a boa-fé objetiva e a mitigação do prejuízo pelo credor. esboço do tema e primeira...

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Conceito tambm interessante relacionado com o princpio da boa-f objetiva a mitigao do prprio prejuzo ou, na expresso inglesa, duty to mitigate the loss

A BOA-F OBJETIVA E A MITIGAO DO PREJUZO PELO CREDOR. ESBOO DO TEMA E PRIMEIRA ABORDAGEM.

FLVIO TARTUCE

Um dos pontos mais importantes da nova teoria geral dos contratos o princpio da boa-f objetiva, estribado na eticidade consagrada pela nova codificao. Tal regramento consta tanto no Cdigo de Defesa do Consumidor (art. 4, III, da Lei 8.078) quanto no novo Cdigo Civil (art. 422), diante da aproximao principiolgica entre os dois sistemas, o necessrio dilogo das fontes entre o CDC e o nCC no que tange aos contratos.

Sobre essa aproximao, alis, foi aprovado o Enunciado n 167 na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justia Federal em dezembro ltimo, com o seguinte teor: Com o advento do Cdigo Civil de 2002, houve forte aproximao principiolgica entre esse Cdigo e o Cdigo de Defesa do Consumidor, no que respeita regulao contratual, uma vez que ambos so incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos.

As razes apontadas pelo magistrado paraibano e jovem civilista Wladimir Alcibades Marinho Falco Cunha, autor da proposta, so pertinentes, merecendo transcrio o seguinte trecho:

Entretanto pode-se dizer que, at o advento do Cdigo Civil de 2002, somente o Cdigo de Defesa do Consumidor encampava essa nova concepo contratual, ou seja, somente o CDC intervinha diretamente no contedo material dos contratos.

Entretanto, o Cdigo Civil de 2002 passou tambm a incorporar esse carter cogente no trato das relaes contratuais, intervindo diretamente no contedo material dos contratos, em especial atravs dos prprios novos princpios contratuais da funo social, da boa-f objetiva e da equivalncia material.

Assim, a corporificao legislativa de uma atualizada teoria geral dos contratos protagonizada pelo CDC teve sua continuidade com o advento do Cdigo Civil de 2002, o qual, a exemplo daquele, encontra-se carregado de novos princpios jurdicos contratuais e clusulas gerais, todos hbeis a proteo do consumidor mais fraco nas relaes contratuais comuns, sempre em conexo axiolgica, valorativa, entre dita norma e a Constituio Federal e seus princpios constitucionais.

Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002 so, pois, normas representantes de uma nova concepo de contrato e, como tal, possuem pontos de confluncia em termos de teoria contratual, em especial no que respeita aos princpios informadores de uma e de outra norma (Proposta enviada por e-mail pelo prprio Conselho da Justia Federal aos participantes da III Jornada).

Alis, h certo tempo temos defendido essa aproximao, analisando o Direito Privado, com base no novo Cdigo Civil, no Cdigo de Defesa do Consumidor e, logicamente, na Constituio Federal de 1988 (concepo civil-constitucional).

Em outras oportunidades tambm tivemos a chance de apontar que com o princpio da boa-f objetiva surgem novos conceitos visando integrao do contrato, em sintonia com o Enunciado n 26 do Conselho da Justia Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, pelo qual a clusula geral contida no art. 422 do novo Cdigo Civil impe ao juiz interpretar e, quando necessrio, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-f objetiva, entendida como a exigncia de comportamento leal dos contratantes. Sobre o tema tratamos em nosso livro (Funo Social dos Contratos. Do Cdigo de Defesa do Consumidor ao novo Cdigo Civil. So Paulo: Mtodo, 1 Edio, 2005).

Uma dessas construes inovadoras, relacionada diretamente com a boa-f objetiva justamente o duty to mitigate the loss, ou mitigao do prejuzo pelo prprio credor. Sobre essa tese foi aprovado o Enunciado n 169 na mesma III Jornada de Direito Civil: princpio da boa-f objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do prprio prejuzo.

A proposta, elaborada por Vera Maria Jacob Fradera, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, representa muito bem a natureza do dever de colaborao, presente em todas as fases contratuais e decorrente do princpio da boa-f objetiva e daquilo que consta do art. 422 do nCC.

