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803 A ATUAÇÃO FEMININA NO MOVIMENTO ESTUDANTIL PELOTENSE DURANTE OS ANOS DE 1977 A 1984 LUISIANE DA SILVEIRA GOMES 1 Universidade Federal de Pelotas [email protected] RESUMO: O Movimento Estudantil constituiu-se como um dos principais movimentos de resistência à Ditadura Civil-Militar no Brasil, porém, a produção historiográfica acerca do tema é restrita e o período que abrange a redemocratização do país raramente é estudado. Neste sentido, este trabalho busca analisar a participação de mulheres no M. E. de Pelotas nos anos de 1977 a 1984, bem como, averiguar a composição das chapas para eleições ao DCE tanto da UFPel como na UCPel. Através do método da História Oral, a qual se demonstrou fundamental no andamento deste trabalho, foram realizadas entrevistas com mulheres que militaram no M. E. pelotense no referido período. A partir da pesquisa brevemente realizada, foi possível constatar que existia preconceito por parte da sociedade em relação às militantes, além disso, as chapas ganhadoras às eleições aos DCEs das instituições supracitadas eram majoritariamente masculinas. Palavras-chave: Pelotas – Movimento Estudantil – Mulheres Apesar da Ditadura Civil-Militar brasileira ser um tema que, geralmente, desperta o interesse de muitos e também por se tratar de uma temática que ainda se mantém ativo na memória da sociedade, principalmente entre àqueles que de alguma maneira foram afetados pelo regime, a produção historiográfica, sobretudo no Rio Grande do Sul, ainda é bastante restrita. Além disso, quando nos referimos ao período da redemocratização do país, especialmente no que diz respeito ao Movimento Estudantil, percebemos uma lacuna na historiografia, uma vez que as obras concentram-se, sobretudo, nos grandes centros e anos de maior repressão ao referido movimento por parte do governo. Esse período ficou conhecido como os “Anos de Chumbo” (1968 – 1973). Nesse período a liberdade de oposição ao governo militar torna-se cada vez mais escassas e a luta armada surge como a única opção viável na luta pela democracia. Porém, vale ressaltar que o principal foco do trabalho não são os grupos que aderiram à luta, por tal razão a discussão em torno destes será feita brevemente. Devido a isso, este trabalho, considerado introdutório, uma vez que há a necessidade aprofundar algumas discussões trazidas aqui, possui um caráter inédito, pois inexistem outras obras que retratem a participação de mulheres no Movimento Estudantil no período já supracitado, outro fato relevante à pesquisa é que a mesma se desenvolveu em uma cidade do interior. Em consequencia destes fatos, o 1 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pelotas

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A ATUAÇÃO FEMININA NO MOVIMENTO ESTUDANTIL PELOTENSE DURANTE OS ANOS DE 1977 A 1984

Luisiane da siLveira Gomes1

Universidade Federal de [email protected]

RESUMO: O Movimento Estudantil constituiu-se como um dos principais movimentos de resistência à Ditadura Civil-Militar no Brasil, porém, a produção historiográfica acerca do tema é restrita e o período que abrange a redemocratização do país raramente é estudado. Neste sentido, este trabalho busca analisar a participação de mulheres no M. E. de Pelotas nos anos de 1977 a 1984, bem como, averiguar a composição das chapas para eleições ao DCE tanto da UFPel como na UCPel. Através do método da História Oral, a qual se demonstrou fundamental no andamento deste trabalho, foram realizadas entrevistas com mulheres que militaram no M. E. pelotense no referido período. A partir da pesquisa brevemente realizada, foi possível constatar que existia preconceito por parte da sociedade em relação às militantes, além disso, as chapas ganhadoras às eleições aos DCEs das instituições supracitadas eram majoritariamente masculinas.

