a casa algarvia do século xx - uma interpretação iconológica e tipológica
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DissertaçãoTRANSCRIPT
Universidade Lusíada do Porto
A casa algarvia no século XX
Uma interpretação iconológica e tipológica
Carlos Eduardo Vieira Franco
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre
Orientação: Prof.ª Doutora Suzana Faro
Co-orientação: Prof. Arq. João Rapagão
Porto, 2011
Agradecimentos
Agradeço, em primeiro lugar, à minha família mais próxima (Mãe e Irmã) por
todo o apoio e compreensão durante esta etapa difícil onde, de uma forma ou de outra,
representaram uma base moral sólida, necessária durante todo o processo. Aos res-
tantes familiares, pela partilha de conhecimentos, valores e conselhos que ajudaram
no desenvolvimento do tema.
A todos os amigos e colegas pelo incentivo ao longo destes anos e pelas tertú-
lias realizadas, sobre o tema, durante todo o processo. Ao Darryl e à Margarida que
foram, sem dúvida, muito importantes, estabelecendo críticas construtivas que aju-
daram a clarificar certos aspectos do tema escolhido. À Cláudia, ao Hugo e à Susana,
sobretudo, pelo apoio na fase final deste processo.
Gostaria também de agradecer ao Arq. Marc Koehler e à Arq.ª Célia Amado que,
para além de me terem proporcionado uma experiência de trabalho durante o pro-
cesso, representando uma oportunidade ímpar de crescimento profissional e pessoal,
aconcelharam e forneceram material bibliogáfico que contribuiu de forma decisiva para
a elaboração desta dissertação.
Um agradecimento muito especial aos meus orientadores, Prof.ª Doutora Su-
zana Faro e Prof. Arq. João Paulo Rapagão que acompanharam todo o processo desde
a sua fase inicial e souberam dar toda a atenção, cuidado e rigor na orientação desta
dissertação, com a paciência necessária para me corrigirem vezes sem conta, contri-
buindo para a sua finalização consistente e coerente.
III
Índice
1. Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais que contribuíram para o
desenvolvimento das primeiras casas na região.................................................17
1.1. Lugar, contexto geográfico e condicionantes naturais ................................211.2. História e cultura, os povos ancestrais e as suas habitações .......................27
2. A criação vernacular e popular ....................................................................43
2.1. O povo algarvio e a sua identidade vernacular ........................................47
2.2. Caracterização geral da casa popular algarvia do século XIX .......................53
2.2.1. Caso de estudo - casa popular urbana ..........................................612.2.2. Caso de estudo - casa popular rural .............................................71
3. A transformação disciplinar do século XX ......................................................81
3.1. A industrialização, o modernismo e a identidade nacional do Estado Novo
no Algarve..............................................................................................853.1.1. Caracterização geral da casa algarvia na primeira metade do século XX ...97
3.1.2. Caso de estudo - Casa em Alporchinhos ........................................105
3.2. O turismo e o pós-modernismo na região - contaminação da nova casa
algarvia ..............................................................................................115
3.2.1. Caracterização geral da casa algarvia na segunda metade do século XX ..1213.2.2. Caso de estudo - Casa na Quinta do Lago ....................................129
4. Permanências na identidade da tipologia local, transmitidas entre a casa popular
do século XIX e a casa “popular” do século XX............................................139
4.1. Comparação tipológica e iconológica dos casos estudados .......................143
Conclusão.................................................................................................155
Bibliografia online.......................................................................................166
Créditos gráficos.........................................................................................167
Introdução..................................................................................................09
Resumo e palavras chave..............................................................................VII
4.2. A casa algarvia durante a primeira década do século XXI......................149
Bibliografia.............................................................................................163
Abstact and key words.................................................................................VIII
A casa algarvia do século xxUma interpretação iconológica e tipológica
VII
Resumo
Esta dissertação pretende analisar o processo evolutivo da casa algarvia como
objecto arquitectónico nas vertentes iconológica e tipológica, desde a arquitectura
vernacular do século XIX, tendo em conta o seu contexto natural e o seu passado his-
tórico e cultural, até ao final do século XX. A casa algarvia vernacular corresponde a
um modelo arquitectónico com raízes numa cultura e identidade mediterrânica. Desde
os materiais utilizados na sua construção até à sua configuração tipológica, o que a
diferencia de outros modelos mediterrânicos é o carácter iconológico que nos propor-
ciona uma imagem específica. Este factor, em particular, caracteriza a casa algarvia, e
serve como referência para dar seguimento ao estudo tipológico e iconológico que se
pretende.
Durante o século XX, a casa algarvia sofre alterações tipológicas devido a facto-
res de carácter histórico, político, cultural e social. Contudo, apesar destas transforma-
ções serem notórias, continuam a reproduzir-se modelos com referências iconológicas
historicistas que tentam estabelecer uma ligação com o passado popular vernacu-
lar utilizando, na maioria dos casos, apenas, ícones regionais para a sua integração
identitária na região. Deste modo, procura averiguar-se se o modelo reproduzido se
apresenta como a evolução lógica da casa algarvia, ou se se trata de uma evolução
coerente ou consequente, do tempo e dos factores que atravessam o século XX e pro-
jectam o século XXI.
Consequentemente, torna-se pertinente analisar a evolução dos dois últimos
séculos, compreendendo de que modo a relação de identidade é estabelecida entre o
modelo habitacional do final do século XX e o modelo popular do século XIX. Uma vez
caracterizadas as transformações ocorridas, as conclusões contribuirão para uma re-
flexão acerca do futuro modelo da casa no Algarve para o século XXI.
Palavras chave: Algarve, Arquitectura, Casa, Iconologia, Tipologia
A casa algarvia do século xxUma interpretação iconológica e tipológica
Abstract
This dissertation aims to analyse the algarvean house as an architectural ob-
ject, in its iconological and typological slope, during its evolutionary process since the
vernacular nineteenth century architecture, having in mind its natural context and its
historical and cultural past, untill the end of the twentieth century. The vernacular Al-
garve house is an architectural model, which finds its roots in a mediterranean culture
and identity. In what concerns the building materials and the typological configuration,
what distinguishes the algarvean house from the others is its iconic nature, that gives
us a specific image. This factor, in particular, characterizes the algarvean house, and
serves as reference to follow up its typological and iconic evolution study.
During the twentieth century, the algarvean house suffers typological altera-
tions due to historical, political, cultural and social factors. However, despite the fact of
these alterations being evident, they still reproduce themselves in historicist iconic re-
ferences, trying to establish a connection with the vernacular popular past just using,
in most part of the cases, regional icons for its identitary integration in the region.
Thus, this study looks forward to know if the model presents itself as a logical evolu-
tion of the house in the Algarve, or if it reflects the consequences, time and factors that
go trougth the twentieth century and project themselfs on the XXI century.
It is relevant to analyse this evolution throughout the century. The goal is to
understand how the relation of identity is established, between the habitational model
of the late twentieth century and the popular model of the late nineteenth century. The
occurred transformations must be, therefore, chacterized, in an attempt of achieving a
conclusion which allows a reflection on the future model of the XXI century Algarvean
house.
Key words: Algarve, Architecture, House, Iconology, Typology
VIII
Introdução
A casa algarvia do século xxUma interpretação iconológica e tipológica
9
A casa popular algarvia apresenta-se como um modelo arquitectónico muito
específico, tanto pela sua materialidade e espacialidade, como pelo seu carácter sim-
bólico e iconológico. Por tudo isso, já foi alvo de vários estudos demonstrativos da sua
unicidade e de todo um conjunto de factores que a tornam um modelo habitacional
particular no panorama arquitectónico do nosso país. Estas características únicas, fru-
to de aculturações e consequentes alterações ao longo dos anos, contribuem para a
transformação da casa algarvia e da sua essência durante o século XX, sem que exista
uma percepção consciente, por parte dos populares, desta modificação descaracteri-
zadora. Torna-se, portanto, pertinente identificar e analisar os factos que contribuíram
para esta mudança e, ao mesmo tempo, demonstrá-los apresentando exemplos da sua
evolução arquitectónica, coerentes com o seu passado popular e com o tempo em que
são construídos.
Define-se, então, como objectivo desta dissertação, o estudo das modificações
mais significativas ocorridas na casa do Algarve desde o modelo vernacular popular até
ao modelo desenvolvido durante o século XX, caracterizando-as tanto a nível tipológi-
co como iconológico. Este estudo aborda essencialmente duas questões: a primeira,
prende-se com a evolução e transformação tipológica ocorrida no Algarve durante o
final do século XIX e todo o século XX, e a segunda relaciona-se com a propagação da
imagem iconológica da casa popular nos modelos actuais. Pretende-se, com isto, uma
reflexão acerca da possível descontextualização sociocultural da mesma, em relação
à região e ao seu passado vernacular, e acerca do modo como essa imagem popular
poderá influenciar a construção de novas tipologias.
Iconologicamente, a casa algarvia distingue-se pelo uso de alguns elementos
simbólicos que fazem desta habitação uma excepção. A utilização desses ícones é uma
característica do modelo popular, no entanto, existe na região algarvia uma diferença
iconológica nas casas actuais, vista por todos como parte da sua identidade local. A
imagem que as tipologias nos transmitem, hoje, apenas é traduzida pela utilização de
alguns elementos simbólicos populares regionais, fruto de interpretações variadas.
Introdução 11
Contudo, a utilização destes elementos simbólicos pode não ser suficiente para tornar
a tipologia coerente com o seu meio envolvente, nomeadamente com o seu passado
cultural, bem como com o seu antepassado popular vernacular, o qual serve como re-
ferência na construção do novo modelo.
O modelo tipológico actual desenvolve-se na segunda metade do século XX e
prolonga-se para o século XXI, sendo a industrialização dos sistemas construtivos e
o turismo duas das causas mais significativos para a sua reprodução e propagação.
Em conjunto, estes dois factores afectam directamente o desenvolvimento da casa
algarvia na região, levando ao aparecimento de um novo modelo de habitação que
tenta responder às necessidades e aos desejos pretendidos. A casa de férias surge no
contexto algarvio como resultado destas necessidades e desejos. Este modelo torna-
se uma referência que acaba por influenciar as casas da população residente. Deste
modo, existe uma transformação na tipologia tradicional algarvia que pode alterar
completamente a essência da sua natureza, levando à descontextualização dos mode-
los que se projectem no futuro, com base nesta nova interpretação.
Para o estudo do tema proposto, a dissertação foi dividida em quatro capítulos
distintos que se desencadeiam segundo uma ordem que se considera útil à investiga-
ção. Pretende-se, com isto, a caracterização geográfica e natural, e a contextualização
histórica da região do Algarve até aos finais do século XIX, onde é analisada a casa
vernacular popular algarvia. Posteriormente, é feito um estudo sobre a transforma-
ção disciplinar do século XX, para demonstrar as alterações ocorridas na tipologia em
estudo durante essa época. Estas abordagens culminam com uma reflexão sobre os
modelos analisados, de forma a, através das comparações estabelecidas, conseguir
determinar as características essenciais da casa algarvia, bem como as alteradas,
inserindo-as sempre num contexto nacional e regional. Estas características são deter-
minantes para estabelecer uma relação entre o modelo iconológico e tipológico verna-
cular algarvio e fixar a repercussão da sua interpretação nos modelos actuais.
Introdução12
Assim, no primeiro capítulo, é feita uma abordagem sobre o Algarve, de forma a
conseguir conhecê-lo enquanto lugar, de um modo abrangente, vincando determinados
factores que mostram a sua particularidade enquanto região. Desta maneira, começa-
se por caracterizar e contextualizar a região algarvia sob o ponto de vista geográfico,
observando as suas características climatéricas e morfológicas, condicionantes para a
implantação das primeiras povoações e para as primeiras construções. Posteriormente,
recorre-se a uma breve descrição histórica, civilizacional e cultural, onde são retrata-
dos os povos que viveram na região, assim como as alterações tipológicas e iconológi-
cas que introduziram na casa no Algarve durante a sua ocupação.
No segundo capítulo, faz-se uma abordagem sobre a identidade do povo algar-
vio no final do século XIX, de forma a entender como é que esta se manifesta na socie-
dade local, e qual a sua repercussão nos modelos habitacionais regionais. De seguida,
analisam-se diversos exemplos da aquitectura popular existentes e caracterizadores
da região, de forma a entender quais os traços gerais que definem o modelo tipológico
e iconológico vernacular algarvio. Para concluir este capítulo, são referidos e estuda-
dos dois casos específicos que pretendem demonstrar as semelhanças ou diferenças
entre uma casa rural e uma casa urbana no Algarve. Esta comparação é imprescindível
para uma visão alargada dos modelos em estudo, dado que define um retrato fiel do
modelo da casa algarvia dos finais do século XIX, com os seus valores iconológicos e
tipológicos.
O terceiro capítulo aborda o século XX em quatro temas, demonstrando os fac-
tores catalisadores da alteração no modelo da casa algarvia. Nos dois primeiros, cor-
respondentes à primeira metade do século, são abordados os avanços tecnológicos na
construção e a propagação de um estilo nacionalista promovido, em grande parte, pelo
Estado Novo. No seguimento do estudo destes temas, é analisada uma tipologia que
corresponde a um modelo exemplar, onde se registam algumas das alterações mais
evidentes na casa no Algarve dos meados do século XX. O terceiro e quarto temas,
abordam a segunda metade deste século, onde se regista o despoletar do fenómeno do
Introdução 13
turismo na região e o desenvolvimento da sociedade de consumo pós-moderna, onde a
imagem é valorizada. Nesta realidade, a interpretação dos valores e elementos icono-
lógicos e a transformação da organização e composição tipológica, torna-se corrente.
Estes factores são preponderantes na contaminação e alteração do modelo arquitectó-
nico no Algarve e, por isso, aqui referenciados e explicados. Como caso específico, é
caracterizado, também, um modelo exemplar da década de 80 do século XX, uma vez
que encerra os princípios que permitem a compreensão destas alterações tipológicas
e iconológicas.
O quarto e último capítulo consiste numa síntese, comparação e reflexão sobre
os casos apresentados e estudados nos capítulos anteriores, e na apresentação de
alguns modelos que se propagam no início do século XXI. Pretende-se cruzar e com-
parar as informações recolhidas nesses exemplos, demonstrando as relações mais ou
menos perceptíveis que ajudam a apreender e estabelecer o que mudou, evoluiu ou
transformou na casa algarvia durante o último século, e demonstrar quais os valores
que subsitem actualmente. Com isto, devem retirar-se as ilações essenciais sobre as
possíveis relações estabelecidas, bem como as influências entre os modelos vernacu-
lares populares do século XIX e as novas formas da actualidade.
A conclusão deve revelar se existe, ou não, uma descontextualização cultural da
casa algarvia no final do século XX, e se as transformações tipológicas e as apropria-
ções iconológicas ocorridas se baseiam apenas na imagem vernacular ou se reflectem
uma evolução coerente e lógica, marcando determinantemente a identidade deste
novo modelo. Essas conclusões devem permitir uma reflexão mais aprofundada sobre
a possível evolução do modelo de casa algarvia para o século XXI.
São poucos os autores e as obras que abordam especificamente este tema, no
entanto, podem enquadrar-se neste conjunto alguns nomes que foram importantes
para o estudo e a caracterização da casa algarvia, desde as suas origens. Por exem-
plo, o arqueólogo Estácio Veiga, impulsionador e responsável por grande parte dos
Introdução14
levantamentos e achados arqueológicos na região, os arquitectos Artur Pires Martins,
Celestino de Castro e Fernando Torres, responsáveis pelo estudo e caracterização da
arquitectura popular na zona do Algarve durante o estudo sobre a Arquitectura Popular
em Portugal, bem como o arquitecto Manuel Fernandes, responsável por grande parte
das publicações actuais sobre a casa e arquitectura no Algarve.
Contudo, a questão que esta dissertação distingue ainda não foi muito aprofun-
dada. A maior parte dos estudos e análises existentes dedica-se à composição, mate-
rialização e caracterização da casa popular algarvia, sem nunca comparar essas infor-
mações com o desenvolvimento do modelo habitacional durante o século XX. Assim,
o cruzamento destas informações torna o presente estudo um contributo para uma
melhor compreensão acerca da evolução da casa no Algarve, tendo em conta todas as
suas problemáticas.
Para a investigação em estudo foram utilizados diferentes recursos, procurando
a sua adequação ao tema, bem como a abrangência e diversidade na análise. Juntos
e interligados, ajudam a desenvolver uma caracterização que parte da abordagem ge-
ral da região para os diferentes casos particulares estudados. Para tal, utilizaram-se
levantamentos gráficos e fotográficos de modelos de interesse, assim como esquemas
que ajudam a compreender os casos investigados e as suas características tipológicas
e iconológicas. Foi analisada, igualmente, a escassa bibliografia existente dedicada ao
tema, os documentos e artigos que se encontram publicados e toda a bibliografia que
permitiu fazer a abordagem histórica e geográfica, bem como a crítica teórica alusiva
ao século XX. Ressalta-se, ainda, a experiência e vivência do local em estudo, a obser-
vação da sua evolução durante os últimos anos, os diálogos que foram estabelecidos
durante todo esse tempo com as pessoas locais e com alguns turistas, e a visita aos
modelos seleccionados e analisados.
Introdução 15
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais que contribuíram para o desenvolvimento das primeiras casas na região
1
17
“Um só distrito, Faro em capital e a província é mar, é serra, é barrocal. Deram-
lhe os Árabes nome: Al Garb, chamando-lhe assim o «país do lado que o Sol se põe».
(…) Partilha-se a província no sentido Norte-Sul em três regiões naturais onde gentes,
culturas, pedras e socalcos se distinguem” (Alves, 1989:5).
Neste primeiro capítulo pretende-se descrever a região algarvia, de modo a
perceber que lugar é este e em que contexto territorial e cultural se insere. Esta abor-
dagem consiste, em primeiro lugar, no estudo dos factores geográficos e climatéricos
presentes na região e, em segundo lugar, no estudo histórico, civilizacional e cultural
da mesma.
Os factores geográficos e climatéricos são fundamentais para perceber onde os
povos primitivos se estabeleceram e como eram feitas as suas edificações. Por norma,
as primeiras construções estavam directamente relacionadas com o meio envolvente,
ou seja, eram construídas com os materiais existentes no local e adequavam-se ao
clima predominante. Os factores históricos, civilizacionais e culturais proporcionam
uma caracterização específica do tipo de edifício que se pretende estudar, a casa, e
motivam a execução e propagação de modelos de habitação que definem a identidade
da região em estudo.
Contudo, o objectivo destes estudos não consiste numa análise exaustiva no
campo da geografia, nem numa explanação histórica da região, mas sim numa contex-
tualização que facilite o entendimento de uma simbiose de factores naturais e culturais
que promovem a construção de um modelo de habitação. Deste modo, são apenas
analisados os factores que influenciam directamente a construção das habitações an-
cestrais e o modo como estas se desenvolvem durante as ocupações territoriais feitas
pelos diferentes povos de que há registo. Caso não existam registos que permitam
uma análise correcta do modelo tipológico na região, recorre-se ao estudo das condi-
cionantes sociais e culturais, na tentativa de perceber como se poderiam desenvolver
as tipologias de habitação durante esse período de tempo.
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais 19
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
Fig.1 - Mapa da Europa mediterrânica e Norte de África, com o Algarve assinalado
Fig.2 - Relação entre o Algarve, o Atlântico e África
1
2
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Localizado na extremidade Sudoeste da Europa, o Algarve situa-se numa posi-
ção estratégica que privilegia a existência de características geográficas e climatéricas
específicas e, também, contribui para as relações culturais e comerciais com as civili-
zações próximas. Numa primeira análise, podem destacar-se alguns factos importan-
tes para a sua definição enquanto lugar, e de que modo estes factos influenciam as
primeiras construções de que há registo na região.
A configuração actual do Algarve, como se pode observar na fig.2, correspon-
de a uma forma rectangular, onde o Oceano Atlântico envolve toda a sua costa Sul e
Oeste, a Norte fica a actual região do Alentejo, e a Este a vizinha Espanha, separada
pelo Rio Guadiana. Apesar de nos tempos primitivos não existirem estas fronteiras ter-
ritoriais, pode depreender-se que é uma região que se relaciona directamente com o
mar, desde sempre. Partindo deste princípio, deduz-se que as primeiras povoações ali
fixadas, teriam procurado esta relação para se implantarem ao longo de toda a costa
e, a partir daí, começarem o seu desenvolvimento.
Esta simbiose entre a região e o mar favorece a utilização de recursos inerentes
ao mesmo por parte dos primeiros povos, tornando-se importante para o seu sustento
e, posteriormente, para o seu desenvolvimento cultural e comercial, servindo como
meio de ligação com outras civilizações. Ao observar a fig.2, entende-se que a localiza-
ção geográfica do Algarve privilegia um relacionamento directo com o Sul de Espanha
e consequentemente com o Mar Mediterrâneo e com o Norte de África, o que define
uma zona de acção fundamental para as relações culturais e comerciais futuras. Deste
modo, começa a traçar-se o caminho para o desenvolvimento cultural da região e para
a sua caracterização enquanto lugar.
Contudo, a localização geográfica do Algarve não proporciona, apenas, a rela-
ção directa com o mar ou com as povoações envolventes, também favorece determina-
das características geológicas e climatéricas que determinam a especificidade do lugar
e dos povos que o habitam.
Lugar, contexto geográfico e condicionantes naturais
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
1.1
21
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
Fig.3 - Mapa geológico do Algarve
Fig.4 - Foto aérea caracterizadora da serra algarvia
Fig.5 - Foto aérea caracterizadora do barrocal algarvio
Fig.6 - Foto aérea caracterizadora do litoral algarvio
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5
6
- Genozoico e Antropozoico
- Mesozoico
- Paleozoico
- Maciço Eruptivo de Monchique
22
Sinteticamente, e segundo o conceito de alguns autores, desde Silva Lopes
(1841) até Lautensach (1932-1937), pode dizer-se que o Algarve se subdivide em
três grandes faixas horizontais (Antunes, 1988: 124), a serra, o barrocal e o litoral,
às quais correspondem constituições de solo diferentes, caracterizadoras da paisagem
natural de cada zona, como se pode observar nas figs.4, 5 e 6. Analisando o mapa
geológico da fig.3, percebe-se que cada uma destas faixas está relacionada com um
período diferente, a serra com a era do Paleozóico, o barrocal com a era do Mesozóico
e o litoral com a era do Antropozóico que coincide com o aparecimento do Homem na
história da Terra1.
A constituição do solo destas diferentes zonas pode caracterizar-se da seguin-
te maneira: na serra, encontra-se o xisto, os doleritos e alguma rocha designada por
foiaíte como é o caso do maciço eruptivo de Monchique; no barrocal, encontram-se os
terrenos mais férteis para o cultivo, mas também os afloramentos calcários, os grés,
as margas, as argilas; no litoral, encontram-se os solos mais arenosos, mas também
os calcários e os argilosos (Antunes, 1988: 173). Estas diferentes constituições, para
além de caracterizarem geologicamente a região em estudo, servem de base às pri-
meiras construções. Os materiais utilizados são, maioritariamente, retirados do solo.
Tal como acontece com a constituição do solo, as condicionantes climatéricas
são, também elas, importantes para a definição do Algarve enquanto lugar. Em traços
gerais, os factores climáticos determinam e condicionam a habitabilidade de um lugar,
que, em situações extremas se torna praticamente inabitável. Neste caso, a sua lo-
calização geográfica proporciona excelentes condições de habitabilidade, que por sua
vez afectam directamente a habitação, trabalho, psicologia e modo de vida dos povos
locais (Antunes, 1988: 159).
1 Estas eras correspondem a grandes intervalos de tempo divididos em períodos que se subdividem em épocas e idades. Cada uma dessas subdivisões correspondem a algumas importantes alterações ocorridas na evolução da Terra. Ministério das Minas e Energia - Geografia geral [em linha] Eras Geológicas [consult. em 16 de Maio de 2011]. Disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/geografia/geogra-fia_geral/formacao_da_terra/eras_geologicas
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais 23
Fig.7 - Mapa da insolação em Portugal
Fig.8 - Mapa das temperaturas médias em Portugal
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
7
8
24
“Esta província, dada a sua situação geográfica, apresenta condições climáticas
muito particulares. Entalada entre o Oceano, para onde desce em declives suaves,
e as montanhas que a protegem dos ventos do Norte e quase a isolam, goza na sua
maior extensão, desde o Cabo de S. Vicente até à Foz do Guadiana, de uma excelente
exposição a Sul, que, com as condições geográficas, constituem os factores caracteri-
zadores do seu clima, o qual além de mediterrâneo, se aproxima do tipo sub-tropical,
dadas as influências exercidas pelos ventos vindos do continente Africano” (Antunes,
1988: 159).