O enunciado est inspirado no artigo 77 da Conveno de Viena de 1980, sobre venda internacional de mercadorias, no sentido de que A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoveis, levando em considerao as circunstncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuzo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a reduo das perdas e danos, em proporo igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuda.Para a autora da proposta haveria uma relao direta com o princpio da boa-f objetiva, uma vez que a mitigao do prprio prejuzo constituiria um dever de natureza acessria, um dever anexo, derivado da boa conduta que deve existir entre os negociantes.

Alis, conforme outro enunciado do mesmo CJF, a quebra dos deveres anexos decorrentes da boa-f objetiva gera a violao positiva do contrato, hiptese de inadimplemento negocial que independe de culpa gerando responsabilidade contratual objetiva (Enunciado n 24, da I Jornada).

E mesmo se assim no fosse a responsabilidade objetiva estaria configurada pela presena do abuso de direito, previsto no art. 187 do Cdigo Civil em vigor e pela interpretao que lhe dada por outro Enunciado da I Jornada de Direito Civil, o de n 37. Visando esclarecer, cumpre transcrever tanto o art. 187 do nCC quanto o referido enunciado:

Art. 187. Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes.

Enunciado n 37 do CJF: Art. 187: a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critrio objetivo-finalsticoPelos dois caminhos acima percorridos, portanto, a quebra dos deveres anexos gera a responsabilidade objetiva daquele que desrespeitou a boa-f objetiva.

Exemplificando a aplicao do duty do mitigate the loss, pensemos no caso de um contrato de locao de imvel urbano em que houve inadimplemento. Ora, nesse negcio, haveria um dever por parte do locador de ingressar to logo seja possvel com a competente ao de despejo, no permitindo que a dvida assuma valores excessivos.

Mesmo argumento vale para os contratos bancrios em que h descumprimento. Segundo a nossa interpretao, no pode a instituio financeira permanecer inerte, aguardando que, diante da alta taxa de juros prevista no instrumento contratual, a dvida atinja montantes astronmicos.

Em casos tais, prope a doutrinadora que o no atendimento a tal dever traria como conseqncia sanes ao credor, principalmente a imputao de culpa prxima culpa delitual, com o pagamento de eventuais perdas e danos, ou a reduo do seu prprio crdito. Concordamos com tal entendimento e inclusive fomos favorveis sua aprovao na III Jornada de Direito Civil.

Mesmo concordando com tal proposta entendemos que, na verdade, no seria o caso de culpa delitual, mas de responsabilidade objetiva, pelos caminhos que acima trilhamos (quebra de dever anexo ou caracterizao do abuso de direito). De qualquer forma, a simples aprovao do enunciado j significa um avano importante.

Sem dvidas, a tese controvertida. E muito. Mas serve para reflexo. Para tanto transcrevemos ao final, na ntegra, as razes da proposta da Professora Vera Fradera, visando uma anlise profunda pelo leitor.

Aguardamos, ansiosos, eventuais manifestaes da doutrina e principalmente da jurisprudncia quanto ao tema. Eventuais manifestaes podem ser enviadas para [email protected]. RAZES DA PROPOSTA DA PROFESSORA VERA JACOB FRADERA, DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, APRESENTADAS QUANDO DA III JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CONSELHO DA JUSTIA FEDERAL. ENVIADA PEO CONSELHO DA JUSTIA FEDERAL AOS PARTICIPANTES DA III JORNADA DE DIREITO CIVIL.

Artigo: 422. Autor: Vra Maria Jacob de Fradera, Advogada em Porto Alegre, RS, Professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Enunciado: O CREDOR PODERIA SER INSTADO A MITIGAR O PRPRIO PREJUZO

Justificativa:

Introduo

Esta manifestao tem o carcter de um esboo, merecendo o tema, inegavelmente, uma anlise mais aprofundada, tanto por sua relevncia prtica, quanto pelo fato de no ter o novo Cdigo Civil Brasileiro de 2002 cuidado deste aspecto relativo ao comportamento do credor, ainda dispondo de exemplos legislativos recentes e eficazes da adoo desta medida, como, por exemplo, o artigo 77 da Conveno de Viena de 1980, sobre Venda Internacional de Mercadorias.

