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1 A cidade como lócus da inovação: Descentralização das políticas públicas de fomento para empreendimentos e habitats da economia do conhecimento Prof. Newton Braga Rosa 1 Prof a . Yeda Swirski de Souza 2 RESUMO O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) brasileiro, apesar dos avanços, continua centralizado no ente federal e possui limitações para atuar de forma mais capilar e eficaz. Apesar do reconhecimento da crescente relevância política e econômica das cidades no mundo, o papel do município tem sido subestimado, tanto na literatura acadêmica como no SNCTI brasileiro. Este estudo apresenta dados referentes à municipalização no sistema de gestão pública no Brasil, bem como sobre os marcos regulatórios relacionados às políticas de estímulo a empresas de base tecnológica que ilustram a necessidade de municipalização do SNCTI. Dados preliminares sobre os casos de duas cidades brasileiras 1 Newton Braga Rosa. Professor Adjunto da UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Graduado em Engenharia pela UFRGS; MSc em Informática pela PUC/RJ. Foi consultor sênior da área internacional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), consultor do SEBRAE e empresário de informática (Nutec S/A, atualmente o provedor Terra no Brasil). Criou a Secretaria de Inovação e Tecnologia de Porto Alegre (INOVAPOA) e foi seu primeiro Secretário. Atualmente é doutorando no Programa de Pós Graduação em Administração da UNISINOS. Instituição: UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Avenida Paulo Gama, 110, Porto Alegre. RS - 90040-060 Contato: [email protected] (51) 9987 7905 (51) 3308 6561 2 Yeda Swirski de Souza. Professora do Programa de Pós Graduação em Administração da UNISINOS. Possui graduação em Psicologia (UFRGS); Mestrado em Administração (UFRGS); e Doutorado em Psicologia (PUCRS). Coordenou o Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) no triênio 2010-2012. Foi Editora da Revista BASE (2008-2009). Foi Editora de Seção da Revista de Administração Mackenzie (2010-2013). Decana da Escola de Gestão e Negócios da UNISINOS desde outubro de 2012. Instituição: UNISINOS- Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Av. Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei 93.022-000. Contato: [email protected] 51 35908186

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A cidade como lócus da inovação: Descentralização das políticas públicas de

fomento para empreendimentos e habitats da economia do conhecimento

Prof. Newton Braga Rosa1

Profa. Yeda Swirski de Souza

2

RESUMO

O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) brasileiro, apesar dos

avanços, continua centralizado no ente federal e possui limitações para atuar de forma mais

capilar e eficaz. Apesar do reconhecimento da crescente relevância política e econômica das

cidades no mundo, o papel do município tem sido subestimado, tanto na literatura acadêmica

como no SNCTI brasileiro. Este estudo apresenta dados referentes à municipalização no

sistema de gestão pública no Brasil, bem como sobre os marcos regulatórios relacionados às

políticas de estímulo a empresas de base tecnológica que ilustram a necessidade de

municipalização do SNCTI. Dados preliminares sobre os casos de duas cidades brasileiras

1 Newton Braga Rosa. Professor Adjunto da UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Graduado em Engenharia pela UFRGS; MSc em Informática pela PUC/RJ. Foi consultor sênior da

área internacional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), consultor do

SEBRAE e empresário de informática (Nutec S/A, atualmente o provedor Terra no Brasil). Criou a

Secretaria de Inovação e Tecnologia de Porto Alegre (INOVAPOA) e foi seu primeiro Secretário.

Atualmente é doutorando no Programa de Pós Graduação em Administração da UNISINOS.

Instituição: UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Avenida Paulo Gama, 110, Porto

Alegre. RS - 90040-060

Contato: [email protected] (51) 9987 7905 (51) 3308 6561

2 Yeda Swirski de Souza. Professora do Programa de Pós Graduação em Administração da

UNISINOS. Possui graduação em Psicologia (UFRGS); Mestrado em Administração (UFRGS); e

Doutorado em Psicologia (PUCRS). Coordenou o Programa de Pós Graduação em Administração da

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) no triênio 2010-2012. Foi Editora da Revista

BASE (2008-2009). Foi Editora de Seção da Revista de Administração Mackenzie (2010-2013).

Decana da Escola de Gestão e Negócios da UNISINOS desde outubro de 2012.

Instituição: UNISINOS- Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Av. Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei

93.022-000.

Contato: [email protected] 51 35908186

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são examinados. O estudo contribui com proposições sobre a descentralização, do ente federal

para o municipal, das políticas públicas de Ciência e Tecnologia.

Palavras-Chave: Economia Regional; Economia do Conhecimento; Gestão da Ciência e

Tecnologia; Políticas Nacionais; Municipalização.

Decentralization policies for habitat’s and firms in the knowledge economy:

The city as a locus of innovation.

Prof. Newton Braga Rosa

Profa. Yeda Swirski de Souza

ABSTRACT

The Brazilian National System of Science, Technology and Innovation (SNCTI), despite

improvements, remains centralized in the federal entity and has limitations to act in a more

capillary and effective way. Despite the existing global recognition of relevance of the city as

a political and economic entity, the role of the municipality has been underestimated, both in

the academic literature and in the Brazilian SNCTI. To show the need for decentralization of

the SNCTI, we present data regarding the decentralization of public management system in

Brazil, as well as on regulatory frameworks related to technology-based companies.

