a cenp e as propostas curriculares para a rede … · em verbete do dicionário houaiss (2004),...
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A CENP E AS PROPOSTAS CURRICULARES PARA A REDE PÚBLICA DE
ENSINO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Resumo
Este trabalho tem como objetivo sistematizar movimentos de construção curricular que ocorreram na rede de ensino do Estado de São Paulo, uma rede complexa e plena de peculiaridades e intenções. O desenvolvimento da temática articula-se em dois movimentos: um primeiro, em que a discussão se encaminha no sentido de situar estudos e autores do campo do currículo, que ajudam a pensar sobre o currículo. E no segundo momento, são apresentadas e discutidas propostas curriculares elaboradas e disseminadas pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, considerando seu órgão técnico, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas/CENP, no período de 1970 a 2010, numa perspectiva de se produzir uma compreensão da escola, dos processos de ensino-aprendizagem, de forma indissociável dos movimentos articuladores. Pensar no currículo da escola significa uma busca por melhor compreender como tornar a escola um rico espaço de ensino e aprendizagem, visando a atingir o sonho comum de uma escola de qualidade. Esta é uma premissa básica, ou seja, a de construir uma escola de qualidade e o currículo pode ajudar nisso. A segunda ideia: “o currículo é uma tradição inventada”. Ele nos leva a refletir sobre o currículo
entendido como um complexo e poderoso artefato educacional organizador das formações. Falar do currículo da escola é falar de alguns princípios, algumas ideias, alguns movimentos que constituem o currículo “que está escrito”. E qual será o
currículo vivido, aquele que é organizado e construído na escola, no contexto da escola? A terceira ideia importante relaciona-se com a necessidade de considerar que qualquer ato social deveria ser julgado tendo, como referência, a probabilidade de produzir equidade, compartilhamento, dignidade pessoal, segurança, liberdade e compaixão – essas são responsabilidades do currículo.
Palavras-chave: São Paulo (Estado); políticas educacionais; propostas curriculares; teorias do currículo.
Introdução
O artigo se organiza na perspectiva de evidenciar movimentos de construção
curricular que ocorreram na rede de ensino do Estado de São Paulo, uma rede complexa
e plena de peculiaridades e intenções, uma rede de ensino que traduz, de certa forma, as
contradições presentes no cotidiano das pessoas que vivem no Estado de São Paulo. O
desenvolvimento da temática articulou-se em dois momentos: um primeiro, em que a
discussão se encaminha no sentido de situar estudos e autores do campo do currículo e
que ajudam a pensar sobre o currículo. No segundo momento serão discutidas propostas
curriculares elaboradas e disseminadas pela Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo, no período de 1970 a 2010, com base em Barreto e Arelaro (1986), Palma Filho
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(1989), Duran (1995, 2002), Taylor (1995), Martins (1998), Dewey (2000), Palma
Filho, Alves e Duran (2003), e nos documentos legais (SÃO PAULO, 2008a, 2008b).
As teorias do currículo – o ponto de partida
Como salienta Silva (1999), há muitas teorias do currículo, desde aquelas mais
tradicionais e conservadoras, dentro de um modelo técnico de desenvolvimento
curricular, um modelo mais próximo do sistema industrial. Um dos precursores para o
surgimento da chamada “teoria tradicional” do currículo foi Bobbitt (2004) - um dos
precursores do currículo valorizado como um domínio de investigação, que tem a
necessidade de uma teoria e de uma prática. Para esse autor, o currículo é uma realidade
objectiva, construída na base de uma engenharia de educação, terreno dos especialistas,
do mesmo modo que uma estrada é obrigatoriamente projectada por um engenheiro.
Nesse sentido, o sistema educacional deveria ser capaz de: especificar resultados
que pretendia obter; estabelecer métodos para obtê-los de forma precisa; considerar
formas de mensuração que permitissem saber com precisão se os objetivos propostos
foram realmente alcançados. Ou seja, [...] a educação deveria funcionar de acordo com
os princípios da administração propostos por Taylor (apud SILVA, 1999, p. 23).
