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1 A César o que é de César. A ideia de escrever este livro é tão antiga que nem sei se foi pura inspiração, obsessão pela pergunta atávica, ou se a devo a algum amigo, artigo ou literatura das tantas que me encantaram e encantam. De qualquer forma agradeço a mim mesmo pela pertinácia em escrever e reescrever a estória inúmeras, incontáveis vezes ao longo de quatro anos ou mais. Daí vem meu primeiro agradecimento: à Delza Dias Ferreira, companheira de teto por muitos anos, amiga de sempre – de todas as horas mesmo! -, inteligente, artista reconhecida, de cultura admirável, bom gosto e muito bom senso. Por sobre tudo isto.... Linda. Foi ela quem criticou o texto desde meus primeiros esboços, corrigiu forma e gramática; foi ela que me ensinou a guardar um texto até que amadureça, e só o reveja depois de algum tempo. Foi ela também que me ajudou a formatar muitas das imagens. Foi com ela que aprendi, na carne, a veracidade do dito sobre escrever: “Alguma inspiração, e muita, muita, transpiração”.

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A César o que é de César.

A ideia de escrever este livro é tão antiga que nem sei se foi pura inspiração, obsessão pela pergunta atávica, ou se a devo a algum amigo, artigo ou literatura das tantas que me encantaram e encantam. De qualquer forma agradeço a mim mesmo pela pertinácia em escrever e reescrever a estória inúmeras, incontáveis vezes ao longo de quatro anos ou mais.

Daí vem meu primeiro agradecimento: à Delza Dias Ferreira, companheira de teto por muitos anos, amiga de sempre – de todas as horas mesmo! -, inteligente, artista reconhecida, de cultura admirável, bom gosto e muito bom senso. Por sobre tudo isto.... Linda.

Foi ela quem criticou o texto desde meus primeiros esboços, corrigiu forma e gramática; foi ela que me ensinou a guardar um texto até que amadureça, e só o reveja depois de algum tempo. Foi ela também que me ajudou a formatar muitas das imagens.

Foi com ela que aprendi, na carne, a veracidade do dito sobre escrever: “Alguma inspiração, e muita, muita, transpiração”.

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O agradecimento seguinte – não menos importante – é à Claudia Ricci, que também fez críticas sensatas, me ajudou a encontrar figuras que me inspiraram os desenhos, formatou também alguns deles.

O mais impressionante não foi sua competência de Web Designer, já conhecida e reconhecida. Foi o carinho, a paciência de formatar e reformatar a publicação por duas vezes, até chegar a esta forma final. Obrigado por tudo, Clau.

Por fim, enorme gratidão à Paola Mariz, do Grupo Scortecci. Depois do retumbante fracasso da primeira publicação do “Por quê?” na Amazon, eu já tinha desistido de tentar publicá-lo. Ainda assim, por indicação de minha ir em frente filha Thelma, entrei em contato com a Paola, e lhe perguntei se meu texto, se publicado – fisicamente e não virtualmente – teria alguma possibilidade de algum sucesso de vendas.

Ela foi extremamente profissional, deu-me respostas claras para que eu mesmo pudesse julgar e, depois de eu ter-lhe enviado o texto, desalinhavado como estava, me deu o enorme e decisivo incentivo para ir em frente. Disse ter gostado muito da história, que a tinha lido de um pau só (não foi isto que ela disse, claro), que eu sou uma pessoa que sabe o que vai escrever quando começa a teclar, mas carecia de revisão; respondeu ao final com “Saudações Literárias”: maravilha, não?

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Paola fez a excelente revisão do texto que aqui vai, e ainda me arranjou a jornalista Letícia Martins que fez o primoroso Prefácio.

Como agradecer-lhe, Paola? Só mesmo com “Agradecimentos Literários”.

Claro que vou querer meu livro impresso em papel, com cheiro de livro, jeito de livro, para manusear e guardar. Ainda que as condições comerciais com que a Paola me brindou sejam muito justas e mais que aceitáveis, só vou poder pedir à Paola que imprima lá por janeiro ou fevereiro do próximo ano. Ansioso, pedi então à Claudia que o incluísse no Kindle, e aí vai.

