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STUART OLYOTT A CARTA AOS HEBREUS bem explicadinha E COMO SEU ENSINAMENTO SE DESENVOLVE NA PRÁTICA

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Page 1: A CARTA AOS HEBREUS - BIBLIOTECA DO PREGADOR · 2020-03-23 · Do começo até 10.18 os textos são principalmente ensinamentos. De 10.19 até o fmal do livro o texto é principalmente

STUART OLYOTT

A CARTA AOS HEBREUS bem explicadinha

E COMO SEU

ENSINAMENTO

SE DESENVOLVE

NA PRÁTICA

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Para Ho Eng Ghee e Linda

e todos os outros que vivem e pregam o evangelho na Malásia

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SuMÁRIO

Prefácio.. .................. ..... ........................................................................ 7 1. Antes de começar.............................................................................. 9 2. Deus falou -1.1-4............................................................................. 14 3. Ensino e admoestação- 1.5-2.4 ....................................................... 19 4. Cristo, o homem, é maior que os anjos- 2.5-18 ............................... 25 5. O perigo da apostasia- 3.1-4.1 ........................................................ 31 6. O descanso prometido- 4.2-16 ......................................................... 38 7. O sumo sacerdócio de Cristo - 5.1-1 O.............................................. 43 8. Uma repreensão e uma exortação- 5.11-6.3 ................ ...... ............ 47 9. Uma terrível advertência- 6.4-8 ..................................... ....... ........ .. 53 10. Encorajamento- 6.9-20 .................................................................. 60 11. Sumo sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque

-7.1-28 ···························································································· 65 12. Mediador de uma melhor aliança- 8.1-13 .. .. .. .. . . ... .. .. .. .. . . ... .. .. . .. .. ... 70 13. Sacerdote de um melhor tabernáculo - 9.1-14 ... .. . . . ..... .. . .. . .. .. . .. . .. .. 76 14. Oferta de melhor sacrificio- 9.14-28 ............................. ................ 82 15. Destacando e aplicando- 10.1-18 .................................................. 89 16. O que fazer e por quê- 10.19-39 ...... ............................................. 94 17. F é definida e ilustrada- 11.1-16 . .. .. . . . . .. ... ...... .. .. .. .. ..... .... .. .. .. ... .. .. .. . 100 18. Nada pode apagar a verdadeira fé - 11.1 7-40 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 19. Correr a carreira olhando para Jesus - 12.1-4 ... .... ........................ 111 20. Disciplina e encorajamento -12.5-17 ............................................. 117 21. Maiores privilégios e maiores responsabilidades- 12.18-29 .......... 122 22. Como viver como um cristão- 13.1-6 ............................................ 127 23. Autoridade e espiritualidade -13.7-8,17 ......................................... 132 24. Exortação e bênção final- 13.9-16,18-25 ....................................... 137

Notas ................................................................................... ............. 143

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PREFÁCIO

do cristão precisa entender o livro de Hebreus. Sem isso, ompreenderá mal o Antigo Testamento e também deixará de preciar plenamente o que nosso Senhor Jesus Cristo já fez, o

que está fazendo agora e o que fará no futuro. Como resultado, ele será espiritualmente raquítico.

Ao longo dos anos, uma multidão de livros foi escrita sobre Hebreus, mas poucos tendo em vista o crente comum. Alguns são tão grandes e complicados que parece que nada mais sobrou para ser dito. Os especialistas gostam de livros desse tipo, mas todas as outras pessoas continuam sem saber do que se trata.

Este livro que você tem em mãos não pretende ser a "palavra fmal", mas, talvez, para alguns, seja uma útil "palavra inicial". Procurei explicar Hebreus com a maior clareza possível ao assunto, lembrando sempre o conselho de Albert Einstein de que "as coisas têm de ser tão simples quanto possível, mas não simplistas". Não apenas isso, mas também me parece que não basta explicar o texto - precisamos saber como seu ensinamento se desenvolve na prática. Assim, você descobrirá que o livro contém muitas aplicações, algumas delas bastante diretas.

Não sei quantos comentários li do livro de Hebreus. Comecei a fazer anotações há aproximadamente quarenta anos, e não está muito nítido para mim de onde vieram os primeiros vislumbres de entendimento. Lembro-me, contudo, que há muito sou devedor a W.H. Griffith Thomas, 1 Thomas Hewitt2

e Irving L. Jensen3, que me guiaram na jornada por essa carta, e tenho

prazer em reconhecê-los publicamente. Você ouvirá ecos das obras deles em toda parte.

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8 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

Se este modesto livro fizer com que alguns do povo de Cristo voltem seus olhos para ele, de uma forma nova, seguindo-o com renovada coragem, as minhas orações com respeito a este livro terão sido mais do que inteiramente respondidas.

STUART ÜLYOTT

Connah's Quay Norte de Gales Setembro, 2009

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1 ANTES DE COMEÇAR

Ono aproximado é 65 d.C. Faz apenas uns trinta e cinco anos ue nosso Senhor foi crucificado, ressuscitou dos mortos e ubiu ao céu, de onde mandou o Espírito Santo à sua igreja

no dia de Pentecostes. Há ainda muitos crentes vivos que podem se lembrar disso tudo. Não podem esquecer aquilo que viram e experimentaram por si mesmos!

Até mesmo alguns dos apóstolos originais ainda estão vivos. Contudo, muitos cristãos são agora da segunda geração de crentes. Vieram à fé pela pregação e testemunho das testemunhas oculares originais ou dos que já se converteram dessa maneira.

Em Jerusalém, o templo ainda está de pé, embora existam pistas de que tais dias estão chegando ao fim e logo acabarão (veja, por exemplo, Hb 12.27). Enquanto isso, a religião judaica continua a mesma. Mas nem todo judeu segue os antigos caminhos. Grande número deles tomou-se crente em Cristo, e é para tal grupo de pessoas que o livro de Hebreus foi escrito.

A carta não diz exatamente onde os membros deste grupo estavam localizados. Eles parecem pertencer a uma única congregação, mas onde viviam? As muitas menções ao templo, com seus ritos e sacrifícios, seriam uma indicação de que estariam em Jerusalém? Ou Hebreus 13.24 sugere que estejam na Itália?

O quê? Não podemos responder às perguntas acima. Mas não há nenhuma

dúvida quanto ao que provocou esta carta que chegou a eles. Seus leitores não se encontram em boa situação. Existe o perigo de sua nova fé encontrada em Cristo estar enfraquecida (3.12-14). Eles não são tão dedicados quanto antes. Na verdade, alguns nem se dão ao trabalho de frequentar regularmente a igreja ( 1 0.25), enquanto muitos que vão aos cultos não prestam muita atenção à pregação (2.1 ). O nível de interesse deles é cada vez mais baixo.

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10 A CARTA AOS H EBREUS BEM EXPLICADINHA

Parece que todo o grupo está propenso ao desânimo. Suas mãos estão descaídas (12.12). Em vez de serem perspicazes e capazes de ensinar a fé a outros, demonstram pouco interesse em prosseguir na vida cristã. Não aprenderam as coisas básicas do evangelho, tampouco as verdades mais avançadas (5.12). A situação está tão ruim que agora realmente precisam que alguém vá à igreja para lhes ensinar as coisas mais básicas.

Como mudaram! Não faz muito tempo, estavam firmes enquanto passavam sem recuar pelo fogo da perseguição (10.32-34). Agora não é mais assim. Começaram a fraquejar. Se fossem ainda judeus praticantes, o Império Romano os reconheceria como membros de uma religião legalmente permitida. Mas são cristãos e, recentemente, Nero começou a aprisionar, assassinar e queimar os cristãos. Não seria melhor desistir do cristianismo e voltar ao judaísmo? Por que ser tachado de criminoso quando o que você fazia antes era legalizado? Por que não tomar o caminho mais fácil? Assim, esses crentes estão brincando com a ideia de desistir de tudo. Nessa altura, chega uma carta para sua igreja. Graças a Deus, ela os ajudará a tirar da cabeça aquela ideia tão nefasta.

Quem? De quem é a carta? Aquilo que estava claro para os leitores originais

não está imediatamente claro para nós, porque o escritor não diz seu nome . . O candidato mais provável é Paulo. Existem muitas semelhanças, tanto em

estilo quanto em conteúdo, entre suas outras cartas e esta. Tudo está centrado na pessoa e obra de Cristo. Além disso, o escritor tem ligação próxima e afetiva com Timóteo (13.23). Porém, o que parece decidir o assunto é a sentença fmal do autor: "A graça seja com todos vós" (13.24). Cada uma das cartas de Paulo termina com bênção semelhante. Orações fmais rogando por graça são o tom característico de sua assinatura (vide 2Ts 3.18).

A igreja cristã tem uma longa história e os séculos testemunham que, em sua maioria, os estudiosos aceitaram Paulo como o autor de Hebreus. Algumas pessoas confundem a autoria devido a mudanças no estilo, no entanto, Paulo deixa claro seu tom característico sem assinar o nome provavelmente devido à terrível perseguição que estava ocorrendo naquela época.

Durante a Segunda Guerra Mundial, foram feitas muitas transmissões de rádio dos Aliados por toda a Europa continental utilizando diversas linhas, mas certas melodias eram usadas nos programas para que ouvintes específicos pudessem discernir sua fonte e identificar mensagens secretas codificadas dentro delas.

Em tais circunstâncias, quem não reconhecesse a música ou quem não conseguisse decifrar o código, ficaria apenas com suposições. As suposições

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quanto à autoria do livro de Hebreus incluem Apolo, Áquila, Barnabé, Lucas, Silas, Filipe o diácono e Clemente de Roma. Na verdade essa lista é ainda mais longa, mas não precisamos prestar muita atenção a isso. O fato é que se Hebreus não tivesse sido escrito por um apóstolo, ou por alguém sob supervisão ou influência apostólica, a igreja primitiva jamais a teria aceitado como sendo parte da Escritura. Mas esta carta foi aceita com muito pouca hesitação. Os cristãos do primeiro século cantarolavam melodias que muitas outras pessoas jamais aprenderam.

Por quê? O propósito desta carta é óbvio. A fé dos Hebreus é como um fogo

que foi abafado. Ainda fumega um pouco, mas a chama apagou. Quando você cava sob a superficie ainda encontra alguns tições quentinhos. Se os deixar do jeito que estão, se apagarão completamente. Então, você põe um pouco de capim seco e álcool e, assim que surgir uma faísca, você a abana com cuidado e firmeza. Logo surge uma chama visível que, obtendo mais ar e combustível, acaba se tornando uma labareda. O apóstolo escreve essa carta para reacender o fraco fogo dos Hebreus. E que carta! Vale a pena ser lida por qualquer crente cujo espírito esteja fraquejando, cujo entusiasmo está fenecendo, cuja audição perdeu sua acuidade.

O combustível lançado sobre o fogo que antes estava fraco é o seu ensino. Os versículos de abertura apresentam os assuntos centrais que serão tratados nesta carta. O autor fala de revelação: "Deus falou" (1.1). Fala de uma pessoa: "Deus falou por meio de seu Filho" ( 1.1-2). Fala de uma obra: "Deus o constituiu herdeiro ... purificou-nos de nossos pecados" (1.3). Em suma, é sobre tudo isto a Carta aos Hebreus.

O meio usado pelo apóstolo para reavivar o fogo é a admoestação e exortação. Ele interrompe o ensino cinco vezes para fazer admoestações solenes: "importa que nos apeguemos, com mais firmeza ... delas jamais nos desviemos ... toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo .. . como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? ... não endureçais o vosso coração ... Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrificio pelos pecados ... restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos ... fazei caminhos retos para os pés ... Tende cuidado, não recuseis ao que fala ... Pois, se não escaparam aqueles que recusaram ouvir quem, divinamente, os advertia sobre a terra, muito menos nós, os que nos desviamos daquele que dos céus nos adverte .. . " (2 .1-4; 3.7-4.1; 6.4-8; 10.26-31; 12.12-17, 25-29). Inúmeras vezes ele exorta seus leitores dizendo "façamos isto", "façamos aquilo" (por exemplo, 4.1, 11 , 16; 6.1 ; 10.22-24; 12.1 , 28; 13.13,15). Esta é uma carta que fala diretamente à consciência.

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12 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

Estrutura O equilíbrio entre ensino e exortação explica a estrutura da carta. São

ao todo treze capítulos. Do começo até 10.18 os textos são principalmente ensinamentos. De 10.19 até o fmal do livro o texto é principalmente de exortação. Portanto, a carta consiste em duas seções principais.

Na primeira seção, até 1 0.18, o apóstolo responde às principais perguntas que os crentes hebreus estão fazendo: por que não voltar ao judaísmo? O que temos, como cristãos, que não tínhamos antes? Parece que o autor está dizendo: "Deixem que eu lhe mostre o que nós temos". Ele passa então a falar-lhes do Senhor Jesus Cristo, divino sacerdote, sacerdote­redentor, sacerdote-apóstolo, sacerdote perfeito, sacerdote eterno. "Possuímos tal sumo sacerdote" é sua mensagem triunfal (8.1 ).

Hebreus 10.19-25 é um resumo do restante do livro: "Tendo, pois, irmãos ... aproximemo-nos ... " A partir de 10.19 o apóstolo passa principalmente à exortação, toda ela baseada na gloriosa verdade de que "possuímos tal sumo sacerdote".

O que procurar Ao estudarmos o livro de H e breus por meio deste simples comentário,

o nosso estudo será enriquecido se observarmos certos fatores centrais. Existem algumas palavras centrais. Uma bem óbvia é "melhor".

O apóstolo utilizará esta palavra várias vezes à medida que nos mostra que Cristo é superior aos profetas, aos anjos, a Moisés, Josué e Arão. Outras palavras são: "perfeito", "eterno", "participante", "celestial", "sangue", "fé", "sacrificio", "aliança", "Filho", "sumo sacerdote", "ministério" e "amor".

Existem também tópicos centrais. São estes: a pessoa de Cristo (quem ele é), a obra de Cristo (o que ele fez, está fazendo e ainda irá fazer) , a relação entre a antiga e a nova aliança, os pecados da descrença e da desobediência, fé , provação e disciplina, e como devemos medir o crescimento espiritual.

Há alguns contrastes centrais. Quais as diferenças entre: o Filho de Deus e os anjos? O servo de Deus, Moisés, e o Filho de Deus, Jesus? O descanso de Canaã e o descanso de Deus? O sacerdócio de Arão e o sacerdócio de Cristo? Infantilidade espiritual e maturidade espiritual? Apostasia e perseverança? Os sacrificios do Antigo Testamento e o sacrificio de Cristo? Fé e visão? Monte Sinai e Monte Sião? Quando terminarmos a leitura deste livro, entenderemos com clareza tudo isso.

Importância Quem poderá calcular a importância da Carta aos Hebreus para os

cristãos de hoje? Você tem problemas para entender o Antigo Testamento? H e breus é o melhor comentário já escrito sobre isso. Interpreta a sua história.

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ANTES DE COMEÇAR 13

Explica o cumprimento de suas profecias. Revela o propósito por trás de todas as suas instituições de culto. É especialmente valioso para nos ajudar a entender o livro de Levítico, mostrando-nos o significado dos seus complexos rituais - as cerimônias e sacrificios eram tipos apontando para Cristo, o grande sacrificio pelo pecado, o verdadeiro sacerdote, o único mediador entre Deus e o homem.

Você fica confuso quanto ao que Jesus Cristo está realizando hoje? Muitos crentes possuem várias dúvidas quanto a isso. Hebreus nos fala sobre a intercessão de Jesus, explicando o que é e por que é necessária. Não somente isso: assim como Jeová tirou seu povo do Egito, passando pelo deserto, para entrar na terra prometida, da mesma forma o Senhor Jesus Cristo, que nos libertou, está nos conduzindo com segurança pela jornada da vida. Ele nos protege, supre nossas necessidades, nos treina e, em algum momento, (mas com certeza) nos conduzirá à sua glória celestial.

Há ocasiões quando você se cansa da vida cristã? Você descobrirá que, nesse ponto, Hebreus é bastante penetrante. É possível, apesar de afirmar o contrário, que você nem seja um crente verdadeiro. Tem as palavras certas, mas não possui o que a Bíblia promete. Ou talvez você seja um crente verdadeiro que apostatou. Quem sabe você esteja tentado a desviar­se da fé simples no Senhor Jesus Cristo, inclinado a pensar muito pouco na glória de sua pessoa e obra e a comparar favoravelmente outras religiões e ideias com o evangelho.

Esta grande carta é a resposta a todas as condições acima descritas. Ela nos mostra a loucura de voltarmos atrás, para a vida que levávamos anteriormente, porque as bênçãos maravilhosas e inefáveis encontradas em Cristo não podem ser achadas em mais ninguém. De uma maneira ou de outra, várias e várias vezes, Hebreus diz: "Considerai a Cristo" (12.3). O antídoto para toda enfermidade espiritual é uma melhor visão de Jesus Cristo. É o remédio que cura todos os problemas espirituais. Assim, Hebreus enfoca a exaltação de Cristo em toda sua glória e dignidade, em toda a beleza de sua pessoa e maravilha de sua obra. Coloque-se um pouco em segundo plano para, maravilhado, contemplar e amar! Olhe para Cristo! Reflita em sua divindade, humanidade, obra sacrificai, seu oficio sacerdotal, sua majestade de rei. Olhe para ele, conforme é apresentado neste livro. Conheça-o melhor que antes. Então, jamais o deixará.

Como é triste ver cristãos que olham por sobre os ombros para aquilo que deixaram para trás, desejosos de voltar; vê-los lamentando por terem dado as costas ao mundo; vê-los desapontados por terem se tomado seguidores de Cristo! Mas temos de ter cuidado - ninguém está imune a tal frieza. Temos de cuidar para não cair em apostasia. É por isso que cada um de nós precisa estudar a Carta aos Hebreus.

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2 DEUS FALOU (LER liEBREUS 1.1-4)

Oseu apetite foi um pouco provocado? Você sente que gostaria de conhecer melhor esta carta de que falamos na introdução? Se este for o caso, podemos começar já.

Como essa tão útil e maravilhosa carta se inicia? O apóstolo vai direto ao assunto. Ele começa assegurando-nos quatro coisas e, com isso, prepara nossa mente para aquilo que se seguirá. Vejamos o que são:4

1. O fato de uma revelação divina: Deus falou (1.1-2)

Existe um Deus. Esse ponto não precisa de discussão. Nossa própria consciência sabe que é verdade.

Não precisamos adivinhar como Deus é. Ele falou! A verdade é que nem homem nem mulher o descobriram, mas ele se revelou. Deus se deu a conhecer.

Sendo assim, nossa maior obrigação é óbvia. Não é indagar, especular, filosofar ou adivinhar, mas, sim, ouvir o que Deus revela a respeito de si mesmo - e obedecer. A pergunta que nós mortais devemos fazer não é "Como essas coisas são possíveis?", mas, sim, "O que exatamente Deus disse?".

2. A realidade do Antigo Testamento como revelação divina (1 .1)

O Antigo Testamento é verdadeira revelação divina: "Havendo Deus, outrora, falado". Contudo, temos de observar que ele não falou apenas uma vez. Não disse tudo que tinha a dizer numa só tacada. Falou "muitas vezes e de muitas maneiras". O Antigo Testamento é uma revelação progressiva. Deus revelou alguma coisa, depois ficou calado. Mais tarde, disse mais alguma

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DEUS FALOU 15

coisa e, então, calou-se. E assim foi ao longo dos séculos: mais, então mais e ainda mais foi revelado.

Deus nem sempre se revelou do mesmo modo. Às vezes falou em voz audível. Certa vez, escreveu algo com o próprio dedo. Às vezes usou visões. O mais usual era que seu Espírito viesse sobre um homem de tal forma que esse humano conseguiria expressar seus pensamentos em palavras exatamente como Deus queria. Uma revelação seguiu a outra, mas todas elas foram incompletas. Por exemplo, Abraão ouviu Deus falar. Foi um privilégio que muitos anos mais tarde Moisés, Davi e outros experimentariam. Cada um deles sabia que não recebera a palavra final de Deus, porque o Messias prometido ainda não havia chegado. Mas não sabiam quando Deus falaria novamente nem exatamente quando seria dada sua revelação final.

Ninguém deve desprezar ou desvalorizar o Antigo Testamento. Mas também não se deve supervalorizá-lo. É autêntica revelação divina, mas que veio de forma esporádica, fragmentada, variada, progressiva - e incompleta!

Ao iniciar sua carta, é importante o apóstolo mencionar tudo isso. Seus leitores estão pensando em desistir do cristianismo e voltar ao judaísmo. Precisam saber, desde o começo, que se fizerem isso, estarão voltando para uma revelação incompleta. É verdade que Deus falou no Antigo Testamento. Mas o Antigo Testamento não contém tudo que ele tinha para dizer. É apenas uma parte do quadro.

3. A superioridade de Cristo como revelação divina (1.2a)

"Nestes últimos dias" Deus falou novamente. O apóstolo, é claro, está escrevendo em grego e suas palavras também podem ser traduzidas por: "no final desses dias". Noutras palavras, novamente Deus falou, mas desta vez, essa é a sua última revelação. Agora que essa última revelação foi dada, não há mais nada a dizer.

Essa revelação não está fragmentada, é completa. Não é temporária, é permanente. Não é preparatória, é final. Não veio por diversos modos, mas está encerrada naquele que é supremo.

A revelação de Deus em Jesus Cristo é de caráter superior porque é completa. É superior no tempo porque nenhuma revelação virá depois dela. É superior em seu destino porque foi feita a nós. É superior em seu agente porque, diferente do Antigo Testamento, que veio por meio de fracos profetas humanos, veio por meio do próprio Filho de Deus.

Observe que existe uma continuidade, mas também um contraste entre o Antigo e o Novo Testamento. Jesus não é um instrumento de Deus

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16 A C ARTA AOS H EBREUS BEM EXPLI CADINHA

- ele é o próprio Deus. A palavra final que Deus falou ao mundo vem por intermédio de seu Filho. A palavra "Filho", que aqui encontramos, é central para toda a Carta aos Hebreus. Ocorre sete vezes, sempre em lugares cruciais na argumentação do apóstolo.

4. As provas da superioridade de Cristo (1.2-4)

O apóstolo poderia ter dito diretamente o que Deus falou por meio do seu Filho. É o que nós teríamos esperado. Em vez disso, ele irrompe numa descrição das glórias do Filho. Faz isso para mostrar-nos que a revelação de Deus através do Filho realmente é superior a tudo quanto antes fora experimentado ou conhecido.

Ele nos diz sete coisas sobre Jesus. Sete é um número importante na Bíblia - é o número da perfeição. Assim, o apóstolo nos diz sete coisas sobre o Filho como mais um modo de destacar em nossa mente o fato de que Cristo é perfeito, tanto em si mesmo quanto como revelação da divindade. Nós o vemos como:

(i .) Cristo, o herdeiro (versículo 2)

Imagine uma pessoa muito rica que possua apenas um único filho. O que acontece com suas riquezas quando ele morre? Passam para o filho, assim como vão para ele todos os títulos e privilégios. Tudo está agora nas mãos do filho e todos os olhos se voltam para ele. Claro, Deus, o Pai, não pode morrer. Mas o apóstolo utiliza esta figura para ajudar-nos a entender que tudo que pertence, por direito, a Deus, pertence a Cristo. Em especial, Cristo é a coroa, o clímax e a consumação da história. Todo o futuro pertence a ele. Vem a hora quando todo olho estará fixo nele e verá quem ele realmente é.

(ii.) Cristo, o criador (versículo 2)

Cristo é o fim de todas as coisas, mas é também o seu começo! O original em grego no versículo 2 diz que ele é aquele "por meio de quem [Deus] fez todas as eras". Noutras palavras, não apenas o começo e o fim estão nas mãos de Cristo, mas também tudo que está entre o começo e o fim. E este é aquele através de quem Deus falou naqueles últimos dias!

(iii .) Cristo, o revelador (versículo 3)

Agora nos é dito quem Cristo é eternamente. O que ele é em si, antes de existir qualquer outra coisa. Ele é o "resplendor da glória de Deus e a expressão exata de seu Ser". É o esplendor, o brilho irradiado de Deus. É a representação exata de seu ser. Em sua essência, a divindade, o ser de Deus, é invisível. Ele só pode ser conhecido por alguém que é eternamente

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DEUS FALOU 17

gerado do Pai. Ninguém pode ver, jamais viu, ou jamais verá o Pai. Nós o enxergamos quando olhamos a gloriosa segunda pessoa da Trindade, que é o próprio Deus, no entanto, procede eternamente do Pai. Onde quer que alguém tenha visto ou experimentado algo de Deus, foi a Jesus Cristo que ele viu e experimentou.

(iv.) Cristo, o sustentador (versículo 3)

Agora nos é dita qual a relação de Cristo com o universo. O que impede o mundo de se desintegrar ou deixar de existir? Que poder mantém coesos todos os átomos e moléculas? Momento após momento, ano após ano, século após século, o universo continua existindo. Qual a explicação? Sua existência contínua não é apenas algo que "acontece". A palavra de Cristo o trouxe à existência; uma palavra de Cristo acabará com tudo e é essa mesma palavra que mantém tudo coeso. Paulo diz o mesmo em Colossenses 1.17: "Nele tudo subsiste".

(v.) Cristo, o redentor (versículo 3)

Esta pessoa gloriosa a quem o apóstolo descreve é o redentor dos crentes!

Desceu do céu para a terra Aquele que é Deus e Senhor de tudo.

Seu abrigo foi um estábulo e seu berço uma manjedoura.

Com os pobres, rudes e humildes viveu na terra nosso santo Salvador.5

Mas Cristo fez mais que isso. Sozinho, foi crucificado, sangrou e morreu ali e por esse ato fez a nossa "purificação dos pecados". Retirou o pecado de cada crente de todos os tempos. Ele limpou a ficha deles. Destruiu cada obstáculo que impedia os crentes de desfrutarem da comunhão com Deus, tornando-os puro perante seus olhos. Meus pecados foram tratados por uma pessoa - a pessoa a quem os versos acima se referem em toda sua magnificência - aquele por intermédio de quem Deus falou nestes últimos dias!

(vi.) Cristo, o dominador (versículo 3)

Ele foi crucificado, mas onde está Cristo agora? Ele não está morto, mas ressurreto. Não apenas ressurreto, mas elevado. Não apenas elevado, mas glorificado. O eterno Filho de Deus, que se tornou homem, está assentado como o Deus-Homem no lugar de sua glória anterior, "à direita da Majestade,

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18 A CARTA AOS H EBREUS BEM EXPLICADINI-IA

nas alturas". Está assentado, pois completou a obra que veio realizar. Nenhum sacerdote no Antigo Testamento se sentou enquanto cumpria seu dever, pois o trabalho não havia sido fmalizado. Como Cristo é diferente! Seu sacrifício único e eficaz está acabado. Consumado.

(vii.) Cristo, o mais elevado (versículo 4)

Nenhum anjo, mesmo o mais exaltado de todos, se atreveria a sentar­se na presença de Deus, muito menos à sua mão direita. Mas Cristo é mais elevado do que o mais elevado dos anjos. Ao contrário deles, não é um servo, é o Filho eterno. O lugar onde está assentado é o mais elevado em todo o universo e é seu por direito. É sua herança. Esse é o nosso Senhor Jesus Cristo, profeta (por meio de quem Deus fala, versículo 2), sacerdote (por quem os pecadores se aproximam de Deus, versículo 3) e rei (reina como Deus, versículos 3-4).

Se você nunca se aproximou de Cristo, foi deste Cristo. Se seu coração está frio em relação a ele, tal frieza está relacionada a este Cristo. E se está pensando em abandonar a Cristo , é este Cristo que está considerando abandonar!

Afastar-se de Cristo é afastar-se de algo imenso para algo menor -muito, muito menor. É afastar-se do ser mais glorioso que há em direção a algo comum. É dar as costas ao esplendor da glória de Deus para andar nas trevas exteriores.

Seu nome é maravilhoso, seu nome é maravilhoso, Seu nome é maravilhoso, Jesus, meu Senhor. Ele é o rei poderoso, senhor de tudo. Seu nome é maravilhoso, Jesus, meu Senhor. É o grande pastor, a rocha eterna. É o Deus Todo-Poderoso. Prostrem-se diante dele em amor e adoração. Seu nome é maravilhoso, Jesus, meu Senhor.6

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3 ENSINO E ADMOESTAÇÃO

(LER liEBREUS 1.5-2.4)

a póstolo, então, escreve a homens e mulheres que estavam ensando seriamente em desistir da vida cristã e voltar ao que ram antes. Ele aborda esse problema desfilando diante deles

as glórias de Cristo. Se você se desviar dele, estará dando as costas à radiante glória de Deus e caminhará nas trevas exteriores.

A passagem agora perante nós é composta de duas partes: ensino, em 1.5-14, e admoestação, em 2.1-4.

1. Ensino (1.5-14)

O propósito deste parágrafo é expandir a frase "melhor que os anjos" que o apóstolo acabara de usar no versículo 4. Sendo judeus, os primeiros leitores desta carta pensavam muito em anjos. Uma das razões pelas quais tinham tanta reverência pelas leis que Deus lhes deu no tempo de Moisés é que estas lhes vieram por intermédio de anjos. Estevão menciona esse fato em Atos 7.53, assim como Paulo em Gálatas 3.19. Que maravilha! Portanto, é importante que o apóstolo demonstre que Cristo, o centro do evangelho, é maior que esses anjos. Se não for assim, como será capaz de persuadi-los a permanecer fiéis a Cristo em vez de voltar ao judaísmo?

O argumento utilizado pelo apóstolo teria grande força para seus leitores judeus. Ele cita sete versículos de suas Escrituras, sendo um deles em 2Samuel, enquanto os outros são dos Salmos. Ao fazer isso, ele consegue destacar quatro pontos, todos combinados para destacar seu ponto central­que Jesus é melhor do que os anjos, sendo em muito superior a eles.

(i.) Os anjos são apenas anjos: Cristo é o Filho (1.4-5)

Cristo é melhor que os anjos porque tem um nome melhor do que eles (versículo 4). Deus nunca disse a um anjo: "Tu és meu filho". Somente a

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20 A CARTA AOS H EBREUS BEM EXPLICADINHA

Cristo, e referindo-se a Cristo, Deus disse isso. O início do versículo 5, que cita o Salmo 2.7, refere-se a sua geração eterna. Esse é um mistério que podemos descrever em palavras, mas que jamais poderemos compreender completamente. Por "eternamente gerado" estamos dizendo que tudo que Cristo é deve-se ao Pai, ainda que ele mesmo seja Deus. Ele é eternamente gerado do Pai. Isso está acontecendo agora, sempre esteve acontecendo e jamais deixará de acontecer. Nenhum anjo goza de tal relacionamento com Deus Pai.

A segunda metade do versículo 5, que cita 2Samuel 7.14, continua a referência ao relacionamento que existe entre a primeira e a segunda pessoa da Trindade. Em seu contexto original, essas palavras se referem a Salomão, mas todo judeu reconhecia Salomão como tipo e figura do Messias vindouro e, assim, não se surpreenderia com o modo como as palavras estão aqui empregadas. Sendo meros mensageiros (a palavra "anjo" significa também mensageiro), os anjos jamais são tratados com tamanha dignidade. São enviados por Deus, mas não são Deus. Portanto, é óbvio que passar de uma religião centrada em volta do Filho para retomar a uma religião que se alegra com os anjos seria um recuo, andar para trás.

(ii.) Os anjos são meros adoradores: Cristo é o adorado ( 1.6)

O apóstolo falou do ser eterno de Cristo. Agora, ele menciona a sua vinda ao mundo. Cristo é descrito como "primogênito". Esta palavra importante, muitas vezes empregada no Antigo testamento, nem sempre se refere à primeira criança nascida em uma família. Às vezes, o "primogênito" não era o primeiro a nascer! A palavra descreve o membro mais velho da família, aquele que assumirá como chefe quando o pai tiver morrido. Deus Pai não pode morrer. Contudo, Jesus Cristo é seu "herdeiro designado", conforme já vimos no versículo 2. Nesse contexto, o termo se refere à eterna divindade de Cristo como Filho de Deus.

No trecho do Salmo 97.7 aqui citado, mencionando que todo judeu aceitava como referência ao Messias vindouro, todos os anjos de Deus são ordenados a adorá-lo. Em se tratando da sua glória, os anjos podem ser bem superiores aos homens, mas o fato de que Cristo tenha se tomado homem não os toma superiores a ele. Considerando quem ele é, é óbvio que os anjos estão infinitamente abaixo dele em natureza e poder. Os anjos são chamados a adorá-lo e servi-lo. Em Isaías 6, o profeta os viu fazendo exatamente isso (pois era Cristo que Isaías viu ali, como Jo 12.41 esclarece). Da mesma forma, eles anunciaram publicamente o seu nascimento (Lc 2.8-20), ministraram a ele no deserto (Mt 4.11), o fortaleceram no Getsêmane (Lc 22.43) e, se ele tivesse ordenado, o teriam livrado da cruz (Mt 26.53). Cristo é muito maior que os anjos.

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ENSTNO E ADMOESTAÇÃO 21

(iii.) Os anjos são meras criaturas: Cristo é o Criador (1.7-12).

O versículo 7, que cita o Salmo 104.4, contém dois conceitos, ambos demonstrando que os anjos são seres inferiores e subordinados. Eles são criaturas. Deus "faz deles" alguma coisa. Anjos são servos, como o vento e o fogo são seus servos. Como contrastam com Cristo, que, como Filho eterno de Deus, não é nenhuma dessas coisas!

Esse Cristo é chamado de Deus e soberano. Os versículos 8-9 citam o Salmo 45.6-7, um salmo messiânico onde "o maior Filho do grande Davi"7 é visto como o rei que cavalga vitorioso e cavalga eternamente. As qualidades de seu reinado são justiça, retidão e ódio à maldade. Para seu trono, Cristo foi ungido ("Cristo" significa "ungido") e não apenas designado. Pode haver referência mais clara à divindade de Cristo do que essa? Como, então, compará-lo com os anjos?

Mas como pode Cristo, que é tratado como Deus (versículo 8), ter alguém como seu Deus (versículo 9)? Para responder, temos de ter em mente a Bíblia inteira. Ela nos ensina que, embora exista um só Deus, há três que são Deus (mas não três deuses!). O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus - cada um é Deus no mesmo sentido. Destes, o Pai é o primeiro, o Filho o segundo, e o Espírito Santo o terceiro, contudo, não existe nem sênior nem júnior. Não somente isto, mas também, o Filho, sem deixar de ser Deus, tornou-se homem. Como segunda pessoa da Trindade, ele tem a Deus Pai como o seu Deus por toda a eternidade; como homem, ele também tem Deus como o seu Deus. Tudo isso deixa a nós, pobres criaturas, perplexos. O certo é não especular, mas aceitar a verdade e adorar.

Em seguida, nos versículos 1 O a 12, o apóstolo cita o Salmo 102.25-27. Aqui, Cristo é tratado pelo nome divino de "Senhor" e visto como o Criador, aquele que permanece imutável em meio a todas as coisas que mudam. Estes versículos abrangem toda a história, mostrando que Cristo existia antes da criação (e é, portanto, desde a eternidade), realizou toda a criação, permanecerá quando toda a criação fmdar e continuará a existir para sempre. Já se falou isso sobre algum anjo?

(iv.) Os anjos são meros servos: Cristo é rei (1.13-14)

A passagem do Antigo Testamento que o apóstolo agora tem em mente é o versículo de abertura do Salmo 11 O, outro salmo messiânico. A nenhum anjo foi dado sentar-se à destra de Deus, mas é exatamente ali que Cristo está assentado enquanto aguarda o triunfo final sobre seus inimigos. Assim como Josué chamou seus generais para que colocassem os pés sobre os pescoços dos inimigos derrotados (Js I 0.24), toda pessoa e força que tenha se oposto a Cristo será por ele vencido eternamente.

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22 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

Nada remotamente parecido foi dito nesse sentido a respeito de qualquer anjo e jamais o será. Afinal, o que são anjos? Não são pessoas da Divindade. São espíritos criados que foram enviados por Deus, não somente para servi-lo, mas para servir também aos cristãos. Quão revelador e reconfortante é isso! Em alguns momentos parecemos tão rebaixados e os anjos aparecem tão poderosos. Mas nós é que herdaremos a salvação, não eles. Embora já estejamos salvos, a consumação final de nossa salvação (o corpo ressurreto, a absolvição pública no juízo final, as glórias celestiais, etc.) ainda nos aguarda. Os anjos já estão tão elevados quanto lhes é possível; nós ainda aguardamos a glorificação final, quando "julgaremos os próprios anjos" (lCo 6.3). Mas jamais poderemos nos comparar em glória com nosso Senhor Jesus Cristo. Muito menos os anjos poderão ser comparados a ele! Por que, então, alguém é tentado a deixá-lo e retornar a uma religião centrada em um conjunto de regras dadas por meio de intermediários angélicos?

Ao observar as sete citações do Antigo Testamento selecionadas pelo apóstolo, é interessante notar a sua progressão. Elas tratam do eterno relacionamento de Cristo com o Pai, sua vinda ao mundo, sua unção por Deus e seu reinado. Nós o vemos criando e consumando o mundo, assentado e reinando para sempre sobre seus inimigos. Sete nos fala de perfeição. Acabamos de ler um atestado de realeza. Que são os anjos em comparação a ele?

Mas o apóstolo não para por aqui. Após dar esse ensinamento maravilhoso, passa a fazer uma séria advertência a seus leitores.

2. Advertência (2.1-4)

(i.) O perigo que enfrentavam (versículo 1)

Deus falou, de maneira final e definitiva, por meio desse Filho. Sendo assim, é de se imaginar que todos que soubessem disso estivessem ansiosos por ouvir o que Deus disse por meio dele. Poderíamos pensar que os leitores originais da carta estavam concentrados e dedicando atenção total para ouvir e entender o que Deus disse de modo tão perfeito e final.

De jeito nenhum! A atenção dos hebreus estava em outro lugar. Deus deu sua palavra final ao mundo, mas eles estavam menos interessados nisso do que deveriam estar. No exato momento em que deveriam atender com mais afmco a toda essa informação, pareciam estar à deriva.

A imagem é a de um barco em uma rápida corrente, perdido e sendo varrido para o mar. Nessas circunstâncias o mais frágil barco permanece seguro, conquanto esteja fixo perto da costa. A escolha é entre permanecer ligado à margem ou perecer. Sendo assim, era de se esperar que os hebreus estivessem sempre verificando suas amarras, apertando mais o nó e

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fortalecendo o ancoradouro. Ao invés disso, esses crentes tinham a ideia de que estariam seguros do outro lado do rio. Em vez de verificar suas cordas, eles as cortam uma por uma. Agora, resta apenas uma - e o nó dessa corda começa a escorregar! Eles precisam fazer alguma coisa! Sua única segurança está no Senhor Jesus Cristo. Se não permanecerem ligados a ele, deslizarão para a condenação eterna.

