a construção do plano diretor de caeté e as (im) possibilidades à participação social

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Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Geocincias Programa de Ps-Graduao em Geografia

A CONSTRUO DO PLANO DIRETOR DE CAET E AS (IM) POSSIBILIDADES PARTICIPAO SOCIAL

Mrlon Sidney Resende Belo Horizonte M. G. Maio de 2007

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MRLON SIDNEY RESENDE

A CONSTRUO DO PLANO DIRETOR DE CAET E AS (IM) POSSIBILIDADES PARTICIPAO SOCIAL

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao do Instituto de Geocincias da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Geografia.

rea de Concentrao: Organizao do Espao Orientadora: Prof. Dra. Doralice Barros Pereira

Belo Horizonte Maio de 2007

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A CONSTRUO DO PLANO DIRETOR EM CAET E AS (IM)POSSIBILIDADES PARTICIPAO SOCIAL

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao do Instituto de Geocincias da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Geografia, defendida e aprovada em 31 de maio de 2007, pela Banca Examinadora constituda pelos professores:

Profa. Dra. Doralice Barros Pereira

Profa. Dra. Maria Cristina Villefort Teixeira

Prof. Dr. Srgio Manuel Merncio Martins

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AGRADECIMENTOS

A Suprema inteligncia, Parelha Divina, Pai e Me, Sublime Polaridade que estrutura a vida em todas as suas dimenses. A minha Me querida Tereza, carinhosa, atenciosa, meu Amado Pai Fortunato, fortuna em honestidade, carter e f na vida: ambos de braos sempre abertos.... Amo vocs por isto! A minha adorada esposa MEIRE, incansvel, doadora de toda ateno que possui, compreensiva e capaz de perdoar..... Ao Marcelo, filhote querido, presente de Deus..... enfim, podemos brincar mais e curtir o Luck.... Como vocs me do conforto quando preciso !!!!!!! A meus irmos: Cristina, zelosa, preocupada; Manu, sempre entusiasmada e batalhadora como sua me Alice; Fernando, no seu canto mas atento a tudo... Deus abenoe todos vocs ! Doralice, incansvel, portadora de palavras e gestos confortantes, estimulantes e que abrem o caminho, sinto sincera alegria em desfrutar de sua companhia.... Ao Srgio Martins agradeo a acolhida, seu respeito s limitaes de cada um. Suas crticas so sempre construtivas...... Cristina Villefort, nos encontramos mais ao fim desta jornada, mas como foi enriquecedor, muito obrigado por seu desprendimento e interesse! Ao Roberto Valado, obrigado pela confiana de nos convidar a dividir a caminhada com voc. Especialmente sociedade de Caet e todos aqueles que pacientemente colaboraram, compartilhando suas vidas, suas impresses, seus sentimentos! Prefeitura de Caet, agradeo toda a colaborao! Ao povo brasileiro, laborioso, festeiro e to constrangido, agradeo por financiar esta empreitada que abrao com muito esmero e anseio de contribuir ainda que somente um pouco por dias melhores ! Aos professores do IGC por tudo que dividimos; a todas as laboriosas pessoas que dedicam tanto carinho biblioteca, da coordenao quem cuida de sua manuteno; aos servidores da psgraduao e da graduao em Geografia, considero-os amigos, sinceramente, obrigado... A CAPES/CNPq por viabilizar o financiamento desta pesquisa.

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RESUMO

Esta pesquisa objetiva elucidar as possibilidades e entraves participao social no processo de elaborao do Plano Diretor. Adota-se como estudo de caso o Plano diretor que se desenvolve em Caet-MG cujo processo sciopoltico com a criao de esferas de participao democrtica, segue os postulados previstos na Lei 10.257 de 10/7/2001. Os apontamentos de Henri Lefebvre (2007; 2005; 1999; 1991) nos quais o espao sob o sistema neoliberal tem se tornado um instrumento, passvel de disputas, entre grupos com divergentes propsitos e discursos so considerados no estudo. Assim como a sociologia de Pierre Bourdieu (1998; 1989; 1996; 1983; 1974) onde o autor aponta o campo e as disputas entre os diferentes agentes e seus capitais pela conformao do espao, a partir da instaurao do poder simblico. A cidadania enquanto o direito a ter direitos a se insinua ou naufraga (Dagnino 2004). A anlise indicou constrangimentos realizao plena da cidadania - seja pela relao de favores que segmentos sociais mantm com agentes do Estado e/ou por no permitir a realizao do dissenso (RANCIRE, 1996), razo que instaura a poltica por aceitar a diferena. Tais determinaes ensejam somente consultas sociedade e no o direito deliberao. A doxa representada pelo desenvolvimento sustentvel via minerao se rebateu sobre a elaborao do Plano Diretor, onde o Metacapital (BOURDIEU, 1996, 1989) do Estado vem sendo usado para forar o consenso, portanto negao da poltica (RANCIRE, 1996) e da cidadania (DAGNINO, 2004).

Palavras Chave: Participao Social, Planejamento Urbano, Plano Diretor, Cidadania, Poder Simblico, Dissenso.

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ABSTRACT

This objective research to elucidate the possibilities and impediments to the social participation in the process of elaboration of the Managing Plan. The managing Plan is adopted as case study that if develops in Caet - MG whose sociopolitical process with the creation of spheres of democratic participation, follows the postulates foreseen in Law 10,257 of 10/7/2001. The notes of Henri Lefebvre (2007; 2005; 1999; 1991) in which the space under the neoliberal system if has become an instrument, passive of disputes, between groups with divergent intentions and speeches is considered in the study. As well as the sociology of Pierre Bourdieu (1998; 1989; 1996; 1983; 1974) where the author points the field and the disputes between the different agents and its capitals for the conformation of the space, from the instauration of the symbolic power. The citizenship while the right to have rights captivates or is shipwrecked there (Dagnino 2004). An analysis indicated constaints to the full accomplishment of the citizenship - either for the relation of favors that social segments keep with agents of the State and/or for not allowing the accomplishment of the dissent (RANCIRE, 1996), reason that restores the politics for accepting the difference. Such determinations only try consultations to the society and not right it to the deliberation. Doxa - represented for the sustainable development it saw mining if it struck on the elaboration of the Managing Plan, where the Metacapital (BOURDIEU, 1996, 1989) of the State comes being used to force the consensus, therefore negation of the politics (RANCIRE, 1996) and of the citizenship (DAGNINO, 2004

Words key: Social participation, Urban Planning, Managing Plan, Citizenship, Symbolic Power, Dissent.

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LISTA DE SIGLAS

ACIAC/CDL Associao Comercial Industrial Agropecuria e de Servios de Caet associada ao Clube de Diretores Lojistas ACS Agentes Comunitrios de sade BID Banco Interamericano de Desenvolvimento CFB Companhia Ferro Brasileiro CEF Caixa Econmica Federal CINDACTA - Centro Integrado de Defesa Area e Controle de Trfego Areo. CODEMA Conselho Municipal de Desenvolvimento e melhoria do ambiente de Caet. CONFEA Conselho Federal de Engenharia arquitetura e Agronomia DNPM Departamento Nacional de Pesquisas Minerais EMATER Empresa de assistncia tcnica e extenso rural do Estado de Minas Gerais EC Estatuto das Cidades (Lei 10257 de 10/7/2001). EIA Estudo de Impacto Ambiental FEAM Fundao Estadual do Meio Ambiente FRENAVRU - Frente de Vereadores pela Reforma Urbana FMI Fundo Monetrio Internacional IBRAM - Instituto Brasileiro de Minerao (IBRAM) IEPHA Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artstico de Minas Gearis IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional MC Ministrio da Cultura M.A.C.A.C.A. Movimento Artstico, Cultural e Ambiental de Caet MMA Ministrio do Meio ambiente NG Ncleo Gestor ( grupo responsvel pela elaborao do Plano Diretor, bem como sua divulgao junto sociedade.

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N-H-E - Natureza, Homem e Economia NOVACAP Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil ONGs Organizaes No governamentais OP Oramento Participativo PD Plano Diretor PLAMBEL Superintendncia de Desenvolvimento da Regio Metropolitana PMC Prefeitura Municipal de Caet

PPA Planejamento PlurianualRIMA Relatrio de Impacto ambiental RMBH Regio Metropolitana de Belo Horizonte SAEE Sistema Autnomo de gua e Esgoto. SEDEAMA Secretaria de Desenvolvimento Agricultura e Meio Ambiente de Caet SEDRU-MG Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Poltica Urbana UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura ZEE Zoneamento Econmico Ecolgico.

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SUMRIO INTRODUO...........................................................................................................................................1

1. ESPAO E POLTICA: O URBANO E A FORMAO DO CAMPO................................................201.1 O espao e sua instrumentalizao poltica...............................................................................20 1.2 A Cidade e seu espao social......................................................................................................30 1.3 - Espao urbano: Campo e Poder Simblico...............................................................................35 2. ESTATUTO DAS CIDADES E PLANO DIRETOR: (IM) POSSIBILIDADES REALIZAO DA CIDADANIA .......................................................................................................47 2.1 Urbanizao brasileira: da Reforma Urbana ao Estatuto das cidades ..................................48 2.2 O Plano Diretor no Estatuto das Cidades: histrico e proposies.........................................50 2.3 A trajetria de construo da cidadania ....................................................................................61 2.4 Desafios participao popular..................................................................................................75 2.5 Ampliando-se a Cidadania ..........................................................................................................78

3. O PLANO DIRETOR DE CAET: CAMPO, PROCESSO E AGENTES.............................................863.1 Caractersticas da formao espacial.........................................................................................88 3.2 A insero na RMBH via atividades tursticas e minerarias.....................................................96 3.3 - A construo do Plano Diretor: (im) possibilidades participao social............................107 CONSIDERAES FINAIS................................................................................ ..................................142 REFERNCIAS....................................................................................................................................152 ANEXOS................................................................................................................................................162

