a compreensão da sociedade da informação

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25 A compreensão da sociedade da informação INTRODUÇÃO Dentro de um contexto de mudança da sociedade industrial para a sociedade da informação e do conhecimento, este documento tem o propósito de entender como as ciências, a ciência da informação e da comunicação, as novas tecnologias, dentro de uma abordagem macro, sistêmica, poderão ajudar não somente na compreensão do mundo, mas também na solução dos problemas, muitas vezes elementares, que atingem o ser humano. Problemas estes que o levam a uma condição não só de miserabilidade, mas também de exclusão da sociedade e das oportunidades de sobrevivência digna, da possibilidade de ser feliz. Apresenta algumas tendências e os desafios do momento, indicando que uma visão integrada do mundo moderno, dos seus problemas e soluções, juntamente com os resultados e avanços das ciências, das tecnologias, da vontade política dos dirigentes, aliados às ferramentas capazes de organizar a complexidade e a produzir resultados, e com a determinação do homem, poderão encontrar, na sociedade da informação e do conhecimento, alternativas para diminuir os problemas da vida humana, das organizações e da sociedade, neste século que se inicia, pois como afirma a professora Rosa Maria Vicari (2000) da UFRGS: “A Sociedade da Informação cresce rapidamente. No momento, não há falta de visões sobre o futuro – somente escolher as certas é que é difícil.” O CONTEXTO DA MUDANÇA Tanto no cenário mundial quanto no do Brasil, vive-se uma palavra de ordem que cerca, impulsiona, agride e até sufoca o indivíduo. Esta palavra é MUDANÇA. Vivencia-se uma nova ordem que tem suas bases nas mudanças paradigmáticas por que passa este fim de século, tanto do ponto de vista social, econômico, cultural, político, tecnológico e outros. Vários autores têm elaborado documentos, artigos, livros sobre esta nova era, buscando a compreensão dos vários ângulos dessas mudanças. Kenneth Boulding em O significado do século XX classifica a vida humana em duas grandes épocas: a pré-civilizada, do nômade que adquire caracteres de civilização ao urbanizar- se, e a pós-civilizada, que constitui a atual, e afirma: “A grande transição não é somente algo que afeta a ciência, a tecnologia, o sistema físico da sociedade e o aproveitamento da energia. É também a transição das instituições sociais”. Maria Alice Guimarães Borges Professora do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília; mestre em Ciência da Informação. E-mail: [email protected] The understanding of information and knowledge society (IKS) Abstract This paper aims at understanding the changing context of the Information and Knowledge Society (IKS). Present trends in information organizational structures are examined for an understanding both of these developments and their environment. An integrated view of problems and alternative solutions is given to obtain a structured and contextual analysis. Keywords Information society; Knowledge society; Information society perspectives; System analysis; Objective understanding. Resumo Este artigo trata do contexto de mudança na sociedade da informação e do conhecimento, das tendências atuais das organizações e do desafio da compreensão desse momento através do “conhecimento objetivo”, dentro de uma visão integrada de seus problemas e soluções, como uma oportunidade para se conseguir uma análise estrutural e conjuntural. Palavras-chave Sociedade da informação; Sociedade do conhecimento; Perspectivas da sociedade da informação; Enfoque sistêmico; Conhecimento objetivo. Ci. Inf., Brasília, v. 29, n. 3, p. 25-32, set./dez. 2000

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Este artigo trata do contexto de mudança na sociedade da informação e do conhecimento, das tendências atuais das organizações e do desafio da compreensão desse momento através do “conhecimento objetivo”, dentro de uma visão integrada de seus problemas e soluções, como uma oportunidade para se conseguir uma análise estrutural e conjuntural.

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    A compreenso da sociedade da informao

    INTRODUO

    Dentro de um contexto de mudana da sociedade industrialpara a sociedade da informao e do conhecimento, estedocumento tem o propsito de entender como as cincias,a cincia da informao e da comunicao, as novastecnologias, dentro de uma abordagem macro, sistmica,podero ajudar no somente na compreenso do mundo,mas tambm na soluo dos problemas, muitas vezeselementares, que atingem o ser humano. Problemas estesque o levam a uma condio no s de miserabilidade, mastambm de excluso da sociedade e das oportunidades desobrevivncia digna, da possibilidade de ser feliz.