(ii.) A advertência que ele fez (2.2-4)

Podemos parafrasear do seguinte modo o que disse o apóstolo:

2.2 Sim, de fato, a lei do Antigo Testamento foi dada por meio de anjos, que, conforme vimos, são criaturas inferiores. Tal lei portava penalidades, que foram executadas com fidelidade e justiça.

2.3 Se aqueles que não guardaram a lei foram castigados, quanto mais serão punidos os que se afastarem do evangelho! A mensagem do evangelho não foi anunciada por anjos, mas pelo próprio Senhor. Sua verdade nos foi confirmada por aqueles que a ouviram pessoalmente- testemunhas de primeira mão. O evangelho é uma grande mensagem, aquele que o entregou é ainda maior e sua confirmação é maior ainda. É óbvio que desviar-se do evangelho significaria maior castigo. Existe algum jeito de escaparmos disso?

2.4 Não somente isso, mas Deus estava ativamente trabalhando na vida e nas ações daquelas primeiras testemunhas oculares. Ele autenticou seus ministérios por meio de sinais, milagres, poderosos e extraordinários prodígios e outros dons do Espírito Santo que foram dados segundo a sua vontade, a fim de que ninguém duvidasse de que aquilo que ouviam era mensagem divina.

Se não é possível ignorar a mensagem menor, como escaparemos se negligenciarmos esta grande e gloriosa mensagem da salvação? Falhar em prestar maior atenção a ela seria provocar o juízo de Deus!

É a própria grandeza do evangelho que torna a apostasia um perigo. Dar as costas a qualquer outro sistema de crença é simplesmente afastar-se de uma ideia humana. Mas com o evangelho não é assim. Não se trata apenas de uma ideia entre muitas. Deus falou! Sua palavra final à humanidade se encerra em seu Filho. Veja quem é o Filho. Não há ninguém maior que ele.

Dar as costas ao evangelho é desprezar a maior pessoa do universo - o seu Criador, Juiz, aquele que pisará sobre todos os seus inimigos, o único em quem há salvação, porque, em si mesmo, ele fez a purificação de nossos pecados.

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24 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

Neste ponto da carta, cada um de nós precisa fazer uma pausa para considerar como é nossa relação com Cristo. Estou de fato ligado a ele? Se estiver, minha ligação com ele é mais forte ou mais fraca do que foi no passado?

Descobriremos nesta carta que só existem dois tipos de nós juntando as amarras ao ancoradouro da costa: aqueles que estão mais apertados do que antes e os que estão frouxos, começando a escorregar. É possível ser um cristão professo neste momento e ainda estar perdido. Mas como alguns que aparentam ser crentes se afastam e acabam apostatando? A resposta está numa palavra: negligência.

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4 CRISTO, O HOMEM,

É MAIOR QUE OS ANJOS (LERHEBREUS 2.5-18)

Em nosso estudo da Carta aos Hebreus chegamos agora ao capítulo 2.5-18. Que passagem tremenda! Ela mostra que o Senhor Jesus Cristo tornou-se Filho do Homem para que

pudéssemos ser filhos de Deus. Ele veio à terra para que pudéssemos ir ao céu. Carregou nossos pecados para que pudéssemos ser participantes de sua justiça. Tomou a nossa natureza para que pudéssemos ter a sua. Tornou-se homem a fim de restaurar-nos tudo o que havíamos perdido na queda de Adão.

Em sua argumentação, o apóstolo acabara de mostrar aos leitores que Cristo é o próprio Deus, portanto, muito maior que os anjos. Sendo assim, por que considerariam voltar a uma religião que se deleitava no fato da lei ter sido entregue por meio de anjos?

Contudo, conhecendo bem a mentalidade judaica, o apóstolo estava consciente de que uma objeção certamente pairaria na mente deles: "Está bem, Jesus é maior que os anjos. Mas quando ele se tornou homem, tornou-se menor que os anjos e, então, nessa condição, ainda foi humilhado pelo sofrimento. Sendo assim, como você pode continuar defendendo sua grandeza"?

Tendo em mente tal objeção tácita, o apóstolo passa agora a demonstrar que Cristo, como Filho de Deus, não somente é maior que os anjos, mas também o é como Filho do Homem. Jesus o homem é maior que os anjos! Se você se afasta dele, não poderá se consolar dizendo que virou as costas para quem é grande quanto à natureza divina, porém pequeno em sua natureza humana. O velho hino galês diz com acerto:

Grande é meu Jesus em sua Pessoa, Grande como Deus e homem ... 8

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26 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

Isso é o que o autor enfatiza por toda esta seção, e o faz em duas etapas. Nos versículos 5-13 ele mostra que a superioridade de Cristo não é cancelada por ter ele vindo entre nós como homem. Nos versículos 14-18 mostra que sua superioridade não é cancelada por ter ele sofrido como homem.

1. A superioridade de Cristo não é cancelada por ter ele vindo entre nós como homem (2.5-13)

A maneira mais fácil de entender o argumento do autor é por meio de uma paráfrase:

2.5 Já lhes falei anteriormente (1.14) que os anjos foram designados para servir aos cristãos, não reinar sobre eles. O mesmo se dá quanto ao "mundo vindouro". Os anjos jamais governarão. Podem parecer, no momento, superiores a nós, mas isso não altera o fato de que são apenas servos.

2.6-7 É o propósito de Deus que os homens, não anjos, governem. Isto fica claro no Antigo Testamento. Permita que eu me refira ao Salmo 8.4-6. Quando olhamos as estrelas e consideramos a imensidão do universo, parece que o homem é sem grande significado. Mas não é assim. Deus se preocupa com o homem e tem cuidado por ele. Em alguns momentos, parece que o ser humano possui menor majestade que os anjos. No entanto, Deus lhe deu uma posição e colocou nele dignidade tal qual não foi dada a nenhuma outra criatura. Ele é o ápice da criação de Deus, tudo o mais está abaixo dele na ordem da criação - incluindo os anjos!

2.8 Deus decretou que todas as coisas estão sujeitas à soberania humana, exceto o próprio Deus, e nada deixou fora do seu domínio. Este decreto nunca foi rescindido ou anulado. Contudo, o fato é que ainda não enxergamos o homem em tal posição. Por exemplo, a morte ainda o aterroriza, o pecado o escraviza e o diabo o oprime.

2.9 No entanto, ainda que não enxerguemos o homem, como homem, na posição que Deus planejou para ele, vemos um Homem representativo nessa posição. Quero ressaltar sua condição humana usando seu nome humano, Jesus. Nós o vimos. Ele esteve em nosso vale de humilhação. Identificou-se conosco. Viveu como inferior aos anjos. Passou por sofrimento e morte.

F oi a graça de Deus - sua generosidade imerecida - que enviou Jesus para o nosso meio. Ele experimentou a morte. Com isso digo não simplesmente que ele morreu, mas também que sentiu todo o sabor da humilhação e amargura da morte. Ele sabe o que é morrer, porque passou por isso. E o fez por todos nós.

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CRISTO, O HOMEM, É MAIOR QUE OS ANJOS 27

Quando o apóstolo diz que Jesus morreu "por todo homem", não é possível que esteja dizendo que ele tenha morri do por cada indivíduo sobre a face da terra. Isso contradiria o ensino claro da Escritura em outros lugares, significando que os pecados de todas as pessoas já foram expiados, resultando na salvação de cada ser humano. Temos de nos lembrar que o autor está escrevendo a judeus. Ele está enfatizando que Cristo morreu para os gentios, assim como para os judeus.

Não existem palavras mais sábias escritas sobre Hebreus 2.9 do que as provenientes da pena do professor John Murray:

De quem fala o escritor neste contexto? Ele se refere aos muitos filhos que serão trazidos à glória (2.1 0), dos santificados que são um com o Santificador (2.11), daqueles que são chamados de irmãos de Cristo (2.12) e dos filhos que Deus deu a ele (2.13). É isto que nos dá o escopo e a referência de "todos" pelos quais Cristo experimentou a morte. Na verdade, Cristo sofreu a morte por cada um dos filhos que virão à glória e por todos os filhos que Deus deu a ele. Mas não há a mínima garantia neste texto de estender a referência à morte vicária de Cristo para além daqueles que foram expressamente referidos no contexto. Este texto mostra quão plausível uma citação descontextualizada pode ser e, além disso, como carece de base o apelo em favor de uma doutrina da expiação universaJ.9

São importantes tais comentários, mas mais importante ainda é não perder o rumo neste assunto. Se isso acontecer, perderemos o cerne do que o apóstolo está dizendo. Ele não está debatendo a extensão da expiação. Ele pergunta onde o Cristo humilhado se encontra agora, enfatizando que Cristo o homem é maior que os anjos.

Este homem, homem de verdade, é "coroado de glória e honra". Vamos parar, por um momento, com a leitura. Façamos uma pausa para refletir sobre o que nos está sendo dito. Neste momento, há um homem, um homem glorificado, no céu, que está recebendo as honras divinas. Olhe para ele! Adore-o! Ao fazer isso, percebemos que certos pensamentos se tomam impensáveis - ideias como a de que Jesus, como homem, pudesse ser inferior aos anjos.

2.1 O Não somente isso, mas a obra que Jesus realizou na cruz foi um ato digno de Deus. É por Deus, e através dele, que todas as coisas existem. Ele está por trás de cada mínimo acontecimento. Seu propósito eterno é que muitos membros da raça humana se tomem seus filhos e levá-los salvos à glória. Ele optou por realizar isso por

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28 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

meio de um general- isto é, por alguém que vai à frente dos outros e lhes mostra o caminho. Esse líder é Jesus.

Porque convinha que Deus tomasse perfeito aquele que conduz seu povo à salvação, e isso por meio de sofrimentos. Isso não quer dizer que ele já não fosse perfeito e que tivesse de acontecer mediante a cruz. Como poderia ser isso se o Salvador é Deus? Na verdade, isso significa que Cristo não seria completamente ineficaz como Salvador sem seus sofrimentos. Ele teve de ir por esse caminho. Não havia outra maneira de salvar seus "muitos filhos" e conduzi-los à glória.

2.11 Existe união entre Cristo e aqueles a quem ele salvou. Ele é quem os separa para a salvação; eles são os que foram assim separados. Ele é o irmão mais velho que abre o caminho pela selva; são eles que se beneficiam por sua obra e o seguem. Em razão do modo como está tão intimamente ligado àqueles que salva, ele não se envergonha de lhes chamar de "irmãos".

2.12-13 Permita que eu prove isto por meio de três citações do Antigo Testamento. Todos concordam que o Salmo 22.22 é um salmo messiânico e está claro que o Messias vê a todos do povo de Deus como sendo seus irmãos. Isaías 8.17 vê o Cristo (Messias) vindouro como colocando sua confiança em Deus, provando assim tanto a sua humanidade quanto sua identificação com seus irmãos. O versículo seguinte, Isaías 8.18, originalmente se referia a Isaías e a seus filhos, mas, você não concorda que é também urna citação muito adequada para descrever o que o Senhor Jesus Cristo diz a respeito de seu povo no céu?

Assim, o apóstolo mostra que não há jeito de argumentar que o Senhor Jesus Cristo seja inferior aos anjos com base no fato de ele ter vindo a nós como homem:

• Porque o homem, como homem, não é inferior aos anjos.

• Cristo, como homem, foi exaltado e hoje está recebendo as honras celestes.

• Cristo não poderia salvar a ninguém se não tivesse vindo ao mundo como homem, mas ao fazê-lo cumpriu o propósito expresso de Deus.

• Cristo se identifica perfeitamente com aqueles a quem veio salvar ao tomar-se homem e os apresenta no céu como sendo seus irmãos e filhos de Deus Pai.

• A conclusão implícita, se bem que não declarada, é: se você estiver pensando em abandonar Cristo, estará deixando este Cristo!

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CRJSTO, o HOMEM, É MAIOR QUE os ANJOS 29

2. A superioridade de Cristo não é cancelada por ele ter sofrido por nós como homem (2.14-18)

Neste breve comentário iremos com frequência parafrasear o argumento do apóstolo, acreditando que essa é normalmente a melhor maneira de compreender sua linha de pensamento. Já o fizemos antes, e o faremos novamente agora.

2.14-15 Aqueles por quem Cristo morreu são seres humanos - de carne e sangue. A fim de salvá-los, o Cristo divino tornou-se também humano. Não somente isto, mas também morreu e por sua morte tornou sem efeito o poder do diabo.

Pense, por um momento, na morte: ela veio à raça humana como resultado de ter ouvido o diabo no Éden. É resultado direto da atividade do diabo. Impôs sobre cada homem e mulher urna escravidão que não conseguimos quebrar. Passamos pela vida apavorados por essa situação. Como o diabo deve ter rido!

Mas Cristo mudou tudo isso. Morreu uma morte humana. Em favor de seu povo, padeceu e experimentou condenação. Tomou-a sobre si! E agora, embora ainda exista a morte humana, não permanece seu aguilhão, seu pavor. Cristo nos livrou da tirania imposta sobre nós pelo diabo!

Perceba que tal tirania não foi quebrada por um anjo, mas pelos sofrimentos de Cristo. Que vitória fenomenal! Como então pode ser dito que por se tomar humano, e em especial por sofrer, Cristo deve ser visto como inferior aos anjos?

2.16 Para obter tal vitória, Jesus não se tornou anjo e, sim, descendente de Abraão - judeu. F oi assim que ele realizou a obra. O ponto evidente é que ele não socorre a anjos, mas aos seres humanos.

2.17 Por isso mesmo convinha que Jesus se tomasse semelhante aos irmãos em todas as coisas. Não fosse assim, ele não seria o Salvador de que precisavam. Temos necessidade de alguém que nos tome favoráveis a Deus - um Sumo Sacerdote. Ele tem de ter compaixão e entender nossa necessidade. Tem de ser fiel, realizando tudo o que Deus requer. Tem de fazer propiciação pelos nossos pecados, desviando a ira divina e voltando-a contra si próprio. Tudo isso fez Jesus ao tomar-se homem. É exatamente esse o Salvador de que precisamos.

2.18 Precisamente por isso, por ele ter passado tempo em nossa arena de sofrimento e tentação, tendo ele mesmo sofrido a dor das mais intensas tentações, é poderoso para ajudar e socorrer os que hoje estão nessa arena. Exatamente por ele ter se tornado homem pode

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30 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADrNHA

ser o Salvador que é. Assim sendo, não deve ser desprezado (como vocês estão inclinados a fazer), mas devemos correr até ele e honrá-lo.

A superioridade de Cristo não é cancelada por ele ter sofrido por nós como homem. Não, de modo algum! De fato, é por este sofrimento que se demonstra a sua superioridade. Ele mesmo fez aquilo que nenhum dos anjos poderia fazer - tomando-se humano e sofrendo como homem.

Mais uma vez, a supremacia de Cristo fica estabelecida na mente das primeiras pessoas que leram esta carta e, esperamos, em nossa mente também. Estudamos um trecho dificil, mas suas lições são claras:

• O próprio Deus está envolvido em conduzir muitos filhos à glória. Isto ele faz por meio de alguém que lidera- aquele que abre o caminho para outros que, ao segui-lo, descobrem que ele conduz ao céu.

• Cristo é nosso líder, mas é também nosso irmão. Está nos separando, e estamos sendo separados para um futuro maravilho. Tão grande é seu amor por nós que, apesar do que somos, ele não se envergonha de nós.

• Nosso irmão mais velho já enfrentou nossos inimigos e ganhou por nós a vitória. A morte ainda continua, mas seu aguilhão foi retirado e seu poder desapareceu. Não precisamos mais temer o que os homens e mulheres chamam de "morte" - ela é apenas o limiar da glória.

• Cristo tomou-nos em suas mãos com firmeza, forte mão, que não soltará. Cristo já enfrentou qualquer tentação que enfrentemos. Ele já andou por todo caminho escuro que trilhamos. Nada há que enfrentemos que Cristo não tenha enfrentado. Não há ocasião em que não possamos clamar por sua ajuda- e encontrá-la.

• O melhor de tudo: Cristo tratou completamente os nossos pecados, de modo que a ira de Deus foi para sempre desviada de sobre nós. A nossa causa é representada no céu por alguém que nos compreende completamente, e que é agradável a Deus.

Em comparação com quem Jesus é, todo anjo se toma insignificante. Não existe ser maior que Cristo, ninguém mais glorioso ou honrado. Estar ligado a ele é estar perfeitamente seguro a cada momento desta vida e eternamente salvo na vida futura. Rejeitá-lo é dar as costas para o eterno Deus-Homem e abandonar o único que pode fazer o bem a pecadores incapazes. É estar sem direção nesta vida, sem consolo na hora da morte, sem esperança para a eternidade.

Se tivermos Cristo, temos tudo. Se o abandonarmos, não teremos nada -esta é a mensagem da Carta aos Hebreus!

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5 O PERIGO DAAPOSTASIA

(LER liEBREUS 3.1-4.1)

Os hebreus estavam considerando seriamente desistir de seu compromisso com o evangelho de Cristo para voltar ao judaísmo praticado anteriormente. O apóstolo escreve para

persuadi-los a pensar de outra maneira. Seus primeiros dois capítulos deixavam claro aonde tal ação os levaria, mas agora, de forma ainda mais direta, ele passa a mostrar-lhes os perigos da apostasia.

O autor usa diversas armas diferentes de seu arsenal. No primeiro versículo ele emprega a exortação. Dali em diante, nos versos 2-6, ele passa ao ensino. Então, do versículo 7 até 4.1, dedica-se à admoestação. Seguiremos de perto sua argumentação antes de fazermos diversas aplicações a nós mesmos.

1. Exposição

(i) Exortação (3 .1)

3.1 À luz do que acabo de dizer, considerem a Cristo Jesus. Fixem nele os seus pensamentos - ponderem, estudem, meditem em Jesus. Vocês são santos, isto é, separados. Separados dos outros e separados para Deus. Vocês são irmãos, membros de uma família divina, da qual Jesus Cristo é o irmão mais velho. Isto porque vocês receberam um chamado que foi não recebido por outros - Cristo não chamou a eles por seu Espírito nem os transformou pelo poderoso chamado do evangelho. Como vocês são diferentes! A origem do seu chamado é divina. O próprio Deus falou às suas almas, convenceu-lhes de seus pecados, trouxe-lhes o entendimento da verdade do evangelho e moveu-lhes a abraçar a Jesus Cristo pela fé.

O judaísmo olha para trás, para Moisés e Arão. Moisés é o apóstolo do judaísmo, pois "apóstolo" significa "enviado por alguém", e ele

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32 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADfNHA

foi enviado por Deus como legislador. Arão foi o primeiro sumo sacerdote, designado mediador entre Deus e os israelitas, e todos os sacerdotes judeus são seus descendentes.

Na mensagem do evangelho, ambos os oficios, de apóstolo e sumo sacerdote, estão unidos numa só pessoa, Cristo (o Messias designado) Jesus (seu nome humano). Considerem a ele; eu já lhes mostrei como ele é maior, superior em tudo. Não virem as costas para ele, como estão sendo tentados a fazer. Não o abandonem. Não o descartem. Gastem seu tempo pensando nele.

Volve os olhos a Cristo, Contempla sua face de amor Quando ao teu redor há perigos mil, Volve o olhar para o teu Redentor.10

(ii) Ensino (3 .2-6)

Conforme explicamos, a menção ao "apóstolo e sumo sacerdote de nossa confissão" faria com que os primeiros leitores de Hebreus pensassem imediatamente em Moisés e Arão. Seria o Senhor Jesus Cristo realmente maior do que eles? O apóstolo mostrará que sim. Tudo que mais tarde se dirá sobre o ministério sumo sacerdotal de Jesus revelará claramente que ele é maior do que Arão. Mas o autor não espera para mostrar que Cristo é maior do que Moisés. Esse já é o ensino desse parágrafo.

3.2 A grande característica de Moisés era sua fidelidade. Ele era confiável , fazia o que Deus mandava. Se tivesse falhado, Faraó jamais teria ouvido a palavra de Deus e Israel teria sucumbido, cedendo às exigências de Faraó. Além disso, Israel teria recuado no mar Vermelho, teria saído do deserto e voltado para o Egito e jamais teria chegado à fronteira de Canaã e nela entrado.

Mas Moisés foi fiel! Foi fiel "em toda a casa de Deus", ou seja, os israelitas eram o povo e família de Deus, e Moisés foi totalmente confiável em tudo que fez por eles.

Do mesmo modo, Cristo foi fiel em toda a obra que Deus o enviou para realizar. Se tivesse cedido a qualquer tentação, se tivesse recusado a sofrer e morrer, nenhum pecador teria sido salvo. Mas o Senhor Jesus Cristo foi fiel, assim como foi Moisés - e observe que esta é a ordem em que o apóstolo os coloca.

3.3 Porém, Cristo é digno de muito mais honra e respeito do que Moisés, assim como o arquiteto é considerado digno de maior honra do que a casa que construiu.

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Ü PERJGO DA APOSTASIA

3.4 Isso porque Jesus Cristo é Deus e foi Deus quem estabeleceu todas as coisas, inclusive a casa de Israel.

3.5 Moisés era, conforme vimos, fiel em toda a casa de Deus, como servo. Porém, Cristo não é servo de Deus, mas seu Filho eterno, conforme também já vimos.

3.6 Em toda casa, o filho e herdeiro tem status completamente diferente dos servos. Logo, Cristo é digno de muito mais honra do que Moisés.

33

É claro que a casa de que estamos falando não é o antigo Israel histórico, mas o verdadeiro Israel cuja nação representava sua figura. É a companhia de pessoas cuja confiança e fé em Cristo jamais falha; são homens, mulheres e crianças que nunca cessam de se regozijar na esperança em que firmaram seus corações.

O versículo 6 deve ter surpreendido a muitos dos leitores originais, assim como é surpresa para muitos leitores atuais. O fato é que não somos membros da família e da casa de Deus a menos que creiamos e continuemos crendo até o fim.

Se pararmos para pensar um pouco, isso se mostra bastante óbvio. A Escritura ensina consistentemente que todos os salvos não apenas recebem nova posição aos olhos de Deus, recebem também uma nova natureza e são totalmente transformados por dentro. Aqueles a quem Deus muda, são transformados para sempre. Se alguém diz ser crente, mas mais tarde mostra por sua vida que não se tomou santo ou que sua fé foi meramente algo temporário, é porque não era um verdadeiro cristão de modo algum.

Existe muita diferença entre o que as pessoas chamam de "segurança eterna" e o ensino das Escrituras sobre a "perseverança final dos santos". Os que falam apenas em "segurança eterna" geralmente dão a impressão de que qualquer pessoa que diga ter recebido a Cristo tem de ser considerado um verdadeiro crente. Estão salvos no tempo e na eternidade, ainda que apostatem e não andem mais com o Senhor. Podem perder a bênção de Deus nesta vida, mas jamais serão perdidos.

A "perseverança final dos santos" enfatizada de modo especial na Carta aos Hebreus aborda a questão de maneira muito diferente. A verdade é que os crentes genuínos têm muitos altos e baixos, que ninguém, na vida presente, é perfeito. Podem até mesmo chegar a se afastar do Senhor, como Pedro o fez quando o negou. Mas não conseguem permanecer afastados. Foram transformados em seu interior e, constantemente, sua nova natureza revela estar presente. Voltam para o Senhor, crescem em entendimento e força espiritual e jamais viram as costas para Cristo de forma irrecuperável.

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34 A CARTA AOS fiEBREUS BEM EXPLICADINHA

Se alguém, já tendo professado a Cristo, o abandona para sempre, será porque sua profissão de fé nunca foi autêntica. Jamais experimentou uma transformação genuína da parte de Deus. A única garantia certa de que você é filho de Deus é que você continua, e continua, e continua na fé, a despeito de suas falhas. Se não der nenhuma demonstração de santidade ou, pior, se negar o Senhor Jesus Cristo, você estará perdido.

É importante termos clareza quanto a isso. Do contrário, não poderemos seguir à terceira seção da passagem que estamos estudando. Chegamos agora a ela.

(iii) Admoestação (3.7-4.1)

Fica óbvia qual será a advertência do apóstolo. Ele dirá aos hebreus (e a nós!) que se não continuarem na fé, perseverando até o fim, será porque não pertencem a Cristo. Portanto, estarão perdidos eternamente.

Para tanto, ele se refere ao Salmo 95.7-11, que é citado nos versículos 7-11 da passagem que agora analisamos. O salmo ensina que a entrada na Terra Prometida estava condicionada à obediência. Não foi acidente a geração que saiu do Egito ter perecido no deserto. No deserto, eles contestaram a autoridade de Deus e rebelaram-se contra ele, portanto, lá pereceram.

Essas pessoas tinham experimentado uma maravilhosa libertação sobrenatural da escravidão do Egito. Receberam a surpreendente revelação no Sinai. Deus provia suas necessidades a cada dia, e eram testemunhas de milagres extraordinários. Podiam dizer e cantar "Caminhamos para Canaã ... Deus agiu por nós ... Experimentamos uma mudança maravilhosa". Mas nunca entraram na Terra Prometida! Cada um deles pereceu no deserto, como Deus havia jurado.

Tendo isso em mente, continuemos com o argumento do apóstolo no versículo 12:

3.12 Cuidado! Cuidado para que o mesmo não aconteça com vocês ao cair em negligência e desobediência. Para que não suceda a mesma descrença e obstinação nos seus corações e, assim, se afastem do Deus vivo.

3.13 O caminho para evitar isso é a exortação diária. O pecado é traiçoeiro e é muito fácil que o coração permaneça endurecido. Portanto, vocês devem continuar a encorajar e exortar uns aos outros, a fim de permanecer firmes e continuar sempre, sempre.

3.14 Pois recebemos os beneficios do que Cristo fez por nós somente se, de fato, continuarmos firmes até ao fim, com a confiança que tivemos desde o princípio.

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0 PERJGO DA APOSTAS IA

3.15 A perseverança não é algo sobre a qual pensar amanhã e, sim, hoje, todos os dias, como o salmo enfatiza. Não feche seu coração para nada do que Deus disse. Não murmures , te rebeles ou resmungues. Não relaxe nas santas disciplinas. "Hoje" é a palavra­chave para a vida cristã.

Houve apostasia no passado. Todas as vezes, ela começou em certo "dia". Portanto, vive bem o dia de hoje. Concentra-te em ser o cristão que deve ser hoje - não amanhã - não somente nos tempos de conferências empolgantes ou de missões de verão na praia e em eventos especiais - mas hoje - aqui!

3.16 Como isto aconteceu com Israel na antiguidade? Ouviram o que Deus tinha a dizer, mas não gostaram. Murmuraram, reclamaram e se rebelaram. Esse foi o padrão, exceto por Josué e Calebe. Toda a nação se rebelou contra Deus, buscou uma liderança alternativa, expressou insatisfação com a sua bondosa providência milagrosa e, vez por outra, planejou voltar ao Egito.

3.17 F oi contra tais pessoas que Deus se indignou, entristeceu e se aborreceu por quarenta anos. Foram os cadáveres dessas pessoas que, sem exceção, caíram no deserto.

3.18-19 Foi àquele povo rebelde e desobediente que Deus jurou que não entraria no prometido descanso de Canaã. E não entrou!

4.1 Temei, portanto! Existe um descanso prometido por Deus aguardando todo crente. O céu é um fato . É o verdadeiro lar de todos os que são povo de Deus. Temei, pois, que qualquer um de vós pareça estar a caminho, mas falhem ao fazer isso. O perigo da apostasia não é teórico - é real!

2. Aplicação

35

Sem dúvida alguma, essa passagem fala ao nosso coração. Ela faz a sua própria aplicação . Para nosso bem-estar espiritual, vamos repetir a aplicação e torná-la ainda mais clara. Quão pouco é dito atualmente sobre a apostasia. No entanto, como vimos, ela é um perigo real. Sempre que o assunto é mencionado, muitos falsos entendimentos surgem. É necessário dizer mais. Os versículos que se seguem referem-se todos à passagem que acabamos de estudar.

(i.) Apostasia: o que é

Apostatar é não ficar firme em Cristo e seu evangelho até o final (3.6, 14). É afastar-se do Deus vivo (3.12). Como resultado, a pessoa não é mais

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36 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

reconhecida como pertencendo a Cristo (3.6b, 14) e deixa de entrar no descanso prometido a todos que lhe pertencem (4.1).

Portanto, a apostasia é algo que acontece apenas com aqueles que aparentam ser verdadeiros crentes. É isso que toma o assunto tão solene. É triste, mas todos nós conhecemos pessoas que pareciam ser cristãs de destaque, mas acabaram deixando de professar qualquer cristianismo e morreram nesse estado. É importante lembrarmos, contudo, que o ensino de nossa passagem não mais se aplica a elas, mas a nós!

(ii.) Apostasia: como ocorre

Não acontece com todos que professam ser crentes. O versículo 3.16 dá a impressão que sim, mas este não é o caso. Moisés saiu do Egito, não saiu? Não entrou em Canaã. Mas esta passagem bíblica não tem a intenção de classificá-lo como um dos apóstatas. Pelas Escrituras do Antigo Testamento, sabemos que Calebe e Josué também foram exceções. O foco do versículo 16 é ressaltar como o problema é comum.

A apostasia começa no coração, ou seja, nos afetos e pensamentos, no interior da pessoa (3.8; 1 Ob, 12, 15). Primeiro, o coração se toma endurecido diante dos mandamentos de Deus; recusa-se a acatá-los (3.8, 13, 15), porque, como toda franqueza, o pecado parece ser mais atraente (3.13b).

Em seguida, vem a provocação- murmuração, insatisfação, reclamação e rebeldia (3 .8, 16). Isso conduz ao pecado, ou seja,jazer aquilo que é proibido, não sem querer (tal como o verdadeiro crente, cf. Romanos 7 .13-25), mas com desejo ativo (3.17).

Isto leva à incredulidade (3 .12, 18). A palavra empregada no grego dá a ideia de rebeldia obstinada e desobediência causada pela descrença. Quando isso acontece, o afastamento final do Senhor já ocorreu. Tudo o que resta são as admoestações de Deus (3.10-11, 18-19; 4.1) que, como sabemos, não são ameaças vazias.

(iii) Apostasia: como prevenir

Evita-se a apostasia primeiramente pelo reconhecimento de que nenhuma pessoa que professa ser crente entrará no céu se não perseverar na fé até o fim. Talvez isto não se ajuste ao seu entendimento teológico, mas é a verdade (3.6b,14).

Todos nós que professamos seguir a Cristo temos de reconhecer que não estamos isentos de apostatar. O uso do apóstolo das palavras "qualquer" e "nenhum" ressalta justamente isso (3.12-13; 14.1). Cada um de nós deve temer (4.1). Podemos crer que estamos a caminho do céu, mas é possível que não cheguemos lá.

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Ü PERJGO DA APOSTASIA 37

Para perseverar continuamente na fé, é essencial participarmos de uma comunhão de crentes em Cristo. Essa necessidade fica evidente em 3.13. Dentro dessa comunidade, devemos nos aproximar uns dos outros e permitir que se aproximem de nós. Devemos constantemente encorajá-los e admoestá-los a seguir sempre adiante nas coisas de Deus e eles devem fazer o mesmo conosco. Não somos chamados para sermos "independentes" - nosso coração é traiçoeiro demais para isso. Outras pessoas poderão enxergar algo em nossa crença e vida que precisem de correção. Devemos nos colocar numa posição em que essas coisas possam ser observadas, devemos receber humildemente o que eles nos dizem e agir de acordo.

Mas ainda não é o suficiente. Acima de tudo, devemos "considerar atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão, Jesus" (3 .1 ). Aquele que tem Cristo constantemente em seu pensamento, e cujo coração se estende a ele em adoração, gratidão, amor e obediência, está perfeitamente seguro. Essa é a principal lição da Carta aos Hebreus.

Deus não tornou difícil para nós a perseverança. Se mantivermos em vista o líder da fila, seguindo-o de perto, chegaremos com segurança ao céu e gozaremos o descanso eterno que nos prometeu.

Anda tu com ele; este caminho é luz, Todos os outros caminhos acabam em noite; Anda com ele: é o caminho do descanso; Todos os demais caminhos não serão benditos. 11

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6 O DESCANSO PROMETIDO

(LER IfEBREUS 4 .2-16)

O descanso prometido O apóstolo falou até agora de forma muito direta sobre a apostasia,

sabendo que seu ensino provocaria toda espécie de pergunta na mente das pessoas. Os leitores de hoje fazem o mesmo tipo de pergunta, ainda que não as expressem. No capítulo 4, o apóstolo não repete as perguntas, mas dá-nos as respostas. Vejamos como ele faz.

1. Os israelitas apostataram porque não tiveram as vantagens que nós temos?(4.2)

A resposta do apóstolo é "Não!" Fomos evangelizados (conforme ele diz no grego) e eles também o foram. Tanto nós quanto eles recebemos as mensagens de Deus - mensagens de boas novas, salvação e esperança.

O problema com os israelitas não era que não tivessem ouvido a palavra. Ouviram bem, mas isso de nada adiantou. Por quê? Por causa da maneira como a receberam. Não juntaram o que ouviram à fé. Não acataram a mensagem conforme ela é, ou seja, como palavra de Deus. Menosprezaram-na. Não a levaram a sério. Não creram nela. Não agiram com santo temor. Na verdade, resistiram à Palavra, conforme já vimos diversas vezes.

Essa, afinal, é a diferença entre apostasia e perseverança. Os que se afastam da fé o fazem porque não levam a sério a Palavra de Deus. Os que perseveram o fazem porque continuam recebendo a Palavra e agindo conforme o que ela diz.

Este ensino é muito perscrutador. O que acontece comigo quando ouço a pregação da Bíblia? Eu trato a mensagem como apenas mais um sermão? Ou tomo-a para o coração como verdadeira palavra de Deus? E quanto ao versículo que acabamos de ler? É apenas o próximo versículo a ser estudado

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Ü DESCANSO PROMETIDO 39

ou mensagem divina a ser levada a sério? Aquele que aceita a palavra de Deus com humildade, submissão e temor, está eternamente seguro, mas quem pode perscrutar o perigo a que nos expomos se tratarmos a Palavra de Deus do mesmo modo que tratamos as palavras dos homens!

2. Quando os israelitas não entraram no descanso prometido de Canaã, as promessas de descanso cessaram? (4.3-11)

Algumas pessoas acham dificil seguir a linha de raciocínio do apóstolo aqui. Na verdade, conforme veremos, é bastante simples.

A Escritura frequentemente se refere ao "descanso" de Deus - algo que o próprio Deus goza e deseja para seu povo. Deus descansou depois do sexto dia da criação, mas esse fato não exaure todo o significado do termo. Sabemos isso porque, muito depois da criação ter sido acabada, Deus falou por meio de Moisés sobre um descanso que desejava que Israel experimentasse. Referiu-se a Canaã como o retrato desse descanso.

Na verdade, mesmo quando entrou em Canaã, sob a liderança de Josué, Israel não teve a experiência do descanso prometido. Sabemos disso porque o salmo 95 data de muito depois de terem entrado na terra. Escrito no tempo de Davi, continua a prometer descanso e insiste que "hoje" não endureçam o coração para que não deixem de entrar nesse descanso.

Os principais pontos do argumento de 4.3-11 são os seguintes:

• Depois do sexto dia da criação, o sétimo foi de descanso (3b-4).

• Este descanso foi prometido a Israel, mas, devido à desobediência, não entraram nele ( 4.3, 5-6).

• O descanso, porém, continuou a ser-lhes prometido e foram instados a experimentá-lo (4.7).

• Se Josué tivesse conseguido fazer com que entrassem naquele descanso, tal continuação da promessa não poderia ter sido feita (4.8).

• Então, ainda há um descanso prometido para o povo de Deus ( 4.9).

• É um "descanso sabático" (como diz o grego), ou seja, descanso do trabalho árduo e labor, mas não inatividade ( 4.1 0). É o feliz e perfeito prazer na presença de Deus. Este descanso permanece e nos está reservado para que o experimentemos! Não é um estado de luta para agradar a Deus, mas para descansar e encontrar nele todo nosso prazer. Adão, antes de cair, certamente teria experimentado o sabor desse descanso e todo Sábado visava, também, transmitir tal ideia.

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40 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPUCADINHA

• Contudo, ainda não estamos lá! Assim, tome todos os passos necessários para assegurar-se de que, como Israel, sua desobediência não o impeça de entrar ( 4.11 ).

Na Bíblia existe o que chamamos de "tipos", ou seja, modelos ou figuras das realidades espirituais. O sétimo dia após a criação é um tipo do céu. Assim é o dia de descanso [shabbat], assim é Canaã e assim é a paz de consciência que todo crente experimenta quando se converte a Cristo. Um tipo representa uma realidade espiritual, mas não é essa realidade. O próprio céu é um lugar onde não entramos - ainda!

É hora de pensarmos mais no céu. Como cristãos, fugimos da Cidade da Destruição mediante a cruz. Às vezes conseguimos vislumbres da Cidade Celestial enquanto caminhamos em nossa jornada até lá. Ainda não chegamos. Mas se continuarmos andando, se continuarmos em frente, chegaremos lá! Nada nos deixará de fora exceto a descrença, isto é, a resistência à Palavra de Deus que pode nos levar a desistir de Cristo em algum momento.

Pense nisto - mais alguns anos, ou até menos, e estaremos lá! Quem pode expressar em palavras o que isso significa? Hoje, portanto, não é dia para tratar com simpatia o pecado - é dia de prestar séria atenção à Palavra de Deus, não poupar esforços para tomar-nos cristãos mais fortes, melhores e mais sábios e certificarmo-nos de que chegaremos lá. Quando ouvirmos as trombetas do outro lado, saberemos que tudo valeu a pena. Estaremos para sempre com o Senhor!

3. Você disse muito sobre aqueles que parecem estar a caminho de Canaã, mas não chegam lá. Como saber se sou ou não uma dessas pessoas? (4.12-13)

A resposta está em expor-se à Palavra de Deus (4.12). Ela não é um livro morto, mas muito vivo. Ela não lhe deixa inoperante, porque é ativa e poderosa. Cutuca, fere, corta e mata mais efetivamente que a melhor e mais cortante espada. Atinge onde mais nada consegue atingir. Separa até aquilo que é inseparável!

A Palavra mostra como realmente somos em nosso interior mais profundo. Trata de nossos pensamentos e até mesmo de nossas intenções. Sim, é por sua palavra que Deus trata as pessoas ( 4.13). Tudo que somos é, para ele, livro aberto. Nada fica escondido de seu olhar e, por sua Palavra, Deus nos revela aquilo que vê. Deus é o único com quem temos de lidar e, por sua Palavra, ele nos faz reconhecer o quanto nos lê completamente. Por sua Palavra, somos levados a ver aquilo que Deus tem visto o tempo todo.

Muitas pessoas pensam estar a caminho de Canaã. Essa ilusão persiste porque jamais se expuseram à Palavra de Deus. Se escutassem com atenção

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as Escrituras, tal ilusão seria despedaçada. Com isso, poderiam se encher de fúria ou ser quebrantados em arrependimento.