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INTRODUO

As metrpoles, ocupando por sua vez, o papel de sntese dos processos sociais tm revelado situaes de extrema escassez para a maioria de seus habitantes e absurda abundncia para uma minoria (DAMIANI, 2000). Processo que guarda em si uma radicalidade capaz de destruir a esperana de dias melhores e levar cada vez mais ao individualismo. A urbanizao somente atingir a universalidade a partir das aes populares, do conjunto da sociedade brasileira contra todas as formas de precariedades advindas da produo do espao homogneo, fragmentado e hierarquizado (LEFEBVRE, 2007, 2005), do estabelecimento de relaes sociais e polticas voltadas troca de favores (DAMIANI, 2000; CHAU, 2003), da verticalizao e tambm hierarquizao de relaes sociais (TELLES, 1999) que promovem o autoritarismo social (CHAU, 2003) despolitizando a sociedade que se v cada vez menos como sujeito, protagonista em sua histria. O Estado, sob as balizas do modelo neoliberal, tem sido cada vez mais institudo pelos poderosos enquanto simulacro de um poder que emana do povo e para ele sobrevive. Em verdade, como fonte de poder, comete absurdos, ultrapassa seus limites e se lana sobre todas as esferas da existncia, no somente para distribuir a riqueza socialmente gerada, mas para consolidar a apropriao de grande parte desta riqueza em atendimento a uma minoria. Os excludos da sociedade insurgem-se e contestam tal opresso vivenciada cotidianamente. E embora no Brasil a transcendncia deste autoritarismo se d lentamente (MARTINS, 1994), ela teima em acontecer. As reformas promovidas pela reforma constitucional de 1988 revelam-se como um destes momentos de esforo no rompimento com o autoritarismo social. O Estatuto das Cidades, Lei 10.257 de 10/7/2001 mais uma conquista da sociedade ao longo do processo de redemocratizao no Pas. Ele traz em seu bojo no somente os instrumentos para a desejada funo social da propriedade, mas tambm formas de gesto compartilhada entre Estado e sociedade. A operacionalizao desta gesto consagrada ao PLANO DIRETOR instrumento poltico e de planejamento. Neste sentido, tal instrumento enseja possibilidades de construo de um novo espao e uma nova sociabilidade. Muito embora, tambm possa, e, muitas vezes conduza consolidao de uma estrutura cristalizada por relaes de poder representativas de um arcasmo poltico identificado mesmo em metrpoles que buscam aspectos de modernidade. Em outras palavras a troca de favores, cujo clientelismo compromete o desejo de uma democracia mais igualitria.... Entretanto, como assinala Lefebvre (1999, p.126) [...] no nvel dos projetos e dos planos sempre existe alguma distncia entre a elaborao e a execuo. Sendo exatamente sob o aspecto das

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regulamentaes pelo planejamento que este trabalho quer apresentar uma outra leitura do Plano Diretor em contexto metropolitano, ultrapassando a aparncia da consolidao de um determinado modo de interferncia humano, poderoso e inconteste (Damiani, 2001, p. 50). O processo de urbanizao no Pas deu-se de forma mais acelerada a partir dos anos 50, acentuandose nos anos 80, posicionando o Brasil como um dos pases mais urbanos do planeta (SANTOS, 2001). Entretanto, o processo no se deu de forma pacfica, pois criou cises na cidade, a exemplo dos espaos legais e outros, ilegais (MARICATO, 2000). Migrantes do meio rural buscaram os centros urbanos com o sonho de melhor qualidade de vida, uma oportunidade para dar sentido e mant-la atravs da conquista de um posto de trabalho. Tamanha presso sobre o ambiente das cidades levou o Estado a mobilizar-se. Seja para atender aos empresrios do ramo imobilirio, da construo civil, e, mesmo de outros segmentos industriais que necessitam acomodar sua fora de trabalho, em busca de ampliar seus lucros, seja pela presso exercida pelos movimentos sociais que passaram a lutar com maior vigor, a partir dos anos 70. Para Villaa (1999) esta resposta no se fez em termos do que se pode considerar como planejamento urbano: as aes seriam muito pontuais, restritas organizao do espao e com um horizonte limitado, s cidades, embora tenha sido defendido pelo Estado enquanto tal. Tem incio no Pas, neste momento, a mobilizao pela construo de um novo momento, de uma verdadeira cidadania. Neste momento, nos governos locais, por sua vez, so desconhecidas as peties coletivas, atendendo-se de forma parcelar, conforme suas convenincias instala-se assim a poltica clientelista (DINIZ apud SILVA, 1993). Divide-se o Estado para de um lado, atender aos anseios de acumulao capitalista e de outro, acomodao das demandas da sociedade aos primeiros, tais como assistncia mdica-previdenciria, poltica habitacional, saneamento e transportes. Um dos instrumentos de negociao, que naquele contexto poderia ser considerado como controle de contendas, o Plano Diretor torna-se simplificado nos anos 70 (VILLAA, 1999). Se antes continham diagnsticos, levantamentos mais aprofundados passaram nesta poca a tornaram-se Planos sem mapa - confeccionados sob o signo da simplicidade e da ausncia dos diagnsticos tcnicos de outrora. Esclarece o mesmo autor que estes planos so na verdade objetivos, polticas e diretrizes sendo o detalhamento realizado posteriormente. O que parece apontar para a inteno de somente oferecer satisfao sociedade do que se planeja realizar e com isto amenizar as presses sobre reformas. Neste contexto, alguns segmentos da populao j alijados de suas mnimas garantias esforam-se em encontrar formas de transpor estas inmeras barreiras construo de uma verdadeira cidadania e encontram os velhos centros que outrora apoiavam suas lutas em crise. Sader (1988, p. 10-11) interpreta o momento: Referido Igreja, ao sindicato e s esquerdas, o novo sujeito neles no

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encontra o velho centro.... so instituies em crise[...] crise que se revela como um distanciamento de seus respectivos pblicos. Mas, trata-se de centros que se desfazem e se reconstroem sob novos discursos e prticas a partir dos movimentos sociais, seus sujeitos (SADER, 1988). Na Igreja desenvolve-se a Teologia da Libertao que quer ver no cotidiano as premissas do evangelho catlico, os sindicatos querem alar autonomia em suas aes, negando a tutela do Estado ou dos Partidos polticos. A esquerda tem seu iderio questionado no plano internacional e no Brasil vrios militantes passam a dedicar-se a prticas voltadas educao popular desenvolvida por Paulo Freire (SADER, 1988). Os movimentos sociais tambm se insurgem contra o favorecimento, a negociao em troca de votos (CHAU, 1988). Estes sujeitos se apiam, politizam o cotidiano e exigem que se concretizem seus direitos s melhores condies de vida e no apenas acesso a servios. Sob o clima do reconhecimento de direitos, da redemocratizao do pas, consolida-se uma pauta de pleitos a ser apresentada ao Congresso Constituinte que combatia um modelo de urbanizao que lanara grande parcela da sociedade brasileira na clandestinidade, ou seja, na informalidade, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana MNRU (MARICATO, 1994). Esta pauta compunha-se de demandas em relao propriedade imobiliria urbana, buscando-se o valor social da propriedade e o respeito cultura; a melhor qualidade scio-ambiental das moradias; poltica habitacional, enquanto forma de acesso moradia digna e maior participao da populao na gesto da cidade. Visando consolidar o espao de atuao junto ao Estado, resgatando possivelmente o poder que lhe fora tomado, ou impedido de ser exercido, a sociedade, representada pelos sujeitos coletivos - os movimentos sociais - mudam sua postura, sua estratgia. Aproximam-se mais do Estado, passando tambm a institucionalizar suas prticas. (PEREIRA, 2001) Criam-se novos canais como fruns, redes, conselhos e outros espaos que articulam demandas da sociedade junto ao Estado e ampliam o canal de contato deste com a sociedade. Em 1988, a reforma constitucional apresenta ao pas, a constituio cidad (CARVALHO, 2002) na qual a poltica urbana tratada de modo - ou pelo menos se prope a - que a propriedade exera sua funo social de abrigar os cidados de forma digna. Para tal, elegeu o Plano Diretor como instrumento maior para dirigir a poltica de desenvolvimento e expanso urbana. Tal instrumento somente veio a ser regulamentado, quase 13 anos depois - Lei 10.257 de 10/7/2001, Estatuto das Cidades EC - como uma via de possvel mudana. Entretanto, foram tecidas inmeras crticas ao legislador que consagrou o Plano Diretor como instrumento bsico da poltica urbana, uma vez que outros instrumentos j estavam contemplados em muitas leis orgnicas de vrios municpios (COSTA, 1992). Entende-se que o Plano Diretor um importante instrumento para o [...] necessrio equacionamento da soluo desejada, mas no o nico, nem o principal (COSTA, 1992, p. 114). Lacerda et al (2005)

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tecem consideraes s possveis conformaes do instrumento; ele tanto serve como plano geral de desenvolvimento quanto de ordenamento territorial. As reflexes de Costa (1992) e Villaa (2005) nos levam a compreender que setores tcnicos e mesmo a sociedade ter dificuldade em conceber o Plano Diretor como uma possibilidade de democratizao de acesso ao espao urbano de melhor qualidade. Entrementes, o Estatuto das Cidades insiste no compartilhamento da gesto do territrio, assegurando populao o direito manifestao, chegando inclusive a recomendar que se utilizem outras linguagens que no a exposio ou informao textual. Sugere-se pela via da manifestao artstica o envolvimento do cidado no processo, apontando a arte, a msica, a religio, a expresso corporal e at mesmo a propagao das histrias vividas como momento de mobilizao, divulgao do Plano Diretor (PINHEIRO E ROLNIK, 2005). Entretanto o Plano Diretor somente reflete-se sobre a cidade e a sociedade que abriga a partir de sua aprovao e implementao. Esta nova etapa do planejamento urbano no anular os conflitos, as prticas arcaicas ou modernas, democrticas adotadas em sua elaborao. Porm revelar-se- quem sabe como uma possibilidade de democratizao da prpria sociedade (TELLES, 1999) e mesmo do compartilhamento do poder decisrio do Estado (BAVA, 2000). A construo que se fez at aqui vem delimitar os liames da relao Sociedade Civil e Estado na construo da cidadania, ou seja, do direito a ter direitos (DAGNINO, 2004). Em conformidade com as proposies do Estatuto das Cidades, materializadas na proposta do Plano Diretor Participativo1, identifica-se no processo a (im) possibilidade de compartilhamento da gesto democrtica da cidade. Tal arena pode servir ao pleno exerccio dos direitos de cidadania, entretanto como expe o historiador Jos Murilo de Carvalho (2002), a cidadania embora possa ser polissmica e venha sendo utilizada algumas vezes at levianamente (pode-se acentuar), tem como cerne 3 caminhos para assegurar a liberdade do indivduo: os direitos polticos, civis e sociais. Como preceitos jurdicos, o indivduo teria assegurada a liberdade de exprimir-se, de mobilizar-se em torno de uma causa, sendo sua liberdade tolhida somente a partir de um processo legal com amplo direito defesa e tambm, asseguradas as condies sociais de sua reproduo social; sade, educao, habitao, ambiente salutar, lazer, locomoo, dentre outros. Aprofundando os sentidos da cidadania conquistada, dialoga-se com a cientista poltica Dagnino (2004) a cerca do deslocamento de sentidos protagonizados pelo projeto neoliberal que graa no Pas e o projeto de cunho democrtico que vem se debatendo junto a fraes subalternas da sociedade - que se concede cidadania. Esta se movimenta entre uma aspirao social

1 Titulao oferecida pelo Ministrio das Cidades - MC, a partir de sua criao em 2003, veiculada no Kit das Cidades, principal material de apoio aos municpios e entidades que se dedicam elaborao do Plano Diretor, constando de cartilhas, manuais, cartazes e vdeos explicativos.

