a construção da identidade dos assembleianos

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DAIANE DA SILVA FREITAS A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOS ASSEMBLEIANOS CONCEIÇÃO DO COITÉ 2010

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Page 1: A construção da identidade dos assembleianos

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DAIANE DA SILVA FREITAS

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOS ASSEMBLEIANOS

CONCEIÇÃO DO COITÉ

2010

Page 2: A construção da identidade dos assembleianos

DAIANE DA SILVA FREITAS

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOS ASSEMBLEIANOS

Trabalho apresentado na modalidade de Artigo,

como pré-requisito para Conclusão do curso de

Licenciatura em História, da Universidade do

Estado da Bahia, Campus XIV, Departamento

de Educação, sob a orientação do Professor

Aldo José.

CONCEIÇÃO DO COITÉ

Page 3: A construção da identidade dos assembleianos

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOS ASSEMBLEIANOS.

RESUMO:

Através das técnicas conceituais da historia cultural, este artigo visa analisar um

grupo pentecostal: Os assembleianos, visualizando sua representação de mundo com base nos

significados que conferem a sua crença, nessa perspectiva tenta-se compreender como a AD

se apropria dos aspectos éticos e morais, configurando uma verdade específica consignando

uma identidade peculiar a partir das articulações existentes, construindo desse modo, uma

realidade contraditória em relação à sociedade mais abrangente.

Palavras-chave: Identidade, Representação, Ética-comportamental.

*Daiane da Silva Freitas

ABSTRACT

Through the conceptual techniques of cultural history, This article aims to analyze

a Pentecostal group: The Assembleianis, viewing your representation of the world based on

the meanings they attach to their belief. this perspective tries to understand how the AD,

appropriates the ethical and moral, setting a specific truth, and determining a particular

identity and determining a particular identity from the existing, thereby building, reality

conflict with the morality of the wider society.

Key words: identity, representation, ethical and behavioral

*Aluna do VIII semestre de História, da Universidade Estadual da Bahia. Campus XIV.

Page 4: A construção da identidade dos assembleianos

Introdução:

Esta pesquisa se propõe a analisar a construção da identidade dos pentecostais

assembleianos através da ética comportamental conservadora que orienta as ações dos seus

fiéis. A exigência por uma ética conservadora desencadeia um processo de disciplinarização

aos prosélitos que devem enquadrar-se nos padrões estabelecidos pela instituição a fim de

resguardar a identidade dessa denominação religiosa. Nesse sentido o presente trabalho pode

vir à desvelar o comportamento peculiar de um grupo que comunga práticas divergentes na

sociedade, que faz parte do cotidiano dos fiéis, e de uma cultura religiosa que mantém um

padrão de separação que enfatiza mudanças na personalidade na formar de agir, nas

vestimentas e no conceber do mundo.

O objeto de estudo é a Igreja Evangélica Assembléia de Deus que se constitui no

maior grupo pentecostal protestante do Brasil e da América Latina, Pretende-se compreender

a maneira como a AD exerce sua crença, considerando os mecanismos utilizados para

legitimar a identidade dos fiéis, produzindo o ideal de pertencimento entre os membros, Não é

a proposta do trabalho, trazer uma solução definitiva sobre o assunto, pois não temos como

esgotar as questões que permeiam esse universo religioso, uma vez que muita coisa ainda

precisa ser pesquisada, Este artigo é uma contribuição a mais para compreender essa

denominação religiosa.

As categorias analíticas da história Cultural nortearão o desenvolvimento deste

trabalho já que procura identificar o modo como uma determinada realidade social é

construída. Tomando por base a possibilidade de compreender a leitura de mundo construída

pela Assembléia de Deus, mediante seus sistemas de valores, produzindo uma visão própria

da realidade, visto que cada grupo tem sua forma ímpar de apropriação e uso das formas

culturais. Chartier em sua obra “Práticas e Representações” (1990) analisa a mentalidade

coletiva que rege as representações e juízos dos sujeitos sociais, políticas ou econômicas, que

são historicamente produzidas através de discursos, de práticas articuladas por grupos que se

apropriam de elementos sociais para produzirem uma realidade própria. A Assembléia de

Deus, como objeto de estudo, é um dos grupos que, a partir da apropriação de elementos

sociais e morais, tenta exibir uma maneira peculiar de estar no mundo, de significar um

estatuto e uma posição.

Entre as varias modalidades de história que se desenvolveram no decurso do

século XX, Algumas primam pela riqueza de possibilidades que abrem aos historiadores. A

história cultural, campo historiográfico que se tornou mais preciso e evidente a partir das

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ultimas décadas do século XX é particularmente rica no sentido de abrigar no seu seio

diferentes possibilidades de conhecimento, que tem no historiador Roger Chartier um dos

seus maiores representantes.

A nova História Cultural tornou-se possível na moderna historiografia a partir de

uma importante expansão de objetos historiográficos que se abrem a estudos variados, como

as representações. As noções de representações aqui são importantes porque através delas

podemos examinar a consolidação de costumes da instituição evangélica assembleiana. Tal

como assevera Chartier (1990), As noções de representações podem incluir os modos de

pensar e sentir, inclusive coletivos. As representações têm possibilitado novas perspectivas

para o estudo historiográfico, dentro do enfoque Histórico-cultural, o qual tem na noção de

representação um dos seus pressupostos.“Que tem por principal objeto identificar o modo

como em diferentes lugares e momentos a identidade é construída, pensada, dada a ler”

(CHARTIER, 1990, p. 17)

Identidade: Uma introdução conceitual

É necessário um esclarecimento sobre o conceito “identidade” de fundamental

importância para o entendimento das bases utilizadas pela Assembléia de Deus na construção

da sua ideologia cristã. O termo identidade possui diversas definições conforme o enfoque

que se lhe dê e as diversas abordagens têm opiniões diferentes sobre o termo.