Por outro lado, existem verdadeiros cristãos que gozam a segurança da salvação, mas depois a perdem. Em muitos casos, isso se dá por negligenciarem ao ouvir as Escrituras com seriedade. Falham assim em ver nela as marcas do verdadeiro crente e em reconhecer a si mesmos como povo que possui tais marcas. De modo que o consolo da plena segurança os deixa.

Não há como vir à fé sem a Palavra. Não há perseverança na fé sem a Palavra. Quem negligencia as Escrituras não consegue ter crescimento na graça e no conhecimento nem em intimidade com o Senhor. É mediante a sua Palavra que Deus faz o que faz em suas criaturas.

4. Mas eu desejo, de todo coração, continuar firme até o fim. Que devo fazer? (4.14-16)

Temos de compreender que há alguém que esteve entre nós, mas que hoje goza desse descanso prometido (4.14). Se você quer que alguém lhe ajude, terá de ser ele. Ele ascendeu além do céu fisico e, na presença de Deus Pai, representa como sumo sacerdote a todo crente. É o eterno Filho de Deus e ainda carrega o nome humano de Jesus. Ele é por nós - não contra nós. Não há necessidade alguma de afrouxar nossa segurança naquilo em que chegamos a crer e confessar.

Tire os seus olhos de si mesmo e fixe-os nele ( 4.15). Não pense que ele está insensível - ele já passou por tudo aquilo que você enfrenta. Ele entende perfeitamente e sente conosco nossas fraquezas. Ele é poderoso e perfeitamente qualificado para nos ajudar. Já esteve exatamente onde estamos, contudo, jamais se contaminou por nenhuma espécie de pecado. Não precisamos buscar em nenhum outro lugar!

Ele é o Filho de Deus, portanto, seu trono é o trono da glória. Mas é também Filho do Homem e seu trono é o trono da graça ( 4.16). Ele é generoso de espírito, transbordante de bondade. Aproxime-se e continue aproximando-se do seu trono de graça. Encontrará misericórdia para cada mínima parte da confusão que você criou. Encontrará graça e força sobrenatural na hora da sua necessidade. Não é necessário fazer cerimônia. Não tem de fazer nada exceto vir a ele e clamar por ele.

Em Cristo há perdão, acolhimento, compaixão e ajuda. Contemple-o de todas as formas, mas não se esqueça de ir até ele. Faça isso várias e várias vezes. Não procure esconder de Cristo as fraquezas que possui - ele está disposto a ajudar. Ele conhece todos os erros que você já cometeu e continua a cometer. Sabe quantas vezes você precisará voltar para ele. Sabe que você não consegue orar como deveria. Sabe que até seus momentos

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42 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

de maior santidade são poluídos pelo pecado. Sabe que até mesmo a fé mais forte é misturada com descrença- e, ainda assim, o convite a vir permanece. Somos instados a nos aproximar com ousadia. A misericórdia ainda pode ser encontrada. A graça ainda está disponível.

Agora você vê o segredo da perseverança? É o velho caminho de amar a Bíblia e vir ao Senhor em oração. Não há necessidade de procurar segredos espetaculares, pois isso não existe. Temos de continuar sempre vindo a Cristo por meio de sua Palavra e em oração, publicamente, em particular, como casais, como família. Ninguém que está próximo de Cristo pode falhar em ir ao lugar onde ele está- no céu.

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7 O SUMO SACERDÓCIO DE CRISTO

(LER HEBREUS 5.1-1 O)

ós ter avisado claramente a seus leitores sobre os perigos da postasia, o apóstolo mostrou-lhes (e a nós também) como erseverar. Temos de nos expor à Palavra de Deus, olhar para

o Senhor Jesus Cristo, aproximar-nos constantemente dele da maneira descrita no fim do capítulo 4 de Hebreus.

A menção de Jesus como sumo sacerdote deve ter causado espanto aos leitores originais. Eles poderiam perguntar: Como pode referir-se a Jesus como sumo sacerdote, conforme fez no versículo 2.17, no 3.1 e agora, novamente, aqui? De que maneira Jesus seria sumo sacerdote e como ele se qualifica para tão elevada tarefa?

O apóstolo passa a responder perguntas assim e, ao fazê-lo, chega ao âmago, ao ponto central, de sua carta. O ministério de Cristo como sumo sacerdote é o tema mais proeminente na Carta aos Hebreus e certamente teve um impacto profundo sobre seus primeiros leitores. No judaísmo, o sumo sacerdócio era o oficio religioso mais importante de todos. Os judeus tinham em grande reverência a Arão, o primeiro sumo sacerdote. E um dos maiores atrativos que chamavam esses cristãos hebreus de volta ao lugar de onde tinham se afastado era justamente o ministério contínuo do sumo sacerdócio que se dava em Jerusalém.

O apóstolo agora fará o seguinte: mostrará que o Senhor Jesus Cristo é, na verdade, o sumo sacerdote e não há porque voltar ao judaísmo para isso. Na verdade, Jesus é um sacerdote maior do que qualquer outro que jamais existiu no judaísmo- inclusive Arão. Desviar-se dele para procurar um sacerdote judeu seria deixar o maior e substituí-lo pelo menor.

Ora, não existe diferença essencial entre um sacerdote e o sumo sacerdote. O segundo é apenas uma versão exaltada do primeiro. Assim, o

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44 A CARTA AOS H EBREUS BEM EXPLICADTNHA

apóstolo começa delineando as qualificações essenciais para que um homem fosse sacerdote. Ele faz isso nos versículos 1-4. Em seguida, nos versículos 5-10, mostrará como o Senhor Jesus Cristo cumpriu perfeitamente todas as qualificações para ser esse sacerdote.

1. Qualificações essenciais para ser um sacerdote (5.1-4)

São duas as exigências imprescindíveis para um homem ser sacerdote, sendo a primeira descrita nos versos 1-3:

5.1 Sendo sua tarefa representar o homem perante Deus (enquanto a do profeta é representar Deus aos homens), ele mesmo tem de ser homem. É escolhido de entre os homens, separado dentre eles para em favor deles agir. Ele ministra a Deus em favor dos homens especialmente apresentando dons e oferecendo sacrifícios pelos pecados.

5.2 Sendo homem, ele é capaz de condoer-se da fraqueza humana, pois ele mesmo é fraco. Isso significa que pode, com ternura, ajudar os que são ignorantes ou estão vagando espiritualmente. Sua compaixão é real, pois é suscetível aos mesmos problemas. É importante observar que o sumo sacerdote não só representa os homens e mulheres perante Deus, mas também os pastoreia.

5.3 Sim, ele também é um pecador, tal como aqueles em favor de quem age. Assim, quando o sacerdote oferece sacrificios pelos pecados, deve oferecer tanto por si mesmo como pelos outros. Assim, a primeira qualificação do sacerdote é clara: a humanidade do sacerdote é essencial ao seu oficio.

Tendo deixado isso bem claro, o apóstolo passa a delinear a segunda qualificação essencial no versículo 4:

5.4 Ninguém, pois, toma para si mesmo esta honra, simplesmente decidindo que será sacerdote. O sacerdote representa o homem, portanto, tem de ser homem. Contudo, os representa diante de Deus, portanto, tem de ser chamado por Deus, como aconteceu com Arão. Arão não buscou ser sacerdote; não procurou tal oficio nem o merecia. Outros que buscaram tomar para si o oficio sacerdotal, como, por exemplo, os filhos d~ Corá (Nm 16.1-40), se depararam com o furor da ira e do juízo de Deus.

São estas as duas qualificações essenciais do sacerdote - tem de ser tomado dentre os homens e tem de ser escolhido por Deus. Será que Jesus

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0 SUMO SACERDÓCIO DE CRJSTO 45

cumpre esses requisitos? O apóstolo tem razão em chamá-lo "sumo sacerdote"? Agora será demonstrado que ele cumpre perfeitamente as duas qualificações. Observe que o escritor trata primeiro da segunda qualificação (5.5-6) antes de passar a falar sobre o primeiro requisito (5.7-8). Por quê? Porque Cristo foi designado por Deus a realizar esta obra muito antes de ter se tomado homem - o que certamente não aconteceu com os sacerdotes levitas.

2. Cristo cumpriu perfeitamente essas qualificações (5.5-10)

5.5-6 Cristo não tomou para si esse glorioso oficio. Ele foi designado por Deus Pai. Foi Deus quem lhe disse as palavras de geração etema12 encontradas no Salmo 2.7 e foi Deus quem o designou sacerdote, conforme expressam as palavras do Salmo 110.4. Mas não foi ao sacerdócio levítico que ele foi designado. Na eternidade, esse sacerdócio nem existia. Jesus foi consagrado "sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque". Aqui o apóstolo não explica exatamente o que isso significa, embora o faça mais adiante. O que está claro é que é um sacerdócio eterno e que Cristo tem sido sacerdote desta ordem desde que é Filho de Deus - ou seja, por toda a eternidade. Portanto, ele preenche claramente o segundo requisito do sacerdote, que é ter sido designado por Deus.

5.7-8 Mas o que dizer do segundo requisito, isto é, que ele deveria vir de entre os homens? Cumpre também esse requisito, pois teve a experiência humana de aprendizado e de limitações. O eterno Filho de Deus tomou-se homem, e podemos nos referir a "os dias da sua carne"! Durante esse tempo ele passou pela terrível experiência do Getsêmani, suando gotas como de sangue (Lc 22.44) e orando para que fosse salvo "da morte" (como está no grego). Sua oração foi respondida. Foi salvo "da morte"! Deus o ressuscitou da morte no poder de uma vida sem fim (Hb 7 .16). Sua piedade e santo temor a Deus garantiram que fosse ouvido.

Sim, o eterno Filho de Deus passou por tal experiência como homem e por meio dela "aprendeu a obediência" de uma maneira que, de outra forma, jamais teria aprendido. O apóstolo está ensinando que o horror da cruz do Calvário provou a obediência de Cristo ao limite. Ele não foi alguém que poderia continuar sendo inocente simplesmente porque nunca passou por provações. Como Filho, sua obediência permaneceu imaculada e intocada, ainda que tivesse de passar pelo pior sofrimento que o universo já viu.

Nosso Senhor era um homem entre os homens- homem perfeito entre os homens. Sua obediência foi testada e provada, mas ele viveu a perfeição a cada passo de sua vida. Passou provações que nunca teria passado se não houvesse encarnado. Como Filho eterno

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de Deus, continuou sendo o que sempre foi. Mas tornou-se aquilo que nunca antes havia sido - um ser humano e nunca houve qualquer momento em que fosse menos do que um homem perfeito.

5.9-1 O O que significa, então, quando ele diz no versículo 9 que Cristo foi "aperfeiçoado"? Não está se referindo a perfeição moral. Ele já tinha isso. Quer dizer que ele amadureceu, estava pronto, perfeitamente apto e ajustado à obra de sumo sacerdote e, porque estava assim apto e pronto, tornou-se para todos quantos a ele obedecem autor da salvação eterna.

O Filho eterno de Deus torna-se homem e continua sendo homem até o fim. Ele é aquele que foi designado por Deus a ser "sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque". Existe um homem que é sacerdote eterno!

Ao longo da história, muitos homens se tomaram sacerdotes por algum tempo. Como já vimos, todos, sem exceção, eram pecadores. Mas existe alguém que se tornou homem, é homem, e homem perfeito, que, no entanto, desde a eternidade foi designado para um sacerdócio eterno. Não existe, nem jamais existiu, mais ninguém igual a ele. O sacerdócio de Cristo é único, razão pela qual ele pode ser descrito conforme o que está em 4.14-16.

Por que alguém haveria de querer afastar-se do sacerdócio maior para o sacerdócio menor do judaísmo? Poderia haver maior tolice do que deixar essa grandeza para procurar algo obviamente tão inferior e comparativamente muito mais pobre? Nosso Senhor Jesus Cristo é maravilhosamente grande tanto em sua pessoa (quem ele é) quanto em sua obra (o que ele fez e está fazendo). Tudo a seu respeito, tudo ligado a ele, é vastamente grandioso, glorioso e impressionante. Por que sair do brilho celeste para andar nas sombras?

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8 UMA REPREENSÃO E

UMA EXORTAÇÃO (LERliEBREUS 5.11-6.3)

Os hebreus a quem esta carta é dirigida são judeus que se tornaram cristãos, mas estão pensando seriamente em deixar tudo e voltar ao judaísmo. O apóstolo acaba de adverti-los

que, se não continuarem na vida cristã até o fim, estarão perdidos e em trevas eternas. Ele não poupou palavras ao falar da apostasia e insistiu que eles se expusessem à Palavra de Deus e continuassem olhando para o Senhor Jesus Cristo, buscando-o como sumo sacerdote.

Nos versículos que levam à nossa passagem atual, explicou como é possível considerar Jesus como sacerdote e por duas vezes mencionou ser ele sacerdote "segundo a ordem de Melquisedeque". A menção desse fato agora o leva a dar aos Hebreus uma severa repreensão.

1. Uma repreensão (5.11-13).

O apóstolo conhece bem a mentalidade do povo a quem se dirige e, assim, ao dizer que Cristo é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, um pensamento lhe ocorre. Ele deseja dizer mais sobre o assunto, mas o que adianta? Os hebreus não o entenderão (lla).

A verdade que ele acabara de mencionar é uma das mais profundas da fé cristã e bastante dificil de explicar. Porém, os hebreus são "tardios em ouvir" ( 11 b ). Não captam muito rapidamente as verdades espirituais. Aprendem muito devagar. A verdade sobre a qual ele quer gastar tempo para explicar está além da capacidade de entendimento deles.

5.12 Neste estágio da vida, vocês deveriam ser mestres da vida cristã . Mas, em vez disso , o que aconteceu? Ainda estão na alfabetização, tendo, novamente, necessidade de alguém que lhes ensine as coisas mais básicas da fé cristã.

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todos se sentem bem ou algo diferente e especial acontece, mas quando nossas mentes são despertadas para conhecer melhor e mais profundamente a palavra de Deus. O progresso ocorre quando alguma coisa acontece em nossa mente. A verdadeira emoção virá, mas este não é o enfoque da presente passagem.

A exortação do apóstolo, portanto, é que não devemos estar satisfeitos apenas com os fundamentos, mas devemos prosseguir além disso, rumo à "perfeição", ou seja, à maturidade espiritual. Façamos isto! Pela vontade de Deus, certamente o faremos! (versículo 3).

Mas é claro que ninguém pode edificar sobre as verdades fundamentais se não as conhecer. Assim, o apóstolo dá essa informação nos versículos 1 b-2. Ele menciona seis doutrinas básicas, que se agrupam em três pares. O primeiro par trata da salvação; o segundo, das ordenanças; o terceiro trata do estado final.

Aquele que conhece e compreende apenas isso ainda é um bebê que depende do leite para sobreviver. Agora é hora de examinar esses três pares de forma cuidadosa e minuciosa. Alguns leitores perceberão que não possuem sequer um apanhado geral dessas coisas! Se é esse o caso, ainda não tomaram nem mesmo o leite- acabaram de nascer. Não estão no jardim de infância, tampouco no parquinho da escola!

O crente imaturo é aquele que entende apenas este tanto. O cristão que está progredindo se agarra firmemente nessas coisas e está agora absorvendo verdades mais dificeis e profundas. Se você tem claramente apenas essas seis doutrinas básicas, nada mais fez do que fixar os fundamentos de sua vida cristã. Não se acomode com isso - construa algo sobre esse fundamento! Contudo, se não possui clareza quanto a essas seis doutrinas, você ainda não estruturou sequer o fundamento e tudo o que tentar construir no futuro com certeza desmoronará.

Vejamos o primeiro "par", ou seja, "arrependimento de obras mortas e ... fé em Deus" (versículo 1 b ). Você entende claramente como sua vida cristã começou? Ela começou com a dolorosa percepção de que nós jamais conseguimos agradar a Deus. Portanto, resolvemos dar as costas a tudo o que vivíamos no passado. Fazendo isso, voltamo-nos para Deus. Entregamo-nos a ele, pedindo que nos perdoe os pecados e nos salve. Cremos que ele fará exatamente isso, por tudo o que já fez ao mandar o Salvador viver pelos pecadores, morrer pelos pecadores e viver para sempre para recebê-los para SI.

Observe agora o par final, ou seja, a "ressurreição dos mortos e o juízo eterno" (versículo 2b). Você sabe claramente para onde leva a vida cristã? Leva ao dia quando ressurgiremos da morte e seremos, até mesmo

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fisicamente, como Cristo. No juízo final Deus reconhecerá abertamente quem pertence a ele e, apesar de nossa culpa, em razão do que Cristo fez por nós, anunciará que estamos sem culpa aos seus olhos. Ressoando em nossos ouvidos essa absolvição pública, prosseguiremos à santidade e felicidade do céu, onde gozaremos eternamente a presença de Deus.

Agora vamos olhar o par central da passagem, ou seja, a doutrina "de batismos e da imposição de mãos" (versículo 2a). Sobre o que, exatamente, o apóstolo está falando? Todos que estudam a Bíblia concordam que este é um trecho dificil de interpretar. Não é animador. O apóstolo se refere a um "princípio elementar" da vida cristã (versículo 1), mas se não tivermos certeza do que é, como saberemos se temos ou não o fundamento correto de nossa vida espiritual?

Não é tão dificil assim. Afinal, existem apenas duas interpretações que valem a pena considerar. A primeira acredita que os "batismos" de que fala o apóstolo se referem às diversas lavagens cerimoniais que ocorriam nos dias do Antigo Testamento. Elas limpavam apenas o corpo, enquanto o arrependimento é o meio pelo qual o coração é purificado. A "imposição de mãos" era feita sobre um animal prestes a substituir o pecador como sacrifício ou bode expiatório. Pela fé, o adorador via seus pecados transferidos sobre o substituto, ciente de que um melhor sacrifício (o Cristo prometido) um dia viria para realmente assumir o lugar do pecador. Assim, o apóstolo se refere aos retratos de arrependimento e fé do Antigo Testamento conforme acabou de mencionar, os quais se encontram no coração de todas as gerações de crentes.

Pessoalmente, acho essa interpretação plausível. Mas não me convence, pois se for verdadeira, será simplesmente dar voltas em uma repetição daquilo que acabou de ser falado . Eu enfatizaria que o apóstolo está falando de coisas espirituais básicas e que menciona três pares de verdades fundamentais. O primeiro "par" trata de como começa a vida cristã. O terceiro trata de para onde vai a vida cristã. E, então, a parte do meio deverá tratar do que está no meio, ou seja, nossa vida cristã diária. Isso é o que me parece.

A palavra "batismos" está no plural. O trecho de 1 Coríntios 12.13 diz que, embora nós cristãos tenhamos vindo de diferentes e variados ambientes, todos temos uma única experiência unificadora - fomos batizados no Espírito Santo e fomos iniciados na vida espiritual. Esta experiência é o que nos toma membros da igreja de Jesus Cristo. Por meio do batismo do Espírito Santo nos tornamos membros e órgãos do corpo, do qual Cristo é a Cabeça. O sinal externo e visível é o batismo em água. Assim, o batismo interior e o batismo exterior são, de fato, um só batismo, de modo que temos, como cristãos, um só Senhor e uma só fé (Ef 4.5). Começando pelo arrependimento

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e fé e terminando com a ressurreição e o juízo final , vivemos toda a vida cristã no meio disso, no contexto da igreja. Essa é uma verdade básica.

Então, o que seria a "imposição de mãos" do versículo 2? Nos tempos do Novo Testamento, algumas pessoas tinham as mãos impostas sobre elas no dia da conversão, mas eram poucas. É mais provável que isto seja referência à imposição de mãos que ocorria quando diáconos ou presbíteros eram ordenados ou homens eram separados para a implantação de igrejas ou ministérios semelhantes (At 6.6; 13.3; 1 Tm 4.14; 5.22; 2Tm 1.6). Embora Cristo seja o único cabeça da igreja, é sua vontade que cada expressão local de sua igreja seja conduzida por homens piedosos a quem ele separou com esse propósito. As igrejas locais reconhecem publicamente a essas pessoas, separando-as formalmente mediante a imposição de mãos. É princípio básico da fé cristã que se viva dentro do contexto da igreja local cuja submissão a Cristo é assegurada por meio de homens piedosos escolhidos por ele mesmo. O bebê em Cristo que não entende isto sempre permanecerá imaturo.

***** Quanto a mim, acho esta passagem um tremendo desafio. O apóstolo

delineou claramente as questões - nós prosseguimos sempre, e somos salvos, ou não continuamos na fé , e nos perdemos. Para descobrir se estou progredindo, tenho de avaliar se estou crescendo na compreensão da Palavra de Deus.

Não creio que o apóstolo esteja dizendo que somente "intelectuais" ou "sábios" devam ser considerados como pessoas que crescem. A simples compreensão intelectual da verdade divina de nada vale. O entendimento maturado da Palavra de Deus sempre (sem exceção) se revela em vidas transformadas. Aquele que realmente quer entender o que Deus diz será cada vez mais diferente no modo de pensar, falar e agir. Não somente isso, mas em toda a sua vida, desde a conversão até chegar ao céu, será comprometido e atuante em uma igreja local cuja submissão a Cristo seja garantida por homens piedosos separados por Deus para este propósito.

Portanto, deixando a discussão sobre os princípios elementares, vamos em frente, rumo à perfeição. E a alcançaremos, se Deus quiser.

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9 UMATE~LADVERTÊNC~

(LER liEBREUS 6.4-8)

Oapóstolo advertiu os hebreus que queriam se desviar sobre os perigos da apostasia e insistiu para que progredissem, chegando à maturidade espiritual. Ele realmente falou com muita franqueza.

Como existem muitas coisas em jogo, agora ele será ainda mais direto. Os versículos que estão diante de nós contêm uma terrível advertência e, para nosso bem espiritual, é importante que não a diluamos. Nós a entenderemos bem, se seguirmos quatro passos.

1. Para entender esta passagem, temos de ter em mente a Parábola do Semeador

A Parábola do Semeador se encontra em Mateus 13.1-23, Marcos 4.1-20 e Lucas 8.1-15. Peço que você a leia novamente, conforme é narrada no Evangelho de Marcos.

Todos concordam que Hebreus 6.4-8 é dificil de entender. Porém, cremos que a Escritura explica a Escritura - se conhecermos o todo, entenderemos melhor as partes. Haveria parte mais importante do que o que nosso Senhor ensinou durante seu ministério terrestre? A maior parte de seu ensino não é composto de parábolas (Me 4.33-34)? E nosso Senhor não deixou claro que esta era sua mais importante parábola (Me 4.13)?

A Parábola do Semeador nos ensina que sempre que a Palavra de Deus é pregada, encontra reações diferentes. Primeiro, existem aqueles que ouvem a palavra, mas ela não tem nenhum efeito sobre eles (Me 4.14-15). Em segundo lugar, há aqueles que a recebem com entusiasmo imediato, mas rapidamente perdem o interesse. Isso porque descobrem que há um preço a pagar para andar no caminho de Deus (Me 4.16-17).

Então, em terceiro, existem pessoas que acolhem a Palavra de Deus e ela tem sobre eles um efeito duradouro (Me 4.18-19). A semente germina, o

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broto cresce forte, para o alto, e parece que tudo vai bem. Mas, ao mesmo tempo, outra coisa também cresce. Finalmente, essa "outra coisa" fica mais forte e sufoca a vida da planta que estava emergindo. No momento em que estava prestes a dar frutos, a planta murcha. O que parecia tão promissor fica nulo. "Os cuidados deste mundo", o engano das riquezas e o desejo por outras coisas "estrangulam" a palavra, que se toina infrutífera (Me 4.19).

Finalmente, há quem recebe a palavra e é transformado para sempre (Me 4.20). A semente germina, cresce, produz fruto e permanece. Em alguns casos, a semente se multiplica trinta vezes - o fruto do Espírito se evidencia e há transformação de caráter. Nos outros casos, o fruto se multiplica sessenta vezes - a semelhança do caráter de Cristo fica ainda mais evidente. E existem alguns casos em que o fruto se multiplica cem vezes - pessoas que se tornam santas e piedosas!

Temos de manter em mente esta parábola quando estudamos Hebreus 6.4-8, especialmente porque há paralelos óbvios com a parábola nos versículos 7-8.

2. Na parábola, a terceira e quarta reações são, durante tempo considerável, indistintas - e podem ser descritas em termos idênticos

Podemos fazer várias perguntas ao olhar o terceiro e o quarto grupo mencionados na parábola. As aves roubaram a semente? As plantas só estenderam raízes superficiais? Elas cresceram rapidamente? Quando saiu o sol, murcharam ou secaram? Para os dois grupos, a resposta a essas perguntas é "não".

Nos dois casos, as raízes cresceram, se aprofundaram e as plantas cresceram. Os talos se erguem ao céu e começam a aparecer as espigas. Parece bastante promissor. É somente nessa altura que aparecem diferenças entre os dois tipos de planta. Até aqui, conseguimos descrevê-las em termos idênticos.

Tendo isso em mente, vejamos agora os versos 4-5 da passagem e, ao mesmo tempo, imagine dois homens, de nomes José e João. João foi "iluminado" - teve uma experiência autêntica de conversão que fez com que visse a verdade do evangelho. Ele "provou o dom celestial", ou seja, conhece alguns dos beneficios e bênçãos do evangelho. Teve uma experiência autêntica com o Espírito Santo. Podemos descrevê-lo como "participante do Espírito Santo", porque a obra do Espírito não lhe é estranha. Para João, a Palavra de Deus é "boa" - ele gosta de ouvi-la quando pregada e tem prazer na sua leitura. As coisas invisíveis e eternas o empolgam - ele "provou os poderes do mundo vindouro". Em suma, João é um crente autêntico (conforme veremos quando continuarmos) e os versos 4-5 o descrevem com exatidão.

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UMA TERRfVEL ADVERTÊNCIA 55

Agora, vamos falar de José. Ele também foi "iluminado" - teve urna experiência espiritual definitiva que fez com que visse a verdade do evangelho. "Provou o dom celeste", ou seja, conhece algumas das bênçãos e beneficios do evangelho. Teve uma experiência com o Espírito Santo. Pode-se dizer que é "participante do Espírito" porque a obra do Espírito Santo não lhe é estranha. Para José, a Palavra de Deus é "boa"- ele gosta de ouvi-la quando pregada e tem prazer na sua leitura. As coisas invisíveis e eternas o empolgam - ele "provou a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro". Com certeza, os versículos 4-5 o descrevem corretamente.

Contudo, embora no momento não enxerguemos isso ao olharmos para José, mais tarde ele vai apostatar e se perder. Assim como na Parábola do Semeador, podemos descrevê-los em termos semelhantes, pois os dois são indistinguíveis por enquanto. Por um período considerável as palavras que descrevem a um deles podem descrever exatamente o outro. No momento, não é possível discernir urna diferença entre o verdadeiro crente e o futuro apóstata.

3. O verdadeiro crente e o apóstata se tornam distinguíveis

É com o tempo que se evidencia a diferença entre o crente e o apóstata. Na Parábola do Semeador, urna planta passa a produzir fruto a trinta vezes mais, sessenta vezes mais ou até mesmo cem vezes mais. A outra durante muito tempo parece promissora e chega ao ponto em que todos esperam que produza urna grande colheita. Mas ela não acontece. A vida lhe é sufocada. A terceira lavoura é, em termos fmais, numa terra que não foi transformada. No final, está estéril e sem frutos como antes de ser semeada.

Vamos voltar ao João. Ele teve todas as experiências descritas nos versículos 4-5. Mas não caiu nem se afastou. Sua vida espiritual é de sempre prosseguir. Continua a se expor à Palavra de Deus e, pelo uso constante, torna-se hábil na palavra de justiça (ler 5.12-14). Ele se forma, passando de um regime de leite para o alimento sólido. Prossegue e, de aluno, passa a mestre. Continua olhando, o tempo todo, para Jesus Cristo, o seu sumo sacerdote (ver 4 .14-16). Quando erra, vai a Cristo em busca de misericórdia. Quando necessitado, busca em Cristo a graça. No entendimento espiritual e no caráter, nunca deixa de progredir. Devagar, mas sempre, João está se tornando um homem santo.

João é como um campo onde cai a chuva (versículo 7) - a chuva da Palavra e do Espírito de Deus - e esse campo produz fruto deleitoso e agradável a Deus. O Senhor vê o que acontece e derrama graça sobre João, que, por sua vida permanentemente transformada, mostra possuir urna nova natureza. Deus recebe algo da sua obra na vida de João e o resultado

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56 A CARTA AOS H EBREUS BEM EXPLICADfNHA

é que João tem prazer nas bênçãos de Deus. Apesar de suas fortes e sinceras advertências aos Hebreus, o apóstolo está convicto de que eles são, de fato , como João (versículo 9).

José se destaca como contraste a João - mas não de imediato. José experimentou tudo o que está na lista dos versículos 4-5. Seu problema é que, além de tudo isso, outras coisas cresceram em sua vida. Essas outras coisas acabam se tornando maiores, sufocando a Palavra. Seu interesse na Palavra começa a minguar. Ele não se expõe mais à Palavra como antes, porque seu apetite foi afetado. Seu entendimento, que antes crescia, aos poucos vai se paralisando. Perde a vontade de comer comida sólida e, com o passar do tempo, até mesmo o leite.

Apesar de tudo o que antes conheceu e até experimentou, para José, "os cuidados deste mundo" acabaram se tornando mais importantes do que a misericórdia e a graça de Deus. A "fascinação da riqueza" o engana e "as demais ambições, concorrendo" regem sua vida. Ele não é vítima de um infeliz acidente: deliberadamente optou por essas coisas. Afastou-se daquilo que sabia ser a verdade, o poder que havia experimentado. Nas palavras do versículo 6, escolheu "cair".

Esta queda é um ato deliberado. Ocorre quando alguém, através de uma série de escolhas, se afasta da vida cristã ativa, mesmo sabendo muito bem quem é o Senhor Jesus Cristo e o que ele fez . Tiram os olhos de Cristo. Na verdade, tratam-no como impostor e enganador, mesmo sabendo que não é assim, pois em seu coração o crucificaram novamente (versículo 6). Agem como se não houvesse nada bom em Cristo. Trazem sobre ele vergonha e desprezo, pois o mundo que os observa escarnece: ''Não é esse que dizia seguir a Cristo e insistia para que fizéssemos o mesmo? Olhe só agora! No final, Jesus Cristo não fazia nenhuma diferença para ele. Não parece haver qualquer coisa diferente nesse cristianismo dele, não é mesmo?".

José também tinha recebido a chuva da influência da Palavra e do Espírito de Deus (versículo 7). Mas, no fim do dia, não havia nenhum fruto. Não havia sinal duradouro da obra de Deus. Tudo que ficou foram espinhos e abrolhos (versículo 8) . De que adianta uma terra dessas? Ela "é rejeitada e perto está da maldição". Resta apenas "ser queimada".

João e José pareciam iguais e eram vistos durante muito tempo como sendo idênticos. Mas não eram iguais , como provariam os eventos subsequentes. Um foi transformado de verdade, porque permanentemente transformado; o outro teve uma experiência verdadeira de mudança, mas acabou voltando, no final, para o que era antes. Na verdade estava até pior do que antes, pois a terra que esteve pronta para o plantio ficou tomada de espinhos e abrolhos.

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UMA TERRÍVEL ADVERTÊNCLA 57

Embora uma doutrina correta seja vital, a prova de que alguém é verdadeiramente cristão não está no fato de crer em todas as coisas certas. Até mesmo o diabo poderia subscrever as grandes confissões de fé da Reforma! E embora a experiência espiritual seja um fato, a prova de que alguém é crente autêntico não está em ter vivido tais experiências. A Bíblia deixa claro que nem toda experiência com o Espírito Santo consiste numa experiência salvadora. A evidência de que alguém é um crente genuíno está em seu caráter verdadeiramente transformado. Isto se vê em seu crescimento no entendimento das coisas espirituais, em sua crescente semelhança a Cristo, em sua perseverança na fé até o fim. É importante que tudo isso esteja muito claro para nós. Há muita coisa em jogo aqui. O fato é que q verdadeiro crente é salvo eternamente e todos os outros -não importa o que aparentem ser na vida - estão perdidos.

4. Esse ensino deixa alguns pontos a esclarecer

(i.) Esta passagem ensina que as pessoas que rejeitam o evangelho jamais poderão ser restauradas (6.4a)

O apóstolo diz que "é impossível" (versículo 4a) e não devemos debater isso. O ponto de partida para a vida cristã é o arrependimento (versículo 1) e eles não podem voltar a isso (versículo 6a).

Isso porque cometeram blasfêmia contra o Espírito Santo, o pecado imperdoável (ver Me 3.28-30). Em Marcos 3.20-30 fica claro para todos que nosso Senhor desceu do céu. Esse fato era visto em seus milagres, especialmente ao expulsar demônios pela simples autoridade de sua palavra. Mas os seus inimigos atribuíram o seu poder ao diabo. Chamaram diabólico aquilo que estava claro ser divino. Denominaram trevas o que claramente era luz. Chamaram de erro aquilo que estava claro ser certo. Para eles, a santidade era má. Isso é blasfêmia contra o Espírito Santo e é óbvio que alguém nessas condições jamais se aproximará de Cristo para a salvação, pois nem a deseja. A blasfêmia contra o Espírito Santo não pode ser perdoada.

Os apóstatas cometem o mesmo pecado. Sabem que o evangelho é verdadeiro e tiveram as experiências dos versículos 4-5. Porém, dão as costas a tudo isso. Tratam a verdade como se fosse falsa e suas experiências como se jamais tivessem acontecido. É blasfêmia contra o Espírito Santo. Pode não acontecer de repente, mas, com uma série de passos propositais, é ali que chegarão.

Apostatar não é se desviar. Os desviados podem se afastar muito do Senhor e permanecer assim por longo tempo. Olhando de fora, pode-se até chegar a concluir que são apóstatas. Mas não o são. A prova é que voltam ao Senhor. Nunca o abandonam permanentemente. No fmal, experimentam

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o que nenhum apóstata poderá ter novamente - o arrependimento (versículo 6a). Voltam com ousadia perante o trono de graça, para encontrar misericórdia e ajuda em tempo de necessidade (4.16) . Descobrem que, apesar de seus pecados e falhas, o grande Sumo Sacerdote não perdeu nem um pouco de seu carinho acolhedor.

Apostasia não é imaturidade espiritual. Os h e breus eram espiritualmente imaturos. Estavam ainda tomando apenas leite quando deviam comer alimentos sólidos (5.12-14). Ainda precisavam ser ensinados, embora já devessem ser mestres. Mas não tinham abandonado a fé, ainda que tivessem tal ideia. É por esta razão que o apóstolo lhes diz que não os considera apóstatas (versículo 9). Contudo, sua advertência era real e de modo algum hipotética: se abandonassem a fé, certamente estariam perdidos (versículos 1-8).

O único sinal seguro de que você é verdadeiramente cristão é a continuidade, permanecer sempre na fé . Não prosseguir acaba sendo voltar atrás. Os que voltam atrás acabam saindo da presença de Deus. Não há caminho seguro a não ser andar adiante, em frente, para sempre - o que, com a ajuda de Deus, é urna opção para todos nós (versículo 3). O apóstolo voltará a esse ponto diversas vezes no decurso da carta e continuará sendo franco como é aqui. "Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor" (12.14). Para os que propositadamente se afastam de Deus, ele não oferece esperança. O apóstolo João dirá que nem mesmo devemos nos sentir obrigados a orar por eles (lJo 5.16).

(ii.) Não devemos achar que a linguagem de 6.4-5 seja forte demais para ser empregada em relação aos não regenerados

Nada é dito nos versículos 4-5 que não pudesse ser dito a respeito dos israelitas que saíram do Egito e morreram no deserto. O apóstolo já falou longamente sobre eles nos capítulos 3 e 4. Esses homens e mulheres tiveram experiências reais de Deus, mas essas não foram experiências de salvação - foram conduzidos por uma coluna de fogo e uma nuvem, andaram pelo Mar Vermelho em terra seca, beberam da Rocha, comeram maná e as codornizes milagrosamente providas e, até mesmo, ouviram a voz de Deus. Mas seu caráter não foi transformado; morreram na incredulidade e jamais experimentaram o descanso de Deus.

Nada é dito nesses versículos que não possa ser dito quanto a Saul, rei de Israel, a Judas Iscariotes, aos que clamam "Senhor, Senhor!" em Mateus 7.21-23, dos galhos removidos e queimados mencionados em João 15.1-8 e do povo mencionado em 2Pedro 2.20-22, que acabou não sendo transformado. Se achamos que a linguagem dos versos 4-5 é forte demais para ser usada em relação às pessoas não regeneradas, é porque ainda não entendemos

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UMA TERRÍVEL ADVERTÊNCIA 59

um aspecto importante do ensino bíblico. Não entendemos quão longe alguém pode ir e ainda ser, no fim das contas, um falso crente. Não compreendemos o fato solene de que nem toda experiência com o Espírito Santo é uma experiência salvífica.

(iii.) Não podemos passar por uma passagem como esta sem algumas palavras de conforto

Preciso agora falar de modo direto e pastoral a cada leitor. Se você teme ter cometido o pecado da blasfêmia contra o Espírito Santo, e tal medo o impele constantemente em direção ao Senhor Jesus Cristo, com certeza é porque você não cometeu tal pecado. O trecho bíblico tem a intenção de nos assustar, para que reconheçamos que pecar nunca é seguro e que uma escolha constante pelo pecado resulta em perdição. Mas se o medo da apostasia o assusta e aperta seu coração, fazendo-o humilhar-se diante de Deus, movendo-o a confessar seu pecado e buscar misericórdia e graça de nosso Sumo Sacerdote, você dá evidências de que não é apóstata. Os apóstatas não querem, nem podem se arrepender.

Como já vimos, afastar-se e cair é um ato deliberado. É chamar a luz de trevas e tratar como nada a Jesus, trazendo abertamente vergonha ao evangelho. Sem dúvida, tenha pavor de fazer isso, mas saiba que a advertência que estudamos é, na verdade, um dom da bondade de Deus. Quando o obedecemos, estamos permanecendo no caminho da vida eterna. O cristão que professa a Cristo e fracassa constantemente, mas sempre volta para o Senhor, não tem o que temer. Os pecadores são instruídos a se aproximar com ousadia do trono de graça (4.16). O seu Sumo Sacerdote é compassivo e temo ao convidar, perdoar, fortalecer. Nenhum pecador que volta a ele poderá dizer que foi rejeitado. Estamos seguros aos seus pés. A advertência nos diz que não há segurança em nenhum outro lugar.

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10 ENCORAJAMENTO

(LERliEBREUS 6.9-20)

T:ndo ainda o som da forte advertência de Hebreus 6.1-8 a ressoar em nossos ouvidos, chegamos agora a uma questão completamente diferente. O restante do capítulo está repleto de encorajamento

e promessas. Quando alguém nos faz uma advertência severa, temos a tendência de

pensar que ele não gosta da gente ou até mesmo que está contra nós. Parece que o apóstolo estava cônscio disso e, assim, passa imediatamente a chamar seus leitores de "amados" (versículo 9). Aquele que fora tão brusco na advertência tem, na verdade, um coração compungido de amor por eles.

