a cor do paras social
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OS ACORDOS PARASSOCIAIS NO
DIREITO PORTUGUÊS
Hugo Daniel Lança SilvaAluno n.º 1402/99/005Beja, 31 de Outubro de 2000
ÍNDICE
I- PREÂMBULO
4
- Introdução 4
- Perspectiva histórica 6
- Surgimento da questão em Portugal 7
- Esgrimir argumentos acerca da admissibilidade dos acordo 9
II – CONSAGRAÇÃO LEGISLATIVA 16
- Relação entre o contrato social e o acordo parassocial 16
- Análise ao artigo 17.º CSC 25
- Forma 34
- Duração 38
- Transmissibilidade 41
- Meios de conferir efeito externo aos acordos 42
III- TIPOLOGIA DOS ACORDOS PARASSOCIAS 47
- Acordos de voto 48
- Acordos sobre a transmissão de participações sociais 63
- Acordos sobre o exercício do direito à informação 71
- Acordos sobre a distribuição de lucros 71
- Acordos sobre o funcionamento dos órgãos sociais. 72
IV- ACORDOS PARASSOCIAS INADMISSÍVEIS 73
- Acordos sobre a conduta dos órgãos sociais 73
- Vinculação a instruções dos órgãos sociais
77
- Venda do voto
81
- Violação das normas de Direito Societário
84
- Incompatibilidade com o interesse Social
85
- Consequências da nulidade de um acordo parassocial. 87
V- INCUMPRIMENTO DOS ACORDOS
89
- Cláusula Penal
89
- Providência Cautelar
92
- Acção de Cumprimento
94
- Execução Específica
97
- Acção Executiva
101
- Sanção Pecuniária Compulsória
102
VI APROXIMAÇÃO A UMA POSIÇÃO CRÍTICA .........104
BIBLIOGRAFIA
106
I- PREÂMBULO
1- Introdução 2- Perspectiva histórica
3- Surgimento da questão em
Portugal 4- Esgrimir argumentos
acerca da admissibilidade dos
acordos
1. Introdução
1.1 Tratar este tema não é uma escolha inteligente.
Dentro do leque de centenas de temas possíveis para realizar um trabalho em
sede de Direito das Sociedades, este é porventura um dos mais proficuamente
tratados; conforme salienta RAÚL VENTURA “ A bibliografia estrangeira sobre
acordos de voto é vastíssima; a bibliografia mencionada no citado livro de
LUBBERT1 aponta mais de 500 obras. E se os problemas relativos a estes
acordos são discutidos à cerca de 100 anos, natural é que tudo esteja visto e
revisto, em todos os planos ângulos e facetas, tornando repetitivo cada novo
estudo... e se não se chegou a acordo generalizado ...os argumentos repetem-
se até à exaustão, em todos os sentidos possíveis...”
O erro in eligendo é tanto maior quando ainda recentemente brotaram à
cintilante luz das livrarias duas obras, ambas dissertações de mestrado, que
dissecam com inigualável categoria a temática que humildemente e, permitam-
me, insensatamente, procuro analisar. Porque o faço; momentos ouve que
senti na elaboração destas linhas a estranha e sádica sensação de caminhar
de moto próprio para um abismo tal a dimensão e profundidade dos trabalhos
por onde fui deambulando; mas ainda assim encontrava alento na impressão
que apesar dos milhões de palavras escritas, palavras e ideias ainda poderiam
ser ditas.
De quando em quando criticam-se posições de doutrina do mais elevado
coturno; não o faço numa atitude arrogante ou presunçosa; pretende-se, tão
1 O manual citado é Abstimmungsvereinbarungen in den Aktien – und GmbH-Rechten der EWG-Staaten, der Schweiz und Grossbritasnnienns, apud. RAÙL VENTURA, “Acordos de voto”, Estudos vários sobre Sociedades Anónimas, Coimbra, 1992, pp. 17.
somente, contribuir, ainda que humildemente, para uma reflexão, tentando
trazer para a mesa da discussão um prisma diferente sobre o instituto.
1.2 Para terminar esta primeira abordagem pretendo deixar uma nota
justificativa sobre o sentido da bibliografia e pesquisa tentada: existe neste
trabalho uma pensada opção de cingir o estudo às opiniões formuladas pelos
autores nacionais; a proliferação de juristas com toda a carga negativa, vezes
de mais sublinhada, teve o indesmentível condão de incrementar a actividade
jurídica e a qualidade da mesma; a proliferação de trabalhos teve o inegável
mérito de incrementar a sua qualidade permitindo ao intérprete dispôr, na sua
própria língua e dentro do espírito do seu sistema jurídico de um muito
interessante conjunto de obras, de acuidade e pertinência similar aos trabalhos
provenientes de outros sistemas jurídicos: a praxis ainda habitual porque tida
por erudita de citar, pelo simples prazer de citar autores de origem estrangeira
em detrimento dos cultores nacionais do direito, é algo a que se ambiciona
fugir.
Recorro, mais uma vez, às palavras de RAUL VENTURA 2 para sublinhar que
apenas “ usarei a doutrina e jurisprudência portuguesas, não só brevitatis
causa, mas ainda porque a nossa doutrina condensou e em parte absorveu a
experiência e as opiniões estrangeiras”
1.3 Esta opção assente também determinantemente em razão do objecto em
estudo: os acordos parassociais no Direito Português, e apenas neste.
Ainda em sede introdutória importa acrescentar o facto do trabalho, embora
com vocação generalista, resvala demasiadas vezes para o tratamento desta
problemática nas sociedades anónimas: a justificação resulta de ser naquelas o
campo natural de aplicação destes acordos o que leva o intérprete a tomar a
parte pelo todo, em mais momentos que os devidos.
Assim, proponho-me a tecer sumárias considerações sobra a génese desta
figura, detendo-nos especialmente no surgimento da querela em Portugal,
analisando as posições doutrinárias sobre o tema; esgotada esta apreciação
2 RAÚL VENTURA, “Acordos de voto, cit. pp. 65.
indagaremos acerca da consagração legislativa dos acordos parassociais no
nosso ordenamento jurídico.
Pela sua heterogeneidade e pelas diferentes questões que suscitam
entendemos ser imperativo analisar a tipologia dos acordos parassociais,
delongando-nos nos mais frequentes: os acordos de voto, que não apenas são
mais frequentes como, e sobretudo, são aqueles que mais e maiores querelas
suscitam, sendo frequente o lapso doutrinário de os confundir esta parte com o
todo;3 a nossa atenção decairá ainda de forma mais intensiva sobre as
convenções de bloqueio, igualmente frequentes e não isentas de
constrangimentos e dificuldades.
Serei, ainda, especialmente sensível às proibições consagradas pelo
legislador, porquanto só é cognoscível a licitude de um acordo parassocial
após indagar sobre os impedimentos existentes.
A dissertação inquirirá ainda sobre os efeitos do incumprimento tentando
colmatar alguma lacuna porquanto, conforme sublinha LUIGI FARENGA4 a
doutrina e a jurisprudência não se ocupam do problema, limitando-se a realçar
um genérico reconhecimento do direito ao ressarcimento dos danos. Desde já,
sublinhamos, a consciência da conflituosidade das soluções preconizadas.
2. Perspectiva Histórica
2.1 Atribuísse a OPPO o baptismo dos contratos parassociais, sendo este
comummente considerado um percursor no estudo desta temática, quando em
1942 publicou uma obra com aquele título, que ainda mantém nos nossos dias
uma invejável actualidade.
Mas “ foi basicamente no seio das grandes sociedades anónimas que, no
último quartel do século XIX, nos Estados Unidos e na Inglaterra se
desenvolveram certas modalidades de acordos entre os accionistas visando
disciplinar o exercício dos direitos inerentes às suas acções, os quais foram
admitidos como lícitos nos países anglo-saxónicos.”5
3 A este lapso também nós não conseguimos fugir sendo recorrente tratarmos dos acordos parassociais em geral, tendo presentes os circunstacialismos específicos destes acordos.4 LUIGI FARENGA, Contrati Parasociali, Milano, 1987, pp. 380-381.5 MIGUEL PUPO CORREIA, Direito Comercial, 6ª, Lisboa, 1999, pp. 465. A primeira regulamentação legislativa de acordos parassociais, data de 1901 e pertence ao Estado de
No entanto, deve-se ao referido Autor os primeiros passos na análise do
instituto. No seu trabalho OPPO enunciava os traços singulares característicos
deste contrato, que “aparentemente contraditórios, caracterizam e
individualizam os contratos para-sociais: independência e acessoriedade”6.
3. Surgimento da questão em Portugal
Entre nós a questão surgiu a propósito da Sociedade Industrial de Imprensa,
SARL, corria o ano de 1954, e teve por base um acordo que hoje
qualificaríamos de parassocial, podendo afirmar-se que até então a doutrina
portuguesa se manteve adormecida face a esta problemática.
Tem-se entendido, numa visão que aplaudimos, que “o menor desenvolvimento
capitalístico da economia portuguesa será uma explicação plausível para essa
ausência. Por outro lado, os acordos daquela natureza, que certamente se
realizavam, seriam considerados mais como compromissos de honra do que
verdadeiras vinculações jurídicas, o que explicaria a relutância do recurso às
vias judiciais nos casos de incumprimento, por parte de empresários avessos a
trazer para a praça pública aspectos dos seus negócios que preferiam manter
reservados”7. A estas motivações, entendo ser de acrescer, a estrutura social
da época e, nomeadamente, o apego aos compromissos livremente
assumidos, o valor dos acordos de cavalheiros que tornavam, as mais das
vezes, despiciendo o recurso aos Tribunais pela inexistência de
incumprimentos.
Pelo efeito propulsor que teve na nossa doutrina, bem como pelo conteúdo das
cláusulas, parece adequado deter-me por instantes na análise daquele acordo.
Nova Iorque. (neste sentido THEOPHILO AZEVEDO SANTOS( Acordo de accionistas, ROA, Ano 47 (1987),I , pp. 186).6 FERNANDO GALVÃO TELES, “União de contratos e contratos para-sociais”, ROA Ano 11, n.º 1 e 2, pp. 74.7 MÁRIO LEITE SANTOS, Contratos parassociais e Acordos de Voto nas Sociedades Anónimas, Lisboa, 1996, pp. 182
Das sete cláusulas deste acordo, sublinhe-se as que estabeleciam restrições à
transmissibilidade de acções (consentimento e direito de preferência) a
distribuição dos órgãos sociais, a estatuição de um dividendo mínimo, a
limitação ao número máximo de acções e uma estratégia para a concertação
do voto a emitir na Assembleia Geral.
Sublinhe-se que neste acordo coexiste um acordo de voto, uma convenção de
bloqueio, normas relacionadas com os órgãos sociais e distribuição de lucros,
uma enorme heterogeneidade de cláusulas.
Fruto, quer das importância dos pactuantes quer da originalidade da lide, este
mereceu a atenção da nossa mais ilustrada doutrina.
Colocados perante a questão os PROFESSORES FERNANDO OLAVO8,
CAVALEIRO FERREIRA9 E BARBOSA DE MAGALHÃES10 e PALMA CARLOS 11 sustentaram a tese tradicionalista, na esteia de FERNANDO GALVÃO
TELES12, tendo os PROFESSORES FERRER CORREIA, e DOMINGOS DE
ANDRADE13 expressado a sua opinião num sentido de sustentarem de modo
favorável a susceptibilidade de realizar acordos parassociais.
4. Esgrimir os argumentos dos que defendem e condenam
4.1 Como ficou indiciado a aceitação pela doutrina deste novo tipo contratual
gerou os mais diversos constrangimentos, não faltando quem, frontalmente, se
opusesse à sua consagração legislativa.
Os críticos aos acordos parassociais começam por atacar a sua finalidade
alegando que “há que reconhecer que os pactos dos accionistas são mais uma
8 FERNANDO OLAVO, “Sociedades anónimas. Sindicatos de voto”, O Direito, Ano LXXXVIII (1956), PP. 187 ss.9 CAVALEIRO FERREIRA, Acerca do problema do sindicato de voto nas Sociedades Anónimas, Obra Dispersa, Lisboa, 1996, pp. 269 ss.10 BARBOSA DE MAGALHÃES, “Inadmissibilidade dos sindicatos de voto”, La società per azioni alla metà del secolo XX, Studi in Memoria di ANGELO SRAFFA, Vol. 1, pp. 23 ss. 11.“Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1967”, O Direito, 1971 (ano 103.º), pp. 231 ss.12 FERNANDO GALVÂO TELES, ob. cit. pp. 37.13 DOMINGOS DE ANDRADE, Pacto de preferência de venda de acções, Lisboa, 1955, 29 ss.
consequência da actual tendência dos accionistas para se desinteressarem da
marcha da sociedade e evitar o esforço do debate no seio da Assembleia”14.
Sustentava-se que os acordos de voto eram inadmissíveis “por contrariarem
preceitos imperativos de interesse e ordem pública”15 e nesse sentido
“insusceptíveis de derrogação ou contrariedade no pacto social e, por maioria
de razão, nos pactos particulares entre os accionistas”16. Enaltece-se uma
visão das regras do Direito societário em geral, e as do direito de voto em
particular perseguem razões de interesse público, pela concepção do direito de
voto enquanto direito potestativo “atribuído ao accionista, não tanto no seu
exclusivo interesse, como no interesse colectivo da sociedade.17”
Entendo-se que “o direito de voto é concedido ao accionista em atenção ao
interesse social, decorre daí que ele não pode vincular-se previamente a votar
em determinado sentido, pondo tal direito ao serviço do interesse do sindicato,
ou seja de um interesse que não é aquele em atenção ao qual o mesmo direito
lhe foi concedido e que deve inspirar o seu voto.18”
Pelo exposto sustenta-se que seja de “supor e desejar que a lei se preocupe
com garantir, não apenas a sua liberdade e exercício, com o mínimo de
restrições, mas também a sua genuinidade, não podendo as suas normas, por
serem de ordem pública, ser derrogadas ao contrariadas no pacto social, e, por
maioria de razão, nos pactos particulares entre os accionistas”19
Faz-se a apologia do espírito livre que deve nortear o processo volitivo da
determinação do voto, condenando-se a sua emissão “que não traduza o
libérrimo sentir do eleitor e antes seja obra e reflexo de conluios e maquinações
dos votantes”20. Subjacente ao que fica escrito é a consideração do direito de
voto como um direito essencial da qualidade de accionista e,
consequentemente inegociável.
Refere-se em consequência que “o sindicato de voto viola as regras
imperativas sobre a competência da Assembleia Geral, na medida em que a
14 GARRIGUES apud BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit. pp. 27.15 MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 27.16 BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit. pp. 29.17 MANUEL CAVALEIRO FERREIRA, ob. cit. pp. 27718 FERNANDO OLAVO, ob. cit. pp. 194.19 BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit. pp. 29. 20 RLx 18-Maio-1955 apud. , “Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1967”, O Direito, 1971 (ano 103.º), pp. 252
vontade social é definida por aquele, em vez de ser nesta”21, sendo que “o voto
deve ser definido consciente e livremente em Assembleia Geral, depois de
ponderados os argumentos apresentados a favor ou contra a proposta
respectiva”22
Insurge-se ainda alguma doutrina contra estes acordos por considerar que se o
direito de voto “é concedido ao accionista em atenção ao interesse social,
decorre daí que ele não pode vincular-se a votar em determinado sentido,
pondo tal direito ao serviço do sindicato, ou seja de um interesse que não é
aquele em atenção ao qual, o mesmo direito lhe foi concedido e que deve
inspirar o seu voto”,23 naquela que usa chamar-se a visão idealista do interesse
social. O interesse social dissociava-se assim dos interesses pessoais dos
accionistas como se de realidades díspares se tratasse. Sobre esta posição
reservamos a nossa posição para momento posterior.
O amplo conjunto de autores que condenam a admissibilidade dos acordos
parassociais, não discutem os méritos da formação antecipada e consciente da
vontade a expressar em Assembleia Geral, comummente designados de
acordos parassociais de consulta prévia, sendo a precedente reunião de um
grupo de accionistas para concertarem posições um meio extremamente
eficaz: o que coloca em causa é o surgimento do vínculo de actuar da forma
determinada e, sobretudo, a obrigatoriedade de o fazer ainda que contrariando
as suas convicções. A questão é a de que “se os fins do pacto são lícitos, e é
“bom” o sentido em que os pactuantes se obrigam a dar o seu voto, que
necessidade há do vínculo”24.
Parece-me indubitável que o receio da sanção contratualmente estipulada para
o inadimplemento do pacto, regra geral uma cláusula penal, funciona como
inibidor para o signatário, servindo o pacto para garantir que os obrigados
actuam de acordo com o assumido; não concordamos assim com LOBO
21 LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial, deliberações dos sócios, III, 1997, pp. 171.22 LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial ..., III, cit. pp. 172.23 FERNANDO OLAVO, “ ob. cit. pp. 194.24 VASCO LOBO XAVIER, Sindicatos de voto no Direito Português, ROA, Ano 45 (1985) pp. 644.
XAVIER que justifica o vínculo como meio de impedir o desleixo e deslealdade
dos sócios agrupados.25
Mas, tudo o que fica dito, não contraria o facto de os sócios signatários
manterem a possibilidade actuarem de como lhes aprouver, a faculdade de
votarem de forma distinta àquela a que ficaram adstritos, tendo o seu voto total
relevância não sendo a contrariedade com o acordo parassocial motivação
para inquinar a validade das deliberações, sujeitando-se posteriormente às
sanções do incumprimento. Face à influência de um acordo parassocial e à
influência de expressar o seu voto no sentido que interiormente se refuta mais
adequado ao interesse social incumbe ao accionista hierarquizar interesses.26
Já não podemos sustentar a opinião daqueles que denigrem este pacto com a
argumentação de que o mesmo se substitui à Assembleia Geral; sem me
debruçar sobre o conteúdo desta, convoco o argumento de que nem o pacto,
as mais das vezes, congrega o todo social, nem as suas deliberações têm
qualquer relevância, de direito, na esfera da sociedade.
A doutrina tradicionalista27 apoiava ainda as suas críticas na circunstância do
Código Comercial ser omisso face a esta controversa, “só admitindo
agrupamentos de sócios para os fins previstos nos artigos 183º, n.º 4, e 187º”28,
que concernem ao agrupamento de pequenos accionistas e ao exercício do
direito de voto dos accionistas residentes no estrangeiro, retirando dessa
conjuntura um intuito proibitivo.
25 Ob. cit. pp. 645.26 A solução a dar-se a este querela confunde-se com a concepção adoptada para o direito de voto: se este é entendido como um meio de atingir o interesse social, como um direito potestativo, o accionista deve alhear-se do acordo parassocial; se, pelo contrário, pugnamos por uma visão egoísta do direito de voto, se entendemos o voto como um direito de propriedade, o signatário deve expressar o seu voto pelo meio mais eficaz para garantir os seus próprios interesses.27 Neste sentido ADELINO PALMA CARLOS, Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 1967, pp. 236, FERNANDO OLAVO, ob. cit. pp. 193, Embora sem assumir uma posição refuto de pertinente a anotação ao art.º 183 do C.Com de ABÍLIO NETO e CARLOS MORENO, Código Comercial Anotado, Lisboa, 1978, pp. 278-279, que pelas referências jurisprudenciais e doutrinais indiciam a sua concordância com a teoria proibicista. 28 ADELINO PALMA CARLOS, ob. cit. pp. 236 .
4.2 “Estes e outros argumentos de modo algum mereciam o acolhimento da
facção contrária, que era, assim, levada a admitir a validade de princípio das
convenções de voto, quer de iure constituendo, quer de iure constituto,
apelando, em derradeiro termo, para a regra da liberdade negocial formulada
no art.º 405.º do Código Civil29”
Neste contexto, pela tese dos subscritores da licitude destes acordos sustenta-
se que a posição da Assembleia Geral não era desvirtuada, avançando-se
argumentos de facto e de Direito.
Desde logo defende-se que como o pacto apenas tem eficácia entre os seus
intervenientes, sendo insusceptível de afectar a essência do direito de voto;
com efeito, ainda que vinculado ao acordo, os sócios dispõem da suprema
liberdade de actuar de acordo com as suas íntimas convicções, usufruindo do
seu direito de voto no sentido que mais lhe aprouver, ficando posteriormente
sujeito às sanções do incumprimento contratual30. Em súmula, da
impossibilidade do inadimplemento sustentar a impugnação do voto expresso
retira-se a conclusão que a natureza inalienável do direito de voto não é
atacada31.
Ainda como argumentos de facto colocava-se em causa a capacidade
esclarecedora das Assembleias, vezes de mais amontoados de posições
insusceptíveis de produzirem um “voto espontâneo, que pressupõe, além do
mais, no sócio singular uma capacidade crítica e uma immediatezza de
resolução que é lícito duvidar, é, de facto, muitas vezes fruto de uma impressão
momentânea ou da incerta psicologia dos grupos que inesperadamente tomam
o predomínio na assembleia e pode, por conseguinte, determinar precipitadas e
não justificadas”32 deliberações. Com efeito, demasiadas vezes assume-se
29 EDUARDO LUCAS COELHO, Direito de Voto dos accionistas nas assembleias Gerais das Sociedades Anónimas, 1987, pp. 84-85.30 Este é um argumento com influência decisiva. “Não se vê razão bastante para impedir, na generalidade, os sindicatos de voto. No âmbito das sociedades comerciais, têm função análoga à da disciplina de voto imposta aos deputados dos grupos parlamentares. Os sócios podem votar se quiserem e como quiserem, podendo, pois, acordar com outros para votar em certo sentido, que corresponda aos seus interesses. LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial, Deliberação dos Sócios, III, cit. pp. 172.31 Esta tese é ferozmente contestada por FERNANDO OLAVO (ob. cit. pp. 192-193) que sustenta o facto do accionista não estar “evidentemente no momento de emitir o seu voto em condições de liberdade de apreciação, porque o interesse individual de não incorrer na pena convencional ou indemnização por quebra daquele compromisso o coarcta e tolhe a sua determinação”.32 ADRIANO VAZ SERRA, “Assembleia Geral”, Boletim do Ministério da Justiça n.º 197, Jun-1970, pp. 79
como preferível que o voto seja exercido após cuidada e introspectiva
meditação, e não baseado em fenómenos de massas.
No mesmo sentido aluda-se à possibilidade das deliberações unânimes por
escrito, admissíveis em qualquer tipo de sociedade (art.º 54º CSC), as quais
não são precedidas de um prévio debate, o que permite demonstrar que o
debate pré-deliberativo não pode qualificar-se como um princípio geral do
Direito Societário33.
Refira-se ainda que o paralelismo entre as Assembleias Gerais e as
Assembleias políticas é desadequado uma vez que existem “meras analogias
extrínsecas –meras semelhanças formais -, e que a dignidade dos interesses
que estão em causa no voto político não encontra paralelo no contexto em que
é emitido o voto do accionista”.34 Em consonância defende-se que “a ideia de
ofensa à liberdade do direito de voto, que se reprova, assenta, afinal, num mito
“- o mito da incomercialidade do direito de voto”35- e há que desmistifica-la”36.
Como motivação de ordem jurídica costumam indicar-se as regras da
representação de sócios na Assembleia Geral.
A doutrina tradicionalista entendia os art.º 183º e 187º do Código Comercial
como normas excepcionais, reforçando deste modo a concepção do direito de
voto como eminentemente pessoal, como integrando-se no grupo dos direitos
corporativos gerais, inderrogável37 e irrenunciável38 qualificador do estatuto de
sócio.
Esta visão deve considerar-se desajustada ao actual regulamento societário,
no qual a possibilidade de representação foi alargado39, enfatizando-se as suas
potencialidades, sendo actualmente proibido impedir a representação para o
33 No mesmo sentido MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 204-20534 VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 646-647.35 FERRI, apud. PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, Coimbra, 1993, pp. 100.36 PINTO FURTADO, Deliberações..., cit. pp. 100.37 Direitos inderrogáveis são “aqueles insusceptíveis de ser suprimidos por decisão maioritária dos sócios. (RODRIGO SANTIAGO, Dois Estudos sobre o Código das Sociedades Comerciais, Coimbra, 1987, pp. 16).38 São os “que nem sequer podem ser coarctados com o consentimento do seu titular” (ibidem)39 Por todos vide EDUARDO VERA-CRUZ PINTO, A representação do accionista para o exercício do direito de voto nas Assembleias Gerais das Sociedades Anónimas, AAFDL, 1988.
exercício deste direito, quando por pessoas determinadas.40 Assemelha-se
incontornável que o contemporâneo entendimento do direito de voto se ajusta
com a possibilidade de este ser validamente emitido por ente diverso do
accionista, derrubando-se desta forma um dos mais caros argumentos dos
defensores das teses proibicistas.
Ainda como argumentação jurídica refira-se o apelo ao primado da liberdade
contratual que legitimaria a admissibilidade dos acordos parassociais.
Como argumentação, que podemos denominar de finalista, enfatiza-se a
importância destes acordos, capazes de garantir estabilidade organizativa e de
“gestão social, face ao risco de maiorias flutuantes”41, podendo qualifica-los
como “um instrumento indispensável na vida das sociedades”42.
9. Apesar de outros autores terem vindo juntar a sua voz àqueles que
sustentavam a licitude destes acordos (PINTO FURTADO43, MÁRIO
RAPOSO44, AMÂNDIO DE AZEVEDO45) a jurisprudência manteve-se incólume
na condenação destes acordos, reafirmando a tese proibicista sempre que teve
a possibilidade de se pronunciar sobre a temática46.