    Apresenta algumas tendncias e os desafios do momento,indicando que uma viso integrada do mundo moderno,dos seus problemas e solues, juntamente com os resultadose avanos das cincias, das tecnologias, da vontade polticados dirigentes, aliados s ferramentas capazes de organizara complexidade e a produzir resultados, e com adeterminao do homem, podero encontrar, na sociedadeda informao e do conhecimento, alternativas paradiminuir os problemas da vida humana, das organizaes eda sociedade, neste sculo que se inicia, pois como afirma aprofessora Rosa Maria Vicari (2000) da UFRGS:

    A Sociedade da Informao cresce rapidamente. Nomomento, no h falta de vises sobre o futuro somenteescolher as certas que difcil.

    O CONTEXTO DA MUDANA

    Tanto no cenrio mundial quanto no do Brasil, vive-seuma palavra de ordem que cerca, impulsiona, agride e atsufoca o indivduo. Esta palavra MUDANA.

    Vivencia-se uma nova ordem que tem suas bases nasmudanas paradigmticas por que passa este fim de sculo,tanto do ponto de vista social, econmico, cultural,poltico, tecnolgico e outros.

    Vrios autores tm elaborado documentos, artigos, livrossobre esta nova era, buscando a compreenso dos vriosngulos dessas mudanas.

    Kenneth Boulding em O significado do sculo XX classifica avida humana em duas grandes pocas: a pr-civilizada, donmade que adquire caracteres de civilizao ao urbanizar-se, e a ps-civilizada, que constitui a atual, e afirma: Agrande transio no somente algo que afeta a cincia, atecnologia, o sistema fsico da sociedade e o aproveitamentoda energia. tambm a transio das instituies sociais.

    Maria Alice Guimares BorgesProfessora do Departamento de Cincia da Informao eDocumentao da Universidade de Braslia; mestre em Cincia daInformao.E-mail: [email protected]

    The understanding of information and knowledgesociety (IKS)

    Abstract

    This paper aims at understanding the changing context of theInformation and Knowledge Society (IKS). Present trends ininformation organizational structures are examined for anunderstanding both of these developments and theirenvironment. An integrated view of problems and alternativesolutions is given to obtain a structured and contextualanalysis.

    Keywords

    Information society; Knowledge society; Information societyperspectives; System analysis; Objective understanding.

    Resumo

    Este artigo trata do contexto de mudana na sociedade dainformao e do conhecimento, das tendncias atuais dasorganizaes e do desafio da compreenso desse momentoatravs do conhecimento objetivo, dentro de uma visointegrada de seus problemas e solues, como umaoportunidade para se conseguir uma anlise estrutural econjuntural.

    Palavras-chave

    Sociedade da informao; Sociedade do conhecimento;Perspectivas da sociedade da informao; Enfoque sistmico;Conhecimento objetivo.

    Ci. Inf., Braslia, v. 29, n. 3, p. 25-32, set./dez. 2000

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    Esta transio o reflexo de uma mudana, de umatransformao, da passagem de um estgio a outro, enfimda converso de uma determinada situao a uma nova,hoje denominada mudana de paradigma, levando anovas exigncias, estratgias e aes.

    Ao longo deste sculo a cincia props uma nova maneirade se pesquisar, estudar e compreender o mundo, suasespecificidades e suas relaes, como mostram as duasrepresentaes de Mattos (1982) apresentadas a seguir.

    Partimos do perodo da especializao que tambm deusua colaborao ao estudo das cincias, possibilitandoentrar no mago de cada uma delas ou de suasdisciplinas, por meio da decomposio de seus vriosaspectos, utilizando-se da classificao, da anlise, daenumerao etc.

    Dessa poca da especializao, do isolamento, da anlisecomo fim em si mesma e cada vez mais atomstica, chegou-se era da sntese, do global, do macro, da agregao, dabusca do comum, das interfaces, da complementariedadenas vrias reas do conhecimento.

    Esta nova abordagem reforada na II Guerra Mundial,quando as equipes trabalhavam interdisciplinarmente,com especialistas originrios de vrias reas, paraequacionar os complexos problemas surgidos naqueleperodo. E a, emergiu a Teoria Geral dos Sistemas (TGS),como um instrumento apropriado para lidar com acomplexidade organizada e as idias comuns s vriasdisciplinas ou cincias.

    O primeiro anncio da TGS foi em 1945, apesar de em1937 ter sido apresentado um artigo no Seminrio deFilosofia de Charles Morris, na Universidade de Chicago.

