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A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO Uma perspectiva luso-brasileira

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A CESSAÇÃO DO CONTRATO

DE TRABALHO

Uma perspectiva

luso-brasileira

JOÃO LEAL AMADO

Mestre e Doutor em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra – Portugal; Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Membro da Direção da APODIT – Associação

Portuguesa de Direito do Trabalho; Vice-presidente da Direção do IDET – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho; Membro dos corpos gerentes da JUTRA – Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho;

Membro da lista de árbitros-presidentes do Conselho Económico e Social; Integra a Direção da revista Questões Laborais e é redator da Revista de Legislação e de Jurisprudência.

A CESSAÇÃO DO CONTRATO

DE TRABALHO

Uma perspectiva

luso-brasileira

EDITORA LTDA.

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-003São Paulo, SP — BrasilFone (11) 2167-1151www.ltr.com.brMarço, 2017

Versão impressa — LTr 5723.5 — ISBN 978-85-361-9110-2Versão digital — LTr 9112.4 — ISBN 978-85-361-9172-0

Todos os direitos reservados

Índice para catálogo sistemático:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Amado, João Leal

A cessação do contrato de trabalho : uma perspectiva luso-brasileira / João Leal Amado. – São Paulo : LTr, 2017.

Bibliografia.

1. Contrato de trabalho 2. Contrato de trabalho – Cessação 3. Direito do trabalho – Brasil 4. Direito do trabalho - Portugal I. Título.

17-00688 CDU-34:331.106

1. Contrato de trabalho: Cessação: Direito do trabalho 34:331.106

SUMÁRIO

Apresentação ....................................................................................................................................9Prefácio .............................................................................................................................................11Capítulo 1 – Contrato de trabalho e Direito do Trabalho ...............................................................13Capítulo 2 – Significado e alcance do regime da cessação do contrato de trabalho .................25Capítulo 3 – Formas de cessação do contrato de trabalho...........................................................30Capítulo 4 – O período experimental ...............................................................................................324.1. Regime jurídico............................................................................................................................324.2. O período experimental e o art. 53º da CRP ...............................................................................344.3. O contrato de experiência como contrato a termo .......................................................................36Capítulo 5 – Extinção por caducidade.............................................................................................38Capítulo 6 – Modalidades de contrato de trabalho: trabalho precário e caducidade .................446.1. O contrato de trabalho a prazo ou a termo..................................................................................45

6.1.1. Liberdade contratual versus segurança no emprego ..........................................................456.1.2. Termo resolutivo: requisitos materiais e requisitos formais .................................................476.1.3. Termo certo .........................................................................................................................526.1.4. Termo incerto .......................................................................................................................586.1.5. Condição resolutiva .............................................................................................................606.1.5.1. O problema ........................................................................................................................616.1.5.2. De 1976 a 1989.................................................................................................................635.1.5.3. De 1989 a 2003.................................................................................................................636.1.5.4. O CT de 2003 ...................................................................................................................656.1.5.5. Nota conclusiva: o atual CT .............................................................................................676.1.6. O contrato por tempo determinado no Brasil .......................................................................68

6.2. O trabalho temporário..................................................................................................................70Capítulo 7 – Cessação por mútuo acordo (revogação ou distrato) ..............................................747.1. A cessação por acordo ................................................................................................................747.2. A exigência de forma escrita........................................................................................................757.3. A compensação pecuniária global ...............................................................................................767.4. A cessação do acordo de revogação...........................................................................................78Capítulo 8 – Extinção por despedimento com justa causa ...........................................................808.1. Noção de justa causa de despedimento .....................................................................................808.2. Os deveres do trabalhador ..........................................................................................................828.3. As condutas extralaborais do trabalhador: candidatas positivas a constituir justa causa de despedimento? ....................................................................................................................858.4.  A tensão entre os direitos laborais inespecíficos e os poderes patronais ...................................888.5. Os poderes do empregador: o poder disciplinar ..........................................................................918.6. O procedimento disciplinar para despedimento ..........................................................................958.7. A ausência de procedimento disciplinar no Brasil .......................................................................99Capítulo 9 – Causas objetivas de despedimento ...........................................................................1019.1. Despedimento coletivo ................................................................................................................101