Dewey, com postura mais progressista, preocupava-se com a construção de uma
democracia liberal. Com as críticas às concepções mais tradicionais e técnicas do
currículo, evidenciou-se uma verdadeira inversão nos seus fundamentos, na obra
pioneira de Althusser “A ideologia e os aparelhos ideológicos de Estado” (2001).
No Brasil, as visões de currículo, dentro de uma perspectiva tecnicista,
influenciaram o pensamento educacional, na perspectiva de adaptar a escola e o
currículo à ordem capitalista, dentro dos princípios da ordem, da racionalidade e da
eficiência, em especial nas décadas de 1960 e 1970; princípios que se expressaram
fortemente na proposta curricular do Estado de São Paulo, conhecido com o nome de
“Verdão”. Em verbete do dicionário Houaiss (2004), elaborado por Solange Aparecida
Zotti, as visões de currículo, permeadas pela perspectiva tradicional, “pautam-se em
uma visão redentora frente à relação educação e sociedade, com respostas diferenciadas
na forma, mas defendendo e articulando um mesmo objetivo – adaptar a escola e o
currículo à ordem capitalista, com base nos princípios de ordem, racionalidade e
eficiência”. E, efetivamente, foram estas as questões centrais do currículo organizado no
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Estado de São Paulo, o “Verdão”, quais sejam: “os processos de seleção e organização
do conteúdo e das atividades, privilegiando um planejamento rigoroso”.
Já as Teorias Críticas do Currículo, como salienta Silva (1999), “efetuaram uma
completa inversão nos fundamentos da teoria tradicional” (p.29). Refere-se,
especialmente, aos trabalhos de Althusser a Bourdieu e Passeron, passando por Gramsci
e pela Escola de Frankfurt. Contudo, cita Michael Apple como o autor que, “colocando
o currículo no centro das teorias educacionais críticas e relacionando-o às estruturas
mais amplas”, contribuiu efetivamente para uma análise crítica do currículo, contribuiu
para “politizar o currículo” (apud SILVA, 1999, p.48).
As Teorias Pós-Críticas, segundo Tomás Tadeu Silva (1999), não se resumem a
uma única vertente ou teoria social; elas criticam conceitos e discursos da modernidade,
como, por exemplo, a razão, a ciência e progresso. Para esse autor:
As implicações curriculares desse movimento estão na desconfiança de uma pedagogia e de um currículo fundamentados no pensamento moderno, isto é, que se caracterizem por: a) saber totalizante; b) razão iluminista; c) progresso cumulativo; d) axiomas inquestionáveis; e) sujeito racional, livre e autônomo (SILVA, 1999, p118).
Ao contrário, para o autor, a teoria chamada “pós-crítica” questionaria os
significados transcendentais ligados à religião, à política, à pátria, à ciência etc., que
povoam o currículo existente (p.120), evidenciando características do currículo que, na
direção das teorias pós-críticas, relacionam-se com questões de saber, de poder e de
identidade.
Na perspectiva aqui discutida, é possível dizer, com Tomás Tadeu Silva que: o
currículo não é pensado como uma ‘coisa’, como um programa ou curso de estudos. Ele
é considerado como um ambiente simbólico, material e humano que é constantemente
reconstruído – envolve aspectos técnicos, estéticos, éticos e políticos – respondendo
tanto ao nível individual/pessoal como social. Ou seja, envolve compromissos
relacionados: ao discurso político e ideológico; às políticas de Estado; ao conhecimento
que é ensinado nas escolas; às atividades diárias de professores e estudantes nas salas de
aula e de como entendemos tudo isso. Nesse sentido, não são compromissos que se dão
entre ou, no meio de iguais... O currículo não é alguma coisa que se traduz num
movimento estático, e sim dinâmico: a vida é dinâmica, a vida da escola é dinâmica.