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a que se possa romper com as fronteiras do autoritarismo social assegurando aos indivduos a possibilidade de poderem atuar como sujeitos scio-polticos e construrem novos espaos de dilogo e nova sociabilidade. Entre constrangimentos causados por parte do projeto neoliberal que apregoa a insero no mercado como sentido para esta cidadania que j no consegue realizar-se no mbito das aes de um Estado cada vez mais reduzido, submisso se realiza fragmentria e precariamente. As reflexes da filsofa Chau (1994) favorecem o entendimento do boicote ampliao das arenas de manifestao da vontade popular e participao da/na coisa pblica. A inflexibilidade da sociedade cindida em classes que se digladiam, que no se reconhecem como legtimas para exercerem os direitos assegurados pelo ideal democrtico - frtil aos propsitos neoliberais. Estes se vem realizados pela supresso cada vez maior das instncias de debate sobre o pblico e o privado, inibindo a emancipao, o protagonismo j que se relacionam com seus governantes como se fossem enviados para salvar a ptria (CHAU, 1994). Numa sociedade, na qual mesmo exercendo a vontade pelo voto, cr-se que os direitos so objetos de reconhecimento gracioso pelos governantes, e o ato de ser consultado valha como deliberao cria-se grandes barreiras concretizao do ideal da plena cidadania. Tais deliberaes da sociedade influem na construo morfolgica e social da cidade. Lefebvre, reconhecido mundialmente por sua numerosa e profunda anlise da sociedade e o espao que produz esclarece que o espao poltico e instrumental, tendo tornado-se por inteiro em mediador da reproduo das relaes de produo capitalistas, tornando-se, pois poltico (LEFEBVRE, 2005; 1999). A cidade , pois, mediao entre as mediaes, local de encontro e reunio dos opostos, dos diferentes, portanto, local de embates. (LEFEBVRE, 1991), embora sob a gide do neocapitalismo tenha sido instrumentalizada enquanto produto, mercadoria a se repetir para consumo do lugar (LEFEBVRE, 1991). Fruto da elevao da esfera financeira at mesmo captura do cotidiano, tem-se na cidade o embate constante de grupos que querem subordinar os espaos s relaes de troca. O processo de elaborao do Plano Diretor vai se dar neste espao. A sociologia disposicional e relacional de Bourdieu (1989, 1996a) elucida a disputa pela construo de categorias de di-vises realizadas por aqueles que se arvoram em firmar distines, promover fragmentaes, subordinaes de parcelas da sociedade por meio do Poder Simblico. Este assegura a seus detentores a consagrao enquanto dominantes, isto , legtimos e competentes para discursar sobre a realidade, de tal modo que o fazem no pela fora fsica, mas por outra forma de violncia, a simblica ( BOURDIEU, 1989, 1996a). Este poder no absoluto, est sempre em disputa, pelos dominados, os que buscam ampliar sua competncia para elaborar a heterodoxia que por si, outra forma de poder simblico. Dominantes e dominados (BOURDIEU, 1989) produziro seus discursos pelo espao, pela cidade, mediao entre as mediaes (LEFEBVRE, 1991).

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Objetivos e justificativas

Esta pesquisa objetiva contribuir com reflexes a cerca da relao sociedade e Estado - sob o ngulo da participao social - enquanto exerccio pleno da cidadania - no processo de elaborao do Plano Diretor (instrumento legitimado pela Constituio Federal de 1988, art. 182 1, como instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e expanso urbana). O processo de construo do Plano Diretor do municpio de Caet - iniciado em fevereiro de 2006 e submetido aprovao da Cmara dos Vereadores em 19/9/2006 que o aprovou em 5/6/2007, aguardando somente a sano do Executivo, constitui-se processo relevante para o propsito da pesquisa. Postulava-se nos primrdios da pesquisa que a exigidade de tempo para concluso do processo como previsto no EC levaria os agentes do Estado a empenharem-se em conclu-lo em prazo legal, ou seja, em 10/2006. Mesmo tendo-se em considerando os limites do Plano Diretor como instrumento poltico de gesto do espao urbano (VILLAA, 2005; Maricato, 2000) e a imposio legal de sua efetivao, impondo-se penalidades aos prefeitos e vereadores que no o realizarem tal processo revelou-se aos olhos do pesquisador enquanto processo no desprezvel. Inclusive por significar um dos momentos no qual vrios segmentos da sociedade de Caet-MG poderiam dialogar consigo mesmos, ao se debruar sobre a cidade: suas riquezas, as carncias, espaos e prticas opressoras. Trata-se de um processo que para melhor ser compreendido demanda reflexes dos vrios saberes, opondo-se fragmentao da cincia, to combatida por Lefebvre (2007, 2005, 1999). No mbito da Geografia, onde esta pesquisa se fez, encontram-se consistentes reflexes a cerca das relaes que o homem desenvolve no ambiente onde vive (MORAES, 1994) revelando-se a dialtica relao entre o ser humano com a cidade, espao da manifestao de sua existncia (CARLOS, 2001; DAMIANI, 2006). Milton Santos (2002a) um dos grandes expoentes mundiais da geografia prope uma nova geografia entendendo que o ser humano, de forma no totalitria, vem se conscientizando de que parte de seu sofrimento reside nas prprias transformaes que realiza no espao. Seu entendimento do que significa o espao objeto de estudo privilegiado na Geografia - esclarecedor e muito pertinente ao que se busca nesta pesquisa:O espao deve ser considerado como um conjunto de relaes realizadas atravs de funes e de formas que se apresentam como testemunho de uma histria escrita por processos do passado e do presente. [...] verdadeiro campo de foras cuja acelerao desigual. Da porque a evoluo espacial no se faz de forma idntica em todos os lugares. (SANTOS, 2002a, p. 153)

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As bases ticas em que se desenvolve a cincia e o constante dilogo com as demais reas do conhecimento, tm a seguinte interpretao para esse autor:Quando a natureza se torna social, cabe geografia perscrutar e expor como o uso consciente do espao pode ser um veculo para a restaurao do homem na sua dignidade. Os gegrafos, ao lado de outros cientistas sociais, devem se preparar para colocar os fundamentos de um espao verdadeiramente humano, um espao que uma os homens por e para seu trabalho[...] (SANTOS, 2002a, p. 267)

Entretanto, a guisa de contribuies de outras cincias, considera Hissa (2002) - autor de A mobilidade das fronteiras - inseres da geografia na crise da modernidade que a socioespacialidade, ou o conhecimento socioespacial construdo a partir da aproximao de saberes, da ruptura de fronteiras interdisciplinares (HISSA, 2002). Refletindo sobre a geografia no sculo XXI, Manoel Correia de Andrade (1994) aponta as contribuies da geografia a que se preserve a identidade cultural e a boa qualidade de vida, respeitando-se as idiossincrasias. Estas se dariam nos seguintes termos: [...] os gegrafos no podem ser excludos desta responsabilidade, a fim de que dem uma contribuio que se estenda em duas direes, uma horizontal o espao e outra vertical o tempo (ANDRADE, 1994, p. 15). Este compromisso ultrapassaria aos prprios interesses e se dirigiria busca de solues para sociedade, prioritariamente (ANDRADE, 1994). Ruy Moreira (2006) buscando contribuir na elaborao de uma epistemologia crtica para a Geografia, rompendo com vises fragmentrias, segundo o qual, teria a cincia se fixado ao esquema N-H-E, relaes entre Natureza, Homem e Economia, como um esquema capaz de a tudo interpretar. Conduz, pois a se abrir novos horizontes para o olhar geogrfico atravs do vislumbrar da distribuio ao invs da localizao, conferindo dinamismo ao espao. Carlos (1994) de forma esclarecedora aponta as transformaes sofridas na cincia geogrfica a partir dos anos 60, no Brasil, poca em que os esforos dirigiam-se muito mais ao planejamento do que a oferecer respostas s inquietaes tericas. Nas reflexes que tece, a autora relata um momento vivido na geografia quando o espao era visto como palco das aes humanas, dissimulando-se as contradies da existncia, enfocando-se muito mais a localizao e a descrio, ou seja, preocupavase mais com as disposies do espao. Ao final da dcada de 70, surgem novas inquietaes e o fazer-se da geografia avana para novas prticas. Essas se voltam tanto produo terica, fruto de um novo olhar sobre o espao, um olhar crtico, quanto prpria postura, ao agir do gegrafo. Se antes era apregoada a postura fria e distante do pesquisador, nas novas bases, a atitude do sujeito cognoscente de entrosamento realidade, ao invs do distanciamento (CARLOS, 1994). Reflexo

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desta nova concepo do homem e da produo que realiza do espao, tornando o espao, humano, relata a autora, a evoluo da concepo de cidade. Segundo Carlos (1994, p. 160) De organismo funcional passa a ser entendida, a partir da idia de trabalho materializado, enquanto elemento de uma totalidade espacial, marcando o limite entre a cidade e o urbano. A cidade passa ento a ser analisada como lcus da produo; reproduo da fora de trabalho e a interao da existncia humana com todas as contradies que abarca. Mudana que se faz da organizao racional do espao para a produo do espao, espao geogrfico, produto da sociedade, portanto, espacializao das relaes sociais. Abarca tal mudana de concepo a considerao dialtica relao homem e natureza, natureza que histrica, socializada. Dirigem-se as pesquisas ao espao como objeto a investigar, no compromisso de a partir de uma postura crtica, construir as bases de uma sociedade mais democrtica, mais justa e respeitosa da vida em suas vrias manifestaes. parte as crticas feitas predisposio em se fazer uma cincia sntese, importa ao contexto deste trabalho o fato da Geografia ter por objeto o espao, o tempo e a sociedade dinamicamente transformando-o. Assim, tornase pertinente considerar que a complexidade do mundo moderno exige da Geografia um dissipar para

alm de si mesma e de uma leitura descritiva,A questo sermos gegrafos para tentar compreender o papel da organizao do espao na sociedade, tendo em vista a compreenso desta sociedade e, ao mesmo tempo, sermos gegrafos para a produo de um conhecimento que nos permita transformar a realidade. (GONALVES, 1987: 25)

E o Plano Diretor no poder vir a se constituir num desses momentos de transformao?

Questes norteadoras

O espao, produto da sociedade, humanizado, espacializao das relaes sociais oculta, dissimula contradies. Para Lefebvre (2007; 2005), o espao tem se tornado sob a gide do neocapitalismo, instrumento, revelando o aspecto poltico em sua produo. Instrumentalizao que muito mais voltada dominao (CHAU, 2003) do que convivncia das diferenas, ou seja, impedimento ao dissenso (RANCIRE, 1996). Sendo o Plano Diretor, instrumento consagrado gesto coletiva do espao urbano, pela Lei 10.257 de 10/7/2001, revela-se como processo potencialmente capaz de

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convergir os olhares sobre o espao urbano, configurando-se em um campo (BOURDIEU, 1989) de disputas para a conformao da cidade. Almeja-se ao refletir sobre o processo de construo do Plano Diretor em Caet, elucidar criticamente (LEFEBVRE, 2007, 2005, 1999, 1991; CARLOS, 2006, 2001) as bases nas quais se constituram as (im) possibilidades participao social.

