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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ PEDRO FELIPE WOSCH DE CARVALHO A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EM DIREITO PENAL CURITIBA 2008

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FEMPAR – FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

PEDRO FELIPE WOSCH DE CARVALHO

A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EM DIREITO PENAL

CURITIBA

2008

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PEDRO FELIPE WOSCH DE CARVALHO

A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EM DIREITO PENAL

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, na área de concentração em Direito Penal, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil - UniBrasil.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Kintzel Gracinao

CURITIBA

2008

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TERMO DE APROVAÇÃO

PEDRO FELIPE WOSCH DE CARVALHO

A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EM DIREITO PENAL

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista no curso de

Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito, Fundação Escola do

Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil,

examinada pelo Professor Orientador Marcelo Kintzel Graciano.

_____________________________

Prof. Dr. Marcelo Kintzel Graciano

Orientador

Curitiba, 18 de dezembro 2009.

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................................... 5

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 6

1 BREVE HISTÓRICO DO CONCEITO DE CONDUTA.............................................. 8

1.1 A CONDUTA E A TEORIA ANALÍTICA DO CRIME................................................ 8

1.2 A TEORIA CAUSAL-NATURALISTA.......................................................................... 10

1.3 A TEORIA SOCIAL DA AÇÃO...................................................................................... 12

1.4 A TEORIA FINAL DA AÇÃO......................................................................................... 13

2 O PROBLEMA DA CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EM

DIREITO PENAL.............................................................................................................. 16

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................................................................................... 16

2.2 PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL............................................................................. 17

2.3 A PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO DA AÇÃO.................................................... 19

3 A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA NO FINALISMO................. 22

3.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA DO SURGIMENTO DO FINALISMO........................... 22

3.2 FUNDAMENTOS DO FINALISMO............................................................................... 26

3.3 O CONCEITO ÔNTICO-ONTOLÓGICO DE AÇÃO NO FINALISMO....................... 28

3.4 A FUNÇÃO GARANTISTA DO CONCEITO FINAL DE AÇÃO................................. 30

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3.5 A PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO DA AÇÃO NO FINALISMO....................... 31

4 A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA NO PÓS-FINALISMO

FUNCIONALISTA............................................................................................................... 34

4.1 A RETOMADA DO NEOKANTISMO........................................................................... 34

4.2 A RETOMADA DA TEORIA SOCIAL DA AÇÃO....................................................... 36

4.3 O PENSAMENTO FUNCIONALISTA........................................................................ 37

4.4 A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA NO PENSAMENTO

FUNCIONALISTA................................................................................................................. 40

CONCLUSÃO....................................................................................................................... 44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 46

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RESUMO A análise da responsabilidade penal da pessoa jurídica deve ser feita, preliminarmente, a partir de sua capacidade de ação. Uma vez que não há delito sem conduta, somente se pode falar em pessoa jurídica criminosa quando a consideramos capaz de ação. Modernamente, o conceito penal de ação sofreu várias modificações sendo que cada teoria da conduta tem implicações distintas no campo da capacidade de conduta do ente coletivo. A teoria finalista da ação, que aparece como elemento basilar da teoria do delito, é incompatível com a capacidade de ação do ente coletivo porquanto se constrói sobre bases ontológicas. O pós-finalismo funcionalista, em que as diretrizes político-criminais fundamentam a dogmática penal, dá maior margem à aceitação da capacidade de ação do ente coletivo uma vez que retoma o método neokantiano, permitindo maior liberdade à atividade legislativa.

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INTRODUÇÃO

Ao imergir-se no estudo de qualquer tema afeto à teoria do delito, o operador do

direito deve ter um claro entendimento sobre cada um dos elementos que compõe o delito.

O tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica deve, necessariamente, ser analisado

criteriosamente sob todos os estratos da teoria do crime. A defesa do Estado Democrático

de Direito guarda íntima relação com o âmbito de aplicação do ius puniendi estatal uma

vez que este pode gerar uma drástica interferência na esfera jurídica dos indivíduos.

Responsabilizar penalmente quem quer que seja é um tema merecedor da mais acurada

análise.

A capacidade de ação apresenta-se como o primeiro limite a ser transposto para

que se chegue a uma conclusão acerca da possibilidade ou não de responsabilização do

ente coletivo. Assim, de antemão, para que não fique comprometido o completo

entendimento do tema, faz-se necessário trazer uma perspectiva histórica do conceito de

conduta, buscando entender as implicações decorrentes dos diferentes contornos que

adquiriu ao longo da história.

Em seguida, explanar-se-á sobre as diversas opiniões doutrinárias que foram

lançadas acerca da capacidade de ação do ente coletivo. Conforme se verá, as objeções

que se fazem a responsabilidade penal dos referidos entes reside em duas premissas

principais: a incapacidade de ação e a incapacidade de culpa das pessoas jurídicas.

Analisar-se-á, portanto, de forma mais detida a primeira destas premissas, que na ordem

analítica do crime também aparece liminarmente.

Em um próximo momento, será analisada a capacidade de ação do ente coletivo a

partir de um ótica finalista. Um direito penal filiado ao ideário finalista traz consigo

conseqüências para todos os elementos do crime, em especial, à teoria da ação, na qual se

operou a verdadeira mudança trazida por esse sistema de delito. A capacidade de ação da

pessoa jurídica, portanto, não fica alheia a esse modelo de crime, devendo ser analisada

sua compatibilidade com o referido sistema.

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Por derradeiro, far-se-á a análise da capacidade de ação do ente coletivo à luz do

movimento pós-finalista de ordem funcionalista, o qual representa uma oposição às bases

metodológicas do finalismo. A mudança de um pensamento finalista para um pensamento

funcionalista pode ter implicações importantes no que concerne à responsabilidade penal

do ente coletivo. A capacidade de ação, por sua vez, não fica à margem dessa proposta de

mudança estrutural feita pelo chamado sistema teleológico ou funcional de delito, que

busca construir o direito penal em fundamentos diversos daqueles propostos pelo

finalismo.

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1 BREVE HISTÓRICO DO CONCEITO DE CONDUTA

1.1 A CONDUTA E A TEORIA ANALÍTICA DO CRIME

A teoria do delito representa o principal segmento da dogmática penal, tendo por

escopo a análise de seus elementos para se chegar a um conceito que o defina

satisfatoriamente do ponto de vista científico e, principalmente, à luz do que preceitua a

legislação vigente.

Impera no direito penal contemporâneo o conceito de crime como conduta típica,

antijurídica e culpável. Trata-se de um conceito analítico, ou seja, escalonado,

apresentando diferentes níveis, de modo que a inexistência de um nível anterior exclui a

existência dos posteriores.

Com efeito, para saber se determinado fato é crime, o primeiro elemento a ser

analisado é a conduta humana, se o fato não representar uma conduta não pode ser crime.

Constatada a existência de uma conduta, segue-se para a próxima etapa, que consiste em

verificar se ela está individualizada pela lei penal como crime, isto é, se a conduta se

enquadra em algum tipo penal. O ajuste da conduta a um tipo penal confere-a tipicidade,

preenchendo-se assim mais um requisito do crime.

Uma vez constatado que existe conduta humana e que esta é típica, parte-se para a

análise do escalão subseqüente que é aqui representado pela antijuridicidade. A

antijuridicidade é a contrariedade da conduta típica com as demais normas do

ordenamento jurídico, isto é, além de estar enquadrada em um tipo penal, a conduta

precisa afrontar os demais comandos normativos, tendo em vista que existem normas que

permitem a realização de condutas típicas, como nos casos de legítima defesa, estado de

necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal (artigo 23

do Código Penal).

Para que haja delito, faz-se necessário ainda, que além de ser típica e antijurídica, a

conduta humana apresente um último elemento que é a culpabilidade. Portanto, uma vez

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aferida a antijuridicidade, pode-se partir para a verificação deste terceiro nível de desvalor

da conduta humana. Os preceitos da lei penal denotam a existência de condutas que

embora típicas e antijurídicas não podem constituir delito, devido a ausência deste

terceiro elemento chamado culpabilidade. Assim, por exemplo, não são culpáveis as

condutas de um agente que pratique ação típica e antijurídica, mas seja menor de 18 anos,

carecendo de imputabilidade, que é um dos requisitos da culpabilidade.

Como bem ensina Fábio André GUARAGNI: “a simplificação do manejo dos

fatos da vida que interessam ao direito penal dá-se pelo método analítico que, quanto mais

claro for à elaboração dos estratos que a compõe – o que ocorre pela diferenciação, tanto

quanto possível, destes estratos –, mais facilita o exame das hipóteses concretas.”1

Como se vê, a existência de um delito pressupõe que estejam presentes os

requisitos que perfazem cada um dos elementos. A criteriosa análise de cada um desses

elementos é feita pela teoria do crime, que partindo de diferentes abordagens com relação

a esses elementos, apresenta variados modelos de crime.

A conduta está localizada na base da teoria do delito, representando seu primeiro

pressuposto necessário. Nesse sentido, leciona Eduardo CORREIA:

Já deixamos claro que o facto criminoso, a infração, é o necessário ponto de partida do direito penal, sendo este sempre portanto, um direito penal de facto: em todo e qualquer delito a punição tem de arrancar de uma acção externa, de um comportamento que se exteriorizou. Por isso também o ponto de partida de toda a elaboração do direito criminal é a conduta, o comportamento humano, a acção em sentido lato como juízo teleológico, como negação de valores ou interesses pelo homem.2 Assim, historicamente, seja no modelo clássico de delito, desenvolvido por Listz e

Beling3, que busca suas raízes na filosofia naturalista, seja no modelo neokantiano de

1 GUARAGNI, Fábio André. As teorias sociais da conduta em direito penal: um estudo da

conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 36.

2 CORREIA, Eduardo. Direito criminal. Coimbra: Almedina, 2001. p. 231. 3 CIRINO DOS SANTOS, Juarez Cirino. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 2002. p. 11

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delito, que o sucedeu, ou ainda no modelo finalista, hoje adotado pela legislação

brasileira, a conduta sempre esteve no limiar do conceito de crime.