A resposta à querela relacionada com estes acordos “não pode ser avaliada
segundo um cânone unitário de avaliação, mas ao invés, mediante referências
40 O art.º 380.º CSC estatuí que “o contrato de sociedade não pode proibir que um accionista se faça representar na assembleia geral, contando que o representante seja um membro do conselho de administração ou da direcção da sociedade, o cônjuge, ascendente ou descendente do accionista ou outro accionista.41 LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 645.42 FERRER CORREIA e MANUEL DE ANDRADE, Pacto de preferência na venda de acções, Lisboa, 1955, pp. 29. Esta posição não é unânime, não faltando autores, como BARBOSA MAGALHÃES, que “mesmo encarando-os sob o aspecto económico, há que reconhecer a sua inconveniência, produzindo mais prejuízos que benefícios” (ob. cit. pp. 26).43 PINTO FURTADO, Código Comercial anotado (comentário ao art.º 183.º do C.Com), II, Coimbra, 1979, pp. 510 ss.44 MÁRIO RAPOSO, O poder de domínio nas sociedades anónimas, separata da Revista de Direito administrativo, XIV, n.º 3, 1970. 45 AMÂNDIO DE AZEVEDO, Sindicatos de voto, Porto, 1974.46 A jurisprudência portuguesa condenava “rotundamente a contrariedade aos bons costumes dos pactos de voto” (VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 644).
a critérios multiformes, identificados umas vezes na conformidade com o
interesse social, outras na boa-fé e na correcção contratual, em alguns casos
com as normas organizativas societárias”47
47 SANTONI, apud. Mário Leite Santos, ob. cit. pp. 16
II – CONSAGRAÇÃO LEGISLATIVA
1- Relação entre o contrato social e o acordo
parassocial 2- Análise ao artigo 17.º CSC 3-
Forma 4- Duração 5- Transmissibilidade 6-
Meios de conferir efeito externo aos acordos
1. Relação entre os acordos parassociais e o contrato de sociedade.
1.1 A ligação entre o contrato de sociedade e os acordos parassociais, revela-
se, desde logo com a nomenclatura assumida, que exprime a ligação intensa
entre ambos, sendo insofismável a afirmação de que o parassocial não existe
sem que o social exista, que embora marginal face àquele mas estando
dependente para a prossecução da sua finalidade.
Prova de que a existência de um acordo parassocial tem reflexos na própria
sociedade são os efeitos indirectos emergentes daquele.
Sem preocupação de exaustividade, exemplificativamente refira-se o regime de
responsabilidade solidária dos sócios com as pessoas que por ele eleitas para
exercem cargos sociais, quando a eleição resulta do estabelecido num acordo
parassocial, pelos prejuízos que este origine para com a sociedade, com
fundamento na culpa in eligendo48.
Sobre este tema merece reflexão a sua conjugação com a obrigação de sigilo
impostas em alguns acordos parassociais49: com efeito e ainda que esta
restrição não esteja estatuída é um lugar comum afirmar-se a dificuldade em
conhecer estes acordos: este facto suscita a dificuldade em imputar esta
responsabilidade aos sócios obrigados, em princípio, únicos detentores dos
meios de provar a existência do acordo, mas com todo o interesse em que esta
não se produza de modo a desonerarem-se da referida responsabilidade.
48 Sobre o tema RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 38 ss. e MARIA GRAÇA TRIGO, Os acordos parassociais sobre o exercício do direito de voto, , Lisboa, 1998, pp. 140 ss.49 Corolário deste facto foi a sua denominação de pactos secretos ou reservados que lhe foi atribuída por CUNHA GONÇALVES, Comentários ao Código Comercial Português, 1914, 1ª, pp. 226 e JOSÈ TAVARES, Sociedades e Empresas Comerciais, 1924, pp. 335, conforme sublinha PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 2ª Edição, , pp. 99.
Ainda enquanto efeito indirecto dos acordos parassociais na disciplina
societária relaciona-se com a possibilidade de estes permitirem uma relação de
domínio de uma sociedade para com outra, porque esta seria uma das
modalidades de exercer uma influência dominante, concebendo-se ainda, pelo
secretismo destes acordos, a faculdade de contornar as disposições limitativas
relacionadas com o domínio de sociedades50.
Também no Regime Geral das Instituições de crédito e Sociedades
Financeiras51 encontramos reflexos da existência de acordos parassociais,
nomeadamente a obrigatoriedade de registar no Banco de Portugal os acordos
parassociais relativos ao direito de voto, sob pena da sua ineficácia,52
disposição que porque pioneira reveste especial interesse.
Ainda em sede de consagração legislativa refira-se, pelo seu especial
interesse, o facto de a não comunicação da existência de acordos parassociais
nas sociedades abertas ser cominado como contra-ordenação grave.53
1.2 Ligação com a relação social, a sua acessoriedade face à relação
social54
Apesar de autónomos face ao contrato de sociedade o pacto em análise visa
complementa-lo, seja através de regulamentações autónomas em temáticas
àquele colaterais ou visando integra-lo ou, mesmo, altera-lo,55 visando a
integração ou superação da regulamentação estatutária das através da criação
50 Por todos vide JOSÈ ENGRÁCIA ANTUNES, Os grupos de sociedades – Estrutura e organização da empresa plurisocietária, 1993, passim. Escreve o Autor que “em tal caso, se é certo que a sociedade não dispõe de um poder (maioritário) de voto próprio, é também certo que possui, pelo menos, um poder derivado” (pp. 378).51 Decreto-Lei n.º 298/1992 de 31 de Dezembro de 1992.52 Redacção do art.º 111, n.º 1 do D/L supra referido.53 Pelo disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 390 do Código de Mercado de valores Mobiliários. (Decreto-Lei n.º 486/1999 de 13/11/1999.54 Sobre o tema vide por todos GIUSEPPE RESCIO, LA distinzione del sociale dal parasociale, Rivista delle Società, Milano, 1991, pp. 596 ss.55 Neste sentido é pertinente a distinção avançada por GIUSEPPE SANTONI, entre os acordos colaterais que concretizam actos de disposição dos direitos dos sócios e os complementares que concretizam assunções de obrigações perante outros sócios (ou terceiros) em favor da sociedade.
de vínculos individualmente assumidos pelos sócios, entre eles ou perante a
sociedade, ou face a terceiros.”
Assim, estes acordos são passíveis de serem caracterizados por terem como
finalidade permitir aos sócios regular os seus interesses na sociedade,
nomeadamente as suas relações recíprocas e as suas relações com a
sociedade.
E suma, o que releva desta posição é a necessidade do pacto se debruçar
sobre a sociedade, embora sem confundir-se com esta; o acordo parassocial
não existe sem a sociedade; neste contexto merece referência a posição de
ORLANDO GOMES, com a qual nos identificamos, quando explica existirem
“contratos que dependem da existência de outros. Seria mais correcto qualificá-
los de contratos dependentes, mas o uso consagrou a expressão contratos
acessórios”56
1.3 Distinção do contrato social, a sua extrincidade ao contrato social
Contrato de sociedade e acordo parassocial são duas realidades díspares e
inconfundíveis, a despeito de grande confluências intrínsecas; desde logo os
efeitos de um estendem-se ao social, enquanto que no outro o vínculo se cinge
aos seus participantes.
Estamos perante “ negócios jurídicos com autonomia própria, regidos por
normas que lhe são peculiares”57, “pois só assim se explica a diversidade de
efeitos e de regime jurídico que lhe são imputáveis”58
Neste sentido ensina OPPO que os acordos parassociais se “distinguem do
contrato social, pelo carácter individual e pessoal do vínculo que é produzido
pelo negócio em contraposição ao carácter social das obrigações assumidas
pela lei das sociedades comerciais, de modo que ficam excluídas para aqueles
a particular eficácia nas relações internas e nas relações com terceiros tem o
regulamento social (legal ou estatutário) da relação social”59 , formando-se “no 56 ORLANDO GOMES, Contratos, Rio de Janeiro, 1998, pp. 92.57 FERNANDO GALVÃO TELES, ob. cit. pp. 74.58 MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 26.59 GIORGIO OPPO, “Contratti parasociali”, Diritto delle Società, scritti giuridici II, Milão, 1993, pp. 2-3
âmbito individual dos sócios e os seus efeitos apenas se repercutem na esfera
pessoal dos que a eles se submetem”60.
1.4 Tudo o que se disse transforma em premissas lógica duas realidades: o
contrato de sociedade e o acordo parassocial são institutos diversos; mas
apesar da diversidade não são realidades estanques, sendo que um deles, por
definição, se relaciona com o outro.
Assim, é característica individualizadora dos acordos parassociais, a sua
conexão com o pacto social, que os justifica, legitima e lhes confere razão de
ser; com efeito, para que um acordo possa beneficiar da qualificação de
parassocial tem de gravitar sobre temáticas relativas à sociedade, de molde a
complementar a regulamentação jurídica que norteia o ente societário.
Para a compreensão exacta desta conexão é importante realçar os traços
distintivos destes dois contratos. Não sendo exaustivo, importa destacar os
mais pertinentes elementos distintivos:
i) Em relação à constituição:
- o contrato de sociedade tem se ser celebrado por escritura pública61 e
carece de registo, sendo que estas são formalidades ad substanciam como
se depreende do art.º 5 e 7º CSC; para o acordo parassocial vigora o
princípio da liberdade de forma, de acordo com as disposições do art.º 219º
CC;
Das formalidades exigíveis para a celebração de cada um destes contratos
usam retirar-se importantes consequências; assim, como consequência da
necessidade de o contrato de sociedade ser obrigatoriamente constituído
por escritura pública, que posteriormente é registado e publicado no jornal
oficial, alega-se a sua eficácia erga omnes, facto que se justifica pela
60 MARIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 17-1861 O que se afirma não é, actualmente, inteiramente correcto, uma vez que a exigência de escritura pública não engloba a totalidade dos tipos sociais; com efeito, a sociedade unipessoal por quotas pode constituir-se por documento escrito. Ainda assim, faz-se apelo a este critério de distinção, não só por usual na doutrina, mas, e sobretudo, pela excepcionalidade do regime das sociedades unipessoais. Refira-se também, que nestas sociedades a dogmática dos acordos parassociais é quase inexistente, devendo-se este factor à pouca relevância social e económica destas sociedades e especialmente, pela insusceptibilidade material da maioria dos acordos parassociais se debruçar sobre estas sociedades.
susceptibilidade de os terceiros poderem conhecer o conteúdo contratual;
no que concerne aos acordos parassociais, regra geral, o seu regime
apenas é conhecido pelos seus intervenientes, fundamentando a sua
inaplicabilidade a terceiros.
Não obstante constatarmos a existência de diferenças no que concerne à
constituição dos institutos em análise, não as elevamos a factor decisivo
para a sua diferenciação, do que releva não podermos concordar com
LUIGI FARENGA quando sustenta “é licito afirmar que o contrato
parassocial é aquele contrato que tendo por objecto uma disciplina de
situações jurídicas derivadas da estipulação de um contrato de
sociedade...do qual não foram respeitados os requisitos formais ou
substanciais (ou ambos) previstas na lei societária”62
ii) Em relação à eficácia:
- conforme se indiciou, este tem sido um plano privilegiado pela doutrina
para discernir as realidades em análise, enaltecendo a característica de o
contrato de sociedade gozar de eficácia real, enquanto o acordo parassocial
tem eficácia meramente obrigacional63; desta premissa decorre que a
violação destes têm distintas consequências, sendo as do contrato social
suficientes para inquinar os actos desconformes e as do acordo parassocial
apenas conducentes aos preceitos que estatuem o incumprimento
contratual e, por consequência, indiferentes às vicissitudes societárias.
iii) Em relação à modificalidade:
62 LUIGI FARENGA, ob. cit. pp. 185. No mesmo sentido RESCIO (La distinzione del sociale dal parasociale, Revista delle Società, Anno 36º (1991), marzo-giugno 2º-3º, MIlano, pp. 602-603) ensina que “ a parcial inobservância das regras procedimentais não é passível de ser valorada como indicativo de parassocial, sendo simplesmente um vício do contrato social”. No mesmo sentido escreve MÁRIO LEITE SANTOS que sustenta que 2o parassocial não pode ser confundido com o social viciado”.(ob. cit. pp. 42).63 Sobre o tema MARIO LEITE SANTOS ob. cit. pp. 18 ss. A diversidade derivada dos efeitos gerados fica plenamente demonstrada pelo circunstancialismo de um pacto de preferência para a venda de participações sociais se realizar no seio da sociedade ou num acordo parassocial; a violação do primeiro torna a cessão inoponível à sociedade e a do segundo, ainda que emergente de um pacto em que todos os sócios se vincularam, obriga a sociedade a reconhecer a qualidade de sócio do adquirente.
- o contrato de sociedade, regra geral, pode ser modificado por maioria e os
acordos parassociais apenas por unanimidade.
As formalidade, requeridas para a constituição do pacto, repetem-se para a
sua modificação, embora esta tenham a especificidade de não carecer da
adesão da totalidade dos sócios, sendo possíveis alterações a despeito da
vontade de alguns dos seus sócios, justificando-se este facto pelo caracter
dinâmico da sociedade.
No que respeita aos acordos parassociais, e salvo estipulação em contrário,
exigir-se-à a concordância da totalidade dos signatários para introduzir
alterações no seu conteúdo, consistindo este num outro factor diferenciador
dos contratos em análise.
iiii) Em relação à finalidade:
- o contrato de sociedade tem, nas palavras de SANTONI, um significado
organizacional, nos quais o sócio é um terceiro face ao agir societário,
enquanto os acordos parassociais tutelam relações num plano meramente
individual, não se incluindo naquele “ainda que sejam concluídos pelos
mesmos sujeitos que estipularam o contrato social e com referência à
mesma actividade económica de empresa colectiva regulada por este”64.
Sublinha-se com esta construção o carácter institucional que caracterizaria
o contrato social, inexistente nos acordos parassociais, porquanto estes
visam os interesses egoístas dos sócios enquanto tais, que através deste
meio procuram incrementar as suas vantagens sociais.
Com apelo a este critério distintivo torna-se compreensível a possibilidade
de a “inclusão material de uma regra no contrato de sociedade não ser por
si suficiente critério para lhe ser atribuída a natureza de norma societária.65
iiiii) Em relação à interpretação
64 GIUSEPPE SANTONI apud. MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 37.65 MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 28. RAUL VENTURA,( Alteração do contrato de Sociedade, 2ª Edição, Coimbra, 1996, pp. 32-33) exemplifica com a necessidade de fazer constar no contrato as vantagens concedidas aos sócios e eventuais indemnizações ou retribuições devidas a estes ou a terceiros (art.º 16.º CSC) à qual deve negar-se a natureza social.
- a interpretação do contrato de social deve fazer-se segundo “um critério
fundamentalmente objectivo na hermenêutica da fonte da relação social,
para a qual é despicienda a vontade das partes que procederam à
constituição da sociedade
Por seu turno, as regras interpretativas a aplicar ao acordo parassocial são
as regras gerais de interpretação de negócios jurídicos, com estatuição
legal no art.º 236.º CC.
1.5. Na esteia de GIORGIO OPPO entendo ser oportuno uma sumária análise
à incidência dos acordos parassociais sobre o pacto social, nomeadamente as
repercussões que o primeiro exerce sobre o segundo66.
Desde logo individualizam-se os acordos sobre temáticas estranhas ao estatuto
social, não se diagnosticando quaisquer consequências sociais. Aponte-se os
exemplos de os sócios regularem os direitos e obrigações que lhe assistem
nessa qualidade, nomeadamente a distribuição dos lucros em termos díspares
ao estipulado no pacto e algumas regras relativas à transmissão das
participações sociais. Da sua irrelevância face à sociedade tem-se concluído
que nada obsta à sua validade e eficácia entre os intervenientes, sempre que
não estejam em oposição com normas legais imperativas67.
Um segundo conjunto de acordos encerram a faculdade de obterem-se
vantagens especiais para a sociedade a expensas dos sócios; será o caso de
um ou mais sócios se vincularem a conceder empréstimos à sociedade ou a
aumentarem o capital social, a escoar o produto social ou a angariar parceiros
estratégicos, entre uma infinidade de possibilidades, com o denominador
comum de se traduzirem num benefício para a sociedade não plasmado no
contrato social.
Bem mais perniciosa é a capacidade de os sócios se aglutinarem num sentido
que possa produzir um prejuízo para a sociedade ou demais sócios, ora
regulamentando a determinação do sentido de voto, ou a constituição dos
órgãos sociais, exercendo uma directa influência no ente social. É
66 Esta construção é esboçada entre nós por FERNANDO GALVÃO TELES, ob. cit. pp. 76 ss. e RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 11.67 Seria o caso de, entre outros, o acordo parassocial consagrar um pacto leonino.
fundamentalmente sobre este que deve deter-se a interpretação da doutrina
num esforço para detectar as vinculações admissíveis e as condenáveis, de
molde a expurgar a possibilidade de os sócios se agruparem para a
prossecução de finalidades intoleráveis face ao quadro do direito societário.
1.6 Ainda na análise das relações entre o acordo parassocial e o contrato
social, dissequemos um ponto que, na minha modesta opinião, parece central e
prende-se a influência do primeiro sobre a validade do segundo.
Trato da possibilidade de o estatuto social tecer considerações acerca do
pacto: se o faz para determinar a sua licitude, para permitir que os sócios se
agrupem deste modo, a norma é desnecessária, porque redundante, em
relação à letra da lei68.
Problema mais complexo é o de o contrato social proibir a existência de
acordos parassociais; entre nós RAUL VENTURA69 proclama a validade destas
cláusulas que defendem estatuírem-se com base no princípio da liberdade
contratual, não violando qualquer norma legal. MARIA GRAÇA TRIGO, embora
sem tomar uma posição definitiva inclina-se, alicerçada na doutrina alemã, pela
tese oposta. Com o devido respeito pela posição em contrário, não vejo como
se possa inquinar a validade de uma cláusula societária proibitiva de acordos
parassociais: os sócios ao incluírem determinada cláusula no contrato social,
ao darem o seu consentimento para que esta cláusula se insira no pacto,
fazem-no de moto próprio, ao abrigo do princípio da autonomia contratual,
fazem emergir a obrigação de cumprirem pontualmente o resultado do seu
acordo de vontades.
Posto isto, resta averiguar se esta previsão contraria as regras que disciplinam
a legalidade dos contratos, ou mais concretamente, se estamos perante uma
disposição imperativa ou facultativa; inclino-me, sem receio, para a concepção
de que o preceituado no art.º 17.º do CSC está ao alcance da disponibilidade
das partes, nada obstando a que os sócios em sede contrato de sociedade
disponham a ilicitude de realizar este tipo de acordos.68 A análise à cláusula que esboçamos era muitíssimo pertinente face ao silêncio da lei, nomeadamente face à posição maioritária da doutrina que condenava a validade destes acordos: com a consagração legal da licitude deste tipo contratual a temática perdeu por completo a acuidade.69 Acordos..., cit. pp. 37.
A posição preconizada alarga-se à estatuição social de cláusula que obrigue os
sócios a comunicar à sociedade ou aos seus sócios da existência de um destes
acordos. Assim, mais do que a própria ilicitude da norma em si mesma,
sublinhe-se a dificuldade em descortinar os efeitos do inadimplemento: face ao
quadro legal actual e devido aos argumentos anteriormente aduzidos, é
indefensável a sustentação de que o contrato seria nulo.70
Dogmaticamente mais atraente resulta a faculdade de o contrato social alargar
o campo de aplicação destes acordos, derrogando a disposição legal,
nomeadamente através da estatuição da oponibilidade dos acordos
parassociais.
Sobre o tema MARIA GRAÇA TRIGO ensina que a hipótese deve ser recusada
“na medida em que desrespeitaria a regra geral imperativa da ineficácia dos
acordos perante terceiros” 71.
Em nossa opinião a resposta a esta querela encontra-se prejudicada pela
solução adoptada para dois distintos problemas, a saber:
- a consideração do art.º 17º como uma norma imperativa ou facultativa;
- o sentido em que entendemos o princípio da inoponibilidade consagrado
na referida disposição legal.
Sobre o primeiro dos problema enunciados já ficou expressa a nossa posição;
no que respeita ao segundo, reservamos uma tomada de posição para a parte
que encerra o estudo72.
2. Análise ao Artigo 17º CSC
70 Não obstante o que fica escrito, não condenamos a possibilidade de se exigir no pacto social a comunicação de eventuais acordos parassociais, cominando-se o incumprimento desta cláusula com uma qualquer sanção, desde que, não inquine a validade dos acordos.71 RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 151.72 Sobre o tema vide infra ponto 2.1 capítulo V.
2.1 A despeito de uma posição “prevalecente na doutrina e pacífica na
jurisprudência”73 o legislador português pôs termo à cisão doutrinal,
regulamentando a matéria.
A regulamentação legislativa dos acordos parassociais, teve o condão de
deslocar a doutrina dos problemas relacionados com a validade destes
acordos, agora um dado adquirido, para se centrar na análise do regime legal
vigente, tentando dissecar os limites legalmente impostos à sua validade.
Ainda sobre o modo como se consagrou a admissibilidade dos acordos
parassociais faz-se eco com a mais recente doutrina que critica,
acertadamente, a inexistência de trabalhos preparatórios publicados, que
dificultam o intérprete na sua tarefa de compreensão do instituto e
nomeadamente dos motivos que determinaram a sua consagração legal.
Sobre o teor da redacção legislativa pode afirmar-se que a mesma consistiu em
admitir a validade dos acordos parassociais em geral, detendo-se
posteriormente na problemática dos acordos de voto, que expressamente são
admitidos, ainda que não sem reservas; com efeito, alguns destes são
cominando com a nulidade.
O modo como se produziu esta admissibilidade causou estranheza, mesmo
nos seus mais entusiásticos defensores, que não duvidam em qualificar a
redacção adoptada de demasiado ousada.74
Assim, os acordos parassociais gozam de consagração legislativa, desde 1986,
pelo disposto no art.º 17º Código das Sociedades Comerciais (CSC). Esta
estatuição legal veio por termo à controvérsia doutrinal e jurisprudencial,
dirimindo-a deste modo.
Mas a estatuição legal da validade dos acordos parassociais não encerra a
discussão acerca do seu conteúdo, incumbido à doutrina examinar os seus
conteúdos, nomeadamente a tarefa de determinar os seus limites, e indagar
73 VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 64374 Neste sentido VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 651. Também MARIA GRAÇA TRIGO entende “que a forma como o princípio da admissibilidade foi introduzido no direito português se caracteriza por uma certa artificialidade” considerando o carácter precipitado da nova regulamentação legal (ob. cit. pp. 139).
sobre o seu verdadeiro campo e âmbito de aplicação, de molde a proceder ao
seu aprofundamento.
A redacção do artigo corresponde à apresentada no projecto elaborado por
RAUL VENTURA; nesta foi descurado, por ventura erradamente, a contribuição
de VAZ SERRA75, que anos antes defendera a consagração legal deste
instituto, embora com uma diferente redacção. Pela sapiência técnica e pela
coincidência com as opiniões que formularemos, reputamos de pertinente
reproduzir esta proposta.
1. É nulo o contrato pelo qual o accionista se obrigue, para com a sociedade ou
terceiro, a exercer o seu direito de voto segundo instruções da sociedade ou da
administração, da direcção ou do conselho de vigilância ou fiscal da sociedade, ou
segundo instruções de uma empresa dependente, ou a votar as eventuais
propostas de algum desses órgãos da sociedade, ainda que tal contrato obrigue os
accionistas entre si.
2. São, porém, válidos os contratos pelos quais os accionistas se obriguem, por
escrito, para com a sociedade entre si, a votar uniformemente nas assembleias
gerais, salvo se tais contratos violarem um princípio das sociedades por acções ou
puderem prejudicar o interesse da sociedade; estes contratos não podem valer por
mais de três anos, limitando-se a sua duração a este período quando não for
determinada.
3. Não pode ser exigido judicialmente o cumprimento dos contratos previstos no
número anterior, mas só a indemnização ou a pena convencional por não
cumprimento deles.
4. Se os referidos contratos forem nulos, não são por esse motivo inválidas as
deliberações da assembleia geral em que a maioria se tenha formado mediante a
espontânea observância do contrato; se forem válidos, a sua inobservância não
afecta a validade das deliberações da assembleia geral.
A redacção legal que vingou para a problemática em análise recebeu influência
decisiva da lei societária alemã - AktG Alemã de 1965 -, que por sua vez já
influenciara a proposta da V Directiva da CEE de 198376.
75 ADRIANO VAZ SERRA, Assembleia Geral..., cit. pp. 86-87.76 A redacção da Directiva de 1983 era a seguinte:São nulas as convenções pelas quais um accionista se obriga a votar:
a) seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos;b) aprovando sempre as propostas feitas por eles;c) exercendo o seu direito de voto em determinado sentido ou, pelo contrário abstendo-se
de o exercer em contrapartida de vantagens especiais.
2.2 Após algumas considerações preliminares entendo ser oportuno iniciar um
ensaio em concreto aos acordos parassociais, tal qual foram recebidos no
nosso ordenamento jurídico.
Pela análise do preceito legal estes definem-se com acordos celebrados
entre todos ou alguns dos sócios pelo qual aqueles, nessa qualidade, se
obriguem a uma conduta, permitida por lei.
Da definição que o legislador nos oferece encontramos alguns aspectos que
carecem de uma apreciação mais detalhada com base nas dificuldades que
destacam.
Num primeiro momento importa tecer sumárias considerações sobre as partes
existentes neste acordo: ensina-nos o artigo que o acordo parassocial é
celebrado por dois ou mais sócios, que correspondam ou não à totalidade dos
sócios da sociedade.
