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A COMPOSIÇÃO IMAGEM-VERBAL EM GESTOS
DE INTERPRETAÇÃO TELEJORNALÍSTICA*
Renata Marcelle Lara Pimentel**
Resumo: O foco de interesse deste trabalho é o estudo da imagem, no telejornalismo, já como componente integrante material da linguagem verbal-visual telejornalística. O efeito de sobredeterminação da imagem pelo verbal, resultante do funcionamento dos telejornais de comunicação de massa, é o incômodo motivador da investigação. A Análise de Discurso francesa pechetiana orienta as posições teóricas e o percurso metodológico envolvendo o Jornal Nacional e o Jornal da Record. O trajeto mostra que o verbal e o visual possuem especificidades próprias, mas é em meio à confluência constitutiva dessas linguagens em funcionamento nos telejornais que sentidos se apagam e se visibilizam na sustentação ou na desestabilização do efeito notícia. Palavras-chave: imagem; discurso telejornalístico; efeito notícia.
Abstract: The aim of this paper is the study of the image, in the telejournalism, already as material integral component of the news television verbal-visual language. The effect overdetermination of image for the verbal, resulting from the operation of the television news of mass media, is the indisposition that motivates of the investigation. The French pechetiana Discourse Analysis French guides the theoretical positions and the methodological course around the National News and the Record News. The course shows that the verbal and the visual possess own specificities, but it is amid the constituent confluence of those languages in operation in the television news that senses are silenced and are visible in the sustentation or in the not stabilization of the effect news. Key-words: image; news discourse; effect news.
INTRODUÇÃO
Ao tematizar os “Efeitos do verbal sobre o não-verbal”, Orlandi (1995) problematiza
a mídia em seu funcionamento ideológico como produtora do efeito de sobredeterminação
da imagem pelo verbal na sustentação ilusória de transparência da linguagem como
notícia. Parafraseando, discursivamente, a afirmação de Orlandi (2001:65) de que “há
textos possíveis nas margens do texto”, defendo que há imagens possíveis nas margens da
imagem.
A visibilidade, como esclarece Souza (2001), pode ser tanto construída quanto
apagada. Sujeitas a injunções de ordem jurídica e institucional, as imagens estão afetadas
por aquilo que pode e deve ser visto. Só funcionam, enquanto efeito, por um trabalho de
* A análise apresentada neste texto é parte integrante da tese de doutorado Versões de um ritual de linguagem telejornalístico, defendida na Unicamp em 2008, sob orientação da Profa. Dra. Suzy Lagazzi. ** Dra. em Lingüística (Unicamp). Mestre em Educação (Unimep). Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (UEPG). Docente do Curso de Comunicação Social (Cesumar). Membro do Grupo de Estudos Políticos e Midiáticos (UEM) e do Grupo de Pesquisa Discurso, ciência e historicidade (Univás).
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parafraseamento verbal, mediante discursos sobre, e não pelos sentidos advindos de sua
própria discursividade.
O que busco, com esta discussão é trabalhar a imagem em sua especificidade
material, de modo que, ao ser assim considerada, possa-se observar sua conjugação ao
verbal na relação constitutiva em que se funda a materialidade específica do telejornal,
como sendo verbal-visual ao mesmo tempo.
O lugar teórico e metodológico no qual me inscrevo é a Análise de Discurso (AD)
francesa, fundada pelo filósofo Michel Pêcheux. Nessa perspectiva, o discurso é
compreendido como “efeito de sentidos” entre sujeitos, tal como Pêcheux (1997:82)
definiu. Tem regularidade e seu funcionamento é possível de ser apreendido quando não
trabalhamos em lados opostos “o social e o histórico, o sistema e a realização”, assim
como quando não colocamos em oposição “o subjetivo ao objetivo, o processo ao
produto”, conforme Orlandi (2000:22). A AD possibilita, portanto, também segundo Orlandi
(1997:18), “observar os modos de construção do imaginário necessário na produção dos
sentidos”.
Verbal e visual requerem ser considerados em suas especificidades materiais, como
discursos. Assim como o silêncio significa, atravessando as palavras, de acordo com Orlandi
(1997), o silêncio que constitui a imagem é fundante do sentido, pois, seja no verbal
quanto no visual ele é a própria condição para que se tenha sentido. No que tange à
tendência a uma condução da imagem pelo verbal – como acontece nos materiais
televisivos de massa, no Brasil –, a autora (1997:37) explica que ao silêncio foi destinado
um lugar “subalterno” no nosso imaginário social. Funciona, desta forma, uma “ideologia
da comunicação”, produzindo um apagamento do silêncio.
