profundidade ultrapassa os 670 m e velocidademédia em tomo de 0,5 m S-I. O transporte da CBnessa latitude é cerca de 16 Sv.

21100-18"

-19"

-20"

-21"

-22"

-23"

-24"Profundidade (m) daIsoterma de 15"

. Estação de XBT(!)Estação Hidrográfica I--25"

-37" -36" -35"-26"

-34"

Fig. 8. Profundidade da isoterma de ISOCna região da Cadeia Vitória-Trindade emabril de 1983.A região de gradiente indica a presença da frente da Correntedo Brasil. De acordo com Evans et aI. (1983).

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178

150

~ 200

J== 300.e

~ 350

DistAncia (Km)

Fig. 9. Seção de velocidades geostróficas (relativas a 600db) em radial normalao Cabo Frio (<»23°S). Deacordo com Signorini (1978).

o

1000-0,5 -0,4 -0,3 -O,r:o;r O 0,1 0,2 0,3

Velocidade Zonal (mls)

-O,3Ç-O,25-0,15 -0,5 0,5 0,15 0,25 0,35

Velocidade Meridional (mls)

Fig. 10. Componentes observadas zonal (painel superior) emeridional (inferior) em três lançamentos doperfilador PEGASUS ao largo de Cabo Frio, aolongo de uma semana. De acordo com Evans &Signorini (1985).

Gordon & Greengrove (1986) investigaram azona de Confluência Brasil-Malvinas, encontrandoum transporte da CB em 38°S de 19 Sv na direçãosul, relativo a profundidade de 1400 m. O valor deste

Rev. bras. oceanogr.. 48(2). 2000

transporte representa um awnento de aproxima-damente 12 Sv em relação ao transporte encontradoem 20oS. Assim, estes autores estimaram a taxa decrescimento da CB em 5% à cada 100 km. Esta taxaé comparável à da CG .

Meandros e vórtices da Corrente do Brasil

A primeira descrição do meandramento daCB e os vórtices associados na região Sudeste foirealizada por Mascarenhas et ai. (1971). Os autoresdescreveram a presença de estruturas vorticais, tantociclônicas como anticiclônicas, na região ao largo deCabo Frio, a partir de mapas de topografia dinâmica.Em algumas das distribuições desta quantidadeapresentadas nota-se um padrão tal como o de umaonda de vorticidade, com a presença de anticiclonessucedendo ciclones.. Os autores comentam que partedeste meandramento atinge regiões interiores àplatafonna continental. Mascarenhas et ai. (1971),tanlbém, especulam que feições topográficas daregião favoreceriam o meandramento e geração devórtices pela CB nesta região.

Signorini (1978) retoma o tema domeandramento da CB , discutindo a circulação entre oCabo de São Tomé e a Baía de Guanabara. Esteautor capturou um vórtice anticlônico em sua análisedinâmica de dados hidrográficos, ligeiramente aonorte de Cabo Frio (Fig. 11). O vórtice, comcerca de 100 km de raio, localizava-se em águaprofunda (> 1000 m) com extensão vertical deaproximadamente 500 m.

Campos (1995) discute os aspectosdinâmicos que causariam o meandramento da CB.Este autor atribui a ocorrência de meandros e vórticesà mudança de orientação da costa e ao gradiente datopografia de fundo (platafonna estreita e abrupta aonorte de Cabo Frio, mais extensa e suave na Bacia deSantos). Segundo o autor, pode-se esperar que a CB,fluindo ao longo da quebra de platafonna, dirija-sepor inércia às águas mais profundas na latitude deCaboFrio, devidoà mudançade direçãoda linha decosta. Por argumentos de conservação de vorticidade,espera-se que a CB meandre ciclonicamente e secomporte como uma onda de Rossby topográficadentro da Bacia de Santos.

Evidências de meandros ciclônicos eanticiclônicos, ao norte de Cabo Frio, já foram,tanlbém, detectadas por imagens de satélites (Fig.12), sugerindo que o início da atividade vorticalpode ser ao largo do Cabo de São Tomé (22°S) porrazões dinâmicas similares àquelas de Cabo Frio. NaFigura 12 observa-se um meandro ciclônico degrande amplitude em frente ao Cabo de São Tomé.Meandros anticiclônicos e ciclônicos se sucedem emdireção à Bacia de Santos.

400

450

500

550 r >--<10Km

600

200-clá.! 600

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SILVEIRAet aI.: A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira 179

Cabo de \São Tomé .

,"01943~. '.

~.,

0/500 db

'ilBT2/01989

-2S"

-43" -42" -41" -40" -39"

Fig. I I. Topografia dinâmica (em cm dinâmicos) relativamente a500 db. De acordo com Signorini (1978).

Fig. 12. Imagem AVHRR da costa Sudestebrasileira exibindo os meandros daCorrente do Brasil (tons avermelhados).A linha sólida vermelha foi editada pararealçar o padrão meandrante. De acordocom Campos (1995).

