a constitucionalidade do tribunal penal internacional

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  • 7/24/2019 A Constitucionalidade Do Tribunal Penal Internacional

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    A CONSTITUCIONALIDADE DO TRIBUNAL PENAL

    INTERNACIONAL

    Gabriel Pedro Moreira Damasceno1

    Leandro Luciano da Silva 2

    RESUMO: A Comunidade Internacional vem enfrentando um srio problema em relao produo de efeitos da proteo internacional dos direitos humanos, quando se trata daocorrncia de determinados crimes contra o Direito Internacional. O Tribunal PenalInternacional, criado por meio do Estatuto de Roma de 1998, representou um incitamento teoria da responsabilidade internacional dos indivduos, visto que o Estatuto prev a puniodos indivduos que praticarem os atos ilcitos previstos neste. O Brasil aderiu ao TribunalPenal Internacional pela Emenda 45/2004. O TPI tem carter excepcional complementar ao

    exerccio da jurisdio penal dos Estados e sua jurisdio est limitada aos crimes degenocdio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agresso. O TPI possuirelacionamento conturbado com a comunidade internacional, considerando-se que certos

    procedimentos e sanes presentes no Estatuto de Roma tm sua aplicao condenada pelasconstituies de alguns Estados, como o caso da Constituio da Repblica Federativa doBrasil de 1988- CRFB/88. O objetivo deste trabalho foi analisar a existncia de conflitos entreo Estatuto de Roma e a CRFB/88. Como opo metodolgica utilizou-se a reviso

    bibliogrfica e documental, bem como da anlise sistemtica da Constituio da RepblicaFederativa do Brasil de 1988, do Estatuto de Roma, da Carta das Organizaes das NaesUnidas e do Pacto de So Jos da Costa Rica, alm de outros documentos de pertinnciatemtica. Concluiu-se que, a apesar de a CRFB/88 condenar os institutos da extradio e da

    priso perptua, figuras presentes no Estatuto de Roma, os supostos conflitos existentes entrea CRFB/88 e o Tribunal Penal Internacional no se materializam.

    PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Jurisdio penal internacional. Tribunal PenalInternacional. Estatuto de Roma. Constituio da Repblica Federativa do Brasil.

    1Advogado. Ps-Graduando em Direito InternacionalCEDIN.

    2Doutorando FAE/UFMGDocente do Curso de Direito da UNIMONTESDocente do Curso de Direito das Faculdades

    Integradas Pitgoras de Montes Claros, FIP-Moc.

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    ABTRACT: The international community is facing a serious problem in relation to the takingeffect of international protection of human rights, when it comes to the occurrence of certaincrimes against international law. The International Criminal Court, established by the RomeStatute of 1998, represented an incitement to the theory of international responsibility of

    individuals, since the statute provides for the punishment of individuals who commit illegalacts under this. Brazil joined the International Criminal Court by Amendment 45/2004. TheICC has exceptionally complementary to the exercise of criminal jurisdiction of states andtheir jurisdiction is limited to genocide, war crimes, crimes against humanity and the crime ofaggression crimes. The ICC has troubled relationship with the international community,considering that certain procedures and sanctions stated in the Rome Statute have condemnedits application in the constitutions of some states, such as the Constitution of the FederativeRepublic of Brazil from 1988 to CRFB/88. The aim of this study was to analyze the existenceof conflicts between the Rome Statute and the CRFB / 88. As a methodological option usedthe literature and document review, as well as the systematic analysis of the Constitution ofthe Federative Republic of Brazil in 1988, the Rome Statute, the Charter of the United

    Nations Organizations and the Pact of San Jose, Costa Rica, in addition other documentsthematic relevance. It was concluded that, although the CRFB / 88 convict institutes ofextradition and life imprisonment figures present in the Rome Statute, the alleged conflicts

    between CRFB/88 and the International Criminal Court does not materialize.

    KEYWORDS: Human Rights. International criminal court. International Criminal Court.Rome Statute. Constitution of the Federative Republic of Brazil.

    INTRODUO

    A comunidade internacional vive um momento de intensas transformaes, as quais

    provocam modificaes na relao dos sujeitos nela inseridos. Tem surgido uma preocupao

    internacional com direitos humanos como nunca antes se viu. Contudo, no se pode falar em

    proteo internacional dos direitos humanos sem a contrapartida das responsabilidades do

    indivduo perante o plano internacional.

    notrio que as Grandes Guerras Mundiais, a Guerra Fria e outros conflitos internos

    como na Ruanda foram acontecimentos histricos que trouxeram transformaes que

    repercutiram nos valores sociais, alcanando inclusive a evoluo de conceitos como o da

    soberania.

    O Tribunal Penal Internacional, criado por meio do Estatuto de Roma de 1998,

    representou um incitamento teoria da responsabilidade internacional dos indivduos, visto

    que o Estatuto prev a punio dos indivduos autores de atos ilcitos previstos no Estatuto,

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    quais sejam: crime de genocdio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de

    agresso.

    Em 11 de abril de 2002, o Estatuto alcanou ratificao em 66 Estados, ultrapassando,

    desta forma, o consenso mnimo necessrio para a sua entrada em vigor, a que alude o seu

    artigo 126.

    O Brasil assinou o tratado internacional referente ao Estatuto de Roma, submetendo-se

    a sua jurisdio, todavia diversas so os debates a respeito da compatibilidade do Estatuto de

    Roma com a ordem Constitucional Brasileira.

    O objetivo do presente trabalho monogrfico ser analisar a existncia de conflitos

    entre o Estatuto de Roma e a Constituio da Repblica Federativa do Brasil - CRFB/88.

    Para atender ao propsito do presente estudo utilizou-se como estratgia metodolgicareviso bibliogrfica e documental.

    Este trabalho foi dividido em trs captulos. O primeiro tratar da formao de uma

    jurisdio internacional penal, analisando-se aspectos histricos dos Tribunais Internacionais

    at a instituio de um Tribunal permanente. No segundo, analisar-se- os tipos penais

    previstos pelo Estatuto de Roma. No terceiro captulo, intitulado abordar-se- temas pautados

    ao suposto conflito entre o Estatuto de Roma e a CRFB/88; so, ainda, objetos deste captulo,

    o princpio da complementaridade, a proteo internacional dos Direitos Humanos, amitigao da soberania, a entrega de estrangeiros ao Tribunal Penal Internacional e a pena de

    priso perptua.

    No final do terceiro captulo chega-se a concluso de que no h conflitos concretos,

    todavia aparente, entre o Estatuto de Roma e a CRFB/88.

    1. A FORMAO DE UMA JURISDIO PENAL INTERNACIONAL

    1.1Evoluo histrica

    O perodo ps-guerra no sculo passado remete diretamente as atrocidades cometidas

    pelos pases com regimes totalitrios Nazista e Fascista. A prpria Segunda Grande Guerra, a

    perseguio a grupos de indivduos, genocdios, todos estes acontecimentos trouxeram uma

    preocupao em nvel internacional da proteo dos Direitos Humanos.

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    Segundo Lopes e Claro (2011) a importncia dos Direitos Humanos tem levado os

    Estados a assumirem responsabilidades atravs de tratados internacionais que regulam que o

    indivduo tenha seus direitos respeitados por todos, contra o Estado e contra os particulares.

    A aprovao do Estatuto de Roma, criador do Tribunal Penal Internacional,

    concretizou-se como um significativo avano para a evoluo do Direito Internacional na

    proteo dos Direitos Humanos. Diversas situaes se amontoaram para lograrem este feito,

    antecedentes os quais remontam histrico das relaes entre os indivduos de culturas

    divergentes, em busca de um relacionamento pacfico entre todas as naes (SABIA, 2000).

    Para remontar o histrico de como se chegou importncia atual dada aos Direitos

    Humanos, Mazzuoli (2010) esclarece que: a partir do momento em que o homem comeou a

    viver em conjunto, ou seja, em uma sociedade, esta lhe trouxe inmeras implicaes sob a sualiberdade. por isso que acabou sendo necessria a criao de normas que regessem a vida

    em grupo. Sabe-se que tanto as antigas comunidades quanto os Estados atuais so formados

    por indivduos diferentes, seguindo cada um seu padro de vida, de acordo com os padres

    econmicos, financeiros, sociais Segundo Lopes e Claro (2011), a primeira das tentativas de

    se criar um Tribunal Penal Internacional ocorreu em 1474, em Breisach, Alemanha, para

    julgar Peter Von Hagenbach, por ter permitido que suas tropas saqueassem propriedades de

    civis e estuprassem e matassem. exatamente neste contexto de possibilidade de se debater econstituir tratados que se permitiu a criao futura de uma jurisdio internacional e,

    atualmente, a busca conjunta da proteo dos direitos humanos, punindo-se os indivduos que

    os ferem.

    Mazzuoli (2010) ilustra que durante a Segunda Guerra Mundial, no perodo de 1939 a

    1945, houve uma desvalorizao da vida do ser humano, deposto de sua dignidade e seus

    direitos. Na Era Hitlersegundo Mazzuoli (2010), a titularidade dos direitos humanos fora

    condicionada ao fato de pertencerem a raa pura ariana, destituindo, assim, os direitos dequem no pertencia determinada condio.

    O principal legado do Holocausto para a internacionalizao dosdireitos humanos constituiu na preocupao que gerou no mundo ps-Segunda Guerra, acerca da falta que fazia uma arquitetura internacional deproteo aos direitos humanos, com vistas a impedir que atrocidades daquelamonta viessem a ocorrer novamente no planeta. Da porque o perodo dops-guerra significou o resgate da cidadania mundialou a reconstruo dosdireitos humano [...] (MAZZUOLI, p. 846, 2010).

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    Ainda para Mazzuoli (2010) pode-se dizer que o desenvolvimento do Direito

    Internacional sob o ponto de vista do respeito aos Direitos Humanos nasceu das violaes

    desses direitos durante a guerra.