Pela redacção adoptada assume-se, sem margem de risco, a possibilidade de
existirem contratos, outorgados por todos os sócios, mas, e apesar deste facto,
extrínsecos ao contrato social. Assim, afastada a questão da admissibilidade
destes pactos, merece reflexão determinar a sua finalidade, inquirir sobre o que
move a totalidade dos sócios a celebrarem entre si um outro contrato,
autónomo mas conexionado com o contrato social, qual a finalidade
prosseguida pelos sócios nestes acordos, insusceptível de ser conseguida no
contrato social77. A correcta resposta a esta questão baseia-se na consideração
de que a par das disposições societárias são enunciáveis outras motivações
que carecem da convergência dos sócios, mas distintas do pacto social,
passíveis de realizarem melhor a sua função típica se prevista num instituto
diferente daquele, nomeadamente em termos de formalismos, publicidade e
eficácia, ou ainda a necessidade de acordar sobre temáticas que, não obstante
se dirigirem ao ente social, não têm a natureza de disposições sociais.
77 A questão é despicienda quando o contrato não engloba a totalidade dos sócios, por se vislumbrarem diversas motivações para a sua união.
Retomando uma abordagem subjectiva ao preceito legal, merece, desde logo
cuidada reflexão, a identificação das pessoas que podem celebrar tais acordos.
Numa primeira e apressada análise somos empurrados a considerar que
acordos parassociais são convenções entre sócios, dependendo a sua validade
da conformidade com os preceitos imperativos de direito societário. Esta visão
prejudica a qualificação como parassociais de acordos em que intervenham
não sócios, e, por maioria de razão, em que não intervenham sócios.
Uma segunda leitura admissível, consiste em considerar que de todos os
acordos parassociais possíveis o legislador se limitou a disciplinar aqueles em
que intervêm sócios78.
De forma sintética refira-se que os acordos parassociais são uma realidade da
praxis económica que os diversos legisladores se viram obrigados a
regulamentar. Estamos assim perante um tipo legal que visou regulamentar um
tipo extralegal ou tipo social, i e, sobre metodologias contratuais que eram
típicas nas relações societárias.
Assim, na prática societária são comuns os acordos celebrados entre sócios de
uma dada sociedade com terceiros face àquela sobre temáticas relacionadas
com o ente social: sem dificuldade poderemos exemplificar com a realização de
um acordo para um financiamento, pactos para a realização de uma nova
entrada, ou para escoar produção, entre inúmeras outras possibilidades.
Não se vislumbram motivações para inquinar a validade em geral destes e de
outros acordos de semelhante escopo, sufragando a sua licitude como
corolário do princípio da autonomia contratual. A questão reside em considerá-
los ou não como acordos parassociais.
Numa deambulação pelos autores que analisaram o tema que agora nos
preocupa deparamos com frequentes exemplos de situações idênticas a estas
tratadas no âmbito dos acordos parassociais, o que revela, ainda que
inconscientemente, a sua qualificação como acordos parassociais, num sentido
coincidente com o nosso pensamento.
78 Com respeito pela avalizada voz de RAÚL VENTURA (Acordos..., cit. pp. 13) não podemos concordar em estar perante uma mera definição de uma categoria dogmática. Existe também um problema material de elevado interesse, que se prende com o facto de aquilatar se o legislador, ao referir-se a acordos celebrados entre sócios, exclui os acordos em que os sócios não intervém da disciplina legal, ou, se pelo contrário, os terá reputado de inaceitáveis.
Opinamos pois, que a referência legislativa aos acordos celebrados entre
sócios não curou de excluir os acordos celebrados com terceiros, mas somente
pretendeu regulamentar uma parte de todos os acordos parassociais possíveis.
Entendemos estar perante “um tipo contratual legal que não corresponde a um
tipo social”79, nada obstando à validade dos referidos acordos.
Resta analisar o regime legalmente aplicável a estes acordos. Postulamos da
opinião que o art.º 17.º CSC é aplicável analogicamente a estes acordos:
solução inversa seria inaceitável porque se traduziria na consagração de um
regime mais restritivo para os acordos em que só interviessem sócios em
relação a semelhantes acordos em que alguns ou todos os intervenientes não
possuem aquela qualidade.
No que concerne à finalidade prosseguidas pelas partes que celebram este
contrato, podemos encontrar um objecto, relacionado com interesses que
gravitem à volta da sociedade, uma vez que um contrato que com esta não se
relacione não deve considerar-se parassocial.
Precise-se o facto de o texto legal exigir que os sócios se obriguem “nessa
qualidade”. A ratio desta precisão prende-se com o conteúdo das obrigações
que são admissíveis, sendo que estas, se limitam às decorrentes do estatuto
de sócio. Pelo afirmado, a possibilidade dos sócios de vincularem entre si, tem
como limite as suas atribuições sociais enquanto sócio, excluído-se por este
meio quaisquer outras que aquele circunstancialmente possua, mas
independentes da sua qualificação como sócio, v. g. como a circunstância de
cumular aquela qualidade com a de gerente e pretender vincular-se a uma
determinada conduta típica desta condição.
A ratio legis do artigo foi consagrar legalmente um princípio da admissibilidade
dos acordos parassociais, dentro dos limites do artigo e dentro do leque das
suas proibições, bem como consagrar o princípio da sua ineficácia perante a
sociedade e demais sócios.
Pela outorga de um acordo parassocial surge para aqueles que se vinculam
uma obrigação jurídica, sendo este o efeito pretendido pelas partes. Esta
obrigação pode ser positiva, sendo este o caso de o sócio se vincular a exercer
79 PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, Coimbra, 1995, pp. 59.
o seu direito de voto com um determinado conteúdo, ou negativa se consiste
em abster-se de votar ou de alienar as suas participações sociais.
Assim, o efeito útil da norma legal em análise foi desde logo esclarecer as
dúvidas que concerniam à sua licitude, e consequentemente submetendo as
suas violações aos ditames da responsabilidade contratual.
No que diz respeito ao seu âmbito de aplicação entendo que estes acordos
podem relacionar-se com um qualquer tipo social; se é indesmentível que a
prática ensina e demonstra que estão normalmente conexionados com as
sociedades anónimas, nada obsta a que se relacionem com uma sociedade de
tipologia diversa.
Se dúvidas subsistissem, haveria a possibilidade de argumentar que a sua
inserção na parte geral do CSC, esclarece a sua potencialidade de nortear os
comportamentos dos sócios independentemente do tipo social que adoptem.80
Seguindo o raciocínio assumido, e em obediência aos princípios fundamentais
que norteiam os argumentos que defendem a licitude do instituto,
nomeadamente o reincidente argumento que a sua conformidade como o
Direito de baseia no postulado da liberdade contratual, talvez o mais adequado
local de sede legislativa da admissibilidade dos contratos parassociais se situa-
se no Código Civil pela sua potencialidade de adaptação a qualquer tipo de
sociedade, abstraindo-se da sua comercialidade. Com efeito, não se
vislumbram motivações materiais para que um acordo parassocial verse sobre
uma sociedade civil.
2.3 Um outro elemento que importa considerar prende-se com a nomenclatura
adoptada, nomeadamente a expressão “acordos” inusual na nossa cultura
jurídica. O PROFESSOR RAUL VENTURA, embora desvalorize a questão “...
chamar-lhe acordos, convenções, contratos, não faz grande diferença” termina
entendendo que a qualificação de contrato se ajusta a este instituto.81
80 No mesmo sentido MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 146. Esta afirmação, no entanto, não prejudica a consideração de que é no seio das sociedades anónimas que estes acordos têm maior acutilância, o que sugere a alguns autores limitarem a este tipo social o estudo dos acordos parassociais; ainda neste sentido vide FERNANDO GALVÃO TELES, ob. cit. pp. 75 e MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. que se limita a análise destes acordos neste tipo societário.81 RAUL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 31
Com a devida vénia não me parece que a questão seja tão simplista como
apresentada, tanto mais que, o receio da adopção da expressão contratos
patenteia-se num amplo conjunto de ambiguidades que norteiam este instituto,
num receio, fundado ou não, de conferir dignidade plena a este instituto
jurídico, ou mecanismo económico da vida societária82.
Corolário do que se afirmou é a particularidade singular dos acordos
parassociais, tais como estes existem à luz do jus constituto, é a sua
inoponibilidade face ao contrato social. É inequívoco o art.º 17 CSC em
determinar que com base no incumprimento de um acordo parassocial “não
podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a
sociedade”.
O legislador confere-lhes uma eficácia mitigada, no sentido em que, se, por um
lado, proclama a sua validade, a sua eficácia entre os intervenientes, por outro,
a sua inobservância, em princípio, não pode consubstanciar em algo mais que
uma singela indemnização.
Sustenta-se, por esta forma, que este contrato tem mera eficácia entre os seus
signatários, sendo a violação impotente para inquinar um qualquer acto da
sociedade ou dos sócios para com a sociedade.
O que aqui se salienta é que existindo “uma discrepância entre, por um lado,
um acto praticado pela sociedade ou por um sócio, e, por outro lado, a
obrigação assumida no acordo parassocial”83, prevalece a emitida no seio da
sociedade. “É assim estabelecida uma barreira entre o acordo e o contrato de
sociedade; as relações jurídicas criadas por aquele não vão afectar as relações
criadas por este, designadamente, têm de contentar-se com as suas sanções
próprias e não podem contar com as sanções próprias das relações
82 Em sentido similar MÁRIO LEITE SANTOS (ob. cit. pp. 176-180) considera “que o legislador pesou intencionalmente o alcance das palavras, com vista à expressão da sua vontade. Mais do que a opção pelo vocábulo acordo não se pode considerar desprovido de significado o ter-se evitado a utilização da palavra contrato. Refira-se finalmente que a opção pela, expressão contratos para qualificar a situação em análise não é inaudita no nosso direito, sendo utilizada no projecto VAZ SERRA; no mesmo sentido é lapidar FERNANDO GALVÃO TELES (ob. cit. pp. 82) ao afirmar que “todos os negócios para-sociais são,...em suma, contratos”.83 RAUL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 14.
societárias, nem para impugnação de actos sociais, nem para reforçar a
eficácia do acordo.” 84
Mas a inoponibilidade dos acordos parassociais face ao contrato social deve
ainda ser observado numa diferente perspectiva; se o incumprimento do pacto
não pode afectar a deliberação social, também os vícios do pacto social são
irrelevantes para as vicissitudes da sociedade; parece incontestável que se o
facto estiver ferido de nulidade mas, não obstante, os pactuantes
espontaneamente o cumprirem é axiomática a validade da deliberação
verificada, ainda que realizada na convicção errónea da vinculabilidade do
acordo, sendo esta mais uma decorrência da independência entre estas
figuras.
2.4 Obviamente que a impossibilidade de impugnar actos da sociedade com
base na violação de um acordo parassocial seria um dos aspectos nucleares
para incrementar a eficácia destes acordos, compreendo-se a preocupação
legislativa de, expressamente, aniquilar essa susceptibilidade. Mas, como bem
sublinha RAÚL VENTURA não é o único, sendo também concebível a
faculdade de se fazer intervir os órgãos da sociedade no funcionamento do
acordo.
Esta possibilidade é terminantemente afastada pelo ilustre professor citado;
pensamos que se exige alguma reflexão. Na defesa da sua posição RAUL
VENTURA exemplifica com a inadmissibilidade de, no caso de um acordo
parassocial pretender limitar a circulação de participações sociais, não pode
prever que se exige o consentimento da sociedade para a transmissão ou o
não reconhecimento por esta de uma alienação com violação do pactuado.
Mas, avancemos uma outra hipótese: alguns dos sócios acordam entre si que
votarão de acordo a uma proposta de cisão, se os administradores
concordarem com o mesmo. Neste caso, a regulamentação do acordo inclui
um órgão da sociedade que, ainda que indirectamente, determinará o sentido
de voto dos signatários do acordo: no exemplo aduzido nada obsta à licitude do
pacto. A posição que agora se defende é decorrente da interpretação a
contrario sensu da alínea a) n.º 3 do art.º 17.º CSC, que ao estatuir a proibição
84 Ibidem, pp.. 15.
das convenções de voto nas quais os sócios se obrigam a exercer este seu
direito seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus
órgãos, deixa aberta a possibilidade de se verificar uma situação paralela à
referida, que se consubstancia em fazer intervir a sociedade ou alguns dos
seus órgãos no acordo parassocial celebrado entre os sócios.
Por tudo, opinamos que o efeito útil da frase “não podem ser impugnados actos
da sociedade ou dos sócios para com a sociedade” deve cingir-se a impedir a
anulação de deliberações sociais com base no incumprimento de um qualquer
acordo parassocial, e não a impedir qualquer intervenção da sociedade na
regulamentação parassocial85.
3. A forma exigida para os acordos parassociais
3.1 Os acordos parassociais não carecem de qualquer formalidade legal,
aplicando-se-lhe assim o princípio da consensualidade ou liberdade de forma
previsto no art.º 219 CC.
Esta opção legislativa é antagónica à proposta do PROFESSOR VAZ SERRA
que exigia a forma escrita86.
Modestamente adiro a esta douta opinião. A relevância destes acordos “não se
compadece com a insegurança da forma oral”87.
Sendo certo que todos os acordos parassociais que alcançaram a barra dos
Tribunais estavam plasmados na forma escrita, de modo a facilitar ou permitir a
prova da sua existência, algumas dúvidas invadem-me o espirito, uma vez que
também é certo que a exigência de uma dada forma legal não se relaciona
unicamente com a sua função probatória, mas igualmente com a preocupação
em que a vinculação tenha por base uma consciente e fundamentada formação
85 Veja-se a nossa posição supra nota 69, ponto 1.3 capítulo II.86 Também as propostas de reforma legislativas em Itália requeriam esta formalidade, sendo que este era um ponto de contacto dos projectos apresentados por ASCARELLI, pela Comissão do Centro Italiano de Estudos Jurídicos e DE GREGORIO.87 RAUL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 40. Também este autor entende que estes acordos devem celebrar-se por escrito, acrescentando que todos os acordos conhecidos pelos autores e Tribunais apresentaram esta forma.
de vontade, funcionando a necessidade de forma especial como um meio de
permitir a reflexão88.
A desnecessidade de uma forma especial pode suscitar questões que não são
meramente académicas, nomeadamente de estabelecer a destrinça entre os
acordos de cavalheiros e os acordos juridicamente vinculativos; estabelecer
quais os casos em que os sócios ou delinearem estratégias para a vida
associativa têm ou não o desejo de se colocarem sobre a alçada do Direito,
quando pretendem a sua tutela. Assim, se três sócios jantam antes de uma
Assembleia Geral e combinam que vão votar a destituição de um dos
administradores estamos ou não perante um acordo parassocial? A questão é
delimitar quando estamos perante uma vontade de se vincular juridicamente a
uma estratégia ou a mera delimitação de uma estratégia comum sem intuito
vinculativo, a celebração de um mero acordo de princípio ou intenção.
3.2. Característico ainda dos acordos parassociais, tais como são entendidos à
luz do nosso direito positivo, é o secretismo que rodeia muitos destas
convenções. Algumas vezes encontramos inclusive esta obrigação como
cláusula daquele acordo.
Mas ainda que assim não seja é incontornável que a esmagadora maioria dos
acordos em análise não abandona o anonimato, sendo portanto desconhecidos
dos que dele não constam89.
Este facto, contraposto à publicidade que caracteriza os contratos de
sociedade, suscita delicadas questões; desde logo, como tudo o que é secreto
suscita o receio próprio do desconhecido, o temor da sua contrariedade face à
moral e ao Direito90.
88 Sobre o tema vide ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, tomo I, Lisboa, 1999, pp. 319 ss. e ENZO ROPPO, O Contrato (Tradução de Ana Coimbra e Januário Gomes) Coimbra, 1988, pp. 96 ss.89 É recorrente a doutrina sublinhar a dificuldade de teorizar sobre estes pactos alegando o reduzido número dos pactos conhecidos, sendo que usualmente apenas é possível descobrir o seu conteúdo após a sua impugnação judicial.90 Criticamente sobre o tema classifica THEOPHILO AZEVEDO SANTOS( ob. cit. pp. 184) estes acordos de “ocultos”, irresponsáveis” e de “eficácia duvidosa em grande número de casos, aplaudindo a sua publicidade e arquivo na sede da sociedade.
Por outro lado, a própria noção subjacente ao princípio societário, a junção “de
duas ou mais pessoas (que) se obrigam a contribuir com bens e serviços para
o exercício em comum de certa actividade económica ... a fim de repartirem os
lucros resultantes dessa actividade”91 exige que os sócios, corolário directo do
princípio da boa fé, que actuem com lealdade entre eles.
Merece reflexão o facto de, se dois ou mais daqueles unirem esforços à revelia
dos outros, como que formando uma sociedade dentro da sociedade, não
contrariam o espírito de conjugação de esforços que deve estar subjacente ao
intuito associativo.
Pessoalmente, e com respeito por posição em sentido inverso, não encontro
motivos que aconselhem ao secretismo destes acordos. Perfilho assim da
opinião, de jure constituendo, da consagração do princípio da publicidade
desses acordos, ou mais correctamente a obrigação de comunicar à sociedade
a existência de um acordo parassocial bem como do conteúdo da vinculação.
A opinião que expresso nada tem de inaudita, uma vez que vem na sequência
do estatuído no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades
Financeiras, que no seu art.º 111 n.º 1 dispõe da obrigação de registar esses
acordos no Banco de Portugal92.
É uma regra análoga a esta de âmbito geral que aqui se propõe, dispondo-se a
obrigatoriedade de dar conhecimento à sociedade destes acordos.
Não se aceita o argumento em contrário baseado no receio de a possibilidade
de conhecimento ser prejudicial aos pactuantes por o acordado ser susceptível
de conhecimento por uma qualquer pessoa. Para tanto, o direito societário
estabeleceu um amplo conjunto de mecanismos que permitem proteger a
sociedade de uma utilização abusiva das suas informações internas, que
devem ser igualmente capazes de dar uma resposta eficaz à necessidade de
alguns acordos parassociais não deverem ser de conhecimento geral93.
91 Art.º 980.º Código Civil. A noção de sociedade consagrada pelo legislador foi decalcada dos art.º 2247º e 2248º do Código Civil.92 Sobre o tema vide CATARINA MARTINS DA SILVA, Os grupos bancários no regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, ROA, 1997, III, Ano 57, pág. 1043 ss.93 Sobre o tema vide ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit. pp. 55 ss., JOÃO LABAREDA, Das acções das Sociedades Anónimas, Lisboa, 1988, pp. 173 ss., LUIS BRITO CORREIA,
Numa outra perspectiva que não deve ser menosprezada, esta obrigatoriedade
de dar conhecimento seria um meio eficaz de fiscalização da licitude em
concreto dos acordos parassociais.
Sendo óbvio que a nulidade de um acordo parassocial deve ser decretada pelo
Tribunal, e que em caso de fundada interrogações sobre a sua conformidade
com o Direito vigente cabe ao pactuante em juízo inquirir sobre esta, a prática
ensina que o recurso à tutela judicial só se verifica em situações de
incumprimento. Há assim toda a vantagem em submeter os acordos
parassociais a uma fiscalização preventiva, ainda que imprópria, pelo efeito
persuasor que encerra.
Em conclusão e pelo exposto é convicção do autor destas linhas que a
consagração da obrigatoriedade de dar conhecimento da existência de acordos
parassociais será um pequeno passo para a optimização deste instituto.
5. A duração dos acordos parassociais
5.1 Também a despeito da contribuição do PROFESSOR VAZ SERRA94 não se
estipulou qualquer limitação temporal para estes acordos, que na sua proposta
determinava que o seu limite seriam três anos95.
Sobre a duração dos acordos parassociais refira-se a susceptibilidade destes
conterem uma cláusula que delimite a sua duração, seja a termo certo ou
incerto.
Direito Comercial, Sociedades Comerciais, II, 1997, pp. 316 ss., MIGUEL PUPO CORREIA, ob. cit. pp. 509 ss., 94 O ilustre professor sustenta que a estatuição de um limite temporal máximo se “destinava a reprimir abusos do grupo de comando para conservar o controle da sociedade” (Assembleias..., cit. pp. 80).95 Com uma longevidade que varia entre os três e cinco anos, encontramos previsão idêntica nos projectos de reforma legislativa italianos. Também no direito americano, no qual estes acordos gozam de maior popularidade, existe uma limitação de dez anos para os voting trust. Também no direito brasileiro não existe uma limitação temporal, sendo o facto criticado por WILSON CAMPOS BATALHA, MODESTO CARVALHOSA, CELSO BARRETO e RUBENS REQUIÃO, apud. THEOPHILO AZEVEDO SANTOS(ob. cit. pp. 189). A não estatuição de prazo tem sido fundamento de invalidade dos acordos de voto pela jurisprudência francesa, que assinala a dissociação dos direitos conferidos pelas acções e uma renúncia absoluta ao exercício do Direito de Voto. (DOHM apud. MODESTO CARVALHOSA, Acordo de acionistas, São Paulo, 1984, pp. 80-81)
Em diferente perspectiva, podemos encontrar causas objectivas e subjectivas
de extinção do acordo: a extinção da sociedade que determina a extinção do
acordo por impossibilidade do seu objecto e a cessação da qualidade de sócio,
por impossibilidade subjectiva do sócio se manter vinculado ao acordo, porque
o estatuto de sócio é indispensável para que o acordo prossiga os seus
objectivos.
O problema surge quando o acordo não prevê uma duração para a sua
estatuição, e não se verifica nenhuma daquelas causas, o que implica uma
tendência para a perpetuação daquela vinculação.
Sem prejuízo de comentários adicionais, adianto a minha reserva a acordos
tendencialmente vitalícios, nomeadamente quando o seu objecto é o direito de
voto.
Inegavelmente que num mundo específico, concorrencial e competitivo como o
empresarial é sobremaneira aplicável o brocardo popular o que hoje é verdade
amanhã é mentira : a consagração legal ad eternum deste tipo de vinculações
parece-me desajustada e atentatória da salutar liberdade de modificar a
opinião.
Sobre a questão Raul Ventura recorre “ às armas clássicas do nosso arsenal
ou aos remédios já clássicos do nosso receituário”96 entendendo que não
devem admitir-se vinculações perpétuas, consistindo a sua solução não em
considerar nulos os contratos com aquelas características mas sim na
aplicação àqueles das regras gerais da resolução do acordo, com ou sem justa
causa.
Com a devida vénia receio que os remédios do nosso receituário possam ser
impotentes para a globalidade dos acordos parassociais; se para os acordos de
voto as regras gerais do direito civil são suficientes, maiores duvidas suscitam
a sua capacidade curativa para os sindicatos de voto; a ratio desta opinião
resulta da certeza e determinabilidade das convenções pontuais sobre o
exercício do voto ( destituir ou nomear os órgãos, aumentos de capital, etc.) e
da necessária e óbvia indeterminabilidade e generalidade dos acordos que
tendem a perpetuar-se, dos acordos que por definição tem a característica a
durabilidade.
96 Para utilizar a feliz expressão do PROFESSOR VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 652.
Esta perspectiva vai ser desenvolvida aquando do tratamento dos sindicatos de
voto.
A problemática da durabilidade destes acordos não passou despercebida a
FERNANDO OLAVO, que trouxe à colação o caso paradigmático de conterem
disposições sobre a constituição dos órgãos sociais. É insofismável que a
generalidade dos acordos parassociais distribuem pelos pactuantes os diversos
cargos sociais, obrigando-se os signatários a reciprocamente se elegerem
afrontando assim as disposições imperativas relativas à duração daqueles
mandatos.97
Sobre o tema RAÚL VENTURA preconiza que “é muito duvidoso que uma
limitação legal à duração dos acordos sirva sempre os interesses dos
participantes”98. Com profundo respeito pelo autoridade desta posição, entendo
que a questão deve colocar-se num plano inverso, ou seja, se os interesses
dos participantes se mantiverem após a expiação do prazo legalmente previsto,
nada obsta a que o acordo se renove.
5.2 As convicções expostas obrigam-nos a debruçar sobre os meios que o
sócio dispõe para se exonerar de um acordo parassocial.
Sublinhe-se a acuidade da problemática, traduzida no facto de a exoneração
afectar decisivamente a finalidade dos acordos parassocias, prejudicando
gravemente o escopo prosseguido pelos sócios sindicatos, facto este que
legitima uma cuidada análise.
Desde logo aponte-se a possibilidade de exoneração decorrer de uma cláusula
contratual, esta não suscita inquietações, pelo que não nos delongaremos.
Realmente controverso é a putativa existência de outras formas de
exoneração, nomeadamente, a aplicação analógica aos acordos das regras da
exoneração dos sócios99.
97 FERNANDO OLAVO, ob. cit. pp. 196.98 RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 42.99 O “direito de exoneração é basicamente a faculdade concedida ao sócio de se afastar da sociedade” e resulta da “aplicação do princípio geral que proíbe a vinculação perpétua das partes aos contratos duradouros” (MARIA AUGUSTA FRANÇA, Direito à Exoneração, Novas perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, pp. 207) de molde a tutelar a liberdade de
Ultrapassadas algumas dificuldades é actualmente pacífico a consideração do
direito à exoneração como um princípio geral de direito societário, ou seja,
aplicável a todos os tipos de sociedade:100 assim sendo, este é um meio de o
sócio sindicado abandonar a sociedade e consequentemente o sindicato. Mas
o que se sustenta é a admissibilidade de, com base nas mesmas motivações o
sócio se exonerar do acordo parassocial, mantendo aquela qualidade:
esbocemos o seguinte exemplo: um dos accionistas sindicados não cumpre o
acordo parassocial, sem que por esse facto os restantes lhe apliquem as
sanções que contratualmente estavam previstas; será lícito a um sócio
indignado com esta actuação situação abandonar o acordo. Sabendo que no
caso de a situação descrita ter lugar no seio de uma sociedade por quotas,
pelo disposto na alínea b) do n.º 1 art.º 240º CSC, o sócio poderia exonerar-se
urge concluir que a mesma solução se aplicaria quando no seio de um acordo
parassocial.
