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  • A concretizao judicial dos direitos sociais, seus abismos gnoseolgicos e a reserva do possvel:

    por uma dinmica terico-dogmtica do constitucionalismo social

    Gustavo Rabay GuerraMestre em Direito Pblico pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), doutorando e pesquisador em Direito, Estado e Constituio pela Universidade de Braslia (UNB), professor do Centro Universitrio de Braslia (UNICEUB) e advogado em Braslia.

    Resumo

    Discute a questo da insuficiente aplicabilidade das normas que definem direitos sociais face a limitaes materiais, consideradas as condies de possibilidade oramentria que factibilizam prestaes estatais positivas. Assim, aps um olhar introdutrio acerca do noo de reserva do possvel, sinaliza bases tericas construtivas do paradigma de Estado social e sua insero no pensamento neoconstitucional e de como as metodologias argumentativa e hermenutica da justia constitucional podem oferecer respostas coerentes e eficazes aos impasses jurdico-polticos que afastam o mnimo social almejado em um Estado democrtico.

    Palavras-chaves: Neoconstitucionalismo. Efetivao dos direitos sociais. Reserva do possvel. Interpretao constitucional.

    Abstract

    This work aims the question of the low power of the constitutional norms and its insufficient applicability when it comes to define social rights which are dependent of some material resources of Public Politic. In order of introducing the basic aspects of the "reserva do possvel", some theorical outlines of the Welfare State idea and its discussion in the neoconstitucionalist thought are exposed, as well is discussed how can the new methods of argumentation and hermeneutics of constitutional jurisdiction offer coherent and efficient answers to foundamental issues, while the legal and politic perspectives are harming the possibility of a paradigm of minimum rights to consolidate the so called "Democratic State".

    Keywords: Neoconstitutionalism. Efectivenesse of social rights. The costs of rights. Constitutional Hermeneutics and Interpretation.

    Sumrio: 1. Direitos sociais e concretizao judicial: preliminares sobre o debate 2. Os direitos fundamentais sociais como problema de essncia: dilemas de acionabilidade 3. O superficialismo normativo dos direitos sociais e as profundezas do abismo: ainda factvel falar-se em eficcia diferida e aplicabilidade mediata das normas constitucionais? 4. Reserva do Possvel: lineamento conceitual bsico 5. Afinal o que Constitucionalismo e Estado social? (Contra o discurso da superposio dos limites materiais em face do mnimo social) 6. Para pontofinalizar (ou no...) 7. Referncias.

  • 1. Direitos sociais e concretizao judicial: preliminares sobre o debate

    Este tempo de partido,

    Tempo de homens partidos.

    Em vo percorremos volumes,

    Viajamos e nos colorimos.

    A hora pressentida esmigalha-se em p na rua,

    Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.

    As leis no bastam. Os lrios no nascem da lei.

    Meu nome tumulto e escreve-se na pedra.

    Carlos Drummond, "Nosso Tempo".

    Um dos debates mais associados ao constitucionalismo presente a consagrao plena dos direitos sociais, no sentido de configurarem direitos a prestaes positivas sensivelmente exigveis conforme a vontade constitucional que lhes nsita.

    No Brasil, a tutela de tais direitos sociais diz respeito diretamente prtica judicial de nossas Cortes, na perspectiva de eleger-se, no ambiente dogmtico, diretrizes prtico-racionais e hermenuticas de ampliao dos contornos definitrios dos direitos postos na Constituio e sua consentnea aplicao cotidiana. A questo, recorrentemente travada na doutrina e jurisprudncia, liga-se aferio da aplicabilidade dos direitos sociais, enquanto normas constitucionais desprovidas de eficcia plena e auto-executoriedade, mas sobejamente exigveis, eis que perfilam a prpria ideologia do Texto Fundamental de 1988.

    Esse breve estudo compaginar alguns aspectos tericos marcantes do debate acerca da concretizao dos direitos sociais, especialmente mediante atuao do Poder Judicirio, que adrede assume o papel de sindicabilidade das diretrizes de conformao poltica das normas constitucionais alusivas aos direitos sociais. Mas no se trata de esforo doutrinrio hbil a tal ponto de encerrar novos conceitos ou condies de possibilidade para a superao da crise de inefetividade constitucional pela qual se passa, desde sempre; apenas privilegia uma leitura do conjunto terico mais relevante ao problema, com cariz introdutrio.