O interesse pelo assunto surgiu-nos, precisamente, da leitura desse artigo 77, da CIGS, cujo texto o seguinte:

A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoveis, levando em considerao as circunstncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuzo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a reduo das perdas e danos, em proporo igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuda .

Chama a ateno um outro detalhe, relativamente ao artigo 77, o fato de estar situado no captulo V da Conveno, intitulado Disposies relativas s obrigaes do vendedor e do comprador .

Esta particularidade suscita a prtica da comparao e traz-nos lembrana uma outra disposio relativa ao comportamento contratual, esta com a peculiaridade de ser dirigida ao vendedor, tendo a doutrina entendido sempre, tratar-se de disposio endereada a ambos os contratantes. Estamos nos referindo ao inmeras vezes citado e comentado 242 do BGB: o devedor tem a obrigao de executar a prestao tal como o exigem a confiana e a fidelidade, levando em considerao os usos de trfico (grifamos) .

J o Cdigo Civil brasileiro de 2002, em seu artigo 422, aproxima-se da idia do legislador da Conveno de Viena de 1980, ao impor certo comportamento a ambos os contratantes. Assim, segundo o mencionado dispositivo legal, Os contratantes so obrigados a guardar assim na concluso do contrato, como em sua execuo, os princpios de probidade e boa-f ( grifo nosso ). Isto posto, surge a indagao: seria possvel o direito privado nacional recepcionar o conceito do duty to mitigate the loss em matria contratual ?

Acreditamos ser possvel esta recepo. Antes, porm, necessitamos realizar uma srie de indagaes, para chegar ao fundamento desta, por ora, apenas mera probabilidade de acolhimento do conceito pela doutrina e pelos tribunais brasileiros. O esforo deve valer a pena, pois inmeras vezes nos deparamos, na prtica do foro, com situaes em que o credor se mantm inerte face ao descumprimento por parte do devedor, cruzando, literalmente, os braos, vendo crescer o prejuzo, sem procurar evitar ou, ao menos, minimizar sua prpria perda.

Caso exemplar, julgado pela Bundesgerichthof , em 1999, ilustra perfeio o quanto comum ocorrer situaes, onde o conceito em anlise tem aplicao.Uma empresa produtora de sementes de uva adquiriu um produto, mais precisamente, uma cera especial, para evitar o ressecamento das cepas e proteg-las contra os riscos de infeces. Neste nterim, foi descoberto estar a cera causando danos s cepas, contudo, a empresa continuou a utilizar-se daquele produto. A Corte Federal alem decidiu no sentido de que esta conduta viola o artigo 77 da CIGS, no podendo ser aceita, porquanto contrria a todas as regras de comportamento contratual, sejam elas de natureza moral, costumeira ( lex mercatoria ), principial ( boa f) ou legislativa.

No desenvolvimento de nossa anlise, trataremos, num primeiro momento, dos fundamentos pelos quais o credor pode ser instado a minimizar o prprio prejuzo (I); a seguir, examinaremos a possibilidade de ser este dever recepcionado pelo Direito brasileiro, no sistema atual de direito privado, criado pelo Cdigo Civil de 2002 (II).

Ia. Parte: Porque est o credor adstrito a mitigar a prpria perda

O dever de mitigar, atribudo ao credor, mitigate tem origem no direito anglo-saxo, de onde passou para os sistemas jurdicos continentais. O vocbulo mitigate tem raiz francesa, provm do verbo mitiger . A recepo deste conceito deu-se de maneira desigual e asistemtica, pois alguns ordenamentos o utilizam frequentemente, como o caso do alemo e do suio, outros, nem tanto, havendo ainda, aqueles que dele se servem, sem dar-lhe essa denominao, como o caso da Frana.

John HONNOLD, ao comentar o artigo 77 da Conveno de Viena de 1980 sobre venda internacional de mercadorias, assevera ser o duty to mitigate the loss geralmente reconhecido, apesar de expresso das mais variadas formas e aplicado com distintos graus de nfase .

Na verdade, o dever de o credor mitigar o dano tem maior amplitude e positivao no mbito das Convenes Internacionais, por exemplo, a Conveno de Haia de 1 julho de 1964, a respeito da lei uniforme sobre a venda internacional de objetos mveis corporais, os Princpios Unidroit relativos aos contratos de comrcio internacional, publicados na cidade de Roma, em 1994 , o Cdigo europeu de contratos. Os princpios, regras e standards da lex mercatoria incorporaram, igualmente, este dever .