Então, pensar no currículo da escola significa pensar um currículo que se reorganiza
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cotidianamente, que se faz e refaz, que se reconstrói a cada dia, a cada momento,
considerando o conjunto de educadores que se apropriam dele.
Toda a discussão do currículo é, na verdade, uma discussão política, uma
discussão que envolve relações de poder. Por exemplo: Quais são as disciplinas
priorizadas no currículo? Quais são os espaços que cada componente curricular tem
dentro do currículo? Discutir currículo significa construir uma discussão considerando
tais relações de poder e que representam os modos pelos quais os grupos dominantes
tentam criar situações em que os compromissos que são estabelecidos, os favorecem. O
currículo não pode ser pensado como uma coisa, como um programa ou curso de
estudos. O currículo é considerado um ambiente simbólico, ou seja, um lugar de
relações materiais e humanas que é constantemente reconstruído.
Esta frase é uma frase síntese, com base no pensamento de Tomás Tadeu Silva
(1999), nessa perspectiva de que o currículo é constantemente reconstruído,
considerando os processos reais e as diversas instâncias em que ele se organiza. Envolve
aspectos técnicos, estéticos, éticos e políticos e responde tanto ao nível individual/
pessoal, como social. Assim, ao pensar no currículo, ainda que se possa enfatizar a
questão política, as relações de poder, a discussão envolverá também questões estéticas,
éticas: quando pensamos no currículo, pensamos em todas as relações.
E temos diferentes níveis de compromisso: do discurso político ideológico, das
políticas do Estado, do conhecimento que é ensinado nas escolas, das atividades diárias
de professores e estudantes, e de como entendemos tudo isso. Ou seja, há vários níveis,
o currículo não é alguma coisa estática que é construído em um determinado lugar de
poder e depois se expressa da mesma maneira em todas as instâncias e relações. Ao
contrário, o currículo é constantemente revisitado, reorganizado, recriado, considerando
as condições objetivas de trabalho e de vida, que se expressam diferentemente, nas
relações com as pessoas, nas relações que ocorrem no cotidiano das escolas.
E estes não são compromissos que ocorrem entre ou no meio de iguais. Por isso,
discutir currículo é sempre um processo tenso, porque envolve muitas relações. Os
alunos, os pais, os professores, o diretor, os supervisores, os técnicos e dirigentes do
sistema de ensino, enfim... Somos todos responsáveis pelo currículo.
Os Guias Curriculares – o chamado “Verdão”
A opção por desenvolver uma abordagem, que evidenciasse diferentes
momentos de construção curricular na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo,
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foi uma opção importante. Selecionei ideias de três autores que discutem currículo e, a
partir de uma apresentação preliminar, procuro fazer uma incursão nos vários momentos
de construção, de reconstrução, de imposição de propostas curriculares, pela Secretaria
de Estado da Educação de São Paulo.
Uma primeira ideia para se pensar no currículo da escola: a busca por melhor
compreender como tornar a escola um rico espaço de ensino e aprendizagem, visando a
atingir o sonho comum de uma escola de qualidade. Esta é uma premissa básica:
construir uma escola de qualidade; e o currículo pode ajudar nisso.
A segunda ideia: “o currículo é uma tradição inventada”. Ele nos leva a refletir
sobre o currículo entendido como um complexo e poderoso artefato educacional
organizador das formações. Falar do currículo da escola é falar de alguns princípios,
algumas ideias, alguns movimentos que constituem o currículo “que está escrito”. E
qual será o currículo vivido, aquele que é organizado e construído na escola, no
contexto da escola?
A terceira ideia importante relaciona-se com a necessidade de considerar que
qualquer ato social deveria ser julgado tendo, como referência, a probabilidade de
produzir equidade, compartilhamento, dignidade pessoal, segurança, liberdade e
compaixão – essas são responsabilidades do currículo.