Para Andréia Mendes (2004) O caráter universalizador do conceito “identidade”

supõe, uma função quantitativa em relação ao número e variedade de indivíduos aos quais

unifica e, por outra, uma função disciplinar quanto ao papel das instituições para produzir e

conservar discursos de identidade com as regras de acesso a eles e as posições relacionadas

com o fazer e o representar dos indivíduos nas sociedades. A forma, talvez, mais evidente em

que se mostra a identificação dos indivíduos com uma determinada cultura ou um

determinado elemento é na aceitação dos valores éticos e morais que atuam como suportes

referentes para preservar a ordem da sociedade. Sua aceitação e cumprimento tornam mais

suportáveis as tarefas que os indivíduos devem cumprir, a estrutura simbólica da memória

social se encontra representada nas ideologias que difundem os acontecimentos constitutivos

da identidade das comunidades do que se desprende seu caráter preservador legitimante e

integrador. “O resultado é um ataque deliberado à diversidade, o silenciamento dos discursos

diferentes com a enunciação ideológica de conceitos pseudouniversais para legitimar-se como

autoridade” (MINA, 2004, p.47), criando dessa forma estereótipos e justificando o acionar da

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autoridade como garantia de permanência e continuidade dos valores, fato este recorrente nas

comunidades evangélicas que se utiliza de símbolos, discursos, a fim de assegurar que uma

identidade grupal seja legitimada produzindo o ideal de pertencimento.

Segundo Woodward (2000, p.14)

O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um deles é

necessário para a construção e a manutenção das identidades. A marcação simbólica

é o meio pelo qual damos sentido a práticas e as relações sociais, definindo por

exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por meio da diferenciação social que

essas classificações da diferença são vividas nas relações sociais.

Identidade está sempre relacionada à idéia de alteridade, ou seja, é necessário

existir o outro e seus caracteres para definir por comparação e diferença com os caracteres

pelos quais produz identificação. Woodward afirma que a identidade é relacional, e ressalta

que identidade e diferença são componentes do mesmo processo,construidas através das

representações coletivas. Segundo a autora “A identidade para existir depende de algo fora

dela: a saber, de outra identidade... que fornece as condições para que ela exista... A

identidade é assim marcada pela diferença” (WOODWARD, 2000, p.9).

Para Pedro Heitor Barros (2001) o homem inicia a construção da sua identidade

através da interação que mantém com o meio em que vive. A construção da identidade

apresenta características diversas em razão das diferenças culturais. Através das experiências

vividas, se está alimentado o processo de construção da identidade. “A construção do sentido

de ser e pertencer a um grupo ocorre nas relações sociais à identidade de qualquer grupo é

construída em determinado tempo e espaço” (BARROS, 2004, p.2) Para o autor no campo

religioso, o fiel particulariza-se com um discurso e liturgias próprias, se apropriando de uma

maneira diferente de agir, Sendo assim, os processos de construção identitária são capazes de

criar indivíduos que agem de forma diferente na esfera social, e para que se forme uma

homogeneidade identitária é necessário que o grupo se diferencie dos outros, e é nesse sentido

que a AD utiliza-se da sua ideologia para proclamar valores éticos e comportamentais a fim

de assegurar que o estereótipo de cristão assembleiano seja mantido, pautado em valores que

afirmam que o fiel deve ser diferente “Ser luz entre as trevas”. O fiel passa a ser alguém

quando descobri o outro porque, desta forma, adquiri termos de comparação que permitem o

destaque das características próprias de cada um.

O Conceito sobre identidade está associado também às atividades dos indivíduos,

e outras características relativas à pessoa como personalidade, a identidade permite que o

sujeito tome posse de sua realidade singular e única, adquirindo consciência de si próprio. A

identidade como categoria de análise visa apontar a homogeneidade dentro da formação plural

Page 7: A construção da identidade dos assembleianos

da sociedade. A partir de tal premissa, chega-se a idéia de que a identidade não é algo fruto de

características imanentes dos homens, mas que todas elas são atribuídas pelos homens.

Segundo Max Weber (2004, p.74).

A identidade é o resultado de embates, ambíguos e heterogêneos, entre os grupos

numa sociedade. Ela permite distinguir um grupo por seus conflitos internos e

externos, em torno dos bens, culturais ou materiais que os distinguem dos demais

pela especificidade de suas demandas ou mesmo ações sociais.

Dessa forma a igreja Assembléia de Deus, luta para manter a sua identidade

através de traços que são fortes marcas da instituição que permite aos membros se distinguir

na sociedade em razão das características singulares que permeiam esse grupo religioso, A

igreja estabelece um conjunto de valores e uma ética comportamental que marcam sua

história. No intuito de manter seus princípios e dogmas os lideres da instituição primam pelo

ideal da coletividade e por manter aspectos definitivamente reconhecíveis e conhecidos na

sociedade.

A formação da identidade dos assembleianos:

A identidade é marcada por símbolos, existindo uma associação entre a identidade

do pentecostal e as coisas que ele usa, os trajes e as práticas funcionam neste caso como um

significante que é associado ao padrão e modelo de um fiel assembleiano assim a construção

da identidade é tanto simbólica quanto social, a identidade é marcada pela diferença,

envolvendo reivindicações sobre quem pertence e quem não pertence a um determinado

grupo. O afastamento do mundo, das pessoas não protestantes, e uma rígida moral extraída da

Bíblia, com regras de comportamento buscadas no testemunho dos apóstolos, forneceram um

outro significante que possibilitou uma forma própria de socialização. O assembleiano tem

que levar sua identidade para outros âmbitos de sua vida, não somente na igreja, Ser membro

da Assembléia de Deus implica em representar na sociedade um ser cristão, um ser

pentecostal, uma pessoa “separada do mundo”, sua ideologia está baseada no fundamento que

a compensação pelas boas ações serão recompensadas no céu, após a morte do fiel, o sujeito

religioso é um ser que deve estar centrado no sagrado.