As advertências sem fim muitas vezes entregam as pessoas ao desespero. São necessárias, mas todos nós necessitamos de encorajamento também. Agora o apóstolo também passa a oferecer muito encorajamento e o faz de dois modos: primeiro, diz duas coisas aos hebreus e, em seguida, destaca suas afirmativas mediante duas ilustrações.

1. Duas coisas a dizer

(i.) "Estamos persuadidos ... " (6.9-10)

6.9 Embora tenha falado a vocês das coisas terríveis que acontecem com os que apostatam, fazendo uma severa advertência, estou convencido de que vocês não são assim. Estou confiante de coisas melhores com relação a vocês. Pessoalmente, tenho certeza de que não estão entre os que vão se perder, mas estão entre os salvos.

Que coisa surpreendente de se dizer! Se voltarem atrás, provarão que ele estava errado; e ele já os advertiu fielmente quanto a onde isso levará. Mas ele tem certeza de que são crentes autênticos. O que lhe dá essa

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ENCORAJAMENTO 61

certeza? A resposta é importante, porque mostrará como qualquer um de nós poderá ter certeza da salvação.

Será que é porque os Hebreus tiveram uma nova e maravilhosa experiência com Deus? Sua convicção estaria baseada nisso? De maneira nenhuma ...

6.1 O É olhando para suas vidas que chego a esta conclusão. Vocês têm servido uns aos outros e ainda continuam a fazê-lo. Não o fazem somente quando têm vontade - esse é um trabalho e labor a que se entregam. E o motivo? O amor e cuidado para com o nome de Deus.

Vejo em vocês vidas transformadas. Vejo em vocês o fruto do Espírito. O amor sacrificai- principal fruto e uma das características do verdadeiro cristão - é certamente uma das características que todos enxergam em vocês. Deus é justo e não deixa de ver isso. Com certeza, vocês são cristãos.

Os Hebreus eram espiritualmente imaturos e, pior ainda, estavam considerando renunciar à fé cristã. Isto levou o apóstolo a fazer uma advertência bem severa. Por outro lado, as vidas deles tinham sido bastante transformadas, a ponto de o apóstolo concluir que seus leitores eram crentes autênticos. É a vida transformada que toma crível a profissão de alguém. Nada mais.

Tendo dito isso, ainda há a preocupação no coração que leva o apóstolo a dizer uma segunda coisa:

(ii .) Desejamos ... (6.11-12)

Vocês estão se esforçando para servir uns aos outros, mas desejamos que cada um de vocês continue mostrando, até ao fim, a mesma diligência para avançar espiritualmente, sem jamais desistir. Continuem a progredir espiritualmente até chegar ao ponto em que toda dúvida tenha sido removida (tanto da mente de vocês quanto da minha) e estejam plenamente seguros e certos de que vossa esperança não é vazia, mas possui um fundamento seguro.

Todos os que somos pastores temos a mesma preocupação para com nosso povo. Francamente, não estamos certos de que todos os membros de nossa igreja sejam verdadeiros crentes, e muitos deles também não têm essa certeza. Porém, há outros que possuem tanta clareza em sua fé, e vidas tão amáveis e santas, que não nutrimos a menor dúvida a respeito deles. Claro, todos somos falhos. Estamos conscientes de que somente o Senhor sabe quem realmente pertence a ele ( 1 Tm 2.19) e que teremos várias surpresas, tanto nesta vida quanto no porvir. Mas isso não altera o desejo de

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ver nosso povo conseguir progresso constante e esperado nas coisas de Deus, a ponto de não termos mais sérias dúvidas sobre qualquer um deles.

6.12 Anseio ver vocês sacudirem de si toda a indolência que atualmente caracteriza as suas vidas cristãs. No que conceme ao progresso espiritual, parece que vocês não se esforçam nem querem sofrer qualquer aborrecimento. Se era patente a vossa fé ( 11.1 ), se a sua continuidade era inquestionável, se a característica de perseverança que marcou homens e mulheres de fé dos tempos anteriores foi claramente visível em vocês, eu poderia ter a mesma certeza de que herdarão as promessas que lhes foram feitas, tanto quanto as que foram prometidas a eles.

Assim, o apóstolo tem duas coisas a lhes dizer, resumidas conforme segue:

"Eu lhes adverti que, se voltarem atrás, estarão perdidos. Em meu pensamento, estou persuadido de que vocês são cristãos autênticos, por suas vidas transformadas. Mas como seria bom se pudesse ver apagadas todas as minhas dúvidas quanto a vocês! Isso ocorreria se vivêsseis mais como os homens e mulheres piedosos sobre os quais lemos na história bíblica".

Esse é o ponto chave de toda esta passagem e, em muitos aspectos, da carta inteira. O apóstolo passa então a destacar o que disse mediante duas ilustrações.

2. Duas ilustrações

(i .) Uma das Escrituras: Abraão (6.13-18)

6.13 Pense a respeito de Abraão por um momento. Deus lhe fez uma promessa maravilhosa e a reforçou com um juramento feito pelo maior nome ao qual poderia jurar - seu próprio nome!

6.14-15 E qual foi essa promessa? Está registrada em Gênesis 22.17. Foi que Abraão seria abençoado e que teria muitos descendentes. Humanamente falando , parecia impossível que tal promessa fosse cumprida, pois sua esposa Sara era estéril e seu primeiro filho Ismael havia sido rejeitado por Deus. Apesar disso, Abraão creu na promessa e continuou crendo. Sua confiança teve seus altos e baixos, mas continuou sendo um homem de Deus, crendo sempre e nunca se afastando dele.

Finalmente, !saque nasceu, mas esse não foi o fim das provações de Abraão. Deus pediu que oferecesse seu filho em sacrificio. Contudo, Abraão continuou crendo, seguindo, adorando, amando e obedecendo a Deus. No último instante, !saque foi poupado e, de

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ENCORAJAMENTO

modo figurativo, Abraão o recebeu de volta da morte. Isaque gerou a Esaú e Jacó, com isso, a promessa estava prestes a ser cumprida completamente não apenas física, mas espiritualmente, pois Abraão não seria apenas o pai físico dos judeus, mas pai espiritual de todos aqueles que creem.

O que caracterizou aquele homem de Deus? F oi o fato de que sua crença permaneceu sempre e sempre. Suportou com paciência, pois é assim que uma pessoa recebe o que foi prometido por Deus. Ah, como eu gostaria que tal característica estivesse evidente em sua vida!

6.16-18 Abraão perseverou pois a promessa era confiável. Deus destacou a firmeza da promessa mediante um juramento, sabendo que entre os homens um juramento coloca uma aliança além de qualquer disputa. Assim, Deus empenhou sua autoridade e integridade, enfatizando a veracidade de suas palavras.

Quando uma promessa é tão segura, é possível suportar com paciência, sabendo que, haja o que houver, ela será cumprida. E foi assim que Abraão perseverou em sua fé. O que precisamos entender é que as promessas feitas a nós não são menos confiáveis. Deus não pode mentir. O que ele diz chega até nós como urna promessa e um juramento. Tal fato deveria ser um grande conforto para nós. Não há dúvida que Deus é verdadeiro em suas palavras: aqueles que se voltam para o Salvador em busca de refúgio podem contar com urna esperança certa e segura.

Isso significa que se não conseguirmos chegar ao céu, se não conseguirmos entrar no lugar que Deus prometeu, não será porque a promessa falhou. Não será porque Deus nos decepcionou. Será por termos falhado em permanecer naquilo que ele nos prometeu. Nós o abandonamos. Não conseguimos - haja o que houver­continuar, com paciência, crendo firmes naquilo que Deus disse. Se algo falhar, será porque nos afastamos dele e não demonstramos a perseverança e a capacidade de suportar provações que Abraão demonstrou em circunstâncias idênticas, uma perseverança que o levou a alcançar a promessa feita .

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Esse é o fim da ilustração que o apóstolo tirou das Escrituras. Mas ele não muda de assunto. Ao escrever sobre a esperança que temos, e como podemos estar certos de entrar nela, ele passa a uma ilustração tirada do cotidiano das pessoas do Mediterrâneo do primeiro século.

(ii.) Uma da vida diária: o navio entra no porto (6.19-20)

Como todos os que viviam nos arredores do mar Mediterrâneo, cada um dos leitores originais estaria familiarizado com a prática a que o apóstolo

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se refere. Em cada porto havia uma pedra - podemos ver alguns exemplos disso até nos dias atuais. Em alguns portos, eram muitas pedras. Conhecida em latim como anchoria e no grego agkura, cada uma delas estava segura e imóvel, fixa na orla da praia. Os barcos pequenos eram ancorados a elas, mas também havia outro propósito.

A ciência da navegação não era tão avançada quanto hoje. Ainda não tinha sido inventado o leme ou timão, por exemplo. Muitas vezes, apenas com suas velas, um barco não conseguia entrar no porto, especialmente se o vento fosse contrário. Quando isso acontecia, um tripulante ia adiante, em um pequeno barco de remo. Tal homem era conhecido como "o precursor". Ele amarrava o barco do navio em dificuldades à anchoria, que era firme e segura. Os que estavam no navio simplesmente seguravam na corda e com esforço e paciência, puxavam-na. Se fizessem isso, sem soltar a corda nem relaxar o empuxo, chegavam sempre com segurança ao porto.

Se lermos agora os versículos 19-20, eles tomam vida de uma nova forma. Todos que cremos no evangelho temos essa esperança proclamada por ele. Essa esperança é uma anchoria, uma agkura, âncora "certa e firme" que penetra "além do véu" - ou seja, no próprio céu. O precursor já chegou ali e fixou a corda. Tudo que temos de fazer é segurar firme e nunca soltar. Se perseverarmos, num esforço paciente e persistente, cada um de nós chegará ao porto, não obstante as tempestades, dúvidas ou dificuldades que atualmente enfrentamos.

Não há por que sucumbir às ondas que os ventos contrários levantam. Nem precisamos que algo "especial" aconteça. Se qualquer um de nós estiver perdido, não será porque o precursor não tenha feito seu trabalho; não será porque a âncora seja insegura, será apenas por termos soltado a mão, deixando de segurar. Será por deixar de nos expor à Palavra de Deus e não nos valer do ministério de nosso Sumo Sacerdote.

Este sumo sacerdote é "para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque". A seguir, descobriremos exatamente o que isso significa.

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11 SUMO SACERDOTE PARA

SEMPRE SEGUNDO A ORDEM DE MELQUISEDEQUE

(LERHEBREUS 7.1-28)

Nos capítulos anteriores, o apóstolo deixou claro que, para progredirmos na vida cristã, temos de entender o que significa o Senhor Jesus Cristo ser nosso sumo sacerdote. Ele nos diz

ser ele misericordioso, justo e acessível. Mas disse também algo misterioso: três vezes ele afirma ser Jesus Cristo "sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque". O que, exatamente, isso quer dizer? O capítulo 7, onde agora chegamos, nos responde.

Sabemos que os leitores originais da Carta aos H e breus eram judeus. Tinham se tomado cristãos, mas no momento estavam pensando em renunciar ao cristianismo e voltar ao judaísmo do qual saíram. Por 1.500 anos, olharam para Arão e seus descendentes como sacerdotes - representando-os diante de Deus e oferecendo sacrificios e variadas ofertas em favor deles. Quando se tomaram cristãos, foi-lhes dito que deixassem esse sacerdócio aarônico (o qual, sabiam eles, tinha sido estabelecido por Deus) e aceitassem a Jesus como seu sumo sacerdote. Deviam fazê-lo ainda que ele não tivesse vindo da tribo sacerdotal de Levi, mas da tribo de reis de Judá (versículo 14).

Se a intenção era impedi-los de retomar ao judaísmo, o apóstolo teria de convencê-los de que aquele ao qual deveriam aceitar como sumo sacerdote possuía um sacerdócio superior ao de Arão. Teria de provar também que Jesus tinha sido designado por Deus para substituir os sacerdotes daquela ordem. Isto é o que agora prova cabalmente quando explica o significado do sumo sacerdócio de Cristo ser segundo a ordem de Melquisedeque.

Este capítulo é uma unidade e o estudaremos de forma inteira. Não poderemos fazer pausa em cada palavra ou frase, pois é muito mais importante

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entender o sentido central do ensino do apóstolo ao invés de arriscarmos nos confundir considerando detalhes em demasia. É essencial entender que o apóstolo afirma cinco importantes verdades, que devem ficar bem claras em nossas mentes. 13

1. O sacerdócio de Cristo é superior ao dos sacerdotes judaicos (7.1-10)

No Antigo Testamento houve dois grandes sumo sacerdotes -Melquisedeque e Arão. Dos dois, o maior foi Melquisedeque. Cristo é maior que os sacerdotes que os judeus conheciam porque, como declara o Salmo 110.4, ele é sumo sacerdote, não segundo a ordem de Levi (como eram os sacerdotes aarônicos), mas de Melquisedeque.

Gênesis 14.18-24 nos fala de Melquisedeque. Seria uma boa ideia pararmos aqui e lermos com cuidado essa passagem.

A passagem retrata um incidente histórico que aconteceu quando Abraão voltava com os despojos de guerra depois de uma campanha militar bem-sucedida. Melquisedeque, que era rei de Salém (mais tarde conhecida como Jerusalém) e também sacerdote do Deus Altíssimo, veio a seu encontro. Melquisedeque trouxe pão e vinho a Abraão e suas tropas, o abençoou em nome de Deus e lhe disse que devia a sua vitória militar a Deus. Em resposta, Abraão deu-lhe o dízimo de tudo o que ele e seus homens levavam.

Onde estava Levi quando isso tudo aconteceu? Um dia ele seria descendente de Abraão, mas esse incidente aconteceu muito antes de ele nascer. Nas palavras do versículo 10: "ainda não tinha sido gerado por seu pai". É significativo esse fato. É óbvio que Melquisedeque é maior do que Abraão, porque abençoou a Abraão; teria, portanto, de ser maior do que Levi, que naquele tempo ainda estava nos lombos de Abraão. É obvio que Melquisedeque é maior que Abraão, pois este lhe deu o dízimo de tudo (versículos 4, 6-7). Não o teria feito se Melquisedeque não tivesse direito a isso. Podemos dizer então que Levi pagou o dízimo a Melquisedeque,já que estava nas entranhas de Abraão naquele tempo. Sim, Levi, que com os seus descendentes tinha o direito dos dízimos de Israel (versículo 5), na verdade pagou dízimos a Melquisedeque (versículos 9-1 O)!

Ora, o Salmo 11 O .4 anuncia que o Senhor Jesus Cristo é sumo sacerdote "para sempre", não segundo a ordem menor (de Levi), mas da maior (de Melquisedeque). Esse Melquisedeque era tanto rei como sacerdote (versículo 1 ). Assim foi Jesus- mas jamais Levi o fora. Melquisedeque era "rei da justiça", pois assim se traduz seu nome - e também rei da paz, pois "salém" significa paz. Desta forma, ele foi "tipo", um prefigura no Antigo Testamento, do Cristo que viria (versículos 2-3).

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S UMO SACERDOTE PARA SEMPRE SEGUNDO A ORDEM DE M ELQUISEDEQUE 67

Há também outras formas pelas quais ele prefigurou o Cristo que viria. Por exemplo, ele aparece no palco da história sem genealogia, pelo menos nenhuma documentada (versículo 3). Não há documentação de que ele tenha esse sacerdócio por meio de qualquer outra pessoa. Nem há documentação de sua morte (versículos 3,8). Em todas essas formas, ele é um retrato daquele que "permanece continuamente como sacerdote". A realidade é Cristo (versículos 3); Melquisedeque é simplesmente figura do Filho de Deus que não herdou seu sacerdócio (porque o tem por direito) nem possui sucessor (porque é sacerdote para sempre).

É esse o mote do qual o apóstolo fala nos versículos 1-1 O, e é daí que ele passa a declarar uma segunda importante verdade:

2. O sacerdócio de Cristo é mais efetivo do que o dos sacerdotes do judaísmo (7 .11-19)

O sacerdócio levítico, com todas as leis cerimoniais ligadas a ele, não podia levar ninguém à perfeição. Porém, Cristo, em seu ministério sacerdotal, pode e realmente o faz (versículo 19). Esse é o ponto que agora o apóstolo estabelece.

A argumentação básica desta seção é fácil de entender. O Salmo 110.4 predisse enfaticamente que o Messias, quando viesse, não seria um sacerdote levita. Pertenceria a outra ordem (versículo 17), viria de outra tribo (versículos 13-14) e não exerceria seu sacerdócio em virtude de considerações carnais, mas pela autoridade e poder de possuir vida eterna (versículo 16). Se o sacerdócio levítico pudesse ter feito pelo pecador tudo o que necessitava ter sido feito, não seria preciso que houvesse outra ordem de sacerdotes (versículo 11 ). O simples fato de que o Messias seria de outra ordem de sacerdócio era prova suficiente de que a ordem levítica não supria nem jamais poderia suprir as necessidades do pecador.

Contudo, se o sacerdócio levítico seria posto de lado para que outro sacerdócio vigorasse, segue que todos os ritos, cerimônias e sacrifícios que faziam parte daquele sacerdócio também seriam postos de lado. Isto é óbvio porque todo o sistema de leis girava em tomo e estava intimamente ligado àquele sacerdócio (versículos 11-12). Era o pino que mantinha tudo junto. O fim do sacerdócio levítico significava o fim de todo a sombra da lei judaica.

Conforme já explicamos (e mais tarde será explicado de novo), todo aquele sistema era temporário e imperfeito. Consistia de "tipos", figuras prévias de realidades espirituais, não das realidades mesmas. Era, portanto, fraco, sem valor permanente, e totalmente incapaz de chegar a ser perfeito. O sistema levítico não era um fim em si, mas servia para manter viva uma melhor esperança até que ela se concretizasse. Quando isso acontecesse e

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pudéssemos realmente "chegarmo-nos a Deus", não apenas de maneira figurada, não haveria mais necessidade do tipo. Ele seria posto de lado (versículos 18-19). Seus grandes princípios morais permanecem perpetuamente válidos, por estarem arraigados à natureza e caráter de Deus, sendo assim imutáveis. Mas não é isso que o apóstolo trata aqui. Ele destaca que, no plano de Deus, o sistema levítico desapareceu quando Cristo veio e completou sua obra.

3. O sacerdócio de Cristo é mais firmemente estabelecido do que o dos sacerdotes do judaísmo (7.20-22)

Como um sacerdote do Antigo Testamento entrava em seu oficio? Tinha de nascer na tribo de Levi e na família certa. Crescia e, aos trinta anos de idade, entrava automaticamente no trabalho sacerdotal. Nada mais era requerido, nem mesmo um juramento de fidelidade. Era simples assim.

Como Jesus entrou em seu sacerdócio? Os versículos 20-22 nos dão a resposta. Ele foi ordenado por juramento, não por si mesmo, mas por Deus Pai. Deus deixou claro que esse juramento era irreversível, dizendo ao Filho: "Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque". Dessa forma, Jesus tomou-se garantia e segurança de uma melhor aliança. Fica claríssimo que o seu sacerdócio foi estabelecido de maneira mais firme do que o dos sacerdotes do judaísmo.

4. O sacerdócio de Cristo é de mais longa duração do que o dos sacerdotes do judaísmo (7.23-25)

Nenhum sacerdote em Israel viveu para sempre. Uma geração de sacerdotes dava lugar à próxima geração. Portanto, era um sacerdócio marcado por constantes mudanças. Sempre havia novos sacerdotes que chegavam ao trigésimo ano de sua vida enquanto os mais antigos estavam se aposentando ou morrendo. Permanecia o sacerdócio, mas não havia um sacerdote específico de quem se pudesse depender o tempo todo.

Com o Senhor Jesus Cristo, não é assim. O seu sacerdócio foi dado pessoalmente e não era hereditário. Não poderia ser passado para outra pessoa - e nem precisaria, pois ele "continua para sempre" (versículo 24). Ele vive para sempre e jamais morrerá. Isso quer dizer que quando nos aproximamos de Deus por meio dele, ele está sempre presente, sempre ali, sempre à disposição e jamais se ausenta. Sendo todo-poderoso, não há quem ele não possa ajudar. Não importa o que, nem quantas vezes, tenhamos feito antes -ele jamais nos decepciona. Sua presença no céu como representante do pecador é garantia de que ninguém que confie nele será rejeitado. É sempre bem­sucedida a sua intercessão em favor dos fracos e falhos pecadores. O versículo 25 deve figurar como uma das mais maravilhosas promessas de toda a Bíblia!

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SUMO SACERDOTE PARA SEMPRE SEGUNDO A ORDEM DE MELQUISEDEQUE 69

5. O sacerdócio de Cristo atende exatamente à necessidade do pecador (7.26-28)

Sendo pecador, tenho necessidade de um sumo sacerdote não somente de categoria e poder superiores, mas que também seja santo. Um sumo sacerdote que tenha de oferecer sacrificios pelos próprios pecados não serve para mim. Poderia servir como figura de um sumo sacerdote melhor que viria depois, mas por si mesmo não poderia me ajudar. Preciso de um sacerdote que tenha o direito de entrar na presença de Deus para me representar ali; um sumo sacerdote que só possa entrar numa figura do céu não é, de fato, o sumo sacerdote de que eu preciso.

Somente um sumo sacerdote que seja em si mesmo santo tem o direito de entrar na presença imediata de Deus e ali promover minha causa. Ele terá de ser homem, porque eu sou humano. Preciso que ele fale por mim, mas não tenha de falar primeiramente em favor dele mesmo. Preciso de um sumo sacerdote cuja intercessão por mim certamente prevaleça. O Senhor Jesus Cristo é esse sumo sacerdote. É exatamente dele que eu preciso.

Jesus Cristo não é um sacerdote levítico convivendo com o pecado, enfermidade e fraqueza, oferecendo cada dia sacrificios por si mesmo e pelos outros. Designado a esse mister por juramento divino, plenamente qualificado para a obra, foi nomeado para isso por toda a eternidade! Tratou o pecado de modo definitivo, de uma vez para sempre, oferecendo-se como sacrificio perfeito, plenamente aceitável a Deus, em cuja presença hoje está.

Que passagem maravilhosa! Deus é santo, mas eu sou pecador. Haveria alguém que pudesse se apresentar em meu lugar e a meu favor - alguém não maculado pelo pecado, elevado ao mais alto céu, designado por Deus a um sacerdócio eterno, imutável e eficaz? Esta passagem me diz que há!

Sendo Jesus Cristo meu sumo sacerdote, nunca haverá ocasião em que me aproxime de Deus e descubra ter sido rejeitado. Devido à sua intercessão, nunca haverá ocasião em que me encontre condenado a viver fora da comunhão com Deus. A sua intercessão pelos pecadores é perfeita e certa. Sempre poderei me aproximar dele com confiança e certeza de que obterei misericórdia para meus pecados e graça para ajudar-me em minha necessidade. Tudo isso porque ele exerce um sacerdócio que em tudo é superior ao sacerdócio de sombras dos dias do Antigo Testamento.

Se isso não fosse verdade, eu teria de viver e morrer sem esperança. Mas é verdade! Por que alguém iria se afastar dele? Desviar-se de Cristo é estultícia. Apostasia é loucura.

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12 MEDIADOR DE

UMA ALIANÇA MELHOR (LERliEBREUS 8.1-13)

Oescritor de Hebreus é um professor brilhante. Depois de levar seus ouvintes a subir uma ladeira íngreme de aprendizado, agora lhes oferece um momento para recuperar o fôlego. Começa

este capítulo resumindo e desenvolvendo mais o que disse até aqui, antes de prosseguir levando-os a um terreno ainda mais alto.

1. Um resumo (8.1-5)

8.1-2 O ponto que realmente tenho destacado é o seguinte: em Cristo, nós, crentes, temos um sacerdote que é único - superior aos profetas, aos anjos, a Moisés, Josué e Arão. É sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque, que pode fazer pelo pecador tudo o que precisa ser feito. É capaz de salvar homens e mulheres agora, de maneira total e eterna.

É este o nosso sumo sacerdote e ele está no trono. Exerce seu ministério no céu, onde ocupa uma posição de realeza. Embora seja uma só pessoa, exerce dois oficios - o de profeta e o de rei. Não ministra no tabernáculo ou no templo, que são sombras terrenas da realidade celeste. Não, ele ministra na própria realidade celestial. Não exerce seu sacerdócio em uma tenda terrena erguida por homens. Essa tenda seria apenas uma representação pictórica daquilo que é real, e é ali que ele ministra - na habitação do próprio Deus!

8.3 Ora, a essência mesma do sacerdócio está em que um homem se apresenta diante de Deus como representante do povo e oferece dons e sacrificios. Se Cristo é realmente sumo sacerdote, é isso que ele estaria fazendo - e de fato está.

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MEDIADOR DE UMA ALIANÇA MELHOR 71

É interessante observar nesse ponto que o apóstolo não nos diz o que Cristo está oferecendo. Ele dirá isso em 9.13-14. Veremos que ele está no céu como quem já terminou sua obra de ofertas e está assentado como quem já completou seu trabalho. Sua presença no céu nos fala do fato de que a sua oferta foi de uma vez para sempre. Acabou. Não pode ser, e nunca será, repetida.

8.4 O sacerdócio de Cristo não é exercido aqui na terra. Enquanto lhes escrevo, existem ainda muitos sacerdotes fazendo isso. Estou falando do sumo sacerdote superior, que é glorificado nos altos, e cujo sacerdócio está ligado ao céu e não à terra. Se eu me referisse ao sacerdócio terreno, Cristo não o realizaria, pois tais sacerdotes tinham de pertencer à descendência de Arão, com a qual Cristo não tinha ligação.

8.5 Aqueles sacerdotes não exercitam um ministério realmente sacerdotal. São representações imperfeitas, quadros em sombras das realidades celestes. A verdadeira habitação de Deus não é um tabernáculo terrestre, mas o céu. Deus instruiu Moisés a fazer um santuário que fosse cópia e sombra terrena do que existe no céu. Isso foi feito para transmitir à nossa mente finita uma ideia das realidades invisíveis e espirituais. O ministério de nosso Senhor não é exercido na representação fisica, mas no próprio céu. Este é o sumo sacerdote que temos!

"Possuímos tal sumo sacerdote"! Todo o propósito dos primeiros sete capítulos de Hebreus é transmitir a insuperável grandeza de Cristo e mostrar-nos neste contexto por que a apostasia é um perigo tão grave. Se dermos as costas para a glória de Deus, não haverá para onde ir, senão às trevas externas.

Cada um de nós precisa perguntar se realmente compreendemos isto - não há ninguém maior do que nosso Senhor Jesus Cristo! Neste momento, está assentado no céu alguém que é Deus, veio a nós como homem e que, como Deus-Homem, é superior a todos os profetas, todos os anjos e ao mais piedoso dos homens. Representa o seu povo no próprio céu e ali assegura plena aceitação.

Se entendermos esse ponto, estaremos prontos para o próximo, que o apóstolo ensina no restante do capítulo e em todo o capítulo 9. Ele pode ser resumido nas palavras do verso 6: "Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente ... " .

Até aqui, a ênfase estava na superioridade da pessoa de nosso sumo sacerdote. Agora a ênfase muda para a superioridade de seu ministério. Não há ninguém maior que Cristo. Vimos essa verdade quando consideramos

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quem ele é. Veremos ser igualmente verdadeiro quando considerarmos o que ele fez.

"Obteve mais excelente ministério". Seu ministério é tão superior quanto ele mesmo é superior. Isso fica claro por três razões. Jesus é "Mediador de superior aliança"- estudaremos isso melhor em 8.6-13. Além disso, é sacerdote de um melhor tabernáculo e oferece um sacrificio melhor -essas duas razões serão recapituladas no capítulo 9. A fim de ensinar tais verdades, o apóstolo agora não voltará ao fato de Cristo ser sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. Em vez disso, fará um contraste entre a obra de Cristo e o sacerdócio levítico, ao qual seus leitores originais estavam particularmente atraídos.

2. Cristo é mediador de uma melhor aliança (8.6-13)

Esse fato é afirmado em 8.6 e exposto em 8.6-13. Entenderemos facilmente se perguntarmos e respondermos quatro questões:

(i.) O que é uma aliança?

Uma aliança ou pacto é um contrato, uma concordância formal entre duas ou mais partes, normalmente duas. Em um pacto, um lado promete fazer certas coisas sob condição de que a outra parte concorde em fazer outras. Por exemplo, na venda de urna casa, urna parte concorda em entregar sua propriedade sob a condição de a outra pagar determinada quantia em dinheiro.

É assim entre os homens e mulheres. Porém, com Deus é diferente, conforme nos revela a Bíblia. A aliança com Deus mais é uma concordância unilateral onde ele, a parte superior, promete beneficios extraordinários, mas também dita termos que não estão abertos à negociação.

Para entender isso, pensemos no pacto de Deus com Israel no Monte Sinai. Tendo escolhido, redimido e conquistado os israelitas, prometeu-lhes bênçãos e ditou os termos. Ele seria Deus deles e os tomaria por seu povo. Da outra parte, os israelitas deveriam ser completamente obedientes a tudo o que lhes era requerido, quer fossem questões de certo e errado, quer questões de culto e de governo nacional. Isso é verdadeiro quanto ao que exige deles no Sinai, o que havia exigido anteriormente ou aquilo que ele ainda não exigira. Se obedecessem, gozariam as bênçãos prometidas. Se não obedecessem, perderiam as bênçãos e experimentariam, em seu lugar, as maldições de Deus.

O versículo 6 diz que veio às nossas mãos, por meio de Cristo, urna melhor aliança. É melhor porque fundamentada em melhores promessas.

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(ii.) Por que foi necessária uma nova aliança? (8.7-8a)

Se a antiga aliança tivesse dado certo, não haveria necessidade de substituí-la. Mas o fato é que ela não supria o que era exigido do pecador. Não levou ninguém a um andar mais íntimo com Deus. Não levou ninguém a desfrutá-lo.

Faltava poder, mas a falha não estava na aliança e, sim, no povo com a qual tinha sido firmada (versículo 8a). Não viviam em plena obediência ao Senhor. O resultado foi que Deus acabou rejeitando a nação judaica como seu povo especial, conforme nosso Senhor explicou em tantas de suas parábolas. Portanto, se as pessoas tivessem de conhecer Deus como seu Deus, tendo o privilégio e gozo de ser seu povo, teria de haver uma aliança diferente. Havia necessidade de algo mais.

(iii.) Tal aliança foi alguma vez prometida? (8.8-9,13)

Certamente que sim e repetidas vezes. Por exemplo, tomemos o que Jeremias disse em seu livro (31.31-41), aqui citado nos versículos 8-9. Naquele tempo, o profeta estava desesperado. Não via nenhuma esperança de sua nação apóstata voltar a andar com Deus. O Senhor revelou que faria uma nova aliança, que se firmaria em contraste marcante com a antiga que haviam deixado de cumprir e que lhes levou a serem julgados. Mediante essa nova aliança, a lei de Deus estaria no coração deles, e não apenas em um código escrito. Eles finalmente entrariam nas bênçãos do pacto que antes jamais haviam desfrutado, teriam conhecimento íntimo e pessoal de Deus, todos os seus pecados seriam perdoados e Deus jamais se lembraria deles.

Essa não era a única indicação nos tempos do Antigo Testamento de que outra aliança estava a caminho, mas o que impressiona nas palavras de Deus ao profeta Jeremias é seu uso da expressão "nova" (versículos 8,13). Não é possível firmar "nova" aliança sem que outra se torne "antiga". Quando algo é denominado "antigo", sabemos que se encontra no fmal de seus dias, prestes a ser substituído, obsoleto, prestes a desaparecer.

Os hebreus deveriam entender que o próprio livro sagrado que possuíam deixava claro que uma nova aliança estava prestes a vir. Deus havia anunciado que o que eles tanto reverenciavam seria substituído. É essa nova aliança que foi mediada aos pecadores por nosso Senhor Jesus Cristo.

(iv.) O que seriam as "superiores promessas" mencionadas? (8.1 0-12)

Muitas das promessas da antiga aliança tratavam da vida presente. Cobriam assuntos tais como prosperidade pessoal, longevidade e privilégios

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nacionais. Porém, como observaremos, as promessas da nova aliança tratam exclusivamente de bênçãos espirituais, tanto para agora quanto para a vida por vir.

Na antiga aliança, Deus disse, com efeito: "Se vocês ... então eu ... ". As bênçãos pactuais estavam condicionadas à obediência humana. Na nova Aliança, Deus fala: "Eu quero fazer ... ". É interessante observar quantas vezes isso ocorre nos versículos 7-12. Embora não esteja claro, mas apenas implícito, a partir desses versículos, o fato é que tais bênçãos são condicionadas à obediência de Cristo. Ele é o mediador da nova aliança.

Vamos gastar alguns momentos para considerar novamente as promessas específicas feitas na nova aliança. Nela é prometido que Deus colocará a lei em nossa mente e a escreverá em nosso coração (versículo 1 0). Mas o que isso significa? Os judeus do Antigo Testamento não tinham uma inclinação para obedecer aos mandamentos de Deus, como repetidamente prova sua história. Tinham um código externo, mas seu coração não estava apaixonado por ele. O crente da Nova Aliança é totalmente diferente. Ele pode dizer: "no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus" (Rm 7 .22). A lei não é apenas um livro-texto - é algo que ele ama do fundo do coração. Em seu interior habita o desejo de agradar a Deus e andar em seus caminhos. Tal transformação interior é uma das bênçãos da Nova Aliança.

Outra promessa do Senhor é também enunciada no versículo 10: "Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo". Os israelitas da antiguidade tinham consciência de serem o povo escolhido de Deus e eram rápidos em lembrar às nações que os cercavam de que elas não gozavam do mesmo privilégio. Mas era fato que, como indivíduo, o israelita dos tempos do Antigo Testamento não se preocupava muito em andar com Deus e agradá-lo e não gozava de uma relação mais íntima com ele. Contudo, o crente do Novo Testamento tem no coração o Espírito Santo, por meio de quem clama "Aba, Pai" (Rm 8.15-17). Sabe que é filho de Deus e está a ele ligado pelos laços de amor e afeição familiar.

O versículo 11 explica algo que está relacionado a essa informação. Os levitas ensinavam a Palavra de Deus a Israel na antiguidade, mas essa palavra permanecia em um local um tanto superficial. Dentro da Nova Aliança, todo crente - mesmo meninos e meninas - conhece ao Senhor. Conhecer a Deus pessoalmente é uma das bênçãos prometidas.

Outra promessa se encontra no versículo 12. Apesar de no Antigo Testamento terem sido oferecidos sacrificios de touros, cordeiros ou pombos, as pessoas jamais gozavam ou eram inundadas por um senso de remissão, perdão e paz com Deus. Todo seu ritual era apenas sombra, figura da aliança

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superior que estava para chegar. Nós que nos aproximamos do Senhor Jesus Cristo somos considerados perfeitos diante de Deus. Isso porque nossos pecados foram cravados na conta de Cristo na cruz, e a sua justiça nos foi atribuída. O seu sacrificio tratou de nossos pecados, não em figura, mas em realidade. Agora gozamos o perdão dos nossos pecados- pecados de nossa natureza, pecados abertos, pecados secretos, pecados repetidos, pecados de ontem, pecados de hoje, pecados de amanhã, pecados de comissão ou pecados de omissão- todo pecado! Deus não se lembra mais deles.

Juntando tudo isso, podemos afirmar que a Nova Aliança nos promete um coração transformado e obediente, o privilégio de pertencer ao Senhor, intimidade com ele e perdão total e perpétuo. Não é de se admirar que o apóstolo diga ser Cristo o "mediador de superior aliança, estabelecida sobre melhores promessas" (versículo 6).

Algum leitor anseia pelas bênçãos que acabamos de descrever? Nenhuma religião- nem a religião do Antigo Testamento- pode oferecê-las a você. São o presente de Jesus Cristo dado a todo o que vem a ele. Portanto, venha a Cristo- agora mesmo!

Você é um crente ansioso por obter maior bênção em sua vida? Não a encontrará em nenhuma experiência mística. Todas as bênçãos de Deus estão nas mãos de Jesus Cristo, ele é o mediador da nova aliança. Venha até ele outra vez. Confesse a ele a sua necessidade. Aproxime-se dele. Somente renovando a comunhão com Cristo experimentaremos o tão desejado revigoramento espiritual.

Enquanto lê este livro, você está se alegrando em Cristo? Então, pense nisto: o contentamento e a alegria não são devidos a qualquer mérito nosso. Toda bênção que o pecador recebe vem unicamente por meio de Jesus Cristo. É dom de sua graça.

É hora de todos nós agradecermos por aquilo que ele tem feito. Ele fez o que fez porque é quem é. Considere a Jesus. Pense nele. Encha a mente com pensamentos sobre ele. Deixe de pensar em si mesmo e fixe os olhos em "Cristo, Autor e Consumador da fé" (12.2). Quem age assim não precisa temer a apostasia - pois seu coração clamará algo como:

Desde que meus olhos se fixaram em Jesus Perdi de vista tudo mais, Tão presa de meu espírito a visão De olhar para o Crucificado. 14

"Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna" (Jo 6.68).

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13 SACERDOTE DE UM

MELHOR TABERNÁCULO (LERiiEBREUS 9.1-14)

v:mos como o apóstolo enxergava a antiga aliança e depois a Nova Aliança inaugurada por nosso Senhor Jesus Cristo, para então concluir que Cristo é "mediador de uma superior aliança".

Tendo isso em mente, ele agora olha para o tabernáculo do Antigo Testamento, onde ministravam os sacerdotes levitas desse Velho Testamento. Aquele tabernáculo, embora belíssimo e impressionante, não dava ao pecador real acesso a Deus. Contudo, isto é algo que Cristo, que ministra no próprio céu, nos deu. Ele é sacerdote de um melhor tabernáculo.

Como o apóstolo nos ensina tal verdade? Sua abordagem é simples e fácil de seguir. Primeiro, ele considera o antigo tabernáculo e seis objetos encontrados ali, concluindo que a velha dispensação não dava acesso verdadeiro à presença de Deus (versículos 1-1 0). Em seguida, traça um contraste entre o que Cristo fez e onde ministra. Ao demonstrar isso, o apóstolo apresenta sete fatos e, ao concluir, nos assegura que por meio de Cristo temos verdadeiro acesso (versículos 11-14). Tendo em mente esse esboço, não haverá nenhuma dificuldade em compreender esta secção.

1. No passado: seis objetos- nenhum acesso! (9.1-10)

9.1 Vamos voltar aos dias do Antigo Testamento para lembrar como eram então as coisas. Como sabem, Deus havia dado toda espécie de instrução quanto ao modo como deveria ser adorado. Esse culto acontecia em um tabernáculo, uma tenda-santuário, localizada aqui na terra.

9.2 Sim, a habitação de Deus era uma tenda! Dividia-se em duas partes distintas, cada qual possuindo seus objetos próprios.