    Pai da idia: Ludwig von Bertalanffy (1901-1972)austraco, bilogo, radicado no Canad, professor daUniversidade de Alberta , em Edmonton (Canad). Noprefcio do seu livro Teoria Geral dos Sistemas, ele escreve:

    O que pode ser obscurecido nesses desenvolvimentos por mais importantes que sejam o fato de que a teoriados sistemas consiste numa ampla concepo quetranscende muito os problemas e exigncias tecnolgicas, uma reorientao que se tornou necessria na cinciaem geral e na gama de disciplinas que vo da fsica e dabiologia s cincias sociais, e do comportamento filosofia. uma concepo operatria, com graus variveisde sucesso e exatido, em diversos terrenos, e anunciauma nova compreenso do mundo, de considervelimpacto...

    No mesmo prefcio, Bertalanffy continua, complementan-do com uma observao de Simon (1965):

    Uma introduo a um campo de conhecimento que estrapidamente se desenvolvendo consiste em grande partena histria de seus conceitos. No , portanto, inadequadoque o presente trabalho seja constitudo de estudosescritos ao longo de um perodo de cerca de 30 a nos.

    O livro apresenta assim a teoria dos sistemas no comouma doutrina rgida (o que atualmente no ), mas em seumovimento e no desenvolvimento de suas idias, que, de esperar, podem servir de base para ulteriores estudos epesquisas.

    Por sua vez, Ackoff (1959) complementa: Estamosparticipando do que provavelmente o mais amplo esforopara chegar a uma sntese do conhecimento cientficocomo jamais foi feita.

    Como pode ser observado, da fsica subatmica histria h um acordo sobre a necessidade dereorientao da cincia. Para Bertalanffy, as realizaes

    Maria Alice Guimares Borges

    FIGURA 1Abordagem tradicional geral

    meteorologia botnica

    zoologiageologia

    administrao

    ABORDAGEM TRADICIONAL GERAL

    NVEL DO ISOLADO

    Componentes relativamentehomogneos.

    A delimitao do campo deestudo se faz em funo danatureza fsica dos elementosestudados.

    Estudam-se, de forma casustica,as relaes de causa e efeitoA B (relao orientada)

    SISTEMA

    FIGURA 2Abordagem sistmica

    METEOROLOGIA

    ZOOLOGIA BOTNICA

    ADMINISTRAO GEOLOGIA

    ABORDAGEM SISTMICA

    a delimitao do campo de estudo sefaz em funo do OBJETIVO A SERALCANADO TELEFONIA

    componentes normalmenteheterogneos.

    estudam-se as relaes existentesA B sem preocupaocasustica, permitindo, porm, proverESTADOS particulares do sistema emum determinado momento.

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    da tecnologia moderna reforam esta tendncia.O conceito de sistema, embora o termo sistema notenha sido empregado at aquela data, tem uma longahistria. Sob a designao de filosofia natural, pode-seencontr-lo em Nicolau de Cusa (De ludo globi, 1463)quando explicita a coincidncia dos opostos e aunidade na diversidade; e em vrios outros autores, comoKhler (1924), Lotka (1925).

    Aurlio Peccei um dos fundadores do Clube de Roma ,em seu livro Cem pginas para o futuro, resume, por meiode uma representao, a interdependncia e a interaodas diversas reas:

    Como se pode constatar, a idia da complementariedade eda unificao das cincias antiga. Bertalanffy j a estudavaantes da II Guerra.

    Em 1954, motivado pelo sucesso de outras doutrinasgeneralistas dos anos 40, como a ciberntica, a teoria dosjogos, a teoria da informao, ele se une a outros cientistas Kenneth Boulding (economista), Ralph Gerard(filsofo) e Anatol Rapoport (matemtico) , e fundam a

    A compreenso da sociedade da informao

    Viso muito simplificada e esquematizada da rede defatores objetivos que interagem entre eles e com os fatoreshumanos e sociais que no esto representados nailustrao. Resultam da milhares de pontos nodais, entreeles vrios crticos que costituem a problemtica quedevemos todos enfrentar, do nvel local ao global.

    FIGURA 3reas de interdependncia*

    * Adaptado de The State of the Planet, editado por Alexandre KingPergamon Inernational Library, Oxford, 1980.