A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por

meio dos quais os significados são produzidos. É por meio dos significados produzidos e

pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos A

representação, compreende um processo cultural, que estabelece identidades individuais e

Page 8: A construção da identidade dos assembleianos

coletivas. Os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais

os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. “As identidades são

construídas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de práticas discursivas

específicas, por estratégias e iniciativas específicas”. (HALL 1990, p. 109). O significado de

ser e pertencer a AD é produzido através dos discursos dos pastores e líderes, existem os

cultos que são realizados apenas para os fiéis no intuito de fortalecer e incentivar os membros

a serem obedientes ao padrão de um verdadeiro cristão, a fidelidade resultará em bênçãos

alcançadas e no direito e privilégio de morar no céu. Aquele que não se encaixa no modelo de

verdadeiro servo de Cristo, deve moldar-se a fim de torna-se um “cidadão do céu”.

Utilizando a religião como um modelo em que processos simbólicos funcionam,

as relações sociais são produzidas e reproduzidas por meio de rituais e símbolos, os quais

classificam as coisas em dois grupos, as sagradas e as profanas. Os artefatos e idéias são

sagrados apenas porque são simbolizados e representados como tais. As representações se

encontram presentes desde as religiões primitivas, tais como os fetiches, as máscaras, objetos

rituais, que eram considerados sagrados porque corporificavam as normas e os valores da

sociedade, contribuindo, para ser unificado culturalmente.

Segundo Durkheim, (1954) é preciso compreender os significados partilhados que

caracterizaram os diferentes aspectos da vida social. Assim, o pão que é comido em casa é

visto simplesmente como em elemento da vida cotidiana, mas, quando especialmente

preparado e partido na mesa da comunhão, torna-se sagrado, podendo simbolizar o corpo de

Cristo para os assembleiano, sendo uma representação do sangue de Jesus Cristo o que torna

para os fies um ato sagrado que deve ser simbolizado como tal. A vida social em geral,

argumenta Durkheim, é estruturada por essas tensões entre o sagrado e o profano e é por meio

de rituais como, por exemplo, as reuniões coletivas dos pentecostais, que o sentido é

produzido. É nesses momentos que idéias e valores são cognitivamente apropriados pelos

indivíduos.

“A religião é algo eminentemente social. As representações coletivas que

expressam realidades coletivas; os ritos são uma maneira de agir que ocorrem

quando os grupos se reúnem, sendo destinados a estimular, manter ou recriar certos

estados mentais nesses grupos.” (DURKHEIM, 1954, p.42).

Para os assembleianos o sagrado está em oposição ao profano, excluindo-o

inteiramente. As formas pelas quais a cultura estabelece fronteiras e distingue a diferença são

cruciais para compreender a identidade. “A diferença é aquilo que separa uma identidade da

outra, estabelecendo distinções, freqüentemente na forma de oposições. A marcação da

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diferença é assim o componente chave em qualquer sistema de classificação”.

(WOODWARD, 200, p.15). Segundo a autora “A identidade depende, para existir, de algo

fora dela: a saber, de outra identidade, que fornece condições para que ela exista” (o sagrado e

o profano) (a casa de Deus e o mundo) a identidade é assim marcada pela diferença, a unidade

cristã enfatiza o coletivo “nós somos todos assembleianos”. Cada cultura tem suas próprias e

distintas formas de classificar o mundo. É pela construção de sistemas que a cultura propicia

os meios pelos quais se pode dar sentido ao mundo social e construir significados, a fim de

manter alguma ordem social, os símbolos, rituais é um meio pelo quais os indivíduos podem

fazer afirmações sobre si próprias, as proibições, disciplinas também distinguem as

identidades daqueles que estão incluídos em um sistema particular de crenças daqueles que

estão fora dele. “As culturas fornecem sistemas classificatórios estabelecendo fronteiras

simbólicas entre o que está incluído e o que está excluído, definindo, assim, o que constitui

uma prática culturalmente aceita ou não.” (WOODWARD, 2000, p. 49)

O contexto social religioso, a linguagem e a cultura dão significados à experiência

que constrói a identidade, Esse conceito tem se destacado como uma questão central nas

discussões contemporâneas assim como os processos envolvidos na produção de significados

por meio de sistemas representacionais, em sua conexão com o posicionamento dos sujeitos e

com a construção de identidades no interior de sistemas simbólicos.

Os sistemas religiosos e simbólicos produzem as estruturas que dão sentido e

ordem a vida social, entre o incluído e o excluído, entre o sagrado e o profano, entre o

masculino e o feminino, que estão no centro dos sistemas de significação da cultura, que

busca compreender aqueles processos que asseguram o investimento do sujeito na auto –

afirmação e construção da identidade, nas palavras de Stuart Hall: “...As identidades são

construídas dentro de discursos que nós precisamos compreender, produzidas em locais

históricos e institucionais específicos, por estratégias e iniciativas específicas”. (HALL, 2001,

p. 78).

Sempre é ressaltado nos cultos da denominação a importância de manter a

identidade como forma de respeitar as origens, através de discursos que afirmam que a igreja

de Jesus Cristo não pode mudar, pois a Bíblia a palavra revelada de Deus aos homens é

imutável, cabe aos membros renunciar as “inovações do mundo” para que o grupo mantenha

a sua identidade. O presidente geral das Assembléias de Deus no Brasil José Wellington ao

escrever um artigo na revista impressa e eletrônica denominada Obreiro que pertence à

instituição teceu o seguinte comentário:

Page 10: A construção da identidade dos assembleianos

Tenho sido um defensor constante da manutenção da identidade assembleiana em

uma época em que alguns infelizmente parecem não estar valorizando tanto isso.