Por tudo, sustentamos que as disposições legais que permitem a exoneração
dos sócios devem aplicar-se, por analogia101, aos acordos parassociais, que
desta forma beneficiariam, não só dos mecanismos gerais do Direito Civil, mas
também dos específicos do Direito Comercial.
5. Transmissibilidade dos acordos parassociais
5.1 Sustenta-se que a alienação das participações sociais não faz nascer ipso
juris a vinculação por parte do adquirente: e este é o princípio geral que importa
consagrar e realçar: a alienação das acções sujeitas a um acordo parassocial
não vincula o novo adquirente;
iniciativa económica. Assim, a “exoneração é a saída do sócio da sociedade por decisão unilateral dele e mediante o pagamento do valor da sua participação” (LUIS BRITO CORREIA, Direito Comercial, Sociedades Comerciais, II, cit. pp. 453.)100 Neste sentido LUIS BRITO CORREIA, Direito Comercial, Sociedades Comerciais, II, cit. pp. 453 ss.101 Neste sentido LUÍS BRITO CORREIA (Os administradores de sociedades anónimas, Coimbra, 1993, pp. 569 ) que ao tratar da problemática da remuneração dos administradores exemplifica com um contrato entre estes e os accionistas maioritários (logo, um contrato em que intervêm não sócios) considerando que “a este contrato é aplicável o disposto no art.º 17 do CSC”.
Assim, se alguém não tem a inteira liberdade de exercer o direito de voto, ou
está sujeita a uma outra qualquer limitação de carácter parassocial usufrui
sempre da possibilidade de se desvincular através de uma venda real ou
fictícia das suas acções, num expediente que tem tanto de fácil como de
eficaz.102
Esta posição é atacável pela evocação do facto de que é usual os acordos
parassociais consubstanciarem regras que consistem em criar mecanismos
que impelem o transmitente a conseguir a anuência do transmissário ao acordo
parassocial, ou que o inibem de alienar as suas participações sociais a
terceiros face ao sindicato; resulta evidente dos acordos conhecidos esta
preocupação.
Mas esse facto não contradiz a regra, que como se disse, se consubstancia na
facilidade de poder existir uma fácil exoneração do acordo através de uma
efectiva ou hipotética alienação, traduzindo-se esta susceptibilidade num
romper das legítimas expectativas das restantes partes no acordo.
Contudo, não restam dúvidas que a alienação de acções vinculadas ao acordo
parassocial não submetem o adquirente aos seus ditames, sendo esta facto
consequência da eficácia meramente obrigacional conferida a este contrato.
5.2 No que incumbe à transmissão mortis causa, defende ANTÓNIO ALMEIDA
PEREIRA103, fazendo apelo ao art.º 2025º no seu n.º 1 do CC, que os acordos
de voto se transmitem uma vez que estamos no âmbito das relações jurídicas
patrimoniais104.
Obviamente que estamos perante um interesse que para os seus
intervenientes deve perdurar no tempo; dúvidas suscita o facto de classificar os
acordos de voto como uma relação de carácter patrimonial, ou pelo menos,
absolutamente patrimonial: se meditarmos sobre a hipótese de o acordo versar
sobre a distribuição dos órgãos sociais, deve reconhecer-se a predominância
de uma componente pessoal que exigiria a sua intransmissibilidade105.
102 Neste sentido BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit. pp. 25. 103 ANTÓNIO ALMEIDA PEREIRA, Sociedades Comerciais, 1997, pp. 152. No mesmo sentido RAÚL VENTURA, ob. cit. pp. 46.104 Em posição inversa vide THEOPHILO AZEVEDO SANTOS, ob. cit. pp. 185, que qualifica estes acordos como intuito personae.105 Posição similar, ainda que em contexto diferente é expressada por PINTO FURTADO que proclama que a posição contratual decorrente do contrato promessa não é transmissível aos herdeiros por estarmos perante uma posição jurídica que, pela sua natureza, se extingue pela
6. Formas de conferir efeito externo aos acordos.
A relevância empresarial dos acordos parassociais, e mais concretamente a
sua vitalidade prática impeliu os empresários a desenvolverem mecanismos
que os possibilitassem (nos ordenamentos e que são proibidos) ou que os
optimizem o seu funcionamento através do alargamento das suas
potencialidades.
Pensamos ser interessante dissecar suscitamente as modalidades mais usuais
que podem revestir este tipo de relações contratuais.
Uma primeira possibilidade consiste na constituição de uma Sociedade
Gestora de Participações Sociais (SGPS)106. Sobre esta susceptibilidade já
se pronunciaram repetidamente os Tribunais franceses e italianos, o que
demonstra a sua aplicabilidade prática; esta modalidade consiste em os
accionistas que se pretendem agrupar formarem este tipo de sociedades com o
intuito de concentrarem a totalidade das acções sindicadas.
Através da criação de uma SGPS atribui-se uma forma jurídica ao acordo
parassocial pela concentração dos votos numa diferente pessoa jurídica, cuja
personalidade garante a unidade externa do voto, em consequência de este
expressar-se através dos representantes da SGPS no sentido adoptado pelos
seus sócios daquela, obstando-se a que os pactuantes actuem de forma
adversa ao acordado, almejando o exercício unitário do direito de voto.
Em defesa da validade da constituição de SGPS manifestou-se ASCARELLI
“proclamando a licitude das sociedades de participação, sob o argumento de
que não se confundem com os sindicatos de voto, de natureza meramente
contratual e, portanto, com eficácia meramente interna: ao contrário as
“holdings” têm, por força da própria personificação e publicidade, eficácia
externa. Emprestando tanto aos sindicatos como às “holdings” o carácter de
contratos plurilaterais, recorda o autor que os sindicatos criam vínculos
morte do seu titular. (apud. MIGUEL PUPO CORREIA, ob. cit. pp. 464).106 Sobre SGPS vide ANTÓNIO BORGES e JOÃO MACEDO, Sociedades Gestoras de Participações Sociais, Aspectos jurídicos, fiscais e contabilísticos, passim.
obrigacionais, ao passo que as sociedades de participação criam vínculos
reais”107.
Em Portugal assinale-se a voz concordante de MANUEL CAVALEIRO
FERREIRA108, com a particularidade de ser um poderoso critico dos acordos
parassociais; o ilustre professor aceita que os agrupamentos se constituam em
sociedades, transferindo para estas as suas participações sociais, porque
neste caso não existirá um divórcio entre quem exerce o direito de voto e o
proprietário das participações sociais.
A pedra de Aquiles deste processo relaciona-se com a perda da titularidade de
acções por parte dos intervenientes e, consequentemente, de todos os direitos
conexos, que são transladados para a nova sociedade, aglutinando-se nesta,
entre outros, o direito aos lucros, que se enumera pela importância que
encerra.
Criticamente refira-se ainda a propensão para se gerar uma tributação
exagerada, à qual se deve anadir os custos com a constituição da nova
sociedade.
Tudo o que se disse impele-nos a reconhecer, malgrado os aspectos
negativos, o facto de este ser um mecanismo de conferir eficácia erga omnes a
acordos parassociais não devendo a sua admissibilidade ser contestada no
confronto com legislações que admitem a validade dos acordos parassociais,
sempre que, obviamente, se respeitem os requisitos legais que regulam este
instituto109, que sendo diverso daqueles acordos é um meio susceptível de
alcançar os mesmos objectivos, com a vantagem de conferir uma ampla
segurança110.
Uma outra possibilidade de reforçar a eficácia dos acordos parassociais, ou,
uma diferente fórmula de alcançar a mesma finalidade consiste em colocar as
participações sociais em regime de compropriedade111, beneficiando
107 ASCARELLI apud. MODESTO CARVALHOSA, ob. cit. pp. 17.108 Ob. cit. pp. 272.109 Neste sentido RAÚL VENTURA, ob. cit. pp. 62;110 Mais acuidade merece a problemática em ordenamentos jurídicos que proíbem os acordos parassociais, nomeadamente aquilatar se estamos em presença de uma fraude à lei.111 Sobre o tema vide JOÃO LABAREDA, ob. cit. pp. 69 ss.
posteriormente do método de emissão dos votos neste regime que, como é
sabido se realiza através de um representante comum (303.º e 222.º CSC), que
expressará o voto no sentido deliberado pelo conjunto dos sócios sindicados.
Por este meio impede-se que os pactuantes não acatem a decisão do
agrupamento votando como lhes aprouver, garantindo-se, desta forma, a
unidade do voto.
Uma outra modalidade com a faculdade de produzir os mesmos efeitos que os
acordos parassociais é a constituição de um usufruto112 das acções dos sócios
agrupados, beneficiando do regime legal deste instituto que adoptou “uma
solução a que podemos chamar de compromisso, atentas as outras soluções
possíveis”113 uma solução a que LUCAS COELHO114 classifica de ecléctica na
qual o usufrutuário tem o direito de “votar nas Assembleias Gerais, salvo
quando se trate de deliberações que importem alterações de estatutos ou
dissolução da sociedade”115. Este mecanismo permite garantir a unicidade do
exercício do voto, porque ao constituir-se o usufruto na pessoa de um
representante do agrupamento acautela-se a possibilidade de algum dos
signatário não respeitar o acordado.
Mas estas potencialidades não devem fazer o intérprete descurar que o
desmembramento da propriedade sobre a acção gera, desde logo, a
problemática de o direito aos lucros, que cabem ao usufrutuário (alínea b) do
n.º1 art.º 1467.º CC), bem como ficar limitado o objecto de aplicabilidade do
acordo a decisões que não impliquem a alteração dos estatutos; se o objectivo
da constituição é dar maior fiabilidade aos acordos parassociais a constituição
do usufruto tem, entre outros, estes efeitos colaterais nefastos.
Pelo exposto, embora sem colocar em causa a legalidade do exercício,
entendo que, existindo outros mecanismos possíveis com menores riscos,
defende-se a sua utilização prioritária.
112 Sobre o tema vide ANTÓNIO CAEIRO e ÃNGELA COELHO, “Proibição (e não probição como por erro se escreve no título) de cessão de quotas sem consentimento da sociedade e constituição de usufruto sobre a quota”, Revista de Direito e Economia, Ano VIII n.º 1 Jan/Jun 1982, pp. 71 ss., J. PINTO COELHO, Usufruto de acções, Separata da Revista de Legislação e jurisprudência, Ano 90, n.º 3097 a 3117 e Ano 91, n.º 3118 a 3122, Coimbra, 1958, pp. 6 ss. e pp. 9 ss. e JOÃO LABAREDA, ob. cit. pp.110 ss. 113 ANTÓNIO CAEIRO e MARIA ÂNGELA COELHO, ob. cit. pp. 75.114 Ibidem, pp. 72.115 alínea b) do n.º1 art.º 1467.º CC.
Uma modalidade complementar é a cessão legitimadora116. Ensina BRITO
CORREIA 117 que os sócios que pretendam unificar os seus votos de modo a
não ficarem sujeitos à deslealdade de um dos pactuantes podem ainda
transmitir as suas participações sociais com uma promessa de retransmissão a
prazo.
Este é um instituto há muito consolidado no direito germânico, no qual se opera
“uma transmissão meramente formal de acções para um terceiro que assim fica
legitimado para participar na assembleia social, exercendo o direito de voto em
nome próprio”118.
Na cessão legitimadora não existe uma transmissão da propriedade das
acções, continuando o cedente a ser o seu proprietário, visto o cessionário não
possuir o animus domini; não pode ainda ser entendida como uma
representação porque o representante actua em nome próprio e por conta
própria.
Este é, no entanto, um meio que encerra a desvantagem de o sócio abdicar
desta qualidade, ficando ainda submetido ao cumprimento por parte do
transmissário da referida promessa.
Sobre esta modalidade pronunciou-se criticamente BARBOSA DE
MAGALHÃES119 que a considera “mais um expediente à margem da lei”
utilizada pelas grandes companhias, sendo “uma manifestação da política
capitalista”.
116 “Haverá aqui subjacente um negócio fiduciário, ou seja, uma forma de negócio indirecto, baseado na confiança (fiducia) entre as partes, pelo qual o mandatário ou adquirente a retro das participações sociais irá executar a vontade dos participantes no sindicato de voto, exercendo o direito de voto nos termos por estes definidos”. (MIGUEL PUPO CORREIA, ob. cit. pp. 466, nota 449). Sobre o tema vide ainda BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit. pp. 35 ss.117 LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial ..., III, cit. pp. 168.118 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 93119 BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit. pp. 35.
III- TIPOLOGIA DOS ACORDOS PARASSOCIAS
1- Acordos de voto 2- Acordos sobre a transmissão
de participações sociais 3- Acordos sobre o
exercício do direito à informação 4- Acordos sobre
a distribuição de lucros 5- Acordos sobre o
funcionamento dos órgãos sociais.
A consagração legislativa dos acordos parassociais pode ( e deve) ser
entendida como uma vitória do pragmatismo sobre a dogmática., ou seja, um
triunfo das necessidades da vida empresarial moderna sobre o puritanismo dos
conceitos académicos. Sem dúvida, os acordos parassociais têm sido “um
destes temas marginais que vivem ou acampam fora da lei, mas que gozam,
ao mesmo tempo, de um grande prestígio e de uma grande atracção entre os
homens de negócios... que indiferentes ou despeitosos face à doutrina, passam
a vida tecendo pactos de sindicação de acções”120
O passar do tempo consolidou as palavras de ASCARELLI, quando afirmou
estar feita a prova de que a vida não pode dispensar os acordos
parassociais.121
Neste prisma duas posições de princípio deveriam nortear o jurista: ou acatar o
fenómeno como irreversível e dogmatizar sobre ele, ou servir de contrapeso,
de travão á descaracterização da pureza conceptual.
Parece insofismável que a relação do jurista com estes acordos é feita a
reboque das evidências; o jurista é confrontado com uma realidade da vida
económica, que foge aos quadros legais existentes, vendo-se forçado a
procurar encontrar-lhe os contornos legais, a estabelecer-lhe juridicidade; a
evidência da afirmação anterior impele-nos a caminhar nesse sentido, sendo o
presente trabalho uma mitigada tentativa de compreender a aplicabilidade
prática deste instituto.
120 JOAQUIM GARRIGUES apud. MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 11.121 Apud. PINTO FURTADO, Curso de Direito..., cit. pp. 100 e BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit. pp. 32.
A construção legislativa adoptada para conferir tutela jurídica a estas práticas
contratuais consistiu em consagrar a admissibilidade dos acordos parassociais,
detendo-se depois sobre os seus limites através da estatuição de um conjunto
de proibições que tem como valor negativo a nulidade dos acordos.
Assim, para em concreto aquilatar se estamos perante um acordo parassocial
validamente constituído deve-se inquirir sobre a putativa violação de preceitos
imperativos proibitivos.
Antes desta análise parece, no entanto, oportuno, de forma esquemática
catalogar alguns géneros de acordos parassociais, tarefa árduo porque “as
matérias abrangidas pelos contratos parassociais podem ser as mais diversas.
Tudo aquilo que respeite ou tenha alguma conexão com o contrato de
sociedade, com direitos, obrigações e poderes que dele derivem para os
sócios, ou com a própria actividade da sociedade pode ser objecto de acordo
parassocial.”122
Assim e a despeito da imensa heterogeneidade123 entendo ser de arriscar um
esboço de classificação, numa tentativa de agrupar em categorias, os mais
frequentes acordos parassociais; alerta-se que, por tudo o que se disse, esta
não é uma classificação exaustiva:
1. acordos que versam sobre o voto124
1.1 É sobre a validade das convenções que versam sobre o exercício do direito
de voto que as maiores dificuldades e controvérsias se levantam, ou seja, é em
relação à licitude das promessas de votar num sentido pré-determinado que as
maiores críticas se formulam à licitude destas vinculações.
Nos acordos que se debruçam sobre o exercício do direito de voto o que está,
fundamentalmente, em causa é uma deslocação do espaço natural do debate e
da votação - a Assembleia Geral - para um outro local, extrínseco à sociedade
– a assembleia de sócios sindicados -; pelo que fica escrito, importa
122 MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 14.123 Neste sentido FERNANDO GALVÃO TELES, ob. cit. pp. 76.124 Para considerações de Direito Comparado vide MÁRIO RAPOSO, ob. cit. pp.12 ss., LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 87 ss. e MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 45 ss.
compreender que a determinação do voto deixa de fazer-se no seu espaço por
excelência para fazer-se em outro qualquer local.
A conformidade destas condutas com o Direito Societário sugere as maiores
interrogações e sempre suscitou as mais delicadas querelas, nomeadamente a
licitude dos sócios se obrigarem a exercer o seu direito de voto num dado
sentido; doutrina e jurisprudência demasiadas vezes demonstraram
constrangimento em aceitar estas vinculações como vinculativas, confundindo-
se reincidentemente a problemática dos acordos de voto com a dos acordos
parassociais, dos quais aqueles são apenas uma parte, ainda que crucial.
Não estranha, portanto, que seja expressa e inequívoca a letra da lei ao admitir
a convenção sobre o voto no n.º 2 do artigo 17º:
“Os acordos referidos no número anterior (acordos parassociais) podem
respeitar ao exercício do direito de voto...”
Repete-se que a tutela do voto é de primordial importância para a temática dos
acordos parassociais, sendo a sua regulamentação o principal objectivo
prosseguido por estes acordos. Este facto é tanto mais compreensível quando
se compreende que o voto é o meio adequado para os sócios têm capacidade
para intervir, influenciando o comportamento da sociedade.
Ensina MARIA GRAÇA TRIGO, com o intuito de justificar a especial atenção
doutrinária, que estes “correspondem a uma das mais frequentes vinculações
de carácter parassocial e, por outro lado, porque a seu respeito se têm
suscitado as maiores dúvidas e divergências tanto na doutrina como na
jurisprudência”125.
1.2 Precedentemente ao abordar da problemática dos acordos de voto refuto
de indispensável tecer sumárias considerações acerca da controversa natureza
do direito de voto.
125 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 17.
1.2.1 É hoje maioritariamente entendido que o voto é uma declaração de
vontade126 e não uma mera opinião. Mais complexo é determinar se o voto é
um direito subjectivo, um poder ou um dever jurídico.
A resposta a esta questão é prejudicada pela concepção de sociedade, ou
mais concretamente com o conceito de interesse social.
Os apologistas das teorias institucionalistas127 tendem em considerar o voto
como um poder jurídico, como um poder dever que visa alcançar um interesse
comum da empresa em si, da sociedade enquanto instituição.
A esta posição contrapõe-se os argumentos dos percursores das teorias
contratualistas128 para quem o voto é entendido como um meio de prosseguir
um interesse comum a todos os sócios, “entendido como um interesse superior
e distinto do interesse de cada sócio”129.
A despeito da querela referida130, a doutrina dominante tende a entender o voto
como um direito subjectivo, um direito conferido ao sócio para a prossecução
dos seus próprios interesses individuais. Como direito subjectivo é-lhe lícito
exerce-lo no sentido que mais lhe aprouver, ou abster-se de o exercer sem que
desse facto resulte qualquer consequência nefasta.
Esboçadas sumariamente as diversas teorias sobre a natureza do voto, importa
adoptar posição acerca da sua natureza; entende-se que a sua qualificação
126 Neste sentido LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial, Deliberações dos sócios, Vol. III, cit., pp. 133, EDUARDO LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 25, VASCO LOBO XAVIER, Anulação de deliberação social e deliberações conexas, Coimbra, 1975, pp. 583 ss. MIGUEL PUPO CORREIA, ob. cit. pp. 559, RODRIGO SANTIAGO, ob. cit. pp. 12, PINTO FURTADO, Deliberações..., cit. pp. 98 ss.127 As teorias institucionalistas tendem a centrar a ideia de interesse social na própria sociedade, como empresa ou instituição, que se abstrairia dos interesses dos próprios sócios. “De facto, segundo uma ideia comum a estas doutrinas, a propriedade privada e a livre concorrência perderam o carácter de instrumentos privilegiados do desenvolvimento económico e do equilíbrio do mercado, e as sociedades anónimas, “em lugar de meras formas privatísticas de exercício colectivo de actividades económicas”, são consideradas “instituições sociais” em cujo destino se mostram interessados, tantos os accionistas e dirigentes, quanto os prestadores de serviços os credores e os próprios consumidores, constituindo, no seio da empresa, uma verdadeira unidade sociológica” (EDUARDO LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 27, nota 21 – sublinhado nosso) 128 Esta teoria sustenta a existência de um direito comum aos sócios, mas que não se confunde com os interesses particulares de cada um dos sócios; estaríamos, assim, perante “um interesse abstracto e superior aos interesses de cada sócio “uti socius”.” (LUIS BRITO CORREIA, Direito Comercial..., III, cit. pp. 138)129 LUIS BRITO CORREIA, Direito Comercial..., III, cit. pp. 138.130 Poderíamos ter focado ainda outras teorias sobre a natureza do voto, como o entendimento de que este como direitos de colaboração, direitos de formação ou direitos de organização: limitamos a enunciar as mais representativas de modo a obstar a um afastamento do tema que nos propomos a dissecar.
não deve fazer-se a partir do abstracto, mas com base na acepção que lhe é
conferida num determinado ordenamento jurídico. Face ao direito societário
português “o voto é simultaneamente um meio de concretização do interesse
social, definido apenas em linhas gerais dos contratos, e de defesa dos
interesses de cada sócio, no quadro do interesse comum que todos se
vincularam a prosseguir, quando entraram para a sociedade”131, “podendo, sem
grave distorção desta ideia, qualificar-se como direito subjectivo”132.
1.1.2 O voto é um dos direitos fundamentais dos sócios perante a sociedade,
corresponde a uma das principais atribuições daqueles que tem o estatuto de
sócio e equipara-se ao direito aos lucros, o direito de participar nos órgãos
sociais ou ainda ao direito à quota de liquidação.
O direito de voto pode qualificar-se, conforme frisámos, como um direito
corporativo geral, inderrogável e irrenunciável.
1.2 No que concerne à estrutura nas vinculações de voto importa identificar a
sua base contratual, uma vez que, resultam da conjugação de vontades de
diversos pactuantes, tendo como objecto o exercício concertado do sentido de
voto. Assim, a obrigação assumida pelas partes nestes acordos consiste em
votar ou absterem-se de votar, em sentido determinado.
Estamos assim perante uma estrutura que é em tudo análoga à do contrato
promessa: assume-se a obrigação de futuramente adoptar determinada
conduta, sendo neste caso, não a realização de um contrato futuro, mas a de
exercer o direito do voto no sentido a que se vinculou, a emitir uma declaração
de vontade num sentido predeterminado.
Sobre os acordos parassociais que se debruçam sobre o direito de voto é curial
elaborarem-se algumas distinções, as quais consideramos de extrema
importância, sendo muito mais que uma mera questão terminológica.; assim,
devemos discernir entre os:
131 LUIS BRITO CORREIA, Direito Comercial ..., II, cit. pp. 139.132 EDUARDO LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 31
- acordos de voto – são acordos para predeterminarem o sentido de
voto. Estes acordos são ocasionais e tem um objectivo determinado,
uma dada deliberação em concreto para a qual os accionistas reúnem e
deliberam o sentido do seu voto;
- sindicatos de voto – ou mais correctamente, “agrupamento de sócios
para o exercício do direito de voto133” distinguem-se do acordos pelo
recurso a um critério temporal, porquanto estes surgem para perdurar
durante um dado período com a finalidade de alcançar uma actuação
concertada no seio da sociedade, que não se limite a esporádicas
acções conjuntas; estes acordos surgem “à ilharga das sociedades por
acções... e procuram substituir a sua actuação livre e dispersa, por uma
actuação colectiva e organizada tendo em vista vários fins”134
Na óptica que analiso esta temática este distinção não é estéril135. Deixemos
para momento posterior a explicação desta posição.
Relacionado com a finalidade que norteia esta vinculação, o elemento
psicológico que impele os sócios a agruparem-se, encontramos, desde logo, o
receio de isoladamente serem impotentes para alcançar o objectivo que
anseiam, procurando pelo colectivo atalhar um objectivo que isoladamente
serem incapazes. Nesta, ou seja, pelo apelo à finalidade são sobretudo dois os
acordos pensáveis:
- sindicato de defesa - Estes acordos também denominados de
acordos de minoria ou resistência agrupam pequenos accionistas que
procuram por este meio equilibrar as forças no seio da sociedade
através da “organização da minoria”136 . Sobretudo estes procuram
contrabalançar o poder dos sócios majoritários, através da concentração
dos seus votos, formando assim uma minoria activa e actuante.
133 RAÚL VENTURA, ob. cit. pp. 31134 MANUEL CAVALEIRO FERREIRA, ob. cit. pp. 272.135 Também SANTONI ao dissertar sobre o tema observa a problemática a propósito dos sindicatos de voto.136 MANUEL ANTÓNIO PITA, “A protecção das minorias”, Novas perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, pp. 366
O objecto mais comum deste tipo de sindicato é a de reunir os votos
necessários para a realização de uma assembleia geral137, conseguir
eleger um membro da administração, exercer os direitos de informação,
bem como, ter uma participação mais determinante na formação da
vontade da societária.
- sindicato de comando - No sindicato de comando reúnem-se os
sócios que pretendem assumir ou manter o governo da sociedade, o
poder de dirigir a sociedade. Corolário da dispersão do capital social por
uma enormidade de accionistas, é o facto de se exigirem menores
quantidades de acções para dirigir a sociedade, porque aumentam o
número de accionistas passivos cuja única finalidade é beneficiar dos
dividendos ou das mais valias adjacentes às acções, caracterizando-se
a sua actuação social por um enorme absentismo e desinteresse pela
gestão social tendo o seu objectivo prioritário uma dimensão extra-social
que é a especulação financeira.