Começando pelo chamado “Verdão”, construído em plena ditadura militar, anos
1970... Os guias curriculares, em vigor nos anos 1970, serviam de norteadores para
elaboração dos planejamentos escolares. O eixo dessa proposta curricular eram os
conteúdos que deveriam ser trabalhados em cada matéria. Toda a construção do
“Verdão” esteve relacionada aos conteúdos curriculares. A CENP – Coordenadoria de
Estudos e Normas Pedagógicas, a partir desse documento organizou os chamados
“Subsídios Curriculares”, documentos que discutiam, passo a passo, o desenvolvimento
dos conteúdos diários. E os professores tinham ali uma sequência dos conteúdos e de
como desenvolver o seu trabalho, no dia a dia.
Nesse sentido, a programação dos Guias Curriculares proporcionava pouco
espaço de criação de novas propostas de ensino, aos professores. O processo era
absolutamente dirigido. Os documentos tinham o título de “Subsídios curriculares
para...”. A maioria dos livros didáticos utilizados na rede publica espelhava os
conteúdos do Guia, o que não é uma novidade, porque ainda hoje as coisas acontecem
assim. Geralmente os livros didáticos, organizados pelas diferentes editoras, traduzem
um pouco as propostas curriculares. Naquela época, mais do que nunca, os livros
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seguiam exatamente as orientações que estavam sinalizadas nos chamados guias
curriculares – o Verdão, talvez um nome utilizado menos pela capa, que realmente era
verde, do que pelo fato de estarmos vivendo em pleno regime militar. O fato é que os
Guias foram organizados durante o período militar.
Assim, quando se pensou e se organizou uma discussão a respeito desses Guias
Curriculares, no âmbito estadual, sobre a inadequação dos guias curriculares em uma
sociedade em vias de se redemocratizar, tal perspectiva significou ampliar as discussões
sobre a importância dos conteúdos programáticos, sobre os métodos de ensino, sobre as
teorias educacionais que subsidiavam o trabalho docente, para a rede pública de ensino
paulista. Nessa direção, expressava a crítica ao período autoritário e à centralização de
poderes no Estado e suas instituições. Então, realmente foi uma discussão muito boa
naquele momento histórico, de redefinição das propostas curriculares e todo esse
movimento se organizou numa perspectiva de construção de novas propostas
curriculares que pudessem considerar o conjunto de conhecimentos que foram sendo
acumulados num novo momento político, num novo momento social.
Os anos 1980 marcam efetivamente um movimento importante na vida social e
política brasileira, um movimento que também se traduziu no próprio processo de
construção curricular, organizando-se numa perspectiva efetivamente democrática. Isto
porque a nova proposta curricular, organizada pela CENP, foi construída com a
coordenação de suas equipes técnicas. Mas também contou com a colaboração de
professores de Universidades, os especialistas, e as propostas foram discutidas com o
conjunto de professores da rede.
Na educação as palavras de ordem eram as de concretizar a redemocratização do
ensino, defendendo-se uma educação pública, estatal e com qualidade. Tais princípios
nortearam o movimento de reconstrução das chamadas propostas curriculares. Ou seja,
o Estado como instituição política deveria ser a um só tempo sujeito e objeto de
mudanças. Para profissionais ligados à educação, o Estado, como instituição política,
deveria ser a um só tempo sujeito e objeto de mudanças.
Mais do que isso, as mudanças previam que o Estado, as instituições públicas, os
órgãos ligados a ele incorporassem ideais de democracia. Vivia-se um momento de
revalorização da ação social e da participação política. Essas ideias são importantes,
evidenciando que aquele foi, realmente, um momento muito importante na educação
paulista: primeiro, porque se constituiu como um momento de discussão – rompeu-se o
silêncio. Então, pensar nos anos 1980 significa pensar nesse movimento. E foi uma
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discussão forte, inclusive de luta política no interior das várias áreas do currículo. O
grupo de História, por exemplo, desenvolveu uma discussão tensa, mas muito
importante. Era uma luta por ideias, uma luta por uma reconstrução do pensamento
curricular e que pautaria toda a educação do Estado de São Paulo.