1.2 A TEORIA CAUSAL-NATURALISTA

A primeira tentativa de conceituação da ação humana que merece menção foi

trazida por Von Listz e Beling e melhor desenvolvido por Radbruch.4 Trata-se do

conceito causal de conduta, construído com base nas categorias científicas do

mecanicismo do século XIX.5

A concepção causal da conduta é fruto de seu tempo, tendo em vista que surgiu

numa época em que o universo era tido como uma grande cadeia de causas e efeitos, fruto

das concepções físicas de Isaac Newton. Dentro desse contexto, também a conduta

humana era entendida como sucessão de causas e efeitos. O delineamento da conduta

humana seguiu o pensamento filosófico vigente, buscando inspiração no positivismo

mecanicista. Não é outra a conclusão a que chega Luiz LUISI, para quem, no positivismo

naturalista, a realidade humana foi “reduzida a fenômenos naturais predeterminados, e as

ciências que dela se ocupam (entre elas a ciência do direito), se reduzem à pesquisa de

leis que expressam as relações de semelhança ou de sucessão, constantes e obrigatórias

entre os dados.”6

O conceito causal de conduta humana possui uma estrutura eminentemente

objetiva, isto é, a verdadeira vontade do agente que a pratica é abordada de forma muito

limitada. A conduta é resumida ao seu aspecto fenomênico, sendo a voluntariedade

abordada somente no que tange a ausência de coação física absoluta. O elemento

essencial da conduta seria a modificação no mundo exterior, atribuindo-se à vontade que

4 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral volume 1. 11. ed. atual.

São Paulo: Saraiva, 2007. p. 217. 5 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. op.cit. p. 11. 6 LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. Porto Alegre: Fabris,

1987. p.32-33.

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dirige a ação um papel secundário. Em linhas gerais, a conduta era definida como o

movimento corporal voluntário que causa uma modificação no mundo exterior.

Fica claro que nesse modelo de conduta humana, o direito penal, ciência do dever

ser, faz uso de um método que é próprio das ciências do ser, qual seja: o de observar e, em

seguida, descrever um fenômeno. O direito penal teve de se adaptar aos imperativos

científicos de sua época, pois aquilo que não fosse explicado através de uma relação de

causa e efeito não seria digno de merecer tratamento científico.7

Nota-se o aspecto predominantemente objetivo da conduta humana segundo a

teoria causal na obra de Franz Von LISTZ, para quem ato “es la conducta (Verhalten) en

el mundo exterior; causa voluntaria o no impediente de un cambio en el mundo externo.”8

A respeito do conceito causal de conduta, Francisco Muñoz CONDE assim

leciona:

Segundo esta teoria, o importante para estabelecer o conceito de ação é que o sujeito tenha atuado voluntariamente. O que o sujeito quis (quer dizer, o conteúdo de sua vontade) é, inobstante, irrelevante e só interessa ao setor da culpabilidade. A teoria causal reduz, pois o conceito de ação a um processo causal, prescindindo, por conseguinte, da vertente da finalidade.9 A ênfase objetiva da teoria causal denota uma despreocupação com o aspecto

psicológico da conduta. A idéia de que a conduta é simplesmente um movimento

voluntário mostra-se insuficiente, já que não engloba nela a finalidade a que ela se dirige.

Não se leva em consideração, portanto, o conteúdo da vontade do agente ao praticar a

ação. Não há uma real preocupação com o que o agente realmente quis com aquele ato.

Considerar que a vontade na ação resume-se a um movimento corporal, representa

esvaziar a conduta de um elemento fundamental, qual seja, a finalidade do agente. Assim,

o conceito causal-naturalista de conduta demonstrou-se suscetível de inúmeras críticas.

Mencione-se que esse modelo de ação apresenta enorme dificuldade em compatibilizar-se

7 GUARAGNI, Fábio André. op.cit. p.64. 8 LISTZ, Franz Von. Tratado de derecho penal. Tradução de Luis Jimenez de Asua. 4. ed.

Madrid: Réus, 1999. p. 297. 9 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Trad. Juarez Tavares; Luiz Regis Prado.

Porto Alegre: Fabris, 1988. p.13

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com a tentativa, com crimes culposos e com crimes omissivos, tendo em vista seu

artificialismo conceitual.10

1.3 A TEORIA SOCIAL DA AÇÃO

O movimento mecanicista que inundou o direito penal no final do século XIX foi,

em parte, brecado por um período que se chamou de fase neokantiana, assim chamada por

enraizar-se no pensamento de Emmanuel Kant. Nesta fase, buscou-se transladar o direito

penal do campo das ciências dos fenômenos naturais para o campo das ciências dos

fenômenos culturais. No dizer de Fábio André GUARAGNI, “o neokantismo, neste

diapasão, representou um resgate do valor científico das ciências do espírito. Reintroduziu

a noção de que o direito penal, como, aliás, os demais ramos do direito, não estavam

situados dentre as ciências do ser, mas perfilavam-se como ciência cultural, ciência do

dever-ser, sem que isso implicasse degeneração ou perda de sua qualidade científica.”11

Nesse sentido, explana Luiz LUISI que:

A chamada teoria social da ação recusa-se a entender a ação como mero fenômeno fisiológico, sob o ponto de vista das ciências naturais. A ação, para o direito penal, não pode se limitar a ser somente uma modificação no mundo físico. È um conceito valorado, posto que ela somente existe no meio social. Daí por que ela é definida pelos adeptos da teoria social da ação.12

Por conseguinte, o conceito de conduta foi inserido num modelo de pensamento

que não mais exigia um apego à realidade, adquirindo um perfil predominantemente

valorativo. A teoria social da conduta pretendeu definir a ação a partir de seu caráter

transcendental, isto é, considerar-se-ia conduta aquilo que tivesse relevância social, a

partir da premissa que “apenas as condutas que transcendem a terceiros, fazendo parte do

interacionar humano; apenas as ações que fazem parte desta interação podem interessar ao

10 GUARAGNI, Fábio André. op.cit. p.82. 11 Ibidem. p.94 12 LUISI, Luiz. op. cit. p.34.

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direito penal, e não aquelas que não transcendem o âmbito individual (escovar os dentes,

barbear-se etc.).”13

Assim, na ótica da teoria social, a conduta não seria um movimento muscular

voluntário, mas sim, todo ato que perpassasse a esfera individual e interferisse na vida

coletiva.

No entanto, seja pela imprecisão valorativa a que deu causa, seja por seu desapego

à realidade, a teoria social da ação também foi merecedora de diversas críticas. É válido

mencionar, a título de exemplo, que a ficção jurídica originada a partir da teoria social faz

com que alguns fatos que na realidade são uma conduta, como o ato de lavar as mãos ou

de trocar de roupa, deixem de o ser para o direito penal pelo simples fato de não terem

relevância social. Ademais, mencione-se que, com um conceito tão valorativo de conduta,

o âmbito de liberdade do legislador no sentido de criar normas incriminadoras fica

bastante ampliado, o que pode ser perigoso para o indivíduo, tornando-o mais suscetível a

abusos.

1.4 A TEORIA FINAL DA AÇÃO

A separação entre a vontade e seu conteúdo, pregada pela teoria causal-naturalista

de conduta, só foi derrubada pela teoria de Hans Welzel, que propôs o conceito finalista

de conduta humana.

A teoria final da ação promoveu o fim da rigorosa separação entre os aspectos

objetivos e subjetivos da ação e do próprio injusto. A conduta passou a não mais ser vista

apenas por seu caráter puramente causal e objetivo. É inegável que o conceito de conduta

deve também açambarcar, como elemento constitutivo, o conteúdo da vontade do agente,

sendo inevitável a queda do modelo clássico de fato punível. De acordo com a teoria

desenvolvida por Hans WELZEL:

13 ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal

brasileiro: parte geral. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 425.

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La acción humana es ejercicio de actividad final. La acción es, por tanto, um acontecer “final” y no solamente “causal”. La “finalidad”, o el carácter final de acción, se basa en que el hombre, gracias a su saber causal, puede prever, dentro de ciertos límites, las consecuencias posibles de su conducta, asignarse, por tanto, fines diversos y dirigir su actividad, conforme a um plan, a la consecución de estos fines. Gracias a su saber causal prévio puede dirigir sus diversos actos de modo que oriente el suceder causal externo a um fin y lo domine finalmente.14

Assim, a conduta perde seu caráter unilateral, acrescentando-se a ela, além de seu

aspecto objetivo, uma faceta subjetiva fundamentada na finalidade do agente que a

pratica. O aspecto volitivo passa a ser um fator basilar do conceito de conduta,

considerando que a ação objetiva deve ser, necessariamente, guiada por um fim. Seria

inconcebível imaginar que a conduta poderia ser separada da vontade, e que esta pudesse

ser separada de sua finalidade.

Explica Cezar BITTENCOURT que

[...] para Welzel a vontade é a espinha dorsal da ação final, considerando que a finalidade baseia-se na capacidade de vontade de prever, dentro de certos limites, as conseqüências de sua intervenção no curso causal e de dirigi-lo, por conseguintemente, conforme a um plano, à consecução de um fim.15

O conceito final de ação permite que a conduta seja analisada a partir de seus

diferentes elementos, tanto no plano externo como no plano interno, em assim sendo, o

fazer externo guarda estreita ligação com a vontade de realização, que compreende a

finalidade em si e as conseqüências unidas à obtenção dessa finalidade. Obtém-se assim

uma unidade subjetiva e objetiva da ação humana, o que acarreta uma mudança no

modelo de crime.

É imperioso mencionar que o modelo de conduta ofertado pela doutrina de Welzel

tem por pressuposto a idéia de que o direito penal não deve criar um conceito de conduta

autônomo, mas sim definir o que a conduta é a partir de sua realidade. Vale dizer, a

14 WELZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal: una introducción a la doctrina de la

acción finalista.Buenos Aires: B de F, 2004. p 41. 15 BITTENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. p. 220.

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conduta humana é um ente predefinido que passa a ser objeto da disciplina jurídica.