9.2. Despedimento por extinção de posto de trabalho........................................................................1059.3. Despedimento por inadaptação...................................................................................................106Capítulo 10 – Meios de reação contra o despedimento................................................................112Capítulo 11 – Ilicitude do despedimento: causas e efeitos da ilicitude.......................................11511.1. As causas de ilicitude do despedimento ....................................................................................11511.2. Os efeitos da ilicitude do despedimento ....................................................................................117

11.2.1. A ilicitude/invalidade do despedimento ..............................................................................11711.2.2. Os "salários intercalares" ...................................................................................................11911.2.3. A reintegração do trabalhador ...........................................................................................12411.2.4. A “indemnização de antiguidade” ......................................................................................13011.2.5. O despedimento irregular ..................................................................................................13411.2.6. Despedimento ilícito e contrato a termo ............................................................................135

Capítulo 12 – A proteção contra o despedimento arbitrário ou sem justa causa no Brasil ......13812.1. A proteção contra o despedimento arbitrário ou sem justa causa ..............................................13812.2. O marco legal (ou a ausência dele): tanto mar entre Portugal e o Brasil… ...................................13912.3. O direito de despedir como direito potestativo ...........................................................................14312.4. Direito potestativo de despedir: o alvo errado ............................................................................14712.5. O despedimento arbitrário ou sem justa causa como ato contra legem ....................................15012.6. O despedimento discriminatório .................................................................................................152Capítulo 13 – Extinção por iniciativa do trabalhador (demissão) .................................................15613.1. Demissão com aviso-prévio (denúncia) ....................................................................................156

13.1.1. O princípio da livre demissão ............................................................................................15613.1.2. A revogação da denúncia ..................................................................................................160

13.2. Demissão com justa causa (resolução).....................................................................................16413.2.1. A noção de justa causa .....................................................................................................16413.2.2. Procedimento para resolução do contrato ........................................................................16613.2.3. Indemnização devida ao trabalhador ................................................................................16813.2.4. Indemnização a pagar pelo trabalhador ............................................................................169

13.3. O abandono do trabalho ............................................................................................................17013.3.1. O sistema português ...............................................................................................................170

13.3.2. O sistema brasileiro ............................................................................................................173Capítulo 14 – A comissão de serviço e os cargos de confiança ..................................................174Capítulo 15 – O assédio no trabalho: entre a demissão e o despedimento ................................178Capítulo 16 – Prescrição dos créditos laborais: quando e porquê ..............................................18216.1. A prescrição de créditos ............................................................................................................18216.2. A ratio do art. 337º, n. 1, do CT .................................................................................................18416.3. A crítica ao art. 337º, n. 1, do CT ...............................................................................................18516.4. A crítica de Bernardo Lobo Xavier ..........................................................................................18616.5. A experiência brasileira...............................................................................................................18816.6. O elemento decisivo: existência de estabilidade no emprego ou essência da relação de emprego?...........................................................................................................................191

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................193

"Em termos de stress, ouvi dizer que perder o emprego é como ter uma morte na família. Mas, pessoalmente, sinto mais que as pessoas com quem eu trabalhava aqui eram a minha família e que eu é que morri".

Declaração de um trabalhador despedido, no filme Up in the air (Nas Nuvens), 2009, EUA, Jason Reitman (dir.).

APRESENTAÇÃO

Esta obra intitula-se A Cessação do Contrato de Trabalho: uma perspectiva luso- -brasileira. E não será necessário gastar muita tinta para justificar a eleição do tema da cessação do contrato de trabalho como tema central deste livro. Com efeito, o tema da cessação do contrato (e, dentro deste, o do despedimento ou despedida) representa, ontem como hoje, o ponto de maior importância e sensibilidade na disciplina jurídica do contrato de trabalho. Além disso, dir-se-ia que quase todos os outros temas do contrato de trabalho estão intimamente ligados ao regime da cessação. Quando surge um qualquer litígio entre as partes, relativo, por exemplo, a matéria salarial ou a férias, a direitos de personalidade ou a assédio no trabalho, a mobilidade geográfica ou funcional etc., não raro esse litígio acaba por redundar na cessação do contrato de trabalho. O regime jurídico da cessação do contrato apresenta-se, pois, em si mesmo e pela sua articulação com as demais matérias relativas ao conteúdo e às vicissitudes do contrato de trabalho, como a trave-mestra do direito da relação individual de trabalho. Justifica-se, por isso, que lhe seja dedicada a devida atenção.