    O fim da 2. Guerra Mundial trouxe para o mundo no somente apaz, como tambm, para o Direito Internacional, a era das OrganizaesInternacionais. Os desenvolvimentos do ps-45 trouxeram a idia [sic] deque no mais os Estados seriam os nicos sujeitos de Direito Internacional:as Organizaes Internacionais tambm ocupariam esse posto. Entretanto,mais que a consagrao de novos sujeitos, a era das organizaesinternacionais trouxe algo indito para o Direito Internacional: o aumentoincalculvel de normas internacionais, principalmente aquelasconsubstanciadas em tratados internacionais (GALINDO, p. 8, 2000).

    Segundo Rezek (2011), no ramo do Direito Internacional Pblico no se podia garantir

    a existncia de uma ideia organizada de proteo aos os Direitos Humanos antes da

    concepo das Naes Unidas, no ano de 1945.

    A Carta de So Francisco, no dizer de Pierre Dupuy, fez dos direitoshumanos um dos axiomas da nova organizao, conferindo-lhes idealmenteuma estrutura constitucional no ordenamento do direito das gentes. Trs anosmais tarde, em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral aclama aDeclarao de direitos do Homem, texto que exprime de modo amploe umtanto precoce as normas substantivas pertinentes ao tema e no qual asconvenes supervenientes encontrariam seu principio de inspirao

    (REZEK, p. 254, 2011).

    A ideia de Galindo (2000) que a criao de tantas organizaes e normas

    internacionais seja um problema e que, com o ps-45, o mundo presenciou o aumento dos

    tribunais internacionais.

    Embora os Tribunais Internacionais no tenham surgido apenas nops-45, somente a partir deste perodo que um nmero maior de tribunaisaparecer. O fenmeno vai proporcionar a criao de tribunaisinternacionais, quer ainda existentes, quer j extintos, com alcances

    diferentes (GALINDO, p. 9, 2000).

    Todo este cenrio poltico encaminhou a sociedade para a criao de Tribunais

    Internacionais adhocque deveriam, como primeiro escopo, solucionar os problemas da poca

    na nsia de justia e eventual preveno aos crimes que chocam a sociedade e abalam os

    direitos humanos.

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    1.2 O julgamento de criminosos de guerra e a criao dos tribunais ad hoc

    A concepo de uma Justia Penal Internacional emergiu no sculo XX. Comeando

    em 08 de dezembro de 1948 com a Conveno para a Preveno e Represso ao Crime de

    Genocdio, crime considerado atentado contra a ordem internacional (LOPES; CLARO,

    2011).

    Nesse sentido:

    [...] torna-se possvel reconhecer a existncia mesmo antes daSegunda Guerra Mundial, de circunstncias suscetveis criao demecanismos que assegurassem a sano de indivduos no planointernacional. Essa tendncia confirmar-se-ia a partir de 1945, quando

    aflorou um consenso internacional unnime diante da barbaridade e dagrandeza dos crimes cometidos pelos dirigentes do III Reich alemo,favorecendo, desse modo, a implementao da ideia de edificao dosTribunais Militares internacionais institudos pelos aliados vitoriosos(LIMA, BRINA, p. 28, 2006).

    Segundo Piovesan (2007), desde 1948 se pensava na criao de uma Corte Penal

    Internacional para a preveno de crimes como o de Genocdio. Para Sabia (2000) a

    conveno sobre o Genocdio, aprovada em 1948, teve por escopo a definio desse crime,

    no se apegando a conflitos especficos, prevendo inclusive o estabelecimento de um possvel

    tribunal criminal internacional.

    Ainda de acordo com Sabia (2000), entende-se que a humanidade torna-se titular de

    direitos e precisa de uma forma para se assegurar a represso de crimes contra ela, procurando

    por meios que se amoldem a garantir o exerccio de sua titularidade. Gerou-se a expectativa

    da criao de um Tribunal Penal Internacional, enquanto que os entes Estatais no eram

    suficientemente capazes de salvaguard-la.

    Galindo (2000) lembra que, de fato, os Tribunais Internacionais no surgiram apenas

    no momento histrico ps-45, contudo a partir desse momento que se acentuaram a criao

    de tais tribunais. Cita inclusive a criao do Tribunal de Nuremberg, que fora criado para

    julgar a Alemanha.

    Tanto no prprio Tribunal como, posteriormente, no mbitodoutrinrio, firmou-se uma intensa discusso acerca da adequao dascategorias de crimes contra a paz e contra a humanidade ao principio dalegalidade no mbito penal (nullum crime sine lege, nulla poena sine lege).Esses crimes no eram considerados como tais na poca em que foram

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    cometidos, surgindo, portanto, a ideia de justia retrospectiva. Essa polemicano se estendeu aos crimes de guerra, pois estes encontravam respaldo nosusos da guerra, tal como haviam sido codificados pelos instrumentosrelativos ao direito dos conflitos armados. Por fim, o Tribunal afirmou que aprpria Carta de Nuremberg era expresso do Direito Internacional existenteno momento de sua constituio, de modo que a Carta vinculava suasdecises. Ficou excluda a possibilidade de o principio da legalidade serinterpretado como um limite eficcia do Tribunal, afirmando-se que ditopreceito consiste principio geral de justia e que, como tal torna imperativa apunio dos criminosos de guerra. Nesse sentido, puni-los no seria injusto.Deix-los impunes o seria. Raciocinando dessa forma corria-se o risco deincorrer em aplicao retroativa do direito, mas priorizava-se a punio dascondutas desumanas e profundamente lesivas sociedade internacional emseu conjunto (LIMA, BRINA, p. 29, 2006).

    De acordo com Piovesan (2007) o Tribunal de Nuremberg, em 1945-1946, consistiu

    em um progresso para que a proteo dos direitos humanos fosse elevada em nvel

    internacional. Aps o fim da Segunda Guerra, com o acordo de Londres de 1945, convocou-se

    um Tribunal Militar Internacional, com o objetivo de julgar os criminosos de guerra. Segundo

    a autora, este tribunal aplicou como fundamento o costume internacional.

    Quando ao costume internacional, sua existncia depende: a) daconcordncia de um nmero significativo de Estados com relao adeterminada prtica e do exerccio uniforme relativo a ela; b) dacontinuidade de tal prtica por considervel perodo de tempo j que o

    elemento temporal indicativo da generalidade e consistncia dedeterminada prtica; c) da concepo de que tal prtica requerida pelaordem internacional e aceita como lei, ou seja, que haja o senso, deobrigao legal, a opinio juris. Nesse sentido, a prtica da tortura, dasdetenes arbitrrias, dos desaparecimentos forados e das execuessumrias cometidas ao longo do nazismo constitui violaes ao costumeinternacional. Atende-se ao fato de que o costume internacional tem eficciaerga omnes, aplicando-se a todos os Estados, diversamente dos tratadosinternacionais, que s se aplicam aos Estados que os tenham ratificado(PIOVESAN, p.36, 2007).

    Ainda de acordo com Piovesan (2007), a condenao de quem colaborou para o

    Nazismo foi fundamentada na violao de tais costumes internacionais, ainda que, como

    exporto por Lima e Brina (2006), houvesse polmica sobre o tribunal ser de exceo, criado

    ps-fato. Contudo, o legado do Tribunal de Nuremberg permitiu uma evoluo no sentido da

    proteo internacional dos direitos humanos.

    Ainda segundo Lima e Brina (2006), criou-se inclusive o Tribunal de Tquio, nos

    mesmos moldes do Tribunal de Nuremberg, uma vez que tambm possua carta prpria.

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    Accioly, Silva e Casella (2010), afirmam que, naquele tribunal, foram utilizados princpios

    anlogos a este.

    [...] A carta do Tribunal Internacional Militar para o ExtremoOriente, adotada em 19 de janeiro de 1946, seguiu regras semelhantes s deNuremberg [...]. Ilustrativamente, reafirmou-se tambm aqui a caractersticade tribunais dos vencedores, especialmente ao serem desconsiderados osbombardeios de Hiroshima e Nagasaki na anlise dos crimes perpetradosdurante a guerra. Cabe ressaltar, que o Tribunal de Tquio teve umacomposio mais diversificada que o de Nuremberg, aproximando-se maisda regra de imparcialidade, tangente distribuio geograficamenteequitativa de seus membros, prevalecente em vrios Comits, Comisses etribunais internacionais da atualidade [...] (PIOVESAN, p. 151/152, 2003).

    Moura (2010) esclarece que os Tribunais de Nuremberg e Tquio levaram a

    julgamento os acusados por crimes de violao massiva aos direitos humanos, entranhando

    uma conscincia da necessidade da proteo da humanidade em uma rede supranacional

    punitiva, ainda que mencionados tribunais estivessem repletos de vcios e violaes de direito,

    trouxeram essa conscincia.

    Todavia, Sabia (2000) demonstra que durante a Guerra Fria - compreendendo o

    perodo entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extino da Unio Sovitica

    (1991) havia uma maior rigidez e bloqueio a evoluo de um Direito Internacional que

    visasse uma proteo universal dos direitos humanos, afinal, havia uma disputa por poderpoltico entre os Estados Unidos e Unio Sovitica. Com o final da guerra ocorreu uma

    tendncia de fragmentao de diversos Estados, trazendo por consequncia diversos conflitos

    tnicos, raciais e religiosos, ocorrendo massacres que ameaavam a paz e a segurana

    internacional.

    Galindo (2000) cita como uma circunstncia que favoreceu a criao de tribunais

    internacionais o fim deste bilateralismo, causando um consenso maior no Conselho de

    Segurana da ONU.O Conselho de Segurana da ONU. Segundo Accioly, Silva e Casella (2010), foi

    criado para ser o principal rgo das Naes Unidas, tem dez membros, sendo eles cinco

    permanentes (China, Estados Unidos da Amrica, Frana, Reino Unido e Rssia) e os outros

    eleitos pela Assembleia Geral, eleio que ocorre de dois em dois anos, no sendo possvel

    reeleio para o perodo imediato. Cada membro do conselho tem apenas um representante e

    apenas um voto.