Conforme explicação de Luiz LUISI: “o tipo penal, como imperativo lógico das

premissas filosóficas postas por Hans Welzel e seus epígonos, é uma mera descrição da

realidade ordenada e valorada da ação humana.”16

Observa-se, claramente, na teoria finalista, que a realidade é o ponto de partida do

conceito de conduta, pois se na realidade as condutas são fazeres guiadas por um fim,

também no direito o serão. Assim, ao direito cabe tão somente valorar condutas, as quais,

em sua essência, já seriam condutas independentemente de o direito assim as considerar.

Por essa razão, o conceito final de ação é considerado ôntico-ontológico.

16 LUISI, Luiz. op cit. p. 41.

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2 O PROBLEMA DA CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EM

DIREITO PENAL

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Conforme já foi dito, o delito possui três escalões de desvalor aos quais

determinada conduta deve subsumir-se a fim de que se perfaça o crime. A análise da

tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade tem como pressuposto necessário a

análise da existência, ou da inexistência, de uma conduta. Destarte, enfrentar o problema

da responsabilidade penal de quem quer que seja, pessoa física ou jurídica, é enfrentar

inicialmente a questão da capacidade, ou da incapacidade, desse sujeito de praticar uma

conduta.

Nesse passo, leciona Luis Gracia MARTÍN:

Si las personas jurídicas no son capaces de acción y no pueden realizar, en consecuencia, acciones típicas y antijurídicas, no podrán ser tampoco sujetos del juicio de peligrosidad criminal ni podrán serles impuestas tampoco medidas de seguridad del Derecho penal, dado que aquéllas son, precisamente, el fundamento de éstas.17

Dentre os argumentos de que se tem socorrido a doutrina tradicional para sustentar

a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, destaca-se a afirmação de que as pessoas

jurídicas são incapazes de ação. Assim, é digna de irrestrita atenção a aludida

incapacidade pois, ao menos do ponto de vista mais tradicional, a exclusão da pessoa

jurídica do poder de punir do Estado far-se-ia já no primeiro estrato analítico do crime. É

válido mencionar que também a incapacidade de culpabilidade e a incapacidade de pena

são, comumente, invocadas em favor da irresponsabilidade penal dos referidos sujeitos de

direito, porém, seguindo uma linha de raciocínio que obedece ao posicionamento lógico

dos elementos do crime, a questão da capacidade de ação precede as duas outras

17 MARTIN, Luis Gracia. La cuestion de la responsabilidad penal de las propias personas

jurídicas. p. 35-78. In: PRADO, Luiz Regis (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 47

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mencionadas incapacidades. Desse modo, analisar a capacidade criminal ativa de uma

pessoa jurídica, representa também analisar sua adequação ao conceito jurídico-penal de

ação.

2.2 PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL

O papel que a pessoa jurídica desempenha na atual conjectura da sociedade tem

adquirido uma importância cada vez maior. Numa tentativa de estar em sintonia com as

mudanças sociais e econômicas, o direito penal atual foi munido de um novo mecanismo

incriminador que permite ao Estado exercer seu ius puniendi também contra as pessoas

jurídicas.

Salutar é o comentário de Walter Claudius ROTHENBURG a respeito da

estranheza que advém da previsão de responsabilidade penal do ente coletivo:

Com efeito, o empresário não representa a figura tradicional do criminoso. Antes, com seus modos cultivados, sua elegante e bem apanhada aparência, provoca uma respeitabilidade e uma devoção características de uma sociedade capitalista em que ele representa o modelo de indivíduo bem sucedido, em quem a população idealmente se projeta. Os demais detentores de poder na comunidade, quando não sofrem o mesmo influxo, identificam-se com esse semelhante, oriundo de uma mesma formação e condição sócio-econômica. O empresário participa antes como formulador das políticas criminais, partícipe do lado repressor e provedor do sistema, agente da sociedade tão ou mais interessado em manter seus bens a salvo da criminalidade clássica.18

A responsabilidade criminal da pessoa jurídica prevista no art. 225, §3º da

Constituição Federal tem sido força impulsionadora de intrincados debates dentro da

doutrina penal. Seja pela divergência interpretativa a que se submeteu o referido

dispositivo constitucional, seja pela flagrante objeção deflagrada na doutrina, seja, ainda,

pelo caráter novel de sua previsão no direito pátrio, a responsabilização penal da pessoa

jurídica é tema merecedor da mais atenta análise pelo operador do direito.

18 ROTHENBURG,Walter Claudius. A pessoa jurídica criminosa: estudo sobre a sujeição

criminal ativa da pessoa jurídica. Curitiba: Juruá, 2005. p.43.

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Ainda segundo Walter Claudius ROTHENBURG: “a “inovação” constitucional

encontra, contudo, uma discussão de longa data. Se a resolve no plano do Direito positivo,

por outro lado não deixa de se inspirar largamente em posições doutrinárias e

experiências legislativas e jurisprudenciais.”19

Assim, preceitua o art. 225, §3º da Constituição Federal: “as condutas e atividades

consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou

jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar

os danos causados.” Debruçada sobre o referido preceito normativo, a doutrina nacional

emitiu os mais variados pareceres acerca de sua compatibilidade com os princípios

basilares do Direito Penal. Trata-se de um debate de várias frontes e ainda em construção.

Cumpre, no entanto, enfatizar que, independentemente do debate travado acerca da

legitimidade constitucional da responsabilização criminal da pessoa moral, o texto da

Carta Magna nada diz a respeito da adequação dessa responsabilidade à estrutura analítica

do crime, isto é, não explica como a pessoa jurídica deve ser encarada em cada um dos

escalões elementares do crime.

Vale dizer, se o texto constitucional realmente prevê que pessoas jurídicas podem

ser sujeitos passivos em direito penal, então considera que as pessoas jurídicas podem ser

sujeitos ativos de uma conduta. Ora, se assim não fosse chegar-se-ia à conclusão de que a

texto constitucional prevê crimes sem conduta, o que soa um tanto “herético” em matéria

criminal. Porém, a mera assunção de que a Constituição Federal aceita a capacidade de

ação da pessoa jurídica não resolve o problema prático da adaptação dessa capacidade à

concepção de conduta que se tem dentro da teoria do crime. Destarte, conclui-se que o

texto constitucional não enfrenta de forma direta o problema da capacidade de ação da

pessoa jurídica.

19Ibidem. p.32.

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19

2.3 A PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO DA AÇÃO

É comum definir-se o crime como sendo conduta humana, típica, antijurídica e

culpável. Destaque-se aqui que o vocábulo “humana” invariavelmente aparece associado

à conduta, de modo que, em direito penal não se concebe conduta que não seja humana,

donde se extrai que pessoas jurídicas são incapazes de “agir” penalmente. Desse modo,

imperioso se faz descobrir se à pessoa jurídica pode ou não ser imputado o “agir”

criminalmente relevante. Assim, a primordial indagação que se deve responder quando se

trata do tema da responsabilidade penal do ente coletivo, está no seio do conceito de ação,

isto é, deve-se saber se é a pessoa jurídica que age, munida de vontade e consciência

próprias, ou se tão somente o ser individual pode ser sujeito ativo de um “agir” consciente

e voluntário.

As diferentes teorias que se propuseram a definir conduta desde o século XIX

buscaram colocar somente o homem como seu destinatário. Depreende-se, pois, que o

sujeito ativo da ação, em direito penal, é a pessoa humana. É esse o entendimento de

JESCHEK e WEIGEND para quem

Las personas jurídicas y las asociaciones de personas solo tienem capacidad de actuar por medio de sus órganos por lo que no pueden ser castigadas por sí mismas. Además, frente a ellas la desaprobación ético-social que reside en la pena no pode tener ningún sentido, porque un reproche culpabilístico sólo puede alzarse frente a personas individuales responsables y no frente a miembros no intervenientes o frente a uma masa patrimonial. La punibilidad de colectivos de personas es incompatible com la estructura teórica del Dercho penal alemán, especialmente com los conceptos de acción y de culpabilidad.20

Referindo-se ao tema Walter Claus ROTHENBURG ensina que:

É sabido que, por razão histórica até, os conceitos de “comportamento”/ “ação”, “consciência”, “vontade”, foram pensados a partir do ser humano e sempre com referência a ele, e o significado deles havia de ser buscado na única realidade então admitida, qual a humana. Somente o homem seria dotado de dignidade, portanto capaz de entender o caráter delituoso de sua conduta e

20 JESCHEK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal: parte general.

Trad. Miguel Olmedo Cardenete. 5. ed. Granada: Comares, 2002. p. 243.

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determinar-se de acordo com esse entendimento (ou seja, de manifestar uma vontade criminosa), podendo ser reprovado (moral ou socialmente) pela opção que fizesse – é a noção de culpa relativa exclusivamente ao ser humano.21

Defendendo que a pessoa coletiva é incapaz de ação na ordem penal e fazendo

alusão aos aspectos subjetivos da conduta, Luiz Régis PRADO assim assevera:

De primeiro, ressalta à evidência que a pessoa coletiva não tem consciência e vontade – em sentido psicológico – semelhante à pessoa física, e, com isso, capacidade de autodeterminação, faculdades que necessariamente hão de ser tomadas por empréstimo aos homens. Isso vale dizer: só o ser humano, enquanto pessoa-indivíduo, pode ser qualificado como autor ou partícipe de um delito. Daí a máxima nullum crimen sine actione e o seu indispensável coeficiente de humanidade.22

Assim, somente o comportamento do homem estaria enquadrado no conceito de

conduta. Não é outra a conclusão a que chegou Francisco Muñoz CONDE ao afirmar que

“não podem ser sujeitos de ação penalmente relevante, ainda que possam sê-lo em outros

ramos do ordenamento jurídicos, as pessoas jurídicas (societas deliquere non potest).”23

Seguindo o mesmo raciocínio, Eduardo CORREIA defendeu que “só o comportamento

humano, a negação de valores pelo homem pode considerar-se uma ação no sentido

descrito.”24 Ainda segundo o mesmo autor “a irresponsabilidade jurídico-criminal das

pessoas colectivas deriva assim logo da sua incapacidade de acção e não apenas, como

querem alguns, de sua incapacidade de culpa.”25

Vale-se, portanto, parte da doutrina, de um argumento inicial para a exclusão da

responsabilidade criminal do ente coletivo, qual seja, sua incapacidade de ser sujeito ativo

de uma ação, a partir da consideração de que somente a pessoa humana detém tal

capacidade.