Actualmente, o Algarve apresenta uma temperatura média do ar que ronda os
17,7ºC anuais, onde o mês de Janeiro regista a média mais baixa, 12ºC, e o mês de
Agosto a média mais alta, 30ºC, contando com cerca de 3.000 horas de sol durante
todo o ano. A água do mar mantém uma temperatura que ronda os 14ºC em Janeiro
e os 22ºC em Agosto2. É a região do país que recebe mais horas de sol durante todo o
ano e que mantém a temperatura média anual mais alta.
Em suma, as características geográficas, geológicas e climatéricas originam
condicionantes que são determinantes no desenvolvimento das tipologias de habita-
ção, desde os primeiros povos até à contemporaneidade na região. ”O homem, com
o seu engenho, cria os meios de adaptação ao ambiente que o rodeia, procurando o
mais produtivo aproveitamento da terra e a técnica mais adequada à construção do
seu abrigo, de acordo com as condições geológicas e climáticas” (Antunes, 1988: 162).
O facto de se recorrerem do material geológico local para a construção das tipologias,
proporciona uma característica específica forte que contribui para marcar o início da
identidade algarvia e a consequente caracterização do lugar. Contudo, para a identi-
dade regional do Algarve ficar completa, é necessário abordar o seu carácter histórico
e cultural.
2 O tempo em Albufeira e o clima no Algarve - Albufeira.com. 2005 [em linha] O clima em geral e estatísti-cas [consult. em 12 de Novembro de 2009]. Disponível em http://albufeira.com/tempo/default.asp
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais 25
9
Fig.9 - Casas de planta circular com paredes de materiais vegetais pertencentes à Idade do Bronze, locali-zadas na região de Castro Verde, estação arqueológica Neves II (Desenho do atelier Varela Gomes)
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
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Fig.10 - Ampliação da planta das casas apresentadas, com a indicação da escala e do Norte geográfico
26
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
0
2m
10m
N
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
História e cultura, os povos ancestrais e as suas habitações
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
Apesar de não se saber ao certo quais foram os primeiros povos que ocuparam
a região, há vestígios da permanência de populações que remontam a 4000 anos a.C.,
correspondendo à era do Neolítico. Embora pouco se saiba destas povoações, Estácio
Veiga, arqueólogo, identifica e caracteriza vestígios de habitações desta época. “Em
Paniachos, na Quinta do Freixo, a 3km de Alte, foi identificado um povoado atribuído
a este período, com vestígios de casas de planta circular ou elipsoidal, fundações de
pedra e argamassa de terra” (Veiga cit. in Raposo, 1995: 17).
Existem também vestígios deixados por povos da Idade do Cobre e da Idade
do Bronze que comprovam a sua permanência, até ao século VIII a.C.. Esta ocupação
deve-se, também, ao facto de existir abundância destes metais na região. “Na zona
meridional do actual território português, aqueles povos de agricultores e pastores
fabricavam sobretudo artefactos de cobre, dada a riqueza do minério na região, o que
fomentou as trocas comerciais” (Raposo, 1995: 17). Desta forma, considera-se que o
início do comércio regional se dá por estas épocas, devido à abundância que a região
tinha deste tipo de minérios e à procura dos mesmos por parte de outros povos.
Apesar da tecnologia ter evoluído bastante desde a era do Neolítico, as habi-
tações destas povoações pouco diferem das identificadas nos povos anteriores, como
se pode observar na seguinte transcrição. “As habitações destas populações, segundo
vestígios encontrados em outras zonas do Sudoeste da Península, tinham planta circu-
lar ou oval, paredes e cobertura de materiais vegetais (troncos de árvore, caniço e col-
mo) e, por vezes, fundações e paredes baixas em pedra” (Gomes cit. in Raposo, 1995:
18). Comparando com a descrição das habitações neolíticas, nota-se que a evolução
é quase nula, tanto na forma como nos materiais utilizados. Este cenário mantém-se
até à Idade do Bronze final, quando as actividades comerciais se intensificam, dando
origem à criação dos primeiros centros urbanos no litoral algarvio.
Segundo o geógrafo português Orlando Ribeiro, o Algarve engloba-se na vasta
região que designou como “Portugal mediterrâneo”, denominando-o como a “última Ri-
1.2
27
Fig.11 - Casas de planta rectangular, com paredes de taipa sobre fundações de pedra, pertencentes à Idade do Ferro, localizadas na região de Castro Verde, estação arqueológica Neves II (Desenho do atelier Varela Gomes)
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
11
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
12
Fig.12 - Ampliação da planta das casas apresentadas, com a indicação da escala e do Norte geográfico
28
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
0
2m
10m
N
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
viera mediterrânea”, à qual se junta a Andaluzia e o Norte de África, formando o “pré-
mediterrâneo” (Ribeiro cit. in Arruda, 1999: 21). As condições geográficas do Algarve
permitem a existência de vários portos marítimos, muito importantes para as trocas
comerciais entre os povos do Mar Mediterrâneo, através de rotas marítimas. Fernand
Braudel assinala este facto afirmando que “o mediterrâneo é afinal o conjunto de rotas
de mar e terra, e quem diz rotas diz cidades, desde a mais humilde à mais imponente,
todas elas interligadas. Rotas e mais rotas, ou seja, todo um sistema de circulação”
(Braudel cit. in Arruda, 1999: 21, 22).
Estes factos vão influenciar, de forma marcante, o modo como se constrói na
região durante o período da Idade do Ferro, então ocupada pelos fenícios, até à vinda
do Império Romano. “Datam deste período as primeiras casas de planta rectangular,
de paredes de taipa ou adobe, fundações de pedra argamassada com barro, cobertura
inclinada, de uma só água, de colmo sobre estrutura de troncos de madeira, por ve-
zes revestida a barro. Este processo construtivo, originário das antigas civilizações do
Mediterrâneo Oriental, tornou-se comum a toda a região mediterrânica” (Gomes cit. in
Raposo, 1995: 19).
Percebe-se então que até e durante a Antiguidade Clássica se vivia uma cul-
tura predominantemente mediterrânica, influência cultural que vai marcar diferenças
profundas entre o Algarve e o resto do país. Orlando Ribeiro assinala esta diferença
cultural entre a região e o Norte de Portugal, denominando-a de “civilização do barro”
em oposição à “civilização do granito”, respectivamente (Ribeiro cit. in Correia, 1989:
137). Esta caracterização deve-se ao facto das construções regionais utilizarem a argi-
la, na sua constituição, como demonstrado nos primeiros exemplos dos povos fenícios.
A argila ou barro fazem parte dos materiais predominantes na região e são utilizados
pelos povos para a construção não só das habitações, mas também de todos os edifí-
cios necessários ao bom funcionamento das sociedades que habitam o lugar.
Após o período fenício, a região vai-se integrando e relacionando com o mun-
29
Fig.13 - Mapa representativo dos pólos urbanos pré-romanos no Algarve e suas ligações (trabalho gráfico sobre o mapa, efectuado pelo candidato)
13
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
Pólos urbanos pré-romanosLigações terrestres
Ligações por rio
30
0 5 10 20
Km
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
do urbano mediterrânico, com as sucessivas passagens dos povos que dominaram a
Península Ibérica até a colonização romana. Os romanos dominam toda a Hispânia
durante oito séculos, desde o século II a.C. até ao século VI d.C., impulsionando o
desenvolvimento regional de uma forma marcante (Alarcão, 1990: 345). De facto,
com a colonização romana, a rede de centros urbanos existentes é hierarquizada.
São melhoradas as ligações terrestres com o Norte da Península Ibérica, através da
pavimentação de caminhos e da construção de pontes, e são melhoradas as ligações
marítimas com a Europa romana, com a criação e melhoramento dos portos marítimos
nas cidades costeiras.
Contudo, o melhoramento das ligações entre a região e o Norte da Penínsu-
la Ibérica não são suficientes para fortalecer os laços entre ambas as zonas, como
se pode ler na seguinte transcrição: “(…) os registos oficiais dos itinerários antigos
assinalam duas vias principais: que ligavam Pax Ivlia (Beja) – o grande centro admi-
nistrativo do Sul do actual território português – a Ossobona (Faro), quer por Myrtilis
(Mértola), Baesuris (C. Marim), Balsa (T. de Aires), quer através da serra, por S. Brás
de Alportel/Barranco do Velho/Ameixial” (Fabião, 1999: 46).
As escassas ligações por terra resumem-se, apenas, a duas vias pré-romanas
de maior importância, que foram reaproveitadas, ligando as cidades de Faro e Porti-
mão à cidade de Beja. Deste modo, as conexões por mar e por rio, já existentes, con-
tinuam a ter um papel fundamental no desenvolvimento cultural do Algarve. A região
continua a estabelecer contacto com os povos da Andaluzia, do Mar Mediterrâneo e do
Norte de África, mesmo durante a ocupação romana.
Paralelamente à promoção do contacto com os povos supracitados, a reestru-
turação urbana ocorre por toda a região. Porém, poucas foram as urbes construídas
de raiz. Tal deve-se ao facto de já existirem centros urbanos de grande importância
no Algarve. Coexistem célticos, túrdulos e cónios, e a cada um desses povos está as-
sociada uma “cidade estado” posteriormente adoptada pelos romanos (Alarcão, 1990:
31
14
15
16
17
Fig.14 - Ruínas do santuário de água de Milreu
Fig.15 - Pormenor decorativo relativo ao frigidarium de Milreu
Fig.16 - Planta da villa de Milreu
Fig.17 - Fachada Leste (reconstituída) do santuário de água de Milreu
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais32
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
358). Por norma, estas cidades situavam-se em locais estratégicos para o comércio.
Para além destas adaptações urbanas, os romanos introduzem o conceito de
villae, ou seja, conjunto de infra-estruturas que visam dinamizar as zonas rurais, onde
se localizavam. Um dos exemplos de villa existentes no Algarve e que ainda pode ser
observado é o das ruínas de Milreu perto da vila de Estói, a 8 km a Norte de Faro,
cujas alterações datam dos séculos III e IV d.C.. Esta villa localizava-se na zona cor-
respondente ao Barrocal algarvio, onde os terrenos eram melhores para a agricultura,
e foi construída com o intuito de desenvolver e dinamizar a zona onde se insere. Fa-
ziam parte da sua constituição todos os elementos e compartimentos necessários ao
desenvolvimento rural, desde a casa do proprietário e responsável pela exploração das
terras, até às habitações para os trabalhadores, assim como todas as construções ne-
cessárias para a vida diária dos seus habitantes. No caso apresentado, encontram-se
também um santuário, um lagar e as termas.
Contudo, não existem dados suficientes para análise da tipologia geral da casa
romana no Algarve, apenas uma breve descrição que, associada às figuras apresenta-
das, poderá recriar uma imagem sugestiva do modelo. “Generaliza-se a casa de planta
rectangular, agora com paredes de pedra talhada e aparelhada ou de tijolo. Com a
aplicação do barro cozido à construção, é também introduzido o uso da telha em vez
da cobertura de colmo e do ladrilho em vez do pavimento em terra batida” (Raposo,
1995: 20).
Existe uma série de inovações de carácter construtivo nas tipologias de habita-
ção, sobretudo o tratamento do material. A terra crua deixa de ser utilizada na cons-
trução das paredes e o colmo na construção dos telhados, e passa-se a utilizar o tijolo
cozido e a telha cozida, conferindo maior resistência e durabilidade às construções.
Este pode ser considerado o primeiro passo para a industrialização dos materiais de
construção.
33
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
18
19
Fig.18 - Planta esquemática da medina da cidade de Albufeira
Fig.19 - Antiga nora de inspiração árabe, utilizada para retirar água do poço e regar os campos
34
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
A queda do Império Romano do Ocidente está associada aos inícios do século V
d.C., quando se verificaram algumas invasões bárbaras de suevos, vândalos e alanos
(Alarcão, 1990: 345). Posteriormente, a região passa para o controlo dos visigodos,
no entanto, não existem registos de grandes alterações na organização económica ou
nas características do povoamento, impostas por este povo na região, que devam ser
mencionadas (Nobre, 1989: 20). O Algarve é conquistado pelo povo muçulmano por
volta de 711 d.C. e é durante a sua permanência que a região mais prospera. Mais
uma vez, devido ao posicionamento geográfico do Algarve, a actividade piscatória e o
comércio marítimo, desta vez com o resto do mundo islâmico, são favorecidos o que
vai proporcionar uma rápida introdução da cultura árabe na região.
Esta nova aculturação vai afectar significativamente o desenvolvimento urbano
e rural do Algarve. No espaço rural, a introdução de novas tecnologias na agricultura,
como as noras, a charrua com relha e os sistemas de rega, vão possibilitar o desen-
volvimento de zonas até então pouco desenvolvidas, despoletando uma maior produ-
tividade agrícola (Nobre, 1989: 21). No espaço urbano, as alterações são ao nível da
sua configuração, com a criação de medinas nas cidades mais importantes da região,
para defesa do local. “A medina era o conjunto de todo o núcleo urbano amuralhado,
com bairros residenciais, quase sempre bem demarcados por etnias, e os arrabaldes,
por vezes também protegidos” (Catarino, 1999: 97). Na fig.18 pode-se observar a
planta esquemática da medina de Albufeira. Actualmente ainda se mantém a mesma
configuração de ruas, apesar de grande parte do património muçulmano se ter diluído
com o passar dos tempos.
Em relação às tipologias construídas, é importante referir que existem, neste
período, alterações significativas no desenvolvimento da arquitectura local, com uma
maior incidência nos edifícios de carácter religioso e habitacional, que se desenvolvem
de acordo com a cultura árabe. As habitações muçulmanas traduzem-se em casas
com pátio, onde todas as divisões se abrem para o interior, e fecham-se para a rua
garantindo uma maior privacidade do espaço habitacional. As poucas aberturas que
35
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
20
Fig.20 - Parte das ruínas da alcáçova de Silves, com as fundações de uma casa pátio muçulmana
36
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
existem para o exterior são protegidas por adufas ou reixas3. Apesar de não existirem
exemplos vivos destas tipologias no Algarve, as seguintes transcrições ajudam a uma
melhor compreensão da tipologia muçulmana existente na região.
“A planta rectangular organiza-se em torno de um pátio interior fechado, com
cisterna abastecida por um sistema de recolha das águas pluviais. Um pequeno ves-
tíbulo dá acesso ao pátio interior e daí às restantes divisões. Nas casas mais ricas e
urbanas existe uma casa de banho com latrina, à qual se acede pelo pátio.
É introduzida a açoteia ou varanda, que os muçulmanos utilizam na cobertura
das suas casas nas regiões áridas do Norte de África e que se adapta facilmente ao
clima de chuvas escassas do litoral e do barrocal algarvio e aos modos de vida dos
habitantes (secagem de frutos e de pescado)” (Gomes cit. in Raposo, 1995: 23).
Pode ainda acrescentar-se que, para a construção das habitações muçulmanas,
utilizam-se os materiais existentes no local, nomeadamente, a argila em forma de tai-
pa. Assim como fizeram os povos ancestrais que viveram na região, e como era prática
corrente por todo o mar mediterrâneo, os árabes continuavam a utilizar este método
construtivo, não só por se adaptar bem ao clima quente e seco da região, mas também
porque evitava o transporte de material através de grandes distâncias. A integração
das construções na paisagem envolvente era, nestes casos, uma consequência mate-
rial e visual.
Estas novas tipologias, com todas as suas características inerentes, contribuem
muito para a origem da casa popular algarvia. As técnicas e os sistemas construtivos
introduzidos pelo povo muçulmano, continuam a ser utilizados em tempos posteriores,
não só devido ao seu rigor técnico, facilmente reproduzido e executado, como tam-
bém devido às vantagens que este modelo oferece, face às condicionantes naturais,
3 Portadas constituídas por um ripado de madeira cruzado, que servem de protecção nos vãos de janelas ou postigos das portas de entrada. É um elemento de defesa da intimidade da habitação, aparecendo na maior parte das vezes, no piso térreo, junto dos arruamentos. Permite a ventilação e arejamento dos compartimentos, sem que o seu interior seja devassado, e serve também de protecção solar (Antunes, 1988: 238).
37
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
22
Fig.21 - Rua muçulmana na cidade de Tetouan, Marrocos
Fig.22 - Rua inserida no interior da antiga medina da cidade de Albufeira, Algarve
21 23
24
Fig.23 - Ruínas do Castelo de Paderne, um dos últimos castelos muçulmanos a ser conquistado
Fig.24 - Ruínas da ermida cristã no interior do Castelo de Paderne
38
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
geográficas e geológicas do Algarve. Deste modo, os valores culturais muçulmanos
expressam-se na região algarvia, deixando vestígios na malha urbana das cidades
ocupadas, bem visíveis até aos dias de hoje. Esse facto é perceptível nas semelhanças
existentes entre uma rua da cidade marroquina de Tetouan e uma rua da cidade algar-
via de Albufeira, apresentadas nas figs.21 e 22, respectivamente.
Em meados do século XIII, mais propriamente em 1249, D. Afonso III toma
Faro, Albufeira, Porches e Silves, marcando o fim da reconquista portuguesa (Rodri-
gues, 1994: 37). Começa, então, uma nova era que se vai prolongar até aos dias de
hoje, onde novas influências culturais se vão misturar com as já existentes, dando
origem a uma aculturação que vem caracterizar a identidade do povo algarvio. Esta
mudança de poder regional é bastante significativa, pois vai alterar o panorama do
futuro da região. A partir deste momento, está definido um novo rumo na evolução
cultural identitária do povo local, passando este a ter menos contacto com a cultura
muçulmana e mais contacto com a cultura do Norte da Europa. Este facto vai reflectir-
se, não só na cultura local como também no modo de construir e de habitar na região.
Logo após a Reconquista, não existem grandes alterações nas tipologias de ha-
bitação a registar. Os núcleos urbanos existentes estão bem consolidados e servem de
guarida para os cristãos durante os primeiros tempos. As zonas onde se encontravam
os núcleos urbanos eram pontos estratégicos para a defesa do território, logo, a sua
ocupação era importante para a manutenção e salvaguarda da região que acabara de
ser reconquistada. A ocupação dos aglomerados existentes ajudou à preservação pa-
trimonial do que restou da destruição sofrida nas batalhas travadas, e a adaptação das
antigas estruturas às novas necessidades, fez com que se mantivessem parte das tipo-
logias existentes, bem como dos métodos construtivos locais. Ao serem conquistados,
os castelos eram doados a quem o rei decidia por bem doar. O Castelo de Albufeira,
por exemplo, foi doado à Ordem de Avis a 1 de Março de 1250, (Serrão, 1990: 138) e
o Castelo de Paderne foi doado por D. Dinis a 1 de Janeiro de 1305 (Nobre, 1997: 6).
Como se pode observar nas figuras apresentadas, o Castelo de Paderne (fig.23), um
39
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
Fig.25 - Plano geral de Vila Real de Santo António e sua área adjacente, séc. XVIII
25
40
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
dos últimos castelos muçulmanos a ser conquistado, ao passar para o domínio cristão,
recebeu no seu interior uma ermida cristã, por volta de 1320 (fig.24) (Nobre, 1997: 6).
No entanto, com o passar dos séculos, existe uma série de flagelos que ocorrem
na região entre o período do final do século XIV ao século XVIII, como destaca José
Horta Correia, que vai contribuir para uma perda e descaracterização de grande parte
do património encontrado após a conquista. “Em primeiro lugar as sucessivas ondas de
povos dominadores, depois a pirataria mourisca e inglesa durante os séculos XV, XVI e
XVII flagelaram sobretudo as zonas mais populosas do litoral. Como área sísmica, so-
freu o Algarve terramotos sucessivos de que se devem salientar sobretudo os de 1531,
1551, 1722 e 1755” (Correia, 1989: 137).
De facto, apesar de todas as batalhas, saques e flagelos, o Grande Terramoto
de 1755 acaba por ser o maior responsável pela perda quase total de património e
vestígios culturais ancestrais. Em parte, o facto das construções serem feitas em ter-
ra, terá sido significativo para a perda de património construído, como se pode ler na
transcrição histórica sobre a vila de Albufeira, uma das mais afectadas: “A vila de Al-
bufeira e respectivo termo sofreram danos irreparáveis aquando o terramoto, em No-
vembro de 1755. (…) O bairro de Sant´Ana composto de sete ruas ladeadas de casas
ficou completamente destruído. (…) Ficaram desfeitas as fortificações da Baleeira, da
Medronheira, assim como parte da muralha, do castelo e as habitações localizadas no
interior daquele” (Nobre, 1989: 43).
Deste modo, chega-se ao século XVIII com grande parte do território descarac-
terizado, à espera de intervenções nos centros urbanos existentes, para os repovoar
com os habitantes que sobreviveram a tamanha catástrofe. O caso de Vila Real de San-
to António (fig.25) é um exemplo contruido de raiz. “Esta medida visava, ao mesmo
tempo, dotar a zona de uma povoação condizente com a enorme reforma que se opera-
va, à luz dos mais modernos conceitos de Cidade Europeia, e por forma a incrementar
igualmente a organização política, administrativa, religiosa e de defesa” (Figueiras,
41
Algarve - condicionantes naturais, sociais e culturais
1999: 27). Nas restantes cidades, não houve planificações deste tipo, ou com esta es-
cala. O facto de parte dos populares ser de origem muçulmana e transportar com eles
o conhecimento das técnicas construtivas, e o facto dessas mesmas técnicas serem
de rápida execução e se traduzirem numa construção relativamente barata, contribui
para a proliferação do tipo de edificações baseadas no modelo muçulmano, mas agora
com influências portuguesas. Esses modelos vão dar início a uma nova etapa na cons-
trução algarvia, pois ficaram conhecidos por terem cariz popular e por atribuírem uma
identidade à região.
42
A criação vernacular e popular
2
43
Define-se como criação vernacular e popular, o conjunto das construções de ca-
rácter permanente existente na região do Algarve, feitas pela mão do povo local que,
posteriormente, acabam por identificar e caracterizar a região. De todo este universo
construído, destaca-se para análise a casa popular algarvia e os factores que condicio-
nam o seu desenvolvimento durante o século XIX. É durante este século que ocorrem
mudanças significativas na estabilidade política, económica, cultural e social do povo
algarvio. Estas alterações proporcionam as condições necessárias para a construção
e afirmação da identidade da população algarvia, e a consequente caracterização da
casa popular.
Para o estudo e compreensão destas mudanças, numa primeira fase, procura-
se descrever as especificidades da população local. Serão analisadas as actividades
económicas exercidas durante esta época, bem como as influências e aculturações
adquiridas do passado histórico e cultural vivido na região. De seguida, a investigação
volta-se para o objecto arquitectónico, e será feita uma descrição da casa popular al-
garvia, com base nos levantamentos já efectuados por diferentes autores.
Este capítulo integra ainda a análise e a comparação de duas casas vernaculares
regionais, seculares, localizadas em diferentes situações, uma inserida no meio urba-
no, outra em território rural. Ambos os casos apresentam características iconológicas
e tipológicas regionais, apesar das diferentes localizações e das diferentes utilizações
por parte dos proprietários. Pretende-se, portanto, compreender de que modo a casa
algarvia se apresenta no final do século XIX, tendo em conta os factores e as acultura-
ções já referidas e demonstrando quais as suas características mais marcantes.
A criação vernacular e popular 45
A criação vernacular e popular
Fig.26 - Loulé, popular algarvia produzindo alcofas a partir de palmas secas “O aproveitamento do espar-to e da palma são das mais importantes actividades transformadoras do Algarve nos séculos XIII a XVIII” (Raposo, 1995: 30)
26
46
O povo algarvio e a sua identidade vernacular
A criação vernacular e popular
“A partir do último quartel do século XVIII, o crescimento estagna em Alte e em
todo o Algarve, em consequência da crise de 1760. Vários factores concorrem para a
regressão da produção agrícola, nomeadamente da cerealífera e da população rural.
É a cristalização do poder nas mãos da pequena nobreza local e a irregularidade co-
mercial; é o aumento populacional das décadas anteriores, associado à falta de terras
para expandir as sementeiras e ao cansaço dos solos agrícolas, cultivados muitos anos
sem descanso; é o uso de técnicas rudimentares (utiliza-se o arado, a charrua ainda
não fora introduzida e não se estrumam suficientemente os solos) e a falta de inova-
ção técnica e de culturas; são os maus anos agrícolas e as secas frequentes” (Raposo,
1995: 34).