Metodologia

Inicialmente, apontam-se as razes pelas quais a questo de pesquisa foi escolhida pelo pesquisador, a seguir apresentado o direcionamento metodolgico adotado, bem como a organizao dos contedos que compem os captulos da presente dissertao. Consideraes a respeito da escolha do objeto de pesquisa O pesquisador atuou como psiclogo social em processos de execuo de programas scioambientais no contexto de instalao de empreendimentos hidreltricos, em Minas Gerais, tendo vivido com comunidades que sentiriam o efeito da transformao de seu territrio e conseqentes alteraes em seu modo de reproduo scio-cultural. E embora os estudos de impacto ambiental contemplem muito superficialmente, quando o fazem, ou somente esbocem as reaes, sentimentos, concepes da sociedade sobre tais aes, estes no so atualizados durante a implantao de tais empreendimentos e se o so, ocorrem sem maior aprofundamento. Constitui para o pesquisador, como motivao para a investigao, a viso de cada morador, de cada produtor rural, criana, jovem, homens, mulheres, deficientes fsicos sobre as alteraes que neste contexto se verificavam: aflio, angstia, sensao de perda irreparvel, medo, luto, alegria pela mudana, expectativa de renovao de seus projetos pessoais. O que cada um visualizava em sua vida a partir daquela experincia, o que estaria sentindo e os sentidos que passava a construir sempre estiveram entre minhas indagaes. At setembro de 2005 vinha-se pesquisando a respeito da relao que estabelece a sociedade com o ambiente, porm em circunstncias nas quais as determinaes sobre o ambiente j se encontravam definidas. Em se tratando de reas preservadas, por exemplo, onde os rgos ambientais dirigem-se sociedade, via de regrar, para somente inform-la da nova realidade, j que o poder de decidir sobre o uso do territrio pertence ao Estado, ou seja, de cima para baixo.

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O grande interesse que despertou o contexto de Caet reside no fato de ser possvel identificar a possvel insero, ou afastamento da participao popular na definio dos usos, apropriaes, enfim, da produo do espao, suas contradies, os constrangimentos e tambm as alianas, a solidariedade, a alteridade que construda para superar as limitaes da ao do Estado. Muito embora o processo de elaborao do Plano Diretor no seja totalizante, ou seja, no represente uma ao que v dar conta de toda a assimetria que existe na produo da cidade e na extenso das relaes capitalistas de produo ao cotidiano. Mesmo considerando que outros processos ocorrem simultaneamente, s vezes at superpondo ou sobrepondo a elaborao do Plano Diretor, e ainda levando em conta, os limites delineados no Estatuto das Cidades EC, sua construo e implantao, sugere o possvel exerccio de manifestao da vontade popular. Considera-se que seja um processo bastante significativo, embora criado a partir de um instrumento legal, a Lei 10.257 de 10/7/2001, a qual estabelece prazos para concluso e punies. Considerou-se tambm como um aspecto facilitador, o fato deste processo - sob o prisma dos desdobramentos sobre a sociedade, envolvendo sua participao - encontrar-se em fase inicial, o que poderia facilitar a compreenso de como se realizam as atuaes dos diversos segmentos sociais em seqncia imediata ocorrncia dos fatos. Com isto, estariam mais ntidos na memria de cada sujeito nas mais diversas formas de interao com o processo - os vrios momentos polticos em que o processo se desenvolveu. E ainda, o acesso a documentos, registros, folders, materiais publicitrios, mdia impressa e sonorizada se fariam com maior profundidade, pois em muitas gestes municipais os arquivos so preteridos, relegados e at destrudos. 2 O acesso ao municpio de Caet

No primeiro contato3 no contexto da pesquisa, em Caet, em fins de outubro de 2005, o Senhor Secretrio da SEDEAMA, recentemente empossado (outubro de 2005) explicitou as necessidades de sua pasta, em relao ao andamento dos trabalhos subsidirios ao processo de construo do PlanoMesmo em Caet j se fez uso da queima de registros anteriores afim de no haver contribuies de uma gesto que lhe sucede, ou mesmo, para apagar testemunhos de atos corruptos, perseguies polticas e outros objetivos escusos. 3 O acesso ao campo (em 26/10/2005) foi acompanhado dos professores do Instituto de Geocincias IGC, Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, Professor Roberto Valado e Professora Doralice Barros Pereira, alm de um dos mestrandos do Professor Roberto, Sr. Alexandre Alby. Tal visita partiu de convite do Professor Roberto Valado pesquisador que j vem atuando na regio no mbito da pesquisa em hidrologia e geomorfologia. Neste primeiro encontro realizou-se contato com o diretor do Sistema autnomo de gua e Esgoto - SAAE, autarquia vinculada Prefeitura Municipal de Caet e o secretrio coordenador da SEDEAMA Secretaria de Desenvolvimento, Meio Ambiente e Agricultura.2

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Diretor no municpio. Apresentou este, seu planejamento que consta de: zoneamento econmico ecolgico do municpio; pesquisa socioeconmica na rea urbana e rural; a posterior discusso com as sete regionais na qual o municpio foi dividido para atuaes no contexto do processo e, sobre o trabalho desenvolvido e o entendimento da populao a respeito das decises tcnicas. A princpio, manifestou que dentre estes trabalhos, a pesquisa socioeconmica seria a mais urgente contribuio ao processo de elaborao do Plano Diretor. Em seu planejamento, o secretrio havia estruturado a pesquisa socioeconmica, contando, em sua execuo, com os Agentes Comunitrios de Sade (ACS) - profissionais que realizam os trabalhos de acompanhamento da sade dos habitantes, no mbito do Programa de Sade da Famlia PSF4. Tal proposta se fez constar do Termo de referncia, firmado entre o municpio e o Ministrio das Cidades - MC que endossou liberao de recursos para as aes do Plano Diretor junto UNESCO. O secretrio solicitou cooperao, no sentido de que fosse realizada uma atualizao do questionrio que os ACS j vinham aplicando junto populao, quando de suas rotineiras visitas voltadas s aes de sade da famlia. Em paralelo, solicitou que o autor desta dissertao, baseado em sua experincia com pesquisa socioeconmica e a formao em Psicologia, acompanhasse os ACS em suas visitas aos muncipes. Tal intento - acreditava o Senhor Secretrio - favorecia a abordagem a ser concluda pelos ACS, levando a facilitao na obteno das informaes que se demandava para a elaborao do Plano Diretor. A partir daquele momento passou-se a colaborar com a pesquisa socioeconmica j em operao. Agendou-se a prxima reunio para 8/11/2005, na SEDEAMA, aonde estas j vinham acontecendo com freqncia semanal. Porm, a tarefa era mais ampla. Pediu-se simultaneamente auxilio SEDEAMA no levantamento que tentavam realizar junto s secretarias, qual seja a agenda de cada rgo: suas dificuldades e seu planejamento, atravs de um levantamento mais sistematizado com a aplicao de questionrios e entrevistas aos secretrios e seus assessores chave. Realizou-se uma visita Secretaria municipal de educao, em novembro de 2005. Em janeiro de 2006 foi realizado um breve contato com a Secretaria de Administrao, mas que no se converteu num contato mais formal. Para as referidas reunies eram convocados os assessores de todas as Secretarias para tratarem do processo de elaborao do Plano Diretor. As bases em que esta participao se deu restringiram-se a contribuir no melhoramento do questionrio socioeconmico da SEDEAMA, no sentido em que esta Secretaria buscava maior e melhor conhecimento sobre os problemas ambientais do municpio. Almejava-se tambm conhecer a4 Este programa financiado pela Unio, mas, sua administrao est a cargo dos municpios Caet-MG conta com uma cobertura de 85% do territrio.

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percepo de seus habitantes em relao identificao destes problemas e vocao econmica do municpio, e mesmo seu conhecimento/expectativas a respeito do Plano Diretor (ANEXO N). Neste movimento pode-se abstrair uma tendncia elaborao de um diagnstico rpido, mas se mostrando totalitrias no desejo de abarcar realidades, nem sempre abstradas instantaneamente do processo de vida de diferentes segmentos sociais municipais. As informaes obtidas subsidiariam os trabalhos realizados nas oficinas do Plano Diretor, quando da leitura popular da realidade, segundo proposio desta Secretaria. Este assunto detalhado em outro momento desta pesquisa. E ainda, para tal tarefa, necessitava-se que os ACS fossem acompanhados em suas visitas domiciliares. Esta interessante oportunidade se configurou favorvel aos propsitos da pesquisa, posto se tratar dos primeiros contatos com as manifestaes da populao e seu desconhecimento a respeito do que implica e se constitui um Plano Diretor ademais da possibilidade de participao. Adaptando-se o questionrio (ANEXO N) da pesquisa socioeconmica aos objetivos da SEDEAMA, iniciaram-se as visitas efetuadas pelos ACS junto populao a partir de 13/12/2005. Neste nterim, buscou-se contato com outros agentes do Estado que interagem no municpio, como Emater, Ministrio Pblico, outros integrantes da Prefeitura, supervisores dos postos de sade. O acompanhamento se dava medida que os supervisores de sade de cada posto de sade municipal - o que equivale a uma regional apresentavam SEDEAMA dificuldades de sua equipe. Tal acompanhamento no foi possvel a todas as regionais e mesmo rea rural. Dada a concentrao da populao na rea urbana, o processo de pesquisa iniciou-se nesta, em 12 de dezembro de 2005 para ento avanar para os distritos em suas reas urbana e rural. Nos distritos o questionrio teria de sofrer nova reviso, no que no foi possvel contribuir. Com a evoluo dos trabalhos de apoio SEDEAMA observou-se que as necessidades desta Secretaria de apoio aos processos internos vinculados s aes do Plano Diretor, uma delas a pesquisa socioeconmica, eram volumosas. Tornou-se invivel ao pesquisador, ampliar sua colaborao para alm do que vinha realizando, pois, a um pesquisador, ainda que em dedicao integral a seus estudos sejam atribudas outras demandas que esto para alm do contexto enfocado pela pesquisa. Pode-se observar que na realidade, esta Secretaria necessitava de um profissional que coordenasse a pesquisa socioeconmica, inclusive a estruturao dos dados em relatrios, trabalho que por si s absorveria totalmente a ateno de quem a ele se dedicasse. Foi preciso ento esclarecer que enquanto pesquisador a atuao seria possvel respeitando-se alguns critrios. Um deles limita o tempo de atuao, dado que a pesquisa no se limita atuao somente dos sujeitos coletivos legalmente responsveis pela estruturao do pacto que consolida o projeto de lei do Plano Diretor a ser aprovado pelo Legislativo, mas tambm a populao. Outro critrio diz respeito

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necessidade de o pesquisador realizar seus trabalhos de pesquisa acadmica, e inclusive, participar de eventos cientficos que abordem temas atinentes pesquisa. Deste modo, foi esclarecida SEDEAMA, em fins de maro de 2006, a necessidade de o pesquisador redimensionar a cooperao que vinha realizando junto quela secretaria. Diretrizes tericas