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    O Conselho de Segurana o rgo das Naes Unidas que temcomo principal atribuio manuteno da paz e segurana internacionais,sendo atualmente considerado ao menos teoricamente como o rgoprimordial da organizao [...] (MAZZUOLI, p. 577, 2010).

    Em todas as decises, necessrio voto afirmativo de nove de seus membros, sendo

    obrigatrias o voto afirmativo de todos os membros permanentes. o consagrado poder de

    veto. So os membros do Conselho de Segurana (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2010).

    A bipolarizao citada por Accioly, Silva e Casella (2010), com o poder de veto das

    grandes potncias, prejudicou por anos o Conselho e acabou enfraquecendo o mesmo, tendo

    em vista as posies divergentes de seus membros permanentes. Contudo a despolarizao

    com o fim da Guerra Fria muito contribuiu para que o Conselho pudesse tomar as efetivas

    providncias para proteo dos direitos humanos.Os efeitos dessas situaes foram sentidos pela comunidade internacional de forma

    tamanha que esta saltou etapas e foi capaz de criar, em pouco tempo, os tribunais criminais ad

    hocpara a antiga Iugoslvia (1993) e para a Ruanda (1994). Essas instituies foram criadas

    no por um tratado internacional, como o TPI, todavia, por decises do Conselho de

    Segurana das Naes Unidas, sob o amparo do captulo VII da Carta das Naes Unidas

    (ameaas paz e segurana internacionais), o que torna suas normas obrigatrias para todos

    os Estados, tais normas vinculam o Brasil obrigao de cooperar com os dois tribunais adhoc, inclusive em matrias como prova testemunhal e entrega de acusados (SABOIA, 2000).

    Em 1993 e 1994, surgiram os tribunais adhoc, para antiga Iugoslvia e para Ruanda,

    respectivamente. Foi com a criao destes tribunais que ficou demonstrada a possibilidade de

    implementao de um Tribunal Penal Internacional permanente, desta forma fora aprovado o

    Estatuto de Roma em 17 de julho de 1998, tendo entrado em vigor no dia 01 de julho de 2002.

    (LOPES; CLARO, 2011).

    Em 25 de maio de 1993, o Conselho de Segurana das Naes Unidas, pormeio da Resoluo n. 827, estabeleceu um Tribunal para Crimes de Guerra, com oobjetivo de investigar as srias violaes ao Direito Humanitrio Internacional,cometidas no territrio da antiga Iugoslvia, desde 1991, incluindo assassinato emmassa, deteno sistemtica organizada, estupro de mulheres e prtica de limpezatnica. [...] Adicione-se que, em julho de 1994, o Conselho de Segurana, pormeio da Resoluo n. 935, nomeou uma comisso para investigar as violaeshumanitrias ocorridas ao longo da Guerra Civil em Ruanda. As investigaesproduziram como resultado dois relatrios que levaram ao estabelecimento de umTribunal ad hoc objetivando o julgamento dos crimes cometidos de janeiro adezembro de 1994 naquele pas, O Estatuto deste Tribunal, adorado pela resoluo

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    n. 935 do Conselho de Segurana, foi inspirado no Estatuto do Tribunal para a ex-Iugoslvia (PIOVESAN, p. 40, 2007).

    Moura (2010) considera a criao dos tribunais ad hoc, para julgar casos especficos,

    por determinao do Conselho de Segurana da ONU, um grave problema para o DireitoInternacional, uma vez que uma ofensa bvia ao princpio do juiz natural e a vedao dos

    tribunais de exceo.

    Essas decises, importantes e dignas de apoio, tornaram patente ovazio jurdico decorrente da inexistncia de uma instancia internacionalindependente, como base num instrumento jurdico de escopo universal,capaz de julgar os responsveis pelos crimes mais graves de interesseinternacional. Os dois tribunais, constitudos por um rgo da ONU, como o conselho de Segurana, tm, certo, legitimidade jurdica, mas sua

    jurisdio e caractersticas correspondem natureza e circunstancias dassituaes que geraram o seu estabelecimento. Por essa razo o Brasil aoaprovar a criao dos tribunais ad hoc, expressou preferencia peloestabelecimento, por tratado multilateral de um Tribunal penal Internacional,universal, imparcial e independente, como instrumento fundamental pararomper o ciclo de impunidade dos perpetradores de tais crimes e exercerefeito preventivo e dissuasor benfico para a paz e segurana internacionais(SABOIA, p. 7, 2000).

    Desta forma, com o fim da II Guerra Mundial, foi institudo o Tribunal Militar

    Internacional de Nuremberg, tendo por escopo julgar os criminosos de guerra dos pases

    pertencentes ao eixo.

    Devido ao seu aspecto precursor, o Tribunal de Nuremberg recebeuvrias crticas, que podem ser sintetizadas da seguinte forma: a) violao doprincpio nullum crimen, nulla poena sine lege; b) ser um verdadeirotribunal de exceo constitudo apenas pelos vencedores; c) aresponsabilidade no Direito Internacional apenas do Estado e no atinge oindivduo; d) que os aliados tambm tinham cometido crimes de guerra; e)os atos praticados pelos alemes eram atos ilcitos, mas no criminosos(GUERRA, p. 433/434, 2009).

    Segundo Guerra (2009) como tribunais ad hoc, alm do Tribunal de Nuremberg,podem ser apontados os Tribunais de Ruanda e o da Iugoslvia, que apesar de suas

    deficincias, tambm serviram como fonte para criao do Tribunal Penal Internacional a

    gana por justia, sobretudo pela punio dos responsveis pelas atrocidades cometidas durante

    os grandes conflitos mundiais, no fora atingida.

    Entretanto a criao de referidos tribunais resultou em importante contribuio para

    tornar mais rpido os trabalhos direcionados ao amadurecimento do Direito Internacional

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    Penal, impulsionando, segundo Lima e Brina (2006), a criao de uma jurisdio penal

    internacional de carter permanente.

    1.3 O Tribunal Penal Internacional

    Em 1995, a Assembleia Geral das Naes Unidas estabeleceu um Comit Preparatrio

    a fim de confeccionar um Anteprojeto para um Tribunal Penal Internacional Permanente

    (GUERRA, 2009).

    O Comit Preparatrio, aberto a todos os membros das NaesUnidas, bem como aos membros das agncias especializadas foi

    incumbido, na 50 sesso, de preparar um texto consolidado de umaconveno internacional, que pudesse ser largamente aceita, para acriao de um Tribunal Penal Internacional. Esse texto deveria serlevado considerao de uma Conferncia de Plenipotencirios [...](GUERRA, p. 435, 2009).

    Ao final da Conferncia de Plenipotencirios, superadas as principais discrepncias

    sobre os aspectos procedimentais, ainda subsistiam alguns desacordos substantivos sobre o

    contedo do futuro Estatuto. Todavia, segundo Lopes e Claro (2011) no ltimo dia das

    negociaes, em 17 de julho de 1998, foi aprovado o Estatuto, com o voto favorvel de 120

    delegaes, 21 abstenes e 7 (China, Filipinas, Estados Unidos, ndia, Israel, Turquia e Sri

    Lanka) e entrou em vigncia no dia 01 de julho de 2002 (LIMA; BRINA, 2006).

    Este Estatuto uma conveno Internacional multilateral dotada depersonalidade jurdica prpria. Compe-se de prembulo, treze partes, comum total de 128 artigos. Tal prembulo determina a criao de um TribunalPenal Internacional, com carter independente e permanente quecomplementasse normas penais nacionais, exercendo competncia sobreindivduos, no que tange os crimes mais gravosos que afetam a comunidadeinternacional (LOPES; CLARO, p. 119, 2011).

    Aduz Guerra (2009) que, com sede em Haia, na Holanda, o Tribunal Penal

    Internacional um tribunal permanente com jurisdio mundial para processar pessoas por

    violaes graves de leis humanitrias internacionais, possui personalidade e capacidade

    jurdica internacional para exercer suas funes, tendo por escopo ser uma corte permanente

    om jurisdio global a fim de investigar e trazer a julgamento quem pratica crimes contra a

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    humanidade, crimes de guerra, crime de genocdio e crime de agresso, segundo preleciona o

    artigo 5 do estatuto.

    Em razo de serem apenas estes crimes disciplinados pelo Estatuto, Choukr e Ambos

    frisam que no tocante ao direito internacional a respeito da responsabilidade criminal

    individual, o regime criado pelo Estatuto mais cingido. O rol mais estreito. Algumas

    delegaes desejavam restringir o tanto quanto possvel, at porque, o que se almejava para

    elas no seria uma criao e uma Corte propriamente dita, todavia, percebendo que seu

    objetivo no seria alcanado, estas delegaes buscaram reduzir ao mximo a

    operacionalizao do TPI.

    Sem embargo, ao final, a vasta maioria das Delegaes participantes

    da Conferncia de Roma conseguiu obter a aprovao do tratado emconformidade com propostas mais construtivas. Muitas Delegaesdesejavam ver os crimes definidos com maior especificidade, coerncia eclareza, inserindo-se-lhes os princpios encontrados no direito penalinternacional e nos princpios fundamentais do direito penal, tais comonullum crimen sine lege e nulla poena sine lege (CHOUKR; AMBOS, p.194/195, 2000).

    Sobre a composio do Tribunal, este ser composto por 18 juzes, numero que poder

    ser aumentado por proposta de sua Presidncia, de forma fundamentada. Os referidos juzes

    sero eleitos por um mandato mximo de nove anos e no poder haver reeleio.

    [...] Na primeira eleio, um tero dos juzes eleitos ser selecionadapor sorteio para exercer um mandato de trs anos; outro tero serselecionado, tambm por sorteio, para exercer um mandato de seis anos; e osrestantes exercero um mandato de nove anos. Um juiz selecionado paraexercer um mandato de trs anos poder, contudo, ser reeleito para ummandato completo [...] (MAZZUOLI, p. 854, 2010).

    O Tribunal composto, pelos seguintes rgos, nos termos de seu artigo 34 do

    Estatuto:

    a) A Presidncia;b) Uma Seo de Recursos, uma Seo de Julgamento em PrimeiraInstncia e uma Seo de Instruo;c) O Gabinete do Procurador;d) A Secretaria. (ONU, 2002).