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SACERDOTE DE UM MELHOR TABERNÁCULO

A primeira parte, denominada "santuário" ou "lugar santo" continha o castiçal para luz, uma mesa em que era colocado o pão da propiciação e, claro, o próprio pão.

9.3 O que acontecia naquela primeira parte era escondido do público, sendo a parede da tenda uma espécie de véu. O público podia ir ao pátio, mas somente os sacerdotes podiam entrar ali. Contudo, separando essa primeira sala da segunda, conhecida como o "santíssimo lugar", o "santo dos santos", havia uma imensa cortina, a qual chamamos de "segundo véu". As duas salas eram assim divididas uma da outra.

9.4 O "Santo dos Santos" continha o altar de incenso, de ouro puro.

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Não devemos concluir precipitadamente que o apóstolo tivesse cometido um erro ao dizer isso, como pensam muitos escritores. O fato é que o

ministério daquele altar estava mais ligado ao Santíssimo Lugar do que ao

Lugar Santo, mas, em razão de acesso, teria de estar do lado alcançável do

véu e não atrás dele.

9.4-5 No Santo dos Santos também estava a arca da aliança. Por fora, ela era folheada de ouro de todos os lados. Em seu interior, havia um pote de ouro contendo uma amostra de maná, a vara de Arão que floresceu e as duas tábuas de pedra contendo os termos da aliança- os Dez Mandamentos. Acima dela estavam os querubins de glória que, com a sua sombra, cobriam o propiciatório. Mas agora não falaremos em detalhes sobre essas coisas.

Não há dúvida de que cada um desses objetos era "tipo", ou seja, prefiguração simbólica do Cristo que viria. O apóstolo não explica tudo isso

aqui, porque seu propósito não era fazer uma exposição detalhada de todo o significado do tabernáculo, mas contrastar o ministério do tabernáculo com o que o Senhor Jesus Cristo fez e ainda está fazendo.

9.6 Foi isto que Deus ordenou e, quando tudo estava pronto, os sacerdotes entravam e saíam da primeira sala, fazendo seu trabalho - acendendo a lâmpada, trocando os pães e obtendo a purificação cerimonial para o povo no altar do incenso.

9.7 Mas só chegavam até aí. Aqueles sacerdotes nunca entravam no Santo dos Santos - apenas o sumo sacerdote. Quando o fazia, entrava sozinho, apenas uma vez por ano. Mesmo assim, não o

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fazia por direito - tinha de levar o sangue de um sacrificio que tinha sido oferecido pelos pecados de ignorância do povo a quem representava e também por si mesmo - pois também era pecador carente de expiação.

9.8 Por intermédio de todo esse procedimento, o Espírito Santo ensinava uma lição ao mundo. Afinal de contas, foi ele quem deu a Moisés o desenho detalhado do tabernáculo. Ficava claro que enquanto o tabernáculo estivesse erguido, a maneira para entrar na presença de Deus de fato não estava plenamente revelada.

Portanto, vemos que todo o propósito do tabernáculo era representar de modo pictórico as realidades espirituais. Existia para ensinar grandes princípios espirituais e, assim, preparar o povo para a vinda de Cristo . À medida que olhamos para trás, o tabernáculo nos ajuda a entender melhor o que Cristo fez por nós. Permanece o fato de que os rituais e as cerimônias do tabernáculo na verdade não ofereciam acesso real à presença de Deus.

9.9-10 Sim, era tudo figura, oferecendo purificação cerimonial externa, mas jamais dando a alguém urna consciência limpa. Era espiritualmente inadequado; jamais fez nada para o adorador, no que dizia respeito à sua situação verdadeira com Deus. Todo o sistema falava de realidades espirituais, mas não conduzia o adorador a experimentá-las. Apontava além de si mesmo, para dias diferentes que estavam por vir, deixando claro que ele mesmo era temporário. As realidades espirituais às quais apontava seriam reveladas plenamente mais tarde.

Tudo no tabernáculo falava de purificação, mas não a concedia. Falava da necessidade de um caminho de acesso, mas não proporcionava esse acesso. Tudo ligado ao tabernáculo seria inútil e sem sentido, se não falasse de algo que viria! Na Bíblia, o número seis é o número do fracasso. "Seis objetos - nenhum acesso" é um resumo acurado do ensino do apóstolo dado até aqui neste capítulo.

2. Como é agora: sete fatos- acesso total! (9.11-14)

Neste momento, o apóstolo passa a falar do contraste entre o ministério antigo e o de Cristo. Como poderiam os hebreus pensar em voltar para um ministério material, local, ineficaz, quando conheciam o ministério do Senhor Jesus Cristo como sendo espiritual, não material, no próprio céu, eterno e de grande proveito? Ele ressalta essa lição revelando sete fatos: 15

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(i) Um melhor sacerdote (9 .11)

A antiga dispensação apontava constantemente para coisas melhores que viriam no futuro- e essas coisas aconteceram por intermédio do Senhor Jesus Cristo. A velha dispensação falava de purificação, não porque a concedia, mas porque as suas cerimônias deveriam preparar a mente para a purificação dada por Cristo. Ela manteve viva a fé durante os anos em que as pessoas aguardavam o Cristo. Proveu-nos de ilustrações que nos ajudariam a entender o significado daquilo que Jesus já fez e o acesso que providenciou. Jesus trouxe o que o Antigo Testamento prometera, assim, é um melhor sacerdote. Finalmente foi inaugurado um sistema melhor. O Messias já veio!

(ii.) Um melhor santuário (9.11)

Jesus não ministra em um santuário local e terrestre, mas em um "maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer dizer, não desta criação". Ele ministra na realidade espiritual da qual o Tabernáculo antigo era apenas figura, ou seja, no próprio céu.

(iii.) Um melhor sacrificio (9.12)

A redenção prometida em tempos anteriores é agora uma realidade. Cristo a realizou, não por derramar o sangue de animais ou de outras pessoas, mas derramando sua própria vida. Ele ofereceu a sua própria vida. Sofreu, ele mesmo, a morte. Não somente isso, como também entrou no tabernáculo e apresentou o seu próprio sangue no propiciatório, como expiação.

(iv.) Um método melhor (9.12)

Cristo não veio muitas vezes, com entradas repetidas por trás do véu. Nenhuma purificação verdadeira, nenhum acesso real se provê dessa forma. Entrou no céu uma vez. Ali permanece. Tudo o que diz respeito ao seu ministério é infinitamente superior!

(v.) Uma bênção melhor (9.12)

Os sacerdotes do Antigo Testamento entravam no santuário com o sangue de outros, mas Cristo entrou no céu com o seu próprio sangue. Os sacerdotes do Antigo Testamento obtinham somente a purificação cerimonial, que faziam uma vez por ano, mas tinha de ser repetida novamente no ano seguinte. Cristo obteve para nós uma bênção permanente, aqui chamada de "eterna redenção". Nada precisava ser repetido. Fomos trazidos de volta a Deus de maneira eficaz e verdadeira - para sempre!

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(vi.) Uma melhor garantia (9.13-14)

Se com o sangue de animais, e todo o ritual ligado a ele, era possível remover a impureza cerimonial, quanto mais o sacrificio de Cristo de si mesmo era capaz de remover a culpa e a corrupção real do pecado! Apoiado pelo Espírito eterno a medida que a realizava, essa foi a obra que fez. Aquele que não tinha pecado se ofereceu voluntariamente a Deus Pai. Não há nada momentâneo ou temporário em sua obra sobre a cruz. O resultado é que os que creem são purificados interiormente, gozam de consciências inculpáveis, estão livres da mínima tentativa de depender de obras para sua salvação e são trazidos à adoração e serviço do Deus vivo.

(vii.) Um melhor resultado (9.13-14)

Sim, o resultado da obra de Cristo é que os crentes são interiormente purificados e gozam de uma consciência que não mais os condena. As purificações cerimoniais do Antigo Testamento traziam apenas limpeza exterior. A carne era lavada. Os crentes, porém, agora estão livres de um senso interno de culpa e de toda tentativa de depender das obras para sua salvação. Transformados interiormente, são agora pessoas diferentes, que realmente adoram e servem ao Deus vivo. Assim, receberam bênçãos que o ritual judaico jamais poderia proporcionar. Não somente têm acesso ao Senhor como também foram convocados para o seu serviço.

Foi assim, e é assim. O apóstolo está dizendo aos cristãos hebreus que olhem:16

• Não para os sacerdotes judeus, mas para o Senhor Jesus Cristo.

• Não para o tabernáculo feito por mãos humanas , mas para o tabernáculo maior e mais perfeito feito pelo próprio Deus - para o céu, sua habitação eterna.

• Não para o sangue de animais ou rituais e cerimônias, mas para o sangue de Cristo.

• Não para uma purificação cerimonial anual obtida para Israel por meio de seu sumo sacerdote, mas para a eterna redenção que o Senhor Jesus Cristo obteve para todos quantos creem.

Os hebreus não teriam pensado em apostatar se tivessem compreendido um ponto vital: o que mais importa nesta vida e na próxima é o acesso - ou seja, aproximar-se de Deus, conhecê-lo como salvador e ter nele seu prazer. O cristianismo, e somente o cristianismo, é uma religião de acesso. Nenhuma

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outra religião sobre a face da terra poderá oferecê-lo. O judaísmo fala dele, mas não pode obtê-lo. A experiência de acesso a Deus, bem como a base para tal, só pode ser explicada na mensagem do evangelho. É um privilégio gozado pelos crentes em Cristo, e mais ninguém.

Quantas bênçãos temos em Cristo! Igrejas que têm compromisso sério com o evangelho estão livres dos ritos e cerimônias, pois sabem que as representações figuradas das realidades espirituais foram superadas pelas próprias realidades. Pela grande obra de Cristo em nosso favor, o crente goza de acesso direto ao Pai celestial onde quer que esteja, a qualquer hora e em quaisquer circunstâncias.

Como estão empobrecidos os descrentes! Se apenas pudessem compreender que Cristo lhes oferece pleno acesso! Quem dera pudessem pedir e receber isso dele!

Mas como é triste também quando os crentes se esquecem ou negligenciam o maravilhoso privilégio que receberam de Jesus Cristo! Pode haver meio melhor de expressar nossa gratidão do que apropriarmo-nos desse privilégio - passar pela vida como homem ou mulher de oração, andando com ele até nossa chegada ao céu, tendo em Deus nosso prazer com base em quem é o Senhor Jesus Cristo e o que ele tem feito?

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14 OFERTA DE

MELHOR SACRIFÍCIO (LER IfEBREUS 9.14-28)

Oapóstolo gastou os primeiros sete capítulos de seu livro se deleitando em quem é o Senhor Jesus Cristo. Mas, a partir de 8.1, passa de sua pessoa para sua obra, de quem é Jesus

para o que ele fez. Ele é mediador de uma melhor aliança, dando a seu povo corações

transformados, que desejam fazer a vontade de Deus, conduzindo cada um ao conhecimento de Deus, de que ele é o seu Deus, e levando-os a experimentar e gozar pleno perdão de seus pecados.

Não somente isso, mas Jesus também é sacerdote de um melhor tabernáculo, dando a seu povo aquilo que o tabernáculo do Antigo Testamento antevia, mas jamais poderia conceder a qualquer um- ou seja, acesso livre ao Santo dos Santos.

No trecho à nossa frente, o apóstolo ensina uma terceira verdade a respeito da obra de Cristo. Continua fazendo um contraste entre a experiência do povo do tempo do Antigo Testamento com a vivida pelos crentes, hoje, mediante o Senhor Jesus Cristo; mas seu alvo principal é mostrar que Jesus é quem oferece um melhor sacrificio.

A fim de deixar bem claro esse fato, o escritor nos conduz a três passos, mostrando-nos:

1. O que Cristo fez no passado: veio ao mundo (9.14-23) 2. O que Cristo está fazendo agora: comparecendo no céu (9.24-28) 3. O que Cristo fará no futuro: aparecerá do céu e descerá à terra

(9.28b). Podemos dizer que o apóstolo nos convida a olhar para trás,para cima

e para frente. No estudo desta passagem, eu o convido a fazer o mesmo.

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OFERTA DE MELHOR SACRIFICIO 83

1. Olhar para trás: o que Cristo fez no passado - veio ao mundo (9.14-23)

9.14 Vimos esse versículo no estudo anterior, mas devemos nos lembrar do que diz: depois de viver uma vida perfeita em amor pelo Pai Celeste, Cristo foi voluntariamente à cruz, onde derramou o seu sangue. Nisto foi sustentado e mantido pelo Espírito eterno. Seu propósito era que recebêssemos as duas grandes bênçãos da nova aliança: uma nova posição perante Deus e um novo coração. Ele o fez para que fôssemos realmente purificados de nossos pecados, tomando-nos dispostos e capazes de adorar e servir a Deus.

9.15 A Antiga Aliança certamente falava de vida eterna, perdão e purificação, mas jamais podia dar tais coisas, porque o sangue de animais é simplesmente incapaz de prover verdadeira expiação pelo pecado. Contudo, mesmo naquele tempo, havia pessoas que foram "chamadas" e entraram "na promessa da herança eterna" . Como isso acontecia? Tal bênção não provinha do sangue de sacrificio de animais, mas com base em sacrificio infinitamente superior aos sacrificios do Antigo Testamento - ou seja, o sacrificio de nosso Senhor Jesus Cristo. Foi porque ele ofereceu sacrificio tão superior que pode conduzir pessoas aos beneficios da Nova Aliança, tanto retrospectivamente quanto a partir do Calvário. Sim, havia gente salva nos tempos do Antigo Testamento, cada um deles, salvos por nosso Senhor Jesus Cristo, por sua obra realizada na cruz.

9.16-17 Para deixar isso claro, o apóstolo nos convida a pensar no que ocorre quando alguém faz um testamento. Nesta ilustração, ele emprega o termo "testamento" no sentido comum de expressão de vontade última.

Enquanto aquele que escreve o testamento vive, pode cortar ou modificar o documento como quiser. A lei escrita está sobre a mesa, mas não tem força legal porque o seu autor, o testador, ainda está vivo. Quando ele morre, tudo muda. O testamento tem de ser cumprido. Suas palavras não podem mais ser mudadas nem emendadas e suas provisões são inalteráveis. Como o testamento é cumprido? Mediante a morte do testador. Sua morte é que traz todos os beneficios aos seus herdeiros.

Essa é uma ilustração muito boa, porque a Nova Aliança não é tanto um contrato entre duas partes quanto uma doação, pelo menos no que nos diz respeito. O Senhor Jesus Cristo, Cabeça da nossa aliança, fez um pacto com o Pai desde a eternidade de que nos salvaria mediante sua vida por nós e sua morte em nosso lugar. Tudo o que prometeu nos assegurar tomou-se nosso com a sua morte. Naquele momento, a penalidade que os seus mereciam recaiu

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sobre ele, o que significa que nenhuma pena aguarda esse povo. Foi por sua morte que os crentes receberam o perdão.

9. 18 A nova aliança não poderia vir a acontecer sem que o sangue de Cristo fosse derramado. Os que se surpreendem com tal ideia deverão olhar para trás, para o início do pacto de Deus com Israel. Ele aconteceu no Monte Sinai, onde o derramar de sangue era um fator de destaque.

9.19-20 Nenhuma das provisões daquela aliança entrou em vigor até serem ratificadas, confirmadas e validadas por Moisés. Como ele fez isso? Por meio de uma assinatura, como quando confumamos nosso pacto de casamento ou a compra de uma casa? Não. Ele teve de salpicar tanto o livro quanto o povo da aliança com sangue, conforme disse: "Eis aqui o sangue da aliança (ou testamento) que Deus fez convosco".

9. 21-22 Se pensarmos no tabernáculo no passado e em todos os móveis e utensílios que faziam parte dele, descobrimos que nada podia ser utilizado até que sua impureza cerimonial tivesse sido removida mediante a aspersão de sangue. De fato, pela lei do Antigo Testamento, podemos afirmar que cada objeto, cada ritual ligado ao culto teria de ser purificado pelo sangue. Até que isso ocorresse, estava impróprio para o uso.

9.22-23 O apóstolo encerra este primeiro ponto lembrando-nos do que disse antes: o tabernáculo terrestre, e tudo ligado a ele, era apenas uma figura representativa das realidades celestiais. Era um recurso visual para transmitir certas verdades espirituais à nossa mente, que não entenderíamos de outra maneira.

Isso faz surgir a pergunta: Será que o adorador do Antigo Testamento não poderia indagar algo parecido com: "A glória shekiná de Deus não habitava na terra? Certamente, então, se esse lugar fisico era santificado por sua presença, não teria necessidade de purificação."

Por definição, o tabernáculo não teria como ser, no sentido pleno e completo, a habitação do Deus infinito. Ainda que isso pudesse acontecer, teria necessidade de ser purificado. Isso por ser o lugar no qual Deus vinha ao encontro dos pecadores. Deus é santo, e o pecador não pode se aproximar dele do modo que está. A expiação teria de ser feita pelos pecadores. O sangue teria de ser derramado. A purificação por meio do sacrificio era parte essencial do culto no tabernáculo.

Se isso era real como imagem terrena, quanto mais seria verdadeiro quanto à realidade celeste! O sacrificio de animais bastava para revelar

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princípios e ensinar lições espirituais, mas o sacrificio necessário para os pecadores se achegarem a Deus na realidade celestial teria de ser infinitamente melhor do que os anteriores!

O apóstolo destacou o primeiro ponto e agora está pronto a explicar o segundo. O primeiro é essencial para tudo que se segue e foi bem explicado. Alianças, testamentos e pactos se tornam seguros e imutáveis mediante a morte do testador. O que assegura a nova aliança é a morte de Cristo.

Olhe para trás. Reflita sobre o que o Senhor Jesus Cristo fez no passado. Veio ao mundo. Morreu a morte necessária à salvação dos pecadores. Assim, ele realmente cumpriu tudo o que os tipos do Antigo Testamento falavam de forma figurada.

As bênçãos da aliança a que o apóstolo se refere são seguras. A morte de Cristo as garantiu! O fato de crermos, sermos novas criaturas em Cristo, termos todos os pecados perdoados, termos a Deus como Pai e desfrutarmos do acesso a ele se deve ao Gólgota. Tais bênçãos, e inúmeras mais, são minhas, em razão da cruz - e somente por causa da cruz.

Não busco glória ou honra aqui, Senão na cruz do meu Senhor, As coisas que me encantam mais, As sacrifico ao Seu amor.17

2. Olhar para cima: O que Cristo está fa zendo agora comparecendo no céu (9.24-28)

9.24 Para entender o que o apóstolo diz em seguida, temos de pensar no que o Antigo Testamento revela quanto ao Dia de Expiação anual de Israel (Lv 16). Naquele dia, o sumo sacerdote matava o sacrificio apropriado e então entrava no Santo dos Santos com o sangue. Isso ele fazia uma vez por ano, todo ano. Diferente dele, Cristo não entrou apenas em uma mera figura da realidade celeste. Ele não ministrou em uma tenda erguida por seres humanos, que nada mais era que figura de verdades espirituais. Jesus ministra no próprio céu, onde se apresenta perante a face de Deus (como diz o grego original). E faz isso em nosso favor.

9.25 Como Cristo é diferente do sacerdote do Antigo Testamento! Durante sua vida, o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos com certa frequência, ou seja, uma vez por ano. Cada entrada era repetição do que acontecera no ano anterior. Cada vez que o fazia, levava sangue que não era seu. Mas Cristo, em virtude de um único sacrifício, no qual derramou seu próprio sangue, entrou de uma vez por todas. Entrou para ficar!

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9.26 O sacrificio de Cristo é oferta suficiente pelos pecadores. É a expiação perfeita por seus pecados. Isso fica provado por um simples fato - o seu sacrificio não precisa ser repetido. Não fosse assim, ele teria de repeti-lo sempre, desde a fundação do mundo até agora.

O sacrificio de Cristo ocorreu dentro do tempo. Aconteceu em determinada data. Contudo, esse sacrificio de uma vez para sempre é suficiente e efetivo para todos os crentes de todos os tempos. Isso diz respeito até mesmo aos pecados dos crentes que viveram antes do sacrificio ocorrer. É um sacrificio que não necessita de qualquer acréscimo, porque não é deficiente em nada. Também não necessita de repetição. Isso se prova pelo fato de Cristo, depois de ter se oferecido de uma vez para sempre, entrar no céu para ficar.

Cristo apareceu uma vez, anunciando o final da história do mundo. Diferente do sumo sacerdote antigo, que oferecia sangue alheio, sem nenhum sofrimento pessoal, Cristo ofereceu a si mesmo. O eterno Filho de Deus sofreu e suportou agonia fatal enquanto morria. Se, como o sumo sacerdote do Antigo Testamento, ele tivesse de oferecer uma oblação contínua, teria de morrer novamente, vez após vez. Fica claro que isso é impossível.

A oferta que Cristo fez é perfeita e, em virtude dessa perfeição, aparece no céu continuamente para ali representar o seu povo. A penalidade do pecado foi quitada de forma completa e real. Foi cancelada. Deus Pai a aceitou. Prova disso é que ele aceita para sempre no céu todo aquele que for expiado do pecado pelo sacrificio de Cristo. Não há maior prova de que o sacrificio de Cristo não terá jamais de ser repetido.

9.27-28a Sim, do mesmo modo que é certo que homens e mulheres morrem uma só vez, e depois disso são julgados uma vez, é certo de que Cristo foi ofertado uma só vez. Naquela transação única, levou sobre si o pecado de muitos.

Tomemos um momento para refletir nesse ensino para apreendê-lo completamente. Quando o Senhor Jesus Cristo morreu, carregou a plena penalidade do pecado que era devida por seu povo. Levou os pecados deles . O Pai o aceitou completamente e, assim, Cristo está perpetuamente no céu. Ele nos representa diante do Pai. Mas não está suplicando. Não está chorando. Não está insistindo, agonizante, que sejamos aceitos ali . Temos de deixar isso bem claro.

Tudo que nos separa de Deus já foi resolvido. Quando o substituto morreu em nosso lugar, toda sanção que nosso pecado merecia recaiu sobre ele. O fato de Cristo estar no céu e lá permanecer é prova disso.

A própria presença dele no céu proclama que não resta nenhuma condenação a ser carregada pelo crente. Não há nenhum sacrifício

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necessário a ser ainda oferecido, nenhuma expiação que ainda necessite ser realizada. Nada resta que tenha de ser pago. Não há oferta que ainda seja exigida. Nada a trazer. Tudo que tinha de ser feito, foi feito; e a simples presença de Cristo no céu garante a nossa aceitação ali. Basta ele estar ali.

Qualquer tentativa de oferecer novamente o sacrificio de Cristo é sugerir que foi insuficiente ou que Deus precise de alguma lembrança do Calvário além da própria presença de seu Filho. É isso que toma a missa da Igreja Católica Romana um insulto tão grande a Deus. É uma cerimônia blasfema e um pecado participar dela.

Da mesma forma, a insistência em que o pecador tenha de fazer alguma penitência implica que algo adicional ao sacrificio de Cristo seja necessário para garantir a plena aceitação do pecador diante de Deus. É denegrir e degradar a plena perfeição daquilo que Deus em Cristo assegurou no Calvário. Não existe lugar para qualquer forma de penitência em uma igreja que afirme ser cristã.

Para aproximar-se de Deus, a única coisa que o pecador precisa fazer é confiar no fato de que seus pecados, que por direito mereciam a ira de Deus, foram plenamente tratados no Calvário e que Deus aceitou aquilo que Cristo fez em seu favor. Ele precisa lançar-se sobre o amor de Deus em Cristo, não pondo sua fé em nada que ele mesmo pense, possa ou espere fazer. Enquanto o Senhor Jesus Cristo estiver no céu, nenhum pecador que pleiteie em seu nome poderá ser rejeitado!

Como nós crentes somos privilegiados! Quão grande é o acesso que temos! Quão imenso o preço que foi pago para garanti-lo! Como é grande o amor que foi derramado sobre nós! Quão pleno de sabedoria é o plano eterno de salvação! Quão exaltado é agora o Homem de Dores! Mas o apóstolo não permitirá que apenas nos deleitemos na maravilha da salvação. Ainda há uma coisa a dizer.

3. Olhar adiante: O que Cristo fará no futuro - aparecerá do céu e descerá à terra (9.28b).

Não vimos o Senhor quando ele veio à terra pela primeira vez e não o enxergamos agora. Mas o amamos e nos alegramos porque ele voltará à terra, "ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro" ( 1 Ts 4.16) e o fará sem jamais deixar o céu! Em sua vinda, as distinções atuais entre o visível e o invisível, material e espiritual, terrestre e celeste, serão quebradas, como deixa claro o livro do Apocalipse (21.1-5). Naquele dia memorável, o Senhor do céu, sem deixar o céu, virá do céu e "aparecerá segunda vez".

Entrementes, nós o aguardamos e buscamos com avidez, sabendo que não seremos desapontados. Como será diferente sua segunda vinda da

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primeira! Desta vez, ele não virá para tratar do pecado - já o fez em sua primeira vinda. Não virá salvar pecadores, mas juntar todos os pecadores que foram salvos pelo derramamento de seu sangue.

O dia da volta de Cristo será a exibição final da superioridade da Nova Aliança sobre a Antiga. A Nova Aliança não somente nos dá acesso agora a Deus, como também um lar eterno em sua glória celeste! É ali que nosso Redentor crucificado está neste momento e sua presença ali assegura nossa aceitação. Onde ele está, estaremos também. Para que ali cheguemos, ele realmente virá a esta terra para levar-nos consigo.

Aquele dia maravilhoso que aguardamos com avidez será o clímax e a consumação final do plano de salvação de Deus. Que maravilhosa esperança possuímos! Quem poderá contar das alegrias e glórias que nos aguardam? O apóstolo não nos deixará esquecer. É algo sobre o qual devemos pensar a cada dia. Temos também de refletir sobre o fato de que tudo isso foi garantido pela cruz e vergonha que nosso Salvador suportou.

Estamos indo ao céu! Estamos a caminho do céu! Cristo virá e nos levará, porém, sem ele ninguém chegará ali. É melhor que aqueles que, como os hebreus, estiverem pensando em abandoná-lo lembrem-se bem disso.

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15 DESTACANDO E APLICANDO

(LERliEBREUS 10.1-18)

N arta aos Hebreus trata basicamente da grandeza de Cristo. ão há ninguém como ele! Ele é único e é superior a tudo ais. Isso é verdadeiro quando refletimos sobre quem ele é,

conforme nos mostraram os capítulos 1-7, como também ao considerarmos o que ele fez, tema do apóstolo desde 8.1 .

É este ainda o tema da passagem que agora temos diante de nós. Nesta seção, o apóstolo não nos diz nenhuma novidade, o que pode ser algum alívio para nós. Em vez disso, gasta tempo ressaltando e aplicando aquilo que tem dito desde 8.1. Fala o que já disse, mas o diz de maneira um pouco diferente. Ele não quer que os hebreus - ou nós- deixem de entender o significado: o que o Senhor Jesus Cristo fez é infinitamente superior à aliança, sacerdócio e sacrificios a que os leitores originais pensavam em retornar.

Como o apóstolo inicia essa seção? O que ele destaca em primeiro lugar? 18

1. A ineficácia dos antigos sacrificios (10.1-4)

10.1 a Pensem novamente nos sacrificios do Antigo Testamento que estivemos mencionando. Eram sombras. Representações e figuras terrenas. Falavam de coisas melhores que haveriam de vir, mas não eram essas coisas melhores.

10.1 b-2 Entra ano, sai ano, esses antigos sacrificios eram repetidos. Contudo, não faziam realmente nada pelo pecador. Na verdade, não tratavam do pecado. Se tivessem feito algo realmente permanente e efetivo, não teriam de ser repetidos.

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Para ilustrar isso, imaginemos que você esteja com uma tosse horrível. Eu ofereço um vidro de remédio e digo: "Tome isto. Você ficará curado". Você o toma, mas não se sente melhor. Toma de novo e mais outra vez. Anos depois, ainda está tomando.

Do que adianta o remédio? De nada! Prova é que você continua tossindo, apesar de estar se medicando. Tudo que o remédio faz é lembrar que a sua tosse realmente tem de ser curada!

1 0.2b-3 Se os sacrificios do Antigo Testamento realmente tivessem tratado o pecado, as consciências teriam sido purificadas. Isso jamais ocorreu. Tudo o que os sacrificios conseguiam era lembrar constantemente ao povo de seu pecado e sua necessidade de purificação.

No antigo regime, os adoradores continuavam sem perdão, exceto pelo fato de que era despertada a fé em alguns deles. Conforme vimos antes neste livro, eles passaram a depender do sacrificio vindouro, e obtinham a purificação dos pecados por meio da fé que tinham nisso.

10.4 É claramente um fato que o derramamento de sangue de animais não consegue tratar o pecado que nos separa de Deus e nos destina ao inferno.

E como poderia? Pense nisso - como poderia? Como qualquer coisa parecida poderia remover o pecado? É uma óbvia impossibilidade. O reconhecimento pleno disso nos prepara para o próximo ponto .

2. A eficácia do sacrificio de Cristo (10.5-10)

Em contraste àquilo que acabamos de ler, o sacrificio do Senhor Jesus Cristo no Gólgota foi plenamente capaz de realizar aquilo que nenhum sacrificio de animais poderia fazer. Como? Por quê? É o que o apóstolo nos dirá agora:

10.5-7 Para explicar este ponto, é necessário citar o Salmo 40.6-8. Como vocês judeus sabem muito bem, as palavras deste salmo são messiânicas. Pensem no que dizem. Elas expressam o que estava na mente de Cristo quando ele, o eterno Filho de Deus, veio ao mundo como filho de Maria, o Filho do Homem.

10.8 O Messias reconhece que Deus não tem prazer nas ofertas e sacrificios determinados pela lei do Antigo Testamento e que ainda estavam sendo oferecidos no tempo de sua vinda ao mundo.

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DESTACANDO E APLICANDO

10.9 Portanto, ele vem não para ofertar tais sacrificios, mas sim, fazer a vontade de Deus. Não tem interesse em sacrificios. Todo seu propósito em vir ao mundo é realizar a vontade de Deus.

10.1 O Não é mediante o sacrificio de animais, mas por Cristo ter entregue a si mesmo para realizar a vontade de Deus que homens e mulheres são separados para pertencer ao Senhor. Não é pelo sacrificio de animais, mas por meio da oferta voluntária de seu corpo que Cristo, de uma vez para sempre, realizou a redenção.

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O que o apóstolo está dizendo aqui é bastante claro. A vontade de Deus para o Messias era que fizesse plena expiação pelo pecado. Isso requeria um sacrificio com o derramamento de sangue, e assim foi-lhe preparado um corpo em que pudesse sofrer. Em seu sofrimento e morte, foi plenamente cumprida a vontade de Deus. Foi assim que a segunda, e melhor, aliança passou a operar.

O crente foi purificado e separado para Deus mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo de uma vez para sempre. Foi feita uma expiação que agrada perfeitamente ao Deus santo. Desta forma, e não mediante sacrificios de animais, é que foi feita. A única expiação efetiva que existe está na obra de Cristo. Não se encontra em nenhum outro lugar.

3. Este ponto é sublinhado e provado (10.11-18)

10.11 Pensem novamente nos tempos do Antigo Testamento. Não havia assento no tabernáculo, mostrando que não era hora de descansar e que sempre haveria trabalho a fazer. O trabalho de oferecer sacrificios nunca acabava. Quando o sacerdote acabava de fazer um sacrificio, já era hora de fazê-lo novamente. Isso nos mostra, conforme já vimos, que tais sacrificios não serviam para tirar o pecado.

10.12 Como é diferente com "este homem"- ou seja, Cristo! Ele ofereceu um único sacrificio pelos pecados - somente um. Ele o fez "para sempre"- nunca mais teria de repeti-lo. Então se assentou ­sua obra estava completa, terminada, acabada. Mas aonde foi que "este homem" se assentou? Não sobre qualquer lugar na terra - e sim "à destra de Deus" .

10.13 Ali está assentado, no lugar de maior autoridade. Ele não tem mais batalhas a travar, não mais tentações a suportar, nenhum Getsêmane a mais para sofrer, nem nova cruz em que ser pregado, nem outro túmulo em que ser deixado. Terminaram todos os seus conflitos. Está assentado em triunfo, aguardando o dia quando

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todos os seus inimigos serão postos debaixo dos seus pés (SI 110.1; Fp 2.9-1 0). O próximo passo para nosso Senhor Jesus Cristo não será a repetição de sua obra sacrificai- será sua vinda em glória!

I 0.14 A sua obra está terminada, pois naquela única oferta ele aperfeiçoou para sempre aqueles que foram separados para Deus.

O apóstolo está enfatizando que toda a nossa salvação foi realizada no Calvário e não há nada para acrescentar ao que foi feito ali. Como é diferente da experiência dos sacerdotes do Antigo Testamento, que tinham de começar tudo de novo tão logo acabassem de fazer suas ofertas! A obra deles jamais termi va!

10.15-17 O E írito Santo, autor último da Escritura, testifica quanto a isso em sua eclaração de Jeremias 31.33. Ali nos fala da aliança que a morte de Cristo faria operar, com as bênçãos tanto de um coração transformado quanto de um novo registro diante de Deus.

10.18 Uma vez adquirida essa segunda bênção de perdão completo e eterno, não pode mais haver outra oferta pelo pecado. Uma vez havendo sacrifício suficiente e efetivo pelo pecado, não pode haver mais sacrifícios. Vendo que o preço total foi pago, o que resta a pagar?

O Calvário acaba com todos os sacrificios instituídos no Antigo Testamento, tomando-os superficiais e desnecessários. Serviram bem como sombras, apontando adiante e mostrando de modo ofuscado aquilo que viria no futuro. Mas não tinham outro valor além desse, porque não podiam apagar um pecado sequer. Seu tempo terminou.

Devemos rejeitar, com firmeza e força, qualquer sugestão de que ainda haja sacrifícios a serem oferecidos e novamente ofertados. A Igreja Católica Romana diz que: "A missa não é mera lembrança do Calvário, mas sim, a reapresentação da morte de Cristo, a continuação de seu sacrificio e, em si mesma, o próprio sacrifício". 19 À luz do ensino do apóstolo na Carta aos Hebreus, podemos afirmar que isso é heresia e também blasfêmia. Por definição, nenhuma igreja cristã deverá ter lugar para sacerdotes, altares ou sacrifícios.

É fácil apontar o dedo para Roma. Porém, o que dizer das igrejas evangélicas que alegam que em algum tempo no futuro os sacrificios do Antigo Testamento serão novamente oferecidos? É verdade que afirmam que "tais sacrificios serão dados como memorial, olhando para trás, para a cruz, assim como eram antecipatórios os sacrificios do Antigo Testamento, vendo a cruz no futuro". 20 Na melhor das hipóteses, isso seria especulação e, na pior, erro grosseiro. O próprio Cristo instituiu o memorial de sua morte,

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que deverá ser observado até que ele volte. É a Ceia do Senhor. Nada mais é necessário ou esperado. Qualquer volta a sacerdotes, sacrificios ou ritos do Velho Testamento seria um gigantesco ato de desobediência, colocada como negação aberta ao fato de que não há lugar para a Antiga Aliança, uma vez instaurada a Nova.

Dito isso, voltemos mais especificamente para Hebreus. O apóstolo provou seu ponto: a obra de Cristo é infinitamente superior àquilo para que os hebreus queriam voltar. Cristo é superior em sua pessoa. É superior em sua obra. Temos de perguntar, porém, se todo leitor compreende plenamente as implicações daquilo que acabamos de aprender.

Por exemplo, é possível que, tendo lido até aqui, haja ainda leitores que dependam de algo que considerem necessário para ser aceitos por Deus? Não ficou claro que o único caminho para Deus é depender da obra de Cristo e que nada mais é necessário ou exigido? Nessa altura, você não quer confessar sua tolice, entregar-se a Cristo e pedir que Deus o salve?

Será que há crentes que enxergam claramente seus pecados e, consequentemente, perderam a paz e senso de aceitação diante de Deus? Lembrem o seguinte: a base da aceitação de Deus jamais é o desempenho do crente, portanto, ele não nos rejeita com base em nossa fraca atuação. Ele aceita pecadores com base no que Cristo fez, e essa obra é perfeita. Os seus pecados são uma desgraça, mas você não deve se fixar neles. Olhe para Jesus Cristo! Vá em frente , considere-o. Reflita novamente em sua obra. São os pecadores que ele reconcilia com Deus - ninguém mais.

A passagem que acabamos de estudar deve nos convencer quanto à maravilha de sermos cristãos! Possuímos aquilo de que mais precisamos - o fato de que todos os nossos pecados foram perdoados. Portanto, gozamos plena paz de consciência. Como somos privilegiados por estar de bem com Deus, saber disso enquanto atravessamos esta vida, encaramos a morte e depressa nos aproximamos do tribunal de juízo final. Temos imenso prazer ao lembrar que, por Cristo, Deus nos considera seus amigos e filhos - não mais seus inimigos!

Não há ninguém como o Senhor Jesus Cristo. Como será terrível, então, para os milhões que o rejeitaram e não foram perdoados, ter de encará-lo. Ele é o Criador e Juiz, e sua ira eterna não será removida se não se voltarem para ele. Contudo, Jesus é imensamente terno e gracioso para com os que o recebem! Ele recebe a todos e não rejeita a ninguém. Aqueles que o recebem enxergam alguma coisa de sua glória nesta vida e entram em todas as bênçãos da Nova Aliança. Como pecadores perdoados, gozam a promessa do versículo 1 7 e, no final, entram no céu cantando de felicidade para sempre os louvores do Cordeiro crucificado, que é Rei dos Reis e Senhor dos Senhores!

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16 O QUE FAZER E POR QUÊ?

(LERifEBREUS 10.19-39)

Nova Aliança, operada pela morte de Cristo, efetivamente dá o crente pleno perdão dos pecados. O sacrifício e a intercessão e Cristo dão acesso efetivo à própria presença de Deus e

não de forma figurada. Por causa de quem Cristo é e do que fez, é possível desejar e conhecer a Deus, vivendo a vida em paz com ele e desfrutando de sua comunhão. O Antigo Testamento falava de tais privilégios, mas os seus ritos e cerimônias não levavam ninguém a experimentá-los. Como as coisas são diferentes para aqueles que vieram a Cristo!

São essas as grandes verdades destacadas pelo apóstolo, sobre cujas bases ele agora está edificando. A passagem que temos à frente é composta de três importantes movimentos:

1. O que fazer à luz dessas verdades: Exortação (1 0.19-25)

10.19 Vamos tirar alguns momentos para refletir sobre os fatos que acabei de explicar. Nós que somos irmãos em Cristo temos liberdade, ousadia e confiança de entrar no Santo dos Santos, ou seja, na própria presença de Deus, e não somente nas sombras, como o sumo sacerdote do Antigo Testamento. A santidade de Deus não mais nos exclui de sua presença. Não precisamos mais nos encolher de medo do lado de fora. Podemos entrar, porque toda a penalidade que merecíamos foi carregada por Cristo na cruz quando ele padeceu e morreu por nós! Podemos entrar. Existe acesso irrestrito a todo crente - esse é nosso privilégio!