Observando a imagem como discurso e o efeito notícia que leva ao apagamento de
sentidos constitutivos de sua especificidade material, exploro, no encontro entre verbal-
visual em sua condição de materialidade específica de telejornais de comunicação de
massa, como se constrói a “obviedade” da notícia no apagamento de sentidos próprios a
essas materialidades e à materialidade do telejornal. Os gestos de interpretação
telejornalística são explorados, portanto, neste estudo, como “atos no nível do simbólico”,
tal como compreende Pêcheux (1997:78).
MARGENS NA MARGEM
O trajeto analítico-discursivo é composto por recortes de noticiários veiculados no
Jornal da Record e no Jornal Nacional, em 13 de novembro de 2006 – decorridos menos
de 15 dias da reeleição (29 de outubro de 2006), em segundo turno, do Presidente Luiz 860
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Inácio Lula da Silva para o segundo mandato. Em 13 de novembro se veiculou a primeira
viagem presidencial de Lula ao exterior pós-vitória nas urnas. O presidente brasileiro foi à
Venezuela para participar da inauguração de uma ponte, a convite do presidente
venezuelano Hugo Chávez, que se encontrava, naquele momento histórico, concorrendo ao
seu terceiro mandato consecutivo. Esse evento jornalístico engatilhou uma série de versões
(as mesmas ou outras) exploratórias em torno do governo Lula, inclusive quanto às relações
Lula-Chávez, Venezuela-Brasil, postas em cena por um (ou pondo em cena um) imaginário
em que sentidos de comunismo, partidos de esquerda, movimentos populares e populismo
são, ao mesmo tempo, disponibilizados e interditados.
No Jornal da Record, a reportagem é iniciada pela materialidade verbal se dizendo
no encontro com a oralidade própria ao acontecimento. Ou seja, não há, no momento
primeiro, inserção de off (voz/narrativa do repórter). A sonoridade presente já é
constitutiva de um acontecimento representado pelas cenas captadas pelo cinegrafista.
O som ambiente que antecede a fala do repórter é composto por uma cantoria,
em ritmo festivo, de venezuelanos durante o trajeto para a solenidade de inauguração de
uma ponte na Venezuela. As imagens próprias a essa sonoridade mostram-nos em clima de
festa, dançando, sorrindo, batendo palmas, filmando e exibindo cartazes e a bandeira do
país.
FRAMES1 DE IMAGENS PRECEDENTES AO OFF1 DA REPORTAGEM LULA/CHÁVEZ NO
JORNAL DA RECORD
1 Partes que compõem a imagem em movimento. Trata-se de uma medida eletrônica. No Brasil, um segundo de imagens gravadas contém 30 frames.
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Os frames seguintes são de imagens conjugadas ao off1, quando o som ambiente é
mixado à voz do repórter: “Eram milhares de venezuelanos usando vermelho em apoio a
Hugo Chávez. Vieram de vários Estados do país”.
FRAMES DE IMAGENS NO OFF1 DA REPORTAGEM DO JORNAL DA RECORD
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Nos frames que compõem as imagens do off1, as expressões de festividade dos
chavistas, focalizadas em diferentes planos, ficam mais explicitadas nos sorrisos, no ritmo
do corpo, no uso de instrumentos musicais como o violão e a gaita, nas batidas de palmas,
até na maneira como a filmadora é portada por um dos participantes do grupo, colocado
em maior destaque nas cenas, pelas expressões ritmadas do requebro e da gingada do
corpo. Além da cor vermelha preponderante na vestimenta, um dos integrantes porta a
bandeira venezuelana, enquanto uma outra participante exibe alegremente um cartaz de
Hugo Chávez. O cenário é de alegria contagiante, desinibição e euforia ao ritmo de uma
cantoria venezuelana.
O off1, que acompanha tais cenas, enfatiza a cor vermelha usada em apoio a
Chávez, a reunião de pessoas de vários estados do país, mas não dá vazão à linguagem
corporal, tampouco à musicalidade com que esses corpos percorrem o trajeto. Contudo, a
mixagem, nesse momento, não chega a silenciar a imagem e a sonoridade ambiente. Antes
da conjunção ao off, elas significaram em suas especificidades. Conjugadas ao off, há uma
contenção dos sentidos, mas a multiplicidade deles continua ecoando na imagem.