Na generalidade, o povo algarvio viu-se obrigado a voltar para actividades de
subsistência durante a estagnação dos finais do século XVIII. Na orla marítima, a po-
pulação passou a viver essencialmente da pesca e da produção de sal, e no meio rural,
apesar das dificuldades, continuou a cultivar cereais e árvores de fruto sequeiras como
as amendoeiras, figueiras, alfarrobeiras e oliveiras (Antunes, 1988: 126).
Existia ainda uma grande ligação ao passado ancestral muçulmano, tanto nas
actividades de subsistência exercidas pelos populares, como nos utensílios agrícolas
usados, como por exemplo, a charrua e os sistemas de rega. As árvores de fruto cul-
tivadas, foram também elas trazidas pelos árabes (Antunes, 1988: 126). Com isto,
pretende-se vincar duas coisas na identidade do povo algarvio da época em questão:
a primeira, trata-se notoriamente de um povo ruralizado, que retira da natureza a sua
subsistência, e para isso utiliza técnicas e tecnologias ancestrais; a segunda, continua
a ser evidente a sua conectividade com a cultura muçulmana, o que contribui para a
sua caracterização identitária e tem reflexo nas suas habitações.
Nos finais do século XVIII e inícios do século XIX, reconhecem-se as vantagens
dos materiais e das técnicas construtivas utilizadas pelos muçulmanos, que garantem
uma construção simples, rápida, económica e eficaz contra o clima existente. Como se
2.1
47
27
28
Fig.27 - Construção de parede exterior em taipa
Fig.28 - Construção de cobertura em travejamento de madeira, com telha de cano simples
29
Fig.29 - Fabrico manual de tijolo de adobe
A criação vernacular e popular48
A criação vernacular e popular
pode observar nas figs.27, 28 e 29, imagens registadas já durante o século XX, estas
técnicas permanecem presentes no saber popular algarvio e são utilizadas na constru-
ção das suas habitações.
Ao analisar a seguinte descrição da casa árabe no Algarve, baseada nos acha-
dos arqueológicos da alcáçova de Silves, pode-se depreender que as semelhanças
construtivas entre os dois modelos tipológicos são evidentes: “As casas muçulmanas
eram habitualmente edifícios de um só piso, embora existissem também as que tinham
aposentos superiores. (...) Também existiam casas com açoteias, cujo costume ainda
persiste no Algarve, mas eram mais usuais as que tinham um telhado de uma ou duas
águas, cujas telhas assentavam directamente sobre um travejamento de madeira. Os
tectos seriam normalmente de telha vã ou eram forrados com caniços, unidos com
argila, técnica que ainda hoje pode observar-se em algumas casas do Algarve” (Cata-
rino, 1999: 99).
Os modelos resultantes da utilização destas técnicas e materiais traduzem-se,
formalmente, nas denominadas casas elementares: tipologias, normalmente, de um
só piso, com telhado de uma ou duas águas, poucas aberturas de pequenas dimensões
para o exterior, sem elementos decorativos, nem chaminé. A simplicidade do modelo
acaba por lhe conferir a sua denominação de elementar. É uma tipologia de cariz rudi-
mentar, mas essencial para a população local. Podem-se observar dois exemplos deste
tipo de habitações nas figs.30 e 31. É aqui que se encontra a conexão com a civilização
do barro, que distingue o povo algarvio dos povos do restante país. Esta é, de todas
as características, a mais vincada e visível na identidade local.
Para além dessas características muçulmanas visíveis na constituição dos mo-
delos habitacionais, a população algarvia ainda depende dos campos e da produção
de frutos secos e cereais, bem como da actividade piscatória de subsistência e da
produção de sal, como já foi descrito. É portanto uma população marcadamente rural,
que vive essencialmente do mar e da terra, e constrói a sua vivência em simbiose com
49
30
31
Fig.30 - Casa elementar, no adro da Igreja de Alferce, Serra de Monchique
Fig.31 - Casa elementar, ao largo do adro da Igreja Matriz de Albufeira
A criação vernacular e popular50
A criação vernacular e popular
ambos. Esta é outra característica forte na identidade vernacular, a forma como as po-
pulações se relacionam e interagem com o seu meio envolvente, demonstra um saber
estar e respeitar a natureza, de que tanto dependem.
“Apesar de tudo, não é apenas no ambiente dos povoados, na luminosidade da
atmosfera, que devemos buscar a sua individualização; é no elemento humano, na
população, estruturada na sua actividade económica de pesca ou de agricultura, que
seguramente encontraremos essa individualização” (Antunes, 1988: 135).
51
Fig.32 - Mapa esquemático representativo das tipologias de habitação existentes no Algarve
Fig.33 - Habitação do Baixo Algarve
32
33
34
35
36
Fig.34 - Análise tipológica da habitação do Baixo Algarve
Fig.35 - Habitação do Algarve Central
Fig.36 - Análise tipológica da habitação do Algarve Central
A criação vernacular e popular
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
Zona social
Zona íntimaZona mista
Entrada principal
N0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
Acesso ao quintal / Entrada secundária
52
Caracterização geral da casa popular algarvia do século XIX
A criação vernacular e popular
É durante o século XIX que a casa popular algarvia atinge o máximo da sua
especificidade iconológica, devido a factores de ordem geográfica, económica e social.
Esta individualização simbólica contribui, de forma marcante, para a caracterização
da tipologia e da sua identidade enquanto modelo arquitectónico de referência para o
futuro. Pretende-se, portanto, caracterizar a casa popular algarvia de modo a retirar
apontamentos sobre a sua identidade e simbolismo iconológico, atingindo as ilações
necessárias ao desenvolvimento do estudo proposto. Inicia-se esta análise com a ob-
servação do mapa tipológico das habitações algarvias, efectuado durante a segunda
metade do século XX4, onde estão demonstrados, resumidamente, os diferentes aglo-
merados existentes no Algarve, a sua localização e as características básicas das ti-
pologias aí existentes. Este mapa, reproduzido na fig.32, sintetiza esses aglomerados
através de ícones representativos dos modelos tipológicos, correspondentes a cada
zona.
Segundo o mapa tipológico, o Algarve apresenta poucas diferenças nos tipos
de habitação existentes. Com a excepção do aglomerado do Alto de Monchique e de
Olhão, onde as tipologias são realmente diferentes, a grande maioria dos modelos cor-
responde à tipologia de cobertura mista ou de cobertura de duas águas com anexos,
e estes situam-se sobretudo no Algarve Central e no Baixo Algarve. Nas figs.33 e 35,
esses modelos estão esquematizados com mais alguns detalhes, e é sobre eles que
a análise seguinte vai incidir. A sua configuração e materialização são semelhantes à
das casas árabes. O que muda é a organização funcional quando desaparece o pátio e
todos os compartimentos passam a ser cobertos. O acesso às divisões, nestes casos,
passa a ser feito através do corredor central, como no exemplo da fig.36, ou através
de um compartimento social, na tipologia da fig.34.
No caso da tipologia característica do Algarve Central, a entrada é efectuada
através de um corredor que distribui para as zonas íntimas, situadas na frente da
4 Estudo posteriormente publicado com o nome - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume, zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses (AAP), 1988
2.2
53
Fig.37 - Habitação popular, com as características iconológicas mais frequentes nos finais do século XIX, no Algarve
37
A criação vernacular e popular54
A criação vernacular e popular
habitação, correspondentes aos quartos, e conduz para a zona social situada nas tra-
seiras da habitação que, por sua vez, faz ligação com o armazém e com a açoteia. Na
tipologia do Baixo Algarve, a entrada efectua-se directamente para uma das zonas so-
ciais da habitação, e é através desta que se tem acesso às restantes divisões da casa.
As zonas íntimas não estão necessariamente relacionadas com a frente da habitação,
como no exemplo do Algarve Central apresentado. Neste caso, um dos quartos aparece
no interior da habitação, sem nenhuma abertura para o exterior.
Estas características são uma generalização da tipologia encontrada em cada
uma dessas mesmas zonas, e não uma regra que possa ser aplicada a todos os mo-
delos regionais do mesmo tipo. Ou seja, esta análise não pretende afirmar que todos
os modelos deste género têm uma configuração igual. Como se pode constatar no
exemplo apresentado na fig.37, o modelo tipológico corresponde à tipologia de cober-
tura mista identificada no Algarve Central, no entanto, a configuração do interior não
corresponde à que a generalidade desse modelo apresenta. Não existe um corredor
central de distribuição, as zonas íntimas não se encontram na frente da habitação,
nem as zonas sociais nas traseiras da mesma. A organização funcional deste exemplo
relaciona-se mais com a apresentada nos modelos do Baixo Algarve, e o conjunto de
elementos iconológicos não.
Esta tipologia situa-se no meio rural e surge como um elemento isolado na
paisagem. Não existem vizinhos, logo, a habitação não se volta para o interior como
no exemplo árabe. Pode, então, concluir-se que houve uma evolução do modelo tipo-
lógico muçulmano para este novo modelo algarvio, onde os métodos construtivos são
idênticos, mas a organização funcional e a compartimentação sofre transformações,
seguindo uma nova cultura e o conjunto das necessidades dessa nova sociedade.
Os aspectos iconológicos presentes nas tipologias começam a sobressair e
apresentam-se como elementos importantes na caracterização simbólica da tipologia
popular algarvia. Nos casos demonstrados podem observar-se dois desses elementos
55
38
39
Fig.38 - Exemplo de uma janela com reixas de madeira e cantaria em pedra
Fig.39 - Habitação do século XIX, com telhados em pirâmide e cantaria em pedra envolvendo os vãos, lo-calizada em Tavira
A criação vernacular e popular56
A criação vernacular e popular
nas habitações, possivelmente os mais característicos: a chaminé e a platibanda. A
chaminé surge associada ao modelo tipológico do Baixo Algarve e a platibanda à tipo-
logia do Algarve Central. Estas associações têm uma explicação lógica, uma vez que a
platibanda serve de guarda para a açoteia e que a chaminé, mais evidente no modelo
rural, surge devido à necessidade de existir uma zona de fogo na habitação que per-
mita o aquecimento durante os períodos de frio existentes no interior algarvio. Embora
existam em menor número ou correspondam a exemplos específicos de determinadas
localidades, encontram-se outros elementos considerados iconológicos em tipologias
de habitação algarvias, nomeadamente as adufas ou reixas, de inspiração árabe, os
telhados em tesoura ou pirâmide e os vãos guarnecidos a cantaria de pedra. Alguns
destes elementos são observáveis nas figs.38 e 39.
As adufas ou reixas eram portadas feitas de ripas de madeira ou ferro cruzado,
formando um rendilhado que, para além de originarem um efeito decorativo nos vãos
das tipologias, também tinham um lado funcional5. Os telhados de tesoura ou em pirâ-
mide acabam por definir uma imagem característica que se associa a uma localidade,
neste caso, Tavira, pelo facto de existirem em grande número nessa zona. Para além
disso, cumprem uma parte funcional e permitem a acumulação do calor na zona mais
elevada da cobertura, mantendo a zona habitável mais fresca. Os vãos guarnecidos em
pedra acabam por ser característicos da arquitectura do Sul do país, com influências
da arquitectura chã, mas podem encontrar-se um pouco por todo o território nacional.
No caso concreto do Algarve, não só servem o propósito decorativo, atribuindo uma
maior expressão aos vãos, como também têm o intuito de fortalecer estruturalmente
os mesmos.
Portanto, os elementos simbólicos que posteriormente acabam por identificar
e caracterizar a cultura algarvia, cumprem, primordialmente, um papel funcional e
fazem parte de uma série de aculturações regionais, introduzida pela passagem de
diferentes povos na região. Uns vão ficando, tornando-se cada vez mais significativos,
5 A sua função já foi explicada no primeiro capítulo, pág.35.
57
40
41
Fig.40 - Palacete dos finais do século XIX, tipologia de dois pisos, com platibanda balaustrada
Fig.42 - Pormenor da platibanda balaustrada de um palacete dos finais do século XIX
42
43
Fig.41 - Habitação popular dos finais do século XIX, tipologia de um piso com platibanda e chaminé decoradas
Fig.43 - Pormenor decorativo da platibanda da habitação popular dos finais do século XIX
A criação vernacular e popular58
A criação vernacular e popular
outros não, mas todos contribuem para caracterizar a arquitectura regional e, de certo
modo, atribuem-lhe uma identidade.
A partir da segunda metade do século XIX, começa a emergir uma classe média
alta burguesa, associada à indústria e a profissões liberais que promovem os palace-
tes como habitação própria (fig.40). O aparecimento deste novo modelo habitacional,
associado à era industrial, vai consequentemente influenciar o modelo popular. Os
novos materiais construtivos utilizados na construção destas tipologias, vêm facilitar
a construção e execução dos elementos decorativos, como é o exemplo da platibanda
balaustrada representada na fig.42, influenciando a tipologia popular, representada
nas figs.41 e 42.
Segundo José Manuel Fernandes, “Um dos elementos mais visíveis desta trans-
formação, por uso de materiais e técnicas industriais mais modernas, foi, nas cimalhas
dos edifícios, o aparecimento de uma platibanda, ou seja, de um murete ou balaustra-
da de alvenaria, ao longo da fachada, com aproximadamente um metro de altura, es-
condendo para o exterior o remate inferior do telhado (e o seu beiral). Peça construtiva
afirmativa, a platibanda alteava a construção, dando-lhe mais imponência e significado
visual, logo, de um modo simbólico, mais «status» social” (Fernandes, 2008: 49).
Quanto mais rico fosse o proprietário, mais decorada e trabalhada era a cha-
miné e/ou a platibanda da sua casa. Criava-se, assim, uma diferenciação nas classes
sociais, visível através do tipo de decoração existente na habitação de cada família.
A demonstração de riqueza, aliada ao gosto popular pelo decorativismo, faz com que
surjam exemplos dos mais diversos, por vezes muito exagerados. É o início do proces-
so decorativo alegórico, carregado de simbolismo, da casa popular algarvia, que lhe vai
conferir uma identidade visual forte. Isto, acaba por contribuir para a subvalorização
dos seus aspectos materiais e funcionais mais consistentes e a consequente perda de
valores construtivos.
59
44
Fig.44 - Habitação urbana em estudo, mostrando a sua situação actual
A criação vernacular e popular60
Caso de estudo - casa popular urbana
A criação vernacular e popular
A casa urbana em análise situa-se no Rossio da cidade de Albufeira, zona cir-
cundante ao antigo centro urbano, a poucos metros do mar e com relativa proximidade
a zonas que serviam para cultivo, no passado. A população que residia nesta área,
normalmente, dividia as suas actividades de subsistência entre a pesca e a agricultura.
Esta é uma prática comum a alguns povoados do litoral algarvio nos meados do sécu-
lo XIX que, deste modo, maximizavam a sua produção agrícola e tiravam proveito do
mar, aumentando a variedade dos produtos para consumir e comercializar. Os antigos
proprietários desta habitação estavam ligados a produção agrícola. Deslocavam-se aos
terrenos de cultivo situados na próximidade do Rossio, e viviam nesta habitação.
O caso de estudo remete para meados do século XIX e, ao longo dos anos, sofre
algumas alterações. É uma casa de construção popular e constitui um exemplo iconoló-
gico que pode enquadrar-se na tipologia de habitação do Baixo Algarve, com cobertura
de duas águas e anexos. Ao mesmo tempo, apresenta uma pequena açoteia e não está
situada no meio rural como a maioria dos exemplos correspondentes ao Baixo Algarve,
descritos no capítulo anterior.
Apesar do exemplo escolhido estar actualmente descaracterizado, continua a
ser um modelo de referência da arquitectura vernacular popular, apresentando certas
especificidades tipológicas interessantes para o estudo em questão. A combinação de
diferentes características correspondentes a alguns modelos regionais está presente
nesta tipologia. Este facto é fundamental para uma contextualização coerente dos
modelos de habitação algarvios, do ponto de vista formal e funcional, e posterior com-
paração tipológica.
A habitação situa-se numa matriz urbana densa e os seus limites físicos são
confinados por uma rua a Sul, um logradouro vizinho a Norte e um edifício adjacente
a Oeste. Dentro dos limites físicos do lote, a tipologia comunica directamente com
o quintal que funciona como um pátio intramuros, onde coexiste uma série de acti-
vidades relacionadas com a habitação e os seus habitantes. Neste caso específico,
2.2.1
61
Envolvente construida
0 2m 10m N
Habitação
Armazém / Outros Galinheiro
Latrinas
Cisterna / recolha de àguas
45
46
Fig.45 - Localização geográfica da habitação em estudo (foto aérea actual)
Fig.46 - Planta esquemática do conjunto habitacional em estudo, identificando as diferentes áreas e anexos
A criação vernacular e popular
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
Habitação
Armazém / Outros
W.C.
Galinheiro
Horta / Pomar
Cisterna / recolha de àguas
Envolvente construida
0 2m 10m N
Habitação
Armazém/outros
Cisterna/recolha de águas
Horta/pomar
Galinheiro
Latrinas Envolvente construídaEnvolvente construida
0 2m 10m N
Habitação
Armazém / Outros Galinheiro
Latrinas
Cisterna / recolha de àguas
Envolvente construida
0 2m 10m N
Habitação
Armazém / Outros Galinheiro
Latrinas
Cisterna / recolha de àguas
Envolvente construida
0 2m 10m N
Habitação
Armazém / Outros Galinheiro
Latrinas
Cisterna / recolha de àguas
Acesso público
62
A criação vernacular e popular
encontram-se alguns compartimentos destacados da habitação que normalmente es-
tão associados às tipologias rurais, por exemplo, a latrina, o galinheiro e um pequeno
armazém. Existe também uma cisterna, elemento fundamental para o armazenamento
da água da chuva, pois não havia, ainda, água canalizada na cidade. A casa correspon-
de, apenas, a um volume simples que ocupa quase metade da área total da parcela.
No esquema demonstrado na fig.46, pode observar-se o modo como a casa se
relaciona com a rua, com os anexos e com o quintal. Do lado Nascente, situam-se a
horta, algumas árvores de fruto e a cisterna. Ao centro, entre a habitação e a horta,
encontram-se os anexos de apoio a ambas, aos quais se acrescenta um outro que tem
uma utilização mista. Este compartimento apresenta uma açoteia na sua cobertura e,
formalmente, está integrado na habitação. Esta é uma particularidade interessante
que se reflecte na composição da habitação. Na fachada principal da tipologia, aparece
integrado como se fosse uma divisão da habitação, com uma janela para a rua. No
entanto, tem uma entrada independente para o quintal e não existe qualquer comu-
nicação interna com a casa. Possivelmente, teria feito parte da tipologia em tempos
antigos, contudo, não é possível afirmar tal situação.
A organização espacial do conjunto da habitação, anexos e quintal, facilita a
funcionalidade do mesmo e proporciona a separação das diferentes zonas de acção,
por espaços bem definidos. O facto das zonas de serviços estarem destacadas da ha-
bitação, neste modelo tipológico, permite uma separação entre as funções domésticas
e as funções realizadas no exterior. Estas, estão ligadas à produção de alimentos em
pequena quantidade para consumo próprio e à recolha e armazenamento de água da
chuva. A latrina, que também dispõe de lavabos, dá apoio a ambas as áreas do conjun-
to tipológico, deste modo, este compartimento considerado menos nobre, fica de fora
da parte habitacional. Esta condição tem raízes nos tempos árabes. A sua separação
da parte habitacional continua a ser bastante frequente durante o século XIX, tanto no
modelo urbano, como no rural.
63
N0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
Acesso ao quintal / Entrada secundária
N0 1m 4m
1
2
34
5
62
1 Entrada / corredor de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 Galinheiro
6 Armazém / Outros
5
6
47
48
Fig.47 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando as zonas: social, íntima e mista
Fig.48 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando os diferentes compartimentos
A criação vernacular e popular
N0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
Acesso ao quintal / Entrada secundária
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
Zona social
Zona íntimaZona mista
Entrada principal
Acesso à açoteia
0 1m 4m
1
2
34
5 6
72
1 Entrada / corredor de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 Forno a lenha
6 Fumeiro
7 Armazém
N
Entrada/distribuiçãoQuartosZona de estar/refeiçõesCozinha
GalinheiroArmazém/outros
Entrada secundária
64
A criação vernacular e popular
Em relação à organização espacial e funcional interior, este modelo pode ser
enquadrado na tipologia do Algarve Central, edifício com uma fachada principal onde
se encontra a entrada, pela qual, através de um corredor central situado a eixo da ha-
bitação, se acede às restantes divisões. Os quartos são os compartimentos que estão
em contacto directo com a rua, à excepção de um quarto provisório destinado a visitas
que, quando não é ocupado, serve de arrumos. As restantes divisões resumem-se à
cozinha e área de refeições que também serve de área de convívio. Estes comparti-
mentos voltam-se para o interior do logradouro, garantindo um contacto directo para
com o mesmo e uma maior privacidade em relação à sua envolvente urbana.
Neste caso específico, pode-se aceder à habitação de duas formas: uma, pela
entrada principal; a outra, através de uma entrada secundária localizada entre o quin-
tal e a habitação. De facto, a particularidade observada consiste no facto de ambos os
acessos conduzirem, de um modo directo, à zona social da habitação, revelando, de
certa forma, a importância desta área na sociedade algarvia da altura.
A habitação pode ser dividida em três zonas distintas: a zona social, onde se
inserem a cozinha, a área de refeições e de convívio, o espaço exterior que serve de
zona de estar e de comunicação entre a habitação, o quintal e os anexos; a zona mista,
onde se insere o compartimento de utilização mista, posteriormente transformado em
quarto quando a família cresce; e a zona íntima, correspondente aos quartos. A dis-
posição das zonas e a sua dimensão, como está demonstrado na fig.47, revela deter-
minadas características da casa popular algarvia. A habitação cumpre, apenas, o seu
papel primordial de abrigo e permite a confecção e consumo dos alimentos. Todas as
outras actividades são efectuadas no exterior ou nos anexos situados no quintal, o que
contribui para que as dimensões dos compartimentos habitacionais sejam reduzidas ao
tamanho essencial para o desempenho das funções predestinadas.
A implantação da casa vernacular algarvia, por norma, tem sempre em consi-
deração a exposição solar, (Antunes, 1988: 162) excepto em certos casos situados no
65
0 1m 4m
Inverno
Verão
0 1m 4m 0 1m 4m
49
50 51
Fig.49 - Entrada de luz solar nos períodos de Inverno e de Verão, através dos vãos da fachada
Fig.50 - Esquema demonstrativo do efeito que as ondas de calor exercem na tipologia
Fig.51 - Esquema demonstrativo da recolha das águas da chuva
A criação vernacular e popular66
A criação vernacular e popular
meio urbano, limitados pela configuração e disposição da sua matriz. Neste caso, a ha-
bitação está condicionada pela envolvente mas, mesmo assim, a configuração urbana
permite que a maioria das aberturas estejam voltadas para Sul. Assim, consegue-se
aproveitar o máximo da disposição solar. Os vãos são os essenciais e são de peque-
nas dimensões, evitando a entrada de calor, excessiva durante os meses de Verão,
invertendo-se a situação no Inverno, como demonstrado na fig.49. As zonas sociais
situadas no interior da habitação são lugares menos iluminados mas mais frescos. A
luz que chega a estes espaços é indirecta, proveniente do postigo da porta de entrada,
conduzida através do corredor central, e da porta lateral de acesso ao quintal.
Aqui, os materiais utilizados na construção são a taipa nas paredes exteriores
e interiores, a madeira no travejamento da cobertura, a cana no revestimento interior
da cobertura e a telha de cano simples, feita em argila, no revestimento exterior da
mesma. Os materiais adoptados, para além de permitirem uma construção rápida e
simples, são muito eficazes contra o clima que a região enfrenta. A taipa permite um
bom isolamento térmico ao calor excessivo exterior, e mantém a temperatura estável
no interior durante os meses mais quentes (Antunes, 1988: 176). A cobertura simples,
que tem na cana o seu isolamento, (Antunes, 1988: 182) permite a circulação de ar, o
que, aliado ao facto da casa ter um pé direito alto, garante a permanência do calor do
tecto e a sua evacuação para o exterior.
O aproveitamento da água da chuva é essencial na região, como já foi visto. No
caso em estudo, o sistema de recolha de água está integrado na própria habitação.