Mais ao sul. na Bacia de Santos, ocorre aformação de pares vorticais, tanto de ciclonescomo de anticiclones, em lados opostos ao eixo dacorrente, como mostrado na Figura 13. Essasestruturas são menores em tamanho que as deCabo Frio, e aparentemente não se desprendem doeixo principal da CB (Garfield, 1990; Campos et aI.,

1995; Campos et ai., 1996). Os eventos de formaçãode vórtices, ao norte e dentro da Bacia de Santos,estão certamente relacionados, embora não existarelato na literatura. Informações sobre apropagação dos meandros formados ao norterestringem-se aos esforços de modelagem (Velhote,1998), e não de observações.

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180 Rev. bras. oceanogr. 48(2), 2000

A simples configuração espacial dos paresde vórtices na Bacia de Santos, seja por mapeamentousando dados quase-sinóticos (Campos et ai., 1995)ou por imagens de satélites (Campos et ai., 1996),nos conduz a uma comparação com fenômenossimilares do hemisfério norte, como aqueles naCorrente da Flórida e os aneurismas quentes ("warmoutbreaks") da CG. Para esse último fenômeno. Prattet ai. (1991), usando um modelo idealizado devorticidade potencial, mostraram que tal estruturaseria conseqüência de instabilidade barotrópica emondas de vorticidade (tipo Rossby). Especulamos,aqui, que o fenômeno registrado pela Figura 13 sejaondas de Rossby topográficas barotropicamenteinstáveis.

Campos et ai. (1995) dedicam no entantoespecial atenção às estruturas vorticais ciclônicas.Estes autores propõem que ciclones da CB induzem"ressurgência de quebra de plataforma", trazendoACAS para regiões da plataforma da Bacia deSantos. Em outras palavras, estas estruturascontribuiriam para a penetração da ACAS em regiõesrasas, tal como a ressurgência induzida pelos ventosde Nordeste (via Transporte de Ekman), a qual écomum nos meses de verão (e que pode ser notadapelas águas de coloração verde na imagem da Figura12). As implicações da penetração da ACAS sãoóbvias para a produtividade local: representaimportante mecanismo que provê nutrientes às águaspobres sobre a plataforma (Fig. 14).

Fig. 13. Imagens AVHRR da região Sudeste do Brasil: (a) julho de 1993; (b) setembro de 1996; (c) julho de 1997.As águas quentes (tons vermelhos) são características da Corrente do Brasil e as ondulações configurammeandros (editados com o sentido de rotação). Note no painel inferior a presença de uma estrutura vorticalbipolar. De acordo com Velhote (1998).

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SILVElRA et ai. : A Corrente do Brasil ao Largo da Costa Leste Brasileira 181

-500

o 50 10e,'1 1.:0 2«)0

Distância (km)Fig. 14. Seção de temperatura ao largo da ilha de São Sebastião do Projeto

COROAS (WOCE-Brasil) durante o verão de 1994. As inflexõesnas isotermas indicam a presença de meandro ciClônico.Deacordo com Campos (1995).

Campos et aI. (2000) seguem os argumentosde Osgood et aI. (1987) para explicar como se dariaa contribuição da CB na ressurgência ao largo doSudeste brasileiro. Explicam que o vórtice (oumeandro, visto que não há separação da estruturado eixo da corrente) ciclônico tem núcleo de águafria e se propaga para sudoeste, com a CB (Fig.

15). A água em seu núcleo é continuamenterenovada, devido à ressurgência na parte dianteira esubsidência na parte traseira. Devido à sua circulaçãono sentido horário, o meandro "empurraria" a águaressurgida em sua parte dianteira para regiões rasas(como na Figura 14, em que águas de temperaturasinferiores !I1R°(; p-algama quebra de plataforma).

NN s

oParte traseira

zonadesubsidcncia

Domo

Frio

zonades~blidcncia

zona de

ressurgencia

z

s

Fig. 15. Representação esquemática da ressurgência de quebra da plataforma induzida pormeandro cicJônico. Painel esquerdo: vista horizontal. Painel direito: corte transversalem sua estrutura térmica. De acordo com Campos (1995).

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182 Rev. bras. oceanogr., 48(2), 2000

o mecanismo descrito por Campos et a!.(2000) auxiliaria à ressurgência induzida pelo ventocom disponibilização da ACAS em profundidades dequebra da plataforma. Se comprovado relevante, estemecanismo pode até mesmo tomar os eventos depenetração da ACAS sobre regiões da plataformacontinental independentes da estação do ano, e nãorestrita ao verão austral. A avaliação do papel dosmeandros ciclônicos também depende doconhecimento da freqüência de formação dos mesmose suas velocidades de propagação, informações aindanão disponíveis na literatura.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao Prof.Dr. Belmiro Mendes de Castro Filho (IOUSP) pelasugestão da concepção desse artigo, ao Prof. Or. LuizBruner de Miranda (IOUSP) pela atenciosa revisão epreciosas sugestões e aos dois revisores anônimos quemuito contribuíram para a qualidade do manuscrito.Este artigo foi desenvolvido como parte doProjeto DINBRAS (Proc. 98/00572-2 - FAPESP) eProjeto DEPROAS (MCT/PRONEX).

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(Manuscrito recebido 07 outubro 1999; revisado

21 fevereiro 2000; aceito 10 novembro 2000)