As respostas aos questionamentos objeto desta pesquisa so elaboradas a partir da contribuio multidisciplinar, ressaltando-se as contribuies da Geografia, da Sociologia, da Psicologia, da Cincia Poltica, da Filosofia, do Planejamento urbanstico e do Direito urbanstico. O direcionamento tomado no mbito da Geografia o da construo da urbanizao crtica consoante s elaboraes de gegrafos que lidam com o planejamento urbano. Bem como as reflexes do filsofo Henri Lefebvre que do conta da dimenso poltica da cidade enquanto mediao das mediaes, local de embate das diferenas, dos contraditrios. Tal como prope Lefebvre (2007; 2005; 1999; 1991) toda pesquisa ou definio da c espao demanda a conceituao do espao. Nesta pesquisa, adotam-se as definies desse autor, segundo as quais, o espao: resulta do trabalho e da diviso do trabalho, portanto, objetivao do social; engloba os objetos produzidos, sendo assim, funcional; como meio, instrumento um mdium entre a concepo mental, social, filosfica e a realizao destas concepes, revelando-se produto social e lugar dos produtos. Como instrumento de mediao caracteristicamente ideolgico, porque nele se realizam propsitos de fraes da sociedade, e tambm saber, por abrigar, revelar representaes dos seres humanos. Com base no acima exposto, Lefebvre (1999) v a cidade como uma obra privilegiada, resultando sua morfologia e as relaes sociais dos modos de produo que a produziu. Tempo e espao so apropriados, pois conforme essas determinaes, embora tambm haja apropriaes de tempo e espao para a festa, o ldico, o cio, o prazer. Nestas bases esta pesquisa compreende o Plano Diretor como processo que aglutina vises, representaes do espao. O dilogo com outros autores no mbito desta cincia levou em considerao essa premissa, considerando-se o Plano Diretor, instrumento poltico do planejamento urbano como possibilidade de avano democracia, participao social, embora no se omitam as contradies prprias extenso das relaes capitalistas de produo ao cotidiano. Embora no se tome o Plano Diretor como vetor totalizante das transformaes sociais e espaciais e no obtenha a mnima credibilidade por parte de alguns pesquisadores (VILLAA, 2005; 1999,

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MARICATO, 2000) - no se despreza a ateno que a ele dirigem, tanto os agentes hegemnicos, como os dominados, aqueles que tecem o discurso contrrio. Lefebvre (2007; 2005; 1999) considera o mtodo dialtico como o mais profcuo ao conhecimento da cidade e suas contradies. Concebe-se que o dilogo com a sociologia relacional e disposicional de Pierre Bourdieu (1996a, 1996b, 1989) enriquecedor no sentido de elucidao dos interesses, disputas e estratgias adotadas pelos vrios agentes a fim de implantar a doxa: poder de criar di-vises, de formar grupos e construir cdigos, enfim, construir e fazer valer a viso sobre a realidade, o Poder Simblico. Direcionamentos adotados A construo do objeto de pesquisa uma tarefa que se faz paulatinamente, num movimento do olhar do observador sobre a teoria e seu objeto de pesquisa. Como expe Bourdieu (1989) tal processo no se realiza de uma s ao. Resulta de consecutivas aproximaes, de correes, retoques sucessivos, e mais, do uso de variados instrumentos de acesso ao objeto pesquisado. Nas palavras de Bourdieu (1989, p. 26) [...] a pesquisa uma coisa demasiado sria e demasiado difcil para se poder tomar a liberdade de confundir a rigidez, que o contrrio da inteligncia e da inveno, com o rigor [...] o que limitaria a utilizao dos variados instrumentos construdos pelas demais cincias. Nesse sentido adotou-se a pesquisa bibliogrfica, sem pretenso de esgotar a extensa produo tanto no contexto da Geografia, como no das demais cincias. Foram consultados os arquivos da prpria Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG; da Assemblia Legislativa de Minas Gerais; do municpio de Caet; Fundao Joo Pinheiro. O levantamento bibliogrfico atende as necessidades de embasamento terico da pesquisa delineando os possveis encaminhamentos e os instrumentos que a cincia desenvolveu at o presente para elucidao da problemtica pesquisada, assim como atualiza o pesquisador5 favorecendo o estabelecimento de uma metodologia mais eficaz e exeqvel. As fontes referenciadas guardam no somente contedos tericos, mas tambm a memria de processos

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No 2 semestre de 2006 - atendendo indicaes da Banca que qualificou o projeto para sua etapa final, em 7/2006 concluiu o pesquisador, 2 disciplinas junto ao Programa de Ps-Graduao do IGC-UFMG. Planejamento e gesto urbanoambiental tratou da atualizao sobre o planejamento urbano e suas interaes com as temticas ambientais evidenciando o papel dos diversos atores, contribuindo para o amadurecimento da viso crtica sobre os instrumentos do planejamento urbano e as tendncias atuais, nacionais e internacionais. Trabalho orientado: Espao e reproduo social na obra de Henri Lefebvre II voltou-se anlise das determinaes do sistema neoliberal vem lanando sobre o espao por meio da verso em traduo ( pelos professores Doralice Barros Pereira e Srgio Martins) para o portugus do original: La production de lespace. 4e ed. Paris: ditions Anthropos, 2000). As discusses em torno da obra com o aporte de outros autores contriburam para a interpretao inclusive de outras obras do mesmo autor que embasam esta pesquisa.

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correlatos. A UFMG, bem como a Fundao Joo Pinheiro exemplificam tal contribuio. A Assemblia Legislativa oferece em seus arquivos a viso do mbito do Legislativo, portanto, no mundo das leis sobre o planejamento urbano, alm de ser a entidade que discutir e aprovar o Plano Diretor Metropolitano. J a Fundao Joo Pinheiro reflete a experincia que possui junto administrao pblica, possuindo relatos sobre a elaborao do planejamento urbano, mas tambm acervo terico. Em Caet os arquivos de sua biblioteca municipal so esparsos, a administrao pblica bastante burocratizada na atual gesto e mantm as informaes sob rdeas curtas. Os stios eletrnicos de rgos oficiais consultados, como: Ministrio das Cidades, Cmara dos Deputados, Assemblia Legislativa, Instituto Estadual de FlorestasIEF e Cmara Municipal de Caet apresentam a viso oficial, instituda do planejamento urbano. O acesso via meio eletrnico facilita no somente a visualizao do discurso do Estado, mas tambm o acesso e obteno de documentos ( leis, pronunciamentos, cartilhas) e aos prprios agentes do Estado. Procedeu-se ainda avaliao de documentos oficiais (atas, leis, panfletos, publicaes em jornais locais) voltada construo do discurso oficial o qual foi contrastado com as prticas verificadas assim permitindo vislumbrar as contradies e estratgias. Ainda estenderam-se esta avaliao aos veculos extra-oficiais, como jornais, panfletos, folders e outros veculos de comunicao que abordassem estritamente o Plano Diretor e temas correlatos. Esses contemplam tambm as crticas da sociedade, outras interpretaes do processo que no a dos agentes coordenadores. O registro das observaes decorrentes do pesquisador a respeito do processo consoante participao em eventos, em Caet-MG, voltados especialmente elaborao do Plano Diretor como: oficinas de esclarecimento e trabalho com a comunidade, reunies privativas do Ncleo Gestor, audincias pblicas, reunies na Cmara Municipal constituiu-se em instrumento metodolgico para a anlise do processo. E ainda a participao em demais eventos pertinentes aos temas tratados, tais como: debates programados na Assemblia Legislativa de Minas Gerais; eventos acadmicos e cientficos. Segundo Tittoni e Jacques (2002) nos anos 90, a Psicologia Social - embasada nas crticas de Morin (1986): questionamento objetividade, verdade-absoluta pretendida para se obter o status de cincia; iseno poltica do pesquisador e distino entre questes tericas e empricas abre-se ao exerccio de mltiplas formas de conhecer a realidade. So amenizados os atritos que geram tenso entre a pesquisa emprica e a terica e entre Cincia e Poltica, o que consequentemente, leva tambm a avanos na concepo da relao indivduo e sociedade, passando-se a considerar mais as interaes s distines. Tais transformaes levam tambm a novos direcionamentos metodolgicos que concebem a pesquisa qualitativa mais apropriada aos novos momentos. Ressaltam Tittoni e Jacques

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(2002) que a pesquisa qualitativa encarada como uma possibilidade a mais de pesquisa, e no mera contraposio aos mtodos quantitativos. A pesquisa dos aspectos vivenciais, das percepes, posicionamentos polticos, enfim do que a cidade de Caet, seus conflitos, aspiraes da sociedade caeteense, seu relacionamento com o Estado e mesmo da sociedade entre si demandou a interlocuo com vrios atores. Tanto com atores que participaram diretamente e oficialmente do processo de elaborao do Plano Diretor, como daqueles que notadamente tem atuado na histria local, elaborando uma sntese do processo de elaborao do Plano Diretor a partir de sua percepo e posicionamento poltico. A aproximao a esses interlocutores se deu paulatinamente s exploraes de campo. Em muitos contatos, entrevistas e at mesmo durante o deslocamento at a rea de estudo, pode-se interagir e assim ampliar a possibilidade de interlocuo posto que a cada contato, novos interlocutores eram vislumbrados. A interao com estes interlocutores deu-se preponderantemente por meio do dilogo e entrevistas semi-estruturadas. Quivy e Campenhoudt (1998) concebem a pesquisa exploratria como meio eficaz para pesquisas em cincias sociais, ressaltando aquelas que so desenvolvidas de forma malevel onde a predisposio do pesquisador de mais ouvir do que perguntar. Segundo os autores, [...] as entrevistas exploratrias servem para encontrar pistas de reflexo, idias e hipteses de trabalho, e no para verificar hipteses preestabelecidas. ( QUIVY, CAMPENHOUDT, 1998). Oliveira (1998) tece consideraes liberdade do pesquisador para atuar com imaginao e no somente, acomodar-se s regras metodolgicas - afirmando que: O cultivo da capacidade imaginadora separa o tcnico do pesquisador; somente a engenhosidade saber promover a associao de coisas, que no poderamos sequer intentar pudessem um dia se compor, num dado cenrio social. (OLIVEIRA, 1998, p. 19). Ainda assegurando ao pesquisador, o exerccio da autonomia na conduo da pesquisa, entende o mesmo autor que cabe ao pesquisador e somente a ele, construir situaes, aproximaes com os interlocutores com base em posturas ticas. tica inclusive na ao de ao analisar o contedo obtido nas entrevistas, que no se recorte a fala dos entrevistados a esmo, buscando situar-se no contexto aonde vive o entrevistado. Thiollent (1987) pressupe que a entrevista no-diretiva ainda representa algumas limitaes. No contexto de sua aplicao h ainda que se levar em conta a diferena social e de linguagem entre entrevistador-entrevistado. O autor reporta-se a Bourdieu (1987), para quem preciso construir uma sociologia da situao de entrevista, pois ter-se-ia dirigido as reflexes muito mais subjetividade que ao contexto social. Contudo, Thiollent (1987) no contra-indica o mtodo semi-estrutuado de entrevista, considerando que como no se trata de comparao ou adio de discursos, mas da compreenso dos indivduos em seu grupo social de pertena, tal instrumento tem sua validao. Esse autor entende que a categorizao apressada, no contexto da entrevista, bem