Como já salientado, a reforma curricular dos anos 1980 em São Paulo insere-se
nesse contexto de discussão, de luta política. Mais do que reorganizar a lista dos
conteúdos, ocorreu uma ruptura conceitual – se, nos anos 1970, a ênfase estava nos
conteúdos, em 1980, rompeu-se essa relação, e não foi uma ruptura simples, foi uma
ruptura discutida, pensada.
É preciso valorizar muito a construção que se fez, talvez na medida em que o
currículo que se faz escrito, e se organiza em documentos, parece não ter a mesma força
e ousadia de quando o currículo está sendo construído. Então, talvez a minha lembrança
seja muito mais do movimento de construção curricular, das lutas políticas que se
instauraram no interior do estado de São Paulo, nas diversas disciplinas do currículo. É
preciso, particularmente, chamar a atenção para o componente curricular “História”. Foi
um movimento em que, de um lado, os jornais defendiam a história factual; as
discussões, no interior das universidades, defendiam as propostas desenvolvidas pela
equipe da CENP. Então, foi um movimento político de retomada e de colocação de
posições bastante claras em relação ao que se pensava a respeito das diferentes
disciplinas escolares, do que se pensava a respeito do currículo, do que se pensava na
perspectiva de uma escola efetivamente de qualidade.
Mais do que reorganizar as listas dos conteúdos a serem desenvolvidos por
professores, no seu dia-a-dia de trabalho, pretendia-se, com a reorganização dos
currículos, a construção de uma nova escola assentada em um novo projeto político-
educacional. Foi esse o eixo central. Em São Paulo, a construção de novas propostas
curriculares para a rede pública de ensino, nos anos 1980, esteve sob o comando da
CENP, como órgão responsável por definir parte das políticas públicas educacionais
para esse Estado.
Se os Guias Curriculares, no período da ditadura, acabaram conhecidos pelo
apelido de “Verdão”, a reforma curricular dos anos 1980 foi identificada como a
Proposta Curricular da CENP. Na verdade, tal denominação não faz jus ao processo de
construção curricular que efetivamente aconteceu, porque não foi uma proposta da
CENP. Foi uma proposta construída no contexto de uma discussão política, com um
conjunto de educadores do Estado de São Paulo. A elaboração das Propostas
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Curriculares contou com suas equipes técnicas, decisão importante, com a assessoria de
especialistas das diferentes áreas de conhecimento, ligados às universidades. Outro
aspecto importante a ser considerado: após esse trabalho inicial, em versões
preliminares, as propostas foram tornadas publicas e discutidas com representantes dos
docentes da rede de ensino.
Foi uma mobilização forte, ocorreu nas diferentes Divisões Regionais de Ensino,
num processo de discussão curricular. Foi um movimento político, mas um movimento
político enraizado numa discussão conceitual e numa perspectiva do resgate da
qualidade do ensino paulista.
Foram construídas entre os anos 1986 e 1988, propostas curriculares para o
então chamado Ensino de Primeiro Grau nas disciplinas de Matemática, Língua
Portuguesa, Ciências, e Estudos Sociais, que, ao longo de muitas discussões de
historiadores e geógrafos, foi novamente reorganizada nas disciplinas de História e
Geografia. E as propostas curriculares foram apresentadas em forma de fascículos,
sendo um para cada conteúdo do núcleo comum, propostas que incorporaram os
princípios das teorias críticas do currículo (PALMA FILHO, 1989), explicitando
valores políticos e sociais, declarando o compromisso com as classes populares,
favorecendo a apropriação do saber sistematizado e a qualidade do ensino público.