Nossa primeira reflexo ter por objeto, precisamente, a natureza jurdica do dever, incumbncia ou obrigao acessria, do credor, de mitigar o seu prejuzo.

A) A natureza jurdica do dever de o credor mitigar o prejuzoClaude Witz, ao comentar o assunto, diz ser opinio largamente dominante a de o dever de mitigar o prprio prejuzo no constituir uma obrigao, no sentido exato do termo, porquanto no poderia, caso descumprida, ser sancionada pela via da responsabilidade contratual, tendo como sujeito passivo o credor. Tampouco seria possvel, como esclarece o artigo 28 da C.V.I.M., exigir a execuo in natura.Poder-se-ia argumentar tratar-se, ento, de uma espcie de obrigao natural ou obrigao moral, mas estas classificaes no se adaptam perfeitamente ao caso, sobretudo em razo das conseqncias do descumprimento do dever de mitigar.

Dois importantes sistemas jurdicos, o alemo e o suio, encontraram uma outra qualificao para esse dever, o primeiro, atribuindo-lhe a condio de Obliegenheit e o segundo, a de incombance.

a) A noo de Obliegenheit tem sua fonte no direito alemo de seguros, tendo Reimer SCHMIDT buscado realizar a sua sistematizao, a partir da construo de um sistema geral de obrigaes, onde seriam includas todas as obrigaes anexas, os nus ou incumbncias e os deveres para consigo mesmo. Segundo afirmou Clvis do COUTO e SILVA, esta tentativa no teve maior xito. Contudo, o mesmo autor esclarece permanecerem atuais os estudos de Reimer SCHMIDT relativamente a certos deveres anexos,v.g., a descoberta de deveres anexos de menor intensidade de coao ou deveres de grau menor.

b) J os autores suios cunharam a expresso incombance para designar este tipo de dever. O termo provm do verbo latino incumbere, cujo sentido o de pesar, onerar. Sendo o Cdigo suio redigido em lingua francesa, seu legislador adotou o substantivo incombance . A possibilidade de reduzir as perdas e danos ou mesmo no conced-las, est prevista em seu artigo 44 .

c) Em Frana, apesar de o direito francs no utilizar esta terminologia, a jurisprudncia vem aplicando esse conceito, com fulcro no princpio da boa f objetiva e na noo de abuso de direito.

B) As peculiaridades da recepo do duty to mitigate the loss, pelos Tribunais franceses.

A doutrina francesa atual reconhece ser a falta de identificao desta obrigao a causa dessa diversidade de regimes. Batrice JALUZOT, em seu importante estudo sobre a boa f, reconhece nas situaes ora analisadas, a existncia de uma culpa, muito prxima da culpa delitual, dando lugar a uma ao por perdas e danos por parte do devedor, conduzindo compensao entre as somas devidas contratualmente e aquelas surgidas da responsabilidade. Segundo essa autora, esta soluo seria mais clara do que passar pela boa f ou pelo abuso de direito. Isto revela a dificuldade que tm os juristas franceses com a utilizao do princpio da boa f objetiva, justamente devido a sua vagueza e impreciso conceitual.

Ainda sendo um pas bastante reticente na recepo do conceito de boa f objetiva, a jurisprudncia francesa vem adotando o dever de mitigar o prprio prejuzo, com fulcro no princpio da boa f.

O mais interessante de tudo isso, que a jurisprudncia francesa utiliza outro conceito, tambm derivado da boa f, o da proibio de venire contra factum prprio, como justificativa para sancionar o comportamento do credor faltoso, em relao lobligation de mitigation. A ttulo de exemplo, vale referir o caso Baillleux c. Jaretty, onde um locador permaneceu durante 11 anos sem cobrar os aluguis, e, ao invocar a clusula resolutria, acaba sendo privado de exercer o seu direito, com fundamento na proibio de venire contra factum proprium.

Outra maneira encontrada pelos juzes franceses, para solucionar a problemtica do descumprimento do dever de mitigar o prprio prejuzo, est na invocao da ocorrncia de abuso de direito, conceito to caro doutrina daquele pas.