Como pontos principais valorizo o ensino da Palavra de Deus e a prática da Palavra

de Deus no meio do nosso povo. Somos um povo que tem uma origem. Tivemos dos

nossos pais uma fôrma dada por Deus e não podemos, de maneira nenhuma, deixar

que alguns venham mutilar essa identidade, porque aceitar as inovações que estão

querendo trazer para a Assembléia de Deus vai resultar em, dentro de cinco ou dez

anos, nos tornarmos um grupo evangélico igual aos demais no Brasil, sem qualquer

diferença em relação aos que já existem. (Revista Obreiro, 14/10/2004)

Identidade e Pertecimento:

A AD é decorrente da Reforma do século XVI, iniciada pelo monge alemão

Martinho Lutero e dos desdobramentos do Protestantismo. O protestantismo ingressou de fato

no Brasil, a partir da transferência da família real portuguesa para o Brasil em 1808, que

resultou na elaboração do artigo 12 que declarava relativa liberdade de culto. É importante

resgatar a história do protestantismo no mundo e no Brasil assim como os princípios éticos e

traduções norteadores dessa instituição, nesse sentido a obra de Elizete Silva (1982) aborda,

as primeiras décadas do século XIX, período em que o protestantismo penetrou, de fato, no

Brasil, Elizete ressalta que os anglicanos e luteranos se constituem como os grupos que

marcam a inserção do protestantismo no Brasil. Em meados de 1862 surgem às primeiras

igrejas nascendo à primeira igreja presbiteriana do Brasil seguindo de núcleos metodistas em

1866 e dos Batistas em 1871, os protestantes históricos, como são chamados, são grupos

vinculados diretamente à reforma que não cresceu tanto quanto o pentecostalismo, que só se

inseriu em território brasileiro na primeira fase da década de XX.

O pentecostalismo tem suas raízes nos Estados Unidos em 1906, que se deu

através do advento de sete pessoas falando em línguas estranhas o pentecostalismo surge

como um movimento de ênfase no Espírito Santo e no falar em línguas estranhas

(glossolalia), sendo este um dos marcos do movimento pentecostal, o termo pentecostalismo

vem de uma passagem bíblica que diz num dia de Pentecostes a páscoa judaica, o Espírito

Santo desceu aos apóstolos e aconteceram milagres (Atos Cap. 2. Vers. 1). Na expressão de

Claudio José (2003, p.26).

É no batismo com o Espírito Santo e no falar línguas estranhas (glossolalia) que o

símbolo da comunhão com o sobrenatural se manifesta, é a presença real de Deus na

vida do crente que vem para fortalecer no seu dia a dia... O fiel se apossa do

transcendente, e o transcendente se apossa do fiel e o resultado é o êxtase, o

arrebatamento.

Segundo Cláudio José, para os pentecostais o batismo com o Espírito Santo, é o

grande marco da igreja Assembléia de Deus por ser a expressão mais íntima das relações que

o homem deve experimentar. O autor ressalta que a pioneira na manifestação da característica

Page 11: A construção da identidade dos assembleianos

essencial do pentecostalismo foi uma mulher Agnez Ozman, uma aluna do Colégio Bíblico

Betel, experimentou a glossolalia. Em Los Angeles, a Rua Azusa Street ficou conhecida como

o local onde aconteceu um forte pentecostes. As reuniões organizadas por Seymor, em Los

Angeles, eram freqüentados por evangélicos, em sua maioria, negros. O culto em que

manifestações aconteciam, tinha como características os cânticos alegres e informais e

orações em voz altas e simultâneas.

Foi através dos Suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg que se deu a consolidação

do pentecostalismo no Brasil, ambos chegaram ao Brasil em 1910 e se estabeleceram em uma

igreja batista. Daniel Berg, um dos fundadores da Assembléia de Deus no Brasil, expressou-se

em sua obra:

Iniciamos assim as nossas atividades dirigindo cultos e pregando na Igreja Batista. É

claro que não fazíamos reservas quanto à doutrina pentecostal que havíamos

aceitado. Quando dirigimos nos sentíamos dirigidos a pregar acerca dessas verdades,

nós o fazíamos com toda a franqueza. Essas verdades eram novidades para os nossos

ouvintes. Eles tinham lido e ouvido falar dessas coisas, mas apenas de forma

passageira, sem a ênfase de que podiam ser para eles também (BERG, 1995, p.

65).

Os suecos congregaram em uma igreja batista, até o momento da divergência

teológica relacionada ao batismo com Espírito Santo, ambos saíram da igreja batista levando

consigo dezenove pessoas que compartilhavam com eles os mesmos princípios bíblicos.

Os suecos fundaram a Missão da fé apostólica em 1911, que posteriormente foi

dominada de Assembléia de Deus a partir de 1918. O desenvolvimento da AD aconteceu no

sentido Norte-Nordeste para o Sudeste-Sul, a ação missionária dos suecos penetrou nas

diversas regiões brasileiras, tendo seu apogeu em 1930, fase que mais de vinte famílias suecas

evangelizam o Brasil.

As primeiras atividades do trabalho pentecostal no Estado da Bahia começaram na

antiga cidade de Canavieira, no Sul do Estado, através de Joaquina de Souza que anunciava a

mensagem de Cristo. Otton Nelson um missionário americano Foi o responsável pela

implantação da AD em Salvador, se preocupando também com o desenvolvimento do

pentecostalismo no interior do estado, fez viagens ao interior para anunciar o evangelho.

A AD tem os seus princípios cristãos fundamentos em um estatuto geral de caráter

nacional, no entanto cada igreja também possui estatuto próprio de caráter local, a

denominação, não permite que a mulher participe da hierarquia eclesiástica da igreja, o corpo

ministerial da AD é composto majetoriamente por homens, a mulher na AD, não assume

também o ministério pastoral, função esta outorgada só aos homens, respaldado no fato dos

discípulos de Jesus serem homens. Sempre existiu nas Assembléias de Deus no Brasil,

Page 12: A construção da identidade dos assembleianos

características que davam uma idéia de certa “identidade nacional”. Destaco aqui quatro

características marcantes: Usos e costumes, liturgia, corpo ministerial e doutrina. Em todo o

Brasil, aonde qualquer individuo chegasse, essas características eram de imediato percebidas,

as pessoas eram facilmente identificados pelo estereótipo como pertencente a denominação

Assembleiana.