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como a projeo das expectativas e crenas do pesquisador devem ser tambm objeto de anlise para os que adotam a metodologia de entrevista no-diretiva. Esse ltimo quesito, o da abordagem da viso, da expectativa do entrevistador tambm ressaltado por Oliveira (1998), porm no sentido em adotado por Wright Mills (1982): Os pensadores mais admirveis no separam seu trabalho de suas vidas. (OLIVEIRA, 1998, p. 19). Deste modo haveria um fluxo de conhecimentos, vises de mundo que se constri a partir do encaminhamento das prticas de pesquisa e do viver do pesquisador. Quivy e Campenhoudt (1998) compreendem haver trs categorias de interlocutores: i) os docentes, peritos, especialistas; ii) as testemunhas privilegiadas, as quais podem inclusive pertencer ao pblico objeto da pesquisa e por fim, iii) o pblico alvo da pesquisa. Esta pesquisa interagiu com os trs tipos de interlocutores, porm, deteve-se com maior freqncia nos sujeitos testemunhas privilegiadas. Assim, foram entrevistados: funcionrios pblicos (Prefeitura Municipal de Caet, Polcia ambiental, Ministrio Pblico, Empresa de assistncia tcnica e extenso rural do Estado de Minas Gerais Emater, servidores da educao estadual e municipal); muncipes (cuja abordagem se deu at mesmo em situao de deslocamento do pesquisador entre Belo Horizonte e Caet e vice-versa); empresrios com atuao no municpio e membros de entidade classista que os representa; integrantes de movimentos socioambientais e culturais ( inclusive alguns membros do Ncleo Gestor). O aprofundamento da atual pesquisa atingiria seus propsitos com maior eficcia a partir da interlocuo com a terceira categoria de interlocutores acima apontada por Quivy, Campenhoudt, (1998), aqueles a quem Lefebvre (1999; 1991) intitula como usurios, habitantes posto que estes vivenciam cotidianamente as determinaes que se faz sobre sua cidade: relaes polticas, sociais, natureza, costumes, cultura, apropriao tempo e espao. Observa-se a existncia de relaes polticas arcaicas no municpio6 - cujos constrangimentos livre exposio alcanam no somente as autoridades, mas tambm a sociedade a quem o Estado deveria assegurar a livre expresso. Deste modo, assegurando-se o anonimato o qual permitiria maior liberdade ao entrevistado ao expor seus posicionamentos, sua viso da realidade, alm de tambm resguardar a imagem do sujeito entrevistado no ambiente social, poltico, adotou-se o uso de nomes fictcios para os interlocutores. Tal prtica revela o compromisso tico do entrevistador com os interlocutores desta pesquisa. Segundo relatos de membros de alguns movimentos socioambientais, a6 O jornal Opinio, mdia impressa semanal, e, tambm disponvel no site www.caetenews.com.br, um dos veculos de comunicao do municpio, desde 1967, veiculado em 7/12/2006 traz em manchete de capa: Delegada, afastada, denuncia ser vtima de perseguio. A reportagem, na pg. 7 afirma que a delegada Joana DArc Temponi, h 11 meses atuando em Caet, Taquarau de Minas e Nova Unio, teria sua remoo pedida por estes trs municpios que compem a Comarca. Porm, conforme a reportagem, ao procurar a Superintendncia de Polcia Civil, no lhe foram apresentadas, formalmente, tais reclamaes. Razo pela qual a Delegada, sente-se perseguida, e, imputa tal perseguio ao bom desempenho que vem realizando e ainda, ao fato de ser mulher.

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oposio atual gesto municipal chega mesmo a constranger o acesso aos servios e equipamentos coletivos no municpio. Embora alguns interlocutores dispensassem tal tratamento, adotou-se como critrio tal procedimento, j acordado no incio da entrevista. Lefebvre (2007) entende que as representaes do espao, o espao concebido dos planificadores, dos tecnocratas revelam a ideologia de um grupo sobre a cidade, pois, a ideologia precisa produzir seu espao para se realizar. preciso considerar o espao concebido, pois, [...] o saber coloca-se a servio do poder com admirvel inconscincia., aclara Lefebvre (2007, p. 67). Quando o referido autor pontua a relevncia das representaes do espao, quer referir-se a seu papel enquanto reveladoras de um projeto inserido num contexto espacial especfico. Tais representaes, concepes devem alcanar sua efetividade para a realizao do projeto que anunciam. Sob esta tica, a pesquisa considera relevante abordar as representaes do espao, discurso do/no espao, veiculadas pelo kit do Ministrio das Cidades MC. Os procedimentos exploratrios encerraram-se em dezembro de 2006, aps as duas nicas audincias pblicas realizadas pela Cmara Municipal em Caet.

Essa dissertao estruturada em 3 captulos.

O Captulo 1 explana a respeito da instrumentalizao do espao para a reproduo das relaes de produo capitalistas sob a gide do modelo neoliberal. Constri teoricamente a formao social do espao com base na obra do filsofo Henri Lefebvre (2007; 2005; 1999; 1991). Faz-se a interlocuo das elaboraes tericas de Lefebvre e Pierre Bourdieu (1996a; 1996b; 1989) no que concerne formao do campo que na proposta dos dois autores no criam antagonismos, mas avanos, ampliaes conceituais e prticas. O estabelecimento da doxa, o poder simblico tambm alvo de reflexes nas bases propostas por Pierre Bourdieu. Delineia-se ainda, a referncia que faz poltica, dissenso, consenso consoante s construes de Rancire (1996). as categorias que contribuem para elucidar a participao social no processo de elaborao do Plano diretor e seus avanos ou retrocessos. A dimenso poltica do espao, ampliando o dilogo com a Geografia utiliza as obras de Milton Santos (2002a; 2002b; 2001; 1990; 1988), Carlos (2006; 2001), Damiani (2006; 2001; 2000) e Edward Soja (1993) como seus maiores expoentes.

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O Captulo 2 intenta um breve histrico da urbanizao brasileira, procurando relacionar as bases nas quais se consolidou o Estatuto das Cidades. Neste documento, o Plano Diretor figura-se como a operacionalizao dos vrios instrumentos de gesto do espao urbano, junto sociedade o que conduz reflexo sobre o significado de sociedade civil, cidadania e participao popular delimitandose bases em que foram contempladas nesta pesquisa. O Captulo 3 contempla a discusso do processo de elaborao do Plano Diretor em Caet-MG. Aborda-se a formao espacial de Caet desde o ciclo do ouro, perpassando o ciclo industrial/siderrgico, alcanando a fase atual, bem como sua insero na regio Metropolitana de Belo Horizonte. realizado um esforo para elucidar os rebatimentos desta construo sciopoltica do espao sobre o Plano Diretor, tratando-se das aes de Estado na coordenao do processo, as vises e estratgias dos agentes em torno do campo que se constituiu. Reflete-se sobre os avanos e retrocessos da participao social neste momento de gesto democrtica do espao urbano.

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CAPTULO 1 Cidade e Poltica: O urbano e a formao do campoEste captulo vota-se interlocuo entre a sociedade e seu espao produzido - a cidade (LEFEBVRE, 2005). Concebe-se o espao em sua dialtica: espao de reproduo da vida, como apropriao realizada pelos sentidos, pelo corpo e o espao instrumento, fragmentado, hierarquizado, homogeneizado (LEFEBVRE, 2005). A cidade vista como lcus da vida e tambm da converso do espao em mercadoria, sob a tica da ideologia neoliberal. A anlise se faz com base nas contribuies de Henri Lefebvre (2007; 2005; 1999; 1991) em suas abordagens do espao produzido a partir do urbano, processo que sucede industrializao e pela mesma no pode ser explicado. A disputa pela cidade como apropriao para o uso, reproduo da vida e/ou sua instrumentalizao para domnio dos homens pelos prprios homens aclarada sob os cnones da filosofia disposicional e relacional de Pierre Bourdieu (1996a, 1996b, 1989, 1983). Ela constri o mundo, a realidade sensvel, a partir da localizao poltico-econmica dos sujeitos: o volume de capital, de poder que dispem os indivduos em seus variados tipos, nas diversas situaes em que essa disputa ocorre ainda que latente. A compreenso da dinmica pelo estabelecimento da doxa: poder quase mgico de nomear as coisas existentes, de fazer crer, ver e confirmar a viso de mundo, capaz de criar a submisso sem ser reconhecido como arbitrrio, inclusive promovendo a diviso dos indivduos em grupos, graas ao reconhecimento desse poder (BOURDIEU, 1996a, 1990, 1989) na efetivao da instrumentalizao do espao: processo no qual as cidades constituem-se em elementos da fora produtiva, estendendo-se as relaes de produo capitalistas, sustentadas em relaes de troca a todo cotidiano, submetendo as relaes de uso a seu domnio (LEFEBVRE, 2007, 2005, 1991; CARLOS, 2006, 2001). Sob tais bases ser possvel explorar com profundidade a elaborao do Plano Diretor - instrumento consagrado pela Constituio Federal de 1988 para o planejamento do espao das cidades.

1.1 A cidade e sua instrumentalizao polticaO espao o lcus de reproduo da vida, da sociedade que, a cada instante, o modela, o modifica historicamente. As relaes sociais se estabelecem ao longo do/de um tempo e ocorrem sobre o espao, nos mais variados locais: cidade, campo, montanhas. O espao abriga toda a aventura

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humana: o nascimento, a morte, as festas, a guerra, as colheitas e o comrcio, a religiosidade e a poltica. Para alguns pesquisadores, o espao abstrato, de difcil definio pela amplitude dos processos que abarca; contudo, mesmo que abstrato guarda a materialidade, a concretude da realizao da humanidade (CARLOS, 2001). A filosofia1, segundo Henri LEFEBVRE (2005) questiona a prtica social e poltica, tratando de trazer a realidade ao nvel do conceito, da teorizao. Sob essa tica, a transformao da sociedade at o atual estgio, ou seja, sua transformao em sociedade urbana tal como se concebe no sculo XXI recebeu do autor grandiosa elaborao. D-se relevo s mudanas que a sociedade sofre ao longo da histria, em perodos que vo da sociedade agrria, cidade industrial que amplia a urbanizao mundialmente e sociedade urbana. A princpio, a industrializao o motor das mais diversas transformaes e tambm de contradies. A intensificao do processo industrial leva imploso-exploso da cidade e da morfologia da cidade antiga, conseqentemente, as relaes socioeconmicas e polticas sofrem alteraes (LEFEBVRE, 1991). Este mesmo autor deixa claro que cada modo de produo erigiu um tipo de cidade que o exprime em seu terreno, inclusive atravs das relaes sociais mais abstratas. A cidade acumulou ao longo deste processo o conhecimento, as tcnicas, pessoas, valores e capital (LEFEBVRE, 1991). David Harvey (1994) - ao analisar O Capital de Marx, no captulo que trata da Colonizao, e tambm, a doutrina de Von Thnen sobre o Salrio fronteirio e a Filosofia do direito, de Hegel - evidencia a necessidade do capitalismo em adequar o espao no somente s suas necessidades de ampliao, como tambm s de sobrevivncia. A leitura de Harvey (1994) pontua que nas concepes de tericos como Marx e Von Thnem no foi bem concebida a essncia do espao para a reproduo do capital. Na obra de Hegel, Harvey (1994) assinala um esboo de incluso do espao como elemento da reproduo capitalista.