    Desta forma, cabe ressaltar que a sociedade internacional por um longo perodo de

    tempo cogitou a ideia da criao de um Tribunal Penal Internacional competente para julgar

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    as condutas criminosas mais gravosas humanidade, criando-se, ao longo de anos, tribunais

    de exceo, sendo esses alvos de muitas crticas, o que possibilitou a criao de um TPI

    permanente e imparcial, capaz de julgar crimes graves previstos no prprio Estatuto deste

    Tribunal, tendo sido aprovado em Roma, no ano de 1998.

    Considerando-se a criao e a estrutura o TPI, passa-se agora o exame de sua

    competncia material.

    2. A COMPETNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

    2.1 Crime de genocdio

    Segundo Silva e Tolomei (2005), de competncia permanente e independente do TPI

    o julgamento de crimes que afetam direta ou indiretamente toda a humanidade. Referida

    competncia do Tribunal chamada ratione materiae, pois o critrio de fixao da aludida

    competncia diz respeito ao assunto sobre o qual o rgo jurisdicional dever conhecer, para

    que possa processar e julgar o acusado.

    Conforme observa Lima e Brina (2006, p. 102),

    A natureza objetiva da pretenso, ou a matria controvertida da lide,representa o critrio de fixao da aludida competncia. E, com o intuito deprevenir e reprimir os perpetradores das mais atroes violaes de direitointernacional humanitrio, valores como a dignidade humana, a vida, paz esegurana internacionais so consagrados como bens jurdicos a seremuniversalmente tutelados, implicando o reconhecimento de infraesinternacionais passveis de afetar a comunidade global devido a sua maiorgravidade.

    Nesta direo, um dos assuntos que mais se deu nfase na Conferncia dos

    Plenipotencirios foi a seleo de quais crimes seriam de competncia do futuro Tribunal

    Penal Internacional. A proeminncia do assunto pode ser explicada pelo grande leque de

    delitos considerveis graves e, por isso, a discusso sobre e quais se incluiriam em um

    mecanismo de proteo internacional. At porque no se tratava apenas de declarar infraes

    de direitos humanos, mas efetivamente protege-los de forma contundente e eficaz (LIMA;

    BRINA, 2006).

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    Neste contexto, aduz Guerra (2009) que Estatuto de Roma declara, em seu artigo 5,

    que de competncia do TPI os crimes de genocdio, crimes contra a humanidade, crimes de

    guerra e crimes de agresso, que so imprescritveis. Mazzuoli (2010) observa que se deve

    frisar que a competncia do Tribunal ampara apenas os atos praticados depois da entrada em

    vigor do Estatuto e no episdio de um Estado se tornar parte no Estatuto aps sua entrada em

    vigor, o TPI s poder exercer sua jurisdio em relao aos crimes praticados depois da

    entrada em vigor do Estatuto nesse Estado.

    Quanto ao crime de genocdio, Lima e Brina (2006),esclarecem que se trata de uma

    ofensa direta aos direitos humanos. Ao analisar sua histria, o genocdio vem de um passado

    distante, pairando lado a lado com a intolerncia da diversidade humana. Ainda que seja

    longnqua as suas razes, possvel relembrar no sculo passado acontecimentos querepresentam essa intolerncia, tais como o massacre feito pelos turcos contra os armnios no

    perodo da Primeira Guerra Mundial; em seguida, na Segunda Guerra, pelos atos perpetrados

    contra os judeus na Alemanha Nazista, e, mais recentemente, com os conflitos tnicos na ex-

    Iugoslvia e em Ruanda.

    De acordo com Mazzuoli (2010), uma das preocupaes que mais sensibilizaram o

    mundo no perodo ps-guerra foi o crime de genocdio, sendo este o motivo que levou

    adoo, pela Resoluo 260-A (III), da Assembleia Geral das Naes Unidas, da Convenosobe a Preveno e a Represso do Crime de Genocdio, em 9 de dezembro de 1948. Referida

    Conveno aquiesa Piovesan (2010) trata-se do primeiro tratado em mbito internacional de

    proteo aos Direitos Humanos aprovado na esfera da ONU. Esse tratado entrou em vigncia

    em 12 de janeiro de 1951, tendo ficado claro ser o genocdio um crime internacional de direito

    dos povos, devendo ser prevenido e punido conforme diz o artigo 1 dessa Conveno.

    A tipificao do crime de Genocdio encontra-se na Conveno em seu artigo 2:

    Artigo 2.Na presente Conveno, entende-se por genocdio os atos abaixo indicados,cometidos com a inteno de destruir, no todo ou em parte, um gruponacional, tnico, racial ou religioso, tais como:a) Assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave integridade fsicae mental de membros do grupo; c) Submisso deliberada do grupo acondies de existncia que acarretaro a sua destruio fsica, total ou

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    parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e)Transferncia forada das crianas do grupo para outro grupo (ONU, 1948).

    Em seu 3 e 4 podem-se identificar os atos a serem punidos: o genocdio

    propriamente dito, sua mera tentativa, sua incitao pblica e direta e a cumplicidade nele.

    Artigo 3.Sero punidos os seguintes atos:a) O genocdio; b) O acordo com vista a cometer genocdio; c) Oincitamento, direto e pblico, ao genocdio; d) A tentativa de genocdio; e) Acumplicidade no genocdio.Artigo 4.As pessoas que tenham cometido genocdio ou qualquer dos outros atosenumerados no artigo 3. sero punidas, quer sejam governantes,

    funcionrios ou particulares (ONU, 1948).Ressalta-se que, segundo Mazzuoli (2010) a Conveno em seu artigo 6 j se

    propugnava pela criao de uma corte internacional criminal.

    Artigo 6.As pessoas acusadas de genocdio ou de qualquer dos outros atosenumerados no artigo 3. sero julgadas pelos tribunais competentes doEstado em cujo territrio o ato foi cometido ou pelo Tribunal CriminalInternacional que tiver competncia quanto s Partes Contratantes quetenham reconhecido a sua jurisdio (ONU, 1948).

    Desta forma, pode-se definir o crime de genocdio como o ato de cometer assassinato

    ou dano grave integridade fsica e mental de membros de um grupo; submisso do grupo a

    condies de existncia que acarretem sua destruio fsica; adoo de medidas capazes de

    impedir a perpetuao do grupo; ou transferncia forada de crianas de um determinado

    grupo para outro diferente, desde que o escopo seja o de destruir, total ou parcialmente,

    grupos nacionais, tnicos, raciais e religiosos.

    Como analisado, a Conveno para a Preveno e Represso do crime de genocdio e,

    logo aps, a consagrao do referido crime em um Tribunal Penal Internacional, como j se

    era previsto em seu art. 6, um marco para a proteo dos Direitos Humanos e para a histria

    internacional.

    Passar-se- neste momento a analise dos crimes contra a humanidade.

    2.2 Crimes contra a humanidade

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    Enquanto ocorriam as negociaes da Conferncia de Roma, importante lembrar que

    o apreo dos crimes geraram polmica, no em relao insero no Estatuto, todavia quanto

    a conceituao, seus limites e aplicao. Oposto ao que ocorreu com o crime de genocdio,

    cuja uma conveno especfica teve o trabalho de tipific-lo, os textos que se tratavam dos

    crimes contra a humanidade estavam dispersos em vrios documentos (LIMA; BRINA,

    2006).

    A expresso crimes contra a humanidade usualmente abarca diversas violaes de

    direitos humanos perpetrados no planeta em grande volume, onde possvel aplicar-se o

    princpio da jurisdio universal. Todavia, diversamente deste lato sensu, esta expresso deve

    ser envolvida em sua conotao histrico-tcnica (MAZZUOLI, 2010).

    Historicamente, sua origem pode ser associada ao morticnio durante o primeiro conflito mundialdos armnios pelo Governo Otomano,e ulterior qualificao como crime da Turquia contra a humanidade e acivilizao. Logo aps, nos Tribunais Internacionais Militares institudospara julgar os criminosos da Segunda Grande Guerra, a infrao tipificada.No entanto, deveria ser conexa aos crimes de guerra e contra a paz. Enfim,s seria julgado quando praticado em conflitos armados. Diante disso,falava-se em crime complementar, e no em tipo penal independente (LIMA;BRINA, p. 111, 2006).

    Neste toada, assevera Mazzuoli (2011) que a conotao do referido crime fora

    estabelecida nos artigos 6 do Estatuto do Tribunal de Nuremberg e artigo 5 do Estatuto do

    Tribunal Militar Internacional de Tquio, contudo, s era qualificado se incidisse acoplado

    aos crimes de guerra e contra a paz, o que o tornava um crime conexo e sem autonomia, sua

    autonomia e ampliao do tipo penal apenas chegaram a se solidificar-se com o Estatuto do

    TPI.

    O tratado internacional estabelece, em seu artigo stimo, a relao aos crimes contra a

    humanidade.

    [...] Estes podem ser aplicados quando cometidos no quadro de umataque, generalizado ou sistemtico, contra qualquer populao civil,havendo conhecimento desse ataque: homicdio; extermnio escravido;deportao ou transferncia forada de uma populao; priso ou outraforma de privao de liberdade fsica grave, em violao das normasfundamentais de direito internacional; tortura; agresso sexual, escravaturasexual, prostituio forada, gravidez forada, esterilizao forada ouqualquer outra forma de violncia no campo sexual de gravidadecomparvel; perseguio de um grupo ou coletividade que possa seridentificado, por motivos polticos, raciais, nacionais, tnicos, culturais,

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    religiosos ou de gnero, tal como definido pelo pargrafo 3, ou em funode outros critrios universalmente reconhecidos como inaceitveis no direitointernacional, relacionados com qualquer referido neste pargrafo ou comqualquer outro crime de competncia do Tribunal; desaparecimento foradode pessoas; crime de apartheid; outros atos desumanos de cartersemelhante, que causem internacionalmente grande sofrimento, ou afetemgravemente a integridade fsica ou mental (GUERRA, pg. 436, 2009).