Preliminary data about two Brazilian cities are analysed. The main contribution of the paper

are propositions related to the decentralization of public policies of Science and Technology,

from the federal entity to the municipal one.

Keywords: National Policies; Urban Knowledge Capital; Knowledge Economy; Public

Management of Science and Technology; Innovative Firms

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho discute sobre o papel das cidades na descentralização de políticas

públicas nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação C&TI no contexto brasileiro. O

propósito do estudo é estabelecer proposições acerca da descentralização do SNCTI do nível

federal para o municipal. Em um contexto de intensidade tecnológica, algumas cidades

ganham relevância econômica, política e social. Em certa medida, recupera-se o antigo

conceito de world-cities como Veneza (1378-1498), Florença, Gênova (1557-1627) e

Amsterdam (1585-1773), com a noção de cidades globais. No entanto, diferente do passado,

as cidades globais da atualidade integram-se em uma rede de cidades, muitas delas distantes

entre si, mas conectadas por comunicações digitais instantâneas, criando uma dinâmica sem

precedentes (SASSEN, 1999).

Além do entendimento sobre o papel central das cidades, este estudo parte do

pressuposto que a diversidade dos arranjos que formam um sistema de inovação depende do

papel de governo na articulação de instituições que compõem os sistemas de inovação. Com

esses pressupostos, o instrumental analítico, o lócus de inovação e os indicadores aqui

discutidos fazem parte do desafio de redefinir o papel das cidades no SNCTI, objeto do

presente estudo.

Observa-se que o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação –SNCTI-

brasileiro, apesar de notórios avanços, continua excessivamente centralizado no ente federal,

o qual possui limitações para atuar de forma mais capilar e eficaz. Mesmo que dois

fundamentos da Constituição de 1988, o da ordem subsidiária (art. 1º) e a previsão de

descentralização da Ciência (art. 23), prestigiem o município, não existem maiores discussões

sobre uma repartição de atribuições e recursos entre o ente federal e o municipal, como forma

de aperfeiçoar o Sistema Nacional. Nesse contexto, interroga-se sobre o papel do governo na

subvenção econômica em empresas e nos habitats de inovação e investiga-se sobre conceitos

e modelos que respaldam a descentralização da Política Nacional de CT&I, bem como sobre o

papel das cidades nesta descentralização. Para tanto, é analisado o conteúdo dos marcos legais

e institucionais do ente federal e municipal no Brasil.

O estudo pretende, em suas implicações, subsidiar o aperfeiçoamento de políticas

públicas no contexto da economia do conhecimento, considerando atributos da economia

regional e a cidade como lócus privilegiado.

A base teórica apoia-se em estudos que apontam para a crescente relevância das

cidades no contexto da economia do conhecimento e as implicações para políticas de CT&I.

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Para a análise do SNCTI brasileiro, são descritos dados sobre a municipalização da gestão

pública no Brasil e sobre a evolução do marco regulatório para empresas da economia do

conhecimento. A evolução do marco regulatório é discutida por meio do estudo de caso

analisa dois municípios que tiveram seus parques tecnológicos premiados pela ANPROTEC-

Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores.

Nas seções que seguem, são discutidos estudos que fundamentam o entendimento da

nova relevância econômica das cidades. Logo, apresentam-se dados referentes à

municipalização no sistema de gestão pública no Brasil, bem como sobre os marcos

regulatórios relacionados às políticas de estímulo a empresas da economia do conhecimento.

Nas considerações finais, são apresentadas proposições para fundamentar análises sobre a

descentralização de políticas públicas em CT&I, com foco na municipalização do sistema de

gestão pública de políticas nacionais.

2 A RELEVÂNCIA DAS CIDADES NA ECONOMIA DO CONHECIMENTO

Teorias diferenciam o conceito de região e o de espaço econômico. A região refere-se

a um território contínuo delimitado por fronteiras geográficas. O espaço econômico,

diferentemente, trata de polos geograficamente dispersos interligados por afinidades

econômicas.

Nos anos 50 surgiram teorias regionais apoiadas nas teorias econômicas dos fatores de

aglomeração como o polo regional de Perroux (1955) e no conceito da “causação circular

cumulativa” de Myrdal (1960), onde a base instalada é o principal estímulo para a atração de

novos empreendimentos. O conceito de polo regional de François Perroux, balizou, durante

muito tempo, políticas de desenvolvimento regional. Nessa abordagem, empresas motoras

(compram insumos de outras indústrias) e empresas movidas (têm seu crescimento sustentado

pelas indústrias motoras), criando, assim, desenvolvimento econômico local que se irradia

para toda uma região (PERROUX, 1966). Este modelo teria inspirado a construção de

distritos industriais em várias partes do mundo, entre as décadas de 50 e 80, inclusive no

Brasil (MONASTERIO, 2011; PAIVA, 2004; PERROUX, 1982).

A noção de espaço econômico impõe-se para além dos polos regionais, e representa o

envolvimento de múltiplas regiões conectadas em rede de nodos geograficamente distantes.

Esta noção de redes interligando polos geograficamente isolados foi descrita por Castells

(1999).