Outra ordenança da AD, que é uma característica da igreja, é o batismo por

imersão nas águas somente para adultos, consumado este feito, o cristão, torna-se membro da

igreja, o que lhe proporciona o direito de participar da Santa Ceia e das reuniões para

membros onde são tomadas as decisões gerais da denominação, e o membro estando em

comunhão pode opinar e votar, assim como ter acesso a atas,livros de registros e

contabilização financeira, nesse contexto, a mulher pode manifestar sua posição, como

membro da igreja.

Cláudio Jorge (2003) em sua dissertação sobre a Assembléia de Deus faz uma

análise no que tange a doutrina dos usos e costumes da AD, afirmando que é notório este

aspecto da igreja sendo sempre regra de conduta dos crentes, usado como padrão e postura

que diferenciam este grupo de outros. No decorrer de suas evoluções os usos e costumes se

estruturaram como forma de se comportar e se conduzir, fundamentados em uma seleção de

textos sagrados que repetidos no decorrer dos tempos se tornaram impregnados como regra de

conduta e vinculados à obediência a Deus, a identidade de um grupo dá a uma pessoa o

sentimento de pertencimento, que está ligado à inclusão e a adesão dos padrões tradicionais

que foram impostos por autoridade, o fiel é levado a agir dentro de padrões que geram um

comportamento atuante de reprodução da identidade coletiva do grupo a que pertence.

Quando um membro da Assembléia de Deus está andando na rua ou em qualquer lugar pode-

se conhecê-lo pelo traje, pela postura, através de termos utilizados pelos fiéis, ( Glória a Deus,

os costumes caracterizam uma classe ou um grupo social em relação aos outros que não

partilham das mesmas condições sociais.

Os costumes da instituição permitem aos indivíduos se orientarem em seu espaço

social e adotarem práticas que estão de acordo com sua vinculação social e pode ser

fortalecida pela implantação dos valores espirituais que leva um fiel a andar, a crer que seu

trajar, sua postura e conduta são exigências para agradar a Deus, pois de certa maneira está

ligada ao padrão doutrinário que os líderes procuram vincular para gerar obediência, sendo

que, para muitos grupos pentecostais estas questões dos trajes, jóias, adornos, não pode ser

questionada, pois, é uma identidade fundamental para diferenciar quem é crente de quem não

é. Para Weber (2004) o uso torna-se uma ação social marcada através da regularidade, os

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usos e costumes praticados pelos assembleianos, possuem uma finalidade que é o de mostrar

os sinais de conversão,e mais ainda elementos definidores e caracterizadores de um grupo, a

saia, o cabelo grande, o paletó, a gravata, o uso da bíblia, até mesmo as expressões de

saudações entre os membros, “A paz do Senhor, Deus te abençoe” no lugar de termos usais

como “Bom dia e Obrigado” diferencia os membros e produzem o ideal de pertencimento,

como um dos sinais que denotam a identidade assembleiana.

Os usos e costumes tradicionalmente praticados na Assembléia de Deus vêm

acompanhando este movimento desde seus primórdios e que se fortalece depois da

sua experiência e cria um éthos, que para o crente desta igreja deve aparecer a

maneira de se conduzir e acima de tudo no trajar, que se mostra como símbolos de

que a pessoa é convertida, e prova de regeneração, sinal de santificação. Esta

santificação é provada pela forma como o crente obedece estes padrões de

identidade que se formou no contexto deste movimento. (COUTO, 2001, p. 29)

Clari Couto enfatiza que a identidade assembleiana é construída, sobretudo nas

vestimentas, o que permite a associação da imagem e estereótipo do fiel a instituição. A

mulher é reconhecida pelo uso de saias, blusas com mangas, cabelos longos, os homens pelo

uso de calças, paletós, de maneira que acontece uma distinção notória em que o membro é

visualizado como pertencente a denominação pentecostal assembleiana. Os membros

precisam ser diferentes do “mundo”, pois os pentecostais repudiam o que denominam

convencionalmente de “mundo” ou “mundanismo”. Na linguagem cristã escrita, a palavra

“mundo” adquiriu conotação pejorativa, o que para os pentecostais e principalmente para os

componentes da Assembléia de Deus, mundanismo é imitar a prática que a sociedade impõe

como valores e que muitas vezes contradiz aos padrões que esta igreja considera como

bíblicos e que afetam os padrões ensinados pelos pioneiros desde a fundação desta igreja.

Para o pentecostal mostrar-se santificado é preciso exteriorizar em sinais e por

meio de comportamentos ensinados e exigidos pela comunidade religiosa, assim a igreja

pentecostal separa os seus membros do mundo com a condição de criar para eles um mundo

separado, não só do ponto de vista ético (não beber, não fumar, etc.) como do ponto de vista

de uma rotina de vida. O fiel, na busca da salvação, deve resistir às tentações e ser radical na

rejeição às tentações ao mundanismo e obedecer aos mandamentos divinos. Deve ser virtuoso,

ter autodeterminação e possuir rigidez para não sucumbir ao mundanismo e ser arrastado pelo

caminho largo dos prazeres da carne e da paixão do mundo. Sendo o mundo tentador como é

viver nele é negar seus prazeres, exigindo do fiel grande força e resistência moral.

É na eficácia dos símbolos que se criam outra modalidade de influência social,

que serve para concretizar, tornar visível e tangível a realidade religiosa, mantendo o

sentimento de pertencimento assegurando assim a participação adequada de acordo com o

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papel de cada fiel. Neste sentido, os símbolos não só ajudam a representar concretamente a

coletividade, como podem também alimentar o sentimento de pertencimento, reproduzindo

conduta e padrões que estão sendo ensinados, como forma de obediência e compromisso.