Corresponde a um elemento denominado de caleira que está embutido entre o beiral
e o remate do telhado, ficando invisível do lado da rua (fig.51). Este elemento recolhe
a água da chuva proveniente da cobertura e encaminha-a para um sistema de canos
cerâmicos que, por sua vez, a conduz até à cisterna. É um sistema pouco usual que
demonstra o carácter criativo popular, mediante a sua necessidade.
Observando a imagem da habitação em estudo, sobressai a falta de alguns ele-
67
52
53
Fig.52 - Detalhe do beiral da habitação em estudo
Fig.53 - Vão da habitação em estudo guarnecido a pedra
A criação vernacular e popular68
A criação vernacular e popular
mentos iconológicos associados à casa popular do Algarve Central, apesar da sua loca-
lização e da sua organização funcional nos remeterem para este modelo. Este exemplo
não tem platibanda, apresentando um beiral bem definido que serve de remate supe-
rior à sua fachada. Nos finais do século XIX, a platibanda era, sobretudo, utilizada nas
habitações de cobertura mista ou de açoteia e não nas que apresentavam coberturas
de duas águas. Apesar deste modelo apresentar uma pequena açoteia, acessível do
exterior, é a continuação do beiral que faz de guarda e remate a esse espaço. O beiral
também tem a sua importância decorativa no conjunto, mas é utilizado sobretudo por
uma questão funcional para recolha de água da chuva. A decoração do beiral pode re-
correr à cor, mas destaca-se mais pela expressão que tem, sobressaindo da fachada
plana. Por vezes, os remates dos cantos são trabalhados, pormenor que dá origem
ao que se chama de pombinha. Neste exemplo, o beiral apresenta um certo detalhe e
relevância na quantidade de frisos existentes, mas não apresenta nenhuma pombinha.
Outro elemento iconológico em falta neste exemplo é a chaminé. O fumo da co-
zinha era expelido por uma passagem existente na parede ou por telhas ligeiramente
levantadas. Nesta época, a sua utilização não era, ainda, um caso muito generalizado.
A chaminé algarvia começa a surgir, principalmente no meio rural, geralmente asso-
ciada à lareira ou à zona de fogo na habitação.
Contudo, existe um elemento característico da casa algarvia dos finais do século
XIX aqui presente: os vãos guarnecidos em pedra. Estas molduras são muito simples,
apresentam uma forma em arco no topo do vão e não contêm nenhum elemento de-
corativo talhado. Na imagem apresentada na fig.53, pode ver-se em detalhe um dos
vãos. Actualmente, a pedra da moldura está adulterada, pintada de branco, mas nor-
malmente apresenta alguma cor ou, por outro lado, mantém a pedra natural aparente.
69
54
Fig.54 - Habitação rural em estudo, mostrando a sua situação actual
A criação vernacular e popular70
Caso de estudo - casa popular rural
A criação vernacular e popular
A casa rural em estudo situa-se na freguesia de Boliqueime, pertencente ao
concelho de Loulé. A área onde a tipologia está implantada é uma zona rural que se
apresenta com algumas habitações dispersas, correspondentes a casas de agriculto-
res, envolvidas pelas suas parcelas de terreno agrícola.
Como já foi referido, o povo algarvio divide as suas tarefas diárias entre o cam-
po e o mar, apesar da maioria se dedicar à agricultura. No final do século XIX, gran-
de parte da população opta por procurar terrenos férteis, afastados do mar, para se
implantar e desenvolver a sua actividade. Este é, a nível económico, um dos factores
catalisadores para o desenvolvimento do interior do Algarve. Contudo, a dispersão dos
modelos tipológicos, consoante a parcela de terreno disponível, leva a um desenvolvi-
mento urbano não planeado com consequências futuras para a região.
As habitações rurais reflectem a essência do estilo popular algarvio na concep-
ção tipológica, pois não estão condicionadas por nenhuma matriz urbana, nem por
nenhuma envolvente construída que afecte directamente a sua implantação. A liberda-
de é total, apenas limitada pelas características dos materiais utilizados e pelo gosto,
sabedoria e necessidade do proprietário. Em suma, as únicas condicionantes físicas
para a construção e implantação do modelo tipológico rural são as características dos
materiais utilizados, a dimensão e a localização do terreno envolvente e o acesso ao
mesmo.
A habitação analisada remete para os finais do século XIX e, segundo o quadro
tipológico apresentado no subcapítulo anterior, pode ser enquadrada em dois modelos
anteriormente identificados: no do Algarve Central, de cobertura mista com platiban-
da, e no do Baixo Algarve, pela existência de chaminé e de anexos adjacentes que
servem de apoio à actividade agrícola. Esta mistura de elementos tipológicos e ico-
nológicos é frequente na região algarvia, como também é exemplo o caso de estudo
anterior, mas, mesmo assim, não deixa de estar associada à generalização efectuada
e demonstrada (Antunes, 1988: 227).
2.2.2
71
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga / galinheiro
Latrinas
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
55
56
Fig.55 - Localização geográfica da tipologia em estudo (fotografia aérea actual)
Fig.56 - Planta esquemática do conjunto habitacional em estudo, identificando as diferentes áreas
A criação vernacular e popular
Habitação
Armazém / Outros
W.C.
Galinheiro
Horta / Pomar
Cisterna / recolha de àguas
Envolvente construida
0 2m 10m N N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
Acesso público
Acesso privado
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga / galinheiro
Latrinas
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
Habitação
Armazém/outros
Cisterna/recolha de águas
Adega/lagar
LatrinasPocilga
72
A criação vernacular e popular
Como se pode observar na fig.55, este caso de estudo não existe em nenhuma
matriz urbana reguladora. As habitações existentes situam-se dispersas e os únicos
acessos são os caminhos que circundam os seus terrenos envolventes. Esta tipologia
localiza-se no topo Norte do terreno que lhe pertence, próximo do acesso principal,
deixando toda a parte Sul para o desenvolvimento da produção agrícola.
Os compartimentos construídos correspondem a uma série de volumes, cada
um com a sua função, ficando a parte habitacional resumida a apenas um desses vo-
lumes. Na fig.56 podem-se distinguir as diferentes funções existentes em cada uma
das construções. Formalmente, a tipologia de habitação apenas se destaca do conjun-
to pelo seu carácter decorativo e, neste caso, também é o único elemento que possui
uma açoteia. Embora exista esta distinção formal entre o volume habitacional e os
restantes, estes devem ser considerados como um conjunto onde todos os elementos
construídos são indispensáveis para a habitabilidade, desenvolvimento e funcionalida-
de do local.
Neste caso, a casa é o primeiro edifício que se apresenta ao visitante, quando
se acede ao terreno, fazendo a recepção de quem chega. O acesso privado é efectuado
entre a tipologia e um pequeno eirado com cisterna que serve para a seca dos frutos,
como zona de descanso e como meio de recolha de água da chuva. Existem três arma-
zéns, onde um serve de pocilga, outro serve de fumeiro e contém um forno a lenha, e
o outro serve para guardar os produtos agrícolas e os utensílios. Conectado com este
último armazém, está um lagar e uma adega. Estes volumes estão dispostos em tor-
no de um átrio comum que serve de local para cargas e descargas dos bens agrícolas
produzidos.
Em proporção, o conjunto composto pelos armazéns, lagar, adega, pocilga e
galinheiro, é maior que a habitação em conjunto com as latrinas, o que se deve às
imposições funcionais que surgem no meio rural. Os bens agrícolas produzidos têm
de ser guardados e transformados, como é o caso do azeite, do vinho, dos figos e das
73
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
0 1m 4m
1
2
34
5 6
72
1 Entrada / corredor de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 Forno a lenha
6 Fumeiro
7 Armazém
N
57
58
Fig.57 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando as zonas: social, íntima e mista
Fig.58 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando os diferentes compartimentos
A criação vernacular e popular
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
Zona social
Zona íntimaZona mista
Entrada principal
Acesso à açoteia
0 1m 4m
1
2
34
5 6
72
1 Entrada / corredor de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 Forno a lenha
6 Fumeiro
7 Armazém
N
Entrada/distribuiçãoQuartosZona de estar/refeiçõesCozinha
Forno a lenhaFumeiroArmazém
74
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
A criação vernacular e popular
amêndoas. Precisam, por isso, de uma área de armazenamento e transformação com
alguma dimensão. Os animais criados para o consumo também necessitam do seu es-
paço, logo, os anexos construídos cumprem as dimensões necessárias para albergar a
quantidade que os proprietários criam.
Analisando os esquemas apresentados nas figs.57 e 58, observa-se que a tipo-
logia se organiza funcionalmente segundo o modelo de habitação do Algarve Central,
com um corredor situado no eixo central, por onde se entra e se acede às restantes
divisões da casa. Pode-se dividir esta tipologia em três zonas distintas: íntima, corres-
pondente aos quartos que ficam associados à fachada principal; mista, onde se inse-
rem o armazém, o fumeiro e o forno de lenha; social, onde se encontram a cozinha,
a zona de refeições e convívio em conjunto com o acesso vertical à açoteia. A zona
de refeições e de convívio familiar continua, neste modelo, a localizar-se no interior.
Assim, a habitação fica resguardada do calor excessivo do exterior e proporciona mais
privacidade aos seus utilizadores, apesar de se situar isolada no meio rural.
Existem três acessos que conduzem à zona social: o principal, através do cor-
redor central; o secundário, por uma porta lateral de acesso directo à cozinha; e o
terciário, através do armazém adjacente à habitação. Mais uma vez, fica demonstrada
a importância que o espaço social tem na sociedade algarvia, na época em questão. A
construção deste modelo funcional é recorrente nos finais do século XIX, sobretudo,
nas tipologias do Algarve Central, demonstrando, de certa forma, a ligação à cultura
muçulmana ainda presente6. Apesar do seu carácter vernacular, a proliferação deste
tipo de habitação surge como um modelo estandardizado que se repete inúmeras ve-
zes e que, posteriormente, se caracteriza como tipologia popular, reflexo do povo e da
sua identidade.
Mas, não é só na organização funcional que esta habitação recebe influências e
6 Para uma melhor compreensão, verificar a citação sobre a casa muçulmana no Algarve, apresentada anteriormente na pág. 35.
75
0 1m 4m
Inverno
Verão
0 1m 4m 0 1m 4m
59
60 61
Fig.59 - Entrada de luz solar nos períodos de Inverno e de Verão através dos vãos da fachada
Fig.60 - Esquema demonstrativo do efeito que as ondas de calor exercem na tipologia
Fig.61 - Esquema demonstrativo da recolha das águas da chuva
A criação vernacular e popular76
A criação vernacular e popular
referências do passado. A sua implantação também tem em consideração a disposição
solar. Neste tipo de habitação, correspondente à tipologia rural dispersa, a entrada e
os vãos ficam voltados a Sul e a fachada Norte, por norma, não tem qualquer vão para
o exterior. As aberturas estão resumidas às essenciais e são de pequenas dimensões,
como acontece no caso urbano analisado, servindo os mesmos propósitos de controlo
de entrada de luz e calor.
A luz do sol entra directamente nos quartos e no corredor de distribuição, atra-
vés do postigo da porta de entrada. A partir do corredor, é encaminhada indirectamen-
te para a zona social, iluminando-a, sem que exista um sobreaquecimento causado
pela entrada directa dos raios solares. A parte social recebe ainda iluminação natural
através da porta lateral e da porta de acesso à açoteia. Quando necessário, ambos os
postigos podem ser encerrados, bloqueando a entrada de luz e de sol na divisão.
Neste caso, assim como no exemplo urbano anterior, os materiais utilizados na
construção são os mesmos: a taipa; a telha de cano simples; a madeira no traveja-
mento; a cana no forro interior do telhado; o tijolo de adobe na constituição da co-
bertura do armazém, correspondente à açoteia. Como se tenta demonstrar na fig.60,
a utilização deste tipo de materiais e o modo como são empregues, ajuda a reflectir o
calor excessivo do exterior e facilita a saída do mesmo através da cobertura.
Para a recolha e armazenamento de água da chuva, são utilizados alguns ele-
mentos, vestígios muçulmanos que corroboram o passado histórico da região: a aço-
teia, a eira e a cisterna. A recolha de água é feita através da açoteia e da eira e,
posteriormente, é encaminhada para a cisterna onde fica armazenada. Deve ser acres-
centado que os elementos de recolha têm uma dupla funcionalidade. Quando não cho-
ve, e sobretudo nos meses de Verão, servem para estender as esteiras de cana onde
se secam os figos, as alfarrobas e as amêndoas. Esta dupla funcionalidade, tanto da
eira como da açoteia, já era utilizada pelos muçulmanos, e mantém-se até aos dias de
hoje em alguns casos.
77
62
63 64
Fig.62 - Detalhe da platibanda da habitação em estudo
Fig.63 - Chaminé de balão da habitação em estudo
Fig.64 - Vão da habitação guarnecido a pedra
A criação vernacular e popular78
A criação vernacular e popular
Associados a estes factores tipológicos e construtivos, estão elementos iconoló-
gicos que formalizam a imagem da habitação, atribuindo-lhe uma identidade simbóli-
ca. As figs.62, 63 e 64 constituem exemplos ilustrativos destes simbolos: a platibanda
decorada, a chaminé de balão pintada com motivos decorativos e os vãos guarnecidos
em pedra calcária trabalhada. Para além destes elementos servirem plenamente as
suas funções, estabelecem um diálogo com o mundo exterior, expressando uma ima-
gem facilmente assimilável e assinalável.
A platibanda começa a ser um elemento caracterizador da tipologia de habita-
ção algarvia nos finais do século XIX, sobretudo devido aos seus motivos decorativos.
Neste caso, apresenta apenas umas faixas horizontais, com algum relevo, intercaladas
por elementos verticais que quebram a horizontalidade do elemento, criando uma cer-
ta dinâmica e ritmo. Os motivos decorativos dependem do gosto pessoal do proprietá-
rio, das suas crenças e do dinheiro disponível para pagar quem os reproduz7. Este facto
vai gerar uma grande diversidade na imagem das tipologias algarvias, demonstrando
a individualidade de cada uma e, ao mesmo tempo, contribuindo para a caracterização
da identidade regional.
A chaminé desempenha um papel semelhante para a caracterização da tipologia
algarvia. O exemplo apresenta uma chaminé de balão. Esta configuração é usual na
região e encontra-se, sobretudo, no Algarve Central e no Sotavento Algarvio (Antunes,
1988: 234). Este tipo de chaminé apresenta uma forma cúbica no topo que protege a
saída do fumo, dos ventos predominantes; frequentemente, é nesse remate que são
pintados os motivos decorativos. Mais uma vez, esses motivos dependem do gosto do
proprietário e da sua disponibilidade financeira. Neste caso, toda a chaminé é pintada
de cor diferente da habitação, formando claro contraste visual entre o elemento e o
restante conjunto arquitectónico.
7 Chagas, José das - A Avezinha jornal algarvio. 2009 [em linha] As platibandas da cidade de Albufeira [consult. em 20 de Fevreiro de 2010]. Disponível em http://www.jornalavezinha.com/index.asp?idEdicao=197&id=9231&idSeccao=1739&Action=noticia
79
A criação vernacular e popular
Os vãos são guarnecidos, a pedra aparente talhada, com elementos decorati-
vos no topo de cada um. Por vezes, são pintados, o que, segundo alguns populares
antigos, evitaria a entrada de insectos no interior das habitações através da porta ou
janelas. O facto de se utilizar a pedra calcária facilita a escultura de elementos decora-
tivos, sobretudo no lintel superior, originando assim uma certa diversidade, tal como a
chaminé e a platibanda. Neste caso, o lintel superior apresenta um arco muito suave,
rematado no topo com uma figura geométrica central e uma saliência no limite supe-
rior, tornando-o deste modo mais rico e expressivo.
Em resumo, existem algumas diferenças entre os casos analisados, sobretudo
iconológicas, como a chaminé e a platibanda, que apenas se encontram no modelo
rural. Contudo, as semelhanças tipológicas encontradas acabam por sobressair em re-
lação às diferenças. Ambas as tipologias apresentam o mesmo modelo de organização
funcional, são construídas com os mesmos materiais e utilizam as mesmas técnicas
construtivas. As suas proporções, excluindo os anexos, são praticamente idênticas,
apesar de uma se situar no campo e outra na cidade, em duas localidades e realida-
des diferentes. Assim sendo, pode-se afirmar que a essência das tipologias populares
analisadas provém, em grande parte, da sua configuração, constituição e organização
espacial. Os elementos iconológicos, nos finais do século XIX, são, ainda, parte da in-
dividualização do objecto arquitectónico por parte dos seus proprietários, revelando os
seus gostos, crenças e poder económico, e só posteriormente passam a traduzir uma
identidade regional.
80
A transformação disciplinar do século XX
3
81
O século XX, no Algarve, corresponde a um período de tempo onde ocorrem
alterações profundas na região, saindo da marginalidade territorial que a acompanha
durante o século XIX, onde as actividades de subsistência são a pesca e a agricultura,
para reconhecimento e interesse nacional e internacional como destino turístico de
férias. É um século importante para o Algarve e para a economia regional e nacional,
onde se registam as maiores alterações físicas na paisagem natural, nas cidades e nas
tipologias de habitação.
A introdução de novos materiais na construção civil regional, como o betão
armado e o tijolo industrial, e a estandardização e reinterpretação dos elementos ar-
quitectónicos iconológicos, são condicionantes físicas directas para a transformação do
modelo tipológico algarvio. Em conjunto com esta evolução tecnológica, a introdução
do novo modelo de casa de férias, pelo turista estrangeiro e pelo emigrante regressado
a casa, acaba por contaminar a casa algarvia e a sua configuração, alterando a sua
essência. Por tudo isso, estas alterações devem aqui ser retratadas e analisadas.
Para se poderem caracterizar as modificações tipológicas ocorridas, o século XX
é analisado em duas partes: a primeira, até aos anos 60, demonstrando a importância
do modernismo no Algarve, condicionado pelo Estado Novo, na transformação e pro-
pagação da casa algarvia; a segunda, até finais dos anos 90, focando a importância
do turismo de massas e do pensamento pós-moderno da sociedade de consumo desta
época, na contaminação da nova tipologia da casa algarvia.
É feita uma contextualização do modelo tipológico algarvio nas duas partes do
século XX, referindo uma série de casos que demonstram, na generalidade, a que se
tipifica na região. De seguida, é analisado, em cada uma dessas partes, um caso es-
pecífico concebido por arquitectos que demonstre as qualidades tipológicas e iconoló-
gicas, reinterpretadas, que concernem o estudo em questão.
A transformação disciplinar do século XX 83
A transformação disciplinar do século XX
Anos Nº de habitantes
1864
1878
1890
1900
1911
1920
1930
1940
1950
117 310
203 939
230 275
257 378
276 074
270 592
295 660
319 625
328 231
Indústrias Nº defábricas
Nº demotores
Potência(HP)
Nº deoperários
Metalúrgicas
Cerâmicas
Químicas
Alimentares
Têxteis
Corticeira e mobiliária
Gráficas
TOTAL
6
2
3
41
15
22
3
92
7
2
2
50
1
5
7
77
172,5
32
16
659
27
118
110,5
1 135
45
45
15
3 206
340
1 244
124
5 019
65
66
Fig.65 - Quadro demontrativo do número de habitantes efectivos no Algarve entre 1864 e 1950
Fig.66 - Principais indústrias, no Algarve, em 1911
84
A industrialização, o modernismo e a identidade nacional do Estado Novo no Algarve
A transformação disciplinar do século XX
O Algarve chega ao século XX como uma região próspera, apesar do isolamento
geográfico que se manteve durante séculos, por falta de vias de comunicação com o
Norte do país. A crescente industrialização, iniciada no final do século XIX, ajuda a pro-
mover o desenvolvimento da região e a consequente prosperidade económica regional.
No entanto, acaba por não ser um factor extremamente relevante para o futuro.
Analisando os quadros apresentados nas figs.65 e 66, nota-se um crescimento
constante da população em termos globais na região, desde o final do século XIX até
meados do século XX, a par do crescimento da indústria. Em 1911, o Algarve conta-
va com, aproximadamente, 92 fábricas que empregavam cerca de 5019 funcionários.
Comparando estes dados com o número de habitantes residentes durante a mesma
década, 276074, percebe-se que apenas uma pequena minoria da população trabalha
directamente nas fábricas; a restante população continua ligada à produção agrícola
e à pesca. Indirectamente, estas actividades estavam relacionadas com a indústria,
como se pode observar no quadro da fig.66. A maioria das fábricas existentes era de
transformação alimentar, ou eram conserveiras ou eram transformadoras de frutos
secos, estando por isso ligadas às actividades praticadas pela maioria da população
algarvia.
Deste modo, a indústria acaba por desempenhar um papel inicial importante
no desenvolvimento da economia algarvia, pois era através da industrialização que se
podiam transformar os produtos locais, e exportar as conservas de peixe, as compotas
de doce, a farinha e o xarope de alfarroba. No entanto, a indústria não vai apenas afec-
tar a economia local. Vai afectar também as cidades onde se implanta, as suas envol-
ventes, os meios de comunicação entre elas, e a própria construção local. Começa-se
a ter uma noção de urbanidade e, paralelamente, a preocupação e a necessidade de
planificar a urbe. Surgem, com isto, grandes mudanças nas cidades.
“O urbanismo do início do século apoia-se em elementos de composição urbana,
que concretizam os princípios de racionalização, ordenamento e planeamento. As vias,
3.1
85
67
68
Fig.67 - Fábricas de conserva de peixe em Vila Real de Santo António - foto tirada nos anos 30 do século XX
Fig.68 - Habitações burguesas na Avenida da Praia da Rocha, no ano de 1913
A transformação disciplinar do século XX86
A transformação disciplinar do século XX
elementos que não só estabelecem as necessárias ligações intra e inter-urbanas, como
também introduzem uma componente de utilização do espaço pela população. (…) O
Caminho-de-Ferro revoluciona o sistema de transportes, permitindo deslocar grandes
quantidades de mercadorias, armazená-las em edifícios com grandes naves e distribui-
-las pelas indústrias e mercados abastecedores. O ferro enquanto material de cons-
trução tem um papel decisivo neste processo – com ele constroem-se os comboios,
as linhas de caminho de ferro, as pontes e viadutos, as estruturas das coberturas dos
armazéns e fábricas, os mercados. Os complexos industriais articulam-se com os ter-
minais ferroviários e com os chamados Bairros Operários” (Paula, 1999: 453 e 454).
Como se pode verificar, estas alterações no tecido urbano, juntamente com a
introdução de novas técnicas e materiais de construção, começam a revolucionar a pai-
sagem urbana algarvia. Com efeito, esta revolução industrial de pequena escala, acaba
por alterar, posteriormente, os métodos construtivos regionais utilizados até então,
afectando directamente as tipologias de habitação na sua concepção.
A industrialização dos materiais e a sua utilização, vem permitir uma constru-
ção rápida, eficiente e que pode atingir grandes dimensões. Estas características fa-
vorecem a sua utilização na construção algarvia, sobretudo, por parte dos industriais
endinheirados. Como se pode observar na fig.68, são bastantes os exemplos de tipo-
logias burguesas, de grandes dimensões, que começam a aparecer no Algarve. Estes
modelos apresentam uma configuração diferente dos modelos populares, onde deixam
de ser utilizados os materiais e as técnicas vernaculares. Mais uma vez, quem tinha
mais dinheiro usufruía das melhores tecnologias e demonstrava o seu poder económico
através da construção da sua casa.
Apesar da versatilidade construtiva que os novos materiais proporcionam, aca-
bam por não ser utilizados pela grande maioria da população algarvia. Os custos da
utilização do betão armado ou do ferro na construção são ainda elevados e, por isso,
são apenas utilizados na construção de edifícios de grande porte, públicos e privados,
87
69
Fig.69 - Hotel Viola na Praia da Rocha no ano de 1915
A transformação disciplinar do século XX88
A transformação disciplinar do século XX
ou em casas de burgueses. Esta condição prolonga-se até meados do século XX, reflec-
tindo-se na evolução da região. Uma das causas apontadas para este facto prende-se
com o desenvolvimento tardio do Modernismo em Portugal.
“Ao nível da arquitectura a sua chegada é tardia. Nos finais dos anos 20 ainda
não havia em Portugal edifícios conotados com este movimento, exceptuando algumas
obras de Pardal Monteiro e Norte Júnior, que são mais exemplos dum Art Nouveau
tardio que do novo movimento moderno, ainda muito ligado à construção metálica e à
utilização do azulejo nos elementos decorativos.