Nesse caso, a especificidade da imagem impõe resistência ao verbal, pois os
sentidos transbordam para além das margens. Há nesse funcionamento margens na
margem da imagem, em relação com margens possíveis na margem do texto verbal. O
trajeto percorrido pelos venezuelanos se desenha sincronicamente por esses corpos em
compassos dançantes, entoando, para além das vozes verbalizáveis, sons que ecoam pelo
gestual e pelas expressões faciais. 866
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No imbricamento verbal e imagem, próprios ao acontecimento, a memória do
popular como sujeito que também (se) significa na relação com o outro, e, por assim ser,
sujeito a imposições e resistência, ressoa nos e pelos sentidos que se inscrevem na sua
corporalidade, inscrevendo-o na história.
Quanto ao Jornal Nacional, produz-se, desde o início da reportagem, um efeito
de fechamento de sentidos para os venezuelanos chavistas, associados, na conjunção entre
verbal e imagem, à desorganização do tráfego e à idéia de tumulto. Há um esvaziamento
do sentido de povo como sujeito que também inscreve sentidos no social, fazendo advir um
popular como mero receptor de sentidos desse social.
Ao investigar o real da cidade em seu flagrantes, ou seja, narratividades urbanas
materialmente dispersas, Orlandi (2004:64) explica que a cidade, significada pelo discurso
(do) urbano, “abriga o social – o ‘polido’ – que, no entanto, se realiza administrativamente
como o ‘policiado’, referido à (manutenção da) organização urbana”. Para ela, o discurso
da cidade e a materialidade da cidade são “constituídos de falhas”, de “sentidos ainda
irrealizados”. Entendo que o discurso telejornalístico reproduz esse discurso (do) urbano
no silenciamento do real da cidade.
No recorte seguinte, tomado para análise, quanto à interdição do tráfego,
sentidos para além dessa des-ordem, na desorganização do normativo por sujeitos inscritos
nesse espaço, são sobrepostos pela recorrência ao discurso telejornalístico. É no
cumprimento da função-repórter, mas falando, discursivamente, da posição-jornalista, que
o telejornal acusa a desordem e reclama o restabelecimento da ordem do tráfego de
veículos.
A ponte, como trajeto para circulação de veículos e transporte de pessoas e
mercadorias, se inscreve na ordem do discurso (do) urbano. Mas a interferência no tráfego,
nessa ponte, no contexto da sua inauguração, é significada, no discurso telejornalístico,
como desordem do urbano, não simplesmente por interferir na rotina normativa do
tráfego, mas porque é associada à apropriação política no apoio à reeleição de Hugo
Chávez. O que os sujeitos venezuelanos significam e como se significam nessa e em meio a
essa interdição se reduz à interpretação jornalística de reflexos de um governo populista,
manipulador, agindo sobre populares, manipuláveis e manipulados.
off1 - JN: A ponte, de 3 km, vai permitir em minutos uma travessia que podia
levar até uma dia inteiro, pelas filas que se formavam nesse sistema de balsas. Mas chegar até o novo caminho hoje, também não foi fácil. O trânsito parou. Até parte da comitiva brasileira teve que botar o pé na estrada, no meio da multidão de chavistas. O governador eleito de Pernambuco sentiu o esforço. Blairo Maggi, reeleito em Mato Grosso, criticou a organização e o aberto uso eleitoral da cerimônia a favor de Hugo Chávez, que disputa a reeleição em três semanas.
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Ao afirmar, do lugar enunciativo de repórter, “Mas chegar até o novo caminho
hoje, também não foi fácil”, entre as imagens veiculadas estão as de pessoas, vestindo
camisetas vermelhas, e andando entre veículos parados na estrada. O movimento de
câmara em zoon out2 produz esse efeito de estreitamento e prolongamento da estrada.
O agrupamento de veículos parados, na relação com pessoas percorrendo, a pé,
um caminho impróprio a pedestres, pode ser um indicativo de dificuldade no trajeto. A cor
vermelha das camisetas também sinaliza chavistas, que possivelmente vieram ver o
presidente venezuelano, tendo que caminhar a pé até o local da inauguração, por causa da
profusão de veículos. Os frames mostram pessoas sérias e contidas.
Na imagem seguinte, ao se referir a “também não foi fácil”, não há só pessoas
vestindo vermelho e só carros parados.