A capacidade do fiel de aceitar e incorporar um padrão de valores, símbolos e

linguagem, o faz reprodutor de uma concepção cristã e um representante destes valores

símbolos, o que produz no indivíduo uma identidade de pertencer a este grupo, o que faz com

que o fiel assuma responsabilidade e uma identidade religiosa que o identifique como membro

desta instituição, o fiel se sente integrado ao relacionamento com este sagrado e comungará

essa inclusão experimentando essa relação na vivência da igreja. É indispensável para o fiel

assembleiano aceitar os símbolos e valores da denominação, manter o sentimento de pertença,

assegura a participação adequada dos membros de acordo com o papel de cada um, nesse

sentido, a relação de valores é profundamente simbólica. Chartier considera as práticas de

apropriação cultural como formas diferenciadas de interpretação do real. “As práticas que

visam reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo,

significa simbolicamente um estatuto e uma posição” (CHARTIER, 1990.p.13)

Os usos e costumes tradicionalmente praticados na Assembléia de Deus vêm

acompanhando este movimento desde seus primórdios e que se fortaleceu depois da sua

experiência no Brasil o crente desta igreja deve ser diferente na maneira de se conduzir e

acima de tudo no trajar, que mostra como símbolos de que a pessoa é convertida, é prova de

regeneração, sinal de santificação. Esta santificação é provada pela forma como o crente

obedece estes padrões de identidade que se formaram no contexto deste movimento. É na

religião que se sustenta o vínculo com o sagrado, o que vale dizer que ela tem que responder a

necessidade do indivíduo e garantir através do ritual e de seus símbolos o equilíbrio do fiel

com o transcendente e ajudá-lo no comportamento que reproduzirá na relação social.

Porém, esta forma de “identidade Assembleiana” está sendo pouco a pouco com

algumas exceções, flexibilizada ou adaptada aos novos valores, nesse aspecto, como diz

Ricardo Gondim.

“A maior luta da Assembléia de Deus é preservação de suas tradições, de seus usos e

costumes. A igreja tenta preservar o que havia em 1930, 35, e fechou os olhos para o

fato de que, de 35 para cá, não só o mundo mudou como os próprios membros e as

pessoas dentro da igreja”. (GONDIM, 1995. p. 127).

Outro elemento que caracteriza e diferencia os assembleianos de outros grupos

religiosos é a questão do batismo com Espírito Santo, fenômeno intrinsecamente ligado a essa

denominação religiosa. O pentecostalismo surgiu com a motivação explicita de recuperar a

Page 15: A construção da identidade dos assembleianos

atitude da experiência cristã. E para o pentecostal, o batismo com o Espírito Santo é

fundamental para dar uma identidade diferencial, que desde seu início causou uma ruptura

com os batistas. A inauguração da Assembléia de Deus demarca como princípio fundante para

uma adesão ao pentecostalismo esta experiência. Com sua mensagem sobre o fervor a

experiência com Deus, a ação do Espírito Santo e o entusiasmo religioso com suas

reivindicações diretas do conhecimento divino, e isto gerou no seio do protestantismo uma

ruptura com os batistas que levou ao surgimento da Assembléia de Deus, os fundadores, da

AD Gunnar Vingren e Daniel Berg, depois de se declararem pentecostais e estimularem os

fiéis a aderirem esta nova maneira de ser, foram excluídos da igreja Batista por

incompatibilidade doutrinária. As principais lideranças da AD enfatizam ainda hoje que não

se deve perder de vista o modelo deixado pelos missionários. Por isto, em 1979 criou-se o

Conselho de Doutrina da Convenção Geral para cuidar dos assuntos correspondentes a ética

comportamental da igreja, a fim de manter a identidade dos assembleianos, que é forjada

sobre tudo no estereotipo.

A doutrina dos usos e costumes é visto como regra de obediência aos padrões

bíblicos para guiar o comportamento dos crentes. O processo de contínuas repetições dos usos

e costumes vem sendo exigido por muito tempo como regra de obediência e santidade, onde

através da separação os crentes procuram agradar a Deus e que por contínuas repetições

ocorre um costume. Para Josep “Costume é um padrão de comportamento exteriorizado e

difundido e que são considerados como comportamento desejado”. (FICHETER, 1996, p.121)

Dessa forma a identidade permite aos indivíduos se orientarem em seu espaço

social e adotarem práticas que estão de acordo com sua vinculação social, e pode ser

fortalecida pela implantação dos valores espirituais que levam um fiel a andar e crer que seu

trajar, sua postura e conduta é exigência para agradar a Deus, este processo se torna tão bem

instalado que provavelmente ninguém se perguntará por que determinadas coisas são feitas

desta ou daquela maneira, como por exemplo: usar cabelos longos para as mulheres, saias,

etc., que começou como um costume inicial e com a contínua repetição do grupo ao passar do

tempo constituiu-se como um padrão de comportamento repetido e institucionalizado, neste

sentido, a permanência destas contínuas repetições são práticas reguladas por regras táticas

que são abertamente aceitas, caso contrário o fiel não é considerado um assembleiano, a

identidade é constituída mediante valores rituais ou simbólicos que irão inculcar normas de

comportamento através desse modelo que é reproduzido pelo grupo, o que postula uma

identidade grupal.

Page 16: A construção da identidade dos assembleianos

A construção da identidade religiosa dentro da Assembléia de Deus, como ponte

de ligação entre a Europa reformista e o Brasil contemporâneo segue a mesma fórmula de

qualquer outro elemento aglutinador do sentido da identidade religiosa. Segundo a Folha de

São Paulo:

(…) nos últimos 25 anos, ao mesmo tempo em que a situação econômica se

deteriorava e que o número de excluídos aumentava, as novas seitas e superstições

se espalharam na Europa. É como se, no movimento lento das mentalidades, entre o

terreno conquistado pela racionalidade técnica e aquele perdido, pelas religiões

tradicionais. Sobrado uma terra de ninguém que está sendo ocupada por novas

crenças ou formas de religiosidade arcaicas. Com os tempos difíceis as pessoas

voltam a depositar suas esperanças na divina providencia e a acreditar em milagres.