    Society for General Systems Research, na reunio anual daAssociao Americana para o Progresso da Cincia. Logoaps, outros vieram, como Leslie White, da Antropologia;da Psicologia: Allport e Piaget; da Biologia: Paul Weiss,Pattee, James Miller; da Psiquiatria: Rizzo e Gray; daLingustica: Noam Chomsky; da Engenharia: Klir e Polak;da Sociologia: Merton e Sorokin; da Poltica: Churchman,e muitos outros como: Herbert Simon, da Psicologia;Arthur Koestler, jornalista hngaro; Rene Jules Dubos,francs, microbiologista nos EUA; Henri Marie Laborit,neurologista francs; Jacques Manod, bioqumico francs;Ervin Lazslo; Zerbst; Forrester e todo o Clube de Roma.

    Estabeleceram-se vrios grupos locais da Sociedade emvrios centros dos Estados Unidos e, posteriormente, daEuropa. Vrias pesquisas e publicaes apareceram,juntamente com a revista Mathematical Systems Theory.

    Caractersticas da Teoria

    Na compreenso da abordagem sistmica sodeterminantes alguns conceitos e caractersticas,principalmente a complexidade , a hierarquia dos sistemase as configuraes principais:

    a) Complexidade: demonstrada pelo nmero deinteraes, articulaes e interdependncia entre oselementos de um sistema presentes em uma situao.A maioria das situaes e problemas, seja qual for a suaextenso e contedo, provm de mltiplas causas e devariveis interdependentes, resultantes da interao dediferentes fatores.

    b) Hierarquia dos sistemas: a partir da complexidade queapresentam os diferentes sistemas e aps vrias propostaspara o estabelecimento de uma ordem hierrquica, comoa proposta de Koestler (1967) baseada na linguagem verbal,ou nas idias semimatemticas, como a de Simon (1965)relacionada teoria das matrizes e outras apoiadas na teoriados grficos, da lgica matemtica etc., Kenneth Boulding(1956) estabeleceu uma hierarquia para os sistemas,partindo das estruturas mais simples para as maiscomplexas:

    1 - sistema esttico ou das estruturas estticas, como ostomos, os cristais, mapas da terra etc.;

    2 - sistema dinmico simples (relojoaria) com mecanismospredeterminados: relgios, alavancas, sistemas solares,motores a vapor, dnamos etc.;

    3 - sistema ciberntico simples, com mecanismo decontrole, utilizando a comunicao, retroao, volta ao

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    estado de equilbrio, como termostato, servomecanismos,mecanismo homeosttico nos organismos;

    4 - sistema aberto, com fluxo de matria, insumos,metabolismo, como a clula, os rios, as chamas etc.;

    5 - sistema da vida vegetal (organismos inferiores), emque as clulas so formadoras das sociedades de razes,folhas, sementes, sucesso do germe, funo reprodutiva;

    6 - sistema da vida animal, com crescente importncia dacirculao de informao, da evoluo de receptores, dodesenvolvimento dos rgos sensoriais, recebendoinformaes (olhos, ouvidos etc.) do sistema nervoso, daaprendizagem, mobilidade, comportamento e comeo daconscincia;

    7 - sistema homem ou da vida do ser humano, comcapacidade de auto-reflexo, memria, fala,desenvolvimento de habilidades, simbolismos,autoconscincia, individualidade e mundo, passado efuturo, comunicao pela linguagem etc.;

    8 - sistema sociocultural ou da organizao social,com populaes de organismos, organizaes ,indivduos, comunidades determinadas por smbolos ouculturas, indivduos a desempenhar papis, canais decomunicao etc.;

    9 - sistema simblico, com linguagem, lgica, matemtica,cincias, arte, moral, utilizando algoritmos, regras do jogoetc. Neste ltimo nvel, poder-se-ia incluir o sistemamundo virtual, estabelecido por diferentes relaesquanto ao tempo, distncia, interfaces, comunicao,localizao etc.

    c) Configuraes principais: os sistemas possuem as maisdiferentes configuraes, podendo ser macro oumicroscpicos; biolgicos ou mecnicos; sociais,ecolgicos ou fsicos; naturais ou artificiais. A TGS v oglobal, e no o atomstico; v o complexo, e no o simples;v as interaes entre as partes, e no as causalidadeslineares. O denominador comum dos sistemas acomplexidade, a interao entre as partes componentes os elementos e a existncia de um comportamento, deuma finalidade, de uma conduta.