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Segundo Thisse (1986), a atividade econômica não se concentra num único ponto,

nem se distribui espacialmente de modo uniforme. Ao contrário, ela está distribuída

desigualmente, criando locais mais desenvolvidos do que outros. A concentração econômica

pode ser provocada pela disponibilidade de recursos naturais. Entretanto, mais fundamentais

são os mecanismos econômicos de trade-off entre várias formas de retornos crescentes versus

diferentes custos de mobilidade (THISSE, 1986). O autor estuda as razões econômicas para a

existência de uma grande variedade de aglomerações locais bem-sucedidas apesar da

globalização.

Uma corrente de economistas da Califórnia explica os aglomerados das regiões

urbanas (city regions) pelos seus menores custos de transação (SCOTT et al, 2001). As city

regions seriam o lócus privilegiado da nova ordem econômica mundial. Os estudos seguem,

parcialmente, as trilhas de Peter Hall (“cidades mundiais”) e trabalhos da década de 90 de

Saskia Sassen (“cidades globais”). Todos tratam da espacialidade da atividade econômica nas

cidades, das inter-relações da análise econômica com as noções de território, suas interfaces e

influências mútuas.

Neste contexto, surge também o conceito da metrópole terciária, onde predominam

unidades de serviços especializados para atender empresas dos mais variados setores da

economia (agricultura, mineração, petróleo etc.) que, mesmo distantes dos grandes centros

urbanos, passaram a terceirizar serviços essenciais como finanças, seguros, marketing e

serviços jurídicos em algumas grandes metrópoles, em busca de fornecedores especializados.

Duas correntes explicam a metrópole terciária. Para Castells (1999), ela resulta da superação

“natural” do modelo industrial. Para Sassen (1999), a metrópole terciária é uma decorrência

“natural” da globalização. Para ambos os autores, além de não serem desmanteladas pela

globalização, as aglomerações econômicas urbanas tornam-se cada vez mais centrais na vida

moderna. Segundo Castells (1999), a sociedade contemporânea está construída em torno de

fluxos: fluxos de capital, fluxos de informação, fluxos de tecnologia, fluxos de interação

organizacional, fluxos de imagens, sons e símbolos. Os “fluxos” de Castells significam uma

sociedade funcionando em rede, composta de entidades (nodos da rede) e de relacionamentos

(ligações entre os nodos).

O conceito de região econômica explicado pela integração regional de cadeias

produtivas e pelo trade-off entre ganhos de escala e custos de transporte parece menos

explicativo em uma economia do conhecimento, na qual os custos de transporte perdem

relevância para fundamentar a competitividade da indústria e cresce em importância a

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disponibilidade de uma classe de trabalhadores do conhecimento que emerge em

concentrações urbanas, com grande mobilidade. Assim, no entendimento da noção de espaço

econômico, destaca-se a crescente relevância de cidades e sua conexão com a economia do

conhecimento e com recursos essenciais de uma classe criativa, os trabalhadores do

conhecimento (FLORIDA, 2008).

As competências essenciais da economia do conhecimento requerem indivíduos com

melhor formação para quem os fatores não-econômicos, como bem-estar, inserção social,

cultura e aspectos lúdicos de um estilo de vida são preponderantes. Um trabalhador

qualificado pode trocar de emprego de uma empresa local para uma empresa num país

distante sem sair da sua mesa de trabalho. A modelagem pela economia do conhecimento

deve, por exemplo, considerar uma dicotomia inédita, onde a mobilidade de mão de obra

possui duas dimensões: a mobilidade da capacidade de tele trabalho do indivíduo e a

mobilidade física do indivíduo em si (FLORIDA, 2008).

Nessa perspectiva, Weiss (2006) explica a espiral virtuosa das cidades da economia do

conhecimento pelo “princípio” da massa crítica, fenômeno característico de centros urbanos,

que concentram, simultaneamente, muitas pessoas com alta especialização (competência

vertical) e muita diversidade de conhecimentos complementares (competência horizontal).

Este “wide range of highly specialized skills mixed together” das cidades gera produtividade e

inovação correspondente a 85% do PIB, em países desenvolvidos. O autor conclui que quanto

maior o nível de urbanização, maior será o nível de prosperidade.

Sassen (2009) estuda as tendências que criam a aglomeração nas cidades com forte

inserção na economia do conhecimento, segundo três eixos. O primeiro decorre da

terceirização de serviços das grandes corporações. Mas por que elas estariam terceirizando?

Firmas da economia “pesada” (mineração, fábricas, indústrias químicas, sistemas de

transporte, construção e agricultura, entre inúmeras outras) precisam, cada vez mais, de

serviços terceirizados altamente especializados como seguro, contabilidade, serviços

jurídicos, financeiros, consultoria, fornecedores de sistemas informatizados e assim por

diante. As empresas que prestam estes serviços, de forma terceirizada, precisam de escala e

recursos, como gente especializada, que são mais abundantes em grandes centros urbanos,

dando origem ao conceito criado por Sassen: “urban knowledge capital”.