(Folha de São Paulo, 26/12/1990).

Entra nos meios de comunicação um novo personagem religioso, um novo tipo de

crente diferente dos tradicionais mais ligados ao sobrenatural, a emocionalidade, que tem um

estilo de culto diferente e que faz um enorme barulho, são eles os pentecostais assembleianos.

É necessário um esclarecimento maior sobre o protestantismo inicial, de

fundamental importância para o entendimento das bases teóricas utilizadas pela AD na

construção de sua ideologia, que por sua vez é a aglutinadora social da identidade religiosa de

seus praticantes, utilizando a análise sobre o calvinismo, o metodismo, e as igrejas Batistas.

Estes movimentos enfatizavam o ascetismo no mundo e valorizavam o conjunto de regras que

orientavam a conduta dos fiéis.

De acordo com Weber, (1999) Calvino teria sido o mais radical. Através da sua

doutrina da predestinação onde parte da humanidade já nascia condenada por Deus e a outra

parte já nascia salva, vemos um mundo estático, imóvel, onde os homens não podiam

questionar os desígnios de Deus, nem lutar por mudanças. Tal coisa seria vista como

presunção do homem. Percebe-se esta rigidez com mais ênfase no Calvinismo.

As outras denominações já admitiam alguma possibilidade de arrependimento

visando à purificação, os Metodistas, mesmo sendo ascéticos valorizavam bastante o lado

emocional da religião, embora pregassem uma ética racional e ascética justificando o seu

próprio nome, isto é, tenham um método de conduta e o momento do arrependimento, seguido

da conversão que envolva intenso componente emocional.

Os Batistas, com seu forte componente racional, tinham também em seu interior a

possibilidade de redenção do homem pelo arrependimento, já não havia a idéia de

predestinação, o homem poderia se tornar um dos eleitos através da ascese no mundo, sua

conduta correta o levaria a Deus, admitindo que o contato com o sobrenatural (Deus) através

do arrependimento pode ter contato com a “luz divina” e intuir que é um eleito, ou que ainda

pode, através de sua conduta correta, provar sua condição de eleito perante Deus.

Page 17: A construção da identidade dos assembleianos

No Brasil, os protestantes tradicionais ou históricos também se caracterizavam

pelo ascetismo acentuado e pela pouca importância que davam às manifestações emocionais

em oposição ao pentecostalismo e principalmente ao neopentencostalismo. As igrejas

protestantes tradicionais seriam aquelas que tentam se manter fiéis aos ideais reformistas

puritanos. Segundo Elizete Silva (1982), esses grupos protestantes foram organizados por

missionários a partir da última década da primeira metade do século XII. Essa era missionária

teria percorrido todo o século XIX e teria chegado por aqui antes da primeira guerra mundial.

A primeira onda, chamada de pentecostalismo clássico, inicia-se em 1910, com a

fundação da Congregação Cristã no Brasil (SP) e da Assembléia de Deus (em 1911, no Pará).

Essa ênfase no dom de línguas (glossolalia) radical seitarismo e ascetismo de rejeição do

mundo. Na realidade os assembleianos acreditam que a liberdade está primeiro na aceitação

de Jesus, os que não crêem, precisam de ajuda para encontrar a salvação, sendo, portanto, uma

obrigação de todos assembleianos auxiliar na conversão “daqueles que estão perdidos”. Ao

assumirem a Palavra de Deus, assumem também o combate ao demônio (maligno) quanto nas

doenças, na desagregação da família.

A AD desencadeia esta guerra e continua empenhada em levá-la adiante. É a

guerra cósmica entre Deus e o Diabo, os seres humanos conscientes disso ou não, participam

ativamente dessas batalhas denominada “Guerra espiritual”, entre os desejos da carne e o

espírito. É necessário partir do princípio de que na concepção assembleiana, o sobrenatural é

presente e constante na sociedade cristã. Para o fiel, bem e mal são categorias concretas, da

realidade empírica de seu cotidiano, arraigada a identidade religiosa dos assembleianos,

possuindo uma linguagem simbólico – religiosa pelo qual interpreta e reconhece com o

sobrenatural, os fiéis desta igreja em momento algum negam a crença no poder e na existência

dos espíritos, embora evitem estabelecer uma relação de reciprocidade, os assembleianos

deixam bastante clara que esta relação é indesejada.

Para os assembleianos “não há qualquer possibilidade de convivência entre Jesus

e o Diabo”. A reciprocidade só pode ser admitida entre o fiel e o Senhor, por intermédio do

Espírito Santo, que estaria dentro de cada um de nós, através da fé. Desse modo cria-se uma

identidade de valores e se estabelece a confiança e principalmente na fé, a identidade religiosa

do crente AD é trabalhada no imaginário e na realidade da vida do indivíduo, em suas

categorias mentais enraizada. O significado do pentecostalismo, do ponto de vista

sociológico, pode ser entendido em função de suas repercussões sociais, ou seja, de uma

determinada visão religiosa do mundo que gera um comportamento concreto na sociedade,

visando atender a determinadas necessidades.

Page 18: A construção da identidade dos assembleianos

Na AD existem categorias de valor, como o leve e o pesado, o puro e impuro. É

possível afirmar que existe uma taxionomia das coisas que classifica e hierarquiza os homens.

As categorias existem uma em relação à outra e o valor é distribuído diferentemente na

classificação. Privilegia-se à uma leitura que toma a construção do sagrado e do profano como

categorias, idéias construídas socialmente na identidade dos cristãos. Utilizando tais

categorias, pode-se falar da sacralização de pessoas e objetos e de atitudes ligadas à ordem e à

desordem.