Espero que quando o livro for publicado em brochura você que lê ou leu esta versão em e-book, também o compre e que nos brinde, à Paola e a mim, em eventos de autógrafos que a Paola irá promover, e em feiras literárias para as quais irá me convidar.

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Sumário

Prefácio ....................................................................................... 7

O convite ..................................................................................... 9

Virações de malandro ...............................................................12

Quem pode, pode... ..................................................................14

Um solitário convicto ................................................................17

Reinício de vida e deslumbramento .........................................25

Talita e Morena, início de uma irmandade ..............................28

Renascimento de Francisco ......................................................30

Ivana e Francisco, encanto, tragédia, desencanto ...................32

Ivana revisita a birosca .............................................................36

Ivana empresária ......................................................................38

Um encontro fortuito ...............................................................40

Álvaro e Zé da Mata ..................................................................42

Álvaro e suas artes ....................................................................45

Estórias de Jacinto ....................................................................47

No Realengo .............................................................................52

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Álvaro visita o apartamento de Padre Jacinto ..........................54

Sofrimentos de um sacerdote ..................................................57

Talita encontra Francisco..........................................................59

Nem tudo que começa bem assim termina .............................65

Morena dá conselhos a Talita ...................................................67

Encontro ansiado, paixão tórrida .............................................68

No dia seguinte... ......................................................................74

É noite .......................................................................................76

Outro encontro fortuito ...........................................................77

Uma vida completa ...................................................................79

Depois da tempestade, a bonança ...........................................82

Encontros fortuitos às vezes machucam muito .......................85

Santo ou crápula? .....................................................................89

Choque de crescimento ............................................................91

Remoendo... .............................................................................93

Conversando com mamãe ........................................................95

Uma pausa necessária ..............................................................98

Fim de linha ............................................................................102

Decisão postergada ................................................................105

Morena vai a Talita .................................................................106

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Era uma vez... .........................................................................108

Dies iræ! Dies illa! ...................................................................111

Severino e Tiana, vida nada severina .....................................112

Doença d’alma se trata com amor .........................................114

Jantar entre irmãos ................................................................118

Andar em lata tampada até que é divertido ..........................119

Meninas, a vida é luta renhida ...............................................124

Foi difícil, mas afinal... ............................................................127

Pra que, Gustavo, pra quê? ....................................................130

É noite .....................................................................................131

O almoço .................................................................................132

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Prefácio

A vida como ela é

Você provavelmente já ouviu essa famosa expressão que nomeia uma série de crônicas de Nelson Rodrigues. Pois ela bem que poderia resumir esta obra de Flavio Musa de Freitas Guimarães. Entrelaçando fatos e emoções, Flavio nos leva a conhecer pessoas simples, como Francisco, Ivana, Gustavo, Talita, Padre Jacinto, Morena, Severino, Álvaro... Personagens de uma narrativa repleta de hábitos e costumes brasileiros. Cada um deles, a seu modo e trejeitos, nos revela um pouquinho de nós mesmos, posto que somos todos fei-tos de sonhos e esperança – assim acredito!

O sonho de que amanhã será um dia melhor, a espe-rança de que a felicidade nos venha ao encontro. Além de sonhar e esperar, esses personagens – pessoas, ora essa! – vão vivendo, trabalhando, casando, amando-se.

Há aqueles que se juntam para depois se separar, quando o amor não consegue superar a cor idêntica da roti-na...

E há aqueles que se encontram na música, porém se perdem nos braços da solidão. Como Francisco, o saxofo-nista tímido, sem sorte no amor, que arranca suspiro da pla-teia e vive mergulhado no próprio interior. De nós, pacatos leitores, ele consegue piedade, simpatia, compaixão. Tem ar de bom moço, que merece vencer na vida, embora não pare-ça ter gana para vencê-la. Por que será que ele é assim? Ou melhor, é assim pra quê?