A chegada do Modernismo à arquitectura processa-se por mãos dos contactos
pessoais de arquitectos portugueses com os seus colegas europeus, concretamente,
com Cristino da Silva em Paris, Raul Lino e Jorge Segurado na Alemanha, Pardal Mon-
teiro na URSS ou Keil do Amaral na Holanda.
A partir de 1925 podemos considerar que o Movimento se estabelece como
corrente arquitectónica, principalmente na construção de prédios de rendimento, re-
alizados por um grupo restrito de arquitectos ligados a promotores privados” (Paula,
1999: 571).
Visto isto, pode-se dizer que estamos perante um estilo moderno passivo cuja
vertente mais revolucionária, de novas tendências e teorias, chega ao Algarve tardia-
mente. De facto, na região algarvia, está bem presente o tradicionalismo na arquitec-
tura do início do século XX até meados do mesmo, e apenas alguns casos se destacam
da generalidade. Os edifícios são construídos segundo métodos tradicionais e o betão
armado começa a surgir apenas para cumprir funções estruturais, proporcionando
maior estabilidade nas construções. No entanto, a imagem das edificações continua a
manter-se pouco alterada, como se pode observar no edifício apresentado na fig.69, o
Hotel Viola situado na Praia da Rocha, que reproduz uma imagem muito tradicionalista,
fazendo lembrar uma casa popular com platibanda.
Entretanto, durante a década de 1930, a indústria entra em decadência, e a
89
70
Fig.70 - Postal ilustrado da cidade de Albufeira (Nascente), na década de 30 do século XX
A transformação disciplinar do século XX90
A transformação disciplinar do século XX
população sofre consequências a nível económico que vão afectar, mais uma vez, o de-
senvolvimento da arquitectura na região. O empobrecimento geral da população leva,
consequentemente, à procura de soluções económicas para a construção, sobretudo
das habitações, continuando, deste modo, a utilizar-se os métodos construtivos tradi-
cionais vernaculares. Assim, a imagem das construções fica condicionada ao tradicio-
nalismo algarvio e continua a propagação da identidade popular algarvia nos edifícios.
Como se pode observar na fig.70, referente à cidade de Albufeira na década de 1930,
a maioria das construções existentes apresentam um carácter tradicional homogéneo,
que se traduz em casas de um ou dois pisos, com aberturas pequenas, telhados de
duas águas e pintadas de branco. Apenas os moinhos de vento e as torres das igrejas
se destacam formalmente no conjunto urbano.
Durante esta decadência económica, que acaba por afectar o país inteiro, o
Estado Novo (1933-1974) começa a consolidar-se, acabando por governar Portugal
durante 40 anos, aproximadamente. Este facto vai, também, influenciar o desenvol-
vimento da arquitectura nacional e regional e contribuir para a sua transformação,
estagnando por completo o Movimento Moderno. “Nos finais dos anos 30, com o en-
durecimento da ditadura, surge um estilo oficial, nacionalista, revivalista, figurativo e
monumentalista, influenciado por países como a Itália e a Alemanha, que marca o fim
do Modernismo como corrente.
O Modernismo foi, assim, uma breve aventura em Portugal, já que, absorvido
pelo nacionalismo, numa altura que o Estado Novo lança a política de obras públicas,
fazendo face à crise instalada e como forma de tomar as rédeas do processo de cons-
trução e urbanização, perde o seu carácter inovador e revolucionário” (Paula, 1999:
571).
Face a esta realidade, o Estado Novo, atento a qualquer avanço modernista,
actua, de modo a manter uma arquitectura concordante com a ideologia defendida,
como é possível entender através da seguinte citação. “Decidido então, nos finais da
década de trinta, na fase fascizante do Estado Novo (guerra civil de Espanha, criação
91
71
72
Fig.71 - O estilo “Português Suave”: a simetria e hierarquia estão presentes neste exemplo
Fig.72 - O estilo “Português Suave”: os telhados de influência oriental, o frontão e o esboçar de uns cunhais em pedra
A transformação disciplinar do século XX92
A transformação disciplinar do século XX
da Mocidade e da Legião Portuguesas), que o regime devia ter uma arquitectura que
expressasse os seus valores, a maioria dos arquitectos modernistas deram uma volta-
face e criaram um novo figurino, que passou a ser praticamente obrigatório nas enco-
mendas do Estado e que mais tarde passou a ser conhecido como «português suave»”
(Rosas, 1996:62).
A influência do Estado na arquitectura começa, então, por ser demonstrada em
edifícios de carácter público. Os princípios estadistas subvertem os conceitos moder-
nistas, e começa a surgir uma arquitectura com um carácter nacionalista. A intenção
da sua criação, é a união do povo português através de uma arquitectura que o ca-
racterize, ou que demonstre ser portuguesa, evocando ao mesmo tempo a figura do
Estado.
“O estilo nacionalista tem por base um carácter essencialmente político, mani-
festando-se na ordem, simetria, hierarquia e uniformização. Utiliza princípios e ele-
mentos do Modernismo, introduzindo-lhes os estilos considerados genuinamente por-
tugueses, como o Manuelino ou o Pombalino” (Paula, 1999: 572).
Nas figs.71 e 72, podem-se observar dois exemplos deste novo estilo arquitec-
tónico, onde os princípios de simetria, hierarquia, ordem, assim como os elementos
historicistas Manuelinos e Pombalinos, se reúnem num único edifício. Nestes casos,
encontramos ainda elementos de referência ao Oriente, nos beirais dos telhados, re-
lembrando a colónia portuguesa de Macau. Esta caracterização tipológica começa a
ser reproduzida, um pouco por todo o país, nas escolas, tribunais, edifícios estatais e,
também, nos bairros sociais.
As obras públicas que o governo promove também contemplam a criação de
bairros sociais, com a intenção de alojar as classes trabalhadoras menos favorecidas
da sociedade da altura, (Rosas, 1996:62) no caso do Algarve, pescadores e alguns
operários fabris. Os bairros sociais, em conjunto com as escolas primárias, surgem na
93
73
74
Fig.73 - Maquete do Bairro Social da Fuseta, Olhão: proposta do arquitecto Carlos Ramos
Fig.74 - Escola Primária, da época do Estado Novo
A transformação disciplinar do século XX94
A transformação disciplinar do século XX
região algarvia como os primeiros exemplos desta arquitectura que procuram integrar-
se na arquitectura regional, sem perderem o carácter estadista.
É uma tentativa que acaba por ser bem sucedida, pois para além de todos os
elementos considerados nacionalistas e estadistas, são também adaptados elementos
considerados regionais, procurando a tradição e o mundo rural caracterizador (Rosas,
1996:62). No caso do Algarve, são retiradas influências à arquitectura vernacular al-
garvia e ao seu dicionário histórico e arquitectónico, para uma melhor integração local.
Nas imagens apresentadas nas figs.73 e 74, correspondentes a um bair-
ro social em Olhão e a uma escola primária, observam-se algumas das influências
mencionadas. O bairro reproduz um modelo de habitação inspirado na casa com pátio
muçulmana e nas casas de açoteia características de Olhão. A escola primária, por ser
um equipamento público, segue uma tipologia mais estandardizada, que pode ser im-
plantada em várias cidades da região, por conseguinte, identificam-se elementos com
um carácter mais abrangente como o telhado tradicional de quatro águas, a chaminé
algarvia e uma sugestão de arcos sobre os vãos, que podem remeter para os arcos
árabes. Pretende-se, assim, manter a identidade algarvia no edifício, propagando uma
imagem baseada em elementos e referências históricas nacionais e locais.
Pode, então, concluir-se que durante a primeira metade do século XX, no Algar-
ve, as alterações introduzidas, bem como as adversidades vividas, foram importantes
para a propagação e afirmação da cultura e identidade local, mantendo-se esta muito
ligada às suas origens tradicionais.
95
A transformação disciplinar do século XX
Fig.75 - Modelo tipológico algarvio do início do século XX
75
96
Caracterização geral da casa algarvia na primeira metade do século XX
A transformação disciplinar do século XX
Neste subcapítulo, pretende-se analisar de que modo os factores que ocorreram
durante a primeira metade do século XX interferem, especificamente, na tipologia de
habitação algarvia e quais são as consequentes transformações tipológicas. Interessa
estudar a generalidade dos modelos, focando alguns casos específicos, para demons-
trar a evolução tipológica e iconológica ocorrida na região. Começa-se a análise desde
o início do século, incidindo o estudo na casa algarvia.
“Com o dealbar de 1900, a arquitectura algarvia, acompanhando o que suce-
deu pelo País fora, acentuou a tendência para a construção de obras ecléticas, em
que a dispersão por vários estilos e a sua sugestão no mesmo edifício se tornou uma
«moda». (…) Mais uma vez o Algarve se interessou por esta tendência, que vinha sem
dúvida ao encontro do gosto regional pelo precioso e pelo miniatural e detalhado” (Fer-
nandes, 1999: 373).
Continuam a praticar-se métodos construtivos tradicionais na grande maioria
das habitações populares, e começa a notar-se a difusão dos elementos decorativos
nas tipologias. A execução das platibandas e chaminés em betão armado, devido ao
desenvolvimento dos processos industriais, vai permitir uma construção rápida e a
consequente estandardização destes elementos. Como resultado, obtém-se a prolife-
ração dos mesmos por toda a região e a consequente massificação da imagem icono-
lógica regional.
Não existem grandes diferenças tipológicas nos modelos habitacionais popula-
res, entre as primeiras décadas do século XX e as últimas décadas do século XIX. Ape-
nas os motivos decorativos são alterados, seguindo a tendência da Arte Nova presente
na época. Com a excepção dos palacetes burgueses, as habitações da grande maioria
da população continuam a seguir as tendências vernaculares nos métodos construtivos
e na organização espacial. Na fig.75, observa-se uma tipologia algarvia do início do
século XX. Neste caso, o modelo tipológico é idêntico ao caso de estudo rural analisado
no capítulo anterior, onde ainda permanecem os elementos iconológicos principais da
3.1.1
97
76
Fig.76 - Postal ilustrado da zona do Rossio, Albufeira, na década de 1920
A transformação disciplinar do século XX98
A transformação disciplinar do século XX
habitação algarvia: a chaminé, a platibanda, as molduras dos vãos em pedra, a açoteia
e mesmo os aspectos funcionais e organizacionais do espaço. Este tipo de habitação,
ou pelo menos os seus símbolos iconológicos, são difundidos pela região e a sua pro-
pagação dura até meados do século XX.
Observando a fotografia da vila de Albufeira na década de 1920 representada na
fig.76, encontra-se uma grande homogeneidade formal na paisagem urbana. As habi-
tações apresentam-se, maioritariamente, com um piso e quase todas possuem os ele-
mentos iconológicos característicos. Ao mesmo tempo, existe uma individualização do
objecto arquitectónico, através dos motivos decorativos presentes em cada um, bem
como na sua cor, na qual, apesar de ser uma fotografia a preto e branco, é possível
distinguir as várias tonalidades existentes nas habitações. Estes factores podem ser
associados ao Modernismo sentido e vivido na região nesta altura. Observa-se ainda
a contrução de uma habitação que ainda utiliza a taipa como elemento construtivo, o
que condiciona fortemente a tipolgia existente.
“No Algarve podemos falar de um Modernismo «efémero e garrido»: é patente
nas habitações urbanas a habitual preferência pelo uso da cor e dos elementos deco-
rativos, nomeadamente nas fachadas, que prolonga no fundo a tradição anterior, do
século XIX e da Arte Nova” (Fernandes, 2005: 87).
Esta imagem acaba por ser cultivada, acarinhada e promovida para lá da década
de 1920. A grande diferença que existe em relação à tipologia popular, é que agora a
casa algarvia começa a deixar de ser construída pelos populares e passa a ser repro-
duzida por técnicos e construtores, multiplicando deste modo, exponencialmente, o
modelo de casa algarvia e a sua imagem iconológica na região.
Avançando no século XX, para lá da década de 1930, começam a aparecer casos
de habitações que recebem influências da arquitectura do Estado Novo, reproduzidas
por arquitectos que seguem a sua ideologia, e apresentam-se como excepções no pa-
99
78
Fig.77 - Tipologia de habitção moderna na década de 1930, Albufeira
77
Fig.78 - A Casa do Poeta, da autoria de Jorge de Oliveira, 1944, Faro
A transformação disciplinar do século XX100
A transformação disciplinar do século XX
norama popular, apesar de recorrerem a elementos rurais. “Na habitação individual,
recorre-se a um também desconexo uso de elementos de arquitectura regional, privi-
legiando os de sentido mais ruralizante” (Rosas, 1996: 62).
Este novo estilo, começa a ser reproduzido, sobretudo, nas habitações das fa-
mílias de classe social mais abastada, tal como havia acontecido com os palacetes nos
finais do século XIX. Nos exemplos apresentados nas figs.77 e 78, encontram-se dois
modelos de habitações modernas que seguem estes princípios. A exemplificada na
fig.77 retira referências à habitação de açoteia vernacular e ao seu carácter monolítico,
com um só piso. A da fig.78 reproduz a casa portuguesa, com os telhados de beirais,
arcos e alpendres, onde pode, ainda, observar-se a chaminé algarvia.
Outra grande diferença tipológica existente entre este tipo de habitações e o
tipo de casas populares mais corrente, para além da imagem, é a configuração que
estas passam a ter. Normalmente, estão implantadas nas imediações das cidades e
possuem um terreno circundante. Além disso, a sua escala é maior que a do modelo
popular e a organização espacial e funcional é, agora, diferente e serve um novo pro-
pósito: o lazer. Este é um facto muito importante, pois as novas tipologias passam a
ser pensadas e concebidas para uma utilização diferente, para o desfrute do seu utili-
zador nos tempos livres depois do trabalho e nos fins-de-semana, e, em alguns casos,
nas férias.
Nas décadas de 1940 e 1950, este conceito de casa de férias começa a surgir
com mais frequência na região. É o início de um processo que vai alterar completamen-
te o conceito das tipologias de habitação no Algarve e, consequentemente, a paisagem
construída na região. O novo modelo de habitação acaba por se integrar, sobretudo,
através da reinterpretação de símbolos iconográficos regionais levando a uma descon-
textualização popular dos mesmos. No entanto, não são os populares os impulsionado-
res deste modelo habitacional, mas sim os primeiros turistas que procuram construir
a sua residência de férias no Algarve. Paralelamente, o mercado imobiliário começa a
101
Fig.79 - Casa numa cidade do Algarve, por Raul Lino
Fig.81 - Planta da tipologia apresentada na fig.79
Fig.80 - Casa no Sul, por Raul Lino
Fig.82 - Planta da tipologia apresentada na fig.80
79
80
81
82
A transformação disciplinar do século XX102
0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
A transformação disciplinar do século XX
despertar, para tentar responder à procura que, neste momento, consiste nesse tipo
de construção.
Os arquitectos da época começam mesmo a realizar alguns estudos no senti-
do de satisfazer este novo conceito habitacional. Alguns projectos apresentados pelo
arquitecto Raul Lino, um modernista dentro da tradição nacional, correspondentes às
figs.79 e 80, sugerem como deveria ser a casa algarvia, de férias, em meados do sé-
culo XX. Uma casa que se adequa às novas necessidades dos utentes e procura uma
integração no meio local, mas mantém um carácter muito tradicional.
Em ambos os exemplos, as habitações são destinadas à utilização temporária.
Uma, apresenta uma forma muito simples, quase cubista, onde sobressaem a chami-
né, o alpendre e a arcada, remetendo mais uma vez para a imagem da casa elementar
de açoteia. A outra, está marcada pela existência dos beirados e telhados, em conjunto
com os vãos guarnecidos a pedra, pela arcada, pelo alpendre e pela barra colorida na
base, contornando o vão da arcada. Esta imagem remete para a tipologia portuguesa
introduzida pelo Estado Novo.
Esta diversidade aparente no novo modelo de habitação, tenta resolver o pro-
blema da procura, por parte dos diferentes turistas. As diferentes nacionalidades e
os diferentes gostos motivam o aparecimento de uma diversidade tipológica muito
grande. A mescla de influências culturais vai conduzir ao aparecimento de vários casos
com uma base iconológica comum, contribuindo para a contaminação dos modelos
vindouros. Esta tipologia começa a fazer parte do imaginário do turista que procura a
região para passar férias, alimentando assim a proliferação deste tipo de casa por toda
a região.
103
83
Fig.83 - Casa em Alporchinos, por Pitum Keil do Amaral, na década de 1960
A transformação disciplinar do século XX104
Caso de estudo - Casa em Alporchinhos
A transformação disciplinar do século XX
O caso de estudo seleccionado corresponde a uma casa de férias da década de
60 do século XX, localizada em Alporchinhos, na freguesia de Porches, pertencente ao
concelho de Silves. Esta habitação foi projectada pelo arquitecto Pitum Keil do Amaral,
filho do já referido arquitecto Francisco Keil do Amaral, um dos arquitectos que parti-
cipou no levantamento da Arquitectura Popular em Portugal, que é, nesta época, um
dos arquitectos de referência em Portugal (Fernandes, 2005: 116). A tipologia surge
como um bom exemplo de arquitectura moderna, conseguindo conciliar os traços tradi-
cionais da arquitectura vernacular com as técnicas e tendências modernistas da época.
A localização destas habitações destinadas a férias é, normalmente, em locais
privilegiados, junto do mar e da praia. Nesta década, não existem leis que regulem
a implantação deste tipo de construções, por isso, estas começam a surgir um pouco
por toda a parte, em locais paradisíacos e estratégicos do ponto de vista paisagístico.
Em oposição às habitações dos populares algarvios, estas novas tipologias co-
meçam a ocupar os terrenos costeiros deixados ao abandono, por não serem bons para
o cultivo. A população, no geral, procura os terrenos mais afastados do mar para se
implantar. O facto dos terrenos costeiros não serem propícios para a agricultura, leva
ao êxodo litoral dos populares e proporciona a venda destes terrenos aos turistas, para
a construção da sua casa de férias.
O caso em estudo foi construído afastado do meio urbano mais próximo, Arma-
ção de Pêra, perto da Praia das Gaivotas, o que proporciona condições únicas para o
lazer e relaxe, durante o período de férias. A área circundante era muito pouco povo-
ada na altura da sua construção, como se pode observar na fig.83. A habitação surge
rodeada pela natureza, estabelecendo uma simbiose entre a paisagem e o objecto
arquitectónico.
Parte da natureza envolvente corresponde ao lote para construção, permitindo
uma liberdade construtiva na implantação da habitação, seguindo estratégias seme-
3.1.2
105
0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
0 2m 10mN
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
Habitação
84
85
Fig.84 - Vista aérea do local de implantação do caso de estudo
Fig.85 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando o lote de terreno envolvente
0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
A transformação disciplinar do século XX
Acesso público
Acesso privado
Habitação
Cisterna
0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
ÁrvoresAcesso à cobertura
Árvores
0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
0 2m 10mN
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
Habitação
106
A transformação disciplinar do século XX
lhantes às dos seus antepassados vernaculares, na procura por melhor disposição
solar. Como se pode observar na fig.84, a habitação está localizada entre a rua e a
falésia, ficando voltada para a praia. Esta condicionante geográfica concede à habita-
ção uma relação visual directa com o mar, mesmo nos dias de hoje. A falésia entre a
habitação e o mar faz com que este eixo visual permaneça livre. “A casa da Senhora da
Rocha surge, no seu partido geral de contornos orgânicos, quase como um «crustáceo»
que aflora a falésia. Os muros e os muretes são tentáculos, e o corpo a casa - cober-
ta por açoteia, à qual se acede por escada externa, a partir de um pátio que o muro
branco e curvo define” (Fernandes, 2008: 110).
A existência de terreno envolvente à tipologia condiciona, também, a proximi-
dade das habitações vizinhas. A construção deste novo tipo de habitações acontece,
quase sempre, no centro do lote correspondente. Deste modo, a tipologia fica afasta-
da dos limites do terreno, que para além de proporcionar uma maior liberdade para
a implantação do volume, lhe confere uma maior privacidade. A fig.85 corresponde a
um esquema que revela qual é a relação que a casa estabelece com a sua envolvente
directa. Aqui, pode observar-se que a tipologia se afasta da rua, separada por dois mu-
ros baixos, e volta-se para a falésia, proporcionando uma maior intimidade no espaço
destinado ao lazer dos seus moradores.
Uma das grandes diferenças assinaláveis na implantação entre este novo tipo
de habitação e a tipologia popular é que o terreno envolvente já não se destina à
produção de subsistência. Apesar do espaço correspondente ao lote ser de dimensões
razoáveis, não existem hortas, árvores de fruto, nem qualquer outra actividade rela-
cionada com a sustentabilidade dos seus moradores. O espaço envolvente destina-se,
em grande parte, ao usufruto e, neste caso, também é utilizado para estacionar o
carro. É de notar que, apesar de ainda não existir um compartimento específico para
o automóvel, começa a ser dada uma certa importância para o integrar no conjunto
arquitectónico. O acesso à rua é pensado para poder entrar um automóvel e o prolon-
gamento desse acesso para o interior do terreno, mais especificamente para a parte
107
0 2m 10m N
Acesso à cobertura
Entrada
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
0 2m 10m
1 Entrada
2 Quartos
3 Zona de estar 4 Cozinha
5 Zona de refeições
6 W.C.7 Arumos
1
2
2
4
3
56
7
N
86
87
Fig.86 - Esquema representativo das diferentes zonas existentes na tipologia em estudo
Fig.87 - Esquema representativo dos diferentes compartimentos da tipologia em estudo
0 2m 10m
1 Entrada
2 Quartos
3 Zona de estar 4 Cozinha
5 Zona de refeições
6 W.C.7 Arumos
1
2
2
4
3
56
7
N0 2m 10m
1 Entrada
2 Quartos
3 Zona de estar 4 Cozinha
5 Zona de refeições
6 W.C.7 Arumos
1
2
2
4
3
56
7
N
A transformação disciplinar do século XX
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
Zona social
Zona íntimaZona mista
Entrada principal
Acesso à cobertura
0 1m 4m
1
2
34
5 6
72
1 Entrada / corredor de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 Forno a lenha
6 Fumeiro
7 Armazém
N
Entrada / distribuiçãoQuartosZona de estar Cozinha
Zona de refeiçõesInstalação sanitáriaEspaço multi-funcional
108
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N0 1m 4m
1
2
34
5 6
72
1 Entrada / corredor de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 Forno a lenha
6 Fumeiro
7 Armazém
N
A transformação disciplinar do século XX
lateral da habitação, permite o parqueamento do veículo, afastando-o do campo de
visão da zona mais social da habitação.
Na fig.86 percebe-se o funcionamento e a organização da casa em estudo. As
zonas social, mista e íntima estão organizadas no seguimento de um eixo longitudinal
que percorre a habitação, com um princípio, meio e fim. A chegada e entrada é feita
directamente para a zona social, que corresponde à sala de estar e à sala de refeições.
Seguidamente, surgem as áreas mistas, denominadamente, a cozinha, a instalação
sanitária e um compartimento que pode servir diferentes utilizações. No final deste
eixo, surge a zona íntima com os quartos.
A organização funcional deste modelo tipológico segue uma sistematização que
visa dar resposta ao estilo de vida moderno, aliado ao modo de vida em férias. Os
compartimentos existentes permitem a perfeita utilização da tipologia, responden-
do às necessidades básicas para habitar temporariamente um espaço. A flexibilidade
do espaço é pensada e traduzida através de um compartimento que pode ter várias
funções, como, por exemplo, prolongar a sala de estar, o espaço de trabalhar, ou de
dormir. A habitação procura ser mais versátil e dar resposta aos tempos modernos e
às necessidades dos seus utilizadores, que podem variar constantemente.
É dada especial importância à zona social da tipologia. Neste caso, a sala de
refeições comunica directamente com a sala de estar, e ambas comunicam directa-
mente com o átrio exterior. Esta relação transforma a zona social em espaço central da
habitação, como ocorre no modelo tipológico vernacular, com uma diferença, a cozinha
já não faz parte deste conjunto e surge agora como um compartimento isolado, funcio-
nal, seguindo um pouco a teoria de “máquina de habitar” de Le Corbusier. A confecção
das refeições deixa de ser o tema central na reunião familiar. Esse facto revela uma
mudança no comportamento social da época, fruto da evolução da sociedade e da as-
similação de determinados conceitos modernos. Contudo, esta tipologia ainda revela
alguns conceitos tradicionais vernaculares, reinterpretados e reutilizados, sobretudo
109
0 2m 10m
0 2m 10m
Inverno
Verão
Pôr do sol
Nascer do sol
0 2m 10m
0 2m 10m
Inverno
Verão
Pôr do sol
Nascer do sol
0 2m 10m
0 2m 10m
88
89 90
Fig.88 - Esquema demonstrativo da entrada de luz solar nos períodos de Inverno e de Verão
Fig.89 - Esquema demonstrativo da recolha de água da chuva para a cisterna
Fig.90 - Esquema demonstrativo do efeito das ondas de calor na tipologia
0 2m 10m
0 2m 10m
0 2m 10m
0 2m 10m
Inverno
Verão
Pôr do sol
Nascer do sol
A transformação disciplinar do século XX110
A transformação disciplinar do século XX
na adaptação ao meio e às condições naturais existentes. Esses ensinamentos são va-
liosos para um enquadramento da habitação na região do Algarve.