    A riqueza de um sistema vem das interconexes, dasinterfaces entre os elementos, e no do nmero deelementos; no um simples agregado, amontoado ou somade partes. Um sistema compreende um arranjo, eminteraes e transformaes, demonstrando desmensuradapotencialidade de modos de ser.

    O sistema tem tambm um ciclo de vida: nasce,amadurece e morre, a no ser que seja reformulado, dentrode um comportamento conduta criativo e inovador,no se deixando ir pelo mais provvel, simplificado,acomodado e repousante, que termina por lev-lo entropia ou at mesmo ao caos (a entropia pode levar aocaos, mas no o caos).

    Observa-se tambm que o contorno do sistema, o tamanhoideal, o objetivo e a finalidade so atributos, e nopropriedades intrnsecas. O dinamismo dos sistemas podelev-lo s emergncias (novas propriedades de dentro parafora) ou sua reduo.

    Vrias outras caractersticas podem ser verificadas, pormestas so as relacionadas a esse documento, convergindopara uma definio de sistema como:

    Sistema um conjunto de elementos com funesprprias (no intercambiveis) que interagem (trocaminfluncias) e agem em conjunto (organizadamente) paraatingir um ou mais objetivos.

    AS TENDNCIAS ATUAIS

    A simples compreenso de que as instituies sociais e omundo so sistemas, e no somas de tomos fsicos ousociais, ou de que os diversos estgios por que passou omundo consistem em sistemas chamados civilizaes,que seguem princpios gerais, tm caractersticas prpriasdos sistemas, implica um redirecionamento da condutado homem perante os desafios do momento.

    O mundo virtual fez profundas alteraes, principalmentenas concepes de espao e tempo. No h mais distncia,territrio, domnio e espera: vive-se o aqui e o agora.O virtual usa novos espaos, novas velocidades, sempreproblematizando e reinventando o mundo. A virtualidadeleva tambm a passagem do interior ao exterior, e doexterior ao interior os limites no mais existentes e hum compartilhamento de tudo. Os dois bens primordiaisdo ponto de vista econmico com caractersticas prpriase diferenciadas dos outros bens so a informao e oconhecimento, pois o seu uso no faz com que acabem ousejam consumidos.

    Quando so utilizados, h um processo de interpretao,de interligao, de complementariedade, promovendo umato de criao e inveno. O uso da virtualizao, cada vezmais presente no nosso cotidiano, amplia aspotencialidades humanas, criando novas relaes, novosconhecimentos, novas maneiras de aprender e de pensar.

    Maria Alice Guimares Borges

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    O grande desafio conseguir que, nesta velocidade edesempenho, o virtual no interfira na identidade culturaldos povos, fazendo com que um projeto de civilizaocentrado sobre os coletivos pensantes possa conter esterisco, j que o mundo virtual inevitvel.

    A convergncia de opinies de autores de diferentes reasdo conhecimento sobre as mudanas atuais e asmegatendncias, como Alvin Toffler, Fritjof Kapra,Stafford Beer, Ioneji Masuda, Peter Drucker, LorenzoVilches, Pierre Lvy, Thomas Kuhn, Karl Popper e ManuelCastells, corroboradas pelos fatos do dia-a-dia, demonstra,de maneira impactante, as mudanas na rea especfica dainformao e da constituio de seus sistemas e das suasorganizaes.

    Em um quadro comparativo, abordando as organizaessociais, tem-se uma compreenso mais objetiva dasdiferenas entre uma organizao da Segunda Onda dasociedade industrial e a organizao moderna, dasociedade da informao e do conhecimento:

    EMPRESA DA SOCIEDADEINDUSTRIAL

    Enfoque analtico/atomstico.

    Individualismo/predomnio/distanciamento entre as pessoas.

    Autoridade centralizadora/paternalista/autocrtica.

    Continuidade num nico nichoprofissional. Especializaoexcessiva.

    Economia de escala/tendncia aogigantismo e centralizao.

    Valorizao da quantidade.

    Empresrio avesso ao risco.Busca de protecionismo.

    A grande alavanca o dinheiro.

    O sucesso garantido pelo poderde investimento em mquinas einstalaes.

    EMPRESA DA SOCIEDADEDA INFORMAO

    Enfoque macro/holstico.

    Igualdade de direitos/compartilhamento/participao.

    Autoridade adulta/facilitadora/democrtica.