O conhecimento do espao oscila entre a descrio e a fragmentao. Descrevem-se coisas no espao, ou pores do espao. Recortam-se espaos parciais no espao social. Apresenta-se assim, um espao geogrfico, ou etnolgico, um espao da demografia, um espao da informtica, etc. Ou ainda um espao pictural, um espao musical, um espao plstico. Esquece-se que se vai direo de um sentido, de uma fragmentao desejada no somente pela linguagem e pelos especialistas, mas pela sociedade existente, que se recorta a si prpria em espaos heterclitos, no sentido de uma totalidade severamente controlada, ento no sentido do homogneo: os espaos do habitat, do trabalho, dos lazeres, os espaos do esporte, do turismo, da Astronutica, etc. Ento, a ateno se dispersa e se perde em considerao tanto sobre isto que existe no espao (as coisas, tomadas parte, referenciadas a si prprias, a seu passado, a seus nomes), quanto sobre o espao vazio (separado do que ele contm) tanto ento, sobre os objetos no espao, quanto sobre o espao sem objeto, neutro. ento, portanto em recortes e representaes que se desencaminha este conhecimento, integrado sem o saber sociedade existente operando em seus quadros. Frequentemente abandona-se o global, aceitando a fragmentao e reunindo os pedaos. s vezes totaliza-se arbitrariamente a partir desta ou daquela: tal ou tal especialidade. preciso mostrar a diferena entre a cincia do espao sonhada ou buscada, e o conhecimento de sua produo. Esta em diferentes recortes, interpretaes, representao, reencontrar o tempo (e de incio aquele da produo) no e atravs do espao. (LEFEBVRE, 2007, p. 32).

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Para Harvey (1994), os trs autores analisados expressam a necessidade de expandir a prtica capitalista para regies nas quais as prticas econmicas, sociais tm outro desenvolvimento. Tais prticas derivam das lutas interimperialistas no mpeto de delimitar um centro decisor e uma periferia a receber as determinaes polticas, econmicas, fornecer matria-prima, mo-de-obra e mercado, bem como a consumir os produtos dos centros. Esses movimentos so claros testemunhos do papel do espao para a sobrevivncia do capitalismo e, portanto, expressam contradies. Assim, a posse dos meios de produo capitalista, da cultura e da informao amparada na burocracia estatal passa a garantir a distribuio e a realizao da mais-valia, no s na cidade, como tambm fora dela, pois o meio rural no deixado parte do processo (LEFEBVRE, 1991). Se a cidade, na fase agrria construiu-se como obra, fruto do amor dos seus cidados - mesmo que banqueiros, mercadores, predominando mais valor de uso do que de troca - na fase industrial a cidade toma outras conformaes. Contudo, o processo de industrializao produz tambm a anticidade, pois nega, ou torna cada vez mais raro o valor de uso, que o sentido da cidade (LEFEBVRE, 2005). Ela resultante das prticas, valores e representaes que os vrios grupos constroem sendo considerada por alguns como obra ou produto, dependendo, portanto, do modo de produo que cada sociedade desenvolve (LEFEBVRE, 1991). Sob as bases do regime de acumulao capitalista as cidades tm se tornado sobremodo, verdadeira mercadoria. Entretanto, no to ntida para todos a imbricao da monetarizao da vida. Para alguns, se resume aos agentes do setor financeiro (bancos, bolsa de valores, financeiras) e s reas especficas do Estado, cada qual com sua parcela de contribuio, conduzindo a uma viso fragmentria e insuficiente. Alerta Lefebvre (2007) que o capitalismo composto por vrios elementos: mercados diversos (o da mo-de-obra, do saber, o do solo, o de capitais) que buscam realizar a acumulao em todas as dimenses do cotidiano: no trabalho, no lazer, no campo e na cidade. O capitalismo inclui a repetio, a produo de bens e seu consumo, porm, deve-se sempre ter em conta a dinmica prpria de seu sistema na manuteno da hegemonia de uma classe (LEFEBVRE, 2007). Para tal, saber, informao e manobras polticas figuram-se como estratgias, como engrenagens de uma mquina. Sua extenso a todo o espao no se realiza sem contradies, haja vista a mudana qualitativa no processo histrico de constituio das sociedades urbanas, qual seja:[...] o modo de produo capitalista deve se defender num front muito mais amplo, mais diversificado e mais complexo, a saber: a re-produo das relaes de produo. Essa reproduo das relaes de produo no coincide mais com a reproduo dos meios de produo; ela se efetua atravs da cotidianidade, atravs dos lazeres e da cultura, atravs da escola e da universidade, atravs das extenses e proliferaes da cidade antiga, ou seja, atravs do espao inteiro. (LEFEBVRE, 2005, p. 21)

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Tais determinaes sobre a cidade, natureza e sociedade constituem a problemtica urbana, LEFEBVRE (2005). Essa toma como base para anlise no somente os problemas atinentes aos processos de produo de mercadorias, como tambm a extenso das relaes de produo capitalistas a todas as dimenses da vida social. Este espao, tornado mercadoria, tem sido estruturado como espao homogneo, fragmentado e hierarquizado, cujas determinaes tm avanado at mesmo sobre o saber adquirido, desenvolvido pela sociedade (LEFEBVRE, 2005). Esse processo de monetarizao das relaes sociais, da conformao da natureza a mero recurso natural, materializando-se no espao e estendendo-se por todo o mundo, demanda maiores reflexes. Francisco de Oliveira (2005) concebe a mundializao da economia como resultante da [...] separao que o liberalismo operou entre o poder poltico e o poder econmico [...] a qual [...] cria um poder privado, o econmico, cuja gesto retirada do cidado comum (OLIVEIRA, 2005, p. 13). A partir desse, os Estados nacionais no tm mais suas dinmicas ditadas pela soberania que conquistaram, suas polticas desenvolvem-se no para atender aos anseios de seus cidados. Elas atendem s determinaes de agentes hegemnicos no cenrio mundial como a OMC Organizao Mundial do Comrcio; o FMI Fundo Monetrio Internacional entre outros, j que, na verdade, o que ocorre a espacializao do capital produtivo determinada pelo capital financeiro; portanto, uma desterritorializao, onde a Nao torna-se submissa e somente sobressai o Estado (OLIVEIRA, 2004). O processo da mundializao para Pierre Bourdieu (1998) concebido como mito que vem sendo anunciado como o inevitvel, ou seja, paulatinamente, os preceitos liberais tm sido coroados como uma nova fase na histria humana. Tal deliberao, que vem se realizando h 30 anos como fim das ideologias ou fim da histria, teria encontrado apoio na matemtica como cincia suprema a se desenvolver amplamente nos cnones da cincia econmica como abstrao expandindo-se pelos canais miditicos a fim de alcanar o cotidiano. Sua gnese se d a partir 19472, que propugnavam o combate ao Estado de bem-estar, proposto por Keynes, executado pelos norte-americanos (New Deal). Teria trazido a existncia humana em direo nica e exclusiva na produo de bens, representando a competitividade e a produtividade, os motores do desenvolvimento da humanidade (BOURDIEU, 1998; CHAU, 2000).

grupo - de cientistas polticos, filsofos e economistas - faziam parte Karl Popper e Lippman que se associaram a Friederic Hayek (mais importante terico e articulador da 2 gerao da Escola Austraca, autor da obra traduzida em portugus, O caminho da servido). Contando ainda com Milton Friedman (economista representante da Escola de Chicago, defensor da liberdade econmica e poltica ameaada, segundo o terico, pela igualdade defendida pelo Estado Providncia de Keynes). Juntos, fundaram a Sociedade de Mont Plerin, Sua, 1947. Reuniam-se a cada dois anos para combater as polticas do Welfare State (BOURDIEU, 1998).

2Deste

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Com base no cenrio internacional das instituies financeiras, considera este socilogo que[...] a globalizao no uma homogeneizao, mas ao contrrio, a extenso do domnio de um pequeno nmero de naes dominantes sobre conjunto das praas financeiras nacionais. (BOURDIEU, 1998, p. 54)

Essa estratgia demonstra o movimento dos dominantes em estender e manter seus privilgios, contrariamente distribuio de tecnologia, conhecimento, ampliao da riqueza socialmente construda e sua conseqente distribuio. Nesse contexto h um contra-senso, isto , ao invs de ampliar a acumulao capitalista baseada na incorporao cada vez maior de indivduos e grupos ao mercado de trabalho e consumo, tem-se a excluso de um grande contingente de cidados. Tal contrasendo mostra a violncia implcita nesta ideologia que polariza a sociedade em dois grandes blocos: o da carncia absoluta e o do privilgio absoluto (CHAU, 2000, p. 49). O neoliberalismo, ancorado na cincia econmica, busca um status de programa cientfico (BOURDIEU, 1998), e teria na atualidade (anos 2000) elevado a cincia a um novo status. A cincia de outrora (antiga) buscava compreender a realidade em suas elaboraes, independente do ser que pesquisa. A cincia sob o vu do liberalismo econmico [...] acredita que no contempla nem descreve realidades, mas as constri intelectual e experimentalmente nos laboratrios. (CHAU, 2000, p. 49). Cincia e Tcnica so tomadas como motores da produo plenamente capazes de promover mudanas sociais, polticas; podendo-se citar como exemplos a engenharia gentica, a engenharia poltica e tantas outras (CHAU, 2000). Seus defensores ancoram-se na tese da competncia, alcanada nas escolas, servindo como uma justificativa para seu domnio sobre os demais campos do saber. Tese essa tambm aceita pelos dominados. Infelizmente, tal projeto cientfico necessita de adequao poltica que d vida Teoria Econmica Neoliberal e que tenha como bandeira, a destruio metdica dos coletivos (BOURDIEU, 1998), a comear pelo Estado e, na seqncia, por outros grupos da sociedade civil, sindicatos, movimentos sociais, famlia. Atravs da cincia e da tcnica podem ser reduzidas e cooptadas sublevaes que derivariam das deficincias ao atribuir deveres e obrigaes recprocas aos diversos segmentos da sociedade. Para Oliveira (2005), a ideologia neoliberal cria um mundo que operaria por signos, distanciando-se do real. A sociedade atomizada vive a poltica como um espetculo no qual onde o mercado a poltica, ameaando a sobrevivncia da democracia ao elevar os valores, o cdigo tico s regras do mercado. Tal atomizao estende-se tambm ao espao que dividido entre promotores imobilirios, tecnocratas do Estado, polticos, urbanistas, arquitetos e tantos outros que atendem a demandas e encomendas que lhes so dirigidas (LEFEBVRE, 2007, p. 24).