    Logo aps, o artigo 7, pargrafo 2 e incisos do referido Estatuto, cuidou de explicar

    minunciosamente cada tipo previsto:

    2. Para efeitos do pargrafo 1:a) Por "ataque contra uma populao civil" entende-se qualquer

    conduta que envolva a prtica mltipla de atos referidos no pargrafo 1ocontra uma populao civil, de acordo com a poltica de um Estado ou de

    uma organizao de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecuodessa poltica;b) O "extermnio" compreende a sujeio intencional a

    condies de vida, tais como a privao do acesso a alimentos oumedicamentos, com vista a causar a destruio de uma parte da populao;

    c) Por "escravido" entende-se o exerccio, relativamente a umapessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direitode propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exerccio desse poder nombito do trfico de pessoas, em particular mulheres e crianas;

    d) Por "deportao ou transferncia fora de uma populao"entende-se o deslocamento forado de pessoas, atravs da expulso ou outroato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo

    reconhecido no direito internacional;e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ousofrimentos agudos, fsicos ou mentais, so intencionalmente causados auma pessoa que esteja sob a custdia ou o controle do acusado; este termono compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de saneslegais, inerentes a essas sanes ou por elas ocasionadas;

    f) Por "gravidez fora" entende-se a privao ilegal deliberdade de uma mulher que foi engravidada fora, com o propsito dealterar a composio tnica de uma populao ou de cometer outrasviolaes graves do direito internacional. Esta definio no pode, de modoalgum, ser interpretada como afetando as disposies de direito internorelativas gravidez;

    g) Por "perseguio'' entende-se a privao intencional e gravede direitos fundamentais em violao do direito internacional, por motivosrelacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa;

    h) Por "crime de apartheid" entende-se qualquer ato desumanoanlogo aos referidos no pargrafo 1, praticado no contexto de um regimeinstitucionalizado de opresso e domnio sistemtico de um grupo racialsobre um ou outros grupos nacionais e com a inteno de manter esseregime;

    i) Por "desaparecimento forado de pessoas" entende-se adeteno, a priso ou o seqestro de pessoas por um Estado ou umaorganizao poltica ou com a autorizao, o apoio ou a concordncia destes,

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    seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privao de liberdade ou aprestar qualquer informao sobre a situao ou localizao dessas pessoas,com o propsito de lhes negar a proteo da lei por um prolongado perodode tempo. (ONU, 2002)

    Segundo Sabia (2000), os crimes contra a humanidade podem ser cometidos em

    tempos de paz, ou seja, no necessariamente necessrio que esteja em perodo de guerra e se

    distinguem dos crimes de guerra e dos delitos comuns na medida em que se tratam de atos

    cometidos contra qualquer populao civil e pela proporo em que so cometidos.

    Ressalta-se que por mais que o crime de genocdio no deixe de ser um crime

    contra a humanidade, ele se diferencia na medida em que exige a inteno especfica de

    exterminar os indivduos de um determinado grupo (LIMA; BRINA, 2006).

    Percebe-se, desta forma, que h uma ntima ligao entre os crimes contra ahumanidade e os Direitos Humanos e, pelo fato de causarem repugnncia e srio ataque a

    dignidade da pessoa humana e perpetuar-se independentemente de ter sido ocorrido em poca

    de guerra ou paz, justifica-se a sua tipificao pelo TPI.

    Nesta toada, so qualificados como crime contra a Humanidade ato cometido no

    quadro de um ataque contra qualquer populao civil, havendo conhecimento desse ataque:

    homicdio, extermnio, escravido, deportao ou transferncia forada de uma populao,

    priso ou outra forma de privao da liberdade fsica grave em violao das normasfundamentais de direito internacional, tortura, agresso sexual, escravatura sexual,

    prostituio forada, gravidez imposta, esterilizao forada ou qualquer outra forma de

    violncia sexual grave, perseguio de um grupo ou coletividade que possa ser identificado,

    por motivos polticos, raciais, nacionais, tnicos, culturais, religiosos ou de gnero,

    desaparecimento forado de pessoas, apartheid,outras praticas que causem intencionalmente

    grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade fsica ou a sade fsica ou mental.

    2.3 Crimes de guerra e de agresso

    As ofensas em tempo de guerra no so prximas, o oposto, trazem preocupaes para

    os povos desde os tempos mais remotos, amostra disto o prprio Cdigo de Manu escrito

    em snscrito, lngua clssica da ndia antiga, e que se constituiu na legislao do mundo

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    indiano no perodo compreendido entre os sculos II a.C. e II d.C. continha legislao

    concernentes aos prisioneiros de guerra. Contudo, no obstante matria integrar o direito

    internacional costumeiro, sua regulamentao recente e, durante o processo de elaborao

    do TPI, os crimes de guerra constituram-se na categoria mais debatida dentre as indicadas

    para agregar a competncia material do Tribunal (LIMA; BRINA, 2006).

    Os crimes de guerra so produto de uma longa evoluo histrica, desde o sculo

    passado tem sido estimulado pelo Comit Internacional da Cruz Vermelha, ganhando foro de

    juridicidade com as quatro Convenes de Genebra, de 12 de agosto de 1949, e com as bases

    tericas do direito costumeiro de guerra (MAZZUOLI, 2010).

    Segundo Piovesan (2003), contudo, no se estabeleceu nas Convenes de Genebra

    qualquer restrio em relao magnitude das ofensas, o Estatuto, desta forma, inovou aoprever violaes nas situaes de conflitos internos.

    Conforme observa Silva e Tolomei (2005) os crimes de guerras so os atos praticados

    por milcias armadas de mbito internacional ou no, com o escopo de perpetra-lo em alto

    grau, com violao a Converso de Genebra de 12 de agosto de 1949 e os demais costumes

    aos conflitos armados, enumerados no art. 8, 2 do Estatuto de Roma.

    So crimes de guerra:

    [...] praticados em conflitos armados de ndole internacional ou no,em particular quando cometidos como parte de um plano ou poltica paracomet-los em grande escala, abrangendo violaes graves das Convenesde Genebra de 1949 e demais leis e costumes aplicveis aos conflitosarmados, especialmente: (1) homicdio doloso; (2) tortura e outrostratamentos desumanos; (3) ataque a civis e destruio injustificada de seusbens; (4) tomada de refns; (5) guerra sem quartel; (6) saques; (7) morte ouferimento de adversrios que se renderam; (8) utilizao de veneno e dearmas envenenadas; (9) manejo de gases asfixiantes ou armas txicas; (10)uso de armas, projteis, materiais ou mtodos que causem danos suprfluosou sofrimentos desnecessrios; (11) emprego de escudos humanos; (12)

    morte de civis por inanio; (13) organizao de tribunais de exceo; e (14)recrutamento de crianas menores de 15 anos (LEWANDOWSKI, pg. 193,2002).

    O Estatuto de Roma trouxe diversas novidades no campo dos crimes de guerra.

    Citados crimes representam grave ameaa segurana nacional, no se confundem,

    entretanto, com as situaes de tenso internas, tais como os motins, contudo se aplicam nos

    chamados conflitos armados no-internacionais (MAZZUOLI, 2010).

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    Os crimes de guerra constituem-se em uma prtica cruel que j vem sido praticados h

    muito, o que lhe faltava era a criao de uma codificao internacional que os aplicasse

    decisivamente, e de um Tribunal Penal Internacional permanente competente para julg-los, o

    que veio a ocorrer apenas em 1988 com o surgimento do TPI.

    Por fim, o ltimo crime de competncia material do Tribunal Penal Internacional vem

    a ser o crime de agresso. Lima e Brina (2006) entendem que a incluso do crime de agresso

    significativa, entretanto, dos crimes cominados pelo Tribunal, este o nico que no teve

    sua definio e elementos previamente estabelecidos. Tal fato vem de objees suscitadas

    quanto prpria Conferncia de Roma, sendo os principais: a divergncia quanto

    conceituao do crie; individualizao da responsabilidade criminal por agresso e; o papel do

    Conselho de Segurana perante o TPI.Mazzuoli (2010), sobre o mesmo assunto, diz que o crime de agresso de fato nunca

    fora bem compreendido, nem pela doutrina no tocante ao contexto da pratica das relaes

    internacionais. Segundo ele, a no-existncia de uma definio concisa acabou por dificultar

    a incluso de tal crime pelo Estatuto, e por isso que, propositalmente, ao crime de agresso

    foi relegada a uma etapa posterior, nos termos do art. 5, pargrafo 2 (c/c os art.s 121 e 123)

    do Estatuto, segundo o qual o Tribunal poder exercer sua competncia em relao ao crime

    de agresso desde que seja aprovada uma disposio em que se defina e se enunciem ascondies em que o Tribunal ter competncia relativamente para tal crime.

    Este crime foi matria de diversas regulamentaes, visto que no lhe havia uma

    conotao exata, contudo j se notava necessria sua codificao em nvel internacional.

    Desta forma, por mais que este crime no tenha uma definio exata, sua incluso no rol dos

    crimes punidos pelo TPI se trata de constatao internacional da necessidade de se proteger o

    valor jurdico ameaado por crimes dessa natureza.

    Conforme observado, a competncia ratione materiae do TPI compreende ojulgamento dos crimes de genocdio, contra a humanidade, de guerra e de agresso.

    Analisados os crimes inseridos na competncia material do Estatuto de Roma, bem como suas

    particularidades, passa-se a considerar as questes sobre seus conflitos aparentes com a

    CRFB/88.

    3. O ESTATUTO DE ROMA E OS APARENTES CONFLITOS COM ACONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

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    3.1 Princpio da complementaridade

    Em se tratando do TPI, merece destaque o estudo do princpio da

    complementariedade, constante no artigo 1 do Estatuto de Roma:

    Artigo 1 - criado, pelo presente instrumento, um Tribunal PenalInternacional ("o Tribunal"). O Tribunal ser uma instituio permanente,com jurisdio sobre as pessoas responsveis pelos crimes de maiorgravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, eser complementar s jurisdies penais nacionais. A competncia e ofuncionamento do Tribunal reger-se-o pelo presente Estatuto (ONU, 2002).