    Opes mltiplas. Liberdadede escolha. Visogeneralizada.

    Descentralizao,resguardando-se a integrao.

    Valorizao da qualidadeassociada quantidade.

    Empresrio empreendedor,criativo e competitivo.

    A grande alavanca ainformao/o conhecimento/a educao.

    A mente humana o grandesoftware. O computador ogrande hardware.

    Aps essas consideraes, a sociedade da informao e doconhecimento pode ser caracterizada sinteticamente, poralguns itens, como:

    a grande alavanca do desenvolvimento da humanidade realmente o homem;

    A compreenso da sociedade da informao

    a informao um produto, um bem comercial;

    o saber um fator econmico;

    as tecnologias de informao e comunicao vmrevolucionar a noo de valor agregado informao;

    a distncia e o tempo entre a fonte de informao e o seudestinatrio deixaram de ter qualquer importncia; aspessoas no precisam se deslocar porque so os dados queviajam;

    a probabilidade de se encontrarem respostasinovadoras a situaes crticas muito superior situaoanterior;

    as tecnologias de informao e de comunicaoconverteram o mundo em uma aldeia global(MacLuhan);

    as novas tecnologias criaram novos mercados, servios,empregos e empresas;

    as tecnologias de informao e comunicao interferiramno ciclo informativo, tanto do ponto de vista dosprocessos, das atividades, da gesto, dos custos etc.:

    o prprio usurio da informao pode ser tambm oprodutor ou gerador da informao;

    registro de grandes volumes de dados a baixo custo;

    armazenamento de dados em memrias com grandecapacidade;

    processamento automtico da informao em altavelocidade;

    recuperao de informao, com estratgias de buscasautomatizadas;

    acesso s informaes armazenadas em bases de dadosem vrios locais ou instituies, de maneira facilitada;

    monitoramento e avaliao do uso da informao.

    Enfim, como explicita Alvin Toffler (1995) no seu livroCriando uma nova civilizao:

    Por trs dessa monumental realocao de poder, resideuma mudana no papel, na significao e na natureza doconhecimento.

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    OS DESAFIOS DO MOMENTO

    Em 1972, C. W. Churchman em seu livro Introduo Teoriados Sistemas, aponta alguns problemas da humanidade, queat hoje permanecem atuais e desafiadores:

    Suponhamos que comecemos fazendo a lista dosproblemas do mundo de hoje que em princpio podem serresolvidos pela moderna tecnologia.

    Em princpio, temos a capacidade tecnolgica de alimentar,abrigar e vestir adequadamente todos os habitantes domundo.

    Em princpio, temos a capacidade tecnolgica de asseguraradequado cuidado mdico para todos os habitantes domundo.

    Em princpio, temos a capacidade tecnolgica de oferecersuficiente educao a todos os habitantes do mundo paragozarem de uma vida intelectual madura.

    Em princpio, temos a capacidade tecnolgica de colocarfora da lei a guerra e instituir sanes sociais que evitaroa deflagrao de uma guerra ilegal.

    Em princpio, temos a capacidade de criar em todas associedades uma liberdade de opinio e uma liberdade deao que reduziro ao mnimo os constrangimentosilegtimos impostos pela sociedade ao indivduo.

    Em princpio, temos a capacidade de desenvolver novastecnologias, que libertaro novas fontes de energia e poderpara atender s emergncias fsicas e econmicas em todoo mundo.

    Em princpio, temos a capacidade de organizar associedades do mundo atual para realizar planos bemdesenvolvidos a fim de resolver os problemas da pobreza,sade, educao, guerra, liberdade humana e odesenvolvimento de novos recursos.

    Se o ser humano tem a capacidade de fazer todas essascoisas, por que no as faz? Haver algum perverso trao decarter que corre atravs da espcie humana e torna umser humano indiferente condio do outro? Estamosessencialmente em face de um tipo de degradao moralque nos permite ignorar nosso vizinho em razo de nossoprprio interesse?

    Ou existe alguma razo mais profunda e sutil pela qual, adespeito de nossa enorme capacidade tecnolgica, noestamos ainda em condies de resolver os principais

    problemas do mundo? Se passarmos os olhos sobre a listados problemas, h um aspecto deles que logo se tornaevidente: esses problemas so interligados e se sobrepemparcialmente. claro que a soluo de um problema temmuito a ver com a soluo de outro.