O segundo motivo de concentração urbana são as novas tecnologias de comunicações,

transporte e internet. Estas tecnologias podem sugerir, de uma forma mais óbvia, forças

centrífugas, de desconcentração, pois o teletrabalho dos escritórios urbanos tende a produzir

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um movimento de pessoas do centro para a periferia. Paradoxalmente, existem forças que

tendem à centralização. No sentido oposto, as facilidades de gerenciamento remoto permitem

que um número maior de empresas possam expandir atividades em outros locais na busca de

fatores da economia do conhecimento: novos mercados e pessoas especializadas. Em resumo,

quanto mais ponderosas forem as novas tecnologias, maior é a capacidade de gestão à

distância e, por conseguinte, maior a facilidade de estender operações globalmente, criando

novos centros de densidade e centralidade.

O terceiro motivo é o princípio da massa crítica ou de escala. O mix de empresas,

talentos e expertise, cobrindo um amplo espectro de campos do conhecimento, faz da cidade

um complexo centro de troca de informações estratégicas, sujeitas à incerteza, não

estruturadas e complexas. A cidade torna-se um centro intenso e denso de troca de

informações de um certo tipo que não pode ser completamente replicado no espaço virtual, e

que requer contato face a face. Estes laços de pessoas talentosas e troca de informações

imprevistas e não planejadas agrega valor em um ciclo virtuoso que produz informações de

ordem superior, em um processo contínuo e retroalimentado. Este ambiente dinâmico permite

que as pessoas encontrem informações de que elas não sabiam que precisavam. As cidades

promovem encontros não agendados, espontâneos, ao acaso, como o “efeito sala do

cafezinho” (FU, 2007). Quanto mais concentrados estiverem os agentes, mais “sorte” eles

terão de acessar a “informação do tipo cafeteria” e, portanto, maior será o a difusão de novos

conhecimentos no habitat local.

A razão da criação e localização das cidades mudou ao longo da história. Fatores

como fertilidade do solo, disponibilidade de água e rotas para comercialização da produção

agrícola estavam entre as razões atávicas da urbanização em pequenas vilas, rodeadas por

áreas de produção rural. A industrialização trouxe novos paradigmas de urbanização, que

acompanhavam a instalação das fábricas. Estudos mais recentes sugerem novas formas de

urbanização. A teoria do Desenvolvimento Urbano Baseado no Conhecimento (DUBC) tem

como principal distinção a ênfase no papel do conhecimento como propulsor dos processos de

geração de riqueza e prosperidade sustentável (LARA; COSTA, 2013; YIGITCANLAR,

2011).

“Se o século 19 foi o século dos impérios; o século 20, dos estados-nação; o século 21

será o século das cidades”, resumiu Wellington Webb, prefeito de Denver (SCRIMGER;

JUBI, 2000). Em 2008, pela primeira vez na história, a maioria das pessoas do mundo passou

a habitar nas cidades (UNITED NATIONS, 2008). Conforme as cidades crescem, elas

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ocupam, mais do que nunca, um lugar central no mundo, com maior poder econômico,

político e tecnológico. Assim, o desafio dos governantes em todos os entes federados

(municipal, estadual, federal) e transnacional, cada vez mais, é resolver o problema das

cidades. Segundo Bloomberg (2011), prefeito de New York, não se pode ficar esperando

decisões dos governos nacionais, as cidades estão na linha de frente, vulneráveis, porque os

governos nacionais não estão fazendo o que deveriam. Portanto, as cidades precisam de novas

fontes de renda e uma matriz econômica mais dinâmica. Precisam atrair negócios, para

enfrentar uma economia global competitiva, bem como fornecer uma infraestrutura eficaz e

sustentável (DIRKS; KEELING, 2009), atraindo negócios de base tecnológica, como

estratégia para dinamizar sua matriz econômica.

Apesar da globalização, que tornou o mundo muito parecido, nunca foi tão importante

a escolha da cidade onde morar, quase tanto quanto a escolha da carreira a seguir (FLORIDA,

2008). Os habitats de inovação e suas cidades devem oferecer outros atrativos locacionais

como proximidade de instituições de ensino e pesquisa, disponibilidade de mão de obra muito

qualificada, potencial de articulação dos governos, estímulo à geração de novos negócios,

além de aspectos socioambientais ligados a um estilo de vida cosmopolita e saudável,

propícios ao empreendedorismo, criatividade e inovação (FLORIDA, 2008; KOMNINOS,

2006; CARAGLIU, 2009; YIGITCANLAR, 2011). Talvez por estes motivos Fiates (2013)

conclui que as empresas da economia do conhecimento dependem muito mais dos laços com

instituições locais do que as empresas da era industrial, as quais podem relocar sua

“plataforma de produção”, mesmo para locais distantes, com mais facilidade.

Considerando-se um novo papel conquistado pelas cidades nas últimas décadas, deve-

se refletir sobre reposicionamento na gestão de políticas públicas nacionais.