21 ROTHENBURG, Walter Claudius. op. cit. p.167. 22 PRADO, Luiz Regis.Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. p.

101-136. In: PRADO, Luiz Regis (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 104.

23 CONDE, Francisco Muñoz. op. cit. p.15. 24 CORREIA, Eduardo. op. cit. p. 234. 25 Idem.

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21

É o que preleciona Eugênio Raul ZAFFARONI ao afirmar que “la mayor parte de

la doctrina se inclina por considerar que no se trata de una mera cuestión legal, sino que la

persona jurídica es incapaz de acción, aunque no faltan quienes fundan el societas

delinquere non potest (o universitas delinquere nequit potest) en la incapacidad de

tipicidad o de culpabilidade y aun de pena.”26 Referindo-se ao direito espanhol Silvina

BACIGALUPO afirma que “aún hoy, tanto la doctrina mayoritária como la

jurisprudencia, en nuestro país, entiende que las personas jurídicas no son capaces de

acción.”27

De conseguinte, diferentemente do que ocorre no âmbito civil, em que as pessoas

jurídicas são capazes de ação, na seara penal, os moldes da definição de conduta são, no

entender de muitos, incompatíveis com a natureza da pessoa coletiva.

26 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Derecho penal: parte general. 2 ed. Buenos Aires: Ediar,

[2002?]. p. 427. 27 BACIGALUPO, Silvina. La responsabilidad penal de las personas jurídicas. Barcelonoa:

Bosch, 1998.

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22

3 A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA NO FINALISMO

3.1 PERPECTIVA HISTÓRICA DO SURGIMENTO DO FINALISMO

Conforme já se disse, a teoria da ação no final do século XIX, teve seu conceito

principal proposto por Franz von Listz, na Alemanha. No esquema proposto pelo referido

jurista, a conduta é tida, em linhas gerais, como uma causação voluntária de um resultado

naturalístico. Tal definição tem como pano de fundo para sua estruturação o positivismo

naturalista, o qual, à época, foi determinante para a edificação da teoria do delito. O

desenvolvimento do direito penal nesse período, principalmente após a contribuição de

Ernst Von Beling na alocação metodológica da tipicidade como estrato analítico do delito

anterior à antijuridicidade e à culpabilidade, resultou num sistema analítico de crime

chamado “objetivo-subjetivo”. O referido sistema dividiu o delito em duas metades não

convergentes, uma delas sendo de índole objetiva, na qual se situavam a tipicidade e a

antijuridicidade, e a outra de índole subjetiva, na qual se alocou a culpabilidade, tida

como o nexo psicológico existente entre o sujeito e o resultado causado. Assim, no bojo

desse sistema, também chamado de sistema clássico de delito ou sistema Listz e Beling,

encontra-se um injusto objetivo e uma culpabilidade subjetiva.

O método trazido por Listz para a definição da conduta e para a construção da

teoria do delito foi extraído das ciências da natureza, e nela buscou sua validade. O

apogeu do positivismo naturalista, fundado na idéia de que o conhecimento humano

precisa ser comprovado “pelos critérios das ciências exatas e naturais”28, implicou na

adoção de sua abordagem metodológica não só no campo das ciências da natureza, mas

também no campo do direito.

Assim assevera Santiago Mir PUIG:

28 GURAGNI, Fábio André. op. cit. p. 63.

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23

Se creyó que el único concepto de “ciencia” valedero era el concepto positivista de ciencia, según el cual, salvo la lógica y las matemáticas, solo el método experimental proprio de las ciencias de la naturaleza caracteriza a una actividad como científica. La resonancia que alcanzó la conferencia que ya en 1847 pronunciara Kirchmann em contra del carácter científico del derecho, no fue sino un anuncio que reflejó el ambiente cultural “cientifista” que triunfaría en la segunda mitad del siglo XIX. Era lógico que la única salvación del carácter científico del derecho se viese en la incorporación al mismo de los métodos científicos-naturales. Éste fue el programa metodológico del positivismo naturalista que en Alemania inició Von Listz.29

O ápice das ciências naturais, com o conseqüente declínio de tudo aquilo que fosse

metafísico, fez com que a validade do direito enquanto ciência, naquele tempo, estivesse

condicionada à adaptação de sua matriz filosófica às aspirações do pensamento

dominante. A teoria do crime impregnou-se assim de conceitos próprios das ciências do

mundo fenomênico, calcados no método empírico, despojando-se o máximo possível de

conceitos valorativos. Observa-se que a abordagem metodológica trazida para o direito

penal é um tanto paradoxal, uma vez que imprime severas marcas avalorativas em um

ramo do conhecimento em que os valores têm fundamental importância.

A respeito do método naturalista, do qual se valeu o direito no final do século XIX,

explica Fábio André GURAGNI:

Este método é próprio da física mecanicista-newtoniana, que antecedeu a física quântica, podendo-se formular como exemplo de sua utilização a ilação que produz a lei da gravidade, extraída da repetição de experiência demonstrativas de que os objetos de menor massa são atraídos pelos de maior massa. Também é apropriado para a medicina, a biologia – pense-se nos trabalhos descritivos de anatomia, calcados no observar e descrever. Enfim, o método a toda evidência está voltado às ciências do ser, aquelas que apreendem o mundo sob forma de natureza, buscando considerá-la com é na realidade.30

É necessário, entretanto, esclarecer que não foi só por uma questão filosófica que

se modelou o sistema clássico do delito, mas também por razões de política criminal.

Com a ascensão política do proletariado, não mais contente com as liberdades meramente

formais proporcionadas pelo chamado Estado liberal, que se desenvolveu no período que

29 PUIG, Santiago Mir. Introducción a las bases del derecho penal. 2. ed. Buenos Aires: B de F,

2003. p. 197. 30 GURARAGNI, Fábio André. op. cit. p.64.

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sucedeu a Revolução Francesa, o surgimento do chamado do Estado social ou

intervencionista precisaria de um direito penal que pudesse exercer uma efetiva função

preventiva.31 Desse modo, o direito penal teria de responder ao aumento da criminalidade

no proletariado, o qual passava pela sofrível adaptação à sociedade industrial.32

Olvidando-se às aspirações político-criminais da época, nota-se que,

diferentemente do que ocorria no período pré-causal, o direito penal, seguindo a tendência

de seu tempo, buscava firmar raízes profundas no solo da realidade empírica, relegando

ao segundo plano toda a carga axiológica. Assim, a insuficiência do método positivista,

que no campo da teoria da ação demonstra-se em sua incompatibilidade com a tentativa,

com crimes omissivos e com crimes culposos, levou-o ao declínio.

A reação ao sistema positivista realizou-se entre a segunda e a terceira décadas do

século XX, também na Alemanha, através de um sistema de diretrizes opostas, lastreado

na filosofia de Emmanuel Kant, e por esse motivo chamado de neokantiano. Assim

escreve Francisco Munõz CONDE:

Este proceso de transformación que sufre el originário sistema de Listz y Beling se caracteriza por el intento de referir a valores las categorias de la teoría general del delito, mostrando así la influencia manifesta de la filosofía neokantiana que en esta época tuvo su máximo esplendor y reflejo entre los penalista alemanes, y por el afán de sustituir el formalismo positivista por un positivismo teleológico.33

A proposta de renovação filosófica trazida nesta fase teve como característica a

imersão do direito penal nos rudimentos das ciências valorativas, formando-se o chamado

sistema neoclássico de delito. É o que explana ZAFFARONI:

La crisis de la garantía filosófica de la ciencia causal y de la física newtoniana y las dificultades prácticas del anterior modelo, sirvieron para impulsar una renovación de las fuentes ideológicas de sustentación, pero sin variar mucho el modelo mismo. La culpabilidad necesitaba critérios objetivos, porque de lo contrario no podía abarcar la culpa inconsciente o sin representación, por

31 PUIG, Santiago Mir. op. cit. p. 196-197. 32 Idem. p. 197 33 CONDE, Francisco Muñoz. Introducción al derecho penal. 2. ed. Buenos Aires: B de F,

2003. p. 262.

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lo cual se reemplazó la descripción anterior por un criterio valorativo (teoría normativa de la culpabilidad, entendida como reprochabilidade). Algunos tipos no podían definirse sin elementos subjetivos, por lo que se reconició su presencia en el injusto. La acción al estilo lisztiano se salvaba com la construcción de um concepto que abandonó la pretensión de naturalismo descriptivo y pasó a ser normativo; el injusto seguía siendo predominantemente objetivo, aunque daba entrada a algunos elementos subjetivos mediante el recurso de renunciar también aquí a lo descriptivo, para definirlo como concepto valorativo; la culpabilidad pasó a ser un juicio en base a una norma de determinación (un imperativo). Sin duda que apelar a las valoraciones y abandonar la sistemática descriptiva fue um paso muy importante (su más alto desrrollo carrespondió a Mezger).34

A filiação do direito penal ao sistema neokantiano implica na desnecessidade de

obediência às estruturas da realidade, munindo-o de um caráter predominantemente

valorativo. Assim, nada daquilo que fosse relacionado ao mundo do “ser” seria vinculante

ao mundo dos deveres, de modo que ao direito é dado criar estruturas próprias,

desgarradas dos mandamentos empíricos. Esse sistema apresenta-se como mais toante às

ciências do espírito, contrapondo-se ao método de observar e descrever. Consoante

explanação de Santiago Mir PUIG:

El neokantismo recorrió un camino distinto para fundamentar el concepto de ciências del espíritu con independencia respecto del concepto positivista de ciencia. No se fijó en la diferencia de objeto, sino de método. La ciencia del derecho, como las demás ciencias del espíritu y como las ciencias positivas, debe su carácter científico a la utilización de un determinado método que reúne ciertos requisitos. Por encima de esta coincidencia genérica, el método todo propio de las ciencias del espíritu no puede coincidir con el empleado por las ciencias positivas.35

Assim, se nas ciências da natureza o objeto de estudo é representado por um

fenômeno, que pode ser mensurado, observado, testado, quantificado, etc., no âmbito da

ciência jurídica, o objeto de estudo são os valores, o que não permite que se faça uso das

mesmas ferramentas do sistema positivista. De conseguinte, a maneira de produzir

conhecimento é diferente conforme o ramo da ciência em que se está.