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Diretrizes como: a livre concorrncia, afastamento do Estado das relaes de mercado que devem reger-se com autonomia, direcionamento da Cincia e da Tcnica ao processo produtivo e outras que igualmente elevam a potncia do valor de troca refletem-se na definio das polticas pblicas sociais. Os direitos sociais - garantia dos direitos civis ou polticos - tendem a sucumbir porque, na ausncia do Estado, privatizam-se os direitos e somente quem est inserido no mercado (aquele capaz de pagar para consumir) pode usufru-lo (CHAU, 2000). Oliveira (2005) verifica no caso brasileiro um estado de exceo, no qual as polticas pblicas cobrem as falhas que o mercado no contempla. Tal desiderato globalizao e mundializao da economia vem sendo conquistado pouco a pouco, inserindo-se no cotidiano mediante eufemizaes que vm da precariedade em todas as reas: sade, educao, assistncia social, relaes sociais mais voltadas competio do que solidariedade no ambiente de trabalho, flexibilizao como luta contra privilgios dos trabalhadores - simples reduo de gorduras (BOURDIEU, 1998). Esse conjunto de aes constitui-se de palavras que circulam intermitentemente nos meios miditicos, nos discursos de agentes notveis, competentes (doxsofos), reforando a maleabilidade, a desregulamentao, a flexibilizao e consagram a doutrina neoliberal como libertao. Eles promovem o ataque s formas de vida que a duras penas, conquistaram condies de reproduo social mais condizente realizao humana, fazendo crer que a produtividade, a converso do sentido da vida em consumo, portanto, quantificado, represente a libertao do homem. A no adeso transformao dos direitos sociais convertidos em empecilhos ao desenvolvimento como forma de resistncia ocorre, por vezes, em frentes inesperadas: os conservadores nomeiam como reacionrias a luta para conservar ou restaurar direitos historicamente adquiridos. Chegam a adjetivar negativamente tais direitos (em sua maioria, trabalhistas) como privilgios. Contra esse movimento, Bourdieu (1998) prope que se lute contra tais promessas falsas de libertao, que levam destruio do interesse pblico a favor do privado. Se o liberalismo defende a subsuno dos coletivos (sindicatos, famlias, associaes, Estado) em razo da competncia, do individualismo, que se fortalea e se multiplique a esperana pela "[...] busca racional de fins coletivamente elaborados e aprovados (BOURDIEU, 1998, p. 148). Mesmo que o discurso neoliberal aponte-os como manuteno de privilgios. Chau (2000) tambm insiste na destruio da concepo da inevitabilidade do neoliberalismo: como ideologia criada em um momento e que possibilita a acumulao de capital, pode o neoliberalismo, a qualquer momento, ser refutado pelos prprios homens. Nos termos de Oliveira (2005), a mundializao da economia ao converter a poltica em mercado ameaa a democracia como governo das maiorias, dos coletivos, forando, por vezes, a busca de lderes polticos que em seus discursos (e em suas prticas) tentam preencher as lacunas que o afastamento da poltica criou. Tal cenrio no profcuo ao amadurecimento da vida

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democrtica, pois trata os cidados como merecedores de favores e no sujeitos polticos que conquistaram direitos. Mas ainda que oferea os meios de realizao da urbanizao, o processo industrial no traz em si a elucidao do fenmeno urbano, embora seja um processo no desprezvel para alcanar tal elucidao. Adverte Lefebvre (1991, p.141) que a compreenso do que significa este novo momento da existncia humana a urbanizao de toda a sociedade - somente obtida quando se vislumbra a sociedade urbana como objetivo e finalidade da industrializao. Acentua o autor que [...] o crescimento quantitativo da produo econmica produziu um fenmeno qualitativo [...] (LEFEBVRE, 2005, p. 40). O mesmo autor argumenta que a cidade deve ser estudada a partir de sua localizao espacial, por meio de diversos mtodos e tcnicas, sendo o espao urbano e rural compreendidos a partir do modo de produo e da diviso do trabalho no interior da sociedade que lhe d forma. Sendo resultado da projeo da sociedade sobre um local, deve-se ainda tomar em considerao que essa projeo se d [...] no apenas sobre o lugar sensvel como tambm sobre o plano especfico, percebido e concebido pelo pensamento [...] ( LEFEBVRE, 1991, p. 56). Mas a cidade no comporta a vida humana somente para a reproduo das relaes capitalistas de produo (DAMIANI, 2001). A cidade enquanto mediao das mediaes abriga a sociedade com sua histria, o Estado, poderes polticos, represso e liberdade que do os contornos cidade como uma obra de arte (LEFEBVRE, 2005; 1991). Estas mediaes do-se em torno de uma ordem prxima que a prpria sociedade em suas mltiplas relaes sociais, polticas, econmicas, culturais, os grupos e suas corporaes (sindicatos, associaes: de bairro; profissionais; culturais, religiosas, ecolgicas e outras). Tal como prope o autor trata-se de uma construo histrica conduzida por pessoas e grupos que disputam a apropriao do espao conforme suas exigncias ticas, estticas, ideolgicas (LEFEBVRE, 2005; 1991). E tambm, se estruturam essas mediaes a partir de uma ordem distante, a qual engloba os poderes que se rebatem sobre a cidade: a Igreja; o Estado (a Unio e os governos estaduais); os grandes Agentes financeiros mundiais (Banco Interamericano de Desenvolvimento BID; Fundo Monetrio Internacional FMI); os conglomerados econmicos e tambm, a regulao jurdica e a uma cultura (LEFEBVRE, 1991). Determinaes que incidem sobre a cidade determinando o uso do tempo, portanto, os ritmos da vida (LEFEBVRE, 1991). To fortes, presentes e to dissimulados so estes poderes que no se revelam facilmente reflexo. A ordem distante subjuga a ordem prxima e faz-se ocultar, sendo seu desvendamento atravs da reflexo pelas vias da deduo, induo, traduo e transduo (LEFEBVRE, 1991). Sob essa dinmica ele infere que a cidade um subsistema, um subconjunto no isolado do que a contm e daquilo que ela contm.

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Nesta direo necessrio enfocar-se em dois processos: a industrializao e o urbano. A industrializao promove a converso do valor de uso em valor de troca, expandindo a lgica da produo de mercadorias ao espao (urbanismo), estendendo a lgica das relaes de produo s relaes sociais (dominao), o que converte a cidade em lugar de consumo e consumo de lugar (LEFEBVRE, 1991). importante considerar que Se h uma produo da cidade, e das relaes sociais na cidade, uma produo e reproduo de seres humanos por seres humanos, mais do que uma produo de objetos. (LEFEBVRE, 1991, p. 46-47) o que configura a explorao de toda a sociedade (LEFEBVRE, 1991, p. 57): classe operria e as classes no dominantes. O urbano um processo imediato expanso da industrializao - mas ainda em construo, ou seja, inacabado. Por ele a cidade passa a ser vista como processo de reunio, simultaneidade, enfim agregao de todos os elementos da vida social (frutos da terra, smbolos e obras culturais) dispersos a partir da imploso-exploso da cidade industrial (LEFEBVRE, 2005; 1991). Com base nas consideraes de Lefebvre (2005, 1991), a cidade ento vista como possibilidade de realizao do urbano enquanto processo que encaminha o convvio humano para o encontro, para intensificao das relaes que valorizam o uso, o gozo a se realizar. Muito embora o urbano no dilua as contradies que o fenmeno urbano carrega consigo. Tal assertiva de Lefebvre (1991) delineia a cidade como um objeto prximo a uma obra (de arte), portanto, no repetvel como um produto, o que sob as luzes do urbano, enquanto simultaneidade (LEFEBVRE, 1991), revela-se como a condio na qual se poderia estabelecer uma nova sociabilidade: a da gesto compartilhada e democrtica do espao e do tempo. Haja vista que para a realizao do urbano, necessita-se de um novo espao e uma outra apropriao do tempo (LEFEBVRE, 2005). A era industrial trouxe fragmentao, hierarquizao e homogeneizao, construindo a centralidade a partir da riqueza e do poder e consequentemente, estabelecendo a segregao dotando os centros decisrios de grande poder sobre o plano da vida, do cotidiano e de suas representaes. Esta centralidade, vista como prpria ao urbano, que unio, o contato, o convvio entre os diferentes, ou seja, a lgica do uso, do gozo, da festa e do encontro (LEFEBVRE, 1991) torna-se tambm uma estratgia de classe para dissimular a dominao total. Domnio sobre os homens enquanto produtores e consumidores de seus prprios produtos, isto , consumindo a prpria cidade e os objetos que ela abriga (LEFEBVRE, 1991). possivelmente neste sentido que o autor aponta espaos repressivos, pois o urbano ao reunir os diferentes no evita o conflito, a proximidade tambm se revela como choque de idias, representaes. Mas mesmo havendo represso e segregao para manter a distncia e evitar o conflito, o urbano o lugar da expresso dos conflitos (LEFEBVRE, 1999, P. 160). H na cidade um movimento duplo: dialeticamente reunido aquilo que criado e no se cria nada,

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mas a reunio cria tudo! Os diferentes sobrevivem a partir de suas peculiaridades, mas ao mesmo tempo se distanciam excluindo-se, o que leva construo e destruio da centralidade (LEFEBVRE, 1999). E mais, o urbano promove esta reunio em qualquer ponto da cidade no importando o contedo. O centro urbano, pouco a pouco foi integrado aos modos de produo, pois era preciso assegurar a formao da mais-valia que passou a se realizar pelas vias financeiras, comerciais da cidade. No somente para a compra/venda dos espaos da cidade, mas visando-se essencialmente a subordinao dos meios produtivos a esta centralidade. A conformao da cidade s necessidades da expanso industrial no se realiza mais fora de centros decisionais, centros polticos que orientam a vida: tempo, espao, fluxos (de bens, pessoas, valores) passam a receber mais investimentos - em pesquisas, e recursos financeiros. Constata o autor que A cidade deixa de ser o recipiente, o receptculo passivo dos produtos e da produo. (LEFEBVRE, 1991, p. 142) e o centro decisional prprio do urbano - incorpora-se aos meios de produo capitalista, no de modo passivo, mas interferindo nos meios de produo (LEFEBVRE, 1991). A anlise da cidade - enquanto obra de arte - toma outra direo: da logstica, do espao isento da ao poltica, passa-se a enfocar as contradies do espao na sociedade e na prtica social, apontando-se para a viso dialtica do espao (LEFEBVRE, 2005) onde os monumentos diversos e o emprego do tempo tm de ser contemplados no exerccio desta reflexo. A partir de ento, o espao urbano no pode ser considerado unicamente como um instrumento que propicia a produo de objetos, coisas, pois ele se revela mais complexo. A sociedade industrial que tinha por suporte terico esta viso, mope, conforme seus postulados. Olhar que mostra superado, equivocado. Dado o espao conter uma dupla dimenso: localizao e tambm contedo social (CARLOS, 2001), volta-se o olhar no somente para a localizao das atividades humanas, como tambm para a prtica social enquanto reproduo da sociedade - prtica socioespacial que produo/apropriao/reproduo (CARLOS, 2001) - trazendo a dimenso poltica, estratgica na qual o espao est envolto: no se despreza a contribuio da histria humana e dos elementos naturais, mas entende-se que estes foram conformados politicamente para moldar o espao (LEFEBVRE, 2005). Se as cidades passaram aps a ampliao da atividade industrial a conter o destino do homem (CARLOS, 2001), o processo de metropolizao por seu lado,[...] aparece, hoje (2001), como manifestao espacial concreta do processo de constituio da sociedade urbana, apoiado no aprofundamento da diviso espacial do trabalho, na ampliao do mercado mundial, na eliminao das fronteiras entre os Estados, na expanso do mundo da mercadoria e da instaurao do cotidiano. (CARLOS, 2001, p.30-31)

Esse processo marcar, ento, no espao, as relaes de poder, hierarquizando-o. A metrpole assume um papel de orientadora e ponto de convergncia, de contato com a ordem mundial atravs do

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espao. Ela tambm se torna central e emanante das determinaes econmicas, jurdicas, sociais, subordinando as demais cidades em seu raio de ao. Segundo Amlia Damiani, na cidade, mais particularmente na metrpole, as classes sociais, em especial a classe trabalhadora, massificada, se reproduz de modo concentra