2 Movimento da câmera que leva a um distanciamento do objeto inicialmente focalizado.
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Os frames que acompanham o trecho “o trânsito parou” não indicam,
necessariamente, uma parada 100% do trânsito, mas uma nítida redução do fluxo de
circulação. Focaliza, também, uma ocupação das margens da estrada para estacionamento
de veículos. Aliás, o verbo “parou” se conjuga a uma imagem que põe em foco mais de um
veículo em movimento, como mostram os frames abaixo:
Como observado, o popular, na reportagem do JN, aparece como um mero
elemento de um cenário de campanha eleitoreira. O encontro desse popular, possível pela
reunião de pessoas vindas de vários estados venezuelanos, se apaga na imagem pela
exposição de pequenos grupos de pessoas, sérias e contidas, andando a pé em meio a
ônibus parados. Há um esvaziamento dos sentidos desse encontro de venezuelanos ao se
verbalizar uma “multidão de chavistas”, pela própria banalização desse termo quando
associado à campanha pró-reeleição de Chávez. O off vai produzindo, assim, a sua
eficácia, no encontro com a imagem-visual, na construção das imagens (imaginário) da
realidade.
Ao se dizer “Até parte da comitiva brasileira teve que botar o pé na estrada, no
meio da multidão de chavistas”, as imagens veiculadas são de alguns integrantes da
comitiva do presidente Lula, o que pode ser observado nos frames seguintes. Não há
imagens de multidão ou de chavistas nesse momento.
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O que esses des-encontros apontam são sinais dos pontos que dão corpo a essa
ancoragem. No off de abertura da reportagem, os sentidos possíveis para a ponte
funcionam nela, quanto à travessia, e a partir dela, como uso eleitoral. No início do off1, a
obra não é posta em questionamento quanto ao que representa em termos de tráfego e
movimento de exportações. Pelo contrário, é validada. Contudo, a seqüência textual
verbalizada re-conduz a interpretação, ainda nesse off, para uso eleitoral. Em toda a
matéria, o sentido primeiro é silenciado na superexposição do segundo.
Desde o off inicial, portanto, vai se esboçando um trajeto de negativização de
sentidos para a ponte, seja pela dificuldade de acesso quanto à interrupção do tráfego,
conforme discutido, seja no apontamento de indícios de uso eleitoral, explicitados
oralmente na passagem do repórter ou na conjunção entre cenários dessa ponte e
verbalização oralizada em off.
Passagem – JN: “Jornalistas e autoridades só conseguiram chegar a este ponto,
quando a solenidade já tinha começado, do outro lado da ponte. Este lugar foi escolhido pelo presidente Chávez para mais um ato típico de campanha: o lançamento de uma próxima obra”.
Enunciando do lugar de repórter, o sujeito se inscreve fisicamente nessa ponte,
inscrevendo nela sentidos que resultam no efeito de evidência, produzido na conjunção
entre sua imagem empiricamente localizável pela conjunção com a escrita e a oralidade. A
imagem-repórter conjugada à voz do repórter, imbricada ainda à escrita de seu nome na
imagem e às iniciais do jornal (JN), identifica-o, na relação com o público, como o sujeito
de autoridade para dizer o dizer autorizado, colocando-se desse lugar do “verdadeiro” (do 871
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telejornalismo). “Mais um ato típico de campanha” retoma a inauguração da ponte como
um ato de campanha, que, na relação com “o lançamento de uma próxima obra”,
significa “uso eleitoral” como uma prática comum a Chávez, caracterizando-as de
populistas.
No áudio da passagem, a dificuldade de acesso à solenidade também busca
justificar a ausência de certas imagens pelo que se apresenta como impossibilidade de
captação das mesmas, ao menos do início dessa solenidade; o que justificaria tanto a
obtenção de imagens de outras empresas quanto a ausência de sua veiculação. Soma-se a
isso a explicitação da crítica quanto ao “aberto uso eleitoral a favor de Hugo Chávez”,
sustentada na exposição de indícios na imagem e de opiniões verbalizadas de fontes, como
observado nos recortes seguintes:
Continuação do off1 – JN: “Blairo Maggi, reeleito em Mato Grosso, criticou a
organização e o aberto [...]”
“[...] uso eleitoral da cerimônia a favor de Hugo Chávez, / que disputa a
reeleição em três semanas”. Na conjunção e no encadeamento das imagens ao texto verbal, os sentidos
possíveis nas imagens são controlados pela oralidade, fazendo advir na e pela crítica
jornalística apenas a imagem (funcionamento imaginário) de um Chávez populista, tal
como Lula, que expõe sua vitória como certa. A imagem do cartaz de Lula e Chávez
exposto no alto da ponte inaugurada, e do outro cartaz de Chávez contendo, além de sua
foto, um balão indicativo de fala ou pensamento, onde aparece, seu nome e, logo abaixo,
“Vitória da Venezuela”, são usados como indício de aberto uso eleitoral. Ao mesmo 872
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tempo, se convertem em “prova” de uso eleitoral, quando, da conjunção com a oralidade,
o repórter parafraseia a crítica de Maggi a tal uso.
