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A AUTORIA INSTITUCIONAL EM PESQUISAS ACADÊMICAS SOBRE O ENSINO-APRENDIZAGEM DA ESCRITA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS (1987-2010) Geane Botarelli Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial-SENAI RESUMO É reconhecida a importância do aprendizado da língua materna na modalidade escrita para a autonomia dos indivíduos. A sociedade letrada oferece informações, lazer, entre outros, e os indivíduos necessitam continuamente desenvolver capacidades para a leitura e escrita, a fim de que possam interpretar e ter acesso à cultura e ao conhecimento que estão presentes em sua vida social e, tal aspecto, é relevante tanto para ouvintes quanto para pessoas surdas. As discussões acerca da educação de surdos no Brasil são permeadas por grandes tensões e quando se trata especificamente do ensino da língua escrita para surdos tais tensões permanecem e, em consequência disso, as pesquisas acadêmicas refletem muitas vezes tanto isso quanto outros aspectos interessantes, como a autoria institucional. À medida que não se pode considerar dissertações e teses como a expressão mais avançada de um determinado campo, mas pode-se considerá-las como uma produção cultural, o interesse neste trabalho é analisar a autoria institucional dessas produções, como expressão de suas tendências, considerando que essas foram defendidas em instituições e programas de pós- graduação específicos, em determinadas épocas, em espaços geográficos distintos, bem como foram orientadas por pesquisadores diversos. As informações foram obtidas a partir de resumos disponibilizados no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, no período de 24 anos (1987 a 2010), referentes às 136 produções acadêmicas (dissertações de mestrado e teses de doutorado), cuja investigação buscou analisar quem e quando investiga o ensino-aprendizagem da língua escrita para surdos nas produções acadêmicas brasileiras. Como referencial teórico para a análise, optou-se pelas contribuições do materialismo cultural (Williams, 1980), por meio do qual se verifica as especificidades da produção material para interpretar as práticas sócio- históricas. Palavras-chave: surdo; escrita; pesquisa educacional Introdução Se realmente não existe consenso nas mais diversas discussões educacionais, quando o olhar do pesquisador volta-se especificamente para a educação de surdos encontra um terreno fértil das mais diferentes tensões. Pode-se, pois, questionar: como a educação de surdos é tratada nas pesquisas acadêmicas brasileiras? Que distinções de posicionamentos em relação a espaço, tempo, autoria, regiões, orientação metodológica, entre outros aspectos, podem ser observados em tais pesquisas? Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 00074

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A AUTORIA INSTITUCIONAL EM PESQUISAS ACADÊMICAS SOBRE O

ENSINO-APRENDIZAGEM DA ESCRITA NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

(1987-2010)

Geane Botarelli

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial-SENAI

RESUMO

É reconhecida a importância do aprendizado da língua materna na modalidade escrita para

a autonomia dos indivíduos. A sociedade letrada oferece informações, lazer, entre outros, e

os indivíduos necessitam continuamente desenvolver capacidades para a leitura e escrita, a

fim de que possam interpretar e ter acesso à cultura e ao conhecimento que estão presentes

em sua vida social e, tal aspecto, é relevante tanto para ouvintes quanto para pessoas surdas.

As discussões acerca da educação de surdos no Brasil são permeadas por grandes tensões e

quando se trata especificamente do ensino da língua escrita para surdos tais tensões

permanecem e, em consequência disso, as pesquisas acadêmicas refletem muitas vezes

tanto isso quanto outros aspectos interessantes, como a autoria institucional. À medida que

não se pode considerar dissertações e teses como a expressão mais avançada de um

determinado campo, mas pode-se considerá-las como uma produção cultural, o interesse

neste trabalho é analisar a autoria institucional dessas produções, como expressão de suas

tendências, considerando que essas foram defendidas em instituições e programas de pós-

graduação específicos, em determinadas épocas, em espaços geográficos distintos, bem

como foram orientadas por pesquisadores diversos. As informações foram obtidas a partir

de resumos disponibilizados no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior - CAPES, no período de 24 anos (1987 a 2010), referentes às 136

produções acadêmicas (dissertações de mestrado e teses de doutorado), cuja investigação

buscou analisar quem e quando investiga o ensino-aprendizagem da língua escrita para

surdos nas produções acadêmicas brasileiras. Como referencial teórico para a análise,

optou-se pelas contribuições do materialismo cultural (Williams, 1980), por meio do qual

se verifica as especificidades da produção material para interpretar as práticas sócio-

históricas.