3 A MUNICIPALIZAÇÃO NO SISTEMA DE GESTÃO PÚBLICA NO BRASIL E

CT&I E A EVOLUÇÃO DO MARCO REGULATÓRIO

A municipalização é um conceito relacionado à descentralização de atribuições no

modelo federativo: o governo federal repassa recursos para os municípios e estes se

responsabilizam pela execução das atividades delegadas. A municipalização no Brasil, via de

regra, tem sido bem avaliada, principalmente na Saúde e Educação (OLIVEIRA, 2007). Tal

sucesso tem sido creditado a uma política concebida como um sistema complexo de relações

intergovernamentais que combina regras, incentivos, sanções e poder aos entes federados

subnacionais (SOUZA, 2005). A disputa por recursos nas áreas não municipalizadas tem se

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agravado. Embora a Constituição de 1988 tenha a clara intenção de promulgar políticas

sociais descentralizadas e participativas, a prática mostra concentração do bolo tributário na

esfera federal, que chegou a 58%, contra 25,27% nos estados e 16,59% nos municípios

(CNM, 2012). A municipalização tem o potencial de reduzir conflitos e disputas, pois

estabelece as regras para a divisão de recursos, a forma de repasse, a definição clara dos

compromissos dos municípios, critérios de avaliação e sanções, como as previstas na Lei de

Responsabilidade Fiscal (LRF) de 2000, entre outros instrumentos normativos.

Parece inevitável o avanço da descentralização sobre outras áreas estratégicas

federais como a Ciência, que consta, explicitamente, na Constituição de 1988, art. 23, no

mesmo nível da Educação.

Uma recente e importante fonte de recursos para definição e gestão de políticas

públicas de CT&I são os Fundos Setoriais (FSs), criados em 1999, para resolver o problema

da falta de recursos orçamentários do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação- MCTI. A

principal fonte de financiamento do Sistema Nacional de CT&I, até a criação dos FSs, era

proveniente de recursos especificados pelo Orçamento Geral da União e, portanto, sujeitos à

incerteza de disponibilidade efetiva ou de alocação diversa de prioridades da área de CT&I

(BASTOS, 2003). Em 2012, havia dezesseis FSs, sendo quatorze para setores específicos e

dois transversais. Os recursos dos FSs são oriundos do setor empresarial, que contribui

através de parcelas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do resultado da

exploração de recursos naturais pertencentes à União, de parcela da Contribuição de

Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e de valores que remuneram o uso ou

transferência de tecnologia do exterior. Portanto, os FSs possuem, potencialmente, um forte

elo com o setor empresarial e deveriam representar uma garantia de recursos novos para a

P&DI no Brasil, inclusive pelas empresas, independentemente dos recursos orçamentários da

União (BUAINAIN, 2003).

Entretanto, as diretrizes da política macroeconômica federal tiveram efeito negativo na

disponibilização dos recursos dos fundos setoriais, que foram submetidos a uma política

implícita, que incluiu a realização de superavit primários para redução da dívida pública.

Assim, houve contingenciamento de recursos dos fundos, segundo os professores da

Unicamp, Buainain e Corder (2012).

Uma das formas de uso dos recursos dos FSs é a subvenção econômica às empresas,

regulada pela Lei da Contabilidade Pública 4320/1964 que autoriza transferências correntes

destinadas a cobrir despesas de custeio de empresas públicas ou privadas de caráter industrial,

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comercial, agrícola ou pastoril. Entretanto, o art. 19 da própria Lei 4.320 impede ajuda

financeira, a qualquer título, a empresas de fins lucrativos, salvo quando se trata de

subvenções expressamente autorizadas em lei especial. Assim, para atender a esta exigência

expressa, foram editadas a Lei da Inovação (10.973/2004) e a Lei do Bem (11.196/2005), que

conferem amparo legal para subvencionar empresas de fins lucrativos da área de CT&I.

Portanto existem recursos e instrumentos legais para viabilizar a subvenção econômica

à empresa de base tecnológica e diminuir a assimetria de investimentos em CT&I entre o setor

público e a empresa privada. A seção que segue examina a evolução dos marcos regulatórios

do SNCTI brasileiro. O interesse em examinar essa evolução reside na revelação de que,

nessa evolução, há uma crescente demanda de políticas que demandam sistemas fora do ente

federal.

3.1 A evolução do marco regulatório brasileiro para empresas da economia do

conhecimento

Um marco no SNCTI brasileiro foi Lei de Inovação de 2004, a qual permitiu pela primeira

vez a subvenção econômica diretamente para a empresa envolvida com desenvolvimento

tecnológico. Antes disso, as políticas restringiam-se a oferecer dinheiro público não

reembolsável somente para instituições públicas.

Destacam-se aqui cinco políticas que podem ser consideradas inovadoras nas práticas do

SNCTI brasileiro e que foram estabelecidas a partir de 2004, a saber:

a) Recursos Públicos “não reembolsáveis” para empresas

A Lei de Inovação (10.973/2004) implantou um novo paradigma, permitindo a

“subvenção econômica direta para empresas, em projetos previamente aprovados pelos

órgãos financiadores”. Essa lei pode ser considerada um instrumento relevante de apoio às

políticas tecnológicas e industriais do país e grande indutora de laços entre universidades,

empresas e Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs), Incubadoras e Parques Tecnológicos

estão contemplados no cap. II. art. 3º, o qual trata do estímulo à construção de ambientes

“Especializados e Cooperativos de Inovação”.

b) Incentivo “automático”

A Lei do Bem (11.196/2005) implantou o benefício “automático”, caracterizado por

uma inversão de ordem da prova do direito ao incentivo. Ele quebra o paradigma vigente que

exigia da empresa a solicitação prévia do benefício, através de projetos encaminhados aos

órgãos concedentes conforme edital. A empresa tinha que esperar por algum edital em que se

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enquadrasse o seu projeto, o que poderia demorar anos. A Lei do Bem inverteu a ordem:

primeiro a empresa usa o incentivo e somente depois presta contas.