Nessa perspectiva, ficam evidenciadas as relações de poder que se expressam no
movimento de construção curricular. As disciplinas de História e Geografia se
constituíram como disciplinas do currículo, e não mais como Estudos Sociais, a partir
desse importante movimento que aconteceu naquele período. E também ocorreu uma
relação muito interessante com a imprensa.
O que mudou?
Apresento um paralelo entre as duas versões curriculares discutidas,
considerando a componente curricular Língua Portuguesa, e que pode ajudar a compor o
cenário da mudança conceitual e política que ocorreu, considerando os movimentos
curriculares. Qual era a visão de linguagem na proposta curricular de 1973? E, com isso,
eu quero chamar atenção para justamente uma ideia que é matriz de toda a organização
curricular, ou seja, que toda organização do currículo evidencia relações de poder.
Objetivos e atividades mapeados em função das habilidades: falar/ouvir; ler/escrever.
Guia Curricular 1973 Proposta Curricular 1986
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Visão de linguagem em sua dimensão
comunicativa.
Visão de linguagem nas funções: Ideacional – papel da linguagem como
organizadora da experiência do sujeito. Interpessoal – Na função de estabelecer e permitir
manter relações sociais. Textual – No papel de possibilitar o
estabelecimento de vínculos com a própria linguagem e com as características da situação em que é usada.
Unidade básica de trabalho: o Período
Objetivos e atividades mapeados em função das
habilidades: falar/ouvir; ler/escrever.
Unidade básica de trabalho: O Texto – mediante o qual a língua realiza as suas funções, num contexto histórico-social Texto: toda trecho falado ou escrito, que constitui um todo unificado e coerente dentro de uma situação discursiva. O texto falado ou escrito é um trabalho de linguagem que envolve não somente quem o produz, mas também quem o interpreta. Falar uma língua Trabalhar com a língua Falar sobre a língua.
Guia Curricular – 1973 Ênfase nas experiências do aluno e sua linguagem como
ponto de partida para o ensino da Língua
Proposta Curricular – 1986 Apontar não só o respeito ao dialeto do aluno, mas também a conscientização do valor expressivo desse dialeto, a necessidade de adequar a esse e outros dialetos, à situação de uso e à necessidade de dominar a modalidade culta e formal, não somente porque será socialmente avaliada por isso, mas porque através da modalidade culta, terá acesso à tradição cultural escrita.
Problematizando: em 1973, os Guias Curriculares traziam uma visão de
linguagem em sua dimensão comunicativa; já a proposta de 1986 considerava a
linguagem nas suas funções ideacional, interpessoal e textual. Ou seja, o currículo
expressa, em diferentes momentos, uma determinada concepção de educação, de Língua
Portuguesa e do próprio movimento de pesquisa que ocorre nas universidades e que vai
organizando o conhecimento acumulado a respeito de uma determinada área.
Então, a organização da proposta curricular de Língua Portuguesa, por exemplo,
teve uma relação forte com pesquisadores que se apoiavam numa determinada
concepção de linguagem. O mesmo aconteceu em relação às outras propostas, cada uma
das propostas trazia no seu bojo a concepção mais utilizada em cada um dos
componentes, nas suas diferentes áreas.
Com o exemplo, é possível dizer como o currículo é importante, porque altera,
ou pode alterar, uma determinada concepção sobre a linguagem, o que não significa
alterá-la na prática. E essa é outra discussão, ou seja, questiona-se sobre como é que o
currículo traduz uma concepção de linguagem, na relação com a prática, nas diferentes
instâncias em que se expressa. Ou seja: falar uma língua, trabalhar com a língua, falar
sobre a língua. São os vários movimentos implicados quando se pensa na discussão da
proposta curricular de língua portuguesa. E o currículo de 1973 põe ênfase nas
experiências dos alunos e suas linguagens, como ponto de partida para o ensino da
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língua. Em 1986, muda-se a relação. A proposta evidencia não só o respeito ao dialeto
do aluno, pois como educador, é preciso considerar um trabalho educacional, um
trabalho que significa mudar esta relação, mas também a conscientização do valor
expressivo do dialeto, a necessidade de adequar esse e outros dialetos à situação de uso
social e à necessidade de dominar a modalidade culta e a informal.