Palavras-chave: surdo; escrita; pesquisa educacional

Introdução Se realmente não existe consenso nas mais diversas discussões educacionais,

quando o olhar do pesquisador volta-se especificamente para a educação de surdos encontra

um terreno fértil das mais diferentes tensões. Pode-se, pois, questionar: como a educação de

surdos é tratada nas pesquisas acadêmicas brasileiras? Que distinções de posicionamentos

em relação a espaço, tempo, autoria, regiões, orientação metodológica, entre outros

aspectos, podem ser observados em tais pesquisas?

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200074

No Brasil, vê-se claramente uma ineficácia do ensino de Língua Portuguesa para

alunos ouvintes, o que se comprova por meio de avaliações internas e externas, como o

PISA, no qual fica claro que os jovens brasileiros atingem, em média, nível 2 de

proficiência em leitura, ou seja, limitam-se a localizar informações (PISA, 2012, p. 3) .

Quando se volta especificamente para a educação de surdos, esse aspecto é ainda agravado:

além da escassez de materiais para o ensino da língua portuguesa para esse público, as

pesquisas acadêmicas sobre esse assunto mostram um cenário que convida a diversas

análises, inferências e inquietações.

Esse artigo tem como objetivo discutir alguns dados de pesquisas acadêmicas,

organizados por meio de um gráfico e três tabelas, acerca do ensino da língua escrita em

pesquisas acadêmicas. Os dados foram obtidos por meio dos resumos disponibilizados no

Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –

CAPES (BRASIL. MEC. CAPES, 2012), no período de 1987 a 2010, a fim de responder

quem e quando investiga a educação de surdos nas pesquisas brasileiras.

Como referencial teórico para a análise, optou-se pelas contribuições do

materialismo cultural (Williams, 1980), por meio do qual se verifica as especificidades da

produção material para interpretar as práticas sócio-históricas.

Cultura e Surdez

Um trabalho acadêmico lida com conceitos diversos e as fontes teóricas que os

embasam. Para minha análise, lido principalmente com dois conceitos: cultura e surdez,

com base na perspectiva do materialismo cultural criado por Raymond Williams (1969),

para quem determinadas palavras são de fundamental importância numa sociedade, em

determinado período, ou por seu significado ou até por sua modificação no decorrer do

tempo.

O termo cultura é amplamente discutido e analisado por muitos estudiosos, nos

mais diferentes contextos, entretanto neste artigo a cultura interessa-me por duas questões:

primeiramente, por estar, nos meios acadêmicos, amplamente difundida a ideia de uma

“cultura surda”, ou seja, uma cultura específica das pessoas surdas, com singularidades e

características específicas e distintas da cultura “ouvinte”.

Discutir o conceito de surdez não é tarefa simples. Santana (2007) alerta que

“quando um pesquisador propõe determinadas abordagens para lidar com a surdez, não

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200075

consegue ser imparcial, pois sua proposta sempre refletirá uma concepção própria de

surdez.” (SANTANA, 2007, p. 21).

Uma conceituação de surdez trata da questão de não ouvir ou da limitação em se

ouvir. Nesse sentido, a surdez é entendida como deficiência auditiva. É utilizada mais

frequentemente pela área da saúde e busca mecanismos para evitar a surdez ou, nos casos

que ela já exista, busca a possibilidade de retorno da audição, como uso de aparelhos e

implantes.

Já a segunda abordagem de surdez refuta essa ideia de deficiência auditiva,

argumentando que a surdez é uma diferença. Os teóricos dessa compõem os Estudos Surdos

e a abordagem Socioantropológica e defendem que a forma do pensar de uma pessoa surda

se diferencia de uma pessoa ouvinte. Para esses autores, há o ouvintismo, que se

caracterizaria pela opressão da comunidade ouvinte majoritária sobre a comunidade surda

minoritária, impondo a cultura ouvinte, com seus modos de se comunicar, pensar e

socializar. Para Skliar (1997) o ouvintismo é “o conjunto de representações dos ouvintes a

partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”

(SKLIAR, 1997, p.15)

Dentro do campo educacional, no entanto, essa segunda abordagem tem merecido

críticas como as de Bueno (1998, p. 8) que procurando responder se a surdez é ou não uma

deficiência, afirma que “todas as evidências científicas, sociais e culturais indicam que é”.