O que poderá surpreender, nesta obra, não será, decerto, a eleição do tema da cessação do contrato, mas sim o facto de se assumir que a mesma é redigida numa perspectiva luso-brasileira. Ora, a razão para esta abordagem luso-brasileira não deixa de ser prosaica, nem resulta de especiais preferências do autor. Isto muito embora não possamos esconder que, em razão das muitas vezes que fomos ao Brasil ao longo dos últimos anos, participar de congressos, cursos, colóquios e seminários, e dos muitos e bons amigos que por lá fizemos, acabamos hoje, de algum modo, por nos sentirmos um pouco como Churchill, que se dizia 100% inglês e 50% americano. Pois, mutatis mutandis, o autor confessa sentir-se hoje 100% português e 50% brasileiro!

Não é essa, porém, a principal razão para esta abordagem luso-brasileira. A razão é de ordem objetiva. Com efeito, a vida tem demonstrado que a disciplina de Direito da Relação Individual de Trabalho, do Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tem sido frequentada por alunos que, em parte significa-tiva, são oriundos do Brasil. Vejamos alguns números, relativos aos últimos anos de lecionação desta disciplina: no ano letivo de 2010/2011, a disciplina foi frequentada por 20 alunos, dos quais 10 eram brasileiros; no ano letivo de 2011/2012, a disciplina foi frequentada por 17 alunos, entre os quais se contavam 10 brasileiros; no ano letivo de 2012/2013, a disciplina foi frequentada por apenas 6 alunos, 2 dos quais brasileiros; no ano letivo de 2013/2014, a disciplina voltou a contar com 20 alunos, dos quais 10 eram brasileiros; no ano letivo de 2014/2015, registou-se um máximo de 25 alunos, 12 deles sendo brasileiros; e no ano letivo de 2015/2016, foram 24 alunos, 8 dos quais brasileiros. No corrente ano letivo de 2016/2017, a tendência acentuou-se ainda mais, com um total de 25 alunos, dos quais 18 são brasileiros.

Cremos que estes números são eloquentes. Não se trata, aliás, de uma singulari-dade do direito laboral, mas de uma tendência que percorre, ainda que com distinta intensidade, todas as áreas de especialização do mestrado em direito da Faculdade de Direito de Coimbra: os estudantes de mestrado (e o mesmo sucede, diga-se, quanto ao doutoramento), em parte muito significativa, são brasileiros, licenciaram-se no Brasil, dominam o ordenamento jurídico brasileiro e não o português; e, em virtude do seu cres-cente peso numérico, o diálogo entre o direito português e brasileiro torna-se inevitável.

10 – João Leal Amado

Impõe-se, por isso, um esforço de aproximação e de reconhecimento mútuo, sem o qual o diálogo se revela difícil e a troca de experiências se torna quase infrutífera. Isto, claro, sem perder de vista que o ponto de partida para o estudo do tema da cessação do contrato de trabalho deverá ser, na Faculdade de Direito de Coimbra, português. Mas, isto posto, deverá ser feito um esforço de aproximação aos elementos essenciais do regime jurídico brasileiro nesta mesma matéria, registando, nas suas grandes linhas, os pontos de contacto e de divergência entre os regimes jurídicos vigentes nos nossos dois países.

É isso, esse registo reflexivo, que se ensaia no presente livro. Conscientes de que não somos, nem jamais seremos, um especialista em direito laboral brasileiro. Nem esse é, de resto, o nosso propósito. Mas convictos de que é possível conhecer o essencial do sistema brasileiro nesta matéria e tentar proceder à interpenetração entre os regimes vigentes nos dois países, elaborando um texto que permita ao jurista português conhecer, nas suas grandes linhas, o sistema brasileiro, e que permita ao jurista brasileiro familiarizar--se com as semelhanças e diferenças mais significativas apresentadas pelo direito laboral português em relação ao do Brasil.