Como já se disse, na seara da teoria da conduta a influência neokantiana deu

origem à teoria social da ação. Nos conceitos sociais da conduta o ponto determinante é a

34 ZAFFARONI; Eugênio Raul. op. cit. p. 381. 35 PUIG, Santiago Mir. op. cit. p. 212.

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sua relevância social. O desapego à realidade pode ser observado na medida em que a

aferição do que venha a ser ou não ser relevância social depende exclusivamente de uma

opção legislativa. Neste diapasão, a preocupação do direito neste período está em criar

uma teoria da conduta que bem atenda à suas necessidades, pouco importando que esse

conceito seja insuscetível de verificação empírica. A idéia de que o conceito de ação deve

ser extraído do direito e não da realidade faz com que o direito penal adote um conceito

que não é necessariamente o mesmo de outras ciências. Aliás, é dessa ousada pretensão de

afirmar que só é conduta aquilo que tiver relevância social que deriva a crítica que se faz

à teoria social da ação.

A ruptura do neokantismo se deu com o aparecimento do finalismo na década de

trinta, a partir do qual o direito penal voltou a apegar-se à realidade, buscando nas

estruturas objetivas o fundamento para a teoria da ação.

3.2 FUNDAMENTOS DO FINALISMO

Se o sistema neoclássico de delito teve com característica a separação entre o

mundo do ser e o mundo dos valores, numa época em que o neokantismo domina o

pensamento jurídico-penal, o finalismo, introduzido por Hans Welzel, representa um

movimento de reestruturação do direito penal a partir de uma nova metodologia. Do ponto

de vista neokantiano, o conhecimento científico das ciências do espírito deve ser pautado

por conceitos subjetivos prévios que se aplicam ao objeto36, em contraste, no pensamento

finalista de Welzel, o conhecimento científico deve ser produzido a partir de estruturas da

realidade que são as mesmas para todas as ciências, sem que se apliquem valorações

prévias ao objeto de estudo, de modo que aquilo que em sua realidade é verdadeiro em

um campo do conhecimento também deve ser em outro.37

36 PUIG. Santiago Mir. op. cit. p. 226. 37 BACIGALUPO, Silvina. op. cit. p. 106.

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O finalismo, portanto, parte do princípio que os objetos precedem às idéias,

contrapondo-se à teoria idealista do conhecimento, segundo a qual as idéias preexistem

aos fatos. Nesse sentido, o conhecimento jurídico-penal deve ser produzido não a partir de

uma realidade valorada, mas a partir de uma realidade objetiva, que serviria como objeto

de estudo de outros ramos da ciência. A realidade objetiva e o mundo dos valores, que no

modelo neokantiano mantinham relação de independência, voltam a se entrelaçar no

finalismo, em que os valores só podem recair sobre uma realidade previamente ordenada.

Buscando exprimir o âmago do teoria finalista Francisco Muñoz CONDE explica

que “su punto de partida era la vinculación del derecho a las estructuras lógico-objetivas,

es decir, a las estrcturas del ser tal como este aparece en la realidad.”38 Desse modo, se o

direito penal pretendesse, por exemplo, censurar uma determinada conduta porque

praticada por uma pessoa do sexo masculino, teria que respeitar a idéia de masculinidade

que se extrai da realidade, sendo vedado criar-se um conceito jurídico de homem. Assim,

aquele que é homem para o direito também o é para a sociologia, para a filosofia, para a

biologia, etc.

A essa conclusão chega Silvana BACIGALUPO:

La perspectiva desde la que el Derecho penal estudia los objetos no “crea” objetos nuevos, sino que los considera desde otros puntos de vista o con otra complejidade, pero siguen siendo los mismos objetos que se estudian en la física, en la química, en la medicina, en la psiquiatria o en la psicologia. Por esta razón, no es posible dejar de considerar los resultados a los que las otras ciencias llegan en torno a un mismo objeto.39

O finalismo toma como ponto de partida o mundo fenomêncio tal como se

apresenta. Com efeito, uma regra que determinasse que é vedado ao homem ter uma

altura corporal superior a um metro e noventa centímetros seria carente de eficácia

justamente por não respeitar a estrutura lógica imposta pela realidade. Pelo método

finalista, não é dado ao direito como ciência do espírito criar uma realidade própria,

38 CONDE, Franciscom Muñoz. op. cit. p. 262. 39 BACIGALUPO, Silvina. op. cit. p. 106.

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senão, tão somente, atribuir valores a essa realidade tal como ela é. Destarte, na

formulação de conceitos jurídico-penais, o direito está limitado pela essência da realidade.

3.3 O CONCEITO ÔNTICO-ONTOLÓGICO DE AÇÃO NO FINALISMO

O embasamento teórico do finalismo trouxe consigo um modificação na noção de

conduta. A adoção da teoria aristotélica de conhecimento, feita pelo finalismo, segundo a

qual os fatos precedem as idéias, em contraposição à teoria idealista de Platão, para a qual

as idéias preexistem aos fatos, leva a conclusão de que as normas jurídicas tão somente

fornecem dados relativos à conduta e são incapazes de modificar o seu ser. Dessa forma, a

conduta não é uma criação do direito, mas sim um fato social a ele antecedente.

Ao fazer um juízo de valor sobre a conduta, o direito agrega a ela carga axiológica,

sem, no entanto, modificá-la. Dessa forma, “o desvalor não pode alterar o objeto, porque

se o altera estará desvalorando algo distinto do objeto.”40 Não ocorre a modificação da

essência da conduta pelo simples fato de recair sobre ela a reprovação do legislador.

Assim, diz-se que a lei exerce sobre a conduta um ato de conhecimento, quer dizer, uma

ação que se limita a descrever e valorar a conduta sem modificar sua existência enquanto

ente.

Explica Francisco de Assis TOLEDO que:

Parte a doutrina em exame de um conceito ontológico de ação humana. E assim procede por considerar, sem rodeios, que o ordenamento jurídico também tem os seus limites: pode ele selecionar e determinar quais os dados da realidade que quer valorar e vincular a certos efeitos (efeitos jurídicos), mas não deve pretender ir além disso, porque não pode modificar os dados da própria realidade, quando valorados e incluídos nos tipos delitivos. Isso significa que a ciência penal, embora tenha sempre como ponto de partida o tipo delitivo (Tatbestand), necessita transcendê-lo para descer à esfera ontológica e, com isso, conseguir corretamente compreender o conteúdo dos conceitos e igualmente o das valorações jurídicas.41

40 ZAFFARONI; Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. op. cit., p. 408. 41 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4ª Ed. Saraiva: São Paulo,

1991. p. 96.

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A decisão do legislador de reprovar determinada conduta como “matar alguém”

simplesmente atribui a essa conduta um valor negativo, sem trazer qualquer modificação

sobre o “ser” da conduta realisticamente entendido. A própria estratificação do conceito

de crime impõe que se considere a conduta como um ente autônomo na teoria do delito,

bastando ao direito penal atribuir a determinada conduta o desvalor que entender justo,

sem apresentar-lhe um conceito.

Destarte, chega-se à conclusão que o direito penal não altera o conceito de conduta.

A conduta humana é para o direito penal o mesmo que ela é para outras ciências. O direito

penal não modifica o conceito de ação humana, limita-se a conhecê-la e valorá-la, sem a

pretensão de impor a ela um conceito.

Assim ensina Eduardo CORREIA:

Para o finalismo – já o dissemos – não é legítimo operar com um duplo conceito (ontológico e jurídico) de acção. A acção, para o direito criminal, é exactamente a acção tal com ela deve, ontológicamente, estruturar-se: é, em suma, “a realização de um sentido posto pela vontade”. Por isso não pode a vontade no conceito de acção, ser tomada – como querem todas as doutrinas não finalista – num sentido causal-modificativo, mas antes num sentido pré-modelar final. Donde resulta que o conteúdo da vontade do agente, e por conseqüência o dolo (porquanto o dolo nada mais seria que “o conhecimento e a vontade do facto”), tem de considerar-se um momento da acção e não da culpa.42

O conceito ôntico-ontológico de conduta é baseado numa definição geral e

cotidiana da conduta do homem. No entender de Luiz LUISI “é evidente que os conceitos

normativos, isto é, os da lei, bem como os elaborados pelo juiz, ou pela ciência do direito,

não transformam, dando ordenação e sentido a uma realidade heterogênea e

desorganizada, mas encontrando uma realidade com estrutura ontológica que a faz

organizada, e mesmo cheia de valores, limitam-se à descrição dessa realidade.”43

Isto posto, faz-se mister analisar a verdadeira essência da conduta enquanto matéria

do mundo. De acordo com a doutrina de Welzel a ação é, enquanto realidade mundana,

um fazer guiado por um fim e como tal deve ser valorada pelo direito. Nesse sentido, uma

42 CORREIA, Eduardo. op. cit., p. 239-240. 43 LUISI, Luiz. Op. cit. p. 37.

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determinada conduta, quando passa a ser prevista como crime, permanece idêntica ao que

era antes dessa previsão, apenas foi valorada negativamente pela lei penal.

3.4 A FUNÇÃO GARANTISTA DO CONCEITO FINAL DE AÇÃO

A teoria de Welzel trouxe inúmeras modificações para a teoria do delito,

implicando em uma reformulação de todos os estratos formadores do delito. Nesse

sentido, com a reformulação da teoria da ação, explica Eduardo CORREIA que “fica

definido o pilar do qual se pode partir para uma inteira renovação dos quadros do direito

criminal.”44 Assim, a partir da aceitação da conceito de ação como uma fazer guiado por

um fim, o dolo passa a fazer parte da tipicidade, fazendo com que injusto deixe de ser

objetivo, dando uma nova feição à culpabilidade, que passa a ser normativa. Passou-se a

exigir um elemento subjetivo dos tipos permissivos, além de trazer inovações no campo

do erro, da tentativa, da co-autoria e do concurso de crimes.