    2. Os direitos fundamentais sociais como problema de essncia: dilemas de acionabilidade

    Os direitos fundamentais correspondem aos valores principiais da nossa cultura jurdica [01], tendo como significao mais prxima, a prpria dignidade humana [02]. Assim, correspondem ao continuum de direitos s condies mnimas de existncia humana digna, que no podem ser objeto de interveno do Estado, mas que,

  • simultaneamente, demandam prestaes estatais positivas [03]. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais possuem a caracterstica de direitos pblicos subjetivos, ou seja, posies jurdicas ocupadas por seu titular perante o Estado [04].

    Os direitos sociais ocupam essa outra dimenso direitos prestaes positivas, tambm reconhecidos como direitos prestacionais e que conduzem a uma atividade proativa do Estado. A idia primordial dos direitos individuais albergados na constituio, nascida com o ideal liberal e as revolues consentneas ao surgimento dessa concepo jurdica, caracterizados pela expresso "direitos de defesa" (Abwehrrecht), restou insuficiente para a plenitude do desiderato constitucional, como salientado por Gilmar Ferreira Mendes, fincado na lio de Krebs: "no se cuida apenas de ter liberdade de ao em relao ao Estado (Freiheit vom...), mas de desfrutar essa liberdade mediante atuao do Estado (Freiheit Durch)" [05].

    Gilmar Mendes lembra, ainda, que nosso sistema constitucional consagra destacadamente os direitos sociais, que recomendam a necessria atuao do Poder Pblico, "por fora inclusive da eficcia vinculante que se extrai da garantia processual-constitucional do mandado de injuno e da ao direta de inconstitucionalidade por omisso". [06]

    Em que pese a fecundidade do tema, ao passo em que verifica-se a mencionada euforia em torno desta base teortica, de igual sorte estupendo o hiato entre a proclamao de tais direitos e a baixa densidade de efetivao dos direitos sociais, ainda que diuturnamente reclamados pelo senso jurdico e pela prpria sociedade. O problema fica escamoteado, no raras vezes, na deblaterao acerca do grau de aplicabilidade e eficcia das normas constitucionais e nas inexitosas tentativas de desvencilhamento de um modelo dirigente, em que os vnculos entre a responsabilidade do legislador ordinrio e os riscos da no implementao de direitos suscitam um tom de pecado original [07].

    Abstraindo quaisquer outras provocaes a respeito do alcance dos direitos sociais enquanto elementos (in) dissociveis dos direitos fundamentais, adverte Roger Stiefelmann [08] que, quando da introduo do mandado de injuno no ordenamento brasileiro com a suposta pretenso de, ao lado da ao de inconstitucionalidade por omisso, conferir aplicabilidade aos direitos sociais, surgiu intensa discusso acerca de quais os direitos seriam viabilizveis pelo writ, o que conduziu o Supremo Tribunal Federal (STF) a firmar sua posio no sentido de que todos os direitos decorrentes da Constituio eram passveis de proteo por via de mandado de injuno [09].

    Com esse adventcio, o STF admitiu a adoo de mandado de injuno em matria de direitos sociais. Todavia, consciente das dificuldades em concretizar de pronto os direitos sociais, acabou por atenuar o efeito das decises proferidas em sede de mandado de injuno, obedecendo ao carter poltico da realizao dos direitos sociais, como evidencia o entendimento do Min. Moreira Alves, que admite que a deciso proferida em sede de mandado de injuno no confere a tutela adequada: "(...) na prtica, a deciso dele (mandado de injuno) decorrente poder no ser cumprida, pela impossibilidade de o Supremo Tribunal Federal atuar coercitivamente contra os poderes omissos". [10] Optou-se, assim, pela mesma soluo definida pela Constituio para a ao de inconstitucionalidade por omisso, ou seja, a cientificao do rgo competente para que tome as providncias necessrias [11]. Foi admitida, em verdade, a impossibilidade tcnica e poltica do STF para suprir a falta de uma norma, viabilizando

  • o exerccio de direitos sociais [12].

    3. O superficialismo normativo dos direitos sociais e as profundezas do abismo: ainda factvel falar-se em eficcia diferida e aplicabilidade mediata das normas

    constitucionais?

    O homem s homem atravs da linguagem, mas para inventar a linguagem j tinha que ser homem.

    Wilhelm Von Humboldt [13]

    Como lembra Regina Ferrari, quando a Constituio Federal afirma que todos devem ter direito ao bem social correspondente moradia, preciso enxergar que tal no investe o seu titular numa condio exigibilidade plena, pois "seria impossvel admitir (...) que a todo indivduo que demonstrasse no possuir moradia caberia ao contra o Poder Pblico para receb-la (...)". [14]

    Nos atuais