O autor ainda salienta que a sociedade busca evitá-la e preveni-la, por exemplo, por meio

da vacina contra a rubéola materna, pois a consequência dessa doença na mãe pode

ocasionar surdez em recém-nascidos. Nesse sentido, a vacina previne “um mal”.

Bueno (1998, p. 8) ainda argumenta que, do ponto de vista das diferenças culturais é

até interessante considerar o surdo como minoria, todavia, tratar a surdez como mera

diferença é eufemizar o patológico, esconder a deficiência, e que a perspectiva que encara

os surdos como uma minoria dominada pela maioria ouvinte dominante, além de não

poder ser confundida com a de outros grupos minoritários, torna homogênea tanto a

população ouvinte, quanto a surda, na medida em que não considera as diferenças de classe,

raça e gênero, homogeneizando o que é econômica, social e culturalmente diverso.

Análise dos resumos acadêmicos

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200076

A análise das principais tendências investigativas no campo da escrita da língua

portuguesa para surdos pode contribuir para o seu adensamento. Para a obtenção dos dados

deste artigo, foram analisados os resumos de teses de doutorado e dissertações de mestrado

que foram disponibilizados no Banco de Teses da CAPES, de 1987 a 2010.

Os descritores utilizados para a seleção dos resumos sobre educação de surdos

foram: surdo, deficiente auditivo, escola e escolarização. Após filtrar apenas os trabalhos

sobre a escrita dos surdos, chegou-se a 136 pesquisas neste período.

Quem e quando investiga

À medida que não se pode considerar dissertações e teses como a expressão mais

avançada de um determinado campo, o interesse neste trabalho é analisar a autoria

institucional dessas produções, como expressão de suas tendências, considerando que essas

foram defendidas em instituições e programas de pós-graduação específicos, em

determinadas épocas e em espaços geográficos distintos bem como foram orientadas por

pesquisadores reconhecidos.

Verifica-se que, de 1987 a 2010, gradualmente há um aumento considerável na

quantidade de produções que discutiram o ensino-aprendizagem da língua escrita para o

surdo (gráfico 1). Chama a atenção não haver nenhuma pesquisa nos anos de 1988, 1989,

1990 e 1991. Pode-se perceber que, de 1987 a 2002 o limite de trabalhos sobre esse assunto

chegou, no máximo, a 8 produções (2001); há aumento considerável no ano de 2003, com

um total de 14 pesquisas sobre o tema (sobre surdos no geral, neste ano houve 47

pesquisas). Nas pesquisas realizadas pelo tema no Brasil é a primeira vez que ocorrem

tantos trabalhos.

Uma hipótese para esse aumento de publicações sobre surdos no ano de 2003 pode

ter relação com a publicação da Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a

Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. Obviamente, anterior à promulgação dessa lei,

houve discussões em diversos setores da sociedade sobre o assunto, o que poderia justificar

esse aumento exponencial na quantidade de pesquisas.

É em 22 de dezembro de 2005 que a Lei Nº 10.436 é regulamentada, por meio do

Decreto 5.626/2005. Nesta regulamentação, são definidos aspectos importantes, como a

obrigatoriedade da oferta de LIBRAS nos cursos de formação de professores e nos cursos

de Fonoaudiologia e como disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200077

superior e na educação profissional. Também é neste decreto que está a regulamentação da

formação e do exercício do profissional intérprete de LIBRAS.

O Artigo 13 deste Decreto estabelece:

O ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas

surdas, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de formação de professores

para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e

superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação em Língua

Portuguesa.Parágrafo único. O tema sobre a modalidade escrita da língua portuguesa para

surdos deve ser incluído como conteúdo nos cursos de Fonoaudiologia. (DECRETO

5.695/2005)

Ainda, neste Decreto, há o Capítulo IV - Do uso e da difusão da libras e da língua

portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação, o qual envolve vários aspectos

relacionados aos profissionais, à formação, à atuação na escola, ao ensino de LIBRAS e da

língua portuguesa, tanto na modalidade escrita quanto na modalidade oral.