A conduta aparece como um elemento necessário do crime, não podendo o direito

penal punir outra coisa senão a conduta. O princípio do nullum crimen sine conducta é

uma garantia elementar do direito penal. Se assim não fosse, poder-se-ia punir

acontecimentos alheios à conduta como o pensamento, a maneira de ser, etc. A ação

humana é uma condição sem a qual o delito não pode existir. Ao direito penal é imposto o

dever de respeito à dignidade humana, e para tanto é necessário que na base de um delito

esteja necessariamente uma conduta humana, definida a partir de sua estrutura ôntico-

ontológica.

Diante disso, observa-se que o conceito finalista de ação passa a ser o elemento

basilar da teoria do crime, uma vez que implica em drásticas conseqüências em todos os

elementos do crime.

Em explanação sobre a importância de um conceito pré-típico de conduta, Fábio

André GUARAGNI assevera que o legislador, ao prever uma norma incriminadora “tem

44 CORREIA, Eduardo. op. cit. p. 240.

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diante de si um limite intransponível, porquanto só poderá descrever in thesi uma conduta

humana tomando por base a estrutura conceitual que lhe seja dada (ou seja, a concepção

de conduta humana influi decisivamente na elaboração do injusto jurídico-penal, que,

agregado à culpabilidade do agente, conforma os requisitos essenciais do crime).”45

Ora, ao se filiar ao conceito finalista de conduta, e assim aparentemente o faz o

Còdigo Penal brasileiro, se está a dizer ao legislador que somente poderá criar novos tipos

penais partindo-se da conduta ontologicamente considerada. Não poderia o legislador

incriminar algo que fosse diferente disso, sob pena de estar violando o princípio da

nullum crimem sine conducta. Nessa medida, o cidadão tem a seu favor uma grande

garantia em face do poder punitivo do Estado, pois este, em sua atividade legislativa

incriminadora, encontra-se limitado pela concepção finalista de conduta.

3.5 A PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO DA AÇÃO NO FINALISMO

Examinadas as bases sobre as quais se assenta a teoria finalista, mister se faz

adentrar a problemática do “agir” penal da pessoa jurídica, pensado a partir dessa teoria.

Ora, conforme já se expôs, grande parte da doutrina rechaça a possibilidade de ser a

pessoa jurídica capaz de ação em direito penal. As razões para tal posicionamento

afloram, principalmente, do fato de que se parte de uma concepção finalista da ação,

amplamente aceita desde seu surgimento.

Seguindo as premissas finalistas, para saber se determinado ente é ou não capaz de

ação na ordem penal, deve-se buscar saber se tal ente é ou não capaz de ação no mundo

real. Isto é, se do ponto de vista ôntico-ontológico, o referido sujeito pratica uma ação, de

modo que o direito penal não precise valer-se de uma “ficção jurídica” para imputar-lhe a

ação. Assim, a busca por uma resposta no que diz respeito a saber se pessoa coletiva é ou

não capaz de praticar uma ação penalmente relevante deve passar pelo mecanismo de

45 GUARAGNI, Fábio André. op. cit. p. 29.

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filtragem estabelecido pelo finalismo, a fim de se determinar se aquele ente é

realisticamente capaz de guiar um processo causal conforme uma finalidade.

A ação finalisticamente concebida, para que se perfaça, desencadeia um processo

que envolve tanto um momento totalmente psíquico, interno, subjetivo, como um

momento de execução objetiva daquilo que se propôs mentalmente. É o que explica Luiz

LUISI:

A ação finalista, em que pese a sua substancial unidade, pode ser fracionada em dois momentos. O primeiro ocorre na intimidade do agente. Nele se realiza a propositura e a antecipação do fim, a seleção dos meios necessários para a consecução da meta escolhida, e a previsão das conseqüências colaterais que podem decorrer do uso dos meios eleitos. O segundo é de realidade física e se desenrola no mundo objetivo. Consiste em um processo causal ocorrente na realidade externa, mas regido pelo fim que se pretende colimar, bem como pelos meios escolhidos e efetivamente usados.46

O que se deve averiguar, então, é se a pessoa moral, dentro desse modelo

procedimental, consegue concluir satisfatoriamente as etapas de consecução de uma

conduta. Dessa forma, Walter Claudius ROTHENBURG:

A indagação que se faz então – e talvez a mais importante de ser satisfatoriamente respondida – é no sentido de saber se é a própria pessoa jurídica que age, com consciência e vontade suas, ou seja, se é possível qualificar a realização do verbo típica como “comportamento” ou “ação” no sentido do Direito Criminal, o que envolve basicamente um processo interno, em que atuam a consciência e a vontade (deliberação), e sua manifestação exterior (comportamento), finalisticamente orientadas, assim que essa conduta possa ser imputada criminalmente à pessoa jurídica em si mesma considerada.47

O que se apresenta como mais lógico, obviamente, é negar a capacidade de ação da

pessoa jurídica, pois, no sentido que o finalismo impõe à ação, o ente coletivo se mostra

dependente de pessoas físicas, e, portanto, não pratica ação. Assim, a pessoa jurídica não

é capaz de antecipar mentalmente um fim, selecionar meios, prever resultados da escolha

desses meios e, por fim, realizar uma conduta no mundo natural. Tanto o aspecto interno

46 LUISI, Luiz. op. cit. p. 40. 47 ROTHENBURG, Walter Claudius. op. cit. p. 164-165.

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como o aspecto externo da conduta só podem ser concebidos enquanto dirigidos por

pessoas naturais, de conseguinte, a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica parece

estar afastada diante máxima nullum crimen sine conducta. Desse modo pensa Luis

Grácia MARTIN: “si la acción es concebida, como yo la entiendo, como ejercicio de

actividad finalista y la omissión como no realización de una acción finalista, entonces es

evidente que la persona jurídica carece de capacidad de acción en el sentido del Derecho

penal.”48

O modelo finalista de conduta obsta a resposanbilização penal do ente coletivo

uma vez que toma por ponto de partida uma realidade posta, a qual se mostra

incompatível com seus ditames. Seguindo esta ótica, dizer que a pessoa jurídica é sujeito

de ação em direito penal, seria o mesmo que dizer que a realidade lógica das coisas deve

ser desconsiderada apenas para fins de punição desse tipo de sujeito de direito, o que

parece inconcebível diante do caráter garantista do sistema finalista.

Assinalando a incapacidade de ação da pessoa jurídica no finalismo, Fábio André

GUARAGNI escreve que:

De logo, movimentos instintivos de animais ou pessoas jurídicas, que não partem de base antropológica do homem com dono de uma existência dotada de sentido e, portanto, não podem sobredeterminar cursos causais segundo uma finalidade, são irrelevantes em direito penal, à luz do finalismo. Um conceito finalista de conduta, como ponto de partida de uma estrutura analítica dos crimes, é verdadeiramente incompatível como a atribuição destes a uma pessoa jurídica ou a um animal. A parêmia clássica é válida: nullum crimen sine coducta.49

Um sistema penal que respeite limites ônticos não pode ser compatibilizado com a

responsabilização do ente coletivo. No entender de Silvina BACIGALUPO não se pode

considerar a pessoa jurídica como capaz de ação “toda vez que se tome como punto de

partida un concepto de acción psicológico, no será posible llegar a ninguna otra respuesta

de la cuestión.”50

48 MARTIN, Luis Gracia. op. cit. p. 41-42. 49 GUARAGNI, Fábio André. op. cit. p. 173. 50 BACIGALUPO, Silvina. op. cit. p. 149.

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4 A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA NO PÓS-FINALISMO

FUNCIONALISTA

4.1 A RETOMADA DO NEOKANTISMO

Conforme se observou, o pano de fundo filosófico de que se reveste o direito penal

em muito influencia cada elemento da teoria do delito. O pensamento causal-naturalista

deu origem a um modelo de delito bastante diferenciado daquele que seria proposto pelo

finalismo em momento posterior. Não obstante, podem-se observar semelhanças entre os

referidos modelos no que diz respeito à teoria da conduta pois ambos partem de um

método que busca, antes de tudo, observar e descrever a conduta humana. Em ambos os

modelos o que se pretende é captar a essência real da conduta no mundo do ser, sem

agregar a ela elementos axiológicos próprios do sujeito que as observa.

Uma análise mais apurada dos dois modelos de delito, o clássico e o finalista,

mostra que, claramente, o finalista é mais fiel ao que a conduta é em sua realidade. De

fato, a pretensão causal-naturalista de reduzir a conduta a um processo de causa e efeito

em que o conteúdo da vontade do agente é irrelevante para a teoria da ação demonstra-se

carente de fundamento. Daí a notável frase de WELZEL: “La finalidad es, por ello –

dicho de forma gráfica – “vidente”, la causalidad, “ciega”.”51 Analisar o modelo clássico

de delito à luz do pensamento jurídico atual faz até com que ele pareça fruto de uma

tolice. Não se pode olvidar, todavia, que ele foi formulado num período em que, conforme

o paradigma filosófico dominante, sua estrutura fazia bastante sentido.

O pensamento penal, desde a segunda metade do século XIX, sofreu vários giros

metodológicos a partir de fundamentos distintos. Assim, o conceito de conduta, que no

pensamento positivista de Von Liszt era representado por um movimento muscular

voluntário, migrou para um pensamento de índole neokantiana com as chamadas teorias

sociais da conduta, para mais tarde adquirir contornos ônticos no pensamento finalista de

51 WELZEL, Hans. op. cit. p. 41.

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Hans Welzel. Como se vê, a Escola a que se filia o direito penal em muito influência a

natureza de cada um dos elementos do crime.

O direito penal brasileiro atual, filiado preponderantemente ao finalismo, adota o

um conceito de conduta que respeita a realidade da conduta, ou seja, não cria um conceito

próprio de conduta, apenas aproveita a essência de sua realidade, de modo que a

concepção de conduta adotada pelo direito penal é mesma adotada por outras ciências.

O movimento neokantiano da segunda década do século XX foi prontamente

rebatido com o construção do pensamento finalista. O impacto desse pensamento foi tão

grande que pode ser considerado um divisor de águas do pensamento penal, concebe-se

um direito anterior ao finalismo bem distinto daquele que o sucedeu.