Isto, não somente porque o sujeito será socialmente avaliado nesse contexto,
mas porque, por meio da modalidade culta, terá acesso à tradição cultural em si. Então
se evidencia outro modo de pensar o ensino de língua portuguesa dentro do currículo do
Ensino Fundamental. E estamos falando em proposta curricular. Proposta, o próprio
nome já diz. Outra coisa é o currículo mesmo, o que ocorre no cotidiano da escola.
Então, qual é o currículo real das escolas? O livro texto? Este é um acordo hegemônico?
Considerando diferentes formas de entender as relações entre criança e a
linguagem, evidenciam-se possibilidades de resultados contraditórios. A própria
natureza dos textos e seus significados abertos e contraditórios, suas possíveis leituras e
interpretações não é garantia que o resultado seja conhecimento hegemônico. Discutir o
processo de construção da proposta curricular é tão importante quanto avaliar seus
desdobramentos no cotidiano da sala de aula. Esta é uma das questões fundantes, e que
evidencia muito bem a importância de se pensar na reformulação, ou não, de propostas
curriculares, e o que significa tal ênfase.
“São Paulo faz escola” é a proposta atual da Secretaria de Estado da Educação
de São Paulo. E precisamos pensar que, baseando-nos nos resultados do ENEM, a
melhor classificação de uma escola estadual na cidade de São Paulo está no 355º lugar,
no conjunto das 976 escolas avaliadas. 75% das escolas estaduais estão atrás dos
resultados, isso em 2007, da pior escola particular da cidade.
Então o que ocorre? Houve, efetivamente, uma mudança no processo de
organização curricular, com uma nova proposta curricular do segundo ciclo do Ensino
Fundamental, ou seja, da segunda série em diante, e também para o Ensino Médio –
uma proposta baseada em dois princípios estruturantes, ou seja: no desenvolvimento de
ferramentas de controle e na padronização do trabalho pedagógico, material impresso
comum, caderno do professor, para orientar o trabalho do professor.
E o que podemos observar? A ênfase na uniformidade no desenvolvimento do
trabalho pedagógico: cadernos com os conteúdos para cada bimestre, previstos para
serem desenvolvidos pelos professores ao mesmo tempo, e as avaliações ao final de
cada bimestre que acontecem de forma quase simultânea em todas as escolas do Estado.
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Considerações finais
Temos, então, concepções de currículo e que nos remete a questões
estruturantes, que se organizam, considerando tais concepções, e questionando quanto
aos resultados:
Primeiro: o estabelecimento de um currículo mínimo que, já sabemos, se
transforma, rapidamente, em um currículo máximo. Segundo: a limitação significativa
da autonomia do professor e das escolas, porque a proposta se traduz quase como um
livro texto. E terceiro, o eterno recomeço, que ocorre nas políticas públicas de forma
geral e nas políticas públicas da educação, em especial, a cada início de governo.
Evidentemente, lidar com uma rede de ensino do tamanho da rede do Estado de
São Paulo não é um processo muito simples, considerando toda a problemática aqui
parcialmente apresentada, discutida, seus caminhos e descaminhos. E é preciso entender
esse movimento, entender as relações com a escola, com o saber na escola, com o saber
da escola. E é preciso entender a complexidade da escola, pensando em propostas,
pensando algumas questões do currículo, pensando nas relações de poder que ocorrem
na escola e fora dela, pensando no aprender do aluno, no ensinar do professor, pensando
nos sentidos e significados de mudanças curriculares.
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