Neste sentido, infere-se que há uma influência que reverberou nas motivações de

pesquisadores em investigar o ensino da língua portuguesa na educação de surdos.

Considerando que a lei foi aprovada em dezembro de 2005, imagina-se que seu

conhecimento tenha sido mais bem vislumbrado no ano de 2006, quando vários

pesquisadores estariam ingressando em cursos de Mestrado (duração prevista de dois anos e

média) e Doutorado (duração prevista de quatro anos em média). A formação desses

profissionais ocorreu provavelmente entre os anos de 2008 e 2010, período em que mais

foram realizadas pesquisas sobre o ensino do português escrito para surdos no período

avaliado por esta pesquisa (1987-2010).

Com isso, fica evidente que as diversas legislações interferem diretamente não só

nos aspectos em que legislam (como a inclusão de LIBRAS no ensino, por exemplo), mas

também suscitam angústias, inquietações, dúvidas e vontade de se conhecer mais a respeito

de um tema, o que leva muitas pessoas a buscarem ingressar no Mestrado e Doutorado.

A Tabela 1 apresenta os dados das pesquisas realizadas sobre surdez e língua

escrita, distribuídas por instituição de ensino superior no período de 24 anos (1987 a 2010).

O terceiro bloco apresenta grande dispersão das pesquisas, envolvendo 26 IES em

que ocorreram entre uma e duas defesas no período, totalizando 35 produções: média anual

de uma produção que, se subdividida entre elas, perfaz uma média de 0,04 defesas por ano,

para cada uma delas. Esta dispersão pode ser mais comprovada quando se verifica que

dezessete instituições realizaram apenas uma pesquisa (menos de 1% do total de pesquisas

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200078

sobre a escrita de surdos por instituição, ou seja, média anual de 0,7), as outras nove IES

realizaram duas pesquisas entre 1987 e 2010 (1,5% do total de pesquisas por instituição, ou,

0,75 de média anual).

O bloco intermediário, das oito instituições em que foram defendias entre 3 e 5

produções, num total de 30 trabalhos, verifica-se que a média anual totaliza apenas 1,5

trabalho por ano, que, se subdivididas entre as IES, perfaz a média de 0,19 por ano.

Até mesmo as instituições que ficaram situadas no primeiro bloco, como as que

tiveram maior número de dissertações e teses defendidas, a média é bastante baixa: 71

trabalhos distribuídos por oito IES, ou seja, média anual de 3 produções, que se

subdivididas entre elas perfaz uma média de 0,12.

A pulverização tão marcada nas IES pode ocorrer pelas dimensões continentais de

nosso país, pois realizar pesquisas em programas que possam ser referências por seus

professores ou por sua linha de pesquisa muitas vezes pode ser um desejo inviabilizado pela

dificuldade de deslocamento, condições de moradia, alimentação, problemas de horário em

função de atividades profissionais e principalmente pelas condições financeiras, as quais

reverberam nos outros motivos citados. Nesse sentido, o pesquisador desenvolve um tema

em algum programa de pesquisa nem sempre relacionado diretamente ao trabalho com

surdez, mas que atenda as suas condições de ir, vir e manter-se.

Quanto aos programas específicos de Pós-Graduação (tabela 2) é possível verificar a

grande concentração de estudos sobre a escrita dos surdos nos Programas de Educação e

nos de Letras/Linguística/Linguagem. Essas duas linhas de pesquisa totalizam 77,2% de

toda a produção de pesquisas sobre esse assunto.