    So to interligados e imbricados de fato que no demodo algum claro por onde devemos comear.Suponhamos, por exemplo, que concebemos a idia deque o primeiro problema a ser solucionado o dealimentar, abrigar e vestir adequadamente todos oshabitantes do mundo. Como comearamos a resolver esteproblema? A capacidade tecnolgica existe. Podemosproduzir o alimento necessrio para chegar a este resultadoe os materiais de construo que ofereceriam abrigo e ostecidos que vestiriam o indivduo. Ento por que nofazemos isso? A resposta que no estamos organizadospara faz-lo.

    Como atuar diante deste desafio e sobre esta causa queparecem to simples, mas que na verdade so tocomplexos se no estamos organizados para faz-lo eno temos como resolv-los?

    Vrios foram os caminhos seguidos pelas naes doOcidente e do Oriente, ideologicamente opostas ou juntas,onde se somam esforos e os resultados ainda so pequenos.

    Mas a resposta dever vir da prpria cincia, atravs dealguns de seus principais pensadores, como Descartes ePascal, Manuel Castells, Thomas Kuhn, Karl Popper eoutros.

    As teses so explicativas, mas no so prognsticas.

    De acordo com Thomas Kuhn (1962), a cincia normalsegue procedimentos e normas. Somente quando h umaruptura (revoluo cientfica), h o aparecimento denovos esquemas ou novos paradigmas:

    Muitas realizaes da biologia molecular, da cibernticae de outros campos mostraram a cincia normal, isto ,os esquemas conceituais admitidos em carter monoltico... mas uma revoluo cientfica define-se peloaparecimento de novos esquemas ou paradigmasconceituais. H um deslocamento nos problemasobservados e estudados e uma mudana das regras da prticacientfica. As primitivas verses de um novo paradigmaso na maioria das vezes toscas, resolvem poucos problemase as solues dadas aos problemas individuais esto longede serem perfeitas. H uma profuso e competio deteorias, cada uma das quais limitadas no que diz respeitoao nmero de problemas a que se referem e soluo

    Maria Alice Guimares Borges

    Ci. Inf., Braslia, v. 29, n. 3, p. 25-32, set./dez. 2000

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    elegante daqueles que so levados em considerao.Contudo, o novo paradigma abrange novos problemas,especialmente os que anteriormente eram rejeitados comometafsicos. A partir dessa contribuio de Kuhn,Bertalanffy complementa:

    O problema do sistema essencialmente o problema daslimitaes dos procedimentos analticos na cinciaclssica. Isto costuma ser expresso em enunciadossemimetafsicos, tais como evoluo emergente, ouo todo mais do que a soma de suas partes, mas tem umaclara significao operacional.

    Procedimento analtico significa que uma entidade podeser estudada resolvendo-se em partes e por conseguintepode ser constituda ou reconstituda pela reunio destaspartes, em um todo.

    Rompendo com uma perspectiva conservadora, tem-se ocontraponto da filosofia do aleatrio:

    Onde se permanece em uma filosofia do aleatrio, ondese est ligado a leis pobres com determinao unvoca efixa...o pluralista age bem, ao fazer observar ao dialtico apobreza de suas estruturas e o erro sempre recomeado desua prospectiva. (Michel Serres Herms I)

    Reunindo-se estas grandes contribuies s mudanasnecessrias cincia, no processo de transformao eresposta aos problemas e desafios, surge Popper como asntese e o marco na filosofia da cincia, trazendo suasidias como a base de operao na atividade cientfica,sendo em resumo uma filosofia de ao.

    Popper acredita que o conhecimento s pode progredirgraas cr t ica, mediante argumentos muito fortes.A filosofia uma atividade necessria, para se admitiruma srie de pressupostos, a partir de um exame crticodos pressupostos, das teorias, das proposies, das asseres que so as entidades lingsticas mais importantes doTerceiro Mundo.

    Os argumentos constituem sua fora orientadora, comopoder de persuaso, com grandiosidade, autoconfiana erigor lgico.

    No seu livro Conhecimento objetivo: uma abordagemevolucionria, ao expor a teoria da mente objetiva,estabelece o pluralismo e a tese dos trs mundos.Considera o primeiro mundo, o material ou dos estadosmateriais; o segundo mundo, o mental ou dos estadosmentais; terceiro mundo, o mundo dos inteligveis oudas idias no sentido objetivo.