O sindicato de comando é um meio de potenciar o controlo da sociedade
pela reunião de um conjunto de accionistas com capacidade para
determinar o seu percurso.
Esta é uma decorrência lógica das acções se encontrarem disseminadas
por um heterogéneo grupo de accionistas, traduzindo-se na
susceptibilidade de um restrito grupo deter o controlo da sociedade,
desde que construam mecanismos que possibilitem manterem-se
unidos, actuando concertadamente.
O sindicato de maioria ou comando é uma das diversas possibilidades de
concentração de poder em sede de direito societário; embora o tema seja
paralelo ao que se disseca não podemos deixar de enumerar outras
modalidades de conseguir assumir o controle de uma sociedade, sem dispor da
maioria do seu capital. Para esta narração recorremos à sapiência de CALVÃO
DA SILVA138 que enumeram as seguintes modalidades:
137 O que, no caso das sociedades anónimas é de 5% dos accionistas, conforme n.º 2 do art.º 375º138 JOÃO CALVÃO DA SILVA, “Pacto parassocial, defesa Anti-OPA e OPA concorrente”, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Coimbra, 1996, pp. 239-240.
- a emissão de acções preferenciais sem direito de voto;
- introduzir limitações estatutárias ao direito de voto;
- a sociedade adquirir acções próprias;
- a estabilização dos órgãos societários pelo reforço da maioria
necessária para os eleger ou destituir;
- o reforço do quorum;
1.3 Retomando aqui a distinção supra realizada entre os acordos e os
sindicatos de voto que penso merecerem tratamento em separado, entendo ser
oportuno tecer, neste momento, algumas considerações, ainda que sumárias.
A distinção das figuras faz-se fazendo apelo a um critério temporal sendo os
acordos de voto aqueles que “se celebram tendo em vista a participação numa
ou mais votações determinadas” e os sindicatos “...que se destinam a vigorar
por um período de tempo prolongado ... isto é, os acordos celebrados entre
sócios ou accionistas de uma sociedade pelos quais estes se comprometem
reciprocamente a exercer concertadamente o direito de voto...”139
A propensão para perdurar no tempo ou a esporadicidade das convenções
sobre o voto tem influência decisiva na conformação do contrato.
Compreende-se facilmente que se num acordo pontual a deliberação que o
justifica e o sentido de voto fica desde logo estabelecido, sendo que a própria
união dos sócios deve fazer-se com base na afinidade de objectivos, no facto
de existir uma finalidade comum que os impele a unificar-se; nestes são mais
ténues as apreensões sobre a liberdade de determinação do sentido do voto,
pelo facto de, em princípio, a homogeneidade de posições determinar a união
dos sócios.
Maior controvérsia oferecem os sindicatos de voto nos quais os pactuantes se
obrigam para o futuro, para um conjunto mais ou menos amplo de obrigações,
sendo que, pela própria intemporalidade destes acordos, se exige que o
sentido do voto seja diferido no tempo. Com efeito, os signatários agrupam-se
139 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 23
para o futuro e para uma heterogeneidade de circunstâncias, não sendo, pela
natureza do acordo, possível estabelecer previamente as suas posições: os
signatárias vinculam-se entre si a conciliarem o exercício do direito de voto sem
conhecerem em concreto as deliberações em que o mesmo será exercido e
muito menos o sentido em que o mesmo se exercerá.
A determinação do sentido do voto, a orientação do voto, far-se-à, assim, num
momento posterior, através da forma prevista no acordo. A forma como se
determinará o voto do sindicato apresenta importância capital, merecendo
cuidadosa análise.
Desde logo existe a possibilidade de a decisão do sindicato resultar da vontade
unânime dos seus membros, que assumiriam a obrigação de pugnar pela
unicidade do exercício do direito de voto; a decisão do sindicato pode ainda
resultar da vontade maioritária dos sócios agrupados ou ainda, compelir a um
terceiro a determinação do sentido de voto.
i - pelo voto unânime dos pactuantes;
Quando o voto é determinado pela primeira forma apresentada não se revelam
grandes problemas; a estrutura deste acordo consiste em os sócios pactuantes
se reunirem em momento anterior à Assembleia Geral com o intuito de
elaborarem uma estratégia comum de modo a actuarem de forma concertada,
possibilitando-lhes uma maior e melhor tutela dos seus interesses.
No seio do sindicato estabelece-se um diálogo que preconiza uma solução
consensual entre os seus intervenientes, implicando a decisão final o voto
unânime dos sócios sindicados no sentido uniformemente delineado; mas,
obviamente, esta coerência de posições, sempre desejável, não é fácil de
almejar, podendo suceder, e ocorrendo as mais das vezes a existência de uma
ou mais vozes desalinhadas. A solução seria a de, frustrado o consenso,
restituir a liberdade a todos os intervenientes no sindicato de determinarem de
per si a direcção do seu voto.
A forma que de examina oferece amplas garantias aos seus aderentes das
quais se sublinha a impossibilidade de um qualquer sócio exercer o seu direito
de voto desconformemente à sua vontade, sem que esse facto seja cominado
por uma qualquer indemnização que pelo efeito dissuador que esta acarreta,
induz o sócio a agir de acordo com as instruções do sindicato.
Oferece ainda a especial vantagem de permitir aos sócios aderentes um “palco
privilegiado” para debater as temáticas sociais, potencialmente mais
esclarecedora que as assembleias, possibilitando uma mais racional
deliberação.
ii - pelo seu voto maioritário;
Se o voto resulta da vontade maioritária dos acordantes, alguns problemas
podem suscitar-se: desde logo, alguns dos sócios (os sócios vencidos) vão
exercer o seu Direito de voto de modo desconforme à sua convicção; a sua
conduta na Assembleia Geral vai ser direccionada em sentido oposto à sua
consciência.
É esta situação aceitável? Merece tutela jurídica o voto consciente ou mais
concretamente, merece perseguição jurídica o sócio que exerce o seu direito
de voto de acordo com a sua íntima convicção?
Os entusiastas dos acordos parassociais sustentam a afirmação fácil de que
este se obrigou ao abrigo da sua autonomia contratual, gerando legítimas
expectativas nos restantes contraentes de que os signatários do acordo
concertariam o seu voto. Acresce ainda que se estivermos perante uma
intolerável violação da sua consciência reserva-se sempre a possibilidade de
exercer o seu direito no sentido que reputa de mais ajustado, submetendo-se
às consequências do inadimplemento do acordo parassocial.
Ainda criticamente sustenta-se que a deliberação social deste modo alcançada
não vai espelhar, ou pode não espelhar, aquele que é o desejo maioritário dos
sócios, porque alguns deles votam em determinado sentido, não por convicção,
mas por vinculação?
É insipiente o argumento de que a deliberação social vai ser o reflexo da
votação expressa na Assembleia Geral; esse facto, obviamente verdadeiro,
não deve fazer esquecer que os votos declarados podem não corresponder ao
sentir dos sócios, podem não traduzir a vontade dos accionistas: supondo que
uma sociedade tem cinco accionistas com idêntico peso social e que três
destes celebraram entre si um sindicato de voto é mais que provável, vigorando
no sindicato o princípio maioritário, que uma deliberação seja aprovada ou
recusada por 60% (correspondente ao sindicato, ainda que um destes tenha
posição distinta) contra 40% (restantes sócios) quando não traduz o verdadeiro
sentimento do colectivo dos sócios.140
Por fim urge questionar qual a razão de ser da realização de uma Assembleia
Geral para a qual as vontades estão previamente determinadas? Se em sede
do sindicato de voto os sócios definem o sentido do voto a expressar na
assembleia esta “funcionaria como mera chancela do que estes
determinassem”141, sendo despicienda o debate e os esclarecimentos às
propostas apresentadas.
Vale o argumentos dos defensores da validade destes acordos, já recorrente,
quando proclamam a possibilidade de, com base na inoponibilidade do acordo
perante a sociedade, o sócio alterar o sentido do seu voto, tendo ainda assim
aquela Assembleia o condão de elucidar os sócios sobre os méritos das
propostas em discussão.
Mas, a exactidão da afirmação é impotente para desmentir o facto de o
pactuante desalinhado incorrer em responsabilidade civil por inadimplemento
contratual.
Pelo exposto torna-se pertinaz a interrogação acerca de se proibir a venda do
voto em troca de uma vantagem e tutelar-se que o voto se exprima num
sentido inverso à convicção do sócio, que apenas o faz temendo uma
indemnização, ou seja, por imperativos económicos relacionados com o temor
a uma desvantagem patrimonial?
140 Partindo de números reais vide ADELINO PALMA CARLOS, ob. cit. pp. 245 ss. Considerações de teor idêntico são efectuadas por FERNANDO OLAVO, ob. cit. pp. 195-196.141 ADELINO PALMA CARLOS, ob. cit. pp. 249.
Parece-nos insofismável que nos casos expostos existe uma identidade de
motivações, ou seja, a determinação do sentido de voto desenvolve-se por
apelo a razões económicas alheias à declaração de ciência que
tradicionalmente determinaria o voto142.
iii - ou através de instruções de um pactuante ou de um terceiro 143 .
Falta analisar a susceptibilidade do voto ser determinado pelas instruções de
um sócio ou de um terceiro.
Comece por afirmar-se que o legislador do CSC expressamente admite a
possibilidade de os sócios se vincularem licitamente de acordo com as
instruções de não sócios: assim, ao proibir o voto reiterado segundo as
instruções da sociedade ou dos seus órgãos, admite-se a vinculação ocasional
de exercer o direito de voto no sentido os órgãos sociais determinem.144
Maior complexidade reveste a possibilidade de, por acordo parassocial, os
sócios se obrigarem a votar de acordo com as instruções de um terceiro face à
sociedade, como será o exemplo de conferir ao mandatário comum, não sendo
este um dos sócios sindicados, a incumbência de determinar o sentido de voto.
Será a conduta legítima? Não estaremos perante um intolerável divórcio do
sócio da sua função, “na medida em que manifesta um total desinteresse do
sócio em relação ao destino societário”.145
Ao referir-se ao contrato de gestão de empresas ENGRÁCIA ANTUNES
testemunha, num sentido que merece o nosso mais entusiasta aplauso, “que o
conselho de administração de uma sociedade anónima não pode alienar o seu
poder de direcção em favor de terceiros estranhos à colectividade social, nem
142 No entanto, urge reconhecer a diferente génese das vinculações, porquanto a venda ou cessão do voto evidencia um profundo desinteresse pelo percurso societário, enquanto que a vinculação parassocial patenteia uma preocupação com o destino da sociedade.143 Neste caso os accionistas colocam a possibilidade de determinação do voto nas “mãos” de um “terceiro (sindico) por eles constituído como mandatário para o exercício do direito de voto, ou ao qual transmitem fiduciariamente as suas participações para fins do acordo”. (MIGUEL PUPO CORREIA, ob. cit. pp. 466)144 Neste sentido, LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 86, MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 165, MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 228-229 e RAÚL VENTURA, ob. cit. pp. 74.145 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 168. Refira-se que esta citação foi retirada do contexto, sendo utilizada pela Autora, na esteia de LUBBERT para justificar a nulidade da venda do voto.
que a vida social possa deixar de ser conduzida em função dos interesses
próprios de tal colectividade e por conta exclusiva dos respectivos membros”146.
Pergunta-se se os mesmos motivos argumentados pelo Autor para inquinar a
validade daqueles contratos, não se devem utilizar para arguir a invalidade das
convenções sobre o voto cuja determinação do sentido caiba a um terceiro face
à sociedade, porque também neste caso a vida da sociedade passa a ser
determinada por pessoas que lhe são estranhas.
Neste âmbito, problema que também gera grandes dificuldades interpretativas
relaciona-se com a duvidosa legalidade de, num caso de cedência de
participações sociais que seja inoponível face á sociedade, por acordo
parassocial, se estabelecer que o cedente vai exercer o seu direito de voto de
acordo com as instruções do cessionário; recorde-se que o contrato de cessão
é um contrato válido, com particularidade de não ser invocável nas relações
com a sociedade; na perspectiva da sociedade o sócio é o cedente, sendo-lhe
lícito exercer todas as atribuições decorrentes do seu estatuto de sócio. Mas, e
observando a problemática da óptica do cessionário, é no seu património que
se repercutem, ainda que mediatamente, as vicissitudes sociais, justificando-se
a sua legitimidade para desempenhar uma actuação activa na formação da
vontade social147.
Perfilho a opinião de que a licitude da determinação por terceiro do sentido do
voto exige uma resposta diferenciada, com base no vínculo existente entre os
sócios sindicados e o terceiro, ou entre estes e a própria sociedade.
Sem dúvida que é inadmissível a reiterada obrigação dos exercício do direito
de voto de acordo com as instruções de terceiros face à sociedade, retirando
aos accionistas a possibilidade de influenciar a vontade social: refuta-se por
extemporânea uma interpretação a contrario sensu da impossibilidade de votar
sempre de acordo com as instruções da sociedade ou dos seus órgãos com o
sentido de permitir a obrigação de votar de acordo com as instruções de
146 JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, ob. cit. pp. 414.147 Problema distinto consiste em o cedente pretender manter influência na sociedade, vinculando-se o cessionário a exercer o seu direito de voto de acordo com as instruções daquele; no caso em apreço entendo estarmos perante uma verdadeira cessão do direito de voto, não merecendo esta modalidade qualquer tratamento diferenciado.
terceiros148, devendo antes entender-se que se se proíbe o voto de acordo com
a orientação daqueles (o menos) com toda a certeza se proíbe conduta igual
com a agravante da indicação do sentido de voto advir de estranhos à
sociedade (o mais).
Situação distinta será a existência de um negócio jurídico que conexione os
sócios sindicados com terceiros como, v. g., será o caso de num empréstimo à
sociedade o mutuante impor como condição a não distribuição de
dividendos149, a obrigação perante terceiro de concretizar a pedido deste um
aumento de capital e a permitir que este adquirisse a nova quota150 ou ainda,
numa cessão de quotas votar favoravelmente o consentimento.
Nos exemplos expostos mais do que circunstâncias legitimadoras, a obrigação
de votar num sentido determinado pelo terceiro é um corolário do princípio da
boa-fé no cumprimento dos contratos exemplificados, ou mais do que isso,
correspondem a uma cláusula acessória daqueles contratos, cujo cumprimento
merece tutela jurídica.
Por tudo, a resposta à licitude de determinação do sentido de voto por terceiro
não pode ser sumariamente afastada; insurgimo-nos contra a validade de
acordos parassociais tendentes a afastar o sócio da participação da vontade
social, defendendo-se a nulidade destes acordos. mas posição pode ( e deve)
ser excepcionada quando os mesmos resultarem da sequência de um negócio
jurídico lícito, em relação ao qual a convenção de voto tenha caracter
subsidiário ou se para a prossecução do bem comum os sócios se obriguem a
exercer o seu direito de voto de molde a permitir a exequibilidade daqueles
negócios. Em resumo postula-se uma análise casuística ao teor destes acordos
como meio de aquilatar da sua legalidade.
1.4 A forma como o voto é emitido na Assembleia Geral também merece a
atenção do intérprete.
148 No mesmo sentido, RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 88.149 Ibidem, pp. 89.150 ZUTT apud. MARIA GRAÇA TRIGO ob. cit. pp. 41.
A hipótese mais usual consiste em o próprio sócio votar pessoalmente na
Assembleia Geral. Neste caso este mantém a plena autonomia de determinar
livremente a sua vontade, sendo-lhe permitido actuar no sentido predefinido
pelo sindicato, ou não seguindo as suas directrizes e vinculando-se de modo
distinto, suportando depois os ónus do incumprimento.
Podemos concluir ser para esta vertente que o art.º 17.º CSC está pensado,
sendo este o sentido da estatuição da não oponibilidade do acordo às
deliberações sociais: quando o legislador toma como possível o incumprimento
por parte do signatário do acordo parassocial, remete-nos para as situações
em que este detém a possibilidade, de facto e de direito, de actuar de acordo
com a sua íntima consciência e de modo distinto do pactuado.
O voto pessoal do accionista vinculado ao acordo agrada à mais puritana
doutrina porque com mais facilidade permite combinar a validade do acordo
com o “sagrado” valor da Assembleia Geral que não perderia o seu vigor e
importância por ser susceptível de contribuir pela exposição e discussão para
determinar o sentido do voto por parte do accionista. As criticas relativas à
emissão pessoal do voto são nos apresentadas pelos entusiastas dos acordos
parassociais, porque este meio põe a descoberto as fragilidades do instituto,
permissivo a actuações desconformes e violadores do acordo.
Para obviar a possibilidade de incumprimento do acordo , a desconfiança por
parte dos diversos accionistas agrupados determina que o voto será emitido
através de mandatário comum, “como forma de garantir a emissão dos votos
em sentido unitário”151.
Este é o meio que maiores e complexas questões suscita porque consiste em
os signatários de um acordo parassocial confiarem as suas acções a um
mandatário comum que fica com a posse fiduciária152 daquelas e
151 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 160. É controvertida a qualificação deste, nomeadamente se é um mero mandatário dos sócios sindicados, um mandatário sem representação, ou ainda se transcende estas figuras, especialmente quando lhe compete decidir o sentido do voto. Refira-se que nada obsta a que os sócios determinem que o voto seja emitido por mandatário comum; mais complexa é a possibilidade de o mandato ter carácter irrevogável; não falta quem, como RIPERT considere nula a estatuição de um mandato irrevogável, porquanto consubstancia uma verdadeira limitação à liberdade de votar. (apud. FERNANDO OLAVO, ob. cit. pp. 191, que sustenta a mesma posição).152 “Os negócios fiduciários reconduzem-se a uma transmissão de bens ou direitos, realmente querida pelas partes para valer em face de terceiros e até entre elas, mas obrigando-se o adquirente a só exercitar o seu direito em vista de uma finalidade. (MANUEL DE ANDRADE, apud PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, ob. cit. pp. 254-255).
posteriormente expressar, em Assembleia Geral, o voto de acordo com a
deliberação dos pactuantes.
Os méritos desta possibilidade são notórios: impossibilitam o incumprimento do
acordado, no que ao sócios concerne; assim, como o sócio não mantém as
acções em seu poder não lhe é permitido não votar ao votar
desconformemente ao assumido pelos sócios sindicados, almejando-se, com
este procedimento, o voto uniforme daqueles. Mas esta potencialidade não
deve descurar o intérprete na análise de aspectos controversos.
Como referimos, para incrementar as potencialidades do método é usual
depositarem-se as acções junto do sindicato ou do mandatário comum,
impossibilitando a participação dos sócios na Assembleia, o que torna
impossível a violação do acordo: estamos assim perante a patológica situação
de o sócio ficar impossibilitado de participar na Assembleia Geral.
A estatuição deste mandatário comum com a finalidade de obter a unicidade do
sentido de voto, entronca com a problemática da representação dos accionistas
nas Assembleias Gerais; o direito de representação é actualmente
insusceptível de derrogação em sede de sociedades anónimas e considera-se
como uma emanação do próprio direito de votar, devendo esta realizar-se
através de procuração, dirigida ao presidente da mesa da Assembleia Geral,
devidamente assinada pelo accionista153.
Incrementa a controvérsia a possibilidade de o mandato ter carácter
irrevogável, existindo quem defenda a nulidade do acordo por estarmos
perante uma verdadeira limitação à liberdade de votar de acordo com a íntima
vontade do accionista, que por este meio se viria despojado da possibilidade de
exercer o direito de voto inerente às participações sociais de que é único e
legítimo proprietário.154
A nossa posição ficou indiciada quando analisámos as formas de conferir efeito
externo aos acordos parassociais; ao pugnar pela legalidade daquelas não é
sustentável inquinar esta, que como as dissecadas encerra a possibilidade de
garantir a unicidade do exercício do voto.
153 Sobre o tema vide EDUARDO VERA-CRUZ PINTO, ob. cit., RODRIGO SANTIAGO, ob. cit. pp. 30 ss. EDUARDO LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 127 ss.154 Neste sentido RIPERT conforme sublinha FERNANDO OLAVO, ob. cit. pp. 191.
2. acordos parassociais sobre a transmissão de quotas ou acções
São também extremamente frequentes as convenções extra-estatutárias que
determinam restrições às transmissões de participações sociais, ou seja a
regulamentação do meio de transmitir as acções, normalmente com um intuito
restritivo ou limitativo, ordinariamente designadas de convenções de bloqueio.
A regra geral em sede de direito societário é a da “livre transmissibilidade das
acções, dada a natureza da sociedade anónima e das próprias acções. Esta
transmissibilidade das acções é, além do mais, imprescindível à satisfação da
função social típica que a sociedade anónima e as acções visam realizar”155,
derivando este facto do carácter intuitus pecuniae que define este tipo de
sociedades.
A existência de acordos entre os accionistas relativos ao seu estatuto mas fora
do ente societário determina o recíproco interesse daqueles continuarem
ligados à sociedade de molde a prosseguirem a finalidade do contrato
estabelecido.
Com efeito “todos os sindicatos de accionistas supõem como pedra angular da
sua constituição uma maior ou menor imobilização ou bloqueio das acções dos
aderentes ao sindicato. É essa a condição prévia para a estruturação formal do
agrupamento, como órgão destinado à prossecução de determinado fim. Se os
accionistas pudessem dispor livremente das acções, o sindicato não teria
verdadeiramente existência; desfazer-se-ia ao sabor da vontade de cada
accionistas, sem que a vontade superior do sindicato pudesse manter a sua
continuidade, pelo controle dos sucessivos titulares das acções que se
pretendam bloquear”156
Do que se disse não pode, no entanto, depreender-se que a finalidade única
das convenções de bloqueio seja a de garantir a eficácia dos acordos
parassociais, actuando como uma “muleta” ou cláusula acessória para a sua
155 MARIA VAZ TOMÈ, “Algumas notas sobre as restrições contratuais à livre transmissão de acções, Direito e Justiça, 1989/1990, pp. 212.156 MANUEL CAVALEIRO FERREIRA, ob. cit. pp. 272. A este respeito RAÚL VENTURA fala de em providências que devem ser tomadas como um complemento natural dos acordos de voto propriamente ditos. (ob. cit. pp. 99). Ainda neste sentido PEDROL sustenta que “o sindicato de voto necessita do sindicato de bloqueio para obter uma real efectividade do convénio” (apud. MODESTO CARVALHOSA, ob. cit. pp. 11)
subsistência; podem cogitar-se motivações para que a convenção de bloqueio
adquira um valor intrínseco e independente157, nomeadamente como forma de
garantir a estabilidade da estrutura accionista ou impedir a penetração de
parceiros indesejados na arquitectura societária.
“Na verdade, o intuitus personae invadiu o âmbito do intuitus pecuniae, tendo-
se a sociedade anónima afastado do total anonimato, personalizando-se”158.
Na esteia de VAZ SERRA159 defendemos que as cláusulas limitativas da
transmissibilidade podem corresponder a uma verdadeira necessidade da
sociedade, correspondendo a um seu legítimo interesse. Exemplo do que fica
escrito é o constrangimento suscitado para o ente social da entrada no seu seio
de especuladores financeiros, de empresas concorrentes, capitais estrangeiros,
pessoas estranhas no caso da sociedade ter carácter familiar, entre uma
imensidão de exemplos pensáveis.
Pelo exposto parece oportuno, em consonância com MARIA GRAÇA TRIGO160
realizar uma tipificação dos mais frequentes limitações à livre transmissão de
participações sociais, ou mais concretamente aos constrangimentos
normalmente previstos em acordos celebrados à margem do contrato social.
- proibição da transmissão inter vivos161 das participações sociais, durante
determinado tempo;
- sujeição da transmissão ao consentimento do sindicato;
- a atribuição a um dos membros do sindicato de um direito de opção à
aquisição de participações sociais;
- consagração de um direito de preferência;
- e a obrigação do transmitente conseguir que o adquirente adira ao
sindicato;
157 Em sentido oposto MANUEL CAVALEIRO FERREIRA,( ob. cit. pp. 272) que opina que “este bloqueio nunca pode ser um fim em si mesmo”.158 MARIA VAZ TOMÉ, “Algumas notas sobre as restrições contratuais à livre transmissão de acções, Direito e Justiça, 1989/1990, pp. 213.159 ADRIANO VAZ SERRA, “Acções nominativas e acções ao portador”, BMJ, n.º 175 a 178.. 160 ob. cit. pp. 29161 Reproduz-se a expressão da Autora citada, embora se entenda desnecessária, não sendo concebível que a proibição englobasse a transmissão mortis causa.
Da tipologia exposto suscita maiores acanhamento a admissibilidade de
estatuir uma cláusula que proíba a transmissão de participações sociais 162 ,
nomeadamente a querela de determinar se não estaremos parente uma
intolerável limitação ao direito de livre disposição do património, “que consiste
na faculdade de gozar e de dispor livremente de tudo quanto se adquiriu”,163
violando interesses de ordem pública e cumulativamente os princípios do
Direito Societário, no que concerne ao direito de negociar as participações
sociais.
Deve neste âmbito ser ponderado um elemento que consideraremos histórico-
psicológico correlacionado com a génese das sociedades anónimas: na origem
deste tipo societário esteve a necessidade de captar o investimento dos
pequenos e médios aforradores, tentados pela possibilidade de participarem na
estrutura capitalista e detendo a possibilidade de, a todo o tempo, podem
transaccionar de modo rápido e seguro as suas participações, reabilitando as
suas poupanças, porventura acrescidas de mais valias.