Palavras-chave: Pelotas – Movimento Estudantil – Mulheres

Apesar da Ditadura Civil-Militar brasileira ser um tema que, geralmente, desperta o interesse de muitos e também por se tratar de uma temática que ainda se mantém ativo na memória da sociedade, principalmente entre àqueles que de alguma maneira foram afetados pelo regime, a produção historiográfica, sobretudo no Rio Grande do Sul, ainda é bastante restrita. Além disso, quando nos referimos ao período da redemocratização do país, especialmente no que diz respeito ao Movimento Estudantil, percebemos uma lacuna na historiografia, uma vez que as obras concentram-se, sobretudo, nos grandes centros e anos de maior repressão ao referido movimento por parte do governo. Esse período ficou conhecido como os “Anos de Chumbo” (1968 – 1973). Nesse período a liberdade de oposição ao governo militar torna-se cada vez mais escassas e a luta armada surge como a única opção viável na luta pela democracia. Porém, vale ressaltar que o principal foco do trabalho não são os grupos que aderiram à luta, por tal razão a discussão em torno destes será feita brevemente. Devido a isso, este trabalho, considerado introdutório, uma vez que há a necessidade aprofundar algumas discussões trazidas aqui, possui um caráter inédito, pois inexistem outras obras que retratem a participação de mulheres no Movimento Estudantil no período já supracitado, outro fato relevante à pesquisa é que a mesma se desenvolveu em uma cidade do interior. Em consequencia destes fatos, o

1 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pelotas

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método da História Oral demonstrou-se de extrema importância para o desenvolvimento da mesma.

O recorte temporal corresponde ao período posterior ao chamado “milagre econômico”, onde percebemos dois fatores importantes para o início da derrocada do regime militar. O primeiro o fator é de caráter interno, pois a mesma sociedade que apoiou o golpe em 1964, agora tenta buscar maneiras de diminuir o grau de repressão por parte dos militares, e o segundo é o fator externo com a crise do petróleo em 1973, a qual afetou a economia brasileira.

O Movimento Estudantil recomeça a dar seus primeiros passos em direção a sua reestruturação em meados de 1976, em consequencia do visível enfraquecimento do regime militar e em 1979, acontece o congresso em que a UNE (União Nacional dos Estudantes) começa a se reestruturar. No início da década de 1980, os estudantes tentaram reaver o prédio sede da entidade na Praia do Flamengo, mas foram duramente reprimidos pela polícia e o prédio destruído. Com o fim do regime, os estudantes saem às ruas defendendo as mesmas bandeiras históricas e a redemocratização do país, e a UNE tem participação ativa na campanha pelas “Diretas Já”, fazendo intervenções e manifestações importantes nos principais comícios populares do momento. A entidade nacional representativa dos estudantes sai da clandestinidade somente em 1985, através de projeto aprovado no Congresso Nacional, o qual teve autoria de Aldo Arantes.

CONTExTUALIzAÇÃO hISTóRICA E A TRAjETóRIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NO BRASIL

O Movimento Estudantil é um campo fértil para o entendimento da luta pela democracia no Brasil, sob esse signo, nasce a União Nacional dos Estudantes (UNE). Em agosto de 1937, após a realização do I Conselho Nacional de Estudantes se dá a fundação da UNE, no Rio de Janeiro. Alguns meses depois, Getúlio Vargas comandaria o golpe do Estado Novo, instaurando uma ditadura que duraria até 1945. Na década de 1940, a entidade teve importante papel na luta contra o fascismo, encabeçando campanhas pela declaração de guerra às potências nazi-fascistas, sendo que mais tarde, lutariam pelo fim do Estado Novo e pela redemocratização do país.