    Segundo Piovesan (2003), o Tribunal no ter competncia para julgar uma conduta

    criminosa quando no Estado onde ocorreu, ou no Estado de onde o acusado nacional estiver

    investigando, processando ou at se j houver sido julgado. O Estado detm primordialmente

    tanto a responsabilidade quanto a obrigao de exercer sua jurisdio sobre os autores dos

    crimes internacionais, desta forma, o TPI apresentaria responsabilidade subsidiria.

    Essa regra, entretanto, apresenta excees, no se aplicando:i) o Estado que investiga, processa ou j houver julgado for incapaz

    ou no possuir a inteno de faz-lo; ii) o caso no houver sidojulgado de acordo com as regras do artigo 20 (3) do Estatuto; iii) ocaso no for grave o suficiente [...] (PIOVESAN, p. 160/161, 2003).

    A incapacidade dos Estados de julgar imparcialmente constitui a anomalia total ou

    parcial ou a deficincia de um sistema judicial interno. A ausncia da inteno de investigar

    ou processar abarca a proteo da pessoa acusada e o alongamento injustificado dos

    procedimentos (PIOVESAN, 2003).

    Est exposto em seu artigo 20, inciso 3:

    O Tribunal no poder julgar uma pessoa que j tenha sido julgadapor outro Tribunal, por atos tambm punidos pelos artigos 6o, 7o ou 8o, amenos que o processo nesse outro Tribunal:

    a) Tenha tido por objetivo subtrair o acusado sua responsabilidadecriminal por crimes da competncia do Tribunal; ou

    b) No tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial,em conformidade com as garantias de um processo equitativo reconhecidaspelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no

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    caso concreto, se revele incompatvel com a inteno de submeter a pessoa ao da justia (ONU, 2002).

    Em relao ao artigo citado acima o TPI no poder julgar quem j tenha sido julgado

    em outro Tribunal pela mesma conduta, a no ser que o processo nesse outro Tribunalhouvesse existido apenas com o escopo de fraude, subtraindo o acusado sua

    responsabilidade criminado por crimes da competncia do Tribunal ou o processo ferindo a

    imparcialidade (PIOVESAN, 2003).

    De acordo com Lima e Brina (2006) o estudo da regulamentao do Estatuto de Roma

    mostra que o TPI detm autorizao para exercer a jurisdio apenas na hiptese de o Estado

    em que o crime est sendo processado encontra-se incapaz ou imparcial, no desejando o

    processo e o julgamento do crime, adicionando tambm quando o ocorrido for de tamanhagravidade que seja necessrio o exerccio da jurisdio do Tribunal. Tendo as cortes nacionais

    a primazia no exerccio da jurisdio, destarte, o TPI fundamenta-se no princpio da

    complementariedade, ou seja, o Tribunal no substitui os tribunais nacionais, ao oposto,

    atuar subsidiariamente a estes. As autoras aludem que inicialmente, essa caracterstica pode

    ser apontada como um defeito do Estatuto, mas a prioridade justifica-se por diversos fatores

    (LIMA; BRINA, p. 91, 2006).

    Ainda sobre a lgica de Lima e Brina (2006), as autoras destacam que no Estado

    onde ocorreu o crime onde se encontra o conjunto probatrio, facilitando as investigaes e,

    em consequncia, o prprio julgamento, reduzindo, inclusive, custos, considerando que o

    deslocamento para pases longnquos em busca de provas encarece o processo. Tem-se como

    outro fundamento o objetivo de se manter as soberanias estatais o mximo possvel, sendo

    este um dos motivos pelo qual houve maior aceitao dos Estados do Estatuto, mostra-se que

    a restrio soberania dos Estados partes reduzida quando estes podem desativar a

    competncia do TPI assumindo a persecuo penal de forma eficaz.

    Lima e Brina (2006) ressaltam que o princpio da complementariedade encontra-se

    como fundamento de que o Tribunal se tornar responsvel apenas excepcionalmente pelos

    casos de crime internacional, pois sua estrutura limitada. A maioria dos casos devem se

    afixar s cortes dos Estados-membros.

    Por fim, destaca-se o desenvolvimento do Direito InternacionalPenal proporcionado pela adoo do princpio da complementariedade. OsEstados ratificam o Estatuto de Roma no apenas admitem a possibilidade de

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    persecuo penal internacional em relao aos crimes considerados maisgraves para a humanidade, como tambm acolhem a persecuo dessescrimes como tarefa nacional de mxima prioridade. Nesse diapaso,desenvolvem mecanismos processuais eficazes, os quais so capazes deaplicar a justia em relao aos crimes tipificados no Estatuto de Roma, quepassam, tambm, a ser crimes integrantes do direito interno dos EstadosPartes (LIMA; BRINA, p. 92, 2006).

    Rezek (2006) afirma que o Tribunal no tem a inteno de retirar a competncia

    originria das jurisdies nacionais, ainda em se tratando de crimes gravosos. O que na

    verdade pretende ter a competncia em casos excepcionais, sendo a mais visvel delas a

    falncia nas instituies nacionais. O texto do Estatuto foi conduzido de forma que no

    colidisse com as sistemticas processuais dos diversos pases, no colidindo com princpios

    indispensveis ao orgulho nacional de qualquer nao.

    Da mesma forma, anua Mazzuoli (p. 852/853, 2010,) o Tribunal tem competncia

    complementar em relao s jurisdies nacionais.

    [...] Desde o prembulo do Estatuto j ficou proclamada a intenodos Estados em criar um Tribunal Penal Internacional, de carter permanentee independente, no mbito do sistema das Naes Unidas, complementar dasjurisdies penais nacionais, com competncia para processar e julgarindivduos acusados de cometer os crimes de maior gravidade que afetam a

    sociedade internacional como um todo. Consagrou, aqui, o princpio dacomplementaridade, segundo o qual o TPI no pode interferir indevidamentenos sistemas judiciais nacionais, que continuam tendo a responsabilidadeprimria de investigar e processar os crimes cometidos pelos seus nacionais,salvo nos casos em que os Estados se mostrem incapazes ou nodemonstrem efetiva vontade de punir seus criminosos, ocasies em que oTribunal dever atuar. Isto no ocorre, frise-se, com os tribunaisinternacionais ad hoc, que so concorrentes e tm primazia sobre ostribunais nacionais. O regime de consentimento proposto pela Frana e aproposta de jurisdio universal e direta do Tribunal, defendida bravamentepela Alemanha, no encontraram respaldo durante os trabalhos daConferencia Diplomtica em Roma, tendo sido a partir da proposta

    intermediria da Coreia do Sul, que se conseguiu chegar elaborao dosistema de jurisdio restrita e complementar do Tribunal.

    Guerra (2009) reafirma a ideia de que no objetivo do Tribunal retirar a competncia

    dos Estados para processar os crimes praticados em seus territrios, o oposto, a natureza dele

    complementar e apenas ser exercida em caso do Estado ser incapaz ou omisso no

    julgamento do crime praticado. O prprio Estatuto enumera em seu artigo primeiro que este

    ser complementar s jurisdies penais nacionais:

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    Isso porque, por vezes, os Estados se encontram impotentespara processar e julgar aqueles que descumprem as normas vigentes,no podendo permanecer na condio de impunes pelos crimes

    praticados (GUERRA, p. 442, 2009).

    Atravs deste diapaso, conclui-se apesar de o TPI ter competncia para o julgamento

    dos crimes de guerra, contra humanidade, genocdio e de agresso, essa competncia deve ser

    analisada sistematicamente com o principio da complementaridade que um fundamento que

    conduz o Tribunal a se tornar responsvel em casos excepcionais, no s tendo em vista a

    falta de recursos suficientes para abarcar todas as condutas criminosas, mas por j existir nos

    Estados signatrios uma jurisdio que puna os praticantes destas condutas.

    3.2 Soberania da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988

    Primordialmente faz necessria a exposio do artigo 4 da CRFB/88: penais

    nacionais:

    A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaesinternacionais pelos seguintes princpios:

    I - independncia nacional;

    II - prevalncia dos direitos humanos;III - autodeterminao dos povos;IV - no-interveno;V - igualdade entre os Estados;VI - defesa da paz;VII - soluo pacfica dos conflitos;VIII - repdio ao terrorismo e ao racismo;IX - cooperao entre os povos para o progresso da

    humanidade;X - concesso de asilo poltico.Pargrafo nico. A Repblica Federativa do Brasil buscar a

    integrao econmica, poltica, social e cultural dos povos da AmricaLatina, visando formao de uma comunidade latino-americana denaes. (BRASIL, 1988)

    Desta forma, ao se analisar o conceito de Estado, segundo Azambuja (2001) possvel

    verificar a existncia de trs elementos essenciais, sendo eles a populao, o territrio, e o

    governo independente ou quase dos demais Estados. Citados elementos so essenciais e

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    suficientes, tendo em vista que, na falta de algum deles, inexiste o Estado, onde afluam os

    trs, ocorre o surgimento do Estado.

    Quanto ao elemento populao, Azambuja (2001) ressalta que nunca foi e nem ser

    possvel que se fixe o nmero de habitantes para que se forme um Estado e, inclusive, cita que

    na Antiguidade eram comuns os pequenos Estados, todavia tambm havia os numerosos, de

    grande populao. No mundo moderno, segundo o autor, prevalecem os Estados de grande

    populao, com dezenas e at centenas de milhes de habitantes. Sobre o tema o que se pode

    afirmar que uns poucos indivduos, uma dzia de famlias, no podero formar um Estado,

    pois lhes faltaria o poder necessrio. O Estado ultrapassa os limites da tribo, do cl, da

    reunio de algumas famlias; no h, porm, um mximo nem um mnimo certo para sua

    populao (AZAMBUJA, 2001, p. 18).