Podem-se deduzir alguns aspectos em relação a esses dados. Geralmente, a

iniciativa de realização de alguma pesquisa de Mestrado e Doutorado surge a partir de

alguma inquietação vivenciada pelo pesquisador. Neste sentido, a dificuldade de

comunicação que as pessoas surdas costumam demonstrar pode conduzir os profissionais

que se confrontam com essa situação a buscar os programas de estudos. Por essa razão e em

função das legislações e tratados sobre a inclusão de pessoas com deficiência – em que as

pessoas surdas também se encontram – a escola precisa lidar diretamente com a questão,

sendo que os atores envolvidos nessas ações lidam com inquietações e escolhas constantes

e muitos dilemas são elaborados a partir de então. Isso, de certa forma, pode justificar a

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200079

escolha majoritária por programas na área da Educação e das

Letras/Linguística/Linguagem.

Em seguida, pode-se perceber que outra fatia de 19,2% corresponde a estudos

distribuídos entre os Programas de Psicologia, Distúrbios da Comunicação/Fonoaudiologia,

Ciências da Informação/Computação/ Design e Distúrbios do

Desenvolvimento/Reabilitação.

Novamente a questão da importância da comunicação e da linguagem parece ser

desencadeadora dessas escolhas. A linguagem é um dos aspectos tratados pela psicologia e

é considerada essencial para o desenvolvimento das demais atividades sociais do individuo.

Os programas de Distúrbios da Comunicação/Fonoaudiologia e Distúrbios do

Desenvolvimento/Reabilitação lidam também diretamente com esse aspecto, pois o surdo é

um desafio, já que pela ausência da audição sua fala é prejudicada ou ausente.

Quanto aos Programas de Ciências da Informação/Computação/ Design, pelo

conteúdo dos resumos lidos, foi possível perceber que há iniciativas de pesquisas as quais

buscam utilizar as novas tecnologias de informação e comunicação, por meio de programas

de computadores, no desenvolvimento de ações em que o surdo possa letrar-se, muitas

vezes de forma autônoma. Nesse sentido, ainda é a linguagem e a possiblidade de melhoria

da comunicação que motiva esses trabalhos.

Nos demais Programas (Arte/História da Arte, Comunicação Social, Engenharia,

Geografia e Medicina) há grande dispersão, pois em cada um deles foi realizada apenas

uma pesquisa sobre essa temática durante o período de 24 anos, correspondendo de 1987 a

2010.

Ou seja, os processos de ensino da língua escrita não ultrapassam, basicamente, o

âmbito da educação e dos estudos de linguagem, pois aspectos como os da relação entre

linguagem e condições sociais de vida parecem não ter sido incorporados pela academia.

Outro aspecto observável na análise de dissertações e teses diz respeito à orientação,

de diversos professores diferentes. Tabela 3 mostra que das 136 pesquisas sobre a escrita de

surdos, 93 delas (68%) foram realizadas por um único orientador. Nesse sentido, pode-se

inferir que a temática não seja recorrente das orientações desses professores, ou que talvez,

para esse tema, não exista muitas ofertas de núcleos de pesquisas pelo país, ou ainda que o

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200080

trabalho realizado não tenha relação direta com a linha de pesquisa do núcleo, mas seja uma

manifestação de interesse do pesquisador.

Entretanto, por outro lado, observando essa tabela, verifica-se que quinze

orientadores apresentaram recorrências nas orientações de pesquisa. Varias são as

hipóteses, entre elas uma já manifestada na análise das tabelas 5 e 8, que se refere à procura

de um programa específico em função da linha de pesquisa adotada ou dos professores que

atuam nesse núcleo de trabalho. Desta forma, há uma constante procura por determinado

orientador, em razão de seu reconhecimento acadêmico.

Mesmo assim, os dois orientadores que tiveram sob sua responsabilidade a defesa

de 5 trabalhos, orientaram, em média, 0,21 alunos por ano.

Toda a análise dessas tabelas e gráfico permeia alguns aspectos dessa análise e

parece estar relacionada com a tradição, que é considerada na escolha das Instituições, dos

programas e dos orientadores. Williams (1992) oferece a seguinte contribuição para esta

reflexão:

A tradição (“nossa herança cultural”) mostra-se de modo claro como um processo

de continuidade deliberada, embora, analiticamente, não se possa demonstrar que

alguma tradição seja uma seleção ou re-seleção daqueles objetos significativos

recebidos e recuperados do passado que representam uma continuidade não

necessária, mas desejada. [...] Esse “desejo” não é abstrato mas efetivamente

definidos pelas relações sociais gerais existentes. (WILLIAMS, 1992, p. 184-185)

Considerando o exposto pelo autor, podemos considerar que o peso da tradição seja

definido nas escolhas, até porque as pesquisas stricto sensu resultam em uma titulação

determinada a poucas pessoas em nosso país. Nesse sentido, o pesquisador, quando

possível recorre a programas, orientadores e temática que lhe ofereçam menos risco e mais

chance de sucesso, desde que possa ter condições de arcar com deslocamentos e outros

aspectos.