Este sim é o propósito da obra que ora se apresenta: facilitar o diálogo, registar semelhanças, captar diferenças, estimular o estudo comparado dos institutos perti-nentes, aprofundar o processo, sempre enriquecedor, de troca de experiências entre os nossos dois países. Talvez haja algum exagero na frase, cremos que de José Eduardo Agualusa, segundo a qual “o Brasil é o futuro de Portugal”. Mas o que é incontroverso é que a Universidade de Coimbra é hoje uma Escola em que a presença do Brasil é muito (cada vez mais?) significativa. Mais de 2.000 estudantes brasileiros frequentam a Universidade de Coimbra, a qual aliás se apresenta, amiúde, como a mais brasileira das instituições de ensino superior existentes fora do Brasil…

Se assim é — e isto é assim, de forma patente, na Faculdade de Direito —, então há que extrair as devidas conclusões. Impõe-se ao regente de uma disciplina frequentada maiori-tariamente por alunos brasileiros que invista tempo e esforço no sentido de se familiarizar com o direito brasileiro – in casu, para se familiarizar com o direito laboral brasileiro, em especial naquilo que diz respeito ao tema da cessação do contrato de trabalho.

A presente obra visa, pois, constituir um elemento de trabalho destinado a faci-litar esse processo de aproximação recíproca. Sem renegar a sua matriz portuguesa e europeia e baseando-se, em boa parte, naquilo que escrevemos no nosso Contrato de Trabalho – Noções Básicas, livro que é utilizado como texto-base na disciplina de Direito do Trabalho I da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito de Coimbra. Mas procurando, depois, captar aquilo que, a propósito de cada um dos institutos aborda-dos, aproxima e distancia o direito português do direito brasileiro. E, assim fazendo, procurando constituir um ponto de partida para a discussão a travar entre os juristas (professores, estudantes, magistrados, advogados, etc.) de ambos os países. Convictos como estamos de que desta troca de experiências todos teremos a ganhar.

Este livro serve, por último, para prestar homenagem a tantos e tantos amigos que, ao longo da última década, fomos fazendo pelo Brasil. Não ousamos nomeá-los, aqui e agora, porque a lista seria extensa e longa, mas, ainda assim, decerto seria imperdoavelmente lacunosa. Na verdade, as pessoas são o que de mais importante e precioso existe. E nós, no Brasil, nunca, por um momento sequer, nos sentimos em terra estranha. Sentimo-nos sempre em casa, devido à inexcedível simpatia, afabili-dade e disponibilidade com que, em todas as ocasiões, fomos tratados. Não o esque-cemos, nem jamais esqueceremos. Esta obra é, também, ao seu jeito, uma singela, mas sentida, forma de vos dizer: muito obrigado!

PREFÁCIO

Na qualidade de negócio jurídico bilateral, o contrato tem por fim criar, alterar ou extinguir direitos e deveres de cunho obrigacional, por autorregulação das partes.

Como os demais contratos, o de trabalho é informado, entre outros, pelos prin-cípios da autonomia da vontade, da obrigatoriedade, da relatividade, da eticidade (probidade e boa-fé objetiva) e da conservação. Mas sobre ele incidem, com mais inten-sidade, os princípios da supremacia da ordem pública, da socialidade (função social do contrato) e da onerosidade excessiva. Isso ocorre em virtude das características do contrato de trabalho, que é de atividade, com prestação pessoal e subordinada e dos seus efeitos no contexto econômico, na dinâmica empresarial e na sociedade.

Ao mesmo tempo em que no âmbito coletivo o princípio da autonomia pode prevalecer sobre a lei, no âmbito do direito individual a intervenção do legislador inibe bastante essa autonomia, considerando a hipossuficiência do trabalhador, ou seja, a sua fragilidade para impor regras e condições diante do poder empregatício. Poder esse que atua nas relações de trabalho com tal intensidade, que, além de ditar normas organizacionais, pode fiscalizar e punir sem a necessidade de recorrer previa-mente ao Poder Judiciário.