Se por um lado a sistemática “automática” agiliza o processo de captura dos

incentivos, por outro lado

(...) gera incertezas nas empresas quanto a aplicação do conceito legal

de inovação tecnológica e, por consequência, implica dúvidas quanto ao

correto enquadramento das atividades e projetos desenvolvidos pela empresa

beneficiária que deve, por conta própria, interpretar e aplicar os conceitos

legais. (ROLIM, 2011).

Outra diferença diz respeito ao timing. O método automático permite beneficiar

projetos no momento em que as empresas necessitam de recursos (e não somente quando é

publicado um edital). Entretanto, sem a existência de editais diminui a capacidade de o

governo orientar seus recursos financeiros para prioridades que este considera estratégicas,

mas a sociedade (empresas e universidades) ganha agilidade e liberdade.

c) Recurso “direto” – Desoneração Tributária.

Os incentivos anteriores aplicavam nas empresas recursos públicos arrecadados

através de impostos. Pela Lei do Bem a empresa fica isenta de recolher uma parte dos

impostos, aumentando a eficiência do sistema, já que o dinheiro não circula através da

máquina pública, antes de voltar para a empresa. O incentivo ocorre por desoneração

tributária.

d) Recursos Públicos não reembolsáveis para “empresas emergentes”

Experiências no Brasil e no exterior demonstram, sem dúvida, a importância da

empresa jovem na revolução tecnológica. Entretanto, a maioria dos empreendimentos

inovadores nascentes apresenta fragilidades estruturais e dificuldades em sua fase inicial,

“porque os empreendedores e fundadores das empresas desviam-se do foco principal do

negócio para dedicar-se a atividades paralelas que garantam sua sobrevivência no curto

prazo” (PRIME, 2009). O Programa Primeira Empresa Inovadora (PRIME) beneficiou

empresas com menos de dois anos de vida e dispensa garantias tradicionais do sistema

financeiro como passado patrimonial e experiência prévia, seja dos sócios, da empresa ou de

ambos, na maioria dos casos. O PRIME baseia-se em convênios de cooperação institucional

entre a FINEP e operadores descentralizados para atender à demanda das empresas nascentes

em regiões de todo o País.

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e) Redes Locais para Gestão da Inovação

O Edital NAGI - Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação (2010) tem por objetivo a

elaboração de Planos e Projetos de Gestão da Inovação nas empresas brasileiras através de

grupos. Estes grupos/equipes devem pertencer às instituições públicas (ou privadas sem fins

lucrativos) com experiência em inovação e capacidade de mobilizar, capacitar e apoiar

empresas nas atividades de gestão da inovação. No Edital NAGI, a FINEP valorizava a

importância articuladora das redes locais através de “parceria com outras instituições e/ou

consultorias com capacitação nos temas relacionados à gestão da inovação (...) como

Federações das Indústrias ou outras associações/entidades de classe empresariais” (NAGI,

2010). Outros instrumentos complementam este novo marco regulatório como o PAPPE -

Pesquisa Estratégicas em Empresas, o programa “Doutor na Empresa” (subvenção para as

empresas contratarem PhDs melhorando seus quadros e estreitando laços com a academia), a

Inovacred (linha de crédito) e Tecnova (subvenção) da FINEP operadas, respectivamente,

através de bancos locais e fundações de amparo à pesquisa estaduais.

Em resumo, o governo brasileiro trabalha com a premissa política de assumir parte do

risco do desenvolvimento tecnológico empresarial, criando fontes de recursos (Fundos

Setoriais), viabilizando a subvenção às empresas (Lei de Inovação), facilitando o uso dos

incentivos (Lei do Bem) e promovendo a descentralização (Prime, Nagi, Inovacred e

Tecnova). Alinhadas com estas tendências, as proposições deste trabalho procuram ampliar

estas ações através da participação dos municípios como agentes de uma estratégia nacional,

para aumentar a capilaridade, eficiência e transparência, especialmente no uso de recursos

subvencionados.

3.2 A evolução do marco regulatório e o lócus municipal: os casos de São Leopoldo e

Porto Alegre

Na seção que segue, a evolução do marco regulatório municipal é analisada a luz de

dados sobre dois dos quatro municípios que tiveram seus parques tecnológicos premiados pela

ANPROTEC até o presente.

A comparação vertical (legislação municipal x federal) constata que os incentivos

municipais estão alinhados com os novos paradigmas da Legislação Federal. Ou seja, ambos

os municípios apoiam empresas privadas através de recursos não reembolsáveis (paradigma 1)

e o incentivo é “direto” (paradigma 3 - desoneração tributária). Ambos apoiam empresas

emergentes (paradigma 5), embora em São Leopoldo exista uma análise prévia mediante a

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qual empresas muito pequenas sem passado patrimonial ou técnico podem não ser

contempladas. Em Porto Alegre, o incentivo é “automático” (paradigma 2), para qualquer

empresa que preste serviços relacionados na lista da lei municipal, ao contrário de São

Leopoldo, onde a empresa tem que submeter, previamente, um projeto à análise de mérito

pelo município. A conclusão é que ambos os municípios estão relativamente alinhados no

tocante aos marcos institucionais federais.