    Grande ou pequena, no entanto, a populao do Estado no asimples justaposio de indivduos. Estes pertencem a vrias associaes,como a famlia, os grupos profissionais, etc. Formam um todo orgnico, tmseus interesses e as suas atividades enquadradas dentro de sociedades denaturezas diversas, no se encontram isolados, singularizados diante doEstado. Indivduo e sociedade so termos de um binmio indestrutvel, no possvel conceber um sem o outro (AZAMBUJA, p. 18/19, 2001).

    O autor elenca como segundo elemento essencial existncia do Estado o territrio,

    este seria a base fsica que enquadra os limites sua jurisdio e at mesmo o fornece seus

    recursos materiais. Azambuja (2001) diz que o territrio o pas propriamente dito, e que o

    termo pas no deve embaraar-se com o povo ou nao, no sinnimo de Estado, fundando-

    se em apenas um de seus elementos.

    De acordo com Azambuja (2001) no poderia existir sociedade sem que existisse

    poder. Todas as formas de sociedade so estabelecidas hierarquicamente e satisfazem ao seu

    direito social prprio, que seriam as normas designadas a proteo do desenvolvimento do

    grupo.Ao poder, expresso dinmica da ordem poltica, denomina-se

    governo, e o terceiro elemento essencial do Estado. O governo do Estadotem caractersticas especiais, que o distinguem do poder de outros grupossociais. Assim, para constituir o Estado, no basta a existncia de umgoverno em uma sociedade qualquer, fixada em um territrio determinado.O poder estatal se distingue pelo fato de ser supremo, dotado de coaoirresistvel em relao aos indivduos e grupos que formam sua populao, e

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    ser independente em relao ao governo de outros Estados (AZAMBUJA, p.49, 2001).

    Segundo Azambuja (2001), os escritores clssicos denominam este poder do Estado de

    soberania. Esta se formaria no sentido de que no seria reconhecido outro poder juridicamente

    superior ou de mesma fora que ele incluso em um mesmo Estado, representando um poder

    que no depende de nenhum outro poder. Desta forma quando o Estado inova no ordenamento

    jurdico, criando normas sobre a organizao da famlia, punio de crimes, dentre outras, est

    desempenhando o poder de forma soberana as regras que edita so coativamente impostas,

    no cabendo que quaisquer outras autoridades ou poderes interfiram ou se oponham.

    Ainda sob o ensinamentos do autor, extrai-se da soberania doisaspectos: interno e externo. O primeiro quer dizer que o poder do Estado,

    nas leis e ordens que edita para todos os indivduos que habitam seuterritrio e as sociedades formadas por esses indivduos, predomina semcontraste, no pode ser limitado por nenhum outro poder. O segundo aspectodenota que as relaes entre os Estados so recprocas em relao ao poder,no havendo subordinao ou dependncia. Esses dois aspectos noconstituem duas soberanias; a soberania uma s e se resume em que, doponto de vista jurdico unicamente, um poder independente em relao aosdemais Estados e supremo dentro do prprio Estado (AZAMBUJA, p. 50,2001).

    Na anlise do mesmo tema, Dallari (2011) relata que muitos autores denominam

    elementos essenciais do Estado as caractersticas do Estado Moderno, pois se tratam deelementos indispensveis para a existncia do Estado. Segundo o autor haveria divergncia

    sobre quais seriam estes elementos e at quantos seriam, contudo a maioria dos autores

    indicam trs elementos. habitual mencionar a existncia de dois elementos materiaisestes

    seriam o territrio e o povo e o elemento formalo poder, ou alguma de suas expresses,

    como autoridade, governo ou soberania.

    Para Dallari (2011) o conceito de soberania atrai a ateno dos mais diversos ramos

    das cincias humanas, desta forma h diversos estudos sobre o tema.

    Procedendo a uma sntese de todas as teorias formuladas, o que severifica que a noo de soberania est sempre ligada a uma concepo depoder, pois mesmo quando concebida como centro unificador de uma ordemest implcita a ideia de poder de unificao. O que nos parece que realmentediferencia as concepes uma evoluo do sentido eminentemente polticopara uma noo jurdica de soberania. Concebida em termos puramentepolticos, a soberania expressava a plena eficcia do poder, sendoconceituada como o poder incontrastvel de querer coercitivamente e de

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    fixar as competncias. Por esse conceito, largamente difundido, verifica-seque o poder soberano no se preocupa em ser legtimo ou jurdico,importando apenas que seja absoluto, no admitindo confrontaes, e quetenha meios para impor suas determinaes. Em tal sentido, a soberania,

    baseada na supremacia do poder do mais forte, estimulou um verdadeiroegosmo entre grandes Estados, pois todos se afirmavam soberanos e sagiam como tais aqueles que tivessem fora para tanto.

    Uma concepo puramente jurdica leva ao conceito de soberaniacomo o poder de decidir em ltima instncia sobre a atributividade dasnormas, vale dizer, sobre a eficcia do direito. Como fica evidente, emboracontinuando a ser expresso de poder, a soberania poder jurdico utilizadopara fins jurdicos. Partindo do pressuposto de que todos os atos dos Estadosso passveis de enquadramento jurdico, tem-se como soberano o poder quedecide qual a regra jurdica aplicvel em cada caso, podendo, inclusive,

    negar a juridicidade da norma. Segundo essa concepo no h Estados maisfortes ou mais fracos, uma vez que para todos a noo de direito a mesma.A grande vantagem dessa conceituao jurdica que mesmo os atospraticados pelos Estados mais fortes podem ser qualificados comoantijurdicos, permitindo e favorecendo a reao de todos os demais Estados(DALLARI, p. 86, 2011).

    Quanto s caractersticas da soberania, de acordo com os ensinamentos de Dallari

    (2011), grande parcela dos estudiosos a caracterizam como una pois no se admite

    coexistncia de mais de uma soberania; indivisvel tendo em vista que abrange

    universalidade dos fatos ocorridos no Estado, no sendo possvel a separao da soberania;

    inalienvel - pois aquele que a detm desaparece quando ficar sem ela, seja o povo, a nao,

    ou o Estado e; imprescritvel, tendo em vista que no seria verdadeiramente superior se

    tivesse prazo de durao.

    Mazzuoli (2010) considera como um dos elementos essenciais do Estado o governo

    autnomo e independente, definindo o governo do estado como:

    (...) aquele capaz de decidir de modo definitivo dentro do territrioestatal no admitindo a ingerncia de nenhuma outra autoridade exterior,bem como participar da arena internacional e de conduzir sua polticaexterna (MAZZUOLI, p. 387, 2010).

    Desta forma o autor mostra que o governo tem funo dupla, internamente na

    administrao do pas e internacionalmente na conduo de sua poltica externa, e o seu

    conceito seria independente da ideia de Estado soberano, pois este no viria a reconhecer

    nenhum poder superior com capacidade para comandar o exerccio de suas competncias

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    internas, cedendo apenas a essa intangibilidade para se colocar ao lado de seus homlogos na

    realizao de um ideal comum de construo da ordem internacional, e na medida necessria

    para que tal ordem se desenvolva e se torne gestora dos interesses comuns das vrias naes

    existentes no planeta.

    Contudo, a existncia do Estado como ente soberano, depende, emgrande parte, de sua organizao poltica. Da o motivo pelo qual deveexistir, em sentido lato, governo e poder poltico autnomo, sendo estaautonomia o elemento basilar de coordenao de toda a associao depessoas componentes do Estado. Ou seja, necessria a existncia de umpoder poltico organizado, com competncias e finalidades bemestabelecidas, que possa gerir os interesses nacionais por meio de rgoscompetentes, os quais tambm devem ser responsveis pela autonomia

    interna e pela independncia internacional do Estado [...] (MAZZULLI, p.398, 2010,).

    Deste modo possvel que se extraia a concluso de que os Estados possuem como

    um dos seus elementos constitutivos a chamada soberania, desdobrada em enfoque interno

    (sendo poder de deciso mximo dentro do seu territrio) e externo (sendo homlogo aos

    outros Estados, estando em par de igualdade e podendo se auto-administrar, sem a

    interferncia destes), contudo os Estados no podem ser absolutamente independentes uns dos

    outros, abrindo mo de parcela de sua soberania a fim da concretizao de interesses emcomum.

    Nesta toada, ao assinar um tratado, o Estado abre mo de parte de sua soberania para

    que seus interesses em comum com outros Estados sejam satisfeitos. Desde o momento da

    entrada em vigor de um tratado, este passa a integrar o ordenamento jurdico do Estado e,

    assim, ter ele estrutura hierrquica de lei nacional (REZEK, 2011).

    neste cenrio que, com o interesse maior de proteger os Direitos Humanos, que se

    criou o TPI, portanto mister dizer que a adeso ao Tribunal no fere a soberania do Estadobrasileiro, contudo ainda necessrio que se analise outros tpicos, para saber se o Estatuto

    de Roma em sua integridade fere proibies da CRFB/88, objeto do prximo tpico.

    3.3 Conflitos Aparentes

    Tanto Mazzuuoli (2010) quanto Lima e Brina (2006) afirmam que, com leitura

    simplria e apressada, facilmente se concluiria incompatvel a adoo do TPI pelo

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    ordenamento jurdico do pas, em especial aos conflitos com o Direito Constitucional

    brasileiro. A partir desses conflitos que se inicia o presente tpico.

    Em seu artigo 89 (1) o TPI prev:

    Artigo 89: (1) O Tribunal poder dirigir um pedido de deteno eentrega de uma pessoa, instrudo com os documentos comprovativosreferidos no artigo 91, a qualquer Estado em cujo territrio essa pessoa sepossa encontrar, e solicitar a cooperao desse Estado na deteno e entregada pessoa em causa. Os Estados Partes daro satisfao aos pedidos dedeteno e de entrega em conformidade com o presente Captulo e com osprocedimentos previstos nos respectivos direitos internos (ONU, 2002).

    A CFRB/88, por sua vez veda a extradio:

    Art. 5:LII - no ser concedida extradio de estrangeiro por crime

    poltico ou de opinio;LIII - ningum ser processado nem sentenciado seno pela

    autoridade competente (BRASIL, 1988).