Entretanto, em tempos mais recentes, o modelo finalista de delito, tão

acirradamente defendido, vem sofrendo diversas críticas. Questionam-se os pilares

estruturais desse sistema a partir da idéia de que a vinculação às estruturas lógico-

objetivas não é a melhor forma de construir o direito penal. Os paradigmas do finalismo

começaram a ser postos a prova por um movimento que busca reorganizar o delito não

mais através de sua vinculação à realidade.

Conforme explicação de Cezar Roberto BITTENCOURT:

Na realidade , quando Welzel atingia seu apogeu na Alemanha – 1962 – Roxin publicava seu pequeno trabalho atacando, por vez primeira, o conceito final de ação, basicamente, porque se fundamentava, segundo ele próprio, em uma ótica ontlogista inadequada às necessidades do Direito Penal e ao caráter normativo dos elementos do conceito de crime. Constata-se que Roxin se apresenta, desde seu surgimento como doutrinador, defendendo um ponto de vista normativo frontalmente contrário ao ontologismo sustentado pelo então grande maestro Hans Welzel: contrapunha, assim, sua perpectiva normativista ao ontologismo característico do finalismo welzeniano.52 Assim, propõe-se modernamente a retomada do método neokantiano para se erigir

o direito penal, de modo que já se pode afirmar que existe um pensamento pós-finalista. O

pressuposição de que o ser não é vinculante ao dever ser passa a ser retomada a partir dos

52 BITTENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. p. 217.

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anos setenta do século passado, gerando novas concepções de delito, não aceitando os

dogmas finalistas. Das várias correntes que se formaram desde então, destaca-se o

pensamento funcionalista, que tem como representantes mais notáveis Roxin e Jacobs.

Uma vez que os sistema finalista funda-se num conceito de ação que serve como

elemento unificador de toda a teoria do delito, a proposta de retomada do neokantismo

terá profundas implicações no que concerne à teoria da ação. Desse modo, terá também

influência no tema da capacidade de ação da pessoa jurídica.

4.2 A RETOMADA DA TEORIA SOCIAL DA AÇÃO

Retomando aquilo se expôs a respeito da conceito social de ação, é possível

resumi-lo a partir da idéia de que a relevância social é o elemento basilar da teoria da

ação. Do apoio nessa chamada relevância social é que se extrai o cunho neokantiano de

que se reveste esta teoria. A consideração de que só será conduta aquilo que transcender

ao indivíduo demonstra uma preocupação valorativa dessa doutrina já na teoria da ação.

Ora, dizer que a conduta deve ser socialmente relevante não é defini-la, é, antes de tudo,

atribuir a ela um valor, sem o qual ela perderá a importância para o direito penal.

O declínio do finalismo, conforme já se asseverou, foi capitaneado pela retomada

do neokantismo, sendo que com esta, ressurgem, num primeiro momento, as teoria sociais

da ação. O reaparecimento dessas teorias deveu-se principalmente aos trabalhos de

Jescheck e Wessels.53

Aqui, já se observa facilmente que o campo de atuação do direito penal passa a ser

outro, pois, em tese, tudo aquilo que tiver relevância social é suscetível de valoração

negativa pela ordem penal. Não mais vale o pensamento welzeniano de que a finalidade

do agente é o norte da estruturação da conduta. Desse modo, o universo de fatos que

podem ser considerados importantes para o direito penal, não está mais preso às estruturas

lógico-objetivas da realidade.

53 GUARAGNI, Fábio André. op. cit. p. 203.

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O apelo subjetivo da noção de relevância social é bastante amplo, sendo que seu

conceito, conforme alerta Francisco de Assis TOLEDO “se presta para tudo, podendo

abarcar até os fenômenos da natureza, pois não se há de negar “relevância social” e

jurídica à mudança do curso dos rios, por “ação” da erosão, com repercussão sobre os

limites das propriedades; à morte, causada pela “ação” do raio, com a conseqüente

abertura da sucessão hereditária; e assim por diante.”54 No campo da responsabilidade

penal do ente coletivo observa-se, desde logo, uma mudança de cenário pois, embora a

retomada das teorias sociais tenha sido feita partindo-se do ser humano como sujeito da

ação, fica muito fácil atribuir a uma pessoa jurídica um “ato de relevância social” do que

um “fazer guiado por um fim”.

É de se salientar, todavia, que o ressurgimento das teorias sociais da ação também

é merecedor de fundadas críticas, principalmente porque se apóiam em um conceito

demasiadamente vago. Saliente-se ainda que a relevância social é característica

fundamental de qualquer delito e não somente da ação de modo geral, assim, é no campo

da tipicidade que se deverá analisar se determinado fato é ou não socialmente relevante. A

esse respeito escreve Francisco de Assis TOLEDO que: “a relevância social não é atributo

específico do delito, mas antes de uma característica genérica de todo fato jurídico,

tomado este em seu sentido mais amplo.”55Assim, não é no plano da teoria da ação que se

deve excluir determinadas fatos socialmente relevantes do âmbito incriminador do direito

penal mas no âmbito da própria confecção de tipos penais. Com efeito, a avaliação da

relevância social no plano pré-típico carece de utilidade.

5.3 O PENSAMENTO FUNCIONALISTA

A proposta de reconstrução do direito penal a partir do método neokantiano foi

muito além da retomada das teorias sociais da ação, a qual, conforme já foi dito, é

54 TOLEDO, Francisco de Assis. op. cit. p. 105. 55 Idem.

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portadora de sérias falhas e foi incapaz de se sustentar. O pensamento pós-finalista de

vertente funcionalista tem a pretensão de erguer a teoria do delito sob um fundamento

diverso daquele proposto no finalismo. Se no finalismo o elemento unificador da teoria do

crime é o conceito ôntico-ontológico de ação, no funcionalismo, a preocupação não é

mais com as estruturas objetivas da realidade, mas com o cumprimento das funções do

direito penal.

Tido como precursor deste novo sistema, Claus ROXIN assim explica:

Aproximadamente desde 1970 se han efectuado intentos muy discutidos de desarrollar un sistema “racional-final (o teleológico)” o “funcional” del Derecho penal. Los defensores de esta orientación están de acuerdo – con muchas diferencias en lo demás – en rechazar el punto de partida del sistema finalista y parten de la hipótesis de que la formación del sistema jurídicopenal no puede vincularse a realidades ontológicas previas (acción, causalidad, estructuras lógico-reales, etc.), sino que única y exclusivamente puede guiarse por las finalidades del Derecho penal.56

Pelo sistema funcionalista a teoria do crime não deve ser um sistema fechado

como o é no finalismo, mas um sistema aberto que deve estar preparado para cumprir as

funções do direito penal. Nesse sentido, a política criminal assume papel preponderante

na construção do sistema penal. Sintetizando o pensamento de Claus Roxin, Santiago Mir

PUIG assinala que o referido autor alemão “confiere específico significado político-

criminal a cada una de las categorías sistemáticas de la teoría del delito.”57

Eugênio Raul ZAFFARONI leciona que “A partir de los años setenta comenzaron

los ensayos de una construcción sistemática funcional, o sea, que admite que los

conceptos jurídic-penales no pueden prescindir de sus fines penales (político-criminales o

políticos en general) ni tampoco están dispuestos por la naturaleza ni por datos ônticos,

sino que se construyen exclusivamente en función de los objetivos penales prefijados.”58

A definição da função do direito penal não é feita de forma uniforme na doutrina

funcionalista, por essa razão, existem várias teorias funcionalista, cada uma orientada a

56 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general tomo I. Tradução de Diego-Manuel Luzón Peña

et. al. 2. ed. Madrid: Civitas, [1999?]. p. 203. 57 PUIG, Santiago Mir. op. cit. p. 264. 58 ZAFFARONI, Eugênio Raul. op. cit. p. 383.

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partir da função do direito penal proposta por seu autor. O que se pretende aqui não é

examinar pormenorizadamente cada uma das teorias funcionalistas, mas, tão somente,

assinalar que a mudança de paradigma imposta pelo funcionalismo pode trazer

modificações no âmbito da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Na concepção funcionalista, a política criminal deve ter papel preponderante na

estruturação do delito, não podendo a dogmática penal perder de vista as finalidades do

direito penal. Essa formulação conceitual fundada nos fins do direito penal é própria do

neokantismo.59 O conceito final de ação deixa de ser o elemento de enlace da teoria do

delito, dando lugar às aspirações político-criminais que norteiam o sistema penal.

Los intentos de lograr una fundamentación racional-final (o teleológica) del sistema del Derecho penal han conducido en el caso de otros autores a proyetos parcialmente similares y parcialmente divergentes. Jakobs, en su muy prestigioso manual, vuelve del revés la concepción de su maestro Welzel, al partir de la base de que conceptos como causalidad, poder, acción, etc., no tienen um contenido prejurídico para el Derecho penal, sino que sólo se pueden determinar según las necesidades de la regulación jurídica.60

Se no finalismo as estruturas lógico-objetivas tinham o condão de vincular o

legislador penal, no funcionalismo pós-finalista, os conceitos pré-jurídicos são negados,

sucumbindo diante das finalidades do sistema penal. Assim, os estratos formadores do

delito, quais sejam, a ação, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade, são

reformulados, não mais a partir das estruturas ôntico-ontológicas, mas a partir das

necessidades da ordem jurídica. Destarte, a política criminal deixa de ser um elemento

externo à dogmática penal, passando a ser elemento intrínseco a esta.

Nesse sentindo leciona Cezar Roberto BITTENCOURT:

Como sintetiza Mir Puig, o normativismo que Roxin opôs ao finalismo desvinculou o funcionalismo da dogmática de exigências ontológicas, para baseá-la em decisões político-criminais – como a atribuição às e medidas de segurança de uma função de proteção de bens jurídicos mediante a prevenção de delitos – que não se impõem ao legislador, mas que este elege

59 Ibidem. p. 385. 60 ROXIN, op. cit. p. 204-205.

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dentre outras opções possíveis. O ponto de vista normativo pressuporia, pois, liberdade de escolha, perante a estruturas lógico-objetivas de que partia o ontologismo de Welzel.61 É de se notar , todavia, que o sistema funcionalista deixa de ter o mesmo caráter

garantista de que se reveste o finalismo, pois o campo da construção jurídica fica muito

mais apegado a valores, ficando mais vulnerável ao arbítrio do legislador. A colocação

das função do direito penal em um patamar tão elevado pode levar o Estado a ignorar

estruturas da realidade, que tradicionalmente vem sendo respeitadas pelo sistema penal,

reformulando a teoria do crime de uma forma perigosa para o cidadão.