Após os governos democráticos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck, foi eleito à Presidência da República, Jânio Quadros. A crise política no país estava instaurada desde a sua renúncia, em agosto de 1961. Sendo assim, quem deveria assumir seria o vice-presidente eleito, João Goulart, que se encontrava em visita à China comunista. Os ministros militares nomeados por Jânio Quadros e o setor empresarial não se conformaram

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e tentaram impedir a sua posse, sendo este acusado de vínculos com o comunismo e com o legado de Getúlio Vargas (seu padrinho político). Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, estava sendo articulado um movimento pela garantia da posse de Goulart, o movimento conhecido como “Campanha da Legalidade”, foi liderado pelo então governador do estado, Leonel Brizola, tal movimento contou com o apoio do III Exército tendo a frente o general José Machado Lopes.João Goulart, depois de negociar sua posse com a cúpula militar e com a UDN, assume em setembro daquele mesmo ano através do modelo parlamentarista, porém, seus poderes eram restritos. Desde 1962 alastrava-se pelo país uma campanha de desestabilização do governo Goulart patrocinada pelo complexo IPES/IBAD, o qual era coordenado pela elite empresarial brasileira, que, segundo René Dreifuss (DREIFUSS, 1981) estava unida pelos mesmos motivos, ou seja, estavam unidos pelas relações econômicas multinacionais, pelo anticomunismo, entre outros. Segundo o referido autor,

O IPES não era com certeza, [...], um movimento amador de empresários com inclinações românticas ou um mero disseminador de limitada propaganda anticomunista; era, ao contrário, um grupo de ação sofisticado, bem equipado e preparado; era o núcleo de uma elite orgânica empresarial de grande visão, uma força-tarefa estrategicamente informada, agindo como vanguarda das classes dominantes. (DREIFUSS, 1981: 161)

Finalmente, em 1963, através de um plebiscito popular João Goulart tomou posse como Presidente da República. Para Carlos Fico (FICO, 2004: 17), seu governo torna-se dúbio uma vez que busca apoio nas camadas sociais populares para pôr em prática as reformas de base com o Plano Trienal, feito pelo então Ministro do Planejamento, Caio Furtado e, que incluía entre outras, a reforma agrária. Esta foi a proposta econômica que mais gerou polêmica, pois causou o descontentamento das elites e do Exército.

A ameaça de golpe era eminente, em 31 de março de 1964, as tropas do general Mourão Filho, comandante da IV Região Militar de Minas Gerais, declaram-se em estado de rebelião contra o governo federal, tendo apoio do governo de Minas Gerais, da Guanabara, São Paulo e Rio Grande do Sul. Goulart recusou-se a resistir para evitar uma guerra civil, que teria como consequência, segundo ele, o derramamento de sangue. Ele então se retira de Brasília e segue para o Uruguai. Com a saída de João Goulart, o sucessor à presidência da República era o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, porém os militares encontravam-se em reunião no Rio de Janeiro, a qual, segundo Carlos Fico (FICO, 2004: 19), era a cidade que “brilhava o poder de fato”, já que Brasília encontrava-se às escuras e abandonada.

A UNE foi uma das primeiras vítimas do golpe, sua sede no Rio de Janeiro foi invadida e incendiada. As principais lideranças do Movimento Estudantil foram presas

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e muitas entidades estaduais (UEEs – União Estadual dos Estudantes) fechadas. Para completar o quadro de repressão, é promulgada a Lei Suplicy de Lacerda, de autoria do Ministro da Educação - de mesmo nome -, em novembro de 1964, com a qual a UNE foi substituída pelo DNE (Diretório Nacional de Estudantes), além disso, as UEEs foram substituídas pelos DEEs (Diretório Estadual de Estudantes) e os Centros Acadêmicos por Diretórios Acadêmicos. Em consequencia disso, todas as entidades estudantis deveriam estar sob controle do regime militar.

Lei n° 4.464/64 (outubro de 1964) – conhecida como Lei Suplicy de Lacerda, em “homenagem” ao então ministro da Educação. Determinava a proscrição das entidades estudantis existentes e a criação de outras sob o controle do Estado através das Instituições de ensino. O funcionamento da UNE estava proibido. Os diretórios centrais de estudantes estariam subordinados às direções das universidades. Os centros acadêmicos seriam substituídos por “diretórios” acadêmicos, também sob controle das respectivas direções das faculdades. Os regimentos das entidades deveriam ser submetidos aos Conselhos Departamentais, Conselhos Universitários ou ao Conselho Federal de Educação.