Como se pode observar no esquema da fig.88, apesar de existir um muro que
protege a habitação da rua, este não bloqueia a entrada de luz solar para o átrio ou
para a zona social da habitação. Todos os compartimentos recebem luz natural di-
recta através da disposição dos vãos: os quartos, de Nascente; a sala de estar e de
refeições, de Nascente e de Sul; a cozinha e a instalação sanitária, de Poente. Deste
modo, é garantida a salubridade dos compartimentos e a sua adequada utilização, do
ponto de vista do funcionamento e da vivência do espaço. As aberturas são de peque-
nas dimensões e são protegidas por portadas de madeira exteriores8, o que permite
a entrada controlada do sol. Deste modo, as temperaturas no interior da habitação
são, também elas, controláveis. O facto de existirem menos aberturas do lado Poente,
ajuda também a uma menor incidência solar no período da tarde, quando o sol atinge
uma temperatura mais elevada, garantindo um ambiente mais fresco no interior da
habitação.
A utilização dos novos materiais na construção, também ajuda a garantir algum
conforto térmico no interior da habitação. Neste caso, utilizam-se o tijolo industrial
e o betão armado. A materialização deste modelo arquitectónico segue a tendência
modernista verificada no Algarve, durante a primeira metade do século XX. As origens
culturais da arquitectura em terra são agora uma memória presente, apenas, em al-
guns modelos de origem popular.
Outro factor associado à sustentabilidade e ao modelo popular que começa a
ser subvalorizado nesta época, é a recolha e armazenamento da água da chuva. Nes-
te caso, existe uma cisterna e um pequeno eirado envolvente que faz a recolha e a
encaminha para o seu interior. Apesar de já não servir para a rega agrícola, a água
8 As portadas modernas acabam por servir o mesmo propósito das reixas, mas apresentam-se com um desenho e configuração diferente desse modelo antecessor.
111
92
Fig.91 - Entrada da habitação, escada de acesso à açoteia e cisterna
A transformação disciplinar do século XX
91
Fig.92 - Ícones presentes na tipologia em estudo, como reintrepertação da chaminé e da platibanda
112
A transformação disciplinar do século XX
recolhida pode ser consumida e utilizada na rega do jardim ou na lavagem do carro.
Embora a água canalizada seja uma realidade, continua a existir a preocupação do ar-
quitecto em manter este sistema vernacular, muito característico e precioso na região.
Na generalidade dos casos, é um recurso que começa a ser menosprezado nas novas
construções e prolonga-se até aos dias de hoje.
“A casa assume aqui a dominante horizontal e uma forma «lisa» [temas mo-
dernos por excelência], cruzadas com o sentido orgânico, curvilíneo, intimista [temas
de articulação e humanização], e com a assunção do muro como tema gerador, arti-
culado com o pátio, o poço e o terraço sobreelevado [os temas vernáculos]” (Fernan-
des, 2008: 110). Conjuntamente com esta imagem elementar da volumetria, surgem
dois elementos iconológicos já conhecidos e referenciados: a chaminé e a platibanda.
Estes símbolos regionais, apesar de sofrerem alterações relativamente à sua forma
ou função primordial, bem como na carga decorativa e nos valores a ela associados,
surgem como referência à identidade regional característica nas habitações algarvias.
Neste caso, a decoração da chaminé já não é demonstrativa da riqueza do proprietário
e limita-se a promover a imagem icónica da chaminé algarvia. A platibanda não serve
de guarda à açoteia, e o seu efeito surge através da extensão de parte da fachada
sobre o muro lateral.
Estes elementos surgem como uma crítica à estandardização dos ícones al-
garvios e à sua repetição, onde todo o sentido e carácter único existente nos tempos
vernaculares deixa de existir. Nesta tipologia, os elementos iconológicos populares são
mantidos como parte da cultura local, mas sofrem uma transposição para a contem-
poraneidade, coerente com os restantes valores tratados pelo arquitecto. São valores
locais e regionais respeitados e que marcam a sua genuinidade, parte da interpretação
pessoal do arquitecto, assim como acontecia no modelo vernacular popular.
113
93
Fig.93 - Construção do Hotel Sol e Mar, situado na Praia do Túnel de Albufeira, em postal ilustrado da “Co-lecção Passaporte”, da década de 1960
A transformação disciplinar do século XX114
O turismo e o pós-modernismo na região - contaminação da nova casa algarvia
A transformação disciplinar do século XX
“O eclodir do turismo massificado no Algarve, embora já prenunciado nos finais
dos anos 1950, verificou-se sobretudo, com enorme intensidade, ao longo da década
seguinte – quando se pode falar de uma verdadeira «revolução» da paisagem litoral
algarvia, para o bem e para o mal” (Fernandes, 2005: 109).
Estamos perante uma modificação na paisagem e na cultura algarvia, sem an-
tecedentes. O turismo proporciona não só uma modificação na paisagem devido às no-
vas construções para receber os turistas, mas também uma contaminação na cultura
algarvia que começa a receber influências de todo o mundo. As novas infra-estruturas
para receber e servir o turismo de massas na região começam a aparecer, sobretudo,
no litoral, ao longo da costa Sul do Algarve. As praias tornam-se na maior atracção
turística da região, logo, as cidades costeiras são as que sofrem maior transformação.
Interessa referir que até à década de 1950, parte da população algarvia migra
para o interior e mesmo para o Alentejo, em busca de trabalho agrícola. Mas, com o
agravamento da crise económica, muitos vêem-se obrigados a emigrar para fora do
país, como explica este pequeno excerto: “A partir dos anos cinquenta, logo que se
desbloqueiam as medidas restritivas de âmbito nacional e internacional, a emigração
volta a ser a única saída para a crise do País, incapaz de se renovar” (Raposo, 1995:
51).
Ao contrário, o litoral prospera, e quem fica na região procura um novo caminho
para o desenvolvimento económico. Na fig.93, pode-se observar um exemplo de uma
infra-estrutura construída com esse propósito. O Hotel Sol e Mar, em Albufeira, é o
primeiro de muitos na cidade e um dos primeiros na região. Surge na década de 1960,
com o intuito de dinamizar a cidade onde se insere, oferecendo condições para rece-
ber uma grande quantidade de turistas, ao longo de todo o ano. A criação de grandes
empreendimentos hoteleiros pode ser considerado o primeiro passo para o acolhimen-
to do turismo de massas no Algarve, mas não o único e, possivelmente, nem o mais
importante. O passo mais significativo para a vinda de turistas estrangeiros para o
3.2
115
94
Fig.94 - Fotografia da inauguração do Aeroporto Internacional de Faro em 1965
95 96
Fig.95 - Reprodução da chaminé algarvia na Aldeia das Açoteias, na década de 1960
Fig.96 - Postal ilustrado do Algarve da década de 1970
A transformação disciplinar do século XX116
A transformação disciplinar do século XX
Algarve foi a construção do Aeroporto Internacional de Faro, em 19659. Desta forma, a
região assume-se como um destino turístico e surge na rota aérea internacional como
mais um local de férias para milhares de turistas de todo o Mundo.
Os aldeamentos, apartamentos de férias, apart-hotéis, hotéis e habitações ex-
pandem-se por toda a região e promovem uma imagem baseada na cultura popular
algarvia, adulterada pelos mecanismos modernos da sistematização dos elementos
iconológicos, e pelo gosto e o imaginário de quem os projecta, promove e procura.
Esta recriação tem o intuito de cativar o turista estrangeiro, mostrando a especifici-
dade regional através dos modelos construídos. Durante a década de 1970, assiste-se
à afirmação deste tipo de construções, como caracterizadoras da identidade local. Os
elementos iconológicos como a chaminé e a platibanda passam a ser símbolos interna-
cionais da região e acabam por servir de imagem de referência e propaganda turística
em conjunto com as praias, a paisagem natural e a ruralidade regional, ainda muito
presente nesta década.
Como se pode observar nos exemplos demonstrados nas figs.95 e 96, res-
pectivamente, da década de 1960 e de 1970, a imagem da chaminé é recriada num
aldeamento turístico na Aldeia das Açoteias, e aparece em conjunto com a praia e
duas imagens que remetem para a actividade da pesca e para a ruralidade do interior
algarvio, num postal ilustrado alusivo à região. É uma tentativa clara de promover a
imagem do Algarve rural e pitoresco para o exterior, o que, de certa forma, contribuiu
para a promoção da imagem tradicional na arquitectura algarvia das décadas seguin-
tes, sobretudo no campo da habitação.
Após a revolução de 1974, o país entra numa nova era. Uma época pós-moder-
na, liberal, mais voltada para o consumo, onde a imagem passa a ser fundamental para
a sociedade emergente. Isto vai, de certa forma, motivar ainda mais a propagação da
9 Aeroporto de Faro. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [consult. em 04 de Maio de 2011]. Disponível em http://www.infopedia.pt/$aeroporto-de-faro
117
A transformação disciplinar do século XX
Fig.97 - Condomínio privado do final da década de 1990, onde coexistem habitantes temporários e perma-nentes
97
118
A transformação disciplinar do século XX
imagem iconológica promovida durante a década de 1970, e prolongá-la para o século
XXI. Em conjunto com esta disseminação iconológica, a construção atinge níveis exa-
cerbados, com repercussões até aos dias de hoje, já que na década de 80 do século XX
o número de fogos aumenta 50%10, o que contribui de forma significativa para a des-
caracterização da região. Este desenvolvimento abrupto, também está directamente
ligado ao facto de Portugal ter aderido a União Europeia (1986), seguindo uma politica
de financiamento prevista para o desenvolvimento de pequenas regiões (Fernandes,
2005: 119).
Na década de 1990, começam a aparecer planos reguladores que tentam con-
trolar a construção desmesurada. No entanto, não surtem o efeito desejado, visto que
o nível de crescimento nesta área atinge 30%, muito acima da média nacional11. No
entanto, são impostas regras para a construção dos alojamentos familiares ou colec-
tivos que são implementados. Estes são condicionados, desde o volume de constru-
ção até ao número de pisos e, inclusivamente, a imagem que o edifício ou conjunto
de edifícios proporciona. Assim, a construção destas novas infra-estruturas contribui
fortemente para o fenómeno da propagação da imagem popular algarvia, uma vez
que recorre a elementos considerados populares. Perante uma sociedade de consumo
motivada por estímulos visuais, é fácil depreender que ocorre uma relação recíproca
de causa/efeito, onde a imagem promovida é influenciada pela construção existente,
fomentando, por sua vez, a imagem que se pretende. Este facto vai ser determinante
para a transformação da habitação do final do século XX.
No exemplo apresentado na fig.97, estão resumidos os princípios caracterizado-
res proporcionados e motivados por este novo tipo de construções. Aqui, pode obser-
var-se a reprodução e multiplicação de elementos iconológicos, decorativos, como as
chaminés, as platibandas ou mesmo as molduras dos vãos. A sua utilização e aplicação
10 Comissão de Cordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDRA) - Protalgarve. 2006 [em linha] Volume II - Caracterização e diagnóstico. Anexo - O, pág. 9 [consult. em 1 de Junho de 2009]. Disponível em http://www.territorioalgarve.pt/Download.aspx11 Idem
119
A transformação disciplinar do século XX
avulsa, desarticulada e descontextualizada, retira-lhes todo o significado. Não passam
de casas geminadas vulgares e normais, as quais, se lhes fossem retirados todos os
elementos decorativos, seriam tipologias correntes pertencentes a todo o lugar ou a
lugar nenhum.
Este tipo de casas é adoptado por grande perte dos construtores e promotores
imobiliários, pois permite uma rentabilização maior do espaço onde se inserem, da
estrutura e da cobertura. A casa geminada é uma tipologia que oferece uma mistura
de casa isolada com apartamento, onde os seus habitantes disfrutam dessa simbiose
que desvirtualiza os dois modelos. Pode ser considerada uma casa gémea, pois nor-
malmente a sua configuração interior é igual e simétrica, minimizando os custos de in-
fraestruturas. O conjunto formado por várias casas deste tipo formam os denominados
condomínios, que surgem em grande escala na década de 1990.
120
Caracterização geral da casa algarvia na segunda metade do século XX
A transformação disciplinar do século XX
O processo iniciado na década de 1960, com o aparecimento da casa de férias,
ganha força nos dez anos seguintes e propaga-se a um ritmo incrível. Com a chegada
de milhares de turistas ao Algarve, com o fenómeno do êxodo rural e com o regresso
dos emigrantes, no final da década de 1970, a construção de habitações no litoral dis-
para. Estes factores, aliados aos anteriormente descritos, vão afectar directamente a
casa da população algarvia.
O facto de grande parte dos turistas serem sobretudo estrangeiros, e dos emi-
grantes regressados serem, também, oriundos de outros países, contribui marcada-
mente para novas influências sobre a imagem local das suas habitações de férias e
para residência permanente. O novo modelo traduz uma linguagem arquitectónica
inspirada nas tendências absorvidas nos países estrangeiros. No litoral, a influência é
exercida pelas casas dos turistas que procuram, preferencialmente, a costa algarvia.
No meio rural, são os emigrantes que exercem maior influência, pois a grande maioria
partiu daí, e é aí que regressa. “Portadores de novas práticas e de novas mentalidades
de influência urbana, este retorno periódico provoca alterações no modo de vida rural,
o que se reflecte na construção de um novo tipo de casa” (Raposo, 1995: 54).
Este novo modelo de habitação vai gerar, essencialmente, dois factos: o pri-
meiro, é a propagação da tipologia nos terrenos costeiros e do interior, sem qualquer
planeamento urbano, o que conduz a uma dispersão das habitações pelo território,
afectando a paisagem, a ordem e o equilíbrio de grande parte do mesmo; o segundo,
é o estímulo gerado por estas tipologias na população algarvia que tenta reproduzir
as suas habitações, com base nesta nova influência. O modelo tenta integrar-se na
paisagem algarvia através de artefactos ou semelhanças puramente formais que re-
criam, de certo modo, a habitação tradicional do Algarve, com todos os seus símbolos
iconológicos, tentando reproduzir a linguagem arquitectónica popular.
No entanto, o modelo arquitectónico reproduzido acaba por recriar uma série
de fragmentos das culturas ancestrais, descontextualizados e descaracterizados, que
3.2.1
121
Fig.98 - Casa para residência permanente, com influências da casa de férias, da década de 1980
98
Fig.99 - Casa para residência permanente, com diferentes influências misturadas no modelo, dos finais da década de 1980
99
A transformação disciplinar do século XX122
A transformação disciplinar do século XX
adulteram a sua essência. Como menciona Josep Maria Montaner: “Ao longo do século
XX, a arte e a arquitectura começam a se relacionar com a cultura do fragmento, (…).
Existe uma relação entre a aceitação da realidade – uma realidade cada vez mais frag-
mentada, descontínua e descentralizada – e a aceitação paulatina das teorias da com-
plexidade e da cultura do fragmento. Isso admite um tipo de formas artísticas híbridas,
compostas pela confluência de fragmentos heterogéneos” (Montaner, 2002: 186).
Entende-se, portanto, que a cultura do fragmento pode ser a explicação teóri-
ca para o aparecimento deste novo modelo de habitação, durante a década de 1980,
na região algarvia. Os exemplos apresentados nas figs.98 e 99 combinam uma série
de elementos e fragmentos que acabam por resultar na agregação de gostos e ten-
dências, num só objecto arquitectónico. Na primeira imagem, existe uma tentativa de
recriar a casa algarvia com telhados de uma ou duas águas com chaminé algarvia e
com alpendre, mas com uma escala maior; na segunda imagem, existe um frontão ne-
oclássico, com colunas, uma balaustrada que remete para a platibanda dos palacetes
do século XIX, uma cobertura em telha que segue a forma desarticulada da habitação
e, ainda, alguns dos vãos com molduras coloridas que remetem para a arquitectura po-
pular. Aqui, a junção e incorporação de excertos arquitectónicos de diferentes épocas
e culturas, resulta numa imagem demasiado híbrida e heterogénea.
A mudança na imagem deste novo modelo, associada à escala e ao facto de se
construir num lote circundante, predestinado para tal, são as características mais mar-
cantes da tipologia em questão. Estas construções estão normalmente incluídas em
planos de pequenos loteamentos, onde são definidos todos os parâmetros necessários
para a sua edificação. O planeamento urbano é, neste caso, o resultado da soma de
operações urbanísticas isoladas, não articuladas ou relacionadas, sem estratégia ter-
ritorial nem respeito pelos valores naturais, morfológicos e tipológicos. Não há uma
ideia para o conjunto mas, antes, recortes somados e dispersos, sem critério, sem
disciplina, à vontade dos promotores imobiliários.
123
Fig.100 - Habitação unifamiliar da década de 1990 - exemplo construído numa urbanização, onde é promo-vida a venda das tipologias para residência temporária ou permanente
100
A transformação disciplinar do século XX124
A transformação disciplinar do século XX
O que sucede, aliado a estas novas influências e condicionantes, é o despoletar
da descaracterização da tipologia tradicional e o aparecimento de uma tipologia hete-
rogénea, no panorama algarvio durante a década de 1980. A reprodução deste novo
modelo, originado pelo fenómeno associado ao turismo, torna-se muito frequente,
passando a ser reproduzido não só nas casas destinadas a férias, mas também nas de
carácter permanente. Os populares, em geral, aceitam bem este modelo que expressa
uma identidade própria e exibe símbolos ou certas nuances tradicionais, que remetem
para a imagem popular algarvia, de forma a integrar-se na memória colectiva, agora
um pouco anestesiada pelas novas influências e pela imagem que elas reproduzem.
Este pode ser o caminho para a descontextualização do modelo de habitação
algarvio do século XX. As suas bases são frágeis, o novo modelo acaba por se basear
apenas na simulação e recriação de desejos e elementos que tentam parecer regionais.
“Neste resvalo para uma cultura da simulação, o papel da imagem altera-se e deixa de
reflectir a realidade, passando a disfarçar e perverter a mesma realidade. Destituídos
da própria realidade, resta-nos um mundo de imagens, de hiper-realidade, de puro si-
mulacro. A desanexação destas imagens da sua complexa situação cultural de origem,
descontextualiza-as” (Leach, 2005: 18).
Esta mistura de ícones e formalismos transmite uma imagem, puramente simu-
lada, que tenta conservar as características populares e disfarçar a construção des-
caracterizada que se esconde por detrás dela. Apesar da origem dos símbolos e dos
elementos utilizados pertencer à região em questão, a sua adaptação ao novo modelo
acaba por descontextualizá-los. O exemplo apresentado na fig.100 corresponde a um
modelo tipológico que pode ser considerado falso moderno ou falso contemporâneo.
Neste caso, apenas os ícones, as cores e os símbolos estabelecem uma associação
imagética com as tipologias populares algarvias. A imagem do conjunto apenas imita
o popular, sem lhe atribuir nenhum significado cultural. Este acaba por ser o factor de-
terminante para a aceitação e proliferação deste modelo tipológico, e a sua propagação
prolonga-se até ao final da década de 1990, estendendo-se mesmo para o século XXI.
125
A transformação disciplinar do século XX
104102
101 103
Fig.101 - Planta do piso térreo de uma casa algarvia, finais do século XX
Fig.102 - Planta do primeiro piso
Fig.103 - Alçado Norte
Fig.104 - Alçado Sul
126
A transformação disciplinar do século XX
A organização espacial e funcional deste tipo de casa também é descaracteriza-
da e descontextualizada. Como se pode observar nas figs.101, 102, 103 e 104, corres-
pondentes a uma casa do final do século XX, não existe nenhum padrão construtivo ou
conceptual que se relacione com o seu passado cultural ou patrimonial.
As diferentes zonas da habitação estão dispostas segundo uma organização
funcional de optimização de infraestruturas, e não segundo a relação com a envolvente
ou a relação entre espaços. Não se procura a melhoria da qualidade dos compartimen-
tos nem uma melhor vivência do espaço, apenas maior quantidade e maior área cons-
truída. Na descrição encontrada no site que faz a promoção e comercialização desta
casa pode depreender-se isso mesmo. “Esta casa implantada num lote de 3170m2 tem
dois pisos com uma área útil de 301m2. No rés-do-chão existem 2 salas, 3 quartos, 3
casas de banho, vestíbulo, uma cozinha espaçosa com duas áreas anexas para arru-
mações, uma sala para serviços, e uma garagem. No primeiro piso, mais dois quartos,
tendo um deles uma divisão roupeiro, duas casas de banho e dois agradáveis terraços.
Anexo ao terraço do lado Sul da casa encontra-se ainda uma piscina, envolvida pelo
jardim da casa”12.
No entanto, e apesar de este ser o panorama generalizado no Algarve durante a
segunda metade do século XX, existem modelos de referência, sobretudo projectados
por arquitectos, que tentam contrariar esta tendência. Apesar dos poucos exemplos
existentes na região, conseguem-se encontrar alguns que devem ser referenciados. A
sua introdução nem sempre é socialmente bem aceite, pois choca com os estereótipos
instalados colectivamente, cultivados pelo modelo da casa do emigrante, fortemente
enraizados na região. Contudo, devem ser vistos como forma de consciencialização
para a população e de crítica ao que acontece na realidade algarvia. O caso de estudo
que se segue é, nesse sentido, um óptimo exemplo e foi, por isso, seleccionado para
análise.
12 Texto descritivo, promocional, da habitação apresentada. Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras II [consult. em 5 de Abril de 2011]. Disponível em http://www.fmm.pt/imobiliario/imob3.html
127
105
Fig.105 - Casa na Quinta do Lago, do arquitecto Eduardo Souto Moura. O projecto é de 1984 e a construção é de 1989
A transformação disciplinar do século XX128
Caso de estudo - Casa na Quinta do Lago
A transformação disciplinar do século XX
A tipologia em estudo fica situada na Quinta do Lago, em Almancil, Loulé. A
Quinta do Lago é um empreendimento turístico que surge na década de 1970, promo-
vendo habitações de luxo para um turismo muito exclusivo. No caso concreto da Quinta
do Lago, o facto do empreendimento se localizar num Parque Natural onde se pode dis-
frutar da natureza e de um ambiente repousante, em conjunto com os campos de golfe
criados para atracção turística, tornam-se as principais características promocionais
para a posterior venda de lotes de construção13. Consequentemente, o empreendimen-
to sofre um grande crescimento para poder responder à procura existente de clientes
exigentes. Na década de 1980, este conceito já está bastante enraizado no Algarve.
O caso de estudo é um projecto do arquitecto Eduardo Souto Moura, um dos
mais conceituados arquitectos portugueses do seu tempo, nacional e internacional-
mente. Este modelo habitacional surge no contexto pós-moderno e apresenta-se como
uma reinterpretação pessoal do arquitecto do que deve ser a casa algarvia, à seme-
lhança do modelo projectado por Keil do Amaral, analisado anteriormente. A procura
de referências no passado, interpretando-as e transformando-as à imagem do presen-
te são, neste caso, bem conseguidas.
A tipologia apresenta-se, ela própria, como uma crítica à arquitectura que é
praticada na região durante esta época. É contrariada a tendência de propagação da
imagem tradicionalista, fragmentária, da casa do emigrante e é apresentado um mo-
delo em conformidade com o pensamento de Le Corbusier recorrendo à utilização de
alguns elementos iconológicos regionais.