    Desta forma o primeiro conflito aparente que se discute, segundo Mazzuoli (2010)

    seria o embate entre a proibio constitucional da extradio e o teor do art. 89 (1) do

    Estatuto, conforme o qual o Tribunal poder dirigir um pedido de deteno e entrega de uma

    pessoa a qualquer Estado em cujo territrio essa pessoa possa e encontrar, e solicitar acooperao desse Estado na deteno e entrega da pessoa em causa, assim, os Estados-parte

    apresentam a obrigao de se manifestar ao Tribunal sobre os pedidos de deteno e de

    entrega de tais pessoas, em consonncia com o Estatuto e com os procedimentos previstos nos

    seus respectivos direitos internos.

    Contudo, Lima e Brina (2006) esclarecem que o instituto da extradio pode ser

    conceituado como o ato do Estado de entregar um indivduo, presente em seu territrio, a

    outro, que promover julgamento e aplicao de pena cabvel. um mecanismo decooperao internacional penal, baseando-se na igualdade soberana entre os Estados. De

    forma diversa, o instituto da entrega a cooperao entre o Estado e o TPI, cuja jurisdio

    delegada pelos Estados da comunidade internacional atravs de um tratado.

    A entrega de uma pessoa (qualquer que seja sua nacionalidade ouem qualquer lugar que esteja) ao Tribunal Penal Internacional um estatutojurdicosui generisnas relaes internacionais contemporneas, em todos osseus termos distinto do instituto j conhecido da extradio, que tem entre

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    duas potncias estrangeiras visando represso internacional de delitos. Noobstante os procedimento nacionais para a priso continuarem sendoaplicados eventuais normas internas sobre privilgios e imunidadesreferentes a cargos oficiais, bem como regras sobre a no-extradio denacionais, no sero causas vlidas de escusa para falta de cooperao porparte dos Estados-membros do Tribunal (MAZZUOLI, p. 866, 2010).

    Desta forma, segundo Lima e Brina (2006) ressalvam a ideia de que natureza jurdica

    entre os institutos diverge, a previso da entrega do Estatuto no incide em

    inconstitucionalidade, o oposto, a cooperao entre um Estado e o TPI plenamente possvel,

    contanto que seja subsidiariamente.

    Outro ponto que pode resultar em um conflito aparente entre as disposies do

    Estatuto de Roma e a CRFB/88 com Lima e Brina (2006) o fato de ser possvel aestipulao de priso perptua, quando justificada pela gravidade do fato e pelas

    circunstncias pessoais do condenado. Contudo, necessrio advertir que apenas um caso

    excepcional, pois o Estatuto prev e prioriza pena privativa de liberdade no superior a 30

    anos.

    [...] a interpretao mais correta a ser dada para o caso em comento a de que a Constituio, quando prev a vedao de carter perptuo, estdirecionando seu comando to-somente para o legislador interno brasileiro,

    no alcanando os legisladores internacionais que, a exemplo da Comissode Direito Internacional das Naes Unidas, trabalham rumo construodo sistema jurdico internacional.

    A pena de priso perptua [...] no pode ser instituda dentro doBrasil, quer por meio de tratados internacionais, quer mediante emendasconstitucionais, por se tratar de clusula ptrea constitucional. Mas isso noobsta, de forma alguma, que a mesma pena pode ser instituda forado nossopas, em Tribunal Permanente com jurisdio internacional, de que o Brasil parte e em relao ao qual deve obedincia, em prol do bem estar dahumanidade (MAZZUOLI, p. 870, 2010).

    Outro ponto de conflito (tambm aparente) vem a ser as regras brasileiras relativas s

    imunidades em geral e s prerrogativas de foro por exerccio de funo e aquelas atinentes

    jurisdio do TPI. Lima e Brina (2006) genericamente tratam imunidade de jurisdio e

    privilgios de foro como garantias estabelecidas em favor de certos cargos e funes pblicas.

    Tais regras so aplicveis, por exemplo, ao Presidente da Repblica, seus Ministros de

    Estado, Deputados, Senadores.

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    [...] as imunidades ou privilgios especiais que possam serconcedidos aos indivduos em funo de sua condio como ocupantes decargos ou funes estatais, seja segundo o seu direito interno, seja segundo oDireito Internacional, no constituem motivo que impeam o Tribunal deexercer a sua jurisdio em relao a tais assuntos. O Estatuto elide qualquerpossibilidade de invocao da imunidade de jurisdio por parte daquelesque cometeram genocdio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra oude agresso [...] (MAZZUOLI, p. 872, 2010).

    Um ltimo tema que pode ser colocado em questo, segundo Lima e Brina (2006) o

    eventual desrespeito coisa julgada material. Segundo as autoras, o estatuto preceitua que

    aquele que fora absolvido ou condenado em um Estado por atos criminosos de competncia

    do Tribunal no poder ser julgado novamente pelo citado Tribunal. Todavia o mesmo artigo

    excetua hipteses onde ser mantida competncia do TPI. Estas hipteses so em caso de o

    julgamento local que tenha por objetivo impunidade do acusado ou quando o provimento

    jurisdicional esteja ocorrendo de forma parcial.

    A jurisdio do TPI, como j se viu, complementar s jurisdiespenais dos Estados. O Tribunal, portanto, somente atuar quando ojulgamento local tiver sido forjado para absolver o autor dos crimesdefinidos pelo Estatuto, ou ento quando a investigao e o processamentodesses acusados demorar injustificadamente. Havendo conflito positivo entrea jurisdio penal interna e a jurisdio do TPI, ser o prprio Tribunal Penalsegundo o Estatuto de Roma (arts. 17 a 19) que ir decidir tal conflito;

    caso decida a favor de sua competncia, mandar o Estado entregar corte oacusado, ainda que este tenha sido absolvido perante a justia penalinterna (MAZZUOLI, p. 873, 2010).

    A instituio do TPI marca um novo cenrio da proteo dos Direitos Humanos e das

    cincias criminais do sculo XXI e, diante do esclarecimento dos autores, se conclui que em

    uma anlise seca e sem muito aprofundamento, logo se apontariam inconstitucionalidades

    diversas diante da lei suprema, contudo o estudo mais arraigado permite compreender que tais

    conflitos so meramente aparentes, estando o Estatuto de Roma em total harmonia com a

    CFRB/88.

    4. CONSIDERAES FINAIS

    visvel a intensa evoluo que sofreu o Direito Internacional Penal, mormente aps o

    sculo XX, onde ocorreram inmeros conflitos armados, tanto internacionais como as

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    Grandes Guerras Mundiais e a Guerra Fria quanto internos como no caso da Iugoslvia,

    sendo este sculo o apogeu das atrocidades cometidas contra o ser humano.

    No perodo de 1939 a 1945, a Segunda Guerra Mundial trouxe indignao sociedade

    internacional pela perpetrao de crimes to cruis, o que levou criao dos Tribunais

    Militar Internacional em Nuremberg (1945) e o Tribunal Internacional Militar para o Extremo

    Oriente (1946). Todavia, por mais que os referidos tribunais tenham sido alvo de elogio, por

    se tratarem de um marco na histria do direito internacional privado afinal, se tratam de

    tribunais para julgarem crimes contra a paz e a humanidade - foram tambm criticados, pelo

    fato de serem feitos criados pelos vencedores dos conflitos, ferindo diversos princpios penais

    como o da legalidade e da anterioridade penal.

    Assim, surgiu-se uma crescente preocupao com a proteo efetiva dos direitoshumanos, estando este tema inserido nos paradigmas atuais da ordem internacional. Nesta

    toada a criao do Tribunal Penal Internacional constitui um grande avano na seara da

    proteo destes direitos em nvel internacional. Todavia, o Estatuto de Roma, que instaurou o

    TPI, necessita da anuncia dos Estados, que se submetam a sua jurisdio. Para tanto

    imprescindvel a congruncia de vontade entre os Estados, justamente para que o TPI possa

    responder aos seus objetivos de forma efetiva.

    Alm disso, o referido Tribunal transporta como carga o objetivo de superao dosantigos tribunais de exceo, que violaram explicitamente diversos princpios jurdicos do

    direito penal. Contudo, no se pode negar que a importncia e a influncias desses tribunais

    ad hoc, tendo em vista que foram eles que proporcionaram um cenrio favorvel para a

    criao de um Tribunal Internacional Permanente.

    Durante a Segunda Guerra Mundial, no perodo de 1939 a 1945, o ser humano fora

    deposto de sua dignidade e seus direitos, pois apenas queles pertencentes a chamada raa

    ariana, que para Hitler era pura, detinham esses direitos. Todavia, aps perder a guerra,fora constitudo o Tribunal de Nuremberg, em 1945-1946, com o acordo de Londres de 1945,

    convocou-se um Tribunal Militar Internacional para o julgamento dos criminosos de guerra.

    Posteriormente, com a extino da Unio Sovitica em 1991, marcou-se o fim da

    Guerra Fria, iniciando o processo de despolarizao da sociedade internacional, antes dividida

    entre capitalistas e socialistas. Os efeitos dessas situaes foram sentidos pela comunidade

    internacional de forma tamanha que esta saltou etapas e foi capaz de criar, em pouco tempo,

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    os tribunais criminais ad hocpara a antiga Iugoslvia (1993) e para a Ruanda (1994). Foi com

    a criao destes tribunais que ficou demonstrada a possibilidade de implementao de um

    Tribunal Penal Internacional permanente.

    Como se observou, no que se diz respeito s crticas sobre a incompatibilidade de

    certos procedimentos e penas presentes no Estatuto de Roma em relao CRFB/88, salienta-

    se, mais uma vez, tratarem-se de meros conflitos aparentes, tendo em vista que os princpios

    da CRFB/88 no s ressalvam, mas tambm protegem os direitos da pessoa humana.

    Por fim, conclui-se que a Justia Penal Internacional chega ao mundo em boa hora,

    pois passa a reprimir os crimes contra os Direitos Humanos, sendo esta a responsvel por uma

    sociedade internacional justa e digna, com fundamento na tutela dos Direitos Humanos.

    REFERNCIAS:

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