Chegamos, ento, a uma primeira concluso: a natureza do dever de o credor mitigar o seu prejuzo varia de acordo com o sistema jurdico enfocado: no BGB considerada uma Obligenheit, isto , uma obrigao cuja exigncia de cumprimento reveste-se de menor intensidade; no direito francs, como antes mencionado, a justificativa estaria na boa f ou no abuso de direito; na Common Law, uma decorrncia do prprio sistema, isto , aquele que viola um contrato responsvel pelos danos, sem considerao culpa ou negligncia. Desta sorte, no de se estranhar que a Conveno de Viena, por exemplo, em seu j citado artigo 77, estabelea deva a outra parte tomar medidas para diminuir o prejuzo, decorrente da violao.

Uma parcela da doutrina, muito reduzida, conforme noticia Claude WITZ , vislumbra nesse dever uma verdadeira obrigao.

Uma vez perquirida a natureza do dever de diminuir o prprio prejuzo, passaremos a examinar a possibilidade de recepo do duty to mitigate the loss, no sistema do Cdigo Civil brasileiro de 2002, levando em conta, os termos do seu artigo 422.

IIa. Parte: Da possibilidade de recepo do duty to mitigate the loss no direito brasileiro, face os termos do artigo 422 do CC/2002.

A) Como poderia ser recepcionado o duty to mitigate the loss, no mbito do Cdigo Civil de 2002?

No sistema do Cdigo Civil brasileiro de 2002, de acordo com o disposto no seu artigo 422 , o duty to mitigate the loss poderia ser considerado um dever acessrio, derivado do princpio da boa f objetiva, pois nosso legislador, com apoio na doutrina anterior ao atual Cdigo, adota uma concepo cooperativa de contrato. Alis, no dizer de Clvis do Couto e Silva, todos os deveres anexos podem ser considerados como deveres de cooperao .

No referente incumbncia a que est sujeito o credor, de mitigar o seu prprio prejuzo, j vimos ser sua natureza jurdica de difcil definio, podendo estar tanto na categoria dos deveres (se existe regra positiva a respeito, como na CISG), bem como incumbncia, segundo o entendimento dos suios, ou ainda, como uma obrigao de pequeno porte, conforme a doutrina alem.

De vez que o direito brasileiro vem sendo, h longos anos, bastante influenciado pela doutrina e jurisprudncia alems, a conseqncia lgica, ainda mais em sendo o Cdigo Civil muito recente, seria a de ter incorporado o comportamento em anlise.

Outro aspecto a ser destacado, o da positivao do princpio da boa f objetiva, no novo diploma civil, abrindo, ento, inmeras possibilidades ao alargamento das obrigaes e /ou incumbncias das partes, no caso, as do credor.

Como se isso no fora suficiente fundamento para adoo desse dever, restam ainda, sob o influxo da jurisprudncia francesa, duas possibilidades de justificar a recepo: o conceito de venire contra factum proprium e o de abuso de direito, cuja previso representa, segundo uma doutrina minoritria, um avano do novo Cdigo Civil, em relao ao anterior, omisso nesta parte.

Deve ainda ser salientado o fato de direito brasileiro, neste ponto relativo concepo do abuso de direito qualificado como espcie de ato ilcito, previsto no artigo 187 do CC 2002, afastou-se da sistemtica alem, onde o abuso de direito reputado como uma violao ao princpio da boa f objetiva.

B) O comportamento do credor face ao dever (ou incumbncia) de mitigar o prprio prejuzo, decorrente do descumprimento contratual.

Diante da evidncia de uma violao do contrato, duas podero as reaes prejudicado: a primeira delas, a de curvar-se obrigao, ou incumbncia, e tratar de minimizar seus prejuzos (a) Se, diversamente, o credor no observar a incumbncia, dever suportar conseqncias, de natureza econmica (b).

a) O cumprimento da incombance, pelo credor : o direito ao reembolso das despesas feitas em razo disto.

Suponhamos que o credor tenha tomado as medidas necessrias para diminuir seu prejuzo, pelo fato do incumprimento do contrato. Tais medidas so de natureza muito variada, dependem do tipo de contrato e do teor da violao perpetrada pelo devedor. A jurisprudncia alem, francesa e dos tribunais arbitrais fornecem ricos exemplos.