Neste caso estamos em face de uma verdadeira cláusula de inalienabilidade164
porque “afectam a natureza das acções, que supõe como sua característica a
negociabilidade, em maior ou menor dimensão extensão”165.
Se estas cláusulas se destinassem a vigorar ad eternum, a opção por invocar a
sua nulidade não suscitaria qualquer celeuma, porquanto tal como em outros
“ordenamentos jurídicos, verifica-se a rejeição generalizada das cláusulas de
inalienabilidade perpétuas...que violam, sem qualquer limite, o princípio de
interesse e ordem pública da livre circulação dos bens”166.
Maior controversa suscita a licitude de cláusulas de inalienabilidade
temporária167, quando se destinam a satisfazer interesses legítimos,
susceptíveis de serem protegidos pelo Direito.
Na esteia de ALMEIDA COSTA, consideramos “que estas são válidas no
quadro do nosso direito, embora...não devem considerar-se admissíveis
162 Sobre o tema nas sociedades por quotas vide ANTÒNIO AGOSTINHO CAEIRO, A exclusão do direito de voto nas sociedades por quotas, Estudos de Direito Comercial, Coimbra, 1969, pp. 152 ss.163 MÁRIO RAPOSO, ob. cit. pp. 19.164 Sobre o tema vide ALMEIDA COSTA, “Cláusulas de Inalienabilidade” , Contratos: Actualidade e evolução, Porto, 1997, pp. 25 ss.165 CAVALEIRO FERREIRA, ob. cit. pp. 276.166 ALMEIDA COSTA, “Cláusulas..., cit. pp. 31.167 Obviamente que a questão não se coloca quando a duração estatuída não tenha limites razoáveis, porque este seria um forma diferente para alcançar idêntico objectivo.
irrestritamente, mas só quando correspondam a um interesse atendível de uma
das partes ou de terceiro... e se situem dentro de limites temporários razoáveis,
a apreciar em função do objecto concreto prosseguido”168.
Em síntese, se condenamos a licitude de estipulações parassociais que
proíbam os sócios signatários de alienar as suas acções naqueles acordos em
que não existe prazo estatuído, não nos opomos a, verificados dados
requisitos, aceitar a existência de cláusulas que proíbam durante certo tempo a
transmissão inter vivos de participações sociais.
As considerações anteriores não perdem pertinência quando a cláusula
parassocial exigir o consentimento do sindicato169 para a alienação de acções:
sobre esta cláusula em concreto aposta no acordo parassocial celebrado entre
alguns sócios da Sociedade Industrial de Imprensa, SARL pronunciou-se
CAVALEIRO FERREIRA atestando estarmos perante “uma absoluta
inalienabilidade por parte dos contraentes, pois que essa alienação
dependerá...não da vontade do proprietário das acções mas da vontade
expressa dos não proprietários.”170
A aferição da validade destas cláusulas merece um tratamento unificado,
porque a proibição ou a exigência de consentimento alcançam o desiderato
comum de constranger a livre disponibilidade do património e retirar do livre
arbítrio do accionista a possibilidade de abandonar a sociedade, ficando por
este meio prisioneiros da sociedade. Por fim importa ainda conciliar esta
estipulação parassocial com as normas societárias que regulam os limites à
transmissão de participações sociais.
No que concerne ao primeiro dos problemas entendo que a solução a adoptar
depende de alguns requisitos; desde logo, se a convenção de encontra limitada
no tempo ou tende a perpetuar-se; importa ainda conhecer a putativa
existência de mecanismos que permitam a exoneração existindo uma recusa
de consentimento, nomeadamente a aquisição das participações sociais pelos
168 ALMEIDA COSTA, “Cláusulas..., cit. pp. 36.169 Sobre a exigência de consentimento da sociedade para a transmissão de acções vide A. FERRER CORREIA e ANTÓNIO CAEIRO, Alteração das cláusula de preferência na transmissão de acções, Revista de Direito e Economia, n.º 1, 1975, pp.155 ss. JOÃO LABAREDA, ob. cit. pp. 281 ss.170 Ob. cit. pp. 286.
restantes signatários do pacto ou por terceiro que, em tempo útil, por aqueles
indicado. Posição diversa não se compreenderia: se o CSC determina que nos
casos em que a sociedade não consente a alienação a mesma fica vinculada a
“fazer adquirir as acções por outra pessoa nas condições de preço e
pagamento do negócio para que foi solicitado o pagamento”171, não se
compreenderia que uma exigência paralela, por plasmado num acordo extra-
social, tenha diversas consequências jurídicas.
Por tudo, sou da opinião de que na circunstância da convenção estar limitada
no tempo ou, não estando, se estabelecerem meios que possibilitem ao sócio
demitir-se da sociedade, nada obsta à sua licitude de cláusulas com este
conteúdo; não se verificando qualquer daqueles requisitos, arguo invalidade da
estatuição por determinar que o sócio fique prisioneiro da sociedade.
No que concerne ao pacto de opção, ou seja, quando “uma das partes emite
logo a declaração correspondente ao negócio que pretende celebrar, enquanto
que a outra se reserva ao direito de aceitar ou declinar o contrato”172, proclama
CALVÃO DA SILVA173 não vislumbrar qualquer obstáculo, quer no plano do
direito comum dos contratos, quer em sede dos princípios gerais de direito das
sociedades, que obstem à sua inserção num acordo parassocial.
Com o devido respeito, a solução a esta problemática exige alguma
ponderação, não faltando quem refute de inadmissível a cláusula em análise174.
No pacto de opção existe a obrigação do accionista que se pretende
desvincular da sociedade de alienar as suas participações por um valor pré-
definido, ou por um valor a determinar através de métodos previstos no acordo.
A primeira dificuldade patenteada resulta da determinação do valor da venda:
estipula-lo em paridade com o valor nominal ou do valor do último balanço da
sociedade traduz-se, as mais das vezes, em pretender adquirir as acções por
um valor nitidamente inferior ao seu valor real, ao esforço patrimonial que um
adquirente normal estaria na disponibilidade de abdicar para possuir as acções;
determinar que o preço seria estabelecido pelos demais signatários do acordo,
171 Alínea c) do n.º 3 do Art.º 329.º CSC.172 ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, Coimbra, 1994, pp. 314173 ob. cit. pp. 238174 Neste sentido, MARIA VAZ TOMÉ, ob. cit. pp. 217, nota 17.
era possibilitar aos interessados impor o preço pelo qual iriam adquirir as
participações sociais; fazer incidir sobre a Assembleia Geral ou a
Administração a determinação do preço suscita questões materiais e formais:
formais porque seria fazer intervir a sociedade num acordo parassocial, o que
para a doutrina maioritária contrariaria o princípio da inoponibilidade; materiais
porque os interessados podem ter o poder de determinar a vontade da
sociedade, aplicando-se assim as objecções adiantadas para a determinação
do preço pelo sindicato.
As considerações precedentes levam-me a teorizar que a determinação do
preço no caso da validade da estatuição de um pacto de opção só poderia
caber a um Revisor Oficial de Contas designado por mútuo acordo, conforme
previsto no art.º 105.º CSC, uma vez que este é o único garante de que a
venda se realizaria pelo real valor das participações.
Situação inversa seria inadmissível: é insofismável que quer a estatuição da
necessidade de consentimento, quer o pacto de opção são limitações ao
princípio da livre transmissibilidade de participações sociais; é ainda
indesmentível que o pacto de opção proporciona uma maior facilidade de
transmissão do a exigência de consentimento, sendo, consequentemente,
inaceitável que a determinação de uma norma legal mais permissiva se traduza
em colocar o sócio numa situação mais débil. Em consonância, sustenta-se
que a validade do pacto de opção fica dependente da forma pela qual se
determine o valor das participações sociais.
Por tudo, em minha modesta opinião, a atribuição aos membros do sindicato de
um direito de opção na aquisição das participações sociais nunca se poderá
traduzir na obrigação do sócio as alienar por um preço inferior ao valor de
mercado, visto este facto ter os mesmos efeito de uma cláusula que obstava à
livre transmissão por inibir o sócio de vender, por ter consciência do prejuízo
patrimonial que encerra: sublinhe-se que não se coloca em causa a licitude dos
pactos de opção; o que se condena é o meio de determinar o seu valor.175
175 Esta não é uma posição original; no mesmo sentido vide ESCARRA, RAULT e ASCARELLI apud MARIA VAZ TOMÉ, ob. cit. pp. 208, nota 66.
No que concerne há existência de uma cláusula extra-social que confira aos
demais signatários do acordo um direito de preferência na aquisição das
acções, apraz-me aplaudir a solução. Através do direito de preferência
amenizam-se os interesses controversos entre o sócio que se pretende
desvincular e os sócios que tem legítimo interesse na manutenção da vigência
do acordo, porque o sócio aliena as suas acções pelo seu valor real, pelo valor
que um qualquer terceiro estaria disposto a dar pela sua titularidade e, por
outro lado, os signatários do acordo assistem à continuação da vinculação
daquelas acções aos ditames do sindicato. Estamos perante uma cláusula que
encerra a necessidade e legítimo interesse de permitir a aplicabilidade prática
do acordo parassocial sem colidir com as pretensões dos sócios que a todo o
momento podem abandonar a sociedade.
Para finalizar resta tomar posição sobre a estatuição da obrigação do
transmitente conseguir a adesão do adquirente ao sindicato. A solução para
esta problemática fica dependente do entendimento sobre esta obrigação, ou
seja, se estamos perante uma obrigação de meios ou resultado. Se a
considerarmos uma obrigação de meios, i e, se entendermos que o
transmitente fica obrigado a utilizar de toda a diligência para conseguir que o
adquirente adira ao sindicato, nada há a obstar; pelo contrário, se estamos
perante a obrigação de aquele conseguir a efectiva adesão ao sindicato,
podemos aproximar-nos de uma intolerável limitação ao direito de disposição
do património, o que nos sugere a ilicitude da cláusula em análise.
3. acordos parassociais sobre o exercício do direito de informação
Através deste expediente as partes regulam entre si o exercício do direito à
informação. Sublinhe-se que a validade destes acordos tem como limite a
regulamentação legal sobre este direito, não sendo possível por contrato limitar
o acesso às informações pertinentes com a vida societária; o que é admissível
é utilizar este acordo para alargar o direito à informação legal ou
estatutariamente previsto.
“O cumprimento destes acordos pode dar origem ao exercício vinculado do
direito de voto nas assembleias de sócios, bem como pressupor determinadas
condutas dos membros dos órgãos sociais”176.
4. Acordos sobre a distribuição de lucros177
Pode ainda motivar a criação de um acordo parassocial a estatuição, a latere
do pacto social, de regras sobre a distribuição dos lucros, ao abrigo da
admissibilidade de modificar o princípio da participação proporcional, que
vigora na falta de convenção ou preceito em contrário; a prova da sua
acutilância encontramo-la em FERNANDO GALVÃO TELES quando escreve
que “não faltam exemplos em que um sócio se obriga para com outro a
garantir-lhe um mínimo de proveitos178.”
Como bem sublinha LUIGI FARENGA serão nulos os acordos que estatuam
cláusulas que reconduzam à figura do pacto leonino179, porquanto é
inadmissível que uma disposição expressamente proíba pela lei societária
ganhasse eficácia porque aposta num acordo parassocial.180
Mas, e salvo a limitação referida bem como a necessidade de respeitar os
princípios gerais de Direito Societário, nada obsta à validade destes acordos
reconhecendo-se que podem prosseguir finalidades que merecem protecção
legal.181
5. Acordos sobre o funcionamento dos órgãos sociais
176 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 30.177 Todas as considerações aduzidas a este propósito são extensíveis a acordos que alterem o regime de responsabilidade entre os sócios.178 FERNANDO GALVÃO TELES, ob. cit. pp. 74. 179 Sobre o tema vide FERRER CORREIA, Estudos vários de Direito, Coimbra, 1982, pp. 563 ss. (também publicado em RLJ, n.º 115, pp. 106 ss., Pacto leonino; Espécies; Proibição e seus fundamentos)180 LUIGI FARENGA, ob. cit. pp. 151-152.181 V. g., uma disposição que determina que os sócios gerentes beneficiaram de um lucro especial se atingirem determinadas objectivos empresariais, cláusula essa que terá todo o interesse em não constar do contrato social, expondo-se aos requisitos de publicidade para aquele exigíveis.
Apesar de não suscitarem questões especiais merece ainda referência a
possibilidade de os sócios, ou os membros dos órgãos sociais, estatuírem por
acordo parassocial o funcionamento dos órgãos da sociedade.
A eleição por este meio prende-se com o facto de tratarem “frequentemente
aspectos de detalhe de forma a não sobrecarregar os estatutos182”.
A licitude destes acordos depende da sua conformidade com a lei ou os
estatutos não aventando particulares preocupações.
182 ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades Comerciais, 1997, pp. 151.
IV - ACORDOS PARASSOCIAS INADMISSÍVEIS
1- Acordos sobre a conduta dos órgãos sociais 2-
Vinculação a instruções dos órgãos sociais 3-
Venda do voto 4- Violação das normas de Direito
Societário 5- Incompatibilidade com o interesse
Social 6- Consequências da nulidade de um acordo
parassocial.
Apresentada a estrutura básica e a relevância dos chamados acordos
parassociais, é o adequado momento para partirmos em busca do seu
conteúdo, para tentarmos compreender a sua teia legal, dissecando-o na
procura de entender quais os limites que o legislador rodeou a sua validade.183:
1.1 Os acordos parassociais não podem versar sobre “... a conduta de
intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de
administração ou de fiscalização.”
É óbvio o sentido desta proibição: a actuação dos órgãos da sociedade deve
ter como primeira e única vinculação o interesse da sociedade, os interesses
de sócios e trabalhadores, conforme estabelece o art.º 64.º CSC, que submete
a conduta dos órgãos sociais à tutela do interesse social que funciona como
razão de ser e limite da sua actuação; esta norma pode classificar-se de
desnecessária porque as competências de actuação dos sócios e dos
183 Recordemos a norma legal:Artigo 17 - (Acordos parassociais)1 - Os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes, nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei tem efeitos entre os intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade.2 - Os acordos referidos no número anterior podem respeitar ao exercício do direito de voto, mas não a conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou de fiscalização.3 - São nulos os acordos pelos quais um sócio se obriga a votar: a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos;b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes;c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de vantagens especiais.
administradores, gerentes ou directores e dos membros do órgão de
fiscalização estão tipificadas na lei e não se confundem com as atribuídas aos
sócios, que, recorde-se apenas podem celebrar acordos parassociais no limite
das suas competências.
Nas palavras de MARIA GRAÇA TRIGO “ a prevalência dos deveres dos
membros dos órgãos sociais perante a sociedade sobre eventuais vinculações
de carácter parassocial, afigura-se-nos evidente.”184
Tem-se entendido que o efeito útil desta proibição seria impedir que os
administradores actuassem sob a direcção ou influência dos sócios o que
traduzir-se-ia numa delegação de poderes, expressamente condenada pelos
art.º 391º n.º 6 e 252 n.º 5, ambos do CSC; estes deixariam de um órgão da
sociedade para se tornarem em meros mandatários dos sócios sindicados.
Em defesa da sua dama RAUL VENTURA185 afiança que o “ o preceito não
deve ser interpretado no sentido de ser proibido uma acordo de voto que verse
sobre as matérias da administração da sociedade”. Em seu entender são lícitos
os acordos sobre esta temática dentro dos limites das competências dos
sócios. Mas é o próprio a reconhecer que “ o espaço que fica livre para tais
acordos... estreita-se nas sociedades por acções”186, que são, por excelência o
espaço de actuação destes mesmos acordos.187
Do prisma que entendo a questão, esta proibição é total, impedindo os sócios
de fazendo apelo a normas extra-estatutárias determinarem o modo com a
sociedade deverá ser administrada,(e fiscalizada) consagrando-se por este
meio, aquilo que a doutrina brasileira denomina de, proibição da invasão de
competências188.
184 Ob. cit. pp. 155.185 Acordos..., cit. pp. 69.186 Ibidem, pp. 70.187 Por todos, MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 156 ss. 188 Em sentido contrário, interpretando a norma em sentido menos restritivo ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, (ob. cit. pp. 150) sustenta que apenas se proíbe que se imponham aos titulares destes órgãos condutas concretas; assim, entende serem válidas convenções que imponham a unanimidade nas decisões ou a necessidade do voto favorável de um dado administrador para a tomada de determinadas decisões.
1.2 A estatuição da não ingerência dos sócios, através de acordos
parassociais, na conduta dos intervenientes no exercício da administração,
merece profunda reflexão.
Não deixa de ser curioso que se a ratio dos acordos parassociais é, e utilizando
a expressão dos mais acérrimos e entusiastas defensores da validade dos
contratos parassociais, VASCO LOBO XAVIER189, pretender-se “assegurar a
estabilidade da gestão social” ou para “ conferir estabilidade e unidade de
direcção à vida da empresa”190 se proíbam aos sócios exercer influência sobre
a conduta daqueles que têm o poder e a função de gerir as sociedades.
A interpretação que se faz é assim coincidente com a de RAÚL VENTURA que,
sem afirmar inequivocamente a nulidade das cláusulas contratuais que incidem
sobre a estratégia de gestão da sociedade, admite que apenas não serão
inválidas quando relacionadas com as deliberações permitidas aos sócios
nesse campo, devendo portanto estes acordos ser interpretados casuística e
restritivamente.
1.3 Em suma, parece que a ratio legis é fundamentalmente dar cobertura legal
à possibilidade de fazendo apelo aos acordos parassociais os sócios
determinarem a distribuição de lugares nos órgãos sociais, conseguindo
através de uma actuação concertada, posicionarem-se nos locais decisivos da
sociedade.
Mas também este é um outro ponto para o qual sobejam dúvidas e
interrogações, bem expressadas pela doutrina germânica191 , relaciona-se com
a dificuldade de articular a subsequente combinação: permite-se que através
de acordos parassociais os sócios se debrucem sobre a eleição dos órgãos
sociais, sobre a sua destituição, mas não sobre a sua conduta.
Pressupõe-se que os sócios, por o meio em análise, estabeleçam o perfil dos
administradores ou directores, elegendo-os pela conduta que deles conhecem
e esperam, que os destituam quando a sua actuação se afasta do esperado;
189 Ob. cit. pp. 645.190 MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 7.191 BAUMANN / REIB, apud. MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 154.
paralelamente proíbe-se que os sócios recorram a estes acordos para
determinar a conduta das pessoas encarregues da administração e fiscalização
da sociedade.
Embora compreendendo a lógica prosseguida, entendo que só ingenuamente
se pode acreditar na sua relevância prática. Embora reconhecendo que os
administradores devem ter a coragem para pugnar pela legalidade e interesse
social abstraindo-se de motivações externas a estes desígnios a seriedade
exige sublinhar que o espectro de um afastamento, de uma demissão caso se
afastam das instruções dos sócios que os elegeram é o incentivo difícil de
resistir.
Assim a possibilidade de, através dos acordos de voto, se distribuir a
composição dos órgãos sociais tem a função e consequência determinar, ainda
que indirectamente, a conduta das pessoas que integram aqueles órgãos.
1.4 Esta proibição torna-se (ainda) mais complexa quando um ou mais dos
sócios aderentes ao acordo está adstrito a funções num dos órgãos da
sociedade.
Uma interpretação descuidada da norma legal poderia impelir o intérprete a
considerar ilícita a celebração por estes de acordos parassociais, posição da
qual discordamos. O que se exige é que a vinculação assumida se cinja às
atribuições decorrentes do estatuto de sócio, sendo-lhes proibido a vinculação
sobre condutas características da qualidade de titular de um órgão social.
1.5 A pertinência das motivações aduzidas anteriormente são ainda mais
nítidas no que concerne às convenções sobre os órgãos de fiscalização, que
pela sensibilidade das funções que desempenham jamais poderão ficar
“atados” às instruções dos sócios.
1.6 Problema de menor importância consiste na possibilidade de os sócios,
através de acordo parassocial, se debruçarem sobre a conduta da mesa da
Assembleia Geral.
Quem, como nós, sustenta que “em face do CSC, o presidente da mesa (ou
presidente da Assembleia Geral) tem efectivamente um conjunto de poderes
próprios que permitem qualifica-lo como verdadeiro órgão da sociedade”,192 não
pode aceitar que os sócios extravasem as suas competências para invadir
estas; defendemos assim a inadmissibilidade destes direitos, não apenas por
respeitarem a condutas que não pertencem aos sócios, mas também por
infringirem o princípio da tipologia dos órgãos sociais.
2. São nulos os acordos pelos quais um sócio se obriga a votar seguindo
sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos.
2.1 Subjacente a esta proibição existe a preocupação de haver uma inversão
do normal processo volitivo, ou seja, que a vontade da sociedade e dos seus
órgãos seja o espelho do desejo maioritário dos seus sócios e não o inverso;
nestes acordos, denominados por DOHM como consórcios de administração,
teme-se que a vontade da sociedade não se forme através da votação dos
desejos heterogéneos mas conciliáveis dos membros que as compõem, mas
seja a própria sociedade a formar a vontade daqueles, a determinar-lhe o
sentido da votação, que “ a administração da sociedade, por meio desses
votos, exerça influência na Assembleia Geral”193, comandando-as e colocando
em causa a estrutura de separação de competências vigente no Direito
Societário.
Sem dúvida, as deliberações sociais são apanágio dos sócios, e não tendo a
sociedade direito de voto seria atípico que os mesmos fossem para esta
transladados, actuando esta como se de um sócio se tratasse.
Esta impossibilidade da sociedade assumir parte activa na formação da
vontade social nada tem de inaudita, encontrando-se também expressa no
princípio da suspensão dos direitos inerentes às acções próprias;194 pugnar por
um tratamento distinto, ou seja, permitir que através de um acordo parassocial
a sociedade influenciasse, pelo voto, a determinação da vontade societária, -
seria não apenas tratar de modo desigual situações paralelas, mas ainda criar
um regime mais restritivo para as situações em que a sociedade exerce o voto
respeitante às acções das quais é titular do que aquele que vigoraria para o
192 LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial. Deliberações dos Sócios, III, cit., pp. 51.193 Raul Ventura, Acordos..., cit. pp. 71.194 Estatuído pela alínea a) do n.º 1 do 324º CSC
circunstancialismo de existir uma cisão entre a determinação do voto e o
património sobre o qual recaí o risco – consubstanciaria um claro exemplo de
fraude à lei195, porquanto se conseguiria por ínvios caminhos um direito
expressamente negado
Nas palavras certas de MÁRIO LEITE SANTOS “o que está em causa nestes
preceitos é a distribuição imperativa de competências entre os vários órgãos da
sociedade anónima. Do mesmo modo que os accionistas não detém poderes
directos no domínio da gestão, excepto naquelas matérias que a lei
expressamente os atribua, também os administradores, directores ou membros
do conselho geral não deverão ter a possibilidade nos domínios reservados aos
accionistas...”196
Esta questão ganha redobrada acuidade quando a deliberação incide sobre a
apreciação pelos sócios da actividade da administração, ou seja, quando tem
por objecto a destituição da gerência ou administração, aprovação do relatório
de gestão e das contas de exercício, exoneração da responsabilidade dos
titulares dos órgãos sociais, entre outras, naquilo que usa chamar-se o “voto de
verdade”, com efeito seria inadmissível que pendesse sobre os sócios que vão
apreciar a conduta dos órgãos sociais uma vinculação parassocial a
condicionar o seu voto.
Merece também análise a licitude de um acordo de voto em que os pactuantes
se obrigam a votar seguindo as instruções ou aprovando sempre as propostas
feitas por um sócio, que cumulativamente é membro de um órgão da
sociedade197.
195 Hoc sensu. MODESTO CARVALHOSA, ob. cit. pp. 62.196 Ob. cit. pp. 227.197 Sobre o tema MODESTO CARVALHOSA (ob. cit. pp. 65) defende que “o administrador que for também accionista sofre uma restrição...na medida exacta em que não poderá configurar uma situação conflituante entre o interesse que decorre da sua função e o seu interesse uti singuli como acionista”
Defende o PROF RAÚL VENTURA a licitude destes acordos sendo que na
proibição analisada: “não se alarga o preceito às instruções de um membro
isolado desses órgãos” 198
Mas é esta uma atitude conforme o Direito? Será que a ratio legis desta
proibição é tão somente impedir que seja a administração a determinar a
vontade da sociedade, ou mais amplamente condena a determinação por
terceiros do sentido de voto.
Interpretando o preceito no sentido mais restrito aceitar-se-ia que o sócio
coloca-se o seu voto na disponibilidade de outra pessoa, divorciando-se desse
seu direito; e neste caso não estaríamos perante uma actuação análoga à
cessão do direito de voto, tão acutilantemente condenada pela doutrina199.
Certamente por ignorância minha, não concebo a conciliação entre a citação
anterior e a subsequente, pertencentes ao mesmo autor: “A
intransmissibilidade do direito de voto resulta, em meu entender, do próprio
conceito de contrato de sociedade. O cerne do status de sócio reside no
exercício em comum de uma actividade económica; para que o exercício seja
comum é necessário que todos os sócios nela participem e, nos esquemas das
actuais sociedades essa participação consiste primacialmente no exercício do
direito de voto.
Quem transmitisse a outrem o seu direito de voto deixaria de exercer a
actividade em comum, embora por ventura mantivesse outros direitos inerentes
à quota, como os direitos patrimoniais. Mas esses outros direitos são todos
derivados do exercício em comum e não se justificariam depois do transmitente
do direito de voto deixar de exercer actividade comum.”200
A questão que me assombra é a seguinte: se condenamos tão fortemente
quem cede a outrem o seu direito de voto, porque tutelamos que se permita a
outro a formação da minha vontade?