No caso de Maggi, referir-se a este político como “reeleito em Mato Grosso”
significa autorizá-lo a dizer, na autoridade do dizer do repórter, diante da autoridade a ele
(Maggi) impetrada pela vontade popular. Pela segunda vez registrada em voto, funciona
como validação e aprovação de seu governo. Acresce-se a isso a participação de Maggi na
comitiva brasileira, o que, supostamente, neutralizaria uma pré-significação deste como
oposição ao governo Lula, já que estaria acompanhando o presidente. Contudo, o que
também funciona como não dito nessas imagens e no texto verbal é que em outubro de
2006, já reeleito no primeiro turno das eleições, Maggi, até então no PPS (Partido Popular
Socialista), formalizou seu apoio à candidatura de Lula, contrariando seu partido, o qual
apoiava o candidato tucano Geraldo Alckmin, do PSDB (Partido da Social Democracia
Brasileira). Maggi negociara apoio do governo para resolver questões agrícolas.
O elemento organizador da notícia, nessa reportagem, conforme observado,
continua sendo a crítica, funcionando no off e pelo off no jogo de imagens. O lugar de
ancoragem jornalística para sua sustentação é o uso eleitoral de uma obra pública pró-
reeleição de Chávez. Mas tal uso é apenas a parte mais visível dessa ancoragem, cuja base
está no vínculo político entre Lula e Chávez. A memória possível advinda na conjunção do
verbal e da imagem no que se refere aos venezuelanos chavistas é de integrantes de um
cenário eleitoral, apagando-se e silenciando-se nesse popular a sua inscrição significante
na história. Não se abre espaço para outros sentidos quanto ao que a “vitória da
Venezuela”, juntamente ao nome Chávez, possa representar para o povo venezuelano.
Também, o que a relação Lula/Chávez representa para além de um apoio pró-reeleição de
Chávez como propaganda política. Esse fechamento de sentidos é resultado da eficácia
des-letigimadora do off, jogando, a todo o momento, com as imagens, sejam elas visuais
ou formações imaginárias.
CONSIDERAÇÕES
A Análise de Discurso traz aos estudos da imagem e, de forma mais específica, ao
estudo da materialidade verbal-visual do telejornalismo, a possibilidade de compreensão
de discursividades próprias em suas materialidades específicas. Isso permite observar o
trabalho da ideologia e os efeitos de sentido resultantes de dado funcionamento do
discurso, ao se trabalhar a língua em sua perspectiva material: a ideologia se materializa
no discurso e este se materializa na língua.
O estudo da composição entre verbal e visual, no telejornalismo, configurando a
materialidade verbal-visual, não como somatória, mas num encontro constitutivo, mostra 873
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que a notícia telejornalística é o resultado de uma entre outras versões possíveis para um
dado acontecimento. Portanto, que a ilusão da evidência, da objetividade e da realidade
resulta de um trabalho da técnica redacional e também da edição, produzindo um efeito
de condução da imagem pelo verbal, conjuntamente a um trabalho de demarcações de
lugares institucionais. Estes sustentam, na relação com o telespectador, a autoridade da
notícia na autoridade do sujeito institucional, apagado como autor e visibilizado como
“intermediador” entre “fato” e “realidade”.
Esse trabalho, seja na exploração da especificidade material da imagem, seja, de
forma mais particular, no estudo da composição verbal-visual em que o discurso
telejornalístico se materializa, consistiu, portanto – retomando palavras de Orlandi
(2001:60) –, em “levar em conta a relação do que é dito em um discurso e o que é dito em
outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando ‘escutar’ a presença
do não-dito no que é dito: presença produzida por uma ausência necessária”.
REFERÊNCIAS
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 2. ed. Campinas: Pontes, 2000. _______. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 4.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1997. ______. Cidade dos sentidos. Campinas: Pontes, 2004. ______. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001. ______. Efeitos do verbal sobre o não-verbal. Rua - Revista do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da Unicamp. Campinas: Nudecri, n.1, mar. 1995. p.35-47. PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, Françoise; HAK, Tony (orgs). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997. p. 61-161. SOUZA, Tania Conceição Clemente de. A análise do não verbal e os usos da imagem nos meios de comunicação. Ciberlegenda. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, n.6, 2001. Disponível em: <http://www.uff.br/mestcii/tania3.htm>. Acesso em: 2. fev. 2006.
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