Outrossim, se o trabalho é, juntamente com a livre iniciativa, um dos pilares de construção sustentável de um país, o direito ao emprego deve ser estimulado de forma a sociedade capacitar todos para o exercício de uma função condizente com as suas qualificações e abranger a inclusão de deficientes físicos e aprendizes. Pelo que a intervenção do legislador no contrato de trabalho não se limita a compensar a subor-dinação. Visa também concretizar o direito ao emprego, como meio de acesso aos bens da vida, de realização espiritual e de afirmação perante a família e a sociedade. Daí a proteção à despedida sem justa causa ou arbitrária. Daí o seguro-desemprego como forma do trabalhador contornar os graves efeitos de um despedimento.

Diante desse quadro, denota-se a importância de uma obra como a do eminente professor lusitano da Universidade de Coimbra, João Leal Amado, conhecido e querido por todos no Brasil pela relevância de seus ensinamentos e da atuação acadêmica e literária.

A importância não se restringe ao estudo das causas e efeitos da terminação do contrato conforme a sua duração, determinada, determinável ou indeterminada, mas também e, sobretudo, por se tratar de uma obra comparativa entre as abordagens e as soluções portuguesa e brasileira para idênticas situações. Cabe a referência de que, nos termos do art. 8º, da CLT, na falta de disposições legais ou contratuais, o direito comparado é fonte do direito do trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, contém princípios e regras distintos daqueles que orientam o Código do Trabalho português, de 2003 e alterado em 2009. Os tempos de hoje não são os mesmos de outrora e, apesar da globalização, enquanto o Brasil está isolado na América do Sul (em que pese o Mercosul), Portugal está efeti-vamente integrado à Comunidade Europeia até mesmo em relação ao direito de circu-lação dos trabalhadores e normas gerais comuns aos países daquela comunidade.

Como resultado dessa disparidade, a Constituição brasileira de 1988 até hoje não foi regulamentada quanto à despedida arbitrária ou sem justa causa, para efeito de

12 – João Leal Amado

regulação da motivação e de suas circunstâncias, como no direito português e sequer exige procedimento disciplinar para a despedimento por justa causa. A obra do profes-sor João Leal Amado apresenta o estudo comparativo entre os países, diante dessas situações e a experiência e soluções lá aplicadas sobre a necessidade e hipóteses de motivação poderão, futuramente, auxiliar a edição da norma regulamentadora pátria.

A propósito, é bom que se diga que embora a Constituição brasileira admita a redu-ção do salário e a majoração da jornada mediante norma coletiva, o Código português estatui que essas matérias, além de outras como saúde, segurança, direito do menor e direitos personalíssimos, são infensas à negociação coletiva. O que demonstra que os conceitos de proteção, flexibilização e engessamento variam conforme o país e que apesar da desregulamentação e ajuste da legislação portuguesa para adequar-se às exigências da Comunidade Europeia, a motivação da despedida, proposta pela OIT, vigora nos países que a compõem, assim como a limitação do negociado sobre o legislado.

Voltando ao tema, a Consolidação das Leis do Trabalho, pela intenção de ser um texto informal, trata todas as hipóteses de cessação do contrato como rescisão.

Mais técnico, o Código português, como demonstrado pelo professor João Leal Amado atribui denominações distintas para as diversas situações de desligamento. O que facilita, academicamente, a compreensão da matéria e o tratamento jurídico adequado a cada situação.

Com efeito, a cessação do contrato pode ocorrer por modo normal, como previsto pelas partes, ou anormalmente, de modo antecipado.

De modo normal, o contrato a termo ou sob condição termina com a realização do prazo ou evento ao qual subordinado, hipótese denominada de caducidade.

De modo anormal, os contratos por prazo determinado, determinável e indeter-minado, cessam, antecipadamente, por motivo de resilição, resolução e rescisão.

A resilição é a terminação antecipada sem necessidade de se declinar o motivo. Pode ser unilateral (por denúncia vazia nas modalidades despedida sem justa causa e pedido de demissão, por revogação e por renúncia) ou bilateral (distrato).

Resolução é a terminação antecipada, cujo motivo é uma causa alheia à vontade das partes (força maior, caso fortuito, fato do príncipe, onerosidade excessiva ou outro motivo imperioso, que escape à dinâmica normal ou previsibilidade das partes) ou motivação culposa (falta grave).

Rescisão, por fim, é a terminação do contrato em virtude de sua nulidade ou anulabilidade.