Segundo um excerto do próprio arquitecto: “Tipologicamente, a construção sur-
giu do cruzamento de uma certa arquitectura do Sul, e por estranho que pareça, com
algumas casas chinesas. (…) Também não foram indiferentes algumas obras já cons-
13 Excerto sobre o local onde se insere o caso de estudo. Quinta do Lago. 2011 [em linha] História [consult. em 16 de Maio de 2011]. Disponível em http://www.quintadolagogolf.com/pt/the-story/the-his-tory/
3.2.2
129
Páteos
Acesso à cobertura
N0 2m 10m
Árvores
Piscina
Habitação
106
107
Fig.106 - Localização geográfica da tipologia em estudo (fotografia aérea actual)
Fig.107 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando os pátios e as entradas de luz
A transformação disciplinar do século XX
Habitação
PiscinaPátios
Acesso à coberturaÁrvores
Entradas de luz
Páteos
Acesso à cobertura
N0 2m 10m
Habitação
Árvores
Piscina
Páteos
Acesso à cobertura
N0 2m 10m
Árvores
Piscina
Habitação
130
A transformação disciplinar do século XX
truídas. Redesenhamos sempre o nosso passado para o bem e para o mal. Durante
o projecto ainda tivemos que recorrer a algumas imagens de Corbusier para segurar
pontos débeis... (...) A utilização de modelos e referências surgiu mais como rectifica-
ção e confirmação à proposta inicial do que como imagens a perseguir”14.
A implantação desta habitação está fortemente condicionada pelo plano da ur-
banização da Quinta do Lago. Neste empreendimento, tudo é planeado ao pormenor
para que o luxo e especificidade que se pretendem se mantenham. As ruas planificadas
dão acesso a todas as infra-estruturas existentes, sem interferir com o sossego nas
habitações. O campo de golfe é projectado com o intuito de promover a actividade
principal no empreendimento e, ao mesmo tempo, cria espaço verde envolvente. As
habitações estão inseridas em lotes organizados próximo do golfe e, grande parte, não
tem nenhuma barreira física delimitativa.
Como se pode observar na fig.106, o caso de estudo situa-se frente a um dos
percursos do campo de golfe, entre dois outros lotes e com acesso directo através de
uma das ruas existentes. Os lotes são numerados e têm, aproximadamente, a mesma
dimensão, dependendo da sua localização e preço. Neste tipo de loteamento, as tipo-
logias estão condicionadas na sua volumetria, área de implantação, número de pisos
e caracterização.
A disposição no terreno deste modelo privilegia a privacidade da zona de lazer, e
dos seus moradores em relação ao acesso público. Para além de existir um afastamen-
to considerável entre a habitação e a rua, as aberturas da casa ficam viradas para o
interior do lote ou para os pátios, e a zona de lazer fica resguardada pela própria tipo-
logia. Entre os vizinhos, a privacidade é mantida com a colocação de algumas árvores
e vegetação que criam uma cortina verde, resguardando o espaço social de cada casa.
A orientação de cada uma das tipologias acaba por também favorecer essa privacida-
de, através de pequenas rotações.
14 Artigo cedido pelo atelier de arquitectura Souto Moura - Arquitectos Lda., em resposta a um pedido de informação sobre o projecto, através de e-mail, em 18/06/2009.
131
0 2m 10m
Acesso à cobertura
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
N
0 2m 10m
1 Entrada / zona de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 W.C.
6 Lavandaria
7 Escritório
1
2 2 2 2
3
4
8 Garagem
9 Páteos
5 5 5
5
56
7
8
9
99
N
108
109
Fig.108 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando as zonas social, íntima e mista
Fig.109 - Planta esquemática da habitação em estudo, identificando os diferentes compartimentos
0 2m 10m
Acesso à cobertura
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
N
0 2m 10m
Acesso à cobertura
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
N
A transformação disciplinar do século XX
0 2m 10m
1 Entrada / zona de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 W.C.
6 Lavandaria
7 Escritório
1
2 2 2 2
3
4
8 Garagem
9 Páteos
5 5 5
5
56
7
8
9
99
N0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
Zona social
Zona íntimaZona mista
Entrada principal
Acesso à cobertura
Entrada/distribuiçãoQuartosZona de estar Cozinha Garagem
Instalação sanitária
Escritório
Lavandaria
0 2m 10m
1 Entrada / zona de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 W.C.
6 Lavandaria
7 Escritório
1
2 2 2 2
3
4
8 Garagem
9 Páteos
5 5 5
5
56
7
8
9
99
N
0 2m 10m
1 Entrada / zona de distribuição
2 Quartos
3 Zona de estar / refeições
4 Cozinha
5 W.C.
6 Lavandaria
7 Escritório
1
2 2 2 2
3
4
8 Garagem
9 Páteos
5 5 5
5
56
7
8
9
99
N
Pátio
132
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
A transformação disciplinar do século XX
Analisando a planta da fig.107, observam-se três factos interessantes que se
destacam das tipologias analisadas anteriormente. O tema dos pátios é recuperado, a
luz é tratada com a devida importância, existindo clarabóias de iluminação que servem
as zonas menos iluminadas da habitação, e a área exterior incorpora uma piscina.
Estamos perante uma tipologia que busca referências nos modelos dos antepas-
sados muçulmanos da casa pátio e, ao mesmo tempo, procura a sua reinterpretação e
adaptação aos tempos modernos e às necessidades presentes sustentados na cultura
arquitectónica. O espaço envolvente à habitação é, assim como no caso de estudo de
Alporchinhos, destinado ao lazer. Neste caso, em vez de uma cisterna para recolha de
água da chuva, existe uma piscina para desfrute dos utentes. De uma forma geral, a
divulgação e implantação das piscinas nas tipologias de férias torna-se corrente e pas-
sa a ser um pré-requisito na construção deste novo modelo de habitação.
Existem novos compartimentos adicionados ao programa habitacional. Neste
caso, destacam-se a lavandaria, o escritório e o lugar de estacionamento. Estas novas
funções, introduzidas ao longo do século XX, estão finalmente implantadas em prati-
camente todos os modelos habitacionais desta época. A introdução da garagem como
parte da habitação é a alteração mais significativa a referir. O automóvel já está im-
plementado na sociedade e passa a ser o utilitário de eleição dos consumidores, logo,
começa a ser integrado um compartimento na habitação destinado a guardá-lo. Faz
parte do conforto exigido pela sociedade do final do século XX que o estacionamento
seja coberto e o mais próximo possível da habitação, de preferência com acesso direc-
to ao interior da mesma. Neste caso, é isso que acontece.
Outro facto relevante na evolução deste modelo, é o número de quartos existen-
tes e a sua autonomia em relação à habitação, onde cada quarto dispõe de instalação
sanitária própria. Todos têm uma dimensão idêntica, não existindo hierarquia entre
eles. A repetição, racionalidade e funcionalidade características do modernismo, estão
presentes neste exemplo. Os módulos dos quartos estão dispostos em sequência, têm
133
0 2m 10m
0 2m 10m
Inverno
Verão
0 2m 10m
0 2m 10m
110
111 112
Fig.110 - Esquema demonstrativo da entrada de luz solar nos períodos de Inverno e de Verão
Fig.111 - Esquema demonstrativo da recolha e evacuação da água da chuva
Fig.112 - Esquema demonstrativo do efeito das ondas de calor e da sua evacuação do interior
0 2m 10m
0 2m 10m
Inverno
Verão
A transformação disciplinar do século XX134
A transformação disciplinar do século XX
o acesso através do mesmo corredor e estão todos virados para o mesmo lado.
Os pátios estruturam e relacionam partes do programa, nomeadamente, a en-
trada social, a entrada de serviço e a zona mista que incorpora a área de serviços.
Deste modo, estabelecem a ligação entre algumas divisões da habitação e servem,
também, para a ventilação e iluminação dessas divisões. A entrada principal é efectu-
ada através do pátio maior para um pequeno átrio de distribuição, a partir do qual se
acede directamente à sala de estar, à cozinha ou ao corredor que conduz aos outros
compartimentos da habitação. A forma como o autor estrutura a entrada na habitação
remete para a organização espacial da tipologia muçulmana (Catarino, 1999: 99).
Existe uma separação bem distinta das zonas social, mista e íntima. Formal-
mente, estão divididas por secções dispostas segundo um organigrama funcional, in-
terligadas pelo átrio e corredor de distribuição. No esquema da fig.108, observam-se
as relações entre as diferentes zonas, a sua disposição funcional e dimensional. O eixo
da entrada principal divide as zonas mistas, ficando a cozinha, lavandaria e arrumos do
lado Poente, e a instalação sanitária principal, o escritório e a garagem a Nascente. O
corredor de acesso e de distribuição separa e dá acesso aos quartos e a uma das zonas
mistas. A zona social fica directamente relacionada com o eixo principal da entrada,
como acontece em todos os exemplos analisados anteriormente.
A formalização da tipologia, apesar das restrições existentes, tenta tirar o me-
lhor partido da entrada de luz solar em todos os compartimentos. Como já foi referido,
existem clarabóias na cobertura que levam a iluminação natural às zonas menos ilumi-
nadas da tipologia, e os pátios também acabam por cumprir esta função. Na fachada
Sul, onde se encontra o grande vão com vidro correspondente aos quartos e à zona
social, a entrada de luz solar é directa e é controlada pelo recuo do vidro em relação
ao topo da laje, formando uma protecção, como demonstra o esquema da fig. 110.
Nesta habitação, não existe aproveitamento da água da chuva. A água que cai
135
113 114
Fig.113 - Entrada para a garagem, onde se podem observar alguns volumes da cobertura
Fig.114 - Entrada principal e conjunto de volumes puros localizados na cobertura
115
Fig.115 - Fachada Sul da casa
A transformação disciplinar do século XX136
A transformação disciplinar do século XX
na cobertura é encaminhada para o exterior da habitação, mais concretamente para o
terreno envolvente, e a que cai nos pátios é recolhida através de um sistema de reco-
lha de águas pluviais. A vertente sustentável existente nos antepassados analisados é
esquecida. Existe uma despreocupação, neste caso, em relação ao aproveitamento do
recurso hídrico proveniente da natureza, que continua a ser escasso na região.
Para a construção desta tipologia, são utilizados materiais e tecnologias actuais.
É utilizado o betão armado na concepção da volumetria exterior da habitação, o que
permite uma maior plasticidade e liberdade construtiva, e no interior são utilizadas
paredes de alvenaria15. A utilização do betão armado permite a execução do grande
vão existente na fachada Sul da habitação, e também permite a execução dos elemen-
tos que assentam na cobertura do edifício. Em termos de isolamento térmico, o betão
armado funciona como uma caixa protectora e ajuda a manter o calor no exterior.
Aliado a este facto, alguns dos elementos existentes na cobertura, mais propriamente
as clarabóias e o paralelepípedo que se situa sobre o corredor de circulação, facilitam
a circulação do ar no interior e a consequente extracção do calor pela cobertura, como
demonstra o esquema apresentado na fig.112.
Esta tipologia, apesar de depurada, apresenta símbolos que podem ser consi-
derados iconológicos. De uma forma sintética esta casa resume uma série de forma-
lismos que remetem para a casa ancestral do Algarve. A sua imagem sugere uma casa
de um só piso, com açoteia e mirante, associada à casa vernacular algarvia de Olhão.
Além disso, os elementos puros e brancos na cobertura, à imagem de Le Corbusier,
remetem para influências regionais ancestrais: a cúpula para as origens árabes, a pi-
râmide para os telhados de Tavira, o paralelepípedo para o mirante, e a chaminé, sem
estar decorada, ganha o protagonismo existente no modelo vernacular.
O facto é que, apesar de estilizados e depurados, os símbolos aqui existentes
15 Segundo os desenhos construtivos cedidos pelo atelier de arquitectura Souto Moura - Arquitectos Lda.,
em resposta a um pedido de informação sobre o projecto, através de e-mail, em 18/06/2009.
137
A transformação disciplinar do século XX
apresentam um carácter iconológico de origem, ou inspiração vernacular. Apesar da
sua aplicação não ser exclusivamente formal, são fruto da reinterpretação dos íco-
nes regionais pelo arquitecto. Neste caso, estes símbolos acabam por caracterizar e
identificar a tipologia, atribuindo-lhe uma identidade regional. Sem eles, a tipologia
apresentava-se como um simples volume que pode ser adaptado a qualquer parte do
mundo.
138
Permanências na identidade, transmitidas entre a casa popular do século XIX e a casa popular do século XX
4
139
Neste último capítulo, pretende perceber-se o caminho evolutivo que a casa
algarvia seguiu a nível tipológico e iconológico e quais foram as contaminações ao
longo deste processo, desde a arquitectura vernacular até ao final do século XX. São,
portanto, comparados os modelos analisados anteriormente, revelando as alterações
formais, funcionais e estéticas existentes, assim como as influências e permanências
presentes. Esta comparação permite traçar uma ideia deste processo evolutivo, duran-
te o último século.
Os modelos comparados correspondem às casas populares do século XIX ana-
lisadas no segundo capítulo, e às casas concebidas e desenvolvidas por arquitecto do
século XX, analisadas no terceiro capítulo. Esta escolha permite uma avaliação mais
coerente do desenvolvimento da casa algarvia na região, segundo as tendências, for-
malizações e interpretações arquitectónicas feitas em diferentes décadas, por diferen-
tes autores.
Após esta análise comparativa é efectuada uma reflexão, mais abrangente, so-
bre a realidade dos primeiros anos do século XXI, mostrando um retrato da realidade,
visto que a grande maioria das tipologias não são feitas por autores. Os casos mencio-
nados visam gerar uma crítica construtiva, sempre sustentada em teorias de críticos
de arte e de arquitectura, para que desta forma seja uma análise coerente e consis-
tente. Esta reflexão contribui para a conclusão deste estudo, deixando em aberto uma
possível evolução do modelo tipológico e iconológico para o século XXI.
Permanências na identidade da casa popular 141
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga / galinheiro
Latrinas
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
0 2m 10mN
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
Habitação
Páteos
Acesso à cobertura
N0 2m 10m
Árvores
Piscina
Habitação
116
117 119
Fig.116 - Tipologia popular urbana, século XIX
Fig.117 - Tipologia popular rural, século XIX
Fig.118 - Casa em Alporchinhos, década de 1960
Fig.119 - Casa na Quinta do Lago, década de 1980
Habitação
Armazém / Outros
W.C.
Galinheiro
Horta / Pomar
Cisterna / recolha de àguas
Envolvente construida
0 2m 10m N 0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
Entradas de luz
Páteos
Acesso à cobertura
N0 2m 10m
Habitação
Árvores
Piscina
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
Permanências na identidade da casa popular
Envolvente construida
0 2m 10m N
Habitação
Armazém / Outros Galinheiro
Latrinas
Cisterna / recolha de àguas
118
0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
Armazém/outros
Cisterna/piscina
PátiosPáteos
Acesso à cobertura
N0 2m 10m
Árvores
Piscina
Habitação
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga / galinheiro
Latrinas
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
Habitação
Armazém/outros
Cisterna/piscina
Adega/lagar
LatrinasGalinheiro/pocilga
142
Escala dos esquemas
Comparação tipológica e iconológica dos casos estudados
Permanências na identidade da casa popular
Para uma melhor percepção das diferenças entre os objectos arquitectónicos,
devem ser observados os esquemas e imagens que são apresentados ao longo deste
capítulo. Os desenhos estão dispostos segundo ordem cronológica, apresentados à
mesma escala e com a indicação do Norte geográfico. A comparação é feita segundo
uma sequência ordenada por diferentes valores: implantação e caracterização do ter-
reno envolvente; compartimentos de apoio adjacentes e suas funções; formalização e
dimensão do modelo tipológico; organização funcional e espacial da tipologia; imagem
e símbolos iconográficos.
Os quatro casos de estudo apresentam diferentes implantações com condicio-
nantes envolventes distintas, como se pode observar. Estas discrepâncias advêm de
factores de carácter urbano, natural e social, e influenciam directamente a disposição
da tipologia no terreno. A tipologia da fig.116 situa-se inserida na malha urbana, si-
tuação que condiciona a sua dimensão e o seu posicionamento. Na fig.117, a tipologia
está situada numa zona rural onde a construção existente é dispersa, e os terrenos
envolventes são de grandes dimensões, por isso, não existem condicionantes especias
que afectem a sua implantação. A fig.118 reflecte uma das primeiras mudanças na
inserção no terreno das casas no Algarve. Neste caso, a habitação está envolvida pelo
lote correspondente, delimitado por muros, o que lhe confere uma maior liberdade
conceptual e posicional. Esta mudança também está presente no caso da fig.119, mas
com uma diferença: este modelo está inserido numa urbanização que prevê este tipo
de situações. Assim, o projecto já é efectuado segundo as condicionantes existentes.
No entanto, existe algo de comum entre alguns dos objectos arquitectónicos em
estudo. Os casos das figs.117, 118 e 119, apresentam uma implantação que tem em
conta a disposição solar. Nestes casos, a maioria dos seus vãos são orientados para
a mesma direcção, Sudeste. Observando atentamente, o caso da fig.117, volta a sua
fachada principal, o da fig.118, volta a sua entrada e zona de lazer, e o caso da fig.119,
volta a sua fachada envidraçada e a zona de lazer. O único caso que apresenta uma
orientação diferente é o apresentado na fig.116. Isto deve-se ao facto desta tipologia
4.1
143
122120
121
Fig.120 - Tipologia popular urbana, século XIX
Fig.121 - Tipologia popular rural, século XIX
Fig.122 - Casa em Alporchinos, década de 1960
Fig.123 - Casa na Quinta do Lago, década de 1980
123
0 2m 10m
Acesso à cobertura
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
N
0 2m 10m N
Acesso à cobertura
Entrada
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
N0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
Acesso ao quintal / Entrada secundária
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
N0 2m 10m
Habitação
Armazém / Outros
Pocilga
Galinheiro
Adega / lagar
Cisterna / recolha de àguas
Entradas de luz
Páteos
Acesso à cobertura
N0 2m 10m
Habitação
Árvores
Piscina
Habitação
Armazém / Outros
W.C.
Galinheiro
Horta / Pomar
Cisterna / recolha de àguas
Envolvente construida
0 2m 10m N 0 2m 10mN
Habitação
Cisterna / recolha de àguas
Acesso à cobertura
Árvores
Permanências na identidade da casa popular
0 2m 10m
Acesso à cobertura
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
N
0 1m 4m
Zona pública / social
Zona privada
Zona semi-pública
Entrada principal / distribuição
Acesso à açoteia
N
Zona social
Zona íntimaZona mista
Entrada principal
Acesso à cobertura
Escala dos esquemas
144
Permanências na identidade da casa popular
estar condicionada pela envolvente urbana directa, ao contrário das restantes.
Outra diferença que sobressai nos modelos analisados é a existência de com-
partimentos exteriores na proximidade da tipologia da habitação, nos conjuntos popu-
lares, e a inexistência dos mesmos nos modelos mais recentes. Normalmente, os ane-
xos estavam associados às actividades agrícolas e à criação de animais para consumo
e essas actividades deixam de fazer parte do quotidiano dos utilizadores dos modelos
tipológicos mais contemporâneos. Nos modelos populares, existe ainda um compar-
timento exterior que corresponde à latrina e lavabos. Nas tipologias mais recentes,
deixa de existir esse compartimento no exterior, passando a ser integrado na habita-
ção com o nome de instalações sanitárias. As cisternas desaparecem à medida que o
modelo habitacional vai evoluindo, aparecendo a piscina no seu lugar. Estas mudanças
estão relacionadas, sobretudo, com a mudança do estilo de vida da sociedade, ao
longo das épocas analisadas e com a evolução das redes de infra-estruturas de água.
Analisando a formalização e dimensão das tipologias de habitação, observa-se
que existe um aumento de área habitável ao longo da sua evolução. Comparativa-
mente, nos modelos populares, a área habitável é praticamente idêntica. O facto de
se construir com materiais e técnicas tradicionais condiciona a dimensão da tipologia.
Além disso, a utilização do espaço habitável é reduzida à essencial, condicionando-
a formalmente. Com a implementação do betão armado na indústria da construção,
existe uma maior liberdade conceptual para a formalização dos objectos arquitectó-
nicos (Richards, 1961: 40), assim, os casos mais contemporâneos apresentam diver-
sidade formal e maior escala. Contudo, o factor material não é o único responsável
pelo aumento da área dos novos modelos. O factor económico, a evolução do espaço
social e a integração de diferentes utilizações na habitação, são preponderantes para
o aumento de escala destas tipologias mais recentes.
Nos esquemas apresentados nas figs.120, 121, 122 e 123, são bem visíveis as
diferenças de escala entre os modelos analisados. As tipologias populares são, apro-
145
126124
125 127
Fig.124 - Casa popular urbana, século XIX, imagem iconológica
Fig.125 - Casa popular rural, século XIX, imagem iconológica
Fig.126 - Casa em Alporchinos, década de 1960, imagem iconológica
Fig.127 - Casa na Quinta do Lago, década de 1980, imagem iconológica
Permanências na identidade da casa popular146
Permanências na identidade da casa popular
ximadamente, da dimensão da zona social da casa na Quinta do Lago, e existe uma
razão para que isso aconteça. Ao longo da evolução tipológica, a zona social mantém a
sua importância dentro da habitação, mas destaca-se da cozinha e funciona como es-
paço isolado, onde se passam a realizar todas as actividades sociais relacionadas com
o lazer, levando a um aumento da sua área. A cozinha passa a funcionar independente
e fechada, como uma zona para confecção de alimentos.
Existe um aumento significativo do conjunto dos compartimentos corresponden-
tes à zona mista, desde o modelo popular. Este aumento prende-se com questões de
ordem funcional e organizacional. Os compartimentos integrados e considerados mis-
tos, que no passado popular correspondiam, sobretudo, a zonas de armazenamento,
correspondem nos casos mais modernos a outros compartimentos, como por exemplo,
instalações sanitárias, garagem automóvel, cozinha, escritório, lavandaria e arrumos.
As zonas íntimas, nos casos modernos, também aumentam de escala e, no modelo dos
anos 80, cada quarto dispõe de instalação sanitária própria. Estas modificações são
significativas e prendem-se, sobretudo, com a evolução do tempo e da sociedade, bem
como com as novas necessidades e exigências.
Independentemente da evolução do tempo e da sociedade, com os seus valores,
os símbolos da arquitectura popular algarvia continuam presentes nas tipologias ana-
lisadas. Nos casos populares, encontram-se alguns ícones em ambos, mas não existe
uma correspondência iconológica muito directa. São, contudo, exemplos que se enqua-
dram no modelo tipológico vernacular algarvio, através de factores de ordem material
e funcional. Os modelos mais recentes são obras de autor, e como tal reflectem a sua
interpretação e materialização dos ícones e símbolos existentes na região, o que leva
a que existam referências iconológicas regionais, apesar de estilizadas e simplificadas.
No entanto, não são apenas os símbolos que são interpretados, alguns aspectos an-
cestrais que se prendem com a formalização da tipologia também estão presentes nos
modelos de autor. Ambas as tipologias são de um só piso, possuem acesso à cobertura,
são de cor branca, e reinterpretam valores ancestrais, como o caso da cisterna com
147
Permanências na identidade da casa popular
eirado, ou do pátio, fazendo lembrar as casas caiadas da antiguidade vernacular.
Nas tipologias analisadas, há um avanço tecnológico e técnico entre os modelos
do século XX e os modelos populares, tanto no aspecto material como no funcional.
Apesar dos elementos ancestrais ligados à sustentabilidade desaparecerem com o evo-
luir da tipologia, recuperam-se os elementos essenciais para o seu enquadramento na
região, sem que se perca o seu carácter evolutivo. Este é o factor mais significativo
que diferencia as tipologias de autor analisadas, das restantes demonstradas na ca-
racterização da casa algarvia na segunda metade do século XX. Existe uma evolução
coerente com o pensamento arquitectónico presente na época, em que cada modelo é
projectado e construído, e os elementos iconológicos são integrados juntamente com
o conceito arquitectónico.
148
Permanências na identidade da casa popular
A casa algarvia durante a primeira década do século XXI
“Segundo uns, deve-se construir com os olhos postos no passado, e a aplicação,
embora estilizada, dos antigos elementos regionais que já prestaram as suas provas
resistindo ao tempo é indispensável para garantir uma certa expressão característica,
um certo pitoresco, e, desse modo, um completo acerto.
Segundo outros, tantos e tão variados factores – técnicos e espirituais, econó-
micos e sociais, geográficos e climatéricos – influem no modo de construir e na ex-
pressão dos edifícios, que estes não podem deixar de variar quando qualquer daqueles
factores varia, e de ter uma evolução muito mais profunda e complexa do que essa
de utilizar os velhos elementos decorativos e construtivos. A verdadeira expressão
regional das construções deverá ser, portanto, a resultante de todos os factores que
ordenam a vida de determinada região, ou determinado momento, e nunca o sim-
ples revestimento decorativo com motivos típicos, por mais característicos que sejam”
(Amaral cit. in CML, 1999: 113).