5.4 A CAPACIDADE DE AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA NO PENSAMENTO

FUNCIONALISTA

A proposta funcionalista, indubitavelmente, traz conseqüências determinantes no

que concerne à responsabilidade criminal do ente coletivo. Conforme já se expôs, um

sistema que respeite limites ônticos dificilmente pode aceitar a capacidade de ação da

pessoa jurídica. Da observação das estruturas lógico-objetivos claramente se deduz que

quem pratica ações são pessoas físicas dotadas de consciência e finalidade, atributos

alheios à realidade de uma pessoa moral.

Entretanto, segundo a doutrina funcionalista, a realidade do ente coletivo é menos

importante do que o cumprimento das funções do direito penal. Assim, um novo

horizonte se abre no tocante à subsunção da pessoa jurídica aos elementos da ação, que

não precisam mais obedecer a uma noção pré-jurídica. Se existe uma necessidade

político-criminal de punir o ente coletivo então a estrutura do delito deverá ser

conformada a tal necessidade. O problema da modificação da estrutura dos elementos

para o fim de poder adaptá-los à realidade da pessoa jurídica foi alertado por Walter

Claudius ROTHNEBURG: “a manutenção do significado tradicional desses conceitos sob

um enfoque tão individualista e antropocêntrico do Direito Criminal inviabilizaria a

61 BITTENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. p. 217.

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discussão acerca da capacidade (“imputabilidade”) criminal da pessoa jurídica já num

primeiro momento do exame dos aspectos do crime, o da ação típica: surgiria o obstáculo

invencível de a pessoa jurídica não poder agir criminalmente.”62

Assim, a doutrina é bastante uníssona em admitir que a aceitação da capacidade de

ação da pessoa jurídica depende de uma mudança nas estruturas fundamentadoras da

teoria do crime. A busca por um fundamento para a capacidade de ação do ente coletivo

deve partir de uma novo paradigma, uma vez que é bastante falho o suporte oferecido

pelo finalismo. Nesse sentido Jesús-Maria Silva SANCHES: “A partir de tal constatación,

se estima preciso propociornar una nueva configuración a categorías como la acción o la

culpabilidad, a fin de que sean susceptibles de ser referidas a hechos de corporaciones; a

la vez, se propugna la introducción de nuevas formas de pena, que se revelen – a

diferencia de la pena privativa de liberdad – aptas para ser aplicadas a las empresas em sí

mismas.”63

O valor atribuído à política-criminal no funcionalismo faz que com que a

responsabilidade penal da pessoa jurídica torne-se, no mínimo, mais defensável, pois a

principal indagação a que se deve responder é se existe ou não uma necessidade de

punição penal da pessoa moral para que o direito penal cumpra suas finalidades. Portanto,

quando se parte de um ponto de vista normativo, não ontológico, a criação de uma norma

penal incriminadora em desfavor de um ente coletivo não precisará encontrar obstáculos

no mundo natural, podendo valer-se prioritariamente das aspirações político-criminais.

É de grande valia ressaltar que o movimento funcionalista representa uma quebra

nas bases tradicionais do direito penal, de modo que a imersão deste ramo do direito em

imperativos de política-criminal leva-o a uma objetivação de legitimidade duvidosa. É o

que preleciona Sheila Jorge Selim de SALES em crítica à tendência funcionalista:

62 ROTHENBURG, Walter Claudius. op. cit. p. 169 63 SANCHES, Jesus-Maria Silva. Responsabilidad penal de las empresas y de sus organos em

derecho español. p. 9-34. In: Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 11-12

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Finalmente, atente-se para a progressiva instrumentalização da dogmática pela política criminal, com inegável perigo para a preservação das bases sobre as quais se assenta o Direito Penal moderno, centrado sobre a preocupação de garantir a realização pleno do ser humano, sob os paradoxais aspectos humanitário e individualistae individualista solidário, consentâneo com o moderno Direito Penal mínimo e garantista, orientado pela idéia da proteção de bens jurídicos, de defesa dos Direitos Humanos, individuais e coletivos.64

O que se deve ter em mente, todavia é se a necessidade de punição das pessoas

jurídicas realmente existe. É o que assevera Luis Regis PRADO: “diante de uma

orientação que procura responsabilizar penalmente e de forma direta a pessoa jurídica,

sob uma pretensa necessidade político-criminal de caráter pragmático e em nome de fins

preventivos de defesa social, pergunta-se: haveria real e comprovada necessidade de

sancioná-la penalmente?”65

É sabido que grande parte da doutrina nacional inadmite a responsabilidade penal

do ente coletivo, o que por si só já exprime a opinião doutrinária pela desnecessidade de

responsabilização do referido ente. Faz-se mister salientar que aqueles que defendem a

possibilidade de responsabilização partem de premissas não ontológicas. É o que faz

Walter Claudius ROTHENBURG, ao prever que a imputação ao ente coletivo é feita pela

lei e não pela realidade fática:

As condições para a imputação da conduta – que, faticamente é sempre desempenhada por seres humanos, de acordo com o estatuto ou não – ao ente coletivo serão dadas, então, não mais pelo estatuto, mas, antes, pela própria ordem jurídica estatal. É o que ocorre no Direito Criminal, com a conseqüência de se poder aventar a confecção de tipos criminais exclusivamente aos entes coletivos, ou seja, a previsão de condutas (incriminadas) que somente podem ser imputadas à pessoa jurídica, a despeito de serem os atos materialmente (faticamente) realizadas por indivíduos, mas que os praticam não enquanto pessoas individualmente consideradas, senão que na qualidade de integrantes (“presentantes”) do ente coletivo.66

64 SALES, Sheila Jorge Selim de. Anotações sobre o princípio societas deliquere non potest no

direito penal moderno: um retrocesso praticado em nome da política criminal. p. 197-215. In: PRADO, Luiz Regis (coordenador). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 213.

65 PRADO, Luis Regis. op. cit. p. 109. 66 ROTHENBURG, Walter Claudius. op. cit. p. 117.

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Assim, parte o referido autor de um ponto de vista que privilegia em primeiro lugar

os postulados da lei e suas finalidades político-criminais.

Silvina BACIGALUPO, em obra dedicada ao tema da responsabilidade penal da

pessoa jurídica, também parte de um ponto de vista eminentemente normativo para

atribuir à pessoa jurídica capacidade de ação, conforme se vê:

Independientemente de cual sea la definición de acción que defiendan los diferentes autores, la capacidad de acción de la persona jurídica se ha reconocido, bien entendiendo que la acción de los órganos de la misma constituye en realidad una acción propia de la persona jurídica, o bien entendido, que, aunque la acción sólo puede ser propia del individuo que la ha realizado (y, por lo tanto, su opinión personal puede diferir de la expresada como miembro de un órgano), una acción realizada en nombre de la persona jurídica debe ser considerada como acción propia de la misma.67

Ao assumir que ações de indivíduos, praticadas em nome de uma pessoa jurídica,

devem ser tidas como próprias desta última, a supra-citada autora está reconhecendo que

quem, de fato, pratica a ação é um indivíduo, mas que, por uma atribuição da lei, a

condição de sujeito ativo da ação deve ser imposta a pessoa jurídica.

67 BACIGALUPO, Silvina. op. cit. p. 150.

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CONCLUSÃO

Não seria correto dizer que o direito penal moderno segue uma trajetória

metodológica linear, antes, seria mais correto afirmar que são sinuosos os caminhos

percorridos pela ciência penal em busca de um sistema punitivo que permita promover a

pacificação social de forma eficaz. A pessoa jurídica aparece como um agente social cuja

influência, num mundo globalizado, cresce exponencialmente. A preocupação

relativamente recente do direito criminal com este ator social não está à margem das

discussões acerca do modelo de delito adotado pela dogmática penal. Assim, muito

importante é saber se o direito penal é de índole predominantemente neokantiana ou

finalista, afinal, no tocante à teoria da conduta, a opção por um ou por outro modelo

acarreta conseqüências muito distintas.

Um sistema penal construído sobre pilares ontológicos, com o é o sistema finalista,

dificilmente conceberá que um ente coletivo possa ser sujeito ativo de uma ação. No

finalismo, as opções legislativos encontram um grande obstáculo limitador que se

encontra na conceito de conduta, o qual é o elemento de integração de toda a teoria do

delito. O modelo de conduta construído por Hans Welzel foi formulado a partir do ser

humano e jamais pode prescindir de um elemento subjetivo, que se resume na finalidade

do agente.

Seria bastante forçoso o raciocínio que pretendesse assumir que uma pessoa

jurídica é capaz de, por si só, antever uma finalidade, escolher os meios para a execução

dessa finalidade, prever as conseqüências decorrentes dessa escolha e, por fim,

empreender a prática da ação. O elemento humano é forte demais no finalismo para que

se possa considerar que a ação de um indivíduo possa ser atribuída à pessoa jurídica em

nome da qual ele atua.

Olvidando-se a discussão acerca da necessidade ou não da punição penal da pessoa

coletiva, a opção por um sistema penal que privilegie questões de política-criminal em

detrimento de das estruturas ontológicas da realidade, indubitavelmente, terá menos

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problemas em considerar que as pessoas jurídicas podem sim ser sujeitos ativos de uma

ação. Em razão de seu apego a uma maior liberdade à atividade normativa, o sistema pós-

finalista de índole funcionalista incute na estrutura do crime elementos que visem fazer

com que o direito penal cumpra melhor suas funções. Destarte, se a responsabilização do

ente coletivo representa uma necessidade teleológica do direito penal, a questão de sua

capacidade ou não de ação fica relegada à segundo plano.

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