Entretanto, existem diferenças importantes quando se faz uma comparação horizontal

entre os dois municípios. O Quadro 1 faz um resumo destas diferenças entre os dois

municípios escolhidos neste teste piloto, segundo algumas categorias de análise comentadas a

seguir.

Na comparação horizontal aparecem diferenças importantes entre os dois municípios.

Seguem comentários, resumidos, sobre algumas das categorias analisadas.

Mecanismos para concessão: Os dois municípios são diferentes em um ponto

essencial. São Leopoldo exige apresentação prévia de projeto pela empresa interessada. Em

Porto Alegre, ao contrário, não existe análise prévia. Houve uma escolha das atividades a

serem contempladas quando o incentivo foi criado (Informática, 2004 e

Engenharia/Arquitetura, 2007) e qualquer empresa que execute alguma atividade especificada

na lei é beneficiada, automaticamente, sem qualquer outra instância de análise ou decisão. A

análise prévia reforça laços entre o município e as empresas beneficiadas, o que não ocorre

quando o benefício é concedido de forma “automática”. Entretanto, a concessão automática é

menos burocrática e mais fácil de fiscalizar pelo poder municipal, o que representa maior

segurança para a empresa (ROLIM, 2011).

Fórmula de cálculo: São Leopoldo incentiva somente o incremento ocorrido sobre a

base de cálculo, enquanto que em Porto Alegre o incentivo é sobre toda a base, o que pode

significar valores maiores.

Contrapartida: somente haverá benefício efetivo em São Leopoldo se houver

aumento da arrecadação ou aumento do número de empregados ou subcontratação de alguma

empresa da cidade. Em Porto Alegre não existe exigência de contrapartida pela empresa

beneficiada e sim o atingimento de metas pelo setor econômico beneficiado. No caso de

serviços de informática, a referência é a média da arrecadação do setor nos três anos

anteriores à concessão do incentivo (2001, 2002, 2003), que é comparada com a média dos

exercícios posteriores à concessão do incentivo (a partir de 2004). O último estudo realizado

mostrava um aumento real de arrecadação de 6%, apesar da redução de 60% na alíquota do

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Quadro 1 - Análise de conteúdo de Marcos Regulatórios Municipais. Resultados

Parciais Preliminares Marcos Legais Categorias de análise

SÃO LEOPOLDO - Lei 6925/09 (Revoga Lei 5.838/05) - Decreto 6282, regulamenta Lei 6925/09

PORTO ALEGRE - LC 501/03 - reduz ISS para informática - LC 584/07 - reduz ISS para engenharia - Lei 10.705/09 cria INOVAPOA e Decr.

16.369/09 regulamenta

Setor/Atividades incentivadas

Empresa de qualquer setor que gere ISS (Imposto Sobre Serviços). A lei não exige explicitamente que a empresa beneficiada seja de base tecnológica

Restrito a empresas de serviços em - Informática ou - Engenharia e Arquitetura Vide relação de atividades incentivadas no rodapé

Forma de concessão Paradigma_federal P2

Incentivo “não automático” - Sujeito à análise Prévia do Projeto Concede incentivos para projetos individuais, previamente analisados e aprovados

“Incentivo automático” Beneficia todas as empresas com serviços enquadrados nas atividades incentivadas

Reembolso do incentivo Paradigma_federal P1

Não reembolsáveis, mas sujeito à execução do projeto e consecução das metas

Não reembolsáveis

Tipo de benefício Paradigma_federal P3

Incentivo “direto”- Redução tributária

Incentivo “direto”- Redução tributária

Porte da empresa beneficiada Paradigma_federal P4

Inclui empresas emergentes (sem passado patrimonial e sem currículo técnico), condicionado à análise do projeto

Inclui empresas emergentes (sem passado patrimonial e sem currículo técnico).

Formação de laços institucionais locais Paradigma_federal P5

O compromisso “incremento do número de funcionários residentes no município” estabelece laços locais, entre empresas e profissionais residentes em São Leopoldo; A análise prévia de projetos reforça laços entre empresas e município

O sistema “automático” e “direto” de concessão do incentivo não reforça laços locais tanto quanto o sistema de análise prévia de projetos.

Mecanismo de concessão do incentivo tributário

Concede benefício sobre o incremento da base de cálculo do ISS

(obs.- Base de cálculo é aproximadamente o Faturamento da Empresa em serviços tributáveis pelo ISS)

Concede benefício sobre (toda) a base de cálculo, independentemente de haver, ou

não, expansão da empresa beneficiada.

Valores e limites do incentivo tributário

Reduz alíquota de ISS em até 60% (de 5% para 2%), dependendo das contrapartidas em incremento de número de empregados, do aumento da base de cálculo e da subcontratação de empresas locais.

Reduz alíquota de ISS em 60% (Reduz de 5% para 2%).

Fonte: Elaborado pelo autor

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imposto. No caso de incentivo para empresas de engenharia, a base de comparação foi a

arrecadação do ano anterior (2007).