Logo após o golpe, ocorreram manifestações estudantis em Pelotas na tentativa de defender a legitimidade do governo de João Goulart. A entidade acadêmica que englobava os universitários das duas instituições de ensino da cidade (UFPel e UCPel), a Federação Acadêmica de Pelotas (FAP) decretou greve geral dos universitários, assim como estes, os estudantes secundaristas através de sua entidade representativa, a União Pelotense dos Estudantes Secundaristas (UPES) também deflagrou pela greve. Segundo nota publicada em abril de 1964 no jornal local, as aulas voltariam somente após a superação da crise político-militar que se estava ocorrendo no país.

A partir de 1966 um dos o principais alvos das manifestações realizadas pelo Movimento Estudantil era contra a assinatura de convênios entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID). Tais convênios ficaram conhecidos como acordos MEC/USAID, os quais tinham como principal objetivo implantar o sistema norte-americano nas universidades brasileiras. Com isso, seriam criados cursos profissionalizantes que gerassem mão de obra especializada, ao passo que as áreas das humanas2 caíram em detrimento. Em outro acordo dizia respeito à privatização do ensino, especialmente o superior, fazendo com que o mesmo fosse rentável. Neste ano, o estudante Edson Luís Lima Souto foi assassinado pela polícia quando jantava no restaurante estudantil do Calabouço, no Rio de Janeiro. As manifestações de repúdio ao assassinato do estudante foi o estopim que o Movimento Estudantil esperava para passar da radicalização das palavras à

2 Filosofia, Sociologia, etc.

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radicalização dos seus atos.Em 13 de dezembro daquele ano, com o objetivo de acabar com a agitação política

e cultural, o então presidente Artur da Costa e Silva editou o Ato Institucional número 5. O ato constituiu-se no mais discriminatório entre os dezessete atos institucionais do regime militar implantado em 1964 e o único decretado por tempo indeterminado. O AI-5 ampliou os poderes de execução do presidente ao dar-lhe plenos poderes de decretar estado de sítio e fechar o Congresso Nacional, concedendo domínio absoluto sobre os estados da Federação e extinguindo vários direitos civis e políticos, especialmente o habeas corpus para crimes contra a Segurança Nacional, concedendo-se o direito de cassar mandatos, demitir e aposentar juízes e demais funcionários públicos. Esse ato investiu o Estado da prerrogativa de manipulação da vida de todos os cidadãos, ao encontro disso, em 14 de outubro de 1969 é editado o AI-14 o qual instituiu a pena de morte no Brasil, bem como, o sequestro, o cárcere privado e do terrorismo de Estado no Brasil. Com a edição destes atos, as manifestações de oposição ao regime militar tornam-se cada vez mais perigosas, então a luta armada era a única opção viável na a tentativa de retomada à democracia no Brasil. Temos que considerar que tais grupos não previam somente opor-se à ditadura, mas tinham também, um projeto para a sociedade brasileira. Somente em dezembro de 1978, o presidente Geisel revogou todos os Atos Institucionais.

É durante o governo do presidente Ernesto Geisel que inicia-se o processo de transição. Para tal, podemos elencar dois fatores que tiveram papel importante para sua ocorrência, o primeiro fator designa-se a elementos internos, ou seja, aquela mesma sociedade civil que em 1964 apoiou o golpe, agora buscar maneiras de diminuir o grau de repressão, além disso, começa a crescer as denúncias dos crimes cometidos pelos militares. O elemento externo é outro fator importante, pois, em 1973 acontece a primeira crise do petróleo. Esta foi provocada pelo embargo dos países membros da OPEP – Organização dos Países Produtores de Petróleo – à distribuição de petróleo aos Estados Unidos (sendo este o maior importador) e países da Europa. O valor do produto aumentou em cerca de 300%, tal fato acarretou uma crise econômica mundial, afetando vários setores da sociedade brasileira. O “milagre econômico” foi abalado por essa crise.