10.20 Foi aberto um novo e vivo caminho, onde podemos entrar diretamente. Aproximamo-nos de Deus, não mediante sacrifício ou cerimônia, ritual ou liturgia, mas por meio de uma pessoa! O véu não nos bloqueia mais como fazia nos tempos do Antigo Testamento.

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0 QUE FAZER E POR QU!O?

No momento em que o corpo de Cristo foi rasgado sobre a cruz, o véu entre os homens e Deus foi rasgado, dando acesso imediato à presença de Deus. Nós, terríveis pecadores que somos, podemos entrar!

I 0.21 Aquele que foi o sacrifício é também nosso sumo sacerdote. Nós, os crentes, somos sua casa e família, da qual ele é a Cabeça. Sendo assim, o acesso que temos não é exatamente como aquele figurado pelo tabernáculo. Ali, o sumo sacerdote entrava no Santíssimo Lugar para então sair quase que de imediato; nós, porem, entramos para ficar. Ali, o acesso era limitado a um só homem que entrava uma vez por ano, por meio de Cristo. Agora o acesso é aberto a todo crente em todo o tempo.

I 0.22 Como o caminho está plenamente aberto, vamos nos valer disso! Sendo como são os fatos, não apenas é nosso privilégio, mas também nosso dever nos achegar a Deus. Acheguemo-nos -sem hesitação, frequentemente, intimamente. Acheguemo-nos -para o louvor, com ações de graças, trazendo nossas petições. Não estamos nos tempos do Antigo Testamento. Não há nada que nos exclua, como impureza cerimonial, consciência impura ou falha em fazer as lavagens rituais que, noutros tempos, excluíam as pessoas. O sangue de Cristo já tratou de tudo isso - portanto, aproximemo­nos com a confiança de que realmente foi aberto a nós o caminho para Deus.

I 0.23 Não é hora de afrouxar o pulso, vacilar na fé ou ceder à tentação de voltar atrás para as sombras do Antigo Testamento, que prometiam muito, mas nada faziam. Não! Este é o tempo de ficar firmes! O Antigo Testamento despertava expectativas, mas não as realizava. A Nova AI iança é diferente - não nos decepciona, porque foi inaugurada por aquele que não pode mentir.

10.24-25 Sendo assim, não é tempo de semear dúvidas na mente das pessoas ou pensar em voltar ao judaísmo. Pelo contrário, é hora de despertar a consciência uns dos outros, a graus cada vez maiores de compromisso cristão . Vocês deverão desenvolver maneiras de fazer isso. Deverão se esforçar para aumentar o amor uns aos outros e a vivência cristã na prática.

Nunca farão isso ao se afastar da comunhão uns com os outros, como é hábito de alguns. Falta de zelo e uma fé que fraqueja não são sinais saudáveis. Devemos todos reconhecer que é impossível viver a vida cristã sozinhos. Tanto quanto possível, devemos nos reunir uns com os outros, despertando-nos e encorajando-nos mutuamente.

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96 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADfNHA

Muito em breve, a presente noite acabará e um novo dia vai raiar. Esse dia se aproxima cada vez mais! Sendo assim, cada dia devemos nos encontrar mais afiados que no dia anterior. Hoje pode ser o dia em que o Senhor virá! Se for, quanto me envergonharei se não tiver vivido bem esse único dia; se não o tiver vivido melhor do que ontem, se não me esforçar ao máximo para encorajar e ajudar meus irmãos em Cristo a fazer o mesmo!

O apóstolo deixa claro que não basta entender a verdade; é necessário dar a ela uma resposta apropriada. A única resposta correta ao que ele acabou de explicar seria uma vida cristã digna, que é caracterizada por oração, comunhão, zelo crescente, busca pelo bem do próximo e expectação constante pela volta de Jesus. Quanto a mim, esse é um profundo desafio, e posso dizer o mesmo com respeito ao próximo ponto.

2. Para onde o caminho da apostasia conduz: Advertência (10.26-31)

10.26 Não se enganem com o que vou lhes dizer quando, pela quarta vez em minha carta, faço uma severa advertência. Se tiverem um verdadeiro entendimento do evangelho e o abraçarem para depois abandoná-lo, estando conscientes do que fazem, haverá terríveis consequências. Se rejeitarem deliberadamente a cruz, não pensem que encontrarão expiação para seus pecados em algum outro lugar.

É importante observar que o apóstolo está se referindo aos cristãos professas que passam a abandonar a fé, tratando-a como mentira e pisoteando aquilo que antes consideravam precioso. Não está se referindo aos pecados e falhas comuns a todo crente. Como poderia? Ele já falou que o crente fraco encontra graça que o auxilia e cristãos que fraquejam poderão encontrar misericórdia junto ao trono de graça ( 4.14-16). O evangelho é cheio de ternura. Mas fala em tom severíssimo para os que tratam como trevas aquilo que é luz.

Esta seção repete o que as outras três passagens de advertência disseram: a apostasia é algo deliberado e não há como encobrir tal pecado. Se você der as costas ao Senhor Jesus Cristo, o único lugar para você será nas trevas exteriores.

10.27 Não há como ter paz com Deus a não ser mediante a cruz anunciada pela mensagem do evangelho. Assim, se vocês desprezarem isso, o que lhes aguarda é "uma temível expectação de juízo e fogo de indignação que devorará os adversários". Se vocês deliberadamente deixam de ser amigos de Deus, serão tratado como inimigos.

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Ü QUE FAZER E POR QUÊ?

10.28 Já era ruim rejeitar a lei de Deus dada por Moisés. Vocês se lembram do que aconteceu com aquele povo? Se a ofensa fosse provada de maneira inquestionável, eles sempre eram executados. Não se esperava misericórdia porque nenhuma era dada.

10.29 Se era essa a penalidade por quebrar a lei, quanto maior será o castigo por demonstrar total desprezo pelo Filho de Deus, considerando sua aliança, comprada por sangue, pacto que trouxe às suas vidas uma transformação santificadora, como sendo sem valor ou santidade e desprezando a pessoa e a obra do Espírito Santo, o qual traz a graça de Deus à vida humana.

10.30-31 Não existe cura para a condição de apostasia, nem escape para seu castigo. Tudo o que aguarda tais pessoas é a santa vingança de Deus- a terrível expectativa de cair nas mãos do Deus vivo como pecador não perdoado que deliberadamente o desprezou!

97

É maravilhoso ser cristão, experimentar e deliciar-se nas bênçãos das quais fala o apóstolo. Porém, é de um terror indescritível conhecer a verdade, acolhê-la, ter verdadeiras experiências com o Espírito Santo e depois deixá-la de lado, afastar-se e finalmente rejeitar deliberadamente o Senhor. A única ação segura para quem professa ser cristão, e a única ação feliz, é progredir espiritualmente a cada dia, conforme o apóstolo agora delineará.

3. Para onde prossegue a estrada: Encorajamento (10.32-39)

10.32 Pense no passado, nos primeiros dias de sua vida cristã, imediatamente após ter raiado em você, como uma grande luz em sua mente, a verdade do evangelho. Esses dias não foram nada fáceis - na verdade, foram bastante difíceis, dias de conflitos, problemas e sofrimentos.

I 0.33 Todas as pessoas olhavam para você. Alguns agrediram você fisicamente, enquanto outros o feriram com palavras. Não era só isso. Mesmo quando a hostilidade não lhe era dirigida pessoalmente, você se identificava com outros que estavam sendo desprezados e os apoiava.

10.34 Naquela altura, alguns estavam presos por sua fé - inclusive eu. Vocês demonstraram simpatia com tais prisioneiros e não se envergonharam de se identificar conosco, o que levou alguns a terem suas propriedades tomadas pelos perseguidores, mas vocês aceitaram isso com alegria.

E como foi que conseguiram suportar tudo isso? Vocês estavam convencidos, em seu interior, de que não importava quanto tivessem

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98 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

perdido de bens na terra, pois possuíam no céu algo melhor e mais durável que não poderia lhes ser tomado. A visão da Cidade Celestial os impelia a ir em frente!

10.35 E isso é verdade: a vida cristã não é apenas para este mundo. Ela nos conduz ao destino final, que é o céu. Sendo assim, não desprezem a fé resoluta que possuem, a qual conduz a um mui glorioso resultado e galardão.

10.36 Não deixem que as tentações presentes os desviem. Vocês não precisam de algo visível e tangível, que tolamente acreditam obter pelo retomo às ordenanças inúteis do Antigo Testamento. Não, não! O que vocês precisam agora é permanecer, isto é, perseverar e ser paciente. Vocês precisam da capacidade de continuar em frente, para fazer a vontade de Deus e, continuado a fazê-la, possam finalmente entrar na recompensa prometida.

Noutras palavras, o desejo dominante de sua vida não deve ser voltar para o caminho mais fácil. Deve ser fazer a vontade de Deus. Fazendo isso, você terá seu galardão.

l 0.37 Lembre-se que não será necessário esperar muito tempo. Em breve virá aquele que está para vir. Não demorará nem um segundo a mais do que planejou. Apesar de todas as dificuldades pelas quais vocês estão passando, sigam em frente! Aguentem firmes um pouco mais. Não entreguem os pontos agora. Não desistam da corrida- continuem firmes e chegarão seguro ao lar!

10.38-39 Resumindo o que tenho a dizer: os que são justos aos olhos de Deus são homens e mulheres de fé. Aqueles que vivem pela fé e morrem na fé, certamente entrarão na salvação que Cristo lhes assegurou. Contudo, para os que recuam, os que se afastam do favor de Deus, não há para onde ir, exceto à destruição sem fim.

Não nos encontramos nessa categoria. Estamos entre aqueles que creem e continuam crendo. Prosseguimos cada vez mais na vida de fé e, ao fmal, entraremos como almas salvas na eternidade.

Desta forma, como pudemos ver, o apóstolo tem focado o tema de fé. Por algum tempo, esse tema prenderá toda a sua atenção. Em Hebreus 11, o famoso capítulo que virá a seguir, ele nos dirá o que é a fé, como ela é demonstrada e quais as suas recompensas.

Mas antes de entrar nesse capítulo, temos de estar bem certos de que entendemos o que nos foi ensinado. O céu é o destino de todo crente. Nada pode impedir o que professa a Cristo de entrar no céu, exceto falhar em perseverar. Os capítulos anteriores falaram-nos que o segredo da perseverança

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Ü QUE FAZER E POR QUÊ? 99

está em nos expormos à Palavra de Deus e olhar constantemente para Jesus Cristo como nosso sumo sacerdote. Isso se justapõe ao que aprendemos sobre a importância da oração, mas temos agora de acrescentar as dimensões de comunhão e expectação diária pela volta do nosso Senhor.

Precisamos muito da admoestação do versículo 38: "todavia, o meu justo viverá pela fé; e: Se retroceder, nele não se compraz a minha alma"!

Como seria maravilhoso se cada leitor deste livro pudesse, de coração, complementar com o verso 39: ''Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição; somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma"!

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17 FÉ DEFINIDA E ILUSTRADA

(LER IlEBREUS 11.1-16)

rendemos que o cristão verdadeiro é a pessoa que, tendo vindo Cristo como o caminho para Deus, jamais o abandona, apesar e muitas quedas, falhas e até mesmo desvios. Ele crê e

continua crendo. O cristão verdadeiro é alguém de fé. Mas o que é fé? Como é uma

pessoa de fé? Como a fé se demonstra? É importante saber a resposta a tais perguntas, porque se a soubermos, poderemos também responder questões vitais como: Eu tenho fé? A minha fé é real? Ela perdurará por toda minha vida, me susterá em minha morte e me conduzirá em segurança até o céu?

Todas as perguntas importantes a respeito da fé são respondidas no capítulo 11 de Hebreus, onde agora estudaremos os primeiros dezesseis versículos. Esta passagem começa definindo o que é a fé. Podemos chamar este parágrafo de "fé definida". E passa então a responder as perguntas sobre como essa fé é demonstrada, o que podemos chamar de "fé ilustrada".

1. Fé definida (11.1-3)

A fé é um sexto sentido. Utilizando os cinco sentidos do meu corpo, tenho certeza da realidade do mundo fisico em que vivo. Posso ver as flores, tocá-las, sentir o seu aroma. Sinto o sabor da comida e consigo escutar os meus amigos. Mas a fé não é um sentido do corpo.

A fé é a certeza daquilo que não enxergamos (versículo 1 b ). Isso deve estar claro. Não é certeza do desconhecido, mas do invisível. Essas coisas invisíveis estão em duas categorias.

Primeiramente, algumas coisas são invisíveis porque ainda não aconteceram, ou porque ainda não as alcançamos. Por exemplo, a Palavra de Deus promete a mim e a todo crente que no momento em que morrermos, gozaremos imediatamente e plenamente da companhia de Cristo. Promete-me

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FÉ DEFINIDA E ILUSTRADA 101

um corpo ressurreto como o corpo glorioso de Cristo. Promete-me absolvição total no juízo final, um lar no céu e completo prazer em Deus por toda a eternidade. Tenho certeza de que receberei todas essas bênçãos, pois Deus as prometeu. Ele nos deu sua palavra. "A fé é a certeza daquilo que esperamos" (versículo la, NVI). 21

Em segundo lugar, algumas coisas não são vistas porque não podem ser vistas. Isso é uma verdade suprema com relação a Deus, a quem não podemos ver, mas é também verdade quanto a todo o mundo espiritual. Como todo crente, tenho certeza de que Deus existe e que o Deus que existe é o Deus da Bíblia. Tenho certeza também da existência de anjos e de demônios. A minha confiança se baseia naquilo que Deus revelou em sua Palavra e, tendo certeza da realidade de tais coisas, as levo em conta nos meus pensamentos, palavras e ações. A fé é "a prova das coisas que não vemos" (versículo 1 b, NVI).

Existem, portanto, dois aspectos da fé. Tenho certeza daquilo que não vejo de duas maneiras. Contudo, em ambos os casos, tal certeza é construída sobre um fundamento único: Deus falou e eu creio naquilo que ele diz. Tais coisas são realidades para mim. Não são menos reais, são mais reais! Nós, crentes, estamos confiantes quanto ao que esperamos e convencidos daquilo que não vemos (versículo 1).

11.2 Dentro de alguns momentos, eu os conduzirei numa turnê por alguns dos grandes personagens do Antigo Testamento. O que eles tinham em comum? O que lhes proporcionava o favor e o sorriso de Deus? A fé que acabo de definir.

11.3 Eles viviam no mesmo universo ftsico que nós. Todos os seus habitantes creem que ele existe, mas de onde este universo veio? Alguns acham que apenas "aconteceu", enquanto outros pensam que sempre esteve aqui de alguma forma. Nós sabemos mais. Sabemos que tudo foi formado por Deus, por meio de sua palavra criadora. O universo foi feito do nada por um ato de seu poder onipotente. Existe um Criador a quem todos devemos resposta. Disso temos certeza. Quanto a isso, não temos dúvidas - mas por quê? Chegamos a tal certeza pela fé e não pela observação, pois, claro, nenhum ser humano estava ali para ver isso acontecer.

Portanto, fica claro o que é a fé. E podemos estar igualmente certos quanto a termos ou não tal fé . Porém, o apóstolo disse antes que somente os que vivem pela fé, e morrem na fé, é que chegarão à recompensa celestial. Tais pessoas já existiram? Ele acabou de mencionar, de modo geral, que pessoas do passado viveram e morreram desfrutando do favor de Deus (versículo 2), mas quem, especificamente, ele tinha em mente?

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102 A CARTA AOS H E BREUS BEM EXPLICADTNHA

Agora, o apóstolo passa a nos dar uma lista dessas pessoas. Ele mostrará que elas tinham certeza das duas maneiras que mencionamos, levando em conta as realidades futuras e invisíveis em seu modo de viver. Ele ilustrará a fé mediante referência a diversas personagens do Antigo Testamento e, ao fazê-lo, mostrará como essa fé se comporta.

2. Como afé é demonstrada: Fé ilustrada (11.4-16)

Abel (versículo 4)

O Deus invisível era realidade para Abel, que desejava aproximar-se dele. Pelas instruções obviamente dadas, mas que não estão relatadas no Antigo Testamento, Abel sabia que não podia se aproximar de Deus do jeito que estava. Tinha de apresentar-se mediante sacrifício e redenção pelo sangue, tipificando (conforme já vimos) o sacrifício supremo que viria: Cristo.

Ninguém antes havia se aproximado de Deus para adoração e Abel nada tinha exceto a Palavra de Deus para guiá-lo sobre como isso deveria ser feito. Agiu em pura obediência à palavra de Deus e foi aceito. Seu irmão Caim, porém, seguiu outro caminho, presumivelmente por achar que conhecia outro melhor. Ignorou as instruções de Deus, inventou a própria forma de adoração e viu recusada sua oferta.

Abel é prova de que aqueles que se aproximam de Deus mediante a fé são aceitos; os demais, rejeitados. Desse modo, ainda nos fala. Temos de prestar atenção a essa lição. Temos de tomar como certa a Palavra de Deus e agir em conformidade com o que ele nos diz.

Enoque (versículos 5-6)

Enoque viveu numa época em que quase todos procuravam agradar a si mesmos. Para ele, o Deus eterno era realidade e estava determinado a agradá-lo. Andava e conversava com Deus, até que um dia caminhou com ele até sua morada e nunca mais voltou. Chegou ao céu sem morrer e não deixou seu corpo para trás!

Para Enoque, o reino invisível era a realidade suprema e se ainda hoje desejamos agradar a Deus, assim deve ser. Temos de ter certeza de sua existência e de que vale a pena andar com ele. Ter fé é ser convencido da realidade do invisível, baseado no que Deus revelou em sua Palavra. Aquele que tem fé verdadeira só pode ter uma ambição: agradar a Deus. Não é possível que nada seja mais importante. É assim que a fé se comporta.

Noé (versículo 7)

Vejamos agora Noé. Cresceu num mundo onde nunca tinha chovido, então, como é que sabia que choveria? Sabia, porque Deus lhe falou, e creu

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FÉ DEFfNIDA E ILUSTRADA 103

em Deus, apesar de não haver evidências palpáveis que pudessem fornecer provas. Agindo com base nessa verdade invisível, e agindo em temor, Noé gastou um século construindo a arca pela qual ele e sua família acabariam sendo salvos.

Que exemplo de alguém que creu, creu e continuou crendo! As pessoas zombavam e escarneciam, dizendo que aquilo nunca aconteceria. Noé creu na Palavra de Deus e agiu em conformidade com ela. No final, sua fé foi vindicada, e o mundo à sua volta foi desmascarado por aquilo que era­incrédulo e contra Deus. Mas Noé também mostrou aquilo que era - um homem que experimentou a aceitação e aprovação de Deus pela fé.

Abraão (versículos 8-1 O)

Não existe maior exemplo de fé do que o de Abraão. Deixou sua terra rumo ao desconhecido, sem depender de nada exceto do fato de que Deus lhe falara e prometera uma herança.

Para Abraão, o Deus invisível era tão real e sua palavra tão verdadeira que ele não hesitou em obedecer. Deixou aquilo que as outras pessoas chamam de certezas pelo que tais pessoas chamam de incertezas, pois ele mesmo não via as coisas dessa forma. Abraão era homem de fé e, portanto, a Palavra de Deus era para ele mais segura do que qualquer outra coisa.

Foi por isso que suportou viver como nômade em tendas todos aqueles anos. Deus lhe deu promessas, as repetiu para !saque e depois a Jacó. Entrariam em uma herança, muito melhor e mais duradoura do que a terra de Canaã podia oferecer. Eles tinham certeza de que entrariam na herança prometida. Tinham apenas de fazer o que Deus lhes ordenara.

Sara (versículos 11-12)22

Sara, mulher de Abraão, demonstrou a mesma fé. Tinha lá suas dúvidas, mas sua fé era verdadeira. Era idosa demais para ter um filho. Isso era claramente uma impossibilidade. Mas ela creu que teria e, no devido tempo, concebeu, baseando-se apenas na promessa de Deus.

Foi assim que um velhinho, ele mesmo como se já morto pela idade, tomou-se ancestral de um imenso povo. Sim, se Abraão não tivesse tal fé persistente, a nação judaica não teria vindo a existir. Que repreensão o apóstolo faz aos crentes judeus que pensavam em desistir de sua fé, substituindo-a por algo mais "judaico"!

Viver em verdadeira fé significa também morrer na fé (versículos 13-16)

Essas pessoas viveram e agiram do modo que fizeram porque para elas o Deus invisível e o seu reino invisível eram reais, e porque creram na

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104 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

palavra dele. Mas na vida presente eles não experimentaram tudo que lhes havia sido prometido. Não chegaram a ver o Messias nem a testemunhar o melhor sacrifício, nem entraram na herança e habitação prometidas. Isso não altera o fato de que viram à distância todas essas coisas, sabendo que se cumpririam, colocando nelas o coração. Não somente isso, mas disseram às pessoas a seu redor que não pertenciam àquele lugar, pois viviam para as coisas que enchiam seu coração.

Se perguntássemos a qualquer um deles o que procuravam na vida, teriam dado a mesma resposta. Estavam à procura de "uma pátria" (versículo 14). Essa realidade era tão grande no seu pensamento que não cogitavam viver como as outras pessoas. Não desejavam voltar para o que eram antes, ainda que tivessem muitas oportunidades para isso. Todo o seu coração, todas as suas esperanças - estavam na chegada, com segurança, à habitação eterna, no céu.

O que, acima de tudo mais, era real para eles? Deus, o Deus invisível. De que, acima de tudo, eles tinham maior certeza? De que a Palavra de Deus é confiável e verdadeira e que a glória eterna aguarda aqueles que andam com o Senhor.

Deus, que os vê crendo e agindo dessa maneira, realmente se orgulha deles! Não tem vergonha de ser chamado de seu Deus. Tem neles seu prazer, neles se deleita. Na verdade, Deus preparou-lhes aquilo que buscam, e ninguém será decepcionado. Veremos esses santos do Antigo Testamento no céu. Viveram na fé e morreram na fé, portanto, temos essa certeza. Esta é a principal lição que a Carta aos Hebreus procura ensinar- a eles e a nós.

Como autor do livro que você está lendo agora, posso fazer-lhe algumas perguntas? Você tem fé? O Deus invisível é, para você, a realidade? Você considera a Palavra dele infalível?

Se sim, isso o leva a aproximar-se de Deus conforme ele ensinou, assim como fez Abel? Isso o move a ver que agradá-lo é a coisa mais importante na vida, como percebeu Enoque? Isso o inspira a obedecer-lhe, mesmo quando parece estar jogando tudo fora, do mesmo modo que Abraão obedeceu? Isso o impulsiona a confiar no que Deus disse que aconteceria, ainda que parecesse impossível, como Sara confiou?

Você tem fé? Está baseando sua vida, sua morte e sua eternidade naquilo que Deus falou? Se esse for o caso, você jamais será decepcionado ou desapontado. Deus não tem vergonha de ser o seu Deus, de andar com você nessa sua vida, de dar as boas-vindas a você quando chegar à sua habitação final. Mas o inverso também é verdadeiro - e horrível. Se você não tem fé e pensa que nunca terá, não haverá para onde ir, exceto viver e morrer sob a ira de Deus e seguir para a perdição eterna. A Carta aos Hebreus, e em especial essa passagem do capítulo 11, foram escritas para que você veja que não precisa ser assim.

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18 NADA PODE APAGAR

A VERDADEIRA FÉ {LER fu:BREUS 11.17 -40)

Neste ponto da carta, o apóstolo está focando o tema da fé. Ele explicou o que é fé e como se comporta. Não podemos nos esquecer, porém, que ele escreve a homens e mulheres que

estão pensando seriamente em abandonar a fé. Sendo assim, há um ponto específico que deseja destacar agora: a verdadeira fé não morre. Nada a pode extinguir. É essa lição que ocupa o restante do capítulo onze, e o apóstolo ensina enfatizando duas verdades:

1. A fé olha para frente mesmo quando não há mais nada para esperar (11.17-28)

Veja o caso de Abraão (versículos 17-19)

Em mais de uma ocasião Deus havia dito a Abraão que ele teria numerosa descendência e um descendente muito especial. Deixou claro que esta promessa se cumpriria através de !saque. Abraão creu na palavra de Deus e não duvidou que fosse se cumprir.

Então, Deus mandou que Abraão sacrificasse seu filho !saque. Abraão tinha agora um problema nas mãos, mas tendo pensado melhor, chegou a uma clara conclusão. Deus não quebraria sua promessa nem o decepcionaria, disso tinha certeza. Se Deus prometeu que seria por meio de !saque a sua descendência, e agora estava pedindo para sacrificá-lo, certamente planejava ressuscitar !saque da morte! De forma figurada, foi exatamente o que aconteceu. Mas o grande fato é este: em determinado tempo da história humana, quando nenhuma pessoa morta tinha sido ressuscitada, Abraão concluiu que era exatamente isso que aconteceria!

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106 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPL!CADlNHA

Deus não pode quebrar sua palavra. Quando, humanamente falando, não havia nenhuma esperança, Abraão esperava a ressurreição de !saque! É assim que se comporta a verdadeira fé. Nada a pode apagar. Ela jamais deixa de estar convencida de que podemos confiar na palavra de Deus. Que repreensão era essa fé para os hebreus!

Veja o caso de !saque (versículo 20)

Sendo !saque já velho, chegando ao fim de seus dias, o que fazia? Geralmente, quando as pessoas se aproximam do fim da vida, passam o tempo olhando para trás, porque nada enxergam adiante. Mas !saque estava olhando à frente. Sua mente se fixava nas "coisas que ainda estavam para vir" (versículo 20).

Embora soubesse ter sido vítima de enganos e trapaças, aquele senhor não estava disposto a retirar o que dissera sobre o futuro de seus filhos Jacó e Esaú. Os propósitos de Deus seriam levados adiante por Jacó; e Esaú não tinha lugar neles, ainda que chegasse a conhecer algumas bênçãos terrenas durante sua vida. !saque havia tomado como certo que Esaú, o filho mais velho, seria o instrumento escolhido de Deus para o seu futuro. Embora as táticas e manipulações de Jacó fossem erradas, agora !saque via que as promessas da aliança feitas a Abraão seriam cumpridas por meio da descendência de Jacó. !saque estava absolutamente convicto disso, embora jamais tivesse chegado a ver tal coisa por si mesmo. Isso é fé.

Veja o caso de Jacó (versículo 21)

Quando Jacó estava prestes a morrer, abençoou os dois netos que seu filho José trouxera à beira de sua cama. Ao fazê-lo, teve uma grande percepção da presença do Deus invisível. Predisse o futuro de cada menino e demonstrou sua certeza de como os propósitos de Deus se realizariam através de cada um. Tinha somente uns poucos momentos na terra, mas ainda estava olhando à frente. Deus era real e sua palavra certa. Quão poucos idosos gozam tal perspectiva - mas é assim que a fé se comporta.

Veja o caso de José (versículo 22)

Durante sua vida maravilhosa, José passou por uma grande variedade de experiências. No entanto, em seus últimos momentos, ainda olhava adiante! Embora em seu tempo não houvesse nenhum sinal, pôde ver o êxodo que viria. Deus prometeu que os israelitas acabariam deixando o Egito. José não viveu para que pudesse ver, mas sabia que realmente aconteceria. Assim, deu instruções claras quanto ao que deveria ser feito com os seus ossos: não ficariam no Egito, mas iriam com o povo de Israel até a terra prometida e ali, finalmente, seriam enterrados.

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NADA PODE APAGAR A VERDADEIRA FÉ 107

Como os outros que mencionamos, José viveu e morreu sem ver tudo que Deus prometera. Mas isso não o tomou cínico ou hesitante e cheio de dúvidas. O que Deus prometeu certamente aconteceria - nenhuma outra possibilidade passou por sua cabeça. Essa grande convicção governou tanto seu modo de viver quanto o modo como morreu. Mesmo quando já tinha tudo, humanamente falando, e não havia mais nada para esperar, mesmo assim, olhou adiante. É o que a fé autêntica faz.

Veja o caso de Moisés (versículos 23-28)

Numa época em que não havia futuro para os meninos hebreus, os pais de Moisés viam as coisas de forma diferente e olhavam adiante (versículo 23). Puderam ver que seu filho recém-nascido não era uma criança comum e que Deus tinha um papel especial para ele. Sem temer a ordem de Faraó de exterminar todos os meninos infantes, esconderam-no durante três meses, esperando que os propósitos de Deus fossem manifestos.

Numa época em que não havia futuro fora da corte real do Egito, Moisés via as coisas de forma diferente (versículos 24-26). Via que, em longo prazo, o futuro estava com o povo de Deus e o reino de Cristo - não com o ambiente pecaminoso que o cercava. Portanto, escolheu lançar sua sorte com Israel e não com o Egito, desfrutar do galardão eterno ao invés de usufruir dos tesouros temporários e prazeres passageiros daquele momento.

O Deus invisível era mais real para Moisés do que era o ditador de uma superpotência terrena - e ele não demonstrou medo quando teve de confrontar esse ditador com a exigência de que os hebreus fossem libertos da escravidão (versículo 27). Mais tarde, quando o exército do Faraó enfurecido os perseguia e parecia certo que esmagaria o povo de Israel em fuga, Moisés não demonstrou temor, mas olhou à frente. Conquistado pela realidade de Deus e a integridade de suas promessas, nada podia abalar a Moisés. O mesmo espírito permeou a Páscoa original na noite antes da saída de Israel do Egito (versículo 28). Era um olhar adiante, baseado na palavra de Deus, que (claro está!) não desaponta jamais.

Como são diferentes das outras pessoas os homens e mulheres de fé! Todos esses exemplos comprovam isso. Homens e mulheres comuns baseiam os pensamentos quanto ao futuro naquilo que enxergam, esperam, planejam, naquilo que as pessoas comuns acham possível ou factível. Não são assim os crentes. Todos os seus pensamentos quanto ao futuro são regulados pelas promessas de Deus. Veem tudo à luz do que ensina a Palavra de Deus. Sendo assim, quando o mundo não tem mais esperança, o cristão a tem! Com os olhos de sua mente, vibra com o progresso contínuo do evangelho, a volta de seu Senhor, a ruína de Satanás, a absolvição no juízo final e a maravilha de estar com Cristo por toda a eternidade.

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108 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

O otimismo inabalável do crente não se baseia em qualquer coisa visível. A existência dessas realidades futuras não pode ser "provada" em qualquer sentido normal. A falta de "evidências" faz com que o mundo descrente questione a esperança do cristão, duvidando que seja real ou mesmo zombando da ideia. O crente continua crendo, sem impedimentos. Está certo do que Deus prometeu. As promessas de Deus são firmes e a certeza de tais promessas traz ao crente sereno conforto e vibrante expectativa. Não há nada tão certo quanto a Palavra de Deus e, por isso, o crente não cede ao pessimismo, desespero ou apostasia. O futuro é tão brilhante quanto as promessas de Deus!

Você vive dessa forma? A sua visão de futuro é totalmente guiada pelas promessas de Deus? Você possui verdadeira fé? Quanta alegria é ser crente! Enquanto o mundo de todos está em colapso, o nosso quase nem começou!

2. A fé segue em frente mesmo quando tudo o mais falha ( 11.29-40)

Veja o que aconteceu no Mar Vermelho (versículo 29)

À beira do Mar Vermelho, Moisés e os israelitas que fugiam sabiam que Deus estava com eles e prometera ajudá-los a atravessar. Isso é fé. Que outra coisa poderia fazer com que continuassem em frente naquela situação?

Parecia impossível a travessia do mar Vermelho. Era contra a razão. Com a aproximação do exército de Faraó, a realidade era que estavam encurralados e enfrentariam morte certeira. Mas a fé não morre em tais situações. Os israelitas creram na palavra de Deus e agiram de acordo com a crença de que o Senhor estava junto deles. Na manhã seguinte, estavam todos sãos e salvos no outro lado, ao contrário dos egípcios, que, desprovidos de fé, se afogaram. As dificuldades não matam a fé. Venha o que vier, a fé vai adiante. Que repreensão isso devia ser para os primeiros leitores de Hebreus, que estavam prestes a apostatar.

Veja o que aconteceu em Jericó (versículos 30-31)

Quando finalmente os israelitas chegaram à terra prometida, a primeira cidade inimiga que teriam de conquistar era Jericó. Uma vez por dia, durante seis dias, marcharam em volta da cidade. Nada aconteceu. Então, o que fizeram? Continuaram crendo no que Deus disse e obedeceram a cada palavra de suas instruções. A fé continuou, sem esvaecer: deu o grito da vitória, viu achatarem-se os muros, e logo os judeus completaram a conquista.

E você já se colocou no lugar de Raabe? Ela vivia sobre o muro que Deus determinou que cairia ao chão! Era nativa de Jericó e Deus havia dito que toda a população nascida em Jericó seria morta. Mas ela não choramingou: "tudo acontece comigo!" Não, sua fé permaneceu intacta. Em nome de

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NADA PODE APAGAR A VERDADEIRA FÉ 109

Deus, os espias hebreus haviam lhe feito uma promessa na qual ela creu. Sua fé tinha consciência contínua da realidade e confiabilidade de Deus, que nunca a abandonou, mesmo nas aparentemente impossíveis circunstâncias em que ela se encontrava. A fé continua em frente. Se for autêntica, nada a poderá apagar.

Veja toda a história de Israel (versículos 32-38)

O apóstolo aqui admite ser impossível mencionar todos os exemplos de fé dados nas Escrituras e na história dos hebreus a quem escreve. O que eles têm de entender é que todos quantos foram grandes heróis naquela nação, o foram por serem pessoas de fé. Foi pela fé que fizeram o que fizeram.

E o que fizeram? Grandes atos de coragem, valor, bravura, ousadia e perseverança. Perseguidos, suportaram dor e tortura. Conheceram tudo que se pode saber sobre sacrificio pessoal. O apóstolo delineia em breves e abrangentes traços toda a história de Israel, resumida em poucas sentenças nos versículos 33-38. Se examinarmos todo o Antigo Testamento, não será dificil encontrar muitos dos eventos aqui mencionados.

Quando tudo estava contra eles, esses homens e mulheres permaneceram fiéis ao Senhor- diferente dos hebreus a quem o apóstolo estava escrevendo! Qual o segredo? Tiveram fé. Para eles, Deus era a realidade. Estavam certos de que sua Palavra era verdade, que o que disse realmente aconteceria, que o que prometeu seria deles sem falta. A certeza deles era maior do que qualquer outra coisa e, assim, jamais desistiram, jamais cederam, jamais voltaram ao que era antes, jamais deram as costas para seu Deus e jamais viveram da mesma maneira que as outras pessoas.

É assim que a verdadeira fé se comporta. Quando tudo mais é desesperança e todo mundo já desistiu, a fé continua a prosseguir. Sua convicção chave é: "Deus é real e sua palavra é a verdade" - e a fé age à luz desta convicção, não obstante o preço. Como poderia ser diferente?

Veja mais uma vez esses crentes do Antigo Testamento (versículos 39-40)

Viveram- e também morreram- pela fé, e Deus se agradou deles. Apesar de todas as promessas que lhes foram feitas, não viram o Messias sobre a terra, não testemunharam o sacrificio perfeito, não puseram os olhos sobre a gloriosa cidade que estavam buscando. Na verdade, nunca tiveram em mãos qualquer das coisas em que haviam firmado o coração.

Isso não lhes foi permitido porque tinham de esperar por nós. Aqueles tempos do Antigo Testamento não eram superiores aos tempos atuais (como parece que pensavam os leitores da Carta aos Hebreus), eram inferiores.

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11 o A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

Não era a vontade de Deus que entrassem em tudo que ansiavam possuir e que nós, crentes neotestamentários, então aparecêssemos como urna espécie de apêndice, como filhos de Deus de segunda classe.

Temos visto aquilo que eles não viram. Alguns crentes do Novo Testamento viram Cristo e sua cruz com os próprios olhos, e o restante de nós pode olhar para trás para sua encarnação, vida de obediência, ministério, morte, ressurreição e ascensão. Mas nenhum de nós - quer crentes do Antigo Testamento quer do Novo - chegou a ver a cidade prometida. Entraremos nela juntos, ao mesmo tempo, sem que ninguém entre antes dos outros. Os crentes do Antigo Testamento tinham seus corações fixos no céu e nós também. Ali chegaremos de mãos dadas.

Portanto, o que é necessário não é urna volta às cerimônias e rituais do Antigo Testamento (como pensavam os leitores originais) e, sim, que tenhamos fé autêntica. Somente pessoas de fé estarão no céu. Dizendo de modo bem direto: os que renunciam à sua fé ou deixam que ela desvaneça, não estarão no céu. Felizmente, nada pode apagar a verdadeira fé . Nada mesmo!

Que nenhum de nós ouse deixar esse maravilhoso capítulo sem perguntar se realmente possui essa fé. O mundo invisível é real para mim? Tenho certeza da Palavra de Deus- certeza a ponto de obedecê-la, confiando no Cristo que ela proclama para minha salvação eterna?

A prova final de que minha fé é real será o fato de permanecer nela até o dia de minha morte. Em meus últimos momentos, ainda estarei olhando à frente . Quando tiver perdido tudo o mais - até mesmo os últimos resquícios de minha saúde e consciência - a fé permanecerá.

É hora de abandonar tudo que impeça nosso progresso na fé. É exatamente essa a nota que o apóstolo tocará a seguir, à medida que abre o capítulo doze.

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19 CORRER A CARREIRA OLHANDOPARAJESUS

{LERHEBREUS 12.1-4)

Em nosso estudo de Hebreus chegamos agora ao capítulo 12.1-4. Você deve se lembrar que os leitores da carta eram judeus que haviam se convertido ao cristianismo, mas estavam agora

pensando em desistir de tudo e voltar ao judaísmo. Diversas vezes o apóstolo os desencorajou e advertiu que, se o fizessem, estariam perdidos. O Senhor Jesus Cristo é singularmente superior em tudo que é e faz. Aqueles que o rejeitam só têm um destino - as trevas exteriores.

O único caminho seguro para um cristão professo é perseverar, continuar, andar sempre em fé . Aqueles que possuem fé genuína vivem - e morrem -pela fé. Nada pode extingui-la. Isso foi ilustrado pelo apóstolo no relato sobre numerosos homens e mulheres mencionados no Antigo Testamento.

E é o que está na mente dos leitores quando chegam à palavra "portanto ... " . Ou seja, "à luz do que acabei de falar, tenho mais uma coisa a dizer". O que ele diz consiste em um retrato vívido e três regras.

1. Um retrato vívido (12.1)

Estamos nos jogos olímpicos em um gigantesco estádio cheio de gente. As corridas estão acontecendo. Assistimos aos atletas darem voltas na pista repetidas vezes. Nos dias de hoje, veríamos todos tirando seus agasalhos e ficando com o que estavam embaixo: seus mínimos uniformes de corrida. Mas não é hoje. Estamos no primeiro século d.C. Se o atleta corresse de cinto, o peso impediria seu progresso - ele tira o cinto. Se corresse de capa, logo ela o envolveria e faria tropeçar - o atleta desvencilha-se da capa. Na verdade, os atletas do primeiro século corriam sem a mínima roupa. Nada havia para atrapalhar.