Ora, o professor português aborda, com maestria e num estudo comparativo, o substrato e exemplos aplicáveis a cada uma das hipóteses de cessação, tornando simples a compreensão da matéria.

A obra vem, portanto, suprir uma lacuna e servir de necessária referência e pesquisa para estudos acadêmicos, legislativos e até mesmo profissionais.

Alexandre Agra Belmonte

Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho

CAPÍTULO 1

Contrato de trabalho e Direito do Trabalho

"Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribui-ção, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta", lê-se no art. 1152º do CCivil português. E o art. 1153º do mesmo diploma legal acrescenta: "O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial".

As duas normas do CCivil acima transcritas significam, basicamente, que:

i) O Direito do Trabalho, ramo do direito erigido, em grande medida, em torno do contrato individual de trabalho, não se ocupa, na sua tarefa reguladora, de todas as formas de trabalho humano. É sabido que, enquanto ofício ou profissão, o trabalho consiste num fenómeno extremamente multifacetado nas nossas sociedades(1), mas a verdade é que, tomando de empréstimo as palavras de André Gorz, o trabalho que aqui releva é aquele que se analisa "numa atividade paga, realizada por conta de um terceiro (o empregador), com vista à realização de fins que não fomos nós próprios a escolher, e segundo modalidades e horários fixados por aquele que nos paga"(2). Vale dizer, apenas o trabalho humano que reúna certas características releva para este sector do ordenamento jurídico, sendo que a nota decisiva se prende com o carácter dependente ou subordinado do mesmo. No seu núcleo essencial, o Direito do Trabalho regula uma relação que se estabelece entre trabalhador e empregador, uma relação marcada pelo sinalagma entre trabalho e salário, por força da qual o trabalhador se compromete a prestar a sua atividade de acordo com as ordens e instruções que lhe serão dadas pela contraparte (trabalho subordinado por conta de outrem, trabalho de execução heteroconformada)(3).

(1) A doutrina tem assinalado a polissemia do termo trabalho. Com efeito, este tanto designa a atividade produtiva ("estou a fazer um trabalho"), como o esforço ("dá muito trabalho estudar"), o resultado da atividade ("já entreguei o trabalho"), o emprego ("vou para o trabalho"), o fator de produção ("o custo do trabalho") ou um determinado coletivo ("o conflito entre o trabalho e o capital").(2) Metamorfosis del Trabajo, Editorial Sistema, Madrid, 1995, pp. 279-280.(3) Também assim sucede no Brasil. A CLT não define propriamente o que seja o contrato de trabalho, limitando-se a afirmar, no seu art. 442, que "contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego". Todavia, combinando este preceito com as noções de empregado e empregador fornecidas pela mesma CLT, as dúvidas dissipam-se: para a CLT, "considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço" (art. 2º ); e considera-se empregado "toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário" (art. 3º ). Na doutrina brasileira é usual afirmar que o trabalho é um género que, entre as suas múltiplas espécies, contém o emprego (isto é, o trabalho subordinado), pelo que o emprego será sempre uma forma de traba-lho, embora nem todo o trabalho seja considerado emprego (assim, p. ex., o trabalho autónomo). Nesta ordem de ideias, seria mais rigoroso designar o negócio jurídico em causa como “contrato de emprego” e não “contrato de trabalho” — neste sentido, por todos, LUCIANO MARTINEZ, Curso de Direito do Traba-lho, 6. ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2015, pp. 153 e 164. Mas o certo é que, talvez por ser a espécie mais importante do género, a expressão “contrato de trabalho” logrou impor-se, nos planos econômico, social e cultural, de tal forma que, quando a lei fala em contrato de trabalho, stricto sensu, refere-se à noção