Face a uma situao em que o credor tenha cumprido a incumbncia, surge, de imediato, a indagao: quem arcar com as despesas resultantes da tomada de medidas para diminuir o prejuzo? Conforme elucida o professor WITZ, com apoio na doutrina europia continental dominante a respeito deste assunto, as despesas ocasionadas pelo emprego de medidas ( razoveis ) seriam acrescidas aos danos suportados pelo credor.

O mestre de Estrasburgo aventa, ainda, outra hiptese, sempre dentro do quadro do artigo 77 da Conveno de Viena de 1980, mas perfeitamente aplicvel a situaes fora desse mbito: as mencionadas medidas fariam surgir um crdito distinto das perdas e danos.

Para chegar a esta concluso, Claude WITZ invoca o disposto no artigo 7.4.8, alnea 2, dos Princpios Unidroit : o credor pode recobrar as despesas razoavelmente ocasionadas, tendo em vista atenuar o prejuzo.

Uma questo interessante pode se apresentar, face existncia de uma clusula limitativa de responsabilidade em determinado contrato: assim, se o credor realizou as despesas, para cumprir o dever ( Obligenheit ou incombance ) de mitigar, ele teria ou no, direito ao reembolso das somas dispendidas?

A resposta deve ser positiva, de acordo com o pensamento de Claude WITZ, que faz outra observao importante: sob o ponto de vista terico, o cumprimento de um dever de mitigar pode gerar uma autntica obrigao, a cargo do seu beneficirio, o devedor ( grifo nosso), que teria ento uma verdadeira obrigao de reembolsar o credor.

b) O no cumprimento, pelo credor, do dever de mitigar.

No cumprido o dever de mitigar o prprio prejuzo, o credor poder sofrer sanes, seja com base na proibio de venire contra factum proprium, seja em razo de ter incidido em abuso de direito, como ocorre em Frana.

No mbito do direito brasileiro, existe o recurso invocao da violao do princpio da boa f objetiva, cuja natureza de clusula geral, permite um tratamento individualizado de cada caso, a partir de determinados elementos comuns: a prtica de uma negligncia, por parte do credor, ensejando um dano patrimonial, um comportamento conduzindo a um aumento do prejuzo, configurando, ento, uma culpa, vizinha daquela de natureza delitual.

A considerao do dever de mitigar como dever anexo, justificaria, quando violado pelo credor, o pagamento de perdas e danos.

Como se trata de um dever e no de obrigao, contratualmente estipulada, a sua violao corresponde a uma culpa delitual.

CONCLUSO

Como antes mencionado, o tema aqui analisado vol doiseau presta-se a grandes discusses, tanto que no est pacificado na jurisprudncia europia, nem no mbito das Convenes Internacionais sobre contratos.

Apesar de ensejar to grandes e atuais discusses, tanto nas esferas nacional , como na internacional, de lamentar o fato de nosso Cdigo de 2002 ter silenciado a este respeito.

Esperemos, pois, que, a exemplo do ocorrido no passado e sob o imprio do Cdigo de 1916, a Doutrina e a Jurisprudncia nacionais, mediante o auxlio do direito comparado, e com fundamento no princpio da boa f objetiva, reconheam a existncia de um dever, imposto ao credor, de mitigar o seu prprio prejuzo.

Graduado pela Faculdade de Direito da USP. Especialista em Direito Contratual e Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor em cursos preparatrios para as carreiras jurdicas. Professor convidado em cursos de ps-graduao em Direito Privado. Advogado em So Paulo. HYPERLINK http://www.flaviotartuce.adv.br www.flaviotartuce.adv.br. Elaborado em maro de 2.005.

A partir de agora, CISG (Convention of International Sales of Goods).

Na verso em ingls, The partie who relies on a breach of contract must take such mesures as are reasonable in the circunstances to mitigate the loss, including loss of profit, resulting from the breach. If he fails to take such mesures, the party in breach may claim a reduction in the damages in the amount by which the loss should have been mitigated.

Na verso francesa, esta ltima parte est traduzida assim : ... . Si elle nglige de le faire, la partie en dfaut peut demander une rduction des dommages-intrts gale au montant de la perte qui aurait d tre vite (da perda que poderia ter sido evitada ). O grifo nosso.