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112 A CARTA AOS H EBREUS BEM EXPLICADTNHA

Corrida após corrida se desenrola. Cada uma delas é longa e difícil. Vemos um atleta ofegante, prestes a desistir, mas ele continua, porque nesses jogos cristãos existem prêmios para todos que alcançam o final, não só para quem termina em primeiro lugar.

Vez após vez, vemos os atletas tentados a sair da corrida por cansaço ou fraqueza. Mas eles desistem? Não, continuam em frente, adiante, e sempre. Finalmente, cada um atravessa a fita e recebe sua recompensa.

Os que terminaram tomam os seus lugares na arquibancada e ali permanecem para olhar os que estão chegando ou os que ainda correrão. Cada um que corre sabe que está sendo observado pelos outros e cercado daqueles que já terminaram com sucesso a corrida. Isso os impele a correr melhor, completar a corrida e jamais desistir, a fim de que também recebam seu galardão. Sabem que não enfrentam nada que os espectadores não tenham enfrentado. Se continuarem correndo em frente, sabem que experimentarão aquilo que os outros agora estão desfrutando - isso é certo.

Agora é a nossa vez de enfrentar a pista. Todos estão olhando para nós. Só nós estamos correndo - ninguém mais. É como se todos os que viveram e morreram na fé estivessem nos observando, como está aquele que nos escolheu para a corrida, que a correu com perfeição e agora está na linha final aguardando nossa chegada.

Devemos desistir - nós que só enfrentamos dificuldades pelas quais outros já passaram? Fraquejaremos, vamos abandonar a pista, desistir e ir embora? Falharemos na corrida em que fomos inscritos?

Os hebreus estavam prestes a fazer exatamente isso, e com certeza alguns leitores deste livro pensam em fazer o mesmo. Como continuar em frente? Qual o segredo de correr bem e chegar com segurança na linha final? Como correr bem na vida cristã, prosseguir na vida de fé, não apostatar ou se perder? É sobre isso que o apóstolo passa a nos falar.

É de importância vital tomar para o coração esse ensino. Estes três versículos seguintes mostram a diferença entre continuar para entrar na glória eterna e desistir e perder-se eternamente.

2. Três regras (12.1-4)

Estou escrevendo um livro. Se ao invés disso estivesse pregando numa congregação, eu olharia nos olhos de cada pessoa e as desafiaria solenemente a ouvir a Palavra de Deus nestes versículos e fechar os ouvidos àquilo que outras vozes dizem.

Em pé na linha de toque estão pessoas que gritam dizendo que nunca vamos conseguir chegar a lugar algum na vida cristã, a não ser que .. .

Advertem-nos energicamente que nenhum progresso verdadeiro virá a não ser que sejamos batizados pelo Espírito Santo ou a não ser que

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CORRER A CARREIRA OLHANDO PARA JESUS 113

recebamos a plenitude do Espírito ou a não ser que sejamos plenamente consagrados ao Senhor ou experimentemos um reavivamento ou passemos por uma crise em que "morra nosso velho homem", etc. Muda a terminologia, mas a mensagem é sempre a mesma: a não ser que tenhamos uma experiência memorável bastante diferente da experiência de nossa conversão, não chegaremos a lugar algum na vida cristã.

Insisto com os leitores que, ao invés de ouvirem essas vozes, ouçam a Palavra de Deus. Eis a seguir três regras, regras apostólicas, que farão com que evitemos desistir da corrida, deixar de atingir o alvo e perder o prêmio fmal prometido.

(i.) Despir para agir (versículo 1)

Se você correr com uma capa, logo ela o atrapalhará. Ela o envolverá, prenderá e o fará tropeçar. Tire a capa! Do mesmo modo, livre-se de todo pecado em sua vida. Acabe com ele. Não pense que você conseguirá agarrar-se naquilo que sabe ser pecado e, ao mesmo tempo, correr bem na pista. Na melhor das hipóteses, a capa o tornará mais lento; na pior, fará com que tropece e saia da pista. Essa não é uma área na qual os cristãos têm o direito de divergir. Tudo que quebre os Dez Mandamentos ou não reflita seu espírito, tudo que não se alinhe com a Palavra de Deus, tudo que difira do caráter do Senhor Jesus Cristo é pecado. Abandone isso. Quanto mais você estiver preso a tais coisas, mais essencial será livrar-se delas.

Mas isso não é tudo. Antes mesmo de o apóstolo mencionar o "pecado que tenazmente nos assedia", ele fala sobre livrar-nos de todo peso. Algumas coisas não são em si mesmas erradas, mas impedem minha efetividade espiritual, enfraquecem a fé, abafam o zelo, reduzem a força para resistir à tentação e tendem a me escravizar. Tais coisas têm de ser postas de lado. Tudo que impede meu progresso espiritual tem de ser jogado fora. Essas coisas não são necessariamente baixas ou vulgares. Podem até mesmo ser belas, eruditas e nobres. Na vida de determinados crentes, podemos estar falando de algum esporte, passatempo, hobby, atividade de lazer, emprego, curso de estudo, ambição, lugar, amizade ou qualquer outro interesse ou experiência legítima. Não importa o que seja- se impede o meu progresso na vida espiritual, tem de ser tirado. E tem de ser tirado agora!

Os que estão decididos a correr bem, sem exceção, se despem para a ação. Se o cristão tem pouco conhecimento, uma vida que não reflete a Cristo, um coração morno, não é porque seja vítima de seu ambiente ou porque ainda não teve determinada experiência marcante. É porque algo, do qual ele ainda não se desvencilhou, está impedindo seu progresso. Tem de descobrir o que é e livrar-se disso e tem de fazê-lo hoje mesmo!

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114 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

(ii.) Aprender a dizer "venha o que vier" (versículo lb)

A vida cristã não é uma volta fácil- por isso o apóstolo diz: "corramos". Existem muitas dificuldades no percurso e cada um de nós às vezes se sente tentado a desistir. Por isso, o apóstolo diz: "com perseverança". O caminho em que estamos não foi escolha nossa, mas foi delimitado para nós, de modo que o apóstolo fala da corrida "que nos está proposta".

Se você já participou de uma trilha, não deve ter se esquecido facilmente. Para muitos de nós, é uma das lembranças menos agradáveis de nosso tempo de escola. Até hoje estremecemos quando nos lembramos das pernas como de chumbo, os pulmões ardendo de dor, aquela palpitação singular nas têmporas. Quando nos sentimos completamente exaustos, descobrimos que ainda há um portão para saltar, uma vala para atravessar, um riacho para passar a pé e muitos quilômetros a mais do que se esperava. Numa corrida dessas, só uma coisa nos impede de desistir: a determinação de continuar, haja o que houver, venha o que vier! Entendemos muito bem por que o apóstolo nos diz: "corramos com perseverança".

Há somente uma maneira de continuar na vida de fé até chegar ao galardão prometido. É o estado de espírito que diz: Não importa o que acontecer ... ou como eu me sinta ... se estou só ou tenho companhia ... ainda que riam de mim ... ainda que me custe tudo ... continuarei em frente, venha o que vier! E você vai conseguir! Receberá força que vem do alto. Tal determinação significa negar a si mesmo, tomar a sua cruz a cada dia, e seguir a Jesus (Lc 9.23-26).

(iii.) Olhar para Jesus ... e considerá-lo (versículos 2a,3a)

Nesta terceira regra o apóstolo está mais uma vez dizendo o que ditou em toda sua carta. Seus leitores estavam sendo tentados a voltar ao sacerdócio do Antigo Testamento, aos sacrificios, ao tabernáculo, então ele mostra que o sacerdócio, o sacrificio e o tabernáculo de nosso Senhor Jesus Cristo é infinitamente melhor. Se fixarem nele seus olhos, vendo-o com clareza, jamais desejarão voltar àquelas outras coisas.

Hoje em dia, todo cristão é constantemente bombardeado por mensagens e influências que anunciam a atração de uma vida sem Cristo. Se as pessoas gastassem tempo olhando para ele, jamais iriam querer voltar a tal vida. Olhem para Jesus, quem ele é, o que fez, o que dá aos pecadores nesta vida e o que dará na sua morte, na ressurreição, no juízo e na eternidade!

O apóstolo agora passa a dar três razões para focarmos nossa atenção em Cristo e sempre tê-lo em mente:

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CORRER A CARREIRA OLHANDO PARA JESUS

(a.) Nossa fé vem dele e por ele é sustentada até o fim (versículo 2a)

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Já faz meio século que saí da escola, mas minhas lembranças de Tom Clamp ainda continuam vívidas. Ele passara muitos anos de sua vida atuando como sargento instrutor do exército, garantindo que suas tropas estivessem apresentando sua melhor forma fisica. Na meia-idade, passou a ser professor de educação fisica, impondo padrões militares aos meninos adolescentes! Nunca pediu que fizéssemos alguma coisa fácil. Cada lição era dura e às vezes nos levava às lágrimas. Contudo, nós o amávamos -até os ossos!

Tom Clamp nos inscreveu em longas corridas, mas em vários pontos do caminho ele aparecia nos lugares-chave para nos instigar a continuar. Até hoje, não sei como ele conseguia. Não somente isso - quando nos aproximávamos da linha fmal, lá estava ele a nos estimular, encorajar nos últimos metros, esperar com boas-vindas por nós na chegada e nos dar os parabéns quando terminávamos. Para ele, nós corríamos bem.

Como eram diferentes outros professores de ginástica, que nos inscreviam nas corridas, nunca apareciam durante o percurso e estavam ausentes no final. Depois dessas corridas, vagávamos sozinhos pelos vestiários, aturdidos, exaustos e desanimados. Nenhum de nós tinha corrido bem.

É nosso Senhor quem nos inscreve na corrida da vida de fé, é ele que nos receberá na reta final e é ele que nos acompanha a cada passo da corrida - não apenas nos pontos chave. Olhe para ele (em sua Palavra). Considere a Jesus (em detido pensamento e meditação). Os que o buscam, focados nele e ouvindo sua voz sempre correm bem. Mas se o tirarmos de nosso pensamento, logo estaremos desistindo da corrida.

(b.) Aprenda do seu exemplo (versículo 2b)

O próprio Jesus correu a corrida em que estamos- a vida de fé. O que fez com que ele continuasse em frente? Qual foi, para ele, o resultado final? Todos os outros que já correram nessa corrida o fizeram de forma imperfeita. Jesus é o único que o fez com perfeição. Para ele, significou passar pela agonia inefável da cruz e a vergonha que a acompanhava. Mas ele olhava para frente. Olhava para o alto. Jamais perdeu de vista para onde ia a estrada e a alegria que lhe pertenceria ao final. As dificuldades eram infinitas. As tentações para desistir eram, humanamente falando, insuportáveis. Mas essas coisas não prendiam sua atenção. Ele fixou os olhos no alvo e, no fmal, assentou-se à destra do trono de Deus Pai. É nesse lugar de mais alta honra que ele está ainda hoje.

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116 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

(c.) Entenda o que lhe acontecerá se não estiver olhando para ele (versículos 3-4)

Desviem os olhos de tudo mais e olhem para Jesus. Olhem para ele! Ao seu redor, vocês estão cercados de inimigos. Sofrem hostilidade e ódio ­em alguns casos, há quem trame realmente assassiná-los. Assassínio? Sim, foi algo que o apóstolo enfrentou, que nós não tivemos de presenciar em nossa batalha contra o pecado. Mas pode acontecer. E se isso acontecer com você, ou qualquer outra coisa igualmente dificil, você desistirá se não estiver olhando com firmeza para Jesus Cristo.

As palavras do versículo 3 sugerem que a desistência pode ocorrer em uma de duas formas. Algumas pessoas desistem da corrida em colapso repentino e total, enquanto outros experimentam uma queda gradativa de energia, perdendo a força pouco a pouco até cair fora. As duas são igualmente perigosas, porque ambas levam as pessoas a desistir completamente da corrida.

Duas simples alternativas se apresentam a todos quantos professam seguir a Cristo: ou nós o vemos claramente e permanecemos próximos a ele ou desistimos totalmente da corrida e prosseguimos para a ruína eterna. O exemplo de outros crentes pode até nos estimular, mas, no final, não será o que nos manterá na corrida. Em última análise, tudo depende de termos nos despido de tudo que nos atrapalhava, declarando guerra contra tudo que seja espiritualmente nocivo. Para tanto, temos de nos dispor com determinação a prosseguir espiritualmente, venha o que vier. Isso requer que estejamos próximos do Senhor Jesus Cristo, em quem pensamos sempre, cujo exemplo seguimos e de cuja força dependemos completa e constantemente.

Estou na corrida, porém, hei de completá-la? Tomarei meu lugar no pódio final? Estarei presente com todos os homens e mulheres de fé - do presente, passado e futuro - na entrega dos prêmios? Ou vou afrouxar o passo, diminuir e desistir em algum momento, nunca atingindo o final e nunca desfrutando a recompensa?

Essas questões eternas resolvem-se quando assumo ou não, de coração, o que diz Hebreus 12.1-4.

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20 DISCIPLINA E

ENCORAJAMENTO (LERliEBREUS 12.5-17)

O apóstolo acabara de dar três regras importantes a seus leitores. Assumi-las de coração faz a diferença entre continuar na vida de fé e entrar na recompensa eterna ou desistir da corrida e se

perder eternamente. Alguém poderá dizer: "Muito bem, mas eu não entendo por que tem de

haver tantas dificuldades na vida cristã. A cada passo do caminho há tentações, estorvos, oposições, problemas e dor. Por que não pode ser mais fácil?"

Por não saberem a resposta a essas perguntas é que os hebreus estavam seriamente tentados a desistir e abandonar tudo. Sendo assim, o apóstolo modifica sua ilustração da corrida, passando agora a falar da família . Tendo isso em mente, passa a responder a questão que os deixara perplexos.

1. Por que tem de haver dificuldades na vida cristã (12.5-11)

12.5-6 A razão pela qual vocês estão perplexos é por terem se esquecido do livro de Provérbios. Não se lembram do que está escrito em Provérbios 3.11-12?

12.7 Deixe-me explicar o que quero dizer. Deus tem permitido em sua vida toda espécie de experiência dolorosa. Elas não são acidentais e sim, atos de Deus. O Pai Celestial realmente fere seus filhos!

Quando o faz, é porque nos trata como filhos. Você já ouviu dizer de um pai que não castiga seus filhos? Todos que viveram uma experiência familiar sabem que a exortação e a punição fazem parte do amor, do exercício do amor parenta! tanto como os abraços e afagos.

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118 A CARTA AOS HEBREUS BEM EXPLICADINHA

12.8: É pela disciplina, treinamento e castigo de nossos pais que somos reconhecidos como verdadeiros filhos. Deus é um Pai perfeito, e podemos estar certos de que ele tratará a todos os seus filhos, sem exceção, como pai amável. Se você diz ser filho de Deus mais não teve nenhuma experiência dolorosa em sua vida, só pode haver uma explicação: é espúrio e ele não o aceita como filho. É por isso que existem experiências doloridas na vida cristã. É prova de filiação.

O ensinamento do apóstolo é fácil de ser compreendido. Todos nós sabemos que, se um de nossos filhos quebrar de propósito a janela do vizinho, será necessário lidar com a criança da maneira mais adequada. Contudo, se o filho do vizinho faz algo semelhante, não impomos qualquer sanção. Por que não? Porque uma das crianças é nosso filho e a outra não. Só castigamos nossos filhos. Nós os amamos e fazemos tudo para seu bem, de uma maneira que não agimos com os filhos de outras pessoas.

Pais experientes sabem que uma palmada dada com amor é sinal de total aceitação tanto quanto um carinho feito na hora de dormir. Da mesma forma, damos tarefas, algumas das quais desagradáveis, aos nossos filhos. Com o passar do tempo, aumentamos as responsabilidades deles de maneira apropriada à idade. Às vezes isso parece muito dificil para eles. Faz parte do treinamento e da disciplina que exercemos a fim de preparar os filhos para a vida adulta. Não faríamos isso se não os amássemos. A dor pela qual passam é prova de nosso cuidado por eles!

12.9 Ora, como tivemos pais terrenos que nos corrigiam, não devemos nos surpreender se nosso Pai Celeste fizer o mesmo. Que atitude tal correção de nosso pai inspirava em nós? Respeito. Ele restringia nossa rebeldia e nos levava a honrá-lo. Se não tivesse feito isso, acabaríamos vivendo a nosso bel prazer- e no coração o teríamos desprezado por ser "frouxo".

Se o efeito dessa disciplina foi assim, quanto mais o será quando o Pai Celestial nos disciplina? A disciplina terrena nos fez bem. A disciplina do Senhor, portanto, não é algo contra o qual devamos lutar, murmurar ou nos ressentir. É algo a que devemos nos submeter. Devemos acatá-la com apreço. É para nosso bem. Com ela aprendemos não só como viver e evitar erros fatais- ela nos dá vida!

12.10-11 Contudo, há diferença entre as duas disciplinas. Nossos pais terrenos impunham a disciplina e o treinamento sobre nós temporariamente. A sua disciplina não era perfeita e, às vezes, exerciam-na por suas próprias necessidades (porque haviam sido

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DISCIPLINA E ENCORAJAMENTO

incomodados, envergonhados ou simplesmente queriam um pouco de sossego). A disciplina de Deus nunca é assim. Deus exerce a disciplina em nós visando sempre nosso beneficio. Sua intenção única, sempre e a cada vez, é que tenhamos um caráter como o dele: santo.

Quer a disciplina seja imposta por pais terrestres quer pelo Pai Celestial, nenhuma disciplina é apreciada na hora que acontece. Muitas vezes o filho reage com ressentimentos, acusações ("você não gosta de mim!") ou lágrimas. Mas o resultado final faz com que valha a pena. Nos que foram treinados pela disciplina do Senhor, tal disciplina "produz fruto pacífico ... fruto de justiça". Essas pessoas tomam-se tratáveis com o próximo, vivendo corretamente e em paz, tendo um arcabouço de valores certos para suas vidas. É o que a disciplina de Deus produz e a razão pela qual não a podemos desprezar.

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Não podemos desprezar a disciplina do Senhor (versículo 5) nem desanimar quando ela nos sobrevém (versículo 5b). Devemos, em vez disso, submetermo-nos a ela (versículo 9b) e considerá-la como prova convincente de que ele nos aceita como seus filhos (versículo 7), pois quer tão somente o bem. Devemos ver especificamente que Deus a designou para desenvolver em nós um caráter santo (versículo lOb-11).

Estou certo de que todo leitor concordará comigo que esse é um parágrafo muito desafiador. Compreendemos por que tem de haver dificuldades na vida cristã e como reagir ante tais duras experiências? Como enfrentar perseguição, doença, decepções, obstáculos e problemas? Se guardarmos esse ensino no coração, jamais veremos essas coisas da mesma maneira. Será óbvio seu efeito em nossa vida. Este é o ponto que o apóstolo agora passa a ressaltar.

2. Os efeitos que estes ensinos devem ter sobre nossa vida (12.12-17)

A disciplina de Deus deverá ter três efeitos em nossa vida. Para entendermos melhor este fato, deixemos a ilustração da família e voltemos aos atletas de 12.1-4.

(i.) Não ceda ao desânimo (versículos 12-13)

12.12 Enquanto lhes escrevo, ainda estão na corrida, mas quase desistindo. Está dificil, são inúmeros os problemas, as dores estão crescendo. Estão prestes a entregar os pontos. As mãos estão abaixadas, o passo perdeu o vigor, as pernas estão trôpegas.

Levantem as mãos! Endireitem-se! Ânimo - essas dificuldades não são para nos derrotar, mas para nos fazer homens e mulheres

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120 A CARTA AOS H EBREUS BEM EXPLICADINHA

conforme Deus quer. Temos uma escolha: ressentir-nos da disciplina e desistir ou encará-la como sendo aquilo que Deus quer que ela seja.

12.13 Aí estão vocês, trôpegos e chegando perigosamente próximos a ziguezaguear para fora da pista! Parem com isso e corram direito! Vocês começaram a vacilar, mancar e ficar com o coração dividido na vida cristã. Se continuarem assim, logo estarão torcendo o tornozelo, deslocando algum tendão ou distendendo alguma coisa. Aí será mesmo o fim da corrida para vocês.

Ao invés disso, joguem fora essa atitude de perdedor que tomou conta de vocês! Não é tempo de desanimar. Não e não! Pelo contrário, deixem que as dificuldades atuais os ajudem a se recompor para a vitória. Prossigam e o tornozelo dolorido logo ficará bom. Muito em breve vocês correrão como se deve.

Há somente duas atitudes diante dos problemas. Uma nos arruinará e a outra nos fortalecerá. Qual será a nossa atitude? Perseguição, doença, frustrações e desentendimentos atingem a todos, como também milhares de outros sofrimentos. A teoria tem de ser vivida na prática. De hoje em diante, qual será a sua atitude?

(ii.) Corra emfrente (versículo 14)

12.14 O que dói neste momento? Não vejam isso como motivo de desânimo ou desistência. Vejam como momento de dar um salto adiante. A provação veio para lhes fazer bem. Decidam tirar proveito dela. Determinem que, sendo ela para seu avanço em santidade, vocês a utilizarão exatamente para isso. Está ali para abençoá-los, não para arruiná-los. Não tratem o sofrimento como mestre cruel, mas como servo útil. Sim, aproveitem para dar um salto adiante.

Existem duas questões específicas em que nos concentrar. Muitos de nossos problemas vêm das pessoas. Elas nos ferem, perseguem e testam nossa paciência até o limite. Aproveitem este tempo para aprender a viverem paz com as pessoas (versículo 14a). Deus mandou a provação através das pessoas para que vocês aprendam a viver bem com o próximo e a serem mais afáveis, razoáveis, compassivos, carinhosos, altruístas e atenciosos. Todas essas qualidades os tornarão melhores servos de Cristo, melhores embaixadores, melhores ganhadores de almas, melhores exemplos. Utilizem os problemas que advém dos relacionamentos com pessoas para desenvolverem exatamente tais qualidades.

A outra coisa em que se concentrar é na santidade do caráter (versículo 14b ). Na vida, existem pensamentos, motivações, atitudes, hábitos, prioridades, amores, ódios, confiança, opiniões e muitas

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DISCIPLINA E ENCORAJAMENTO

outras coisas que entristecem o Senhor. Ele nos envia essas experiências dolorosas para que percebamos a falsidade de muitos desses pensamentos, ações e atitudes . Nossa mente não está sintonizada com a dele, e na dificuldade percebemos isso mais claramente. Em tudo isso, aprendam a ser mais santos.

Saibam o seguinte: o progresso em santidade não é opcional, mas absoluta necessidade, pois sem ela ninguém - absolutamente ninguém mesmo - verá o Senhor. Vocês não estão progredindo em santidade? Então é porque estão fora da corrida, a menos que se arrependam. Sem santidade vocês jamais alcançarão a linha de chegada da corrida nem desfrutarão do prêmio.

(iii .) Em todo o tempo, esteja vigilante por causa dos perigos do percurso (versículos 15-17)

12.15 Lembrem-se de que vocês não estão nesta corrida por si só. Não fiquem de olho apenas em vocês mesmos, mas prestem muita atenção ao resto do grupo. Existe mais alguém mostrando sinais de desistência, de "separar-se da graça de Deus"? (versículo 15a).

Não só isso. Ao longo do percurso, existem arbustos espinhentos de diversas espécies. Fiquem longe deles, pois se vocês forem espetados pelo espinho da amargura, pegarão uma infecção que rapidamente contaminará a outros, e então, como é que vocês conseguirão terminar a corrida? (versículo 15b ).

12.16-17 Esqueçam por um momento a linguagem figurada e entendam diretamente o seguinte: aquele que ama qualquer coisa mais do que a bênção do Senhor está liquidado - quer seja imoralidade sexual, quer seja viver sem o Senhor ou qualquer outra coisa. Façam todo o possível para certificarem-se de não ter ninguém assim entre vocês!

Pensem em Esaú e sejam advertidos! Ele teria recebido uma bênção, mas preferiu outra coisa que importava mais para ele. Uma coisa de aqui e agora era muito mais importante para Esaú do que tudo que Deus havia designado para o seu futuro (Gn 25.29-34).

Esaú virou as costas para a bênção, pensando obter aqui e agora aquilo que queria. Porém, mais tarde, começou a perceber o que fizera. Mas era tarde demais. Ele havia atravessado aquela linha invisível do ponto sem retorno. Não adiantava remorso, pesar, lágrimas, súplicas, ou desejar aquilo que desprezara e perdera. Nada podia trazê-lo de volta.

Ele escolheu desprezar as coisas de Deus e descobriu-se condenado a trilhar o caminho que havia escolhido- viver e morrer sem o Senhor! Esse, queridos amigos, é o perigo da apostasia!

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21 MAIORES PRIVILÉGIOS E

MAIORES RESPONSABILIDADES (LERliEBREUS 12.18-29)

Em nosso estudo da Carta aos Hebreus, chegamos agora ao que podemos chamar de clímax.

Lembrem-se de que os hebreus haviam se tornado cristãos, mas estavam prestes a desistir de tudo e voltar ao judaísmo. Isso em grande parte se devia às perseguições e dificuldades que os cristãos deveriam sofrer, às quais julgavam insuportáveis. O apóstolo lembrou-lhes porque tinha de haver dificuldades na vida cristã, dizendo que, se deixassem de progredir na vida espiritual até o fmal, estariam para sempre perdidos.

O que ele vai dizer-lhes em seguida? A passagem agora se concentra no ensino de duas lições importantes. Nos versículos 18-24 ele explica por que é melhor ser cristão do que judeu e nos versos 25-29 enfatiza que quanto mais altos os privilégios, maiores serão as responsabilidades.

1. É melhor ser cristão do que judeu (12.18-24)

O apóstolo mostra este ponto de forma engenhosa. Compara duas montanhas e diz que é muito melhor estar em urna do que na outra. Não dá o nome da primeira montanha, mas fica perfeitamente claro se tratar do monte Sinai, onde o Senhor deu a Israel os Dez Mandamentos, bem como grande parte da legislação adicional da antiga nação. O apóstolo usa o monte Sinai como símbolo do que o judaísmo é e daquilo que tem para oferecer.

A segunda montanha é o monte Sião- penhasco onde foi construída a cidade de Jerusalém. Ir a Jerusalém e ao templo era experiência muito diferente de expor-se ao terror do monte Sinai. Era uma alegria acompanhar a multidão de peregrinos contentes em sua caminhada por ocasião das grandes festas anuais! No entanto, como já foi explicado muitas vezes nesta carta,

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MAIORES PRJVILÉGIOS E MAJORES RESPONSABILIDADES 123

todas as festas e experiências do Antigo Testamento nada mais eram que retratos e símbolos das realidades celestiais.

A Sião terrena era totalmente diferente do tremendo Sinai. Mas os crentes não devem ir à Sião terrena, e sim às verdadeiras Sião e Jerusalém celestes. Isso é o que toma as bênçãos do evangelho superiores às providas pela lei. Isto é o que explica por que é tão melhor ser cristão do que judeu.

Vamos examinar o argumento do apóstolo para entender como tudo se encatxa:

(i.) Monte Sinai (versículos 18-21)

O monte Sinai era tangível (versículo 18). Era lugar de manifestações aterrorizantes, passíveis de serem detectadas pelos sentidos do corpo- fogo ardente, redemoinho, trevas e tempestade. O que ocorria ali resume bem toda a antiga dispensação. Ela se preocupava com o material, com o que podia ser constatado pela visão, sensação, audição, olfato ou paladar. Em contraste, o evangelho envolve totalmente aquilo que é espiritual. Quando as pessoas tornam-se novas criaturas em Cristo, não experimentam manifestações como as que ocorriam no Sinai.

Era aterrorizante o monte Sinai (versículos 19-21 ). Deus falava em voz audível, inteligível, e o povo apavorado implorava que ele passasse a falar somente através de um mediador. Até mesmo Moisés teve medo e tremeu - ao dar-nos essa informação o apóstolo está citando a Septuaginta23,

como também se referindo a uma tradição judaica que evidentemente era verdadeira. Aquele não era um lugar convidativo. Ninguém, exceto Moisés e Arão, podia aproximar-se de Deus. Até mesmo se um animal se aproximasse, seria morto!

Nós cristãos não nos aproximamos do monte Sinai e, sim, de algo muito diferente. O evangelho que prezamos é temo e gracioso: ele convida a chegar "com intrepidez" ao "trono de graça" (1 0.16) e "aproximarmo-nos" (1 0.22). Em contraste às exclusões do Sinai, ele nos fala de acesso. Em vez de uma voz aterrorizante, assegura-nos que Deus pode ser conhecido como Pai Celestial. Tudo isso e muito mais é destacado no parágrafo seguinte.

(ii.) Monte Sião (versículos 22-24)

Quando viemos a Cristo, não fomos ao Sinai (para nos atemorizar), mas à Sião (para sermos recebidos). Fomos à própria habitação de Deus. Os judeus achavam que Jerusalém era o lugar onde se encontrava a presença de Deus, mas o apóstolo não estava falando de uma cidade terrena (versículo 22). Temos de nos lembrar que a Jerusalém do Antigo Testamento só tinha importância como retrato de uma realidade celestial. Isso explica

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por que o Novo Testamento insiste de forma incisiva em que as profecias que possuíam um cumprimento judaico são realmente cumpridas no destino da igreja24, onde Deus habita no coração e nas reuniões de seu povo crente.

Sem dúvida os judeus se lembravam como subiam jubilosos em multidão a Jerusalém. Que procissão maravilhosa! Mas a procissão de crentes em sua peregrinação espiritual é ainda muito melhor. Acompanhada e cercada de "multidão inumerável de anjos", consiste na vasta família viva daqueles cujos nomes estão escritos no céu, que têm Jesus como chefe da família e irmão (o "primogênito"). O início da procissão já se encontra na Jerusalém celestial. Assim, os cristãos estão unidos à "igreja dos primogênitos arrolados nos céus e aos espíritos dos justos aperfeiçoados" (versículos 22-23).

Sim, Deus deve ser temido, como o Sinai demonstrou; afinal de contas, ele é "juiz de todos" (versículo 23). Nosso privilégio, como crentes, porém, é não retroceder diante dele, mas ter nos aproximado. Isso porque viemos a Jesus, cujo nome humano não temos medo de usar. E quem é ele? É o "Mediador da nova aliança" (versículo 24), por meio de quem entramos naquilo que jamais poderíamos obter se, como os judeus, dependêssemos de uma aliança de obras. Viemos por seu sangue. Este foi aspergido sobre nós para nossa purificação. Não é um sangue que clame por vingança e punição, como o de Abel. Estamos falando do sangue de vida que Jesus derramou na cruz e que fala de perdão, absolvição, aceitação, acesso e paz com Deus -em suma, fala de boas-vindas.

Seria justo resumir o arrazoado do apóstolo conforme segue:

12.22-24 O local que o judaísmo podia lhe trazer - e de fato trouxe ­foi apenas até a mesma posição daqueles que se postavam a distância, ao pé do Sinai. Mas vejam para onde o evangelho nos trouxe! Todas as festas e peregrinações do Antigo Testamento eram apenas figuras desta realidade gloriosa. Por que virar as costas para o que é obviamente melhor e voltar àquilo que é claramente imperfeito?

Que espírito de alegria e triunfo há neste parágrafo! Quem pode enumerar todas as bênçãos que vêm da vida cristã? Por que alguém pensaria em rejeitá­las? Onde mais poderíamos encontrar tais bênçãos e alegrias? Não é de se admirar que o capítulo 12 seja conhecido como o clímax desta carta!

2. Quanto maiores os privilégios, maior a responsabilidade (12.25-29)

12.25 Ó cristãos, cristãos! O Deus que fez tudo isso por vocês está falando . Parece que vocês decidiram virar as costas a todas essas bênçãos e fechar os ouvidos a qualquer apelo para agir de modo diferente. Mas não tapem os ouvidos. Ele está falando com vocês!

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MAIORES PRIVILÉGIOS E MAIORES RESPONSABILIDADES

Quando falou na terra (ou seja, no monte Sinai) os que recusaram ouvi-lo não se livraram. Se foi verdade naquele tempo, quanto mais não o será agora que fala do céu?

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O Sinai foi um grande ato de condescendência da parte de Deus. Hoje ele já não fala dessa forma e, sim, do céu para onde seu Filho foi assunto. Fala quando sua Palavra é anunciada por seus servos e seu Espírito a aplica à mente e consciência dos que ouvem.

Temos de notar que a glória desta dispensação do evangelho não é menor- é maior, como aprendemos constantemente no estudo desta carta. Era coisa séria recusar ouvir o Senhor no tempo do Antigo Testamento, mas é infinitamente mais sério recusá-lo agora. Que atenção devemos dar à sua Palavra quando é lida em público e quando a lemos sozinhos! Que atenção devemos prestar quando é pregada por homens cristãos!

12.26 Uma vez sua voz abalou a terra, como aconteceu no Sinai. Mas lembram-se do que o Senhor disse por meio do profeta Ageu? Sua promessa foi : Ainda uma vez farei abalar o céu, a terra, o mar e a terra seca. "25

12.27 Pensem nestas palavras: "Ainda uma vez ... ". As coisas que podem ser abaladas um dia serão abaladas a ponto de perecer. Serão removidas. Estou falando da criação física. Terra e céu visíveis um dia passarão, e isso será por ato de Deus. Quando isso acontecer, como de fato irá, somente o que não pode ser abalado é que permanecerá. Estou falando das realidades espirituais das quais o Antigo Testamento era apenas figura.

Vem o tempo quando todas as figuras terrenas, a própria terra e o universo fisico que conhecemos não existirão mais. Tudo que permanecerá serão as realidades espirituais, ou seja, Deus, seus anjos e os homens e mulheres. Aquele dia marcará a queda de todo materialista- não terão mais nada. Será também o fim de todo judeu que tiver feito das cerimônias, rituais, sacerdócio e sacrificios, bem como toda a parafernália de glória religiosa exterior a sua vida, em lugar das realidades espirituais eternas que são simbolizadas por tais coisas. Tudo pelo qual ele viveu terá acabado -totalmente e para sempre!

12.28 Se você não for membro do reino espiritual de Deus, onde será que você se encontrará? Estará nu na presença de Deus, sem ter para onde fugir. Mas, graças a Deus, o evangelho nos tornou participantes de um reino espiritual. Somos o seu povo, por ele aceitos, sobre

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quem ele reina. Sendo de natureza espiritual, este reino não será abalado pelos eventos que estão para acontecer. Permanecerá. Quando tudo mais tiver desaparecido, estaremos seguros.

Sendo assim, "retenhamos a graça", pelo que mostremos gratidão e ações de graça (do mesmo modo que "dar graças" às refeições é expressar nossa gratidão). Desta maneira, serviremos a Deus de modo aceitável, com reverência e piedoso temor.

O apóstolo está nos lembrando da verdade sobre o universo. Tudo quanto conhecemos, exceto as realidades e seres espirituais, passará. Devemos tomar nossa ocupação principal tratar com Deus, agradecendo-o por sua misericórdia, passando todos os nossos dias em seu serv1ço, reverenciando-o, vivendo vida de temor afetivo por ele.

12.29 A alternativa - viver e morrer de maneira que não agrade a Deus - é terrível demais para ser considerada. Significaria o desaparecimento de céus e terra e ver todas as minhas esperanças desaparecerem com eles. Sem ter onde me esconder, eu me descobriria só, com um fogo consumidor!

Sendo esse o caso, como alguém pode pensar em abandonar a vida cristã, voltar àquilo que era anteriormente, agradar a si mesmo, dar as costas para Cristo e ser igualzinho a todo mundo- vivendo pelo que pode ver, ouvir, cheirar, provar ou tocar?

Como pensar em outra coisa, a não ser agradar a Deus?

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22 COMO VIVER COMO UM CRISTÃO

(LER HEBREUS 13 .1-6)

Em todos os capítulos anteriores, o apóstolo tem desfilado diante de nós as glórias do Senhor Jesus Cristo e as bênçãos que vêm por seu intermédio. Ele insistiu para que não déssemos as costas

a Jesus e nos advertiu com franqueza que, se o abandonarmos, haverá apenas um lugar para nós: trevas exteriores. Mostrou-nos a necessidade de continuar a corrida até o momento de nossa morte, perseverando com passos fmnes e defmidos no progresso espiritual.

É nesse espírito que ele começa seu capítulo fmal, que consiste em numerosas declarações breves que ressaltam áreas de atenção especial se quisermos realmente progredir na vida espiritual. Por onde, então, ele começa?

1. Dê atenção especial aos relacionamentos com outros cristãos (13.1-3)

13.1 A atitude que tem de prevalecer é a de amor fraterno. Não estou lhes dizendo apenas para se considerarem como irmãos e agirem de acordo com isso. Não, não! Estou lhes instruindo que se lembrem do fato de que somos irmãos e demonstrem isso de maneira prática.

A igreja cristã não é uma organização, sociedade ou clube. É uma fraternidade. Todos os crentes - mesmo aqueles que não gostamos - são nossos irmãos. É um fato. Não é uma questão em que podemos fazer uma escolha. Não devemos apenas nos comportar como se isso fosse verdade, mas lembrar que realmente é verdade - há milhões de quilômetros entre essas duas disposições mentais. Todo cristão, seja ele homem ou mulher, é irmão, quer eu o trate bem ou não. Toda falha em meus relacionamentos com cristãos como eu é um pecado contra meu irmão e, sendo assim, entristece nosso Pai celestial.

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13 .2 Essa fraternidade não se estende apenas aos membros de sua igreja local, a quem, naturalmente, vocês conhecem bem. Abarca todos os crentes, mesmo os que lhe são estranhos e aqueles que estão apenas de passagem. Sejam hospitaleiros para com eles.

Vemos o que o apóstolo diz, mas entendemos o que isso realmente significa na prática? É fácil responder. Tenho de simplesmente perguntar como eu trataria um irmão de sangue que aparecesse na igreja sem avisar previamente. É assim que devo tratar meus irmãos espirituais em Cristo.

A hospitalidade era muito importante no primeiro século da era cristã. A maioria das pensões e hospedarias era extremamente básica, sem conforto, e muitas eram de baixa reputação. O Novo Testamento ressalta a importância do lar cristão, descrevendo-o como lugar que esteja aberto a todos quantos pertençam à família de Deus. Quem pode dizer quantas vidas foram, por meio da hospitalidade, fortalecidas, enriquecidas e transformadas através dos séculos, até os dias atuais?

13.2b Lembrem-se, não são apenas os hospedados os que se beneficiam. Por meio da hospitalidade, alguns cristãos têm tido o privilégio extraordinário de, sem saber, hospedar anjos!