198 Acordos..., cit. pp. 73.199 Por todos RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 56 ss.200 RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 56-57.
A questão, na minha óptica deve colocar-se do seguinte modo: é lícito ou não
que o sócio se divorcie de exercer pessoal e livremente o seu direito de voto?
Ou mais correctamente, é lícito que o sócio transmita a outrem o poder de
determinar a sua vontade?
Recorde-se que analisamos a possibilidade de seguir sempre as instruções de
um titular de um órgão da sociedade, de forma reiterada actuar segundo os
ditames estabelecidos por outro; é nossa convicção que tal conduta revela um
total desinteresse pelo fim social, não merecendo protecção jurídico.
2.2 Nova problemática se suscita pela redacção adoptada, erguendo-se
interrogações sobre a valência das expressões instruções da sociedade ou de
um dos seus órgãos, nomeadamente se não estaríamos perante uma
desadequada repetição. Afirma-se, correctamente, que só através dos órgãos a
sociedade pode exprimir posições, consequência necessária e directa da sua
impessoalidade.
A interpretação correcta do preceituado, de modo a salvar a sua letra é
entender as expressões no sentido de englobar todos os órgãos sociais, quer
aqueles que podem actuar em nome da sociedade, quer os que não podem
actuar em nome da sociedade.201
Concordando com ser esse o sentido a interpretar a norma, não antevejo
qualquer efeito útil para a expressão “sociedade”, porque, é minha convicção a
expressão” um dos seus órgãos é suficiente para abarcar o sentido da
proibição.
2.3 b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes;
Esta proibição vem na linha da analisada anteriormente. Deve merecer o
cuidado do intérprete dissecar o conteúdo do advérbio sempre. Sublinha
alguma doutrina202 a opção legislativa consistiu em permitir acordos ocasionais
pelos quais os sócios se vinculam a exercer o seu direito de voto no sentido da
201 Nesse sentido, RAUL VENTURA¸ Acordos...,cit. pp. 72202 Por todos LUCAS COELHO, ob. cit. 86.
proposta dos órgãos sociais, apenas proibindo que esses acordos sejam
duradouros; justifica-se esta posição porque nos acordos pontuais, nos quais
se conhece a deliberação e o sentido da mesma (sendo estes os motivos que,
em princípio permitiram a actuação concertada), não se verifica a intolerável
influência do órgão da sociedade sobre a Assembleia Geral, que determina a
cominação de nulidade daqueles pactos.203
3. c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em
contrapartida de vantagens especiais.
3.1 O que está em causa, o que justifica esta norma legal é condenar a
chamada venda ou tráfico do voto, a troca do voto por vantagem material.
O legislador toma assim uma posição que, apesar de dominante, não é
unânime na doutrina: a ilicitude de negociar, de vender o direito de voto.204
Pende a doutrina dominante para considerar imoral a venda do voto, por, entre
outras razões, demonstrar um total desinteresse pelo interesse social, ... a
venda do voto afecta a essência do conceito de sociedade...”205
Esta proibição é comum à esmagadora maioria dos ordenamentos jurídicos,
inclusive naqueles que são mais permissivos na amplitude da consagração dos
acordos parassociais.
Refira-se que o elemento de maior destaque é mesmo o valor negativo dos
acordos parassociais que consubstanciam a venda do voto.
Se ordenamentos jurídicos se contentam com a estatuição da nulidade destes
acordos, outros determinam que estes acordos são passíveis de contra-
ordenação206, e outros ainda que cominam de crime a venda do voto207.
A opção legislativa preconizada em Portugal, merece, com o devido respeito,
alguns reparos; mais do que uma nulidade da venda do voto, o que está
203 No mesmo sentido, MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 165 e MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 229.204 Em sentido permissivo DOHM, Les accords pp. 82, que não considera estes acordos imorais, só admitindo a sua invalidade quando lesem os interesses da sociedade, ou causem prejuízo, a esta ou a terceiros (apud. RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 77. .205 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 168206 Direito Alemão207 Direito Francês
estatuído é um mecanismo de exclusão da ilicitude em benefício do pactuante
faltoso desta “transacção”. A posição exposta fundamenta-se no facto de que
esta cominação legal possibilita que o pactuante se exonere da obrigação
livremente assumida, seja ela a de votar no sentido acordado, seja a de não
cumprir as vantagens prometidas alegando, para tanto, a nulidade do acordo.
Assim, se dois sócios celebram uma compra e venda do direito de voto, sendo
o negócio benéfico para ambos, e fruto do secretismo inerente a estes acordos,
a nulidade prevista na lei para estes acordos é meramente programática; pelo
exposto, defendemos a posição de que o seu efeito prático desta nulidade é o
de permitir a desvinculação de um dos sócios pela invocação da nulidade do
acordo. E não estamos perante um vevire contra factum proprium ?
3.2 Questiona alguma doutrina qual o sentido da proibição; se se proíbe o sócio
de votar num dado sentido ou se engloba ainda os casos em que o sócio se
obriga a exercer o direito de voto, mantendo, no entanto, a disponibilidade do
sentido em que o exerce.
Embora a questão se discuta208 tomo o partido daqueles que não vislumbram
qualquer contrariedade ao Direito na assunção de uma obrigação extra-
societária de exercer o seu direito de voto, de desempenhar um papel activo no
desenlace da vida societária.
Repúdio merece, indubitavelmente, um acordo em sentido inverso, uma
vinculação de não comparência, a obrigação de se abster.
3.3 O comércio do voto consiste no exercício do direito de voto numa
determinada direcção a troco de vantagens especiais. Importa, portanto,
analisar a noção de vantagens especiais.
Para tanto, recupera-se a construção de MARIA GRAÇA TRIGO209, que
preconiza que para existirem aquelas vantagens se exige:
- a existência de relação causal entre a vantagem e a obrigação de voto;208 Em sentido contraditório RAÚL VENTURA, Acordos..., cit. pp. 80 e MARIA GRAÇA TRIGO ob. cit. pp. 166.209 Ob. cit. pp. 168.
- não existir vantagem especial quando esta decorre da própria votação;
- não se exigir que a vantagem tenha carácter patrimonial, podendo
consubstanciar-se numa vantagem pessoal.
Termina-se por reafirmar um ponto assente na doutrina: a proibição do
comércio do voto é absoluta sendo despiciendo analisar a bondade intrínseca
do sentido da vinculação. A ratio essendi da proibição não é a potencialidade
destes acordos prejudicarem a sociedade ou os seus sócios, a sua
desconformidade com o interesse social, mas a própria venda em si; é o
desvalor da venda do voto que legitima a sua nulidade.
4. Mas as limitações mencionadas não são as únicas que oneram a
constituição válidas destes acordos210.
Desde logo a primeira parte do artigo 17.º estabelece a obrigatoriedade de
estes acordos não obrigarem a uma conduta proibida por lei.
Não é fácil interpretar o sentido da norma. Numa primeira leitura a expressão
parece claramente desnecessária porque tautológica211, pois seria ilógica
posição inversa.
Para salvar a expressão RAÚL VENTURA ensina que o sentido da expressão
não é meramente tautológico, mas a sua ratio é submeter a validade destes
acordos aos princípios do Direito Societário.
Sendo este o sentido a interpretar-se a referida parte do art.º 17.º seria
desejável ter-se aproveitado os ensinamentos de VAZ SERRA que, de modo
claro e inequívoco, no seu anteprojecto, de modo literal submetia a validade
210 Neste sentido aplaudimos LUCAS COELHO (ob. cit. pp. 86) que entende que “ a enumeração não deverá, porventura, reputar-se taxativa. A esta luz, compreende-se então que o CsocCom tenha querido conferir relevo a casos extremos de atentado à liberdade do voto em situações características de ofensa ao princípio essencial organizatório da separação dos órgãos da sociedade, e de infracção a elementares princípios éticos, de decoro e de igualdade entre os sócios”.211 Neste sentido MIGUEL PUPO CORREIA ( ob. cit. pp. 467) que considera “que esta ressalva não carecia de ser expressa: ela resultaria sempre da regra geral da nulidade do negócio jurídico com objecto legalmente impossível ou contrário à lei (art.º 280º, n.º 1, do CC)”.
dos acordos parassociais à conformidade com os princípios gerais do direito
societário.
Defende-se, ainda, a atendibilidade de um outro limite à validação dos acordos
parassociais, relacionada com a sua conformidade ao pacto social, inibindo-os
de contrariarem as normas naquele contidas.
Dogmatiza-se sobre a relevância das cláusulas sociais que proíbam os acordos
parassociais, bem como aquelas que constituem os pactuantes na obrigação
de comunicar a sua existência e conteúdo.
A nossa posição sobre o tema foi alvo de dissecação anterior.
5. Análise em separado merece a relevância do interesse social para
estabelecer a licitude dos acordos parassociais.
Também a este respeito a proposta do PROFESSOR VAZ SERRA tomava
inequívoca posição, sendo que esta, em consonância com o que é seu
apanágio, bem conseguida, dispondo expressamente que não serão válidos
quando “.puderem prejudicar o interesse da sociedade”.212
O facto de o actual preceito ser omisso no que concerne a esta temática,
acrescido do teor da disposição do art.º 64º CSC, que limita a obrigação de
actuar no interesse da sociedade aos órgãos de administração, suscita a
problemática da necessidade de os acordos parassociais se conformarem com
o interesse social.
Sobre a problemática tomou posição RAÚL VENTURA questionando “como
pode um acordo prejudicar a sociedade”213 sustentando que “como só a
deliberação poderá afectar o interesse social, parece que entre o acordo e o
interesse social existe uma barreira intransponível”214
212 ADRIANO VAZ SERRA, Assembleia Geral, cit. pp. 83-84. Ainda no sentido de que, face ao nosso ordenamento jurídico, o interesse social deve limitar a validade destes acordos vide. MÁRIO RAPOSO, ob. cit. pp. 23, FERNANDO OLAVO, ob. cit. pp. 193-194, ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit. pp. 151, LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 94.213 Ob. cit. pp. 92.214 Ibidem. No mesmo sentido considera MÁRIO LEITE SANTOS, (ob. cit. pp. 210) que “ o acordo não produz quaisquer efeitos jurídicos na esfera social, pelo que não parece curial estar, à partida, a condicionar a sua validade a um critério que é próprio e exclusivo da organização societária”.
Ensina ainda o ilustre professor que considerar nulo o acordo parassocial por
violação do interesse social teria como único efeito útil acautelar a posição “do
sócio que vinculado pelo acordo não votou como estava obrigado a fazer, e
através da nulidade do acordo pretende escapar às sanções cominadas”215.
Com o devido respeito não poderemos aceitar a referida construção. Mau
grado um aparente silêncio da lei afigura-se axiomática a necessidade de os
sócios exercerem os seus direitos sociais de acordo com o interesse social216;
qualquer outra explicação é inconciliável com o disposto na alínea b) do art.º
58º do CSC, quando comina a anulabilidade das deliberações em “...prejuízo
da sociedade...” e, cumulativamente, a responsabilidade solidária dos sócios
pelos prejuízos causados” (n.º 3 do mesmo artigo).
Esta evidência poderia guiar-nos a considerar pela desnecessidade de inquinar
a validade de um acordo parassocial, porquanto a deliberação assim
conseguida é passível de anulação. Sendo certo, é, ainda evidente, que se
manteria a obrigatoriedade do sócio responder pelos prejuízos causados; tal
facto, colocaria o sócio sindicado na paradoxal circunstância de ser obrigado a
exercer o seu voto numa direcção que discorda, por entender nefasta ao
interesse social, de modo a não estar sujeito às sanções estabelecidas pelo
acordo, e, por este motivo, ficar sujeito à obrigação de indemnizar a sociedade
ou os restantes sócios pelo sentido de voto assumido nessa deliberação217.
Por outro prisma, a circunstância de uma deliberação social não poder
contrariar o interesse social deve afastar a licitude dos acordos susceptíveis de
alcançar, ainda que indirectamente, o mesmo desiderato, porquanto esta será
uma situação em que estes obrigam a uma conduta proibida por lei,
expressamente afastado pelo disposto n.º 1do art.º 17.º.
215 Ob. cit. pp. 93.216 Inclusive os Autores que defendem a concepção de que o voto “não serve um interesse propriamente alheio...” que “o direito de voto não é um direito-dever” (VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 648) podendo, portanto, determinar-se por motivações egoístas, não o entendem sem limitações, nomeadamente limitado pelo Abuso de Direito, do qual a violação do interesse social deverá ser exemplo. Ensina o Autor que “nos casos em que o sentido de voto a que a convenção, na aparência, o obrigaria se antolha ao pactuante inquestionavelmente “prejudicial aos interesses da sociedade”, aquele poderá furtar-se a emitir tal voto, seja com base na interpretação ou integração adequadas do contrato, seja com base na referida ideia do abuso do direito”. (VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 653). Ver ainda THEOPHILO AZEVEDO SANTOS, ob. cit. pp. 190 ss., sobre a problemática em face do direito brasileiro.217 A mesma interrogação é formulada por LUIGI FARENGA, ob. cit. pp. 340.
O direito de voto, tal como é entendido no nosso direito societário, deve
qualificar-se como um meio proporcionado a cada sócio para tutela dos seus
interesses, mas “simultaneamente um meio de concretização do interesse
social.”218
Para permitir um melhor enquadramento da temática em análise, formulamos o
seguinte raciocínio: supomos que alguns sócios de uma dada sociedade,
acordam entre si, por acorda parassocial, a distribuição dos órgãos sociais ao
abrigo deste contrato um dos signatários pretende fazer eleger para a
administração uma personalidade inepta para o desempenho da função; a
relação entre a vinculação parassocial e o interesse social, no contexto
apresentado, suscita a problemática de ser lícito ou não ao sócio vinculado o
incumprimento do acordo, sem que desse facto resulte um inadimplemento
contratual.
É nossa opinião que neste circunstancialismo, bem como em outros análogos,
é lícita a conduta do sócio que, apesar da existência do acordo, dirige a sua
actuação para um sentido mais conforme o interesse da sociedade, não
podendo, por esse facto incorrer em responsabilidade por inadimplemento
contratual.
Em síntese, entendemos que a cisão entre o teor do acordo e o interesse da
sociedade é justificação bastante para legitimar o sócio a não cumprir o acordo,
sendo esta uma situação concreta de inexigibilidade da prestação219.
6. Resta aquilatar das consequências de um acordo parassocial ser nulo.
218 LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial..., III, cit. pp. 13219 “O cumprimento de um dever como causa de justificação do não cumprimento de outro não se acha expressamente previsto na lei...mas decorre...da própria ideia de dever” ( PESSOA JORGE, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Reimpressão, Coimbra, 1999, pp. 167). Mais digo, que no caso em apreço – em que colide a vinculação parassocial com a necessidade de pugnar pelo interesse social – não fica na disponibilidade da parte a opção pela obrigação a cumprir, porquanto “o cumprimento do dever mais forte justifica o inadimplemento do dever mais fraco, enquanto que o cumprimento deste não justifica a violação daquele” (ibidem, pp. 174); assim, deve o sócio actuar em consonância com o interesse social, “não havendo delito pelo desrespeito pelo outro” (MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, II, Lisboa, 1980, pp. 364.)Neste sentido pronuncia-se MÁRIO LEITE SANTOS, ob. cit. pp. 215, LUIGI FARENGA, ob. cit. pp. 338 ss., COTTINO e JAEGER (apud. MÁRIO LEITE SANTOS, ibidem). Não “colhe” o argumento de que esta concepção se mostra “inconciliável com o princípio, pacificamente aceite, da não sujeição do voto a um controle de mérito por parte das instâncias judiciais (LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 649), porquanto a sua admissão inquinaria a sujeição a estas instâncias à análise das deliberações passíveis de anulabilidade com base na mesma violação.
Desde logo é evidente que o desrespeito pelo seu teor não corresponde a
qualquer acto ilícito; se um sócio se vincula a votar num determinado sentido
em troca do pagamento de uma dada importância, a declaração de nulidade do
acordo, liberta o sócio do cumprimento do vínculo.
SENA considera que “se o sindicato de voto é nulo, o sócio é livre (em face dos
outros participantes do acordo) de votar como entender e, portanto, o seu voto
não é inválido por violar a convenção e voto”.220 Sem colocar em causa o mérito
da afirmação, apenas corrigimos no sentido que ainda que o acordo seja lícito
o voto em sentido divergente não inquina a sua validade, porquanto o
desrespeito por aquele não tem valência para impugnar actos da sociedade.
A validade da deliberação não pode também ser contestada se o sócio, não
obstante a nulidade do acordo, actuar em conformidade com o que aquele
determinava; a nulidade do acordo não exclui o direito de voto nem inibe o
sócio a actuar segundo lhe aprouver.
Questão mais complexa é a de o sócio votar no sentido previsto no acordo na
consciência errónea de se encontrar vinculado; entendemos que o caso em
apreço caí na “alçada” dos princípios gerais do direito, sendo passível a
evocação de um erro na formação da vontade.221
220 GIUSEPPE SENA, apud. LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial. Deliberações..., cit. pp. 173.221 No mesmo sentido ECKARDT, apud. LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 100.
V- INCUMPRIMENTO DOS ACORDOS
1. Cláusula
Penal 2- Providência Cautelar 3- Acção de
Cumprimento 4- Execução Específica 5
Acção Executiva - 6- Sanção Pecuniária
Compulsória
1.1 Como repetidas vezes se frisou elemento fulcral e caracterizador dos
acordos parassociais, tal como são entendidos no nosso direito positivo, é a
sua inoponibilidade à sociedade, isto é, o facto de o seu incumprimento ser
insusceptível de alegação para inquinar a validade de uma deliberação social.
Neste sentido é insofismável a letra da lei ao determinar que os acordos
parassociais são válidos “mas (que) com base neles não podem ser
impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade”.
Mas constate-se, que o legislador de 1986 ao consagrar a sua validade teve o
condão de lhes conferir juridicidade, afastando-os do campo dos mero
“gentleman’s agreements”, o que lhes permite gozar de sanções em caso de
incumprimento.
Esta é uma consequência lógica e necessária da sua submissão aos ditames
do direito e permite que, existindo inadimplemento, o contraente não faltoso
possa recorrer aos meios coercivos do Estado para ver ressarcido o seu direito.
Nesse sentido “ninguém duvida que a vinculação assumida num acordo de
voto implica a aplicação ao infractor de sanções civis: a obrigação de
indemnizar...”222 de acordo com o estatuído pelas regras do incumprimento
contratual.
Mas, igualmente ninguém duvida, que o problema reside na “dificuldade do
cômputo dos danos do incumprimento (que) obstará quase sempre à
praticabilidade da indemnização tendente a ressarci-los” 223
222 ADRIANO VAZ SERRA, ob. cit. pp. 97.223 VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 642. No mesmo sentido ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit. pp. 151 e LUIGI FARENGA, ob. cit. pp. 380.. Com efeito, atente-se no exemplo de o acordo ter por objecto a eleição dos administradores, no qual é praticamente impossível quantificar os prejuízos sofridos, bem como demonstrar que se a escolha tivesse recaído sobre outra pessoa existiriam maiores vantagens económicas.
Sem dúvida é extremamente complexo delimitar o prejuízo para o sócio que
não viu aprovada uma deliberação que desejava ou calcular “os danos sofridos
por aquele que não consegui fazer eleger para o “Conselho de vigilância” uma
ou mais pessoas devido à não satisfação da obrigação de votar conjuntamente
por parte de outro sócio”224
Pelo exposto, é com evidência que concluímos que as regras gerais do cálculo
da indemnização são pouco acutilantes face às especificidades destes
acordos.
1.2 A estas dificuldades a melhor doutrina contrapõe o argumento de ser curial
os acordos de voto estabeleceram de per si sanções para o seu
incumprimento, nomeadamente uma cláusula penal; sendo certo que assim é,
o facto não retira validade ao que se afirmou, sublinhando-se a prudência em
consagrar legislativamente regras supletivas de cariz indemnizador para o
instituto em estudo, uma vez que, como refere RAÚL VENTURA “nem em
todos os acordos são estipuladas cláusulas penais, ficando, portanto, o
(in)cumprimento sujeito às regras gerais”225.
1.3 No que concerne à possibilidade de prevenir o incumprimento merece
ainda análise um outro clausurado tendente ao mesmo objectivo, consistindo
este em obrigar o pactuante faltoso a comprar ou a vender aos outros a sua
participação social em caso de incumprimento do acordado.226
Face ao nosso direito merece reflexão a admissibilidade das buy or sale
options nomeadamente a possibilidade de obrigar o contraente faltoso ao
cumprimento desta norma sancionatória.
Parece ilógico admitirmos a executabilidade de uma cominação aposta num
acordo parassocial, quando se proclama a inexecutabilidade daquele pacto.
2. Mas serão os meios analisados, a responsabilidade civil e as cláusulas
sancionatórias estabelecidas no acordo parassocial os únicos meios de tutela
para os contraentes cumpridores?
224 EGBERT PETERS apud. MARIA GRAÇA TRIGO ob. cit. pp. 202225 Ob. cit. pp. 55.226 Sobre este ponto MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 215, que remete para KONDRING E TEIPEL
Não oferece dúvidas que lhes está vedado a possibilidade de com base no
desrespeito por um acordo parassocial impugnar os actos da sociedade: a letra
da lei é inequívoca ao optar por essa susceptibilidade, tomando clara opção
pela primazia da vontade expressa em Assembleia Geral sobre quaisquer
outras.
E compreende-se que assim seja; a dignidade deste órgão não deve permitir
que deliberações que não inferem de qualquer invalidade seja atacadas com
base num qualquer acordo, que embora conexionado com a sociedade lhe é
marginal e, demasiadas vezes, estranho a parte dos seus sócios227.
Mas pretenderá o legislador subtrair ao pactuante cumpridor quaisquer outros
meios de tutela que não os mencionados.
Cogitemos no seguinte: a validade dos acordos parassociais encerram ou não
um importante meio de tutela do interesse social? Desempenha ou não função
de “assegurar a estabilidade da gestão social, face aos riscos das maiorias
flutuantes” para “ assegurar a manutenção de uma política comum, de
fundamental interesse para a sociedade em determinadas circunstâncias”228.
Sendo a resposta afirmativa porquê impedir os sócios defraudados das “armas
do nosso arsenal” não aplicando as respostas típicas do direito civil para o
inadimplemento contratual.
2.1Providência cautelar:
A possibilidade de interpor uma providência cautelar não especificada, quando
exista o fundado receio de o sócio sindicado, em determinada Assembleia
Geral, fruste as legítimas expectativas dos consócios é expressamente
227 Esta posição não é inédita no nosso direito societário, sendo identificável paralelo nas regras do mandato; assim, quando o mandatário não respeita as instruções do mandante, este fica inibido de impugnar a deliberação com base naquela argumentação. Assim, “ a eficácia do voto não é prejudicada pelo facto de o representante não cumprir indicações do representado quanto à emissão do voto, incumprimento que apenas relevará no domínio das relações internas entre o dominus e o procurator, às quais a sociedade é estranha” (EDUARDO LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 137) No mesmo sentido “se o representante comum viola a deliberação adoptada pelos contitulares, nem por isso serão afectados os actos por ele praticados no exercício dos direitos inerentes à acção, restando somente a responsabilidade civil do infractor” (JOÃO LABAREDA, ob. cit. pp. 74).Pelo exposto é lícita a conclusão de que a ratio destas estatuições consiste em estabelecer um predomínio da assembleia sobre quaisquer invalidades que lhe são externas. 228 VASCO LOBO XAVIER, ob. cit. pp. 645
defendida por RAÚL VENTURA229. Esta posição espelhada pelo ilustre
professor, com a devida vénia, não é coerente com o pensamento
desenvolvido pelo mesmo sobre esta temática; com efeito, exigência lógica e
necessária de uma providência cautelar é a subsequente interposição de acção
judicial, uma vez que a providência cautelar não pode subsistir isoladamente.
Não vislumbramos que acção possa ser esta, uma vez que, o ilustre professor
é categórico em negar a possibilidade de qualquer acção judicial.
Em sentido diametralmente oposta encontramos MARIA GRAÇA TRIGO230,
que, proclama a possibilidade de acção de cumprimento mas refuta a
admissibilidade de interpor uma providência cautelar não especificada,
defendendo que esta se traduziria numa actuação definitiva e irrevogável,
porque “implicaria a produção de efeitos próprios da acção principal, sem
possibilidade de retrocesso se esta última não fizesse vencimento”231,
afastando-se, por aquele facto, da essência daquelas providencias que visam
“obter uma composição provisória da situação controvertida antes do
proferimento da decisão definitiva”232.
A nossa posição sobre o tema é prejudicada pela exposição em torno da
licitude de interpor acção judicial; mas, desde já, sublinhamos que sendo lícita
esta acção, podem reunir-se os pressupostos necessários para a
admissibilidade de uma providência cautelar.
Com efeito, não aceito os argumentos de que requerer um adiamento de uma
reunião da Assembleia Geral deva considerar-se como lesivo para os
interesses sociais ao ponto de afastar esta susceptibilidade ou, que admitir este
adiamento se traduza em opor o acordo à sociedade.
Para a primeira das alegações a justificação assemelha-se evidente: se o
nosso ordenamento jurídico de forma inequívoca estatui a possibilidade de
229 Ob. cit. pp. 98-99 230 ob. cit. pp. 225 ss.231 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 227232 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª Edição, Lisboa, 1997, pp. 226
suspensão de deliberações sociais, verificado determinado condicionalismo, a
mesma ordem de ideias legitima o adiamento da assembleia233.
Já a segunda afirmação encerra maiores dificuldades, embora ultrapassáveis.