-Provisions common to the obligations of the seller and of the buyer.

-No original : der Schuldner ist verpflichtet, die Leistung so zu bewirken, wie Treu und Glauben, mit Rcksicht auf die Verkehrssitte es erfordern.

Abstract: CLOUT case 318, in A/CN.9/SER.C/ABSTRACTS830; Country: Germany; Number: VIIIZR 121/98: Court: Bundesgerichtshof; Parties: Unknown:

An Austrian owner of a vine nursery (the buyer) was in a longstanding business relationship with a German company (the seller) for the purchase of a special kind of wax, which it regularly used in order to prevent excessive drying out and limit danger of infection. As in the past, the buyer asked the seller to send an offer concerning "ca. 5000 kg. black vinewax". The wax was neither received nor inspected by the seller before delivery. It was delivered to the buyer in its original packaging directly from a third party, which the seller's supplier had entrusted with the production. The buyer partly used the delivered wax on its own vines fields and partly sold it on to other vine nurseries. After a large quantity of plants treated with the wax had suffered severe damage, the buyer complained thereof to the seller, then filed an action for damages. The seller objected, inter alia, that the vines had been damaged by a cause beyond its control. While the first instance court rejected the claim, on appeal the judgment was reverted in the buyer's favor. The seller appealed to the Supreme Court. The Supreme Court confirmed the lower instance decisions as to the existence of a lack of conformity of the goods under Art. 35(2)(a) CISG, since the wax did not meet the industry standards that were known to and applied by both parties. As to the seller's claim that the buyer had used part of the wax for a purpose other than that intended, i.e. for treatment of young vines, the Court remanded the case to the lower courts in order to ascertain the facts. If this were indeed the case, there would be no causal connection between the lack of conformity and the damage and consequently no liability of the seller concerning young vine fields. The Court rejected the contention that the seller had not produced the wax itself and therefore it should not be liable for its lack of conformity. In reaching this conclusion, the Court avoided to decide expressly whether Art. 79 CISG covers all possible cases of non-performance, or whether its application has to be excluded for lack of conformity. In any event, Art. 79 CISG was not considered applicable because the seller did not prove that the impediment lay beyond its control. Art. 79 CISG does not alter the contract's distribution of risks, by which the seller is obliged to deliver (conforming) goods. According to Art. 79(2) CISG, the seller has to bear the risk of a lack of conformity deriving from its own suppliers' non-performance, unless it brings evidence that the impediment did not lie in its and its supplier's control. This was not proved in the case at hand, nor had the seller successfully excluded liability through its standard terms, both because they were not part of the contract, and because such a general exclusion would be invalid according to German domestic law. The Court moreover observed that the seller's failure to inspect the goods before delivery was of no consequence (contrary to the lower court's opinion), because its obligation is to be construed as a warranty and does not depend on fault. Finally the Court held that the lower instance court should have dealt with the issue of mitigation of damages by the buyer (Art. 77 CISG), and should not have remanded it to separate proceedings concerning the amount of the claim. In the Court's opinion this is supported by the German domestic law rules on contributory negligence, which are applicable notwithstanding the principle of autonomous interpretation of CISG (Art. 7(1) CISG), since the issue is a procedural one. Art. 77 CISG must be considered ex officio and may lead to exclude the seller's liability altogether. The case was thus remanded to the appellate court for decision on the alleged buyer's failure to mitigate damages by not stopping to use the wax as soon as it became aware of its damaging effects.

V.tambm as interessantes obs. de Claude WITZ,sobre esta deciso, in D. 2000, 24 maro 1999, p. 425 .

-Do lat. mitigare, adoucir, rendre moins rigoureux, cf. o dictionnaire Le Robert, d. 1993, pgs. 1 417.

Cf. Referido por Batrice JALUZOT, in La bonne foi dans les contrats, Dalloz, 2001, pgs. 521, n 1796.

-Uniform Law for International Sales, Kluwer Law International, Third Edition, pgs. 416-419.

Art. 88: The party who relies on a breach of contract shall adopt all reasonable measures to mitigate the loss resulting from the breach. If he fails to adopt such measures, the party in breach may claim a reduction in dammages.