O apóstolo ressalta que as pessoas hospitaleiras muitas vezes são recompensadas com surpresas maravilhosas. Tanto Abraão quanto Ló receberam em seus lares verdadeiros mensageiros de Deus, sem saber, pelo menos no começo, que hospedavam anjos. 26 Não creio que o apóstolo esteja nos ensinando a esperar que aconteça bênção semelhante conosco, embora não seja impossível. Mas quem sabe quem será o nosso próximo hóspede ou que bênçãos resultarão de sua visita?

13.3 E o que dizer de cristãos a quem você nunca conheceu? São também seus irmãos. Não se esqueça disso, especialmente em se tratando de pessoas que estão presas ou sendo maltratadas por sua fé. Bem podia ser você tendo de passar por essa experiência.

Se hoje eu soubesse que meu irmão de sangue está preso, o que eu faria? Imediatamente pensaria em como ele se sentiria (versículo 3a). Pensaria no que estaria precisando, fosse ajuda, cartas, uma visita, roupas, papel, livros, o que fosse. Pensaria em seguida em seus entes queridos­esposa, filhos, parentes próximos, amigos- e passaria a telefonar-lhes, visitá­los, suprir suas necessidades, passear com eles. Minha mente estaria cheia de pensamentos amáveis e práticos.

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COMO VlVER COMO UM CRISTÃO 129

Não deverá ser diferente com meus irmãos espirituais. Não estão presos como criminosos, mas por terem sido fiéis ao Senhor Jesus Cristo. Poderia ter sido eu! Não adianta dizer: Não os conheço. São meus irmãos! O que estou fazendo?

O que eu faria hoje se soubesse que meu irmão de sangue está sendo maltratado? Imediatamente pensaria em como deve ser duro, lembrando que, se eu não estou passando pela mesma experiência, certamente não estou isento da possibilidade de passar por ela (versículo 3b ). Eu telefonaria para ele, o visitaria, o encorajaria espiritualmente, levaria notícias a ele caso não tivesse como obtê-las, faria todo o possível para também cuidar de sua família. Não posso dizer: tenho outros irmãos- que eles cuidem deste aqui. Não, teria de dar passos para, eu mesmo, ajudá-lo, mesmo que outro irmão também estivesse ajudando.

A obra de ministrar aos presos e sofredores não é trabalho de um só irmão específico, mas de toda a família. No entanto, hoje em dia, muitos crentes estão sofrendo a falta de cuidados pastorais porque se espalhou o mito (em total contradição à Palavra de Deus) de que são responsabilidade de alguns membros da comunidade (como os pastores e presbíteros) e não dos outros.

O dia em que eu tratar todos os crentes pelo que realmente são -meus irmãos - não somente minha própria vida como também a vida desses irmãos será de progresso espiritual. Sim, temos de reconhecer e agir de acordo com o fato de que os laços espirituais são mais fortes que qualquer laço familiar natural. Nossos relacionamentos com outros cristãos são de importância vital. "Seja constante o amor fraternal".

2. Cuide especialmente para não ser infectado por atitudes mundanas (13 .4-6)

O apóstolo agora chama a atenção a duas atitudes muito comuns que, quando não extirpadas, destroem o testemunho do cristão perante o mundo: certa atitude para com o casamento (versículo 4) e certa atitude para com o dinheiro (versículos 5-6).

Parece incrível que o apóstolo tivesse escrito esses versículos há quase dois mil anos. Seus comentários são relevantes para nós tanto quanto o foram aos seus leitores originais.

(i.) Nossa atitude para com o casamento (13.4)

No mundo depravado do primeiro século da era cristã, os laços do matrimônio significavam muito pouco. Quem se importava com o casamento? O resultado era que reinavam as relações sexuais entre pessoas não casadas, como predominavam também o adultério e a homossexualidade. Tal situação fez com que alguns cristãos tivessem uma reação extrema. Ensinavam que

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a pureza sexual era de tal forma importante que o evangelho exigia o celibato e o asceticismo - os cristãos não deviam se casar, não podiam ter nada a ver com o sexo e deviam tratar seus corpos com severidade.

Enfrentando esses dois extremos, é surpreendente ver como o ensino do apóstolo é equilibrado. Ele afirma que o casamento é um relacionamento digno. Se Deus foi quem criou o matrimônio, como poderia haver desonra nele? A intimidade fisica dentro do casamento é um presente de Deus. Não há nela nada aviltante, e deve ser desfrutada. O caminho do Senhor é de castidade fora do laço do casamento e de prazer dentro desse vínculo - e que testemunho maravilhoso isso tem sido no decorrer dos séculos! Os cristãos coerentes são parceiros fiéis e amorosos que criam e conservam lares estáveis, cheios de amor.

Deus se levanta contra todos que se envolvem em relações sexuais impróprias, quer sejam casados ou solteiros - como descobrirão no juízo final. As pessoas sexualmente imorais ou impuras um dia terão de responder por seus pensamentos, palavras e ações - e o farão diante de um Deus irado. Pense nisso! As vozes da sociedade são barulhentas e insistentes, mas, no final , não seremos responsáveis diante da sociedade e, sim, perante um Deus que nos criou e instruiu-nos sobre como viver. Em Jesus Cristo, há perdão para todos quantos falharam, como a Carta aos Hebreus repetidamente esclarece. Mas em tempos de fortes tentações, temos de aprender a dizer com José: "Como, pois, cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?" (Gn 39.3).

(ii.) Nossa atitude para com o dinheiro (13.5-6)

O Deus que disse "Não adulterarás" disse também "Não cobiçarás" (Êx 20.14, 17), mostrando assim que a invejosa ansiedade por posses materiais é tão grave pecado quanto os de natureza sexual. Existe uma resistência muito difundida a tal fato, mas continua ele sendo um fato. As palavras do apóstolo aqui se referem à cobiça geral e, em particular, ao amor ao dinheiro. A conduta cristã deve estar livre tanto de descontentamento material quanto de imoralidade sexual.

O caminho de Deus para nós é do contentamento, não o da cobiça. Significa "usar o que tem", em vez de "desejar ter mais". Tal atitude é possível porque, como filhos de Deus, não enfrentamos a vida sozinhos. O Senhor prometeu a cada um de nós seu auxílio pessoal. Ele jamais deixará desamparado qualquer de seus filhos. Os incrédulos se consolam com seus bens materiais, procuram segurança ao se lembrarem de quanto possuem. Nós não somos assim. Nosso consolo está na presença de Deus conosco, em sua provisão, no fato de que jamais nos deixará nem nos abandonará.

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COMO VIVER COMO UM CRISTÃO 131

Que desafio para uma era materialista como a nossa, em que nada importa exceto quanto se ganha ou se consegue acumular! Quando sua segurança fmanceira é ameaçada, as pessoas descobrem que não conseguem lidar com a situação. Enquanto isso, enfrentamos confiantemente a vida. Com firmeza, podemos afirmar que o Senhor está do nosso lado, que não há nada a temer; que, no final, ninguém poderá nos prejudicar. Tendo a Deus, sempre teremos o suficiente. Não foi em vão que o Senhor nos declarou: "Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? ... Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal" (Mt 6.25,32-34).

Precisamos perguntar qual tem sido nosso progresso nessas duas áreas identificadas pelo apóstolo, de forma a não sermos infectados pelas atitudes do mundo quanto ao casamento e ao dinheiro.

Cada um de nós precisa de um antiséptico que, se aplicado com regularidade, evite que a infecção do mundo se espalhe em nós e finalmente acabe com tal infecção. A fórmula para esse antiséptico consiste em expor­nos menos ao pensamento do mundo (especialmente naquilo que é transmitido pela mídia com suas novelas, programas humorísticos e outros que oferecem milhões em prêmios), fugir de pessoas e lugares que despertem a luxúria sexual ou fmanceira; expor nossa mente muito mais à mente de Deus (especialmente quando é transmitida na pregação da Palavra de Deus, como também na leitura da Escritura e de bons livros cristãos e amizades que fortaleçam nossa vida espiritual), acompanhando tudo com oração. Além do mais, a maior parte dos cristãos deverá casar-se, cultivando seu casamento de modo a desfrutar cada vez mais dele. Finalmente, todos nós devemos dar mais de nosso dinheiro para a obra do Senhor e para os servos mais necessitados.

Se todos os crentes se alinhassem com os primeiros seis versículos deste capítulo, suas vidas seriam revolucionadas e o mundo observador ficaria atônito. Pessoas amáveis, que cuidam umas das outras, com mente pura, casamentos resolvidos e sendo felizes em família não poderiam deixar de impressionar. O efeito é até mesmo maior quando se reconhece que são assim porque pensam mais na vida por vir do que nesta de agora e seu único desejo é agradar ao Deus que as redimiu. Mas existe mais para se dizer sobre a vida cristã, como revelará nosso próximo estudo deste capítulo fmal.

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23 AUTORIDADE E ESPIRITUALIDADE

(LERHEBREUS 13.7-8,17)

N este capítulo final, o apóstolo fala sobre o comportamento cristão e destaca diversas áreas a que devemos dar especial atenção se quisermos obter progresso espiritual. Já mencionou nossos

relacionamentos com outros cristãos e o perigo de nos infectar com atitudes mundanas, porém ele tem mais duas áreas em mente. A primeira é quanto à atitude correta para com os líderes, tanto do passado quanto do presente, sem jamais perder de vista nosso líder supremo.

3. Dê atenção especial à atitude apropriada quanto aos líderes cristãos ( 13.7-8, 17)

(i.) Líderes do passado (versículo 7)

À primeira vista, este versículo parece estar tratando de pessoas que ainda estão vivas. É tradução acurada do grego a que diz: "Lembrem-se daqueles que governam sobre vocês". Essa frase, contudo, significa: "Lembrem-se dos seus líderes", como traduz a NVI. Ao lermos todo o versículo, fica clara a referência aos líderes do passado. São aqueles que "falaram a palavra de Deus" e cuja "saída" (no grego) foi documentada. Ao utilizar esse termo, fica claro que o apóstolo fala daqueles que já deixaram a vida terrena. Portanto, podemos parafrasear o versículo todo desta forma:

13.7 No passado vocês tiveram líderes maravilhosos. Tragam-nos à mente. Eram homens de fé, notáveis por apresentar mensagem verdadeira e exemplo piedoso. Considerem a vida que tiveram e o final dela e, em vez de desistir da fé e da vida na qual foram instruídos, imitem essa fé e sigam o exemplo deles. Em suma, os imitem.

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AUTORIDADE E ESP!R!TUALIDADE 133

O apóstolo aqui está ordenando um tremendo antídoto à apostasia. Ah! Quantos homens e mulheres piedosos tivemos o privilégio de conhecer! Que vidas viveram! Não vimos mais ninguém daquela estirpe em lugar algum. E que mortes sofreram! Deixaram o mundo cheio de fé e esperança. Jamais vimos morte igual à sua.

Tais exemplos de piedade nos demonstram o poder do evangelho. Confirmam e fortalecem nossa fé. Apostasia, judaísmo ou qualquer outro sistema de crença é simplesmente incapaz de produzir homens e mulheres dessa estirpe. O perfume daquelas vidas deixou em nós uma impressão indelével que nos faz querer ser como eles, tirando de nós qualquer desejo de ser igual a outras pessoas. Como é pobre a vida de outros quando comparadas às deles!

Se juntarmos a memória de qualquer grupo de cristãos, descobriremos que podemos trazer à mente nomes e exemplos de centenas de crentes que agora estão seguros com o Senhor. Ao nos lembrarmos de como correram bem e entraram em seu galardão, descobrimo-nos também estimulados a correr bem e terminar a corrida. Não devemos ter vergonha de nossas caminhadas pela ladeira da memória. Foi nos ordenado que nos lembrássemos dessas pessoas, especialmente as que foram nossos lideres, de cujos lábios ouvimos a Palavra de Deus - e seguir o seu exemplo.

(ii.) Líderes do presente (versículo 17) Aqueles líderes foram-se e jamais voltarão. Ainda sentimos sua falta.

Contudo, a igreja não foi deixada sem uma liderança. Isso porque o Senhor é fiel em todas as suas promessas, como a de que "em vez de teus pais, serão teus filhos, os quais farás príncipes por toda a terra" (Sl45 .16) e "uma geração louvará a outra geração as tuas obras e anunciará os teus poderosos feitos" (Sl145.4).

Moisés foi sucedido por Josué, Elias por Eliseu e Paulo por Timóteo. Ao lastimarmos a perda daqueles que nos deixaram, não podemos desprezar, de maneira nenhuma, os que Deus designou para substituí-los. Os líderes que morreram foram chamados para o seu tempo, e nossos líderes atuais são chamados "para conjuntura como esta" (Et 4.14). Não podemos nos esquecer de que o Senhor estava com Josué do mesmo modo como esteve com Moisés (Js 1.5) e que, aqueles que zombam da nova liderança serão julgados pelo Senhor, como prova o destino dos rapazes que insultaram a Eliseu (2Rs 2.23-25). Assim como é nosso dever refletir sobre nossos líderes do passado, é também nosso dever ter uma atitude correta quanto aos atuais.

Nosso dever é obedecer-lhes e ser-lhes submissos (versículo 17). O apóstolo não está dizendo que devemos tratá-los como sargentos nem

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professores de escola. É possível aquiescer às instruções de tais pessoas enquanto, ao mesmo tempo, as amaldiçoamos no íntimo, devido a nosso coração endurecido e nossa vontade indomada. A obediência que aqui se requer é voluntária. Reconhecendo que Cristo estruturou de certa maneira a sua igreja, nós nos colocamos voluntariamente sob autoridade daqueles que ele designou para governar e ensinar. Sua autoridade é delegada, não absoluta, e se estende somente às áreas de entendimento bíblico e comportamento piedoso. Isso nós reconhecemos. Mas é autoridade de fato, e, por amor a Cristo, de bom grado nos submetemos a ela.

É necessário que se diga que alguns leitores deste livro não podem obedecer a essa ordem porque, apesar de professarem a Cristo, seguem esvoaçando de igreja em igreja, não sendo membros de nenhuma congregação local. Nunca foram a um grupo de líderes piedosos de urna igreja local para pedir que pastoreassem sua alma. Esta é uma falha a qual deverão prestar atenção e pela qual deverão se arrepender.

Mas por que devemos nos submeter aos líderes espirituais e obedecer­lhes tão livremente? Porque somos todos propensos a nos desviar do Senhor, como esta carta constantemente ressalta. Precisamos de alguém que zele por nós. Todos devemos cuidar uns dos outros (3.13; 10.25), mas Cristo designou os presbíteros da congregação local para serem especialmente responsáveis por essa tarefa. No juízo final , eles terão de prestar contas de como desempenharam tal tarefa. Terão de responder ao Senhor pelo exemplo que deram, o ensino ministrado por eles na igreja que organizaram e o cuidado pastoral que praticaram. Que tremenda responsabilidade a deles!

Como será mais fácil essa tarefa quando cada indivíduo na igreja lhes concede o respeito que merecem, imita seus bons exemplos e se submete de boa vontade à sua liderança. O trabalho do presbítero já é difícil - por que tomá-lo mais complicado? Por que não tornar o trabalho dele urna alegria? Fazemos isso reconhecendo sua liderança, submetendo-nos ao seu ensino sempre que for bíblico e sendo abertos a tudo aquilo que diz respeito ao bem-estar de nossa alma ou tudo relacionado ao bem-estar de nossos irmãos na tgreJa.

Não é difícil entristecer o coração de um verdadeiro pastor, mas este versículo proíbe que o façamos. Entristecemos os nossos líderes quando não os respeitamos ou quando vivemos como se não fôssemos responsáveis por ninguém, quando não os informamos antecipadamente sobre nossas ausências ou ressentimo-nos de suas perguntas de preocupação. Permanece o fato de que eles são responsáveis pelo cuidado pastoral, quer nós os entristeçamos quer não. Sendo assim, submetamo-nos, ajudando-os a cumprir com alegria essa tarefa. Quanto mais formos cooperadores com eles, melhor

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será seu cuidado pastoral. Qualquer atitude diferente disso "não tem proveito para vocês", diz o apóstolo.

(iii.) O líder máximo (versículo 8)

Ao olharmos nossos guias passados e presentes, é essencial que não tiremos os olhos de nosso líder máximo. Como é apropriado o versículo 8 inserido aqui! É coerente com o espírito de toda a carta, que desfilou constantemente as glórias de Cristo diante de nós, dizendo para jamais tirarmos os olhos dele, lembrando que é o único jeito de prosseguir espiritualmente e não perecer. Contudo, quando lemos o capítulo 12, a primeira impressão é de que o versículo 8 não "se encaixa" nele. Por que exatamente ele está aí?

Alguns momentos de reflexão nos dão resposta. O apóstolo esteve falando sobre líderes passados e atuais. Ao observar isso, talvez você se pergunte: E quanto ao futuro, será que encontraremos líderes adequados?

De onde vieram os líderes passados? O Cristo ressurreto os levantou e os deu à sua igreja, conforme explica detalhadamente Efésios 4.7-16. De onde vêm nossos líderes atuais? Da mesma origem. As boas novas são que "Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente". Nosso Senhor não muda. Esta é a garantia de que não faltarão líderes para o futuro.

Existe na igreja muito medo. Nossos pensamentos nos fogem. Sentimos falta dos excelentes líderes que já estão na glória e sabemos que alguns dos melhores líderes atuais logo estarão mortos. Muitos outros que amávamos e respeitávamos nos decepcionaram com sua indiscrição e suas ofensas morais. Quem mais vai nos desapontar? Como nossa igreja lidará quando tal e tal se aposentar, morrer ou sair daqui? Todos esses temores vêm de nos esquecermos de quem é o verdadeiro Cabeça da igreja. Ele é aquele que nunca muda, nunca nos decepciona, nunca se aposenta nem vai embora e cujo poder está sempre à nossa disposição. Num mundo de constantes mudanças, que força e alívio é recitar o versículo 8!

No momento em que nos esquecemos desse curto versículo, nossa atitude para com nossos líderes certamente estará errada. Temos a tendência de idolatrá-los. Esse versículo nos lembra de que eles são apenas subpastores mortais, e Cristo o Cabeça permanente. Somos propensos a criticá-los, mas quando lembramos que esses são os servos enviados por Cristo, temos de refrear a língua. No dia final, teremos de responder a ele, não a seus servos.

Seguimos nossos líderes, mas somente naquilo em que seguem a Cristo (lCo 4.16; 11.1). Os líderes humanos surgem e se vão, mas permanece o grande Exemplo. Os grandes santos e líderes na Bíblia e na história da igreja não possuíam vida espiritual, graça sustentadora ou poder de perseverança,

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exceto aqueles que receberam de Cristo. Cristo não muda - portanto, o que eles receberam está também à nossa disposição. Pode ser que ele não dê exatamente os mesmos dons, mas não temos razão para viver com menos santidade. Todos os recursos que eles tinham estão igualmente à nossa disposição. O que o Senhor Jesus Cristo fez em um pecador, é capaz e está disposto a realizar em qualquer outro.

Foi assim no passado, é assim hoje, e será assim amanhã. Se não somos aquilo que deveríamos ser espiritualmente, não é por Cristo ter mudado. A culpa é totalmente nossa. Escolhemos recusar íntima comunhão com o Senhor, embora nossa oportunidade de sermos santos e perseverar seja tão grande quanto a que tinha qualquer pessoa na história.

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24 EXORTAÇÃO E BÊNÇÃO FINAL

(LERliEBREUS 13.9-16,18-25)

Conforme vimos, o último capítulo de Hebreus consiste em numerosas declarações curtas que ressaltem áreas específicas da vida cristã as quais devemos dar atenção especial. Já

examinamos três das quatro áreas identificadas. Temos de atentar especialmente aos nossos relacionamentos com outros cristãos (versículos 1-3), não podemos ser infectados por atitudes mundanas (versículos 4-6) e precisamos ter a atitude correta quanto aos nossos líderes espirituais (versículos 7-8,17).

Estudamos toda a carta, com exceção de 13.9-16 e 13.18-25. A primeira dessas seções aponta para a quarta área que requer atenção especial e a seção fmal consiste de exortações conclusivas, incluindo algumas saudações e bênçãos.

4. Atente para o fato de que o cristianismo é essencialmente uma religião espiritual ( 13. 9-16)

13.9 Este versículo é uma advertência. Circulava entre os leitores todo tipo de ensinamento estranho que pervertia a verdade e podia desviá-los do evangelho. Uma dessas era a ideia de que só se podia progredir na vida cristã quem comesse certo alimento sacrificai, sagrado e especial. Tal ide ia certamente tinha suas raízes no livro de Levítico, onde, após determinado sacrificio, o adorador comia o animal ofertado, ou pelo menos parte dele, compartilhando a carne com os outros. Ao ensinar que algo semelliante era o caminho para o progresso espiritual, essa ideia pervertia o evangelho, comprometendo-o com o judaísmo, dando aprovação tácita à continuidade do antigo sistema de sacrificios.

Qual a reação do apóstolo a tal erro? Ele diz aos leitores para não se deixarem levar por doutrinas estranhas. Somos fortalecidos

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na vida cristã pela obra de Deus em nosso coração, não por aquilo que comemos ou deixamos de comer. Isto se prova pelo fato de que aqueles que aceitam esse erro e comem o alimento especificado, não têm nenhum proveito disso.

Ao dizer isso, o apóstolo mostra o caminho adiante para todos nós. Nossa grande necessidade não é adotar determinadas práticas externas, mas sermos fortalecidos espiritualmente, em nosso interior. O cristianismo não trata de exterioridades. A ideia de passar por determinados rituais, praticar certas regras dietéticas, pode nos parecer agradável e como algo que agrada a Deus, mas na verdade, é uma ideia totalmente estranha à religião do Novo Testamento. O que importa é o coração. O que está acontecendo bem no fundo de nosso ser? Como estamos progredindo em nossa fé pessoal, no nosso amor por Cristo e no entendimento de sua Palavra, em resistir à tentação e santidade interior e no amor pelo próximo? São essas as questões importantes que têm de ser respondidas.

13.10-14 Porém, nem todos os sacrificios do Antigo Testamento exigiam que o adorador comesse alguma coisa. A oferta pelo pecado é um exemplo óbvio (L v 4). Ali o animal era morto sobre o altar, mas ninguém o comia, nem mesmo os sacerdotes que serviam no tabernáculo. O sangue do animal morto era trazido como expiação para dentro do santuário, mas o corpo não era comido. A gordura e algumas partes interiores eram queimadas sobre o altar enquanto os corpos eram incinerados fora do arraial (versículo 11 ).

Tudo naquela oferta pelos pecados falava de nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso interesse não está nos altares do Antigo Testamento, mas no altar ao qual os que praticam apenas os atos exteriores da religião levítica não têm o direito de se aproximar (versículo 1 0). O nosso altar é Cristo. Por essa razão, seria categoricamente errado qualquer um de nós erigir qualquer outro tipo de altar hoje. O sangue dele foi derramado uma vez para sempre (como o livro de Hebreus explicou diversas vezes), a fim de separar o seu povo para Deus. Não foi dentro da Jerusalém terrena que ele sofreu, mas fora da cidade, deixando assim de lado todos os rituais levíticos que ocorriam dentro daquela cidade. A redenção foi realizada sem nenhuma referência a tais rituais (versículo 12).

Tudo isso significa duas coisas para o crente. Primeiro, que rejeitamos o judaísmo, juntamo-nos a nosso salvador, fora do arraial, não tendo mais ligação com os rituais e cerimoniais levíticos. Segundo, significa que os judeus nos rejeitam. Desprezaram o Senhor e o expulsaram, do mesmo modo que põem para fora os corpos mortos dos sacrifícios. Soframos essa reprovação e identifiquemo-nos abertamente com nosso Senhor "fora do arraial".

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ExoRTAÇÃO E BÊNÇÃO FfNAL

Tal reprovação não é coisa dificil de suportar (versículo 14). Qualquer reprovação que suportamos nesta vida logo passará. Não estamos nesta terra para sempre. Logo estaremos no céu. Nossa esperança não se limita a uma cidade terrena ou ao que acontece por aqui. Tudo com respeito à ordem terrestre logo acabará. Nossa esperança está na cidade celestial prestes a tomar-se visível, na Jerusalém celestial (sobre a qual aprendemos em 12.22). Essa cidade permanecerá quando tudo mais tiver passado (12.27).

13.15-16 Portanto, não há lugar para qualquer participação do cristão no sistema sacrificallevítico. Os sacrificios que oferecemos são de outra ordem. Pela mediação de Cristo, e somente por ela, trazemos ofertas a Deus - e o apóstolo estimula-nos a fazer isso continuamente. Mas nossas ofertas não são de sangue. Elas se encontram em nossos lábios e consistem em louvores a Deus e ações de graças em seu nome.

Além disso, apresentamos nosso sacrificio de amor, que consiste em nossas boas obras, especialmente no modo que gastamos a vida ministrando às necessidades do próximo. Essa espécie de sacrificio é o que realmente traz prazer ao coração de Deus.

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Esse parágrafo impressionante é trecho chave para todos quantos queiram compreender a essência do cristianismo. Não há interesse em ritos e cerimônias. É o que ocorre no coração que tem importância.

O cristianismo tem algum tipo de altar ou sistema de sacrificios? Não! O único altar em que foi feito sacrificio aceitável foi no Calvário. A única oferta eficaz pelos pecados foi o sacrificio de Cristo, feito uma vez para sempre, e que jamais se repetirá ali. Ele é também o sumo sacerdote que realizou o sacrificio e agora intercede por nós pecadores enquanto permanece assentado no trono, o único verdadeiro Santíssimo lugar, à direita da presença de Deus.

Isso significa que os cristãos não erguem altares, matam sacrificios ou ordenam sacerdotes. Tais coisas são todas supérfluas e passadas. Nossa esperança não está nessas coisas, mas no Senhor Jesus Cristo. O que importa é nossa relação pessoal com ele. Não temos mais nada a ver com aquilo que ele tomou redundante. Estamos felizes por nos identificarmos com ele, ainda que isso nos traga toda espécie de reprovação.

Então, isso significa que os cristãos não fazem mais sacrificios? Não. É que nossos sacrificios não são de sangue. Consistem em adorar e em gratidão comungar com Deus, vivendo um estilo de vida sacrificai, altruísta, que o Espírito de Cristo produz em nós.

O cristianismo não é uma religião de formas e cerimônias, ofertas e liturgias, sacerdotes e mistérios, ordens de faça isso e não faça aquilo, altares

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e velas, paramentos e placas, incensos e crucifixos, santos, ícones, sinos, sacrifícios ou qualquer outra coisa semelhante. Uma religião que dê atenÇão a essas coisas não é cristianismo, pois tal doutrina consiste no dom da graça de Deus no coração. Suas características são: confiança na obra completa de Cristo e um pacto aberto com ele, suportando o opróbrio que isso traz. Ele anseia pelo céu, comunga com o Deus do céu aproximando-se dele constantemente pela mediação de Cristo, repleto de louvor e gratidão a ele e, por amor dele, vivendo para o bem do próximo.

Se você, querido leitor, ainda não entendeu isso, é porque não é cristão. Não há esperança de seu progresso espiritual porque você nem entrou na corrida. Se já leu até aqui, certamente é hora de deixar o que é apenas externo e receber o Senhor Jesus Cristo em seu coração. O cristianismo é essencialmente uma religião espiritual.

2. Exortações, saudações e bênçãos conclusivas (13.18-25)

(i.) Exortações (versículos 18-19,22-24)

3.18 Esta é a última vez na carta que o escritor fala de si. Não pode fechar uma carta de ensino, admoestação e encorajamento sem confessar sua necessidade de oração. Por vezes ele foi bastante áspero com seus leitores e sabe que suas ações e atitudes podem ser mal-entendidas. Por isso passa a assegurar-nos que está se esforçando ao máximo para manter pura sua consciência e agir com integridade em tudo.

13.19 Seu único pedido pessoal de oração é que possa estar com seus leitores tão brevemente quanto possível. Onde ele se encontra quando escreve? Na prisão? À luz desse versículo, parece pouco provável. Está doente? Pelo que vemos aqui, não. Por que ele pede "que seja restituído mais depressa"? Não podemos responder com certeza absoluta. Só sabemos que ele esteve separado deles e pede que logo lhes seja restituído.

Os versículos 18-19 nos ensinam que este grande mestre da fé cristã é um homem humilde - conhece sua necessidade de oração. É sensível -pensa em como seus leitores talvez estejam recebendo essa carta. É também homem de oração- quem mais estaria pedindo oração, especialmente pedidos específicos por si mesmo?

13.22 Aqui ele menciona ter escrito em "poucas palavras". Nós podemos até não concordar com ele nisso, já que levou um tempo para ler e estudar esses treze capítulos! Contudo, considerando a

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E XORTAÇÃO E BÊNÇÃO FINAL

imensidão do assunto, vemos que realmente é uma carta breve. E ele pede que prestem plena atenção à sua palavra de exortação.

Isto é algo que estamos dispostos a fazer? Ao nos aproximarmos do fmal da carta, quanto estamos dispostos a levar a sério sua mensagem, suas advertências e seu encorajamento? Que passos específicos estamos tomando para nos lembrarmos das principais verdades e pôr em prática suas lições mais óbvias? Com qual desses passos começaremos?

Que passos definidos estamos tomando para lembrar sua verdade e praticar suas claras lições? Quais os passos que tomaríamos primeiro?

13.23 Essa próxima exortação do apóstolo é um tanto velada. Ele instrui seus leitores a "ficarem cientes" do que está acontecendo com outros cristãos. Nesta ocasião, quer que saibam que Timóteo foi libertado - presumivelmente da prisão - e que pretende visitá­los. Aparecem algumas poucas marcas pessoais ali e acolá na Carta aos Hebreus e aqui está mais uma. Comentários pessoais como este fazem com que a carta tenha um tom mais humano, fazendo com que a recebamos como a carta pessoal que é, e não uma espécie de circular impessoal.

13.24 Não existe substituto para as marcas pessoais, mas quando isso é impossível, temos de fazer o melhor que pudermos. Assim sendo, o apóstolo envia saudações muito gerais aos líderes e a todos os hebreus cristãos. Além disso, passa-lhes as saudações dos cristãos da Itália, de onde, talvez, esteja escrevendo.

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Exortações e saudações sem um desejo expresso da bênção do Senhor fariam desta carta algo muito frio. Nenhum cristão maduro terminaria dessa forma sua carta. Sendo assim, concluímos considerando as duas bênçãos encontradas no parágrafo fmal.

(ii.) Bênçãos (25, 20-21)

13 .25 A carta termina com a bênção simples do versículo 21 . À luz de 13 .9, suas palavras são completamente compreensíveis. Acima de tudo, o apóstolo quer que seus leitores experimentem a obra imerecida, interna, espiritualmente transformadora, pessoalmente fortalecedora de Deus que o Novo Testamento muitas vezes denomina "graça". Com certeza é isto que todo crente deseja para si e para os outros! A bênção fmal pode ser breve porque o apóstolo acabou de dar algo muito mais abrangente - uma das mais maravilhosas bênçãos de toda a Escritura.

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13.20-21 Essa é uma bênção que foca o pensamento dos hebreus nos grandes feitos de Deus. Aos que estão tentados a voltar para uma religião sem acesso, só para evitar a perseguição e o desânimo da vida cristã, ele lembra que nosso Deus é o "Deus da paz". Este Deus ressuscitou dos mortos o Senhor Jesus, não apenas como indivíduo, mas também como supremo Pastor de seu povo, seu rebanho. O apóstolo diz que aqueles que pertencem a Cristo podem esperar que o mesmo aconteça com eles. Porque são cristãos, podem e devem olhar para além da morte e da ressurreição.

A ressurreição foi seguida à morte de Cristo. O derramamento de seu sangue não ocorreu conforme os rituais judaicos, mas por aquilo que foi decidido na "aliança eterna". Os ritos e cerimônias judaicos eram sombras baseadas nesse pacto e não vice-versa. O cristianismo não é um desvio de uma instituição divina, mas a verdadeira expressão do pacto que Deus fez consigo mesmo antes da criação do mundo. Portanto, os benefícios obtidos por Cristo não podem falhar. O seu sangue foi o "sangue da eterna aliança" e, diferente do sangue dos sacrifícios do Antigo Testamento, jamais cederá lugar a alguma coisa ou alguém melhor.

Tendo dito isso, o apóstolo ora para que o Deus de paz, poder e amor preencha a vida dos seus leitores, tornando-os livres de qualquer defeito, fraqueza ou falta, e que isso se estenda a cada aspecto de sua vida. Isto roga para que possam gastar a vida fazendo a vontade de Deus, agradando-o. Isso Deus faz ao operar na vida deles, tornando-as fluxo da transformação divina interior. Quando vivem conscientemente na presença de Deus, os crentes muito o agradam.

Em suma, o apóstolo ora para que seus leitores progridam nas coisas de Deus - tanto no entendimento quanto nas ações. Sua oração é por intermédio de Jesus Cristo, sabedor de que é por meio dele que provêm todas as bênçãos. Ele passou a carta inteira com os olhos fixos em Cristo, e o faz uma vez mais ao dizer "a quem seja a glória para todo o sempre".

O coração apóstata não se interessa em dar glória eterna ao Senhor Jesus Cristo. O coração de quem está se desviando da verdade sabe o que tem de fazer, mas não faz nada a respeito. Mas quando o coração de um crente que progride e persevera ouve tais palavras finais, irrompe em um entusiasmado "Amém!"

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NOTAS

1 W. H. Griffith Thomas. Hebrews: A Devotional Commentary (Grand Rapids:

Eerdmans, 7• reimpressão, 1977). 2 Thomas Hewitt, The Epistle to the Hebrews: An Introduction and

Commentary (Londres: Tyndale Press, 1960). 3 Irving L. Jensen. Hebrews: A self-study Guide (Chicago: Moody Press, 1970). 4 Estou apresentando o esboço de W. H. Griffith Thomas (ver Prefácio).

O comentário é meu. 5 Esta é a segunda estrofe do hino "Once in royal David's city" de Ceci!

FrancesAlexander (1818-95). É o no 210 do Christian Hymns (Brigend: Evangelical

Movement ofWales, 2004). 6 Esse coro é de um dos hinos de autoria de Audrey Mieir (nascida em 1916).

É o no 922 do hinário Christian Hymns. 7 Esta expressão conhecida e biblicamente correta vem do hino de James

Montgomery "Hail to the Lord's Annointed", que é o no 467 do Christian Hymns. 8 Do hino "Mighty Christ from time eterna!" de Titus Lewis (1773-1811 ), na

tradução de Graham Harrison. É o n° 168 do Christian Hymns. 9 MURRA Y, John. Redemption Accomplished and Applied (Londres: Banner

o f Truth, 1961, várias reimpressões, p. 61 ). N. do T.: Em português: Redenção: Consumada e Aplicada (Tradução Ivan G. Graham Ross e Valter Graciano Martins.

São Paulo: Cultura Cristã, 1993). 10 Este é o coro do conhecido hino de Helen Howarth Lemmel "O sou! are you

wearied and troubled?" É o no 265 do The Christian Life Hymnal (Londres: National Young Life Campaign, 1953). N. do T.: Em português, no hinário Melodias de Vitória, é o hino n° 64.

11 Esta é a segunda estrofe de "O wa1k with Jesus", de Edwin Paxton Hood (1820-85), n° 557 do ChristianHymns.

12 "Eternamente gerado" é o termo teológico para o ensino bíblico de que a segunda pessoa da Trindade é Deus por toda a eternidade. É Deus exatamente da mesma forma que Deus Pai. É Deus por seu próprio direito. No entanto, tudo que ele é, deve a Deus Pai, de quem é distinto. Tal verdade é apenas uma parte do mistério da

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Trindade. Devido à revelação de Deus, podemos declarar o que é a verdade, mas, por sermos criaturas e pecadores, não podemos percebê-la em sua plenitude.

13 Devo este esboço a Irving L. Jensen (ver Prefácio). 14 Esta é a quarta estrofe do hino anônimo "All for Jesus! All for Jesus!"

encontrado em numerosos hinários impressos durante o século 20. 15 Mais uma vez sou devedor a W.H. Griffith Thomas pelo esboço que segue

(ver Prefácio). 16 Foi graças a Irving L. Jensen que vi pela primeira vez estes pontos

(ver Prefácio). 17 Segunda estrofe do conhecido hino When I survey the wondrous cross, de

Isaac Watts (1674-1748). É o no 263 do Christian Hymns. N. do T. Em português, encontra-se em Melodias do Maranata, n° 6 (Tradutor desconhecido. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1979).

18 Este é um esboço livre deste capítulo, mas obviamente baseado em

W. H. Griffith Thomas (ver Prefácio). 19 Esta é a resposta à Pergunta 534 ("A Missa é mera recordação do Calvário?")

do St. Peter s Catechism ofCatholic Doctrine aprovado pela Igreja Católica Romana no Reino Unido em 1972 (Liverpool e Londres: Print Origination, 1972, p. 49).

20 Esse é o comentário de C. I. Scofield sobre Ezequiel 43.19 na Scofield Reference Bible (Nova York: Oxford University Press, 1909, p. 890).

21 A sigla NVI representa a Bíblia Sagrada editada na Nova Versão Internacional. Marca registrada e direitos autorais reservados à Sociedade Bíblica Internacional © 1978, 1984. É publicada no Reino Unido pela editora Hooder and Stoughton.

22 A NVI, que traduziu tão bem Hebreus 11.1, está completamente equivocada aqui. O comentário que você está lendo é baseado na edição britânica da Bíblia Sagrada, New King James Version (Londres: Samuel Bagster, 1982), © Thomas

Nelson, Inc. , 1982. 23 A Septuaginta era a tradução do Antigo Testamento hebraico para o grego,

feita em Alexandria, Egito, no terceiro século a.C. Os escritores do Novo testamento muitas vezes fazem citações desta versão. A tradição diz que o trabalho foi feito por setenta estudiosos judeus. Daí o símbolo LXX (70 em algarismos romanos) ser frequentemente usado quando se faz referência à Septuaginta.

24 Por exemplo, compare Joel2.28-32 comA tos 2.1-39, eAmós 9.11-12 com Atos 15.6-31.

25 Ageu 2.6. 26 Ver Gênesis 18 e 19.

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T odo ~ristão precisa compreender a carta aos Hebreus sob pena de não conseguir entender o Antigo Testamento, bem como Jesus Cristo e a sua obra em favor do crente, a que ele já consumou e a que realiza ainda agora.

Ao longo dos anos, uma pilha de livros foi escrita sobre Hebreus, mas poucos tendo em vista o crente comum. Alguns são tão grandes e complicados que parece que nada mqis sobrou para ser dito. Os especialistas gostam de livros desse tipo, mas todas as outras pessoas continuam sem saber do que se trata.

Este livro que você tem em mãos não pretende ser a "palavra final': mas, talvez, para alguns, seja uma útil "palavra inicial': Procurei explicar Hebreus com a maior clareza possível.

Stuart 0/yott do Prefácio

Stuart Olyott é autor respeitado, conferencista e conselheiro de jovens pastores. Sua experiência com ministério pastoral é enorme, havendo já pastoreado em Londres, Liverpool e Lausane.

~ EDITORA CULTURA CRISTÃ www.editoraculturacrista.com.br

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