É crença do autor destas linhas que a impossibilidade de impugnar actos dos
sócios para com a sociedade, determinada pelo n.º 1 do art.º 17.º não engloba
a possibilidade de adiar a assembleia com base no incumprimento de um
qualquer contrato, não se excepcionando o acordo parassocial. Adiar-se uma
assembleia e impugnar um acto da sociedade ou dos sócios para com esta são
realidades díspares: a inoponibilidade traduz-se na insusceptibilidade de
revogar um acto da sociedade, de impugnar uma deliberação social tendo
como fundamento o não cumprimento de um acordo parassocial. O que neste
contexto se reclama é, não inquinar uma deliberação, mas antes obstar a que
esta se verifique e que com esta se lesem direitos protegidos por lei.
2. Acção de cumprimento
No projecto do PROFESSOR VAZ SERRA afastava-se de modo expresso a
possibilidade de interpor uma acção de cumprimento.234
Face ao silêncio que caracteriza o texto legal actual são admissíveis duas
interpretações díspares: contrariamente à referida proposta permite-se a acção
judicial de cumprimento ou, pelo contrário, ao estatuir-se que “não podem ser
impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade”
pretendeu-se afastar o recurso a este meio.
Antes de dissecarmos em concreto esta problemática tenho por pertinente
esclarecer que defendo existir em confronto duas diferentes ordens de razão,
233 Um sócio pode requerer que uma deliberação contrária á lei ou aos estatutos seja suspensa, desde que demonstre que a mesma pode causar um dano apreciável á sociedade, não se exigindo que seja irreparável ( Neste sentido, RP 15-NOV.-1993), se esta possibilidade não “choca” o intérprete não aceitamos que seja condenável tratamento análogo, em circunstâncias em que o dano é irreversível.234 3. Não pode ser exigido judicialmente o cumprimento dos contratos previstos no número anterior,(acordos de voto) mas só a indemnização ou a pena convencional por não cumprimento deles.
que merecem tratamento diferenciado, pela heterogeneidade de problemas que
apresentam.
Desde logo existe uma questão processual, um problema formal que se traduz
na exequibilidade ou não de utilizar a acção de cumprimento, ou um outro
qualquer meio de tutela para o inadimplemento, que não a reparação
pecuniária.
Distinto problema é a legitimidade do recurso a estes meios, a legalidade de
suprir o incumprimento: esta á uma questão material ou substantiva e emana
do sentido adoptado para o princípio da inoponibilidade entre o parassocial e o
social.
Comecemos por tomar posição sobre o primeiro dos problemas enunciados;
entende a doutrina maioritária que não tendo o signatário cumprido a obrigação
assumida no acordo parassocial, esta torna-se impossível, sendo despiciendo
o recurso aos meios judiciais, ou seja, se o sócio se vincula a votar em
determinado sentido e não o faz, os contraentes não faltosos nada
beneficiaram em interpor acção de cumprimento, uma vez que esta
possibilidade se gorou, pela impossibilidade de anular a deliberação social
conseguida com a violação do acordo parassocial.
Sem colocar em causa a pertinência da construção, urge questionar se não
serão configuráveis situações em que, não obstante a existência de um
inadimplemento, os restantes pactuantes mantenham interesse no
cumprimento da prestação: pensemos no caso de a Assembleia Geral ter sido
adiada, não chegando a realizar-se a votação que vinculava o accionista, ou,
tratando-se de um sindicato este reiteradamente o violasse. Nestes casos,
apesar do incumprimento a obrigação continua possível mantendo o credor
interesse na sua realização: estas considerações impelem-nos a considerar
que, embora reconhecendo que na maioria dos casos o incumprimento da
prestação a tornam impossível, são diagnosticáveis hipóteses em que se
mantém o interesse na prestação, nada obstando, da perspectiva ora
interpretada, à imposição judicial do cumprimento.
Analisemos agora a conformidade da acção judicial de cumprimento com o
regime estabelecido para os acordos parassociais, nomeadamente com o
princípio da inoponibilidade.
É nossa opinião que a impossibilidade de anular deliberações sociais com base
no inadimplemento de um acordo parassocial tem como fundamento garantir a
primazia das declarações sociais manifestadas na Assembleia Geral sobre
quaisquer outras, visando proclama-la “como o órgão soberano ou supremo
dentro de cada sociedade”235, nada obstando à legalidade de se introduzirem
mecanismos para que em sede de Assembleia os sócios actuem em
conformidade com os acordos estabelecidos.
Semelhante conclusão deve retirar-se do pensamento de RAUL VENTURA236,
que, embora sem o afirmar taxativamente, ao entender realizável a obtenção
de uma providência cautelar não especificada, reconhece a potencialidade dos
acordos parassociais serem exequíveis judicialmente; só ingenuamente
podemos acreditar que o Autor ao expor a posição anterior descorou a
necessidade de interpor a acção principal. As suas conclusões vão no sentido
de não se verificar qualquer incompatibilidade substancial entre o princípio da
inoponibilidade e a possibilidade de acção de cumprimento, sendo as
dificuldades de ordem processual.
Defender a tese contrária, ou seja, considerar que o princípio da
inoponibilidade traduz “um princípio fundamental de direito societária, i e, o
princípio da liberdade na formação da vontade na sociedade”237 equivaleria a
inquinar a validade de todas as formas de garantir a unidade do exercício do
direito de voto.
Indubitavelmente se a interpretação da norma legal consistisse em garantir aos
sócios a suprema liberdade de, ainda que vinculados por acordos parassociais,
mantivessem a liberdade de os não cumprir, a consagração de um direito a
arrependimento, teríamos forçosamente de recusar a validade dos mecanismos
de conferir efeito externo aos acordos parassociais, porquanto seriam fraude à
lei, por procurarem “contornar ou circunvir uma proibição legal, tentando chegar
235 MIGUEL PUPO CORREIA, ob. cit. pp. 547.236 Acordos..., cit. pp. 97 ss.237 MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 205.
ao mesmo resultado por caminhos diversos dos quais a lei designadamente
previu e proibiu.238”
Em resumo, entende-se que a admissibilidade de interpor acção judicial de
cumprimento não viola nenhuma norma legal imperativa, nem viola os
princípios fundamentais de direito societário.
Mas estas considerações só por si não são suficientes para afirmarmos a
admissibilidade de interpor acção de cumprimento; falta, ainda, indagar se esta
acção é exequível face ao direito civil, ou seja, se se verificam os pressupostos
gerais exigíveis pelo art.º 817.º CC.239
A acção de cumprimento é “essencialmente destinada a obter a declaração da
existência e da violação do direito e a intimação solene, emanada do Tribunal,
para que o devedor cumpra”240; no caso em apreço, existindo uma violação do
acordo, e mantendo-se o interesse na prestação, nada obsta a que os sócios
lesados requeiram ao tribunal com o referido desiderato.
Aceitando como boa a possibilidade de interpor acção de cumprimento, esta
não obsta a que, ainda que judicialmente intimado a cumprir, o sócio não acate
a decisão judicial, e actue no seio da sociedade no sentido que lhe aprouver,
rotulando de infrutuosa a tutela judicial perseguida pelos demais sócios; sendo
justa a objecção recorda-se que a mesma tem validade universal, não sendo
privativa dos acordos parassociais.
Por tudo não encontramos justificação para, nos casos em que a prestação se
ainda é possível, os signatários interponham acção judicial de cumprimento
contra o sócio remisso.
238 MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da relação jurídica, II vol., 1972, pp. 338. Assim, a defesa da existência de um princípio societário de liberdade de formação de vontade na Assembleia é inconciliável com a possibilidade de constituição de uma SGPS, usufruto, compropriedade, de molde a conferir eficácia externa ao sindicatos de voto. No mesmo sentido inquinava-se a validade de depositar as acções num mandatário comum, porque também neste caso o sócio perderia a possibilidade “de facto” de exercer o seu direito de voto de forma antagónica à sua vinculação parassocial.Complemente-se com afirmação de que a própria possibilidade de representação é atacada pela consagração daquele princípio, porque também neste caso o sócio não forma a sua convicção no seio da sociedade.239 “Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento...”240 ANTUNES VARELA, Das obrigações ..., II, cit. pp. 147-148.
3. Execução específica241
Fundamental interesse reside na possibilidade dos contraentes não faltosos
requererem a execução específica do acordo parassocial; podemos mesmo
considerar ser esta a mais importante e controversa questão no que concerne
aos meios de suprir o inadimplemento destes acordos.
241 A possibilidade de recorrer ao mecanismo da execução específica para suprir o inadimplemento de um acordo parassocial é temática controvertida no direito comparado. Em sentido permissivo enumeramos a legislação americana na qual se pode aformar “a tendência, hoje, dominante, é no sentido de considerar-se essencial a execução específica dos acordos de accionistas” (MODESTO CARVALHOSA, ob. cit. pp. 251). O legislador brasileiro foi seduzido por este entendimento, dispondo no seu art.º 118.º que “os acordos de accionistas, sobre a compra e venda de suas acções, preferências para adquiri-la, ou exercício do seu direito de voto deverão ser observados pela companhia, quando arquivados na sua sede”. Pelo exposto é licita a afirmação que “a principal diferença entre legislação brasileira e a dos outros países reside execução específica do acordo de accionistas, o que representa para os que participam de tais pactos a garantia de que as obrigações de fazer, ou não fazer, poderão ser exigidas in natura” (AZEREDO SANTOS, ob. cit. pp. 192) e não apenas através da mera reparação pecuniária.No que concerne ao direito continental podemos identificar uma inequívoca tendência para excluir esta potencialidade. Assim, no Direito Italiano, e não obstante a existência da possibilidade de execução específica, entende-se ser esta privativa das obrigações de contratar; acresce o entendimento da ilegitimidade dos Tribunais para impedir o livre exercício do Direito de voto.Em face da disciplina legal espanhola , e apesar da admissibilidade destes acordos fazer escola desde a década de quarenta, reputa-se de inaceitável o recurso a estes acordos porquanto “se um dos accionistas não respeitar a obrigação contraída, somente restará acção pessoal, por inadimplemento contratual, que se reduz ao ressarcimento por perdas e danos” (GURRIGUES-URIA apud. MODESTO CARVALHOSA, ob. cit. pp. 255).No direito alemão verificou-se uma histórica orientação jurisprudencial contrária a exequibilidade destes acordos. Num primeiro momento sustentava-se que estas sentenças seriam facilmente desrespeitadas porquanto, ainda que o Tribunal impusesse ou ficcionasse uma determinada declaração de vontade, os sócios manteriam a possibilidade de marcar uma nova Assembleia Geral, com o intuito de revogar as deliberações anteriores. (neste sentido PETERS apud. MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 203). Esta concepção tem perdido aderentes, sendo que, embora não pacificamente, os Tribunais Alemães já declararam “que uma vinculação do direito de voto é admissível e exequível segundo o meio previsto no §894 ZPO” (Sentença do BGH de 29-05-67, na qual inauditamente consagrou a execução forçada de uma convenção de voto, na qual um sócio por acordo reconheceu que adquirira a sua participação com os meios financeiros de terceiro, comprometendo-se em ceder-lhe as quotas aquando da sua solicitação apud. MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp.94-95). ( O referido artigo dispõe que “seja o devedor condenado à emissão duma declaração de vontade, a declaração vale como emitida assim que a sentença tenha transitado em julgado” , pelo que a norma não deve ter-se por coincidente com o art.º 830º CC. A referência justifica-se porque também neste caso uma decisão jurisdicional vai tornar exequível um acordo parassocial)As principais objecções a esta possibilidade resultam da consideração de que, ainda que o exercício do direito de voto possa ser substituído por declaração judicial, nada justifica a inibição ao sócio de participar na Assembleia; pelo facto, a doutrina que aceita tem sustentado a possibilidade de o sócio, ainda que impossibilitado de votar possa usufruir dos restantes direitos inerentes à sua participação social, nomeadamente a apresentação e discussão de propostas. Uma outra objecção que é assacada a esta possibilidade pela doutrina alemã relaciona-se com “a impraticabilidade da medida, que viria sempre muito tarde” (JAEGER apud. MODESTO CARVALHOSA, ob. cit. pp. 256), pelo que teria um “valor meramente teórico a
O primeiro problema que nos oferece comentar consiste em determinar a
aplicabilidade do art.º 830.º CC ao inadimplemento de acordos parassociais.
RAÚL VENTURA ensina que “no nosso direito a execução por meio de
sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso é possível
apenas nos casos previstos no art.º 830.º CC”242relativo ao contrato promessa,
sendo insusceptível de englobar as violações decorrentes dos acordos de voto.
E é exactamente neste aspecto que reside a problemática: deve o referido
artigo ter uma aplicação circunscrita ao contrato promessa ou, pelo contrário,
aplicar-se-à a qualquer obrigação de emissão de declarações de vontade.
Numa perspectiva de aplicação restritiva da execução específica ensinam
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA que esta apenas se aplica a obrigações
resultantes de um contrato-promessa, o que demonstra que o legislador “foi
cauteloso, e entendeu que não devia de ir demasiado longe”243
Em sentido inverso, e merecedor do nosso aplauso, saliente-se a posição de
ALMEIDA COSTA que sustenta não existirem razões para a consideração da
“regra do art.º 830.º constitua um princípio excepcional no quadro jurídico
vigente. Corresponde ao sistema da nossa lei, que atribui à restauração natural
prevalência sobre a indemnização por equivalente”244 Acresce que “parece-nos
inadmissível que o Direito fosse dar cobertura à atitude de uma pessoa que
contratasse com o fito de não cumprir, abdicando, em homenagem ao
prevaricador, da forma mais perfeita de coacção jurídica: a execução
específica”245.
execução específica, pois a medida seria aplicável eficientemente, apenas no caso de ser conhecido, antes da Assembleia, o voto contrário ou sentido convencionado. (ibidem).Com o devido respeito a argumentação aduzida não é convincente, porquanto não apenas “se constrói um argumento substancial a partir de uma consideração meramente factual (PETERS apud. MARIA GRAÇA TRIGO, ob. cit. pp. 203) como também nas próprias críticas se enumeram situações em que esta acção tem um efeito útil. 242 Ob. cit. pp. 98.243 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. II, 1981, pp. 92. No mesmo sentido INOCÊNCIO GALVÃO TELLES (Direito das Obrigações, 7ª Edição, 1997, pp. 135, nota 1) ensina que a execução especifica “aplica-se somente ao contrato-promessa que a lei associa. É no nosso sistema jurídico, claramente, uma providência excepcional e por isso não pode ampliar-se a outras situações, ainda que análogas ou de algum modo análogas”.244 ALMEIDA COSTA, Direito, cit. pp. 205. No mesmo sentido, ADRIANO VAZ SERRA, O contrato e o negócio jurídico unilateral como fontes das obrigações, BMJ, n.º 77, pp. 160 ss. e JOÃO CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 2ª edição, Coimbra, 1995, pp. 500 ss.245 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das obrigações, 1º Vol., Lisboa, 1980, pp. 469.
Ainda que concordando com as opiniões expostas, este facto só por si não
permite concluir, sem mais, pela admissibilidade do recurso à execução
específica para contrariar o incumprimento de um acordo parassocial,
remanescendo dissecar se existe uma incompatibilidade de aplicação do art.º
830.º CC aos acordos parassociais, nomeadamente a faculdade de uma
sentença judicial se substituir á emissão do voto.
Os defensores da inadmissibilidade alegam como premissas:
- o não cumprimento voluntário traduz-se na impossibilidade de cumprir246;
- o Tribunal é ilegítimo para intervir na Assembleia de sócios;
- o caracter infungível do direito de voto;
Sobre a primeira das objecções já assumimos a nossa posição, pelo que não
tecemos considerações adicionais.
No que concerne á intervenção do Tribunal não encontramos motivações que
justifiquem um tratamento diferenciado em relação ao adoptado para
participação de um qualquer outro terceiros na Assembleia, nomeadamente o
adoptado para a representação voluntário.
A intervenção do tribunal na Assembleia Geral não deve qualificar-se de
intolerável, porquanto “não interfere forçosamente na formação da vontade do
ente, posto que o procedimento judicial é dirigido directamente contra o sócio e
não contra a sociedade”247.
Por outro lado, sublinhe-se que não cuidamos de impedir o sócio de participar
na Assembleia, mas tão somente de o impedir de exercer o seu direito de voto,
porque contraditório com outros compromissos que livremente assumiu.
Normalmente o sócio pode intervir na assembleia geral e exercer o seu direito
de voto. Mas, nos casos excepcionais em que lhe é vedado votar, nem por isso
fica privado do direito de assistência e participação na reunião, podendo, dessa
246 Vide a nossa posição supra.247 ECKARDT, apud. Eduardo Lucas Coelho, ob. cit. pp. 96.
forma, lutar para que a deliberação a adoptar se oriente ma direcção que mais
lhe interessa”248
Situação mais controvertida prende-se com a pretensa infungibilidade do direito
de voto.
Parte significativa da doutrina entende que o voto “não é fungível, pois só o
próprio accionista ... cabe a participação na assembleia e a emissão do voto.”249
Tal posição afigura-se-nos indefensável no nosso quadro legislativo vigente,
que expressamente consagra o direito de o sócio fazer-se representar na
Assembleia Geral, sendo inclusive um direito inderrogável nas sociedades
anónimas, por disposição expressa, (380.º n.º 1 CSC), bem como nas
sociedades por quotas,250 sustentando-se “que a supressão do Direito de
Representação conduziria à supressão do próprio direito de voto”.251
Por tudo, e como foi sendo indiciado, juntamos a nossa humilde voz à de
MARIA GRAÇA TRIGO252 e de PEREIRA ALMEIDA253 sustentando a
possibilidade de, em determinadas circunstâncias, recorrer à execução
específica como forma de suprir o inadimplemento de um acordo parassocial.
4. Acção executiva
248 JOÃO LABAREDA, Das acções das Sociedades Anónimas, AAFDL, Lisboa, 1988, pp. 161. No mesmo sentido EDUARDO LUCAS COELHO, ob. cit. pp. 109-110.249 RAÚL VENTURA, ob. cit. pp. 98.250 Assim RAÚL VENTURA, Sociedade por quotas, II, Coimbra, 1989, pp. 205 ss.251 EDUARDO VERA-CRUZ PINTO, ob. cit. pp. 11. o que se afirmou não prejudica a consideração de que nos tipos sociais em que a representação não é permita o voto deva ter-se por infungível. Sobre a representação pronunciou-se, em 1914, CUNHA GONÇALVES considerando que a cláusula que a proíba, por violar um princípio geral do Direito, que confere a todos o poder de serem substituídos por outro quando não podem comparecer. (Comentário ao Código Comercial Português, I, 1914, pp. 458)252 Ob. cit. pp. 216 ss.253 O autor não justifica as suas posições mas é inequívoco quando afirma que “os acordos parassociais são convenções...que apenas têm efeitos obrigacionais, nomeadamente responsabilidade civil, ou, por vezes, execução específica” (ob. cit. pp. 149.
Importa ainda considerar a possibilidade de interpor uma acção executiva, em
caso de inadimplemento de um acordo parassocial, através do processo de
execução para prestação de facto, regulado no art.º 933.º do CPC254.
Em oposição a esta possibilidade encontramos RAUL VENTURA que sustenta
esta impossibilidade com base de o prazo não ser certo, a necessidade que o
exequente ter que provar o incumprimento e, finalmente na já referida
infungibilidade do direito de voto255.
Com o devido respeito entendo que os argumentos não colhem; no que
concerne ao prazo, o próprio Autor reconhece a possibilidade de o prazo ser
certo256 pelo que não nos delongaremos na sua apreciação; quanto á
necessidade de provar o incumprimento este é, facilmente, possível pelo
confronto do acordo com as actas da Assembleia Geral em que o mesmo não
foi cumprido.
Por outro lado a possibilidade de interposição desta acção transforma-se numa
verdadeira necessidade porquanto, “mesmo quando, sendo a prestação de
facto infungível, logo no momento da propositura se sabe que, salva a
prestação voluntária pelo devedor”257 não se pode almejar o resultado
desejado, deve interpor-se acção executiva para prestação de facto que
posteriormente se vai converter em acção executiva para pagamento de
quantia certa.
Com efeito, “o tipo de execução é sempre determinado pela prestação
constante do título executivo (art.º 45º, n.º 1), pelo que, mesmo que se
reconheça que nunca se pode conseguir na execução a prestação não
cumprida, deve utilizar-se a execução adequada àquela prestação”258.
254 Para o caso em análise são configuráveis como títulos executivos quer a sentença condenatória, quer o próprio acordo quando assinado pelas partes que se vinculam. (alíneas a) e c) do CPC).255 Acordos..., cit. pp. 98.256 Ibidem.257 JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção executiva à luz do Código Revisto, 2ª, 1997, pp. 15 nota 24.258 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit. pp. 612.
5. Sanção pecuniária compulsória
Conforme se sublinhou o direito de voto tem, em determinadas condições,
carácter infungível.
Nestes casos é insustentável o recurso à execução específica; merece,
portanto, pertinência analisar a possibilidade de recorrer a outros mecanismos
legais.
Dentro destes merece especial atenção o recurso à sanção pecuniária
compulsória259 como meio privilegiado para “convidar” o sócio inadimplemente
ao cumprimento da vinculação parassocial: em nossa opinião nada obsta á sua
aplicabilidade sempre que, o voto seja infungível e se mantenha o interesse
dos credores no cumprimento da obrigação. Sublinhe-se que este é um meio
mais fácil e com maior efeito útil, porquanto o pagamento daquela quantia
funciona como um forte estímulo ao cumprimento; refira-se ainda a
potencialidade desta sanção se incluir nos próprios acordos, optimizando-os.
259 A sanção pecuniária compulsória é ”uma figura intermediária entre a prevenção e a reparação” (ALMEIDA COSTA; Direito ..., cit. pp. 952) e consubstancia-se em “providência tomadas após a violação da norma e que se destinam a evitar que a mesma se prolongue” (ibidem). Para a sua consagração legislativa – Decreto-Lei n.º 262/83 de 16 de Junho, que dispõe “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades cientificas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme o que for mais conveniente às circunstância do caso. – muito contribuiu a influência da jurisprudência francesa; sobre o tema vide ALMEIDA COSTA, Direito..., cit. pp. 952 ss.
VI APROXIMAÇÃO A UMA POSIÇÃO CRÍTICA
Catorze anos após a consagração legislativa dos acordos parassociais parece
oportuno ensaiar sobre a sua acutilância, dogmatizar sobre a sua utilidade.
O legislador, corajosamente, ao avaliza-los perante a controvérsia doutrinal e
ao arrepio da jurisprudência fê-lo, e bem do meu ponto de vista, de modo
envergonhado. Admite-os mas rodeia-os de um amplo conjunto de limitações e
constrangimentos, apenas permitindo que se movam num reduzidíssimo
campo de acção.
Os argumentos que as justificam confundem-se com aqueles que os legitimam
forçando demasiadas vezes a incoerências ao pensamento do intérprete.
Talvez se aproxime o momento que exige uma clara opção, com todos os
riscos a esta inerentes, consistindo ou na aceitação numa acepção plena
destes acordos, ou emendando a mão e proibindo-os. A dificuldade subjacente
à escolha não deve merecer uma omissão, não deve fazer recear uma tomada
de posição.
A dicotomia relacionada com a admissibilidade destes acordos é sublimemente
evocada por FERNANDO GALVÃO TELES quando afirma que “os contratos
para-sociais correspondem assim a um instrumento útil a que se recorre para
suprir as deficiências da lei e para atender muitas vezes às prementes
necessidades da prática, protegendo interesses legítimos das partes no seio da
sociedade. Mas não deixam, todavia, de representar um risco grave que resulta
tanto da circunstância de efectiva e realmente vigorar um regulamento da
sociedade diferente daquele que a publicidade imposta por lei tornou
conhecido”260.
Defendo a necessidade de questionar se os acordos parassociais
correspondem ou não a uma necessidade premente da vida económica; quem,
como nós, aplaude esta posição, e na esteia de ASCARELLI sustenta estar
feita a prova que a vida os não pode dispensar, não pode escamotear que “no
260 Ob. cit. pp. 75.
domínio do direito comercial, dada a sua especial relação com a economia,
deve o intérprete atender aos efeitos práticos das soluções que propõe,
averiguar se elas são susceptíveis de promover o progresso, a dinamização e a
circulação da riqueza”261
Concordando com as premissas apresentadas o caminho exigível consiste em
alargar a aplicabilidade destes acordos, conferindo juridicidade a situações
vigentes na vida económica e social.
Defendemos jus constituedo a oponibilidade destes acordos à sociedade,
vinculando esta ao seu cumprimento; o que se afirma, nada tem de inovador,
não sendo mais que a defesa da intervenção do legislador na regulamentação
de uma temática já existente na prática; os sócios que pretendem agrupar-se
desta forma tem meios de torna-los inquebráveis; SGPS, compropriedade,
usufruto, cessão legitimadora, a estatuição de uma sanção penal exemplar. Por
outro prisma, o que nesta sede se exige é a generalização de uma norma que
já existe, mas privativa das instituições de crédito.
Com efeito, consideramos axiomática a constatação da inexistência de efeitos
perversos naquelas entidades decorrentes da oponibibilidade destes acordos, o
que reforça a nossa convicção na utilidade de passar a norma excepcional do
art.º 111 para direito comum, e assim, aplica-la a todos os tipos sociais.
Sustentamos, que o actual quadro legal vigente apenas aproveita àqueles que,
apesar de validamente se vincularem se pretendem eximir às suas obrigações,
conduta que não merece protecção legal.
261 ANTÒNIO AGOSTINHO CAEIRO, ob. cit. pp.205-206.
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