Legitimação da Identidade:

É necessário ao fiel demonstrar uma prova objetiva da fé, ou seja, os atos

externos, que se da por intermédio, do cumprimento de um código de conduta, a identidade

grupal prevalece sobre a individual. “De certa forma as regras e o cumprimento delas, servem

para ligar um grupo de pessoas e criar uma identidade que faz os seus membros perceberem

sua existência dentro de uma sociedade” (Couto, 2001. p. 75). O cumprimento dessas regras é

imprescindível para manter a identidade dos fies, de modo que deve ser obedecida. Os fiéis da

igreja compactuam práticas e atitudes, e sabem que existem normas claras e definidas como

referencial para suas vidas, e que o descumprimento dessas regras resultará em sanções

disciplinares, como forma de assegurar que a identidade será mantida, para que os valores não

se percam em meio a mudanças e inovações.

É na cultura que se vai encontrar padrões de valores que será significativo para cada

grupo, este é construído pelas contínuas repetições de valores que para este grupo ou

sociedade... É no padrão de comportamento de um grupo, que se define uma

uniformidade, na maneira de agir, de pensar, que se produz regularmente entre uma

pluralidade de pessoas. (NIDA, 1985. p. 77).

Os usos e costumes tradicionalmente praticados na Assembléia têm sido mantidos

até os dias atuais devido ao fato de que os primeiros crentes, ainda estão vivos,

acompanhando o crescimento da igreja desde os primórdios. Esses anciões diferentes da nova

geração presente na igreja acreditam que a igreja deve se conduzir de maneira diferente.

Sobretudo no trajar, que uma pessoa é convertida como um sinal de regeneração e

santificação. Esta santificação é demonstrada através da maneira como um cristão obedece a

padrões de identidade consolidadas no movimento, as vestes, os cabelos e a estética dos

padrões assembleianos. A AD criou seu próprio código de conduta cristã e hoje perdura

devido ao medo dos remanescentes de perder o controle sobre um sistema normativo

racionalizado.

Page 19: A construção da identidade dos assembleianos

O grupo predomina sobre o indivíduo, as normas se elevam sobre a coletividade

para legitimar a identidade, as regras são assimiladas como se fossem algo que pertence à

ordem natural das coisas e ganham na comunidade um significado espiritual. O processo de

continuas repetições dos usos e costumes na Assembléia de Deus vem sendo exigido por

muito tempo como regra de obediência e santidade, onde através da separação os crentes

procuram agradar a Deus por continuas repetições, ocorre um costume na comunidade cristã,

e essa experiência repetida pelo grupo se tornou institucionalizado. Os valores e o padrão

doutrinário pregado pelos lideres leva o fiel a crer que seu trajar, sua postura e conduta é

exigência para agradar a Deus. Este processo se torna tão bem instalado que ninguém

questiona por que determinadas coisas são feitas desta ou daquela maneira. Exemplo, usar

cabelos longos para as mulheres, calça para os homens e nunca bermudas. Com a continua

repetição do grupo se transformou num hábito e com o tempo constitui-se um padrão de

comportamento repetido e visto como correto.

A Bíblia é a expressão escrita da tradição que se vincula tão estreitamente a

assembléia que ambas tornaram-se inseparáveis. A Bíblia é para os líderes da igreja como um

rio portador de experiência do passado, servindo de riqueza e alimento para a posteridade,

pois não há como desenvolver uma regra sobre indumentária sem levar em conta as

manifestações e citações presente no livro sagrado. É com base nos versículos bíblicos que os

líderes constroem seus discursos de modo que os fieis possam trilhar pelos caminhos da

verdade.

Conclusão:

Com uma nova visão de mundo desde sua fundação, a Assembléia de Deus com

seu desenvolvimento histórico e religioso no seio do Brasil é por natureza um movimento

pentecostal, que se diferencia dos grupos protestantes históricos e do neopentecostalismo.

Com ênfase na glossolalia além da Doutrina dos usos e costumes que se tornou modo de ser

para esta igreja, utilizando- se dos relatos bíblicos para legitimar a identidade assembleiana a

fim de manter o estereotipo de cristão, a resistência as mudanças consiste em uma atitude de

preservação da identidade resistindo as criticas e aos apelos visuais.

A concepção de santidade e de separação do mundo e o modo de ser formou neste

grupo uma identidade própria, utilizando textos da Bíblia criou no campo religioso uma forma

simbólica de valores, padrões éticos e a postura de afastamento de tudo o que é mundano.

Nesse sentido, organiza-se e move-se sobre padrões constituídos para servir como modelo ou

Page 20: A construção da identidade dos assembleianos

guia de comportamento de cada pessoa dentro do grupo. Os padrões cristalizam-se como

forma de costume, e que se tornam princípios de certo e errado, de sagrado e profano, sendo

dessa forma postulada a identidade dos assembleianos. Os usos e costumes e a ética

comportamental da Assembléia de Deus, constituem uma tradição desta igreja, assim como

seu rígido código de conduta.

A Assembléia de Deus sustenta sua doutrina, afirma que o crente deve ser

submisso e obediente aos padrões que os conduzam a aproximação á Deus afim dos fies

serem santos em toda maneira de viver, Nesse sentido os usos e costumes são vistos como

conduta fundamental para comungar com o sagrado e separar-se do profano, as regras não

devem ser questionadas ou burladas, já que constitui-se um fator fundamental para sustentar

uma unidade básica irredutível dos papeis sociais. Os usos e costumes é reconhecido como

símbolo da conversão, prova de regeneração e sinal de santificação, diferenciando quem é

crente de quem não é.

Ser membro da Assembléia de Deus implica em separação, em troca do conforto

espiritual, da certeza da salvação, da cura e da participação na comunidade dos eleitos a morar

no céu, o cristão deve renunciar os prazeres da carne a fim de adquirir a vida eterna. O crente

deverá observar toda uma serie de proibições, prescrições e regras comportamentais,

separando-se do mundo com suas tentações.

Page 21: A construção da identidade dos assembleianos

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