    As relaes causais entre os trs mundos tm o segundomundo como mediador, que estabelece um elo indiretoentre os outros dois.

    O primeiro e terceiro mundos so externos, s percebidospelo segundo, e s se pode entender o primeiro e segundomundos por meio do terceiro mundo, apreendendo-se oscontedos de pensamentos objetivos.

    O terceiro mundo existe em realidade: produto doshomens, autnomo e leva obra original e criativa.

    O processo constitudo pela seqncia de estadosprecedentes, e o trabalho de criticar o estado alcanado que constitui a atividade.

    A atividade pode ser representada por um esquema geralde soluo de problemas pelo mtodo de conjecturasimaginativas e de crtica, tambm chamado Mtodo deConjectura e Refutao, representado por:

    P1 TT EE P2...n, ondeP1 = Problema (de partida)TT = Teoria experimentalEE = Eliminao de erroP2 = Tentativa de solucionar o problema e/ou incio deuma resoluo de um novo problema.

    Afirma, ainda, que necessrio mais do que uma anlisedo problema para a sua compreenso real, conseguindomanejar unidades estruturais do terceiro mundo.

    Popper, entre tantas proposies, explicita que acompreenso a meta da humanidade e talvez seja esta aresposta ao questionamento de Churchman.Compreenso que vir da contribuio de cientistas queso fundamentais no estudo desta sociedade globalizada ecentrada no uso e na aplicao da informao e doconhecimento, como escreve Manuel Castells em suatrilogia, iniciada pelo livro A Sociedade em Rede (1999).

    CONCLUSO

    A informao sempre foi o insumo bsico dodesenvolvimento. Quando o homem associou a fala e aimagem e criou a escrita, ele permitiu a transmisso e aarmazenagem de informao. A imprensa de Gutenberg,no sculo XV, o telefone, o rdio, a televiso e agora astecnologias da informao e da comunicao, querevolucionaram os sculos XIX e XX, aceleraram o acessoe o intercmbio de informaes. Estes diversos meios decomunicao, em vez de se exclurem, potencializam-se,mutuamente. Nas vsperas do sculo XXI, o mundo estse preparando para dar mais um salto, atravs das novastecnologias e das novas redes.

    A compreenso da sociedade da informao

    Ci. Inf., Braslia, v. 29, n. 3, p. 25-32, set./dez. 2000

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    Tanto do ponto de vista dos benefcios sociais que traraos cidados, comunidade, s naes, bem como dosbenefcios econmicos que adviro com a ampliao dasoportunidades de educao, da formao profissional, dadiminuio do desemprego, das novas oportunidades demercado, do desenvolvimento dos setores produtivos,conclui-se que a sociedade da informao e doconhecimento uma realidade. uma resposta dinmicada evoluo, ao crescimento vertiginoso de experincias,invenes, inovaes, dentro de um enfoque sistmico onde a interdisciplinariedade fator determinante emfranco desenvolvimento e renovador, principalmente,para pases mais pobres, mais despreparados, onde setornou uma esperana de crescimento e desenvolvimentopara poderem se aproximar dos pases economicamenteprsperos, porm dentro de uma perspectiva de renovaode ideal, como retrata o ministro da Cincia e daTecnologia de Portugal, Jos Mariano Gago (maio, 1997)na apresentao do Livro Verde para a Sociedade daInformao em Portugal:

    As sociedades no perdem o seu lastro histrico. O desejoda Sociedade da Informao e do Conhecimento no fazuma sociedade nova: antes a renovao de um idealantigo, a proclamao de uma liberdade desejada, a fomede modernidade e de justia, como se, de repente, aspossibilidades tcnicas tornassem insuportveis osentraves burocrticos, a sufocao autoritria, a privaode informao e de saber.

    As novas tecnologias, os novos mercados, as novas mdias,os novos consumidores desta era da informao e doconhecimento conseguiram transformar o mundo em umagrande sociedade, globalizada e globalizante; mas ohomem, diante dessa nova realidade, continua o mesmo:ntegro na sua individualidade, na sua personalidade, nassuas aspiraes, na defesa de seus direitos, na busca da suafelicidade e de suas realizaes, e no comando destamudana, como o nico ser dotado de vontade, intelignciae conhecimento capaz de compreender os desafios e definiros passos que direcionaro seu prprio futuro.

    Maria Alice Guimares Borges

    Artigo aceito para publicao em 12-10-2000

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