Francisco também não sabe o motivo, mas segue a vi-da, como cada um dos personagens, que, em dado momen-to, se encontram. Suas vidas se cruzam, suas histórias se entrelaçam, se completam, se misturam. E nesse balé de idas e vindas, aventuras e desventuras, amores e dissabores, o enredo criado por Flavio nos prende a atenção, nos prega os

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olhos, nos faz querer saber: pra quê? Dono de um texto enxuto, mas repleto de conteúdo,

poesia (porque a vida é cheia dela, basta observar) e de ex-pressões peculiares, o autor vai costurando uma narrativa que, apesar de falar da rotina de mulheres e homens comuns, acaba por nos surpreender. Quem ia esperar, por exemplo, que Gustavo, trabalhador como só, todo atencioso com a esposa, adorável com as filhas gêmeas, fosse fazer o que fez todo aquele tempo? E pra quê? Nem Francisco, tampouco Ivana ou Talita poderiam imaginar. Gustavo escolheu um caminho, e se fez do jeito certo, se se arrependeu, talvez não caiba ao leitor julgar, mas que vale a reflexão, isso vale! Do início até o último ponto, até o estouro final – se me autoriza a dizer! – vale não só a reflexão, como também a perplexida-de e o espanto: pra quê?

Cada personagem, repito, que Flavio eterniza neste li-vro é gente como a gente, que não acumula apenas sonhos, alegrias e vitórias. Eles batalham pelo ganha-pão, pelo futu-ro, em busca do amor. Na peleja do dia a dia sem ter certeza de quê, sem saber ao certo pra quê, vão seguindo – afinal, a vida é como é.

Letícia Martins

Jornalista e autora do site www.primeirasimpressoes.net

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O convite

Não que fossem amigos íntimos. Mas tantas vezes seus caminhos se cruzaram desde o encontro no Municipal que mantinham contato. Encontravam-se, ao menos vez por ano, em local que pudesse satisfazer, ainda que mal e parca-mente, às necessidades e idiossincrasias de ambos. E este variara ao longo do tempo e lugar, conforme as andanças e inesperadas reencontrâncias.

Dessa vez ele dissera bem claramente ao telefone, com sua ainda quase tonitruante voz, já mais rouca e fraca, que o convite era seu.

Qualquer quebra na rotina já o faria perder o sentido das coisas. Uma doideira dessas era demais; insuportável, inadmissível. Alguém teria insinuado ao amigo que sua situa-ção financeira estava, digamos, delicada?

Quando nervoso, sua voz saía em falsete mais agudo e chiado.

Gustavo sabia e sorriu. Conseguiu contestar e, de leve, como era seu costume,

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contradizê-lo: – Perdão! Terá de ser como sempre, ou espero que o

amigo entenda que não poderei aceitar. – Garoto, eu te conheço! E é por tantos conselhos que

trocamos (inutilmente, claro) e por fato que só lhe posso explicar pessoalmente que lhe peço que aceite o convite des-se jeito. De qualquer forma, venha assim mesmo e decida ao final de nosso almoço se tenho ou não o direito de quebrar mais regras.

Ele, em falsete mais fininho ainda, conseguiu balbuci-ar:

– Se é sua palavra que eu decido, tudo bem, aceito. – Ótimo! Você está livre no sábado? – Ora, você sabe que aos sábados só tenho o ensaio à

noite... – Haverá muito tempo: ligo para você até o fim da

semana para combinarmos local e hora. Desligou. Arrependeu-se de ter feito o convite. Afinal, pra quê? Eram sete e meia de segunda-feira. Chegara do escritó-

rio às seis e, na sacada, ficou olhando o marzão e as ondas multicoloridas, tingidos os dois pelos raios do entardecer, aquele mesmo mar de que tanto desfrutara com a família e que o deveria ter consumido...

Descalço, com sua bermuda cáqui preferida e camisa preto e branco do Botafogo, devaneava procurando pensar em nada, bebericando já o segundo uísque.

– Caramba! Este sábado, não! Tenho encontro com as filhas!

Pegou o telefone que deixara na mesinha e ligou no-vamente para o amigo.

– Francisco, desculpe-me! Esqueci-me que no sábado próximo tenho um compromisso. Você poderia e concorda-ria em transferir o almoço para o sábado da próxima sema-na?

– Sem problema, Gustavo. Todos os sábados estou li-vre até a hora do ensaio.

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– Ótimo e obrigado, sábado da próxima semana então e, como disse, ligo antes para você para combinarmos o local e hora.

Baita alívio; além da alegria de ver as filhas, postergara o inconveniente encontro que inconscientemente, atabalho-ado, resolvera programar. Para si repetia: “Que besteira! Pra que, pra quê?”. E serviu-se de mais uma dose.