Infelizmente, a grande maioria dos casos existentes não segue esta via e as
referências que apresentam baseiam-se na reprodução de elementos iconológicos, hí-
bridos e desarticulados com a tipologia onde se inserem. Apesar de existirem autores
que defendem e preferem a existência de elementos híbridos, ambíguos, distorcidos,
convencionais, redundantes, perversos, inconsistentes e equívocos na arquitectura
(Venturi cit. in Montaner, 2002: 125), essa preferência traduz-se na caracterização
puramente formal do objecto arquitectónico. A imagem que daí resulta acaba por dis-
torcer e descurar o que realmente interessa no espaço construído, contribuindo para
uma descaracterização total do mesmo.
A busca incessante de recriar o passado algarvio através de artefactos visuais,
fruto do imaginário de promotores, construtores, técnicos e clientes, gera um ambien-
te fantasiado, onde se cultiva o apreço pela imagem reproduzida por estes modelos.
No entanto, essa liguagem imagética acaba por caracterizar as tipologias da região do
Algarve e as diferenciar de outras, no panorama nacional e internacional. É, portanto,
uma questão ambígua que não deve ser desconsiderada, onde a identidade ancestral
4.2
149
Permanências na identidade da casa popular
Fig.128 - Panfleto imobiliário de promoção e comercialização de casas algarvias no ano de 2010 (frente)
128
129
Fig.129 - Panfleto imobiliário de promoção e comercialização de casas algarvias no ano de 2010 (verso)
150
Permanências na identidade da casa popular
dá lugar a uma nova identidade.
O desejo associado a este tipo de habitações pode ter origem no fenómeno que
o autor Neil Leach caracteriza como “anestética” (Leach, 2005). No seu livro, é desen-
volvida uma nova crítica que aborda a influência e a consequência que a crescente pre-
ocupação com a imagem, proporcionada pela arquitectura, exerce sobre a sociedade
de consumo dos finais do século XX. Pode-se assimilar que a imagem da casa de luxo,
promovida para turistas endinheirados e emigrantes que procuram ostentar a riqueza
conquistada, associada aos fragmentos iconológicos que fazem parte da memória co-
lectiva e do gosto ancestral pelo factor decorativo, acaba por inebriar a mentalidade
da população geral. Por tudo isso, este modelo passa a ser desejado e os populares
procuram reproduzi-lo ou adquiri-lo.
A promoção feita para a venda de casas algarvias, expressa no panfleto publi-
citário apresentado nas figs.128 e 129, explora a vertente iconológica da tipologia de
habitação e apresenta uma série de estímulos visuais que tentam cativar o especta-
dor para a compra do modelo. A chaminé surge em primeiro plano, em conjunto com
uma série de designações técnicas que apenas descrevem alguns luxos que a habita-
ção contém, descuidando a sua materialização ou a qualidade do espaço construído.
Na parte posterior, estão retratadas várias imagens, onde o conjunto de casas surge
intercalado com imagens de lazer e paisagens que remetem para uma sensação de
bem-estar, concorrendo para a criação da felicidade do Homem. Pretende-se promover
uma imagem ilusória de perfeição, onde as qualidades do espaço construído nunca são
postas em causa.
Mais uma vez, citando Neil Leach, percebe-se que este caminho pode não ser
o mais correcto e coerente para o futuro desenvolvimento das habitações: “As conse-
quências disto são profundas. O facto de se privilegiar a imagem levou a uma com-
preensão empobrecida do espaço construído, transformando o espaço social numa
abstracção fetichizada. A vivência directa foi reduzida a um sistema de significação
151
Permanências na identidade da casa popular
Fig.130 - Casa no Algarve, em Alcantarilha, promovida para aluguer durante o período de férias
130
152
Permanências na identidade da casa popular
codificado, e com a crescente valorização da percepção visual, reduziu-se proporcio-
nalmente outras formas de percepção sensorial” (Leach, 2005: 25,26).
O processo evolutivo da tipologia segue o rumo da globalização. São implemen-
tados os materiais industrializados e são produzidos modelos em massa com especifi-
cidades regionais, baseadas em elementos iconológicos vernaculares, misturados com
fragmentos de outras culturas. Esta mistura desarticulada formaliza as denominadas
“casas dos emigrantes” (Dias, 2006: 33) que o arquitecto Manuel Graça Dias caracteri-
za como um dos fenómenos com maior ocorrência no nosso país. De facto, ao procurar
no motor de busca de imagens da internet por vivenda Algarve, a imagem que surge
em primeiro lugar é a apresentada na fig.130, o que pode reflectir o cultivo e apreço
por este modelo tipológico na região ou, pelo menos, a sua divulgação e promoção.
“«A imagem mata», como afirma Henri Lefebvre, e não pode substituir a ri-
queza da experiência vivida” (Leach, 2005: 26). Neste contexto, surgem os casos de
estudo de autor analisados, que recorrem à interpretação de ícones regionais e nos
quais coexistem, em harmonia, valores ancestrais com conceitos arquitectónicos do
século XX. É, consequentemente, possível manter a identidade, sem rendição à sim-
ples reprodução de imagens.
153
Conclusão
A casa algarvia do século xxUma interpretação iconológica e tipológica
155
O Algarve apresenta características naturais, culturais e sociais próprias que
favorecem a criação de uma identidade regional, caracterizadora do povo algarvio e
das suas habitações. A localização geográfica da região, não só proporciona condições
de habitabilidade únicas que favorecem um tipo de vivência dependente dos factores
climatéricos, geológicos e geográficos, como também proporciona um conjunto de
relações culturais que contribuem para o desenvolvimento erudito do povo local. O
facto do Algarve se situar na proximidade do mar, das rotas marítimas do mediterrâ-
neo e do Norte de África, define uma tendência que se reflecte na materialização das
construções locais, tornando-as num caso invulgar e singular na construção nacional.
Estas especificidades contribuem, de um modo geral, para que a população, no final
do século XIX, seja associada à civilização do barro, pois apresenta sinais de culturas
ancestrais muito fortes na construção tipológica e iconológica, especialmente da cultu-
ra mediterrânica e da árabe.
As casas vernaculares algarvias adoptam técnicas construtivas, modelos e sím-
bolos que remetem para as culturas mencionadas, com alterações, apropriações e
expressões próprias do povo local que habita a região até, e durante, o século XIX. É
nesta simbiose que se geram as particularidades tipológicas e iconológicas presentes
nas habitações regionais, que tanto as caracteriza e identifica como casas populares
algarvias. Estas reflectem não só as aculturações ancestrais, como também os gostos
dos populares, o que as torna num modelo individualizado, não existindo dois casos
iguais. Assim, pode falar-se de valores que transmitem uma identidade cultural regio-
nal através da sua materialidade, organização funcional e espacial, e uma identidade
individual no uso dos elementos iconológicos, onde a imagem do conjunto de ícones
sobressai, visualmente, relativamente à constituição material e funcional do objecto
arquitectónico.
Durante o século XX, a civilização do barro começa a extinguir-se perante uma
emergente civilização industrializada, moderna, que ganha protagonismo na região a
partir da década de 1920. A industrialização dos processos construtivos, associada ao
Conclusão 157
aparecimento de novos materiais de construção, constitui um dos factores mais im-
portantes para a quase extinção da construção em terra e para a alteração tipológica
e iconológica das habitações. Os elementos iconológicos passam a ser estandardiza-
dos e a sua propagação ocorre por toda a região, com uma diferença: deixam de ser
elementos únicos que reflectem a especificidade do gosto e as posses económicas do
proprietário de cada casa, e passam a ser ícones reproduzidos com a intenção de afir-
mar a identidade regional. As tipologias, no geral, mantêm a sua organização funcional
durante as primeiras décadas do século XX, no entanto, começam a surgir algumas
casas burguesas, inspiradas em palacetes historicistas, que influenciam as casas dos
populares, o que acaba por alterar a essência da tipologia local. Este é um ponto fulcral
de viragem na caracterização identitária da casa algarvia.
Pode, portanto, considerar-se que existe uma contaminação do modelo tipológi-
co devido à industrialização e à introdução dos novos materiais na construção, deixan-
do assim de ser um modelo de origem popular, para passar a ter referência popular. No
entanto, estes não são os únicos factores geradores de tais transformações. O Estado
Novo com as suas políticas arquitectónicas ruralizantes, contribui para que exista um
bloqueio ao Modernismo, e um consequente atraso na evolução da arquitectura na-
cional e local. Posteriormente, o aparecimento do turismo na região, responsável pelo
surgimento da casa de férias, torna-se o grande impulsionador da propagação da nova
casa algarvia, e os promotores imobiliários tornam-se os seus divulgadores.
A introdução do modelo de casa de férias que traduz o gosto e o imaginário do
turista estrangeiro, em conjunto com a reutilização de elementos tipológicos e iconoló-
gicos regionais, vêm alterar a essência da casa algarvia, por completo. Esta tendência
ganha uma maior expressão durante os anos 80 do século XX e propaga-se até ao
século XXI. Numa época em que se vive do consumo e da imagem, a reprodução deste
novo modelo em grande número aumenta o mercado da oferta, o que acaba por moti-
var a própria procura. É um fenómeno recíproco que cultiva o gosto por este modelo,
onde são mantidos valores regionais, sobretudo iconológicos, adulterados por técnicos
Conclusão158
Conclusão
desqualificados ou reinterpretados por técnicos qualificados, para o bem e para o mal.
De facto, a imagem que estes novos modelos transmitem, observada de um
modo geral, acaba por reflectir uma grande homogeneidade formal, tal como no pas-
sado vernacular, mas não transmite especificidade e identidade. A base para a sua
concepção é deturpada pelas políticas do Estado Novo durante a ditadura e pela intro-
dução do novo modelo de casa de férias e de casa de emigrante. Esta nova tipologia
apresenta algumas variações funcionais e organizacionais que acabam por ser des-
contextualizadas, e os elementos iconológicos utilizados são estandardizados. Na sua
origem, esta recriação vernacular acaba por ser falsa, mas a propagação deste modelo
em grande escala, atribui uma identidade característica a estas novas tipologias regio-
nais. É falível dizer que a nova casa reflecte a identidade do povo algarvio. Reflecte,
antes, uma nova identidade baseada na contaminação multicultural, importada com o
turismo e com o regresso dos emigrantes, vivida ao longo do século XX e que ainda se
encontra em transformação no século XXI.
Consequentemente, é importante reflectir sobre esta evolução tipológica para
perceber de que modo se pode alterar o futuro da casa na região do Algarve. Não se
deve continuar a reproduzir um modelo de habitação descontextualizado e despreo-
cupado com a sua integração física, que apenas estabelece uma relação cultural com
o seu passado popular através de marcos tipológicos e símbolos iconológicos. Tal é
importante, mas não suficiente. Responder às preocupações urbanísticas e ecológicas
inerentes ao século XXI, e às necessidades da sociedade contemporânea, devolvendo
ao modelo uma evolução coerente, torna-se urgente, tal como foi demonstrado através
dos casos de estudo.
É fundamental reavaliar os métodos construtivos, viáveis e sustentáveis, utili-
zados na casa vernacular algarvia, e retirar valiosas lições para utilizar no futuro. Não
se pretende com esta afirmação recuar à construção em terra. Deve-se retirar as van-
tagens existentes neste tipo de construção que, como foi demonstrado, prevalece na
159
Conclusão
região durante muitos séculos e sofre alterações a partir da segunda metade do século
XX. A solução deve passar pela utilização das novas tecnologias em simbiose com os
materiais ancestrais, desenvolvendo-se um método construtivo mais eficiente para a
região em questão. Assim, o saber ancestral baseado na economia dos recursos e no
aproveitamento maximizado do espaço deve ser tido em conta. A integração na paisa-
gem, a orientação e exposição solar, a recolha e o aproveitamento da água da chuva,
o pátio, a açoteia e, mesmo, a dimensão e organização dos modelos habitacionais são
valores ancestrais de máxima importância no que concerne às tipologias vernaculares.
Porém, os novos modelos tipológicos devem ir mais além. A experiência e a vivência
do espaço construído, neste caso, da habitação, são factores importantes para o bem-
estar do seu habitante, por isso, não devem ser esquecidos nem menosprezados du-
rante a sua concepção.
Conscientes da necessidade de minimizar o impacto na paisagem natural e ur-
bana, os técnicos qualificados têm a responsabilidade de, na fase de estudo e projecto,
calcular ponderadamente os recursos utilizados na sua construção e manutenção, aler-
tando e aconselhando os clientes, consciencializando-os para os problemas e as mais-
valias a eles associados. Não é coerente que uma habitação para férias gaste mais re-
cursos e exija uma maior manutenção do que uma habitação de carácter permanente.
Não é, ainda, lógico que uma habitação, para férias ou para residência permanente,
seja construída menosprezando todos estes valores e ensinamentos ancestrais bem
como os conceitos contemporâneos que a arquitectura transmite, e se integre, apenas,
com base na imagem vernacular dos modelos populares.
Essa imagem popularizada não pode servir para camuflar uma construção de
qualidade duvidosa, que não oferece novas vantagens nem transmite novos conceitos.
Apenas se repete um sistema construtivo, revestido por acabamentos de qualidade,
ou de luxo, como se pode ler em muitos dos panfletos imobiliários promocionais, que
mais uma vez servem para desviar da verdade que é o espaço. Esta qualidade não se
atinge através de artefactos, mas sim de conceitos arquitectónicos que se transfor-
160
Conclusão
mam, posteriormente, em espaço construído oferecendo ao seu habitante a verdadeira
qualidade de habitabilidade.
Alcançadas as anteriores conclusões, torna-se adequado reformular o conceito
de casa algarvia, tanto no aspecto tipológico e iconológico, como nos valores e carac-
terísticas ecológicas que este novo modelo pode recuperar do seu passado vernacular,
sem nunca esquecer as necessidades, vivências, relações, utilizações e valores, con-
temporâneos à sociedade do século XXI.
A casa, como objecto arquitectónico que é, onde se sintetizam e formalizam
os conceitos mais básicos da arquitectura, deve ser fruto de um estudo congruente e
consistente acerca de todos os factores que influem directamente na sua concepção.
Deve, também, reflectir o pensamento arquitectónico contemporâneo à sua constru-
ção. Deste modo, a evolução do modelo torna-se reflexo do seu tempo, onde a utiliza-
ção, experiência e vivência do espaço construído devem ser exigências pré-estabele-
cidas e não espelho de modelos de habitação inconsistentes e obsoletos. Deste modo,
o modelo de casa algarvia pode seguir uma evolução espacial e temporal equilibrada,
culta e coerente com o seu antecedente cultural e popular.
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pelo candidato
Fig.14 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 314
Fig.15 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 313
Fig.16 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 54
Fig.17 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 55
Fig.18 – in AMADO, Adelaide - A carta de doação de Albufeira à Ordem de Avis 1250.
Albufeira: Câmara Municipal de Albufeira, 1997, pág. 35
Fig.19 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 144
Fig.20 – Aspecto da Alcáçova do Castelo de Silves - Panorâmio. 2008 [em linha] Pu-
blicada por Jordana Gois [consult. em 10 de Janeiro de 2010]. Disponivel em http://
www.panoramio.com/photo/11121410
Fig.21 – Fotografia de uma rua em Tetouan - Arquivo de viagens. 2008 [em linha] Blog
escrito por Luisa [consult. em 09 de Agosto 2009]. Disponivel em http://arquivodevia-
gens.files.wordpress.com/2008/05/tetouan3.jpg
Fig.22 – Fotografia do arco da travessa da igreja velha - Portal do Municipio de Albu-
feira. 2005 [em linha] Património histórico do concelho de Albufeira [consult. em 09 de
Agosto de 2009]. Disponivel em http://www.cm-albufeira.pt/NR/rdonlyres/D77C01EA-
7408-4919-85CE-703D6461A554/0/A_arcotravessa.jpg
Fig.23 – in NOBRE, Idalina Nunes - Breve história de Albufeira. Albufeira: Câmara Munici-
pal de Albufeira, 1989, pág. 18
Fig.24 – Fotografia da Ermida do Castelo de Paderne - Blog Rosa dos Ventos. 2004
[em linha] Categoria de Monumentos [consult. em 03 de Abril de 2010] Disponivel em
http://www.icicom.up.pt/blog/rosadosventos/ermida1.jpg
Fig.25 – Plano geral de Vila Real de Santo António - SkyscraperCity. 2007 [em linha]
Post por Professor Godin [consult. em 08 de Abril de 2010]. Disponivel em http://www.
skyscrapercity.com/showthread.php?t=508022
Fig.26 – in ALVES, Afonso Manuel; LIMA, Luís Leiria de - Algarve terras do sul. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1989, pág. 58
Fig.27 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume,
zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 175
Fig.28 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume,
zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 175
168
169
Fig.29 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume,
zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 175
Fig.30 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 32
Fig.31 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.32 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume,
zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 226
Fig.33 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume,
zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 227
Fig.34 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume,
zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 227,
posteriormente trabalhada pelo candidato em Illustrator
Fig.35 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume,
zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 227
Fig.36 – in ANTUNES, Alfredo Mata et al - Arquitectura Popular em Portugal, 3º volume,
zona 5 e zona 6. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, pág. 227,
posteriormente trabalhada pelo candidato em Illustrator
Fig.37 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 20
Fig.38 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 141
Fig.39 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - Arquitectura no Algarve - dos
primórdios à actualidade, uma leitura de síntese. Faro: Comissão de Cordenação e Desen-
volvimento do Algarve (CCDRA), 2005, pág. 73
Fig.40 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 100
170
Fig.41 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 50
Fig.42 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 59
Fig.43 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 8
Fig.44 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.45 – Google Earth, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato
Fig.46 – Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levanta-
mento, ambos efectuados pelo candidato
Fig.47 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.48 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.49 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.50 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.51 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.52 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.53 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.54 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.55 – Google Earth, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato
Fig.56 – Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levanta-
mento, ambos efectuados pelo candidato
171
Fig.57 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.58 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.59 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.60 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.61 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.62 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.63 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.64 – Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.65 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 430
Fig.66 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 401
Fig.67 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 539
Fig.68 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 622
Fig.69 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 622
Fig.70 – in Postal ilustrado da colecção do Arquivo Histórico Municipal de Albufeira
Fig.71 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 620
Fig.72 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 620
172
Fig.73 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - Arquitectura no Algarve - dos
primórdios à actualidade, uma leitura de síntese. Faro: Comissão de Cordenação e Desen-
volvimento do Algarve (CCDRA), 2005, pág. 90
Fig.74 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 619
Fig.75 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 21
Fig.76 – in Postal ilustrado da colecção do Arquivo Histórico Municipal de Albufeira
Fig.77 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - Arquitectura no Algarve - dos
primórdios à actualidade, uma leitura de síntese. Faro: Comissão de Cordenação e Desen-
volvimento do Algarve (CCDRA), 2005, pág. 87
Fig.78 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - A casa popular do Algarve - espaço
rural e urbano, evolução e actualidade. Faro: Comissão de Cordenação e Desenvolvimento
do Algarve (CCDRA), 2008, pág. 108
Fig.79 – in LINO, Raul - Casas Portuguesas. 1ª ed. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1933,
Ilustrações fig. 21
Fig.80 – in LINO, Raul - Casas Portuguesas. 1ª ed. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1933,
Ilustrações fig. 21
Fig.81 – in LINO, Raul - Casas Portuguesas. 1ª ed. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1933,
Ilustrações fig. 19
Fig.82 – in LINO, Raul - Casas Portuguesas. 1ª ed. Lisboa: Valentim de Carvalho, 1933,
Ilustrações fig. 17b
Fig.83 – Casa Pitum Keil do Amaral - Alporchinhos - SkyscraperCity. 2007 [em linha]
Post por Professor Godin [consult. em 09 de Agosto de 2009]. Disponivel em http://
www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=430489
Fig.84 – Google Earth, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato
Fig.85 – Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levanta-
mento, ambos efectuados pelo candidato
173
Fig.86 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.87 – Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.88 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.89 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.90 – Esquema do corte da tipologia feito em Illustrator com base no levantamento,
ambos efectuados pelo candidato
Fig.91 – Casa Pitum Keil do Amaral - Alporchinhos - SkyscraperCity. 2007 [em linha]
Post por Professor Godin [consult. em 5 de Abril de 2011] Disponivel em http://www.
skyscrapercity.com/showthread.php?t=430489
Fig.92 – Fotografia tirada pelo candidato, 2009
Fig.93 – in AMADO, Adelaide; NOBRE, Idalina Nunes - Albufeira-Imagem do Passado. Al-
bufeira: Câmara Municipal de Albufeira, 1997, pág. 92
Fig.94 – in MARQUES, Maria da Graça (cordenadora) - O Algarve da antiguidade aos nos-
sos dias. Lisboa: Edições Colibrí, 1999, pág. 656
Fig.95 – in FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana - Arquitectura no Algarve - dos
primórdios à actualidade, uma leitura de síntese. Faro: Comissão de Cordenação e Desen-
volvimento do Algarve (CCDRA), 2005, pág. 117
Fig.96 – Postal do Algarve - O meu mundo em postais blogspot. 2008 [em linha] Pu-
blicado por Teresa Cruz [consult. em 09 de Agosto de 2009] disponivel em http://
omeumundoempostais.blogspot.com/2008/07/algarve_16.html
Fig.97 – Casa de férias no Algarve - Manta Rota - OLX classificados. 2010 [em linha]
[consult. em 24 de Novembro de 2010] Disponivel em http://mantarota.olx.pt/casa-
ferias-algarve-setembro-mantarota-praia-da-lota-iid-105538776
Fig.98 – Fotografia tirada pelo candidato, 2009
Fig.99 – Fotografia tirada pelo candidato, 2009
Fig.100 – Fotografia tirada pelo candidato, 2009
174
Fig.101 – Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras
II [consult. em 5 de Abril de 2011] Disponível em http://www.fmm.pt/imobiliario/
lote9_fotos3.html
Fig.102 – Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras
II [consult. em 5 de Abril de 2011]. Disponível em http://www.fmm.pt/imobiliario/
lote9_fotos4.html
Fig.103 – Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras
II [consult. em 5 de Abril de 2011]. Disponível em http://www.fmm.pt/imobiliario/
lote9_fotos1.html
Fig.104 – Quinta das Raposeiras II. 2002 [em linha] Lote 9 - Vivenda nas Raposeiras
II [consult. em 5 de Abril de 2011]. Disponível em WWW:URL: http://www.fmm.pt/
imobiliario/lote9_fotos2.html
Fig.105 – Fotografia tirada pelo candidato, 2010
Fig.106 – Google Earth, posteriormente trabalhada em Photoshop pelo candidato
Fig.107 – Esquema do conjunto e envolvente feito pelo candidato em Illustrator com
base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda.
Fig.108 - Esquema da planta da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base
nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda.
Fig.109 - Esquema da planta da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base
nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda.
Fig.110 - Esquema do corte da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base
nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda.
Fig.111 - Esquema do corte da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base
nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda.
Fig.112 - Esquema do corte da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base
nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda.
Fig.113 - Fotografia tirada pelo candidato, 2010
Fig.114 - Fotografia tirada pelo candidato, 2010
Fig.115 - Fotografia tirada pelo candidato, 2010
175
Fig.116 - Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levanta-
mento, ambos efectuados pelo candidato
Fig.117 - Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levanta-
mento, ambos efectuados pelo candidato
Fig.118 - Esquema do conjunto e envolvente feito em Illustrator com base no levanta-
mento, ambos efectuados pelo candidato
Fig.119 - Esquema do conjunto e envolvente feito pelo candidato em Illustrator com
base nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda.
Fig.120 - Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.121 - Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.122 - Esquema da planta da tipologia feito em Illustrator com base no levantamen-
to, ambos efectuados pelo candidato
Fig.123 - Esquema da planta da tipologia feito pelo candidato em Illustrator com base
nos desenhos gentilmente cedidos pelo atelier Souto Moura - Arquitectos Lda.
Fig.124 - Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.125 - Fotografia tirada pelo candidato, 2008
Fig.126 - Fotografia tirada pelo candidato, 2009
Fig.127 - Fotografia tirada pelo candidato, 2010
Fig.128 – Panfleto informativo cedido pela Imobiliária Santomero em Albufeira, 2010
Fig.129 – Panfleto informativo cedido pela Imobiliária Santomero em Albufeira, 2010
Fig.130 – Vivenda de férias no Algarve - Alcantarilha - OLX classificados. 2009 [em
linha] [consult. em 10 de Abril de 2010]. Disponivel em http://images01.olx.pt/
ui/1/13/34/5910934_1.jpg
Porto, Junho de 2011