Fiscalização do uso do incentivo: Em Porto Alegre todas as empresas enquadradas

recebem um incentivo de 60% na alíquota (redução de 5% para 2%). Em São Leopoldo este

valor depende de uma fórmula que premia o aumento do número de empregados segundo a

progressão estabelecida no Quadro I da Lei 6925/09, o aumento do faturamento (Quadro II da

Lei) e o volume de subcontratações locais. No melhor caso, o benefício pode chegar a 60% de

redução do ISS. Controles complexos estão mais sujeitos a divergências de interpretação, que

podem causar problemas para as empresas beneficiadas e para a própria fiscalização

municipal.

Setores contemplados: São Leopoldo pode, pelo menos na letra da lei, beneficiar

empresas inovadoras de vários setores. Em Porto Alegre o incentivo está limitado a alguns

serviços de informática e de engenharia, previamente definidos na lei.

Prazo: Em São Leopoldo é de trinta meses. Em Porto Alegre, o prazo é

indeterminado. Isto não significa que ele seja ilimitado. A rigor, o incentivo pode ser sustado

pelo executivo a qualquer momento.

Não faz parte deste trabalho indicar qual é o melhor sistema de incentivo e, sim,

apontar diferenças e características, já que ambos os municípios têm sido bem sucedidos na

atração e crescimento de empresas e dos seus parques tecnológicos. A continuidade deste

projeto de tese prevê a extensão deste levantamento a duas outras cidades dotadas de parques

premiados pela ANPROTEC: Recife e Rio de Janeiro.

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo estabeleceu como objetivo fazer proposições acerca da descentralização

do SNCTI do nível federal para o municipal. Entende-se que a descentralização do SNCTI do

nível federal para o municipal aprimora a relação entre capacidade, responsabilidade e

autoridade para a ação dos integrantes do Sistema, melhorando a capilaridade e a eficácia na

aplicação de recursos públicos subvencionados em empresas de base tecnológica.

Tomou-se como pressuposto a relevância da participação dos governos no apoio à

CT&I. Estudos anteriores revelam a crescente importância do papel das cidades no mundo, na

relevância de economias regionais no cenário global, no princípio da ordem subsidiária e na

indicação do município como ente federado (OLIVEIRA, 2006; SOUZA JR, 2006). Tem-se

como pressuposto que o atual modelo da política pública do SNCTI de apoio para P&DI foi

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desenhado, inicialmente, para o investimento em Universidades e Centros de Pesquisa e não

atende aos desafios que o governo enfrenta para apoiar empresas. Essas, com pequeno porte e

em grande número, tendem a ficar fora do alcance da lente do sistema federal centralizado.

A Constituição de 1988 regulou a transferência de serviços federais para os

municípios, em troca de recursos financeiros. As proposições partem da premissa de que os

municípios equiparam-se legal, administrativa e operacionalmente ao longo destas duas

últimas décadas de municipalização para milhares de municípios brasileiros, especialmente

em vários serviços estratégicos e de alto impacto social, como saúde e educação (SOUZA,

2005).

Este trabalho propõe que recursos subvencionados do ente nacional sejam repassados

às cidades, segundo critérios, metas de desempenho e sanções, para que as cidades invistam

nos seus habitats de inovação e nas empresas de base tecnológica. Neste cenário este trabalho

formula proposições no sentido da descentralização das políticas nacionais de CT&I tendo a

cidade e os parques tecnológicos como lócus da inovação.

Face ao exposto, propõe-se que a descentralização do SNCTI do governo federal para

as cidades, através da municipalização, tende a:

- criar um novo poder político moderador e independente (o município) no SNCTI,

capaz de funcionar como freio e contrapeso, em vários temas essenciais da política

nacional como, por exemplo, resgatar os objetivos originais dos fundos setoriais,

quando da sua criação em 1999, trazer recursos novos para Ct&I e para programas

de integração universidade-empresa;

- diminuir a disputa por recursos federais e aumentar a transparência, já que há regras

claras para sua distribuição e sanções;

- produzir maior transparência, eficiência e capilaridade no uso do recurso público

subvencionado, não reembolsável, para apoio a empresas de base tecnológica pela

participação protagonista do ente federado municipal;

- acelerar o desenvolvimento da inovação de base tecnológica, em curto prazo, pela

entrada de novos atores não detectáveis pelo sistema federal, como pequenas

empresas emergentes de alto potencial inovador;

- permitir um melhor controle, avaliação e auditoria (accountability) do uso de

recurso público pela proximidade entre o ente federado municipal, que concede o

benefício, e a empresa usuária deste benefício;

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- reforçar princípios da Governança Solidária Local; é governança porque tem na base

a parceria entre governo federal, a cidade e suas empresas, que estimula a

participação, o protagonismo e o empreendedorismo, bem como a

corresponsabilidade na gestão de programas nacionais; é solidária porque se alicerça

na cooperação e na ajuda mútua entre instituições governamentais, universidades e

empresas em prol de objetivos comuns; é local porque ocorre na cidade, o lócus do

sistema de inovação;

- aumentar a renda, oportunidades empreendedoras e receita tributária, capacitando os

municípios para melhor cumprir seus compromissos institucionais;

- diminuir a crônica assimetria entre investimentos privados em empresas e

investimentos públicos em Instituições de Ensino e de Pesquisa.

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