Considerações finais

Com a análise dos dados, percebe-se por um lado grande dispersão da realização de

pesquisas sobre esse assunto, mas por outro lado uma polarização em determinadas

instituições, programas e escolha de orientadores. Esse aspecto merece ser refletido, pois a

baixa quantidade de pesquisas sobre a escrita dos surdos em grande parte das instituições,

em contraposição com a alta concentração em alguns orientadores, pode determinar maior

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200081

influência na disseminação de algumas abordagens por todo o quadrante nacional. Esse

aspecto merece estudos mais aprofundados em investigações posteriores.

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Campinas. 1998. .Disponível em

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24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e o art. 18 da

Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000. 2005. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em

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OLIVEIRA, A. M. R. Balanço Tendencial das Dissertações e Teses sobre Dificuldades de

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Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 200082

TABELAS E GRÁFICOS

GRÁFICO 1

Distribuição anual das produções de educação de surdos que investigaram a

escrita

Fonte: Gráfico criado a partir dos dados disponíveis no Banco de Teses da CAPES (2012).

Tabela 1

Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por IES (1987/2010)

Instituição Nº %

PUC-SP 13 9,6

UnB 13 9,6

USP 12 8,8

UFSCar 7 5,1 71

UNESP 7 5,1

UNICAMP 7 5,1

UFRGS 6 4,4

UFSC 6 4,4

PUC- RJ 5 3,7

PUC-RS 5 3,7

UNICAP 4 2,9

UPM 4 2,9 30

UFMG 3 2,2

UFPR 3 2,2

UERJ 3 2,2

UFBA 3 2,2

UFPB 2 1,5

UFPE 2 1,5

UFRJ 2 1,5

UFSM 2 1,5

UECE 2 1,5

UFC 2 1,5

UNISINOS 2 1,5

UFES 2 1,5

UVA 2 1,5

CUM-IPA 1 0,7

UFPA 1 0,7

UGF 1 0,7

UMESP 1 0,7

UFAM 1 0,7

UNESA 1 0,7 35

UCPEL 1 0,7

UFJF 1 0,7

UEL 1 0,7

UNIGRANRIO 1 0,7

UNIJUI 1 0,7

UNISC 1 0,7

UFMT 1 0,7

UFRN 1 0,7

USF 1 0,7

UFMS 1 0,7

UFF 1 0,7

TOTAL 136 100

Fonte: Tabela criada a partir dos dados

disponíveis no Banco de Teses da

CAPES (2012).

Ano

19

0

2

0 0 0 0

21

21

4 45

2

4

8

5

14

76

8

15

19

15

12

87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10

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EdUECE- Livro 200084

Tabela 2

Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita por

Programa de Pós-Graduação (1987/2010)

Programa Nº % Educação 59 43,4

Letras/Linguística/Linguagem 46 33,8

Psicologia 10 7,4

Distúrbios da Comunicação/Fonoaudiologia 8 5,9

Ciências da Informação/Computação/Design 5 3,7

Distúrbios do desenvolvimento/Reabilitação 3 2,2

Artes/História da Arte 1 0,7

Comunicação social 1 0,7

Engenharia 1 0,7

Geografia 1 0,7

Medicina 1 0,7

TOTAL 136 100

Fonte: Tabela criada a partir dos dados disponíveis no Banco de Teses da CAPES (2012).

Tabela 3

Distribuição da produção sobre surdez e língua escrita

por orientador (1987/2010)

Orientações Orientador

Total de

Orientações

Cinco 2 10

Três 5 15

Duas 8 16

Uma 93 93

Não especif. 2 2

TOTAL 110 136 Fonte: Tabela criada a partir dos dados disponíveis no

Banco de Teses da CAPES (2012).

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