14 – João Leal Amado

ii) Ainda que o contrato de trabalho se traduza num negócio jurídico de direito privado, o CCivil remete a respetiva disciplina para "legislação especial". Compreende-se que assim seja. Por um lado, a força de trabalho é uma qualidade inseparável da pessoa do trabalhador, o que supõe um profundo envolvimento da pessoa deste na execução, em moldes heterodeterminados, daquele contrato. Destarte, ao alienar a disponibilidade da sua força de trabalho, o trabalhador aliena-se, de algum modo, a si próprio. O trabalhador tem como que "duas vidas", a vida no trabalho e a vida fora do trabalho, uma vida profissional em que se encontra numa situação de heterodisponibilidade e uma vida extraprofissional em que recupera a sua autodisponibilidade. Aliás, para muitas pessoas, a “verdadeira vida”, aquela que merece ser vivida, só começa quando a jornada de trabalho acaba e quando, finalmente, elas recuperam a sua liberdade(4). Ora, isto impõe que o Direito, não obstante apreenda a relação laboral como uma relação patrimonial de troca trabalho-salário, sujeite tal relação a um regime especial relativamente ao regime comum das relações patrimoniais (o Direito das Obrigações).Por outro lado, a relação de trabalho é uma relação profundamente assimé-trica, isto é, manifestamente inigualitária, pois o trabalhador, a mais de, em regra, carecer dos rendimentos do trabalho para satisfazer as suas neces-sidades essenciais (dependência económica), fica sujeito à autoridade e direção do empregador em tudo o que diz respeito à execução do trabalho

técnico-jurídica de contrato de emprego — neste sentido, por todos, MAURICIO GODINHO DELGADO, Curso de Direito do Trabalho, 14. ed., LTr, São Paulo, 2015, pp. 295-297 e 545. Este autor define o contrato de trabalho como "o negócio jurídico expresso ou tácito mediante o qual uma pessoa natural obriga-se perante pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado a uma prestação pessoal, não eventual, subordi-nada e onerosa de serviços", ou, em alternativa, como "o acordo de vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa física coloca seus serviços à disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação ao tomador" (p. 543). (4) Trata-se, no fundo, da velha oposição entre liberdade e necessidade. É certo que, como já em 1958 HANNAH ARENDT observava, o discurso sobre o trabalho abunda em idealizações do mesmo (o trabalho é um meio de atingir um fim superior, o trabalho é um ato de moldar dada substância, transfor-mando-a em algo qualitativamente melhor, o trabalho é um meio de realização pessoal, proporcionando satisfação a quem o presta, o trabalho é o meio de o homem se impor à natureza, dominando-a…), mas, a esse propósito, HANNAH ARENDT não deixava de concluir: "Depois de todas estas teorias e discus-sões académicas, é reconfortante saber que a grande maioria dos trabalhadores, quando se lhe pergunta “por que é que o homem trabalha?”, responde simplesmente: “para poder viver” ou “para ganhar dinheiro”" (A Condição Humana, Relógio D’Água, Antropos, Lisboa, 2001, pp. 171-172, n. 75). Recuando mais umas décadas, escreveu SIGMUND FREUD, em 1930: "Nenhuma outra técnica para a condução da vida prende a pessoa tão firmemente à realidade como a ênfase no trabalho, que no mínimo a insere de modo seguro numa porção da realidade, na comunidade humana". Mas FREUD acrescentava: "E, no entanto, o trabalho não é muito apreciado como via para a felicidade. As pessoas não se lançam a ele como a outras possibilidades de gratificação. A imensa maioria dos homens trabalha apenas forçada pela necessidade, e graves problemas sociais derivam dessa natural aversão humana ao trabalho" (O mal-estar na civilização, Penguin & Companhia das Letras, São Paulo, Brasil, 2012, p. 24).Tudo isto, se era válido em pleno séc. XX, não deixa de ser válido no início do séc. XXI. Aliás, como assinala GILLES LIPOVETSKY, na atual sociedade de consumo de massas o evangelho do trabalho foi destronado pela valorização social do bem-estar, do lazer e do tempo livre, orientando-se maciçamente as aspirações coletivas para os bens materiais, as férias e a redução do tempo de trabalho (O Crepúsculo do Dever, 4. ed., Dom Quixote, 2010, p. 198).Na doutrina brasileira, assinala, com razão, JORGE SOUTO MAIOR: "No fundo, o que todo o mundo quer mesmo é ficar rico sem trabalhar ou mesmo ficar rico trabalhando, mas almejando parar de traba-lhar o quanto antes. Como diria o Barão de Itararé, “o trabalho enobrece o homem, mas depois que o homem se sente nobre não quer mais trabalhar”" ("Do direito à desconexão do trabalho", Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n.23, 2003.