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Virações de malandro

Virando-se como podia, um biscate aqui, outro ali, de estatura até alta para os padrões brasileiros e compleição quase atlética esculpida pelos trabalhos pesados (que come-çaram lá no cais), comendo muito feijão com arroz, jabá com jerimum, era querido lá nos baixos dos Arcos da Lapa.

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Traquejado com mulheres com vida, da vida, ou nem tanto, jamais esperara conhecer a da morte.

Ivana, a garçonete da birosca onde ia comer quando a sorte lhe sorria em grana, dia vai, dia vem, acabou não resis-tindo aos seus encantos e convites; no domingo foi com ele ao arrasta-pé.

Conversa vai, conversa vem, dança vai, dança vem, chopinho vai e vem, uma bicada na cachaça dele... Dormiu em sua casinha.

Mais uma presa sua.

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Quem pode, pode...

De há muito resolvera se dar do bom e do melhor que suas posses e economias permitissem. E contava casos e piadas com a naturalidade e gestualidade de quem está de bem consigo mesmo, maravilhado com a vida. A beleza com que sorvia cada momento, bocado ou trago, a atenção para com a felicidade ou amargura dos que o circundassem, o ouvido sempre disponível e atento, o fato de tudo fazê-lo por gosto, quase por necessidade, derretiam as barreiras mais empedernidas, abriam corações e almas os mais arredios.

Nasceu em Afonso Bezerra, no Rio Grande do Norte, na antiga Rua Coronel José Francisco, então ainda de barro, numa casinha bem gostosa construída pelo pai Adriano, pedreiro profissional. Sua mãe, Das Dores, era auxiliar no Grupo Escolar do Cará, depois renomeado como Escola Estadual José Avelino, onde chegou até o 4º ano primário, hoje com nome mais complicado de curso fundamental. Foi toda a educação formal que teve. Batizado na Igreja Nossa Senhora da Conceição (originalmente Capela, desde a funda-ção da cidade), filho mais novo, teve por irmãos Madriana e Gusmão.

Falta de dinheiro e empregos levaram Madriana ao

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Convento das Irmãs Clarissas (que depois abandonou e foi viver com um ex-piloto alemão da Panair do Brasil em Na-tal, que fazia reportagem para a Der Spiegel na cidade). Gus-mão entrou para o Exército e depois da instrução preliminar foi convocado para o 5º Batalhão de Infantaria da Selva, no Rio Negro.

Gustavo ajudava Adriano, aprendia o ofício e já mos-trava, ainda muito jovem, estrutura física e resistência excep-cionais para a idade. Cordial e alegre, fez amizades com ra-pazes e profissionais de outras especialidades; aprendeu a navegar em barcos que cobriam o Piranhas-Açu; voltava tarde, às vezes só no dia seguinte, para desespero e broncas de Das Dores; o paizão, orgulhoso, o compreendia e apoia-va.

De calças curtas com um só suspensório ao ombro es-querdo, jogava pelada com bola de meia e era o capitão do time.

Aos quinze anos, trabalhando como aprendiz no Esta-leiro do Cará, resolveu ter de ir para a capital, Maceió, para se aprumar, ganhar dinheiro de verdade e ajudar os pais. Rodou os estaleiros e cais da cidade grande e foi estivador. Admirado pela simpatia, força e determinação, conheceu velhos marinheiros com os quais, além de conhecimento de estórias de terras e coisas, aprendeu a participar dos tragos.

Mestre Heims, conhecido ali por Áins, numa partida para o sul ofereceu-lhe trabalho de tripulante até a capital, Rio. Nem pestanejou, avisou os pais e foi.

Desembarcou quase que “sem lenço nem documen-tos”, não quis voltar; começou de imediato como estivador, como sempre cativando colegas e superiores. Conhecia e reconhecia os arredores, a malandragem, as cabrochas... Ao primeiro salário foi ao Remates da Lapa, comprou um cha-péu de palha, camisa listrada em vermelho e branco, calça branca, sapatos cinza e branco. Pronto, estava dentro da onda da gente local de então.

Descobriu que o que aprendera com o pai poderia lhe ser mais lucrativo e gostoso que os trabalhos no cais. Espa-