Art. 7.4.8 : (1) The non-performing party is not liable for harm suffered by the aggrieved party to the extent that the harm could have been reduced by the latter partys taking reasonable steps.

(2) : The aggrieved party is entitled to recover any expenses reasonably incurred in attempting to reduce the harm.

Art. 9: 505 : reproduz o texto do artigo 7.4.8 dos Principles UNIDROIT.

-(63) : A party who relies on a breach of contract must take such measures as are reasonable in the circonstances to mitigate the loss of profit, resulting from the breach. If it fails to take such measures, the party in breach may claim a reduction in the damages in the amount by which the loss should have mitigated.

-In LObligation de minimiser son propre dommage dans les conventions internationales: lexemple de la Convention de Vienne sur la Vente Internationale , Petites Affiches, 21 mars 2002, pgs. 50 e segs.

- Se, de acordo com as disposies da presente Conveno, uma parte tiver direito de exigir da outra a execuo de uma obrigao, um tribunal no est obrigado a ordenar a execuo in natura, a menos que o faa em virtude da aplicao de seu prprio direito, relativamente a contratos de compra e venda semelhantes, no regulados pela presente Conveno. No original : If, in accordance with the provisions of this Convention, one party is entitled to require performance of any obligation by the other party, a court is not bound to enter a judgement for specific performance unless the court would do so under its own law in respect of similar contracts of sale not governed by this Convention.

- A expresso Obligenheit surgiu no mbito do direito dos seguros, no direito alemo, tendo o sentido de um dever de menor intensidade, contudo, a sua obedincia est no interesse desta pessoa. Segundo adverte Christoph FABIAN, o sistema jurdico no prev um direito indenizao, apenas uma sano, de natureza mais leve, como por exemplo, a perda de uma posio jurdica favorvel. In Dever de Informar no Direito Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 2002 , pgs. 53.

-Die Obliegenheiten, cit. por C.do COUTO e SILVA, in A Obrigao como Processo, Jos Bushastky Editor, So Paulo, 1976, pgs. 103.

- In A Obrigao como Processo, Jos Bushastky Editor, 1976, So Paulo, pgs. 112-113.

-A respeito, consultar Christoph FABIAN, op.cit. pgs. 53.

- A expresso incombance ( incumbncia), do latim incumbere ( pesar sobre ) faz parte do vocabulrio jurdico suio. O dicionrio jurdico alemo Michaelis tech, traduz Obleigenheit , como incumbncia.

- Voc. signif. peser, retomber sur qqn, tre impos qqn. Dictionnaire Le Robert, p. 1 148.

Rduction de lindemnit 1- Le juge peut rduire les dommages-intrts, ou mme nen point allouer, lorsque la partie lse a consenti la lsion ou lorsque des faits dont elle est responsable ont contribu crer le dommage, laugmenter, ou quils ont aggrav la situation du dbiteur.2- Lorsque le prjudice na t caus ni intentionnellement ni par leffet dune grave ngligence ou imprudence, et que sa rparation exposerait le dbiteur la gne, le juge peut quitablement rduire les dommages-intrts.

- In La bonne foi dans les contrats, Dalloz, 2001, n 798, pgs. 523.

- Vide Cass. Com., 07 janv. 1963, caso Bailleux c. Jaretty, Bull. Civ. III, n16, p.14. V.comentrio do caso, por G.CORNU, R.T.D.civ., 1974, pgs. 833. Consultar, igualmente, Batrice JALUZOT, op. cit. pgs. 521, nos. 1795 e 1796.

-Caso poux D. c .poux G.,, Cass.com., 05 dcembre,1995. Comentrios na R.T.D.civ.,1996, pgs. 899, por J. MESTRE.

-Op. cit. pgs. 50 .

- Os contratantes so obrigados a guardar, assim na concluso do contrato, como em sua execuo, os princpios da probidade e da boa f.

-Op. cit. pgs. 112 segs.

- A sua recepo deve-se, entre ns, sobretudo a dois grandes juristas do sculo XX, F.C. PONTES DE MIRANDA e Clvis do COUTO e SILVA, ambos cultores da doutrina jurdica clssica alem.

-Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa f ou pelos bons costumes.

-Op. cit. pgs. 51.