A cessação do contrato de trabalho – 15

(subordinação jurídica)(5). Para o trabalhador, cumprir é, antes de mais, obede-cer(6), a sua vontade compromete-se no contrato, mas também se submete nesse contrato. Ora, este desequilíbrio estrutural da relação de trabalho não pode ser ignorado, nem deve ser menosprezado, pelo Direito.

O Direito do Trabalho mantém, assim, uma relação algo ambivalente com o contrato individual de trabalho. Sendo inegável que o contrato de trabalho é a “figura central” e a “razão de ser” do Direito do Trabalho(7), não é menos verdade que, em certo sentido, o Direito do Trabalho "desconfia do contrato individual", podendo mesmo ser concebido como um vasto sistema de controlo da liberdade contratual. Com efeito, se a função genética ou constitutiva da relação laboral desempenhada pelo contrato de trabalho não suscita, hoje, grandes dúvidas (é o contrato que dá vida, que faz nascer a relação de trabalho), já a função modeladora ou normativa do contrato é abertamente questionada (não é o contrato, ou não é apenas o contrato, que molda ou regula a rela-ção jurídica de trabalho subordinado). O que bem se compreende, se não olvidarmos o processo de emergência e de afirmação deste ramo do direito, as razões pelas quais este surgiu e as funções que ele é chamado a desempenhar. Vejamos .

O Direito do Trabalho é um direito de formação recente, é um fenómeno moderno, é um direito jovem, com pouco mais de um século de existência (veja-se o caso portu-guês, em que aquela que é tida como a primeira lei social data de 14 de Abril de 1891, regulando o trabalho dos menores e das mulheres em estabelecimentos industriais, bem como a higiene e segurança nas oficinas). O Direito do Trabalho é um produto tardio da Revolução Industrial, tendo nascido em estreita ligação com o advento, e posterior desenvolvimento, de um novo sistema económico: o capitalismo. Com o triunfo da burguesia então registrado consolidou-se uma nova ordem económica (assente na liberdade de empresa e na liberdade de concorrência), uma nova ordem social (radicada no individualismo, isto é, na autonomia do indivíduo abstratamente considerado) e uma nova ordem política (Estado abstencionista, Estado concebido como mero "guarda-noturno"). Deste modo, a ordem jurídica dos Estados liberais oito-centistas assentava em dois institutos fundamentais — a propriedade e o contrato —, os quais constituíam os quadros jurídicos básicos da economia e do trabalho. Os prin-cípios da autonomia da vontade e da igualdade (entendida esta em sentido formal) pautavam o regime jurídico do trabalho no período liberal, encontrando a devida tradução no contrato de trabalho, à época um entre muitos contratos obrigacionais,

(5) Dir-se-ia, na feliz expressão do escritor, que o trabalhador é alguém que se encontra sujeito a "viver entre ordem e ordenado" — MIA COUTO, Jesusalém, Editorial Caminho, Lisboa, 2009, p. 94.(6) Isto sem prejuízo de se dever assinalar que, na nova realidade empresarial resultante da revolução tecnológica e da sociedade da informação, este dever de obediência tem de se articular com crescen-tes exigências empresariais no sentido de que o trabalhador seja proativo e dinâmico, seja ousado e ágil, seja polivalente, flexível e revele espírito de iniciativa, o que supõe, naturalmente, reconhecer-lhe alguma margem de autonomia decisória. (7) Sobre a centralidade do contrato de trabalho, mas sublinhando que este ramo do direito "repousa, por assim dizer, no gume de um paradoxo", vd. as reflexões de JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 30-31. O paradoxo reside, justamente, na circunstância de o Direito do Trabalho manifestar a sua desconfiança perante o exercício da autonomia privada de sujeitos que se encontram numa posição de grande desigualdade material, mas, ao mesmo tempo, fazer apelo ao que foi querido ou consentido pelas partes no contrato como primeira linha de defesa do contraente débil. Em sentido próximo, sublinhando que o contrato exprime, pelo menos simbolicamente, um princípio de modernidade inultrapassável, sendo ainda uma fonte de limitação do âmbito de sujeição do traba-lhador, JORGE LEITE, "Flexibilidade funcional", QL, n.os 9-10, 1997, pp. 5-37 (15).