O ano de 1976 é marcado pelo ressurgimento das greves operárias, pelo início da luta pela Anistia, bem como, pela multiplicação dos jornais alternativos e a organização de mulheres em grupos feministas. É nesse mesmo ano que começam a surgir manifestações estudantis isoladas em todo o país, os estudantes começam a voltar às ruas. No ano seguinte, receoso com a perda de controle sobre a transição, o presidente Geisel aprova um montante de leis, em abril de 1977, que tinham como principal objetivo garantir a maioria da ARENA nas eleições do ano seguinte, estas foram encaminhadas ao Congresso Nacional e se caso não fossem aprovadas, levariam o presidente a fechar o mesmo. Esse

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fato ficou conhecido como “Pacote de Abril”. Ainda neste ano, a mobilização estudantil atinge outro patamar, pois ocorrem manifestações em praticamente todos os estados do país, estas eram de cunho econômico, pois os estudantes lutavam pelo aumento do número de vagas nas universidades públicas, mais verbas para a educação, melhorias nos Restaurantes Universitários, dentre outras coisas, também eram de cunho político, uma vez que pediam o fim das prisões, das torturas, dos assassinatos, lutavam também pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e pelo fim do regime militar.

O ano de 1979 é marcado pela reconstrução da UNE. Tal fato ocorreu em Salvador (BA) durante o XXXIº Congresso Nacional dos Estudantes, mesmo que o governo o considerando ilegal, o mesmo não o proibiu de acontecer. Segundo Renato Della Vechia (VECHIA, 2011: 176), foram eleitas algumas propostas centrais das quais seis foram aprovadas:

Contra o ensino pago;1.

Por mais verbas para a educação;2.

Pela Anistia ampla, geral e irrestrita;3.

Contra a devastação da Amazônia;4.

Por uma assembleia Nacional Constituinte;5.

Campanha de filiação de entidades a UNE.6.

Em setembro daquele mesmo ano, ocorre um congresso em Porto Alegre que visava a reconstrução da União Estadual dos Estudantes (UEE) no Rio Grande do Sul, porém não houve um número satisfatório de participantes. Em março de 1980 é chamado um novo congresso, desta vem na cidade de Santa Maria, sendo este considerado o congresso de reconstrução da UEE Livre3 do Estado e deliberou por eleições diretas entre os dias 13 e 30 de abril. No trecho da entrevista a seguir, podemos ver como foi formada a chapa vencedora.

[...] em março de 80, foi reconstruída oficialmente, num congresso em Santa Maria, a União Estadual dos Estudantes, a chamada UEE Livre. E a UEE Livre, ela efetivamente tinha um papel muito presente, [...]. O presidente era de Santa Maria, o vice-presidente era da UNISINOS, o secretário-geral era da UFRGS, eu era o tesoureiro de Pelotas, tinha pessoas de Bagé, tinha pessoas de Passo Fundo, de Santa Rosa. (Entrevista com Renato Della Vechia em 24/11/2011)

3 Tem essa denominação por não ser controlado do regime militar.

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No segundo semestre de 1983, o CONCINE (Conselho Nacional de Cinema) baixou uma portaria que acabava com a meia-entrada estudantil nos cinemas, além disso, fixou dias e horários que a meia-entrada seria válida para todos. Essa medida tinha como objetivo atacar as entidades estudantis, pois estas sobreviviam com a arrecadação de dinheiro através da confecção das carteiras de estudante. Em Pelotas houve intensa mobilização estudantil para que esta portaria não entrasse em vigor. Os estudantes realizaram atos públicos em frente aos cinemas, apresentações artísticas ao ar livre na praça municipal e fizeram filas circulares no intuito de não deixar que mais ninguém entrasse na fila. No ano seguinte, o MEC baixa outra portaria cancelando o subsídio aos RUs, isto provocou o surgimento de várias manifestações isoladas por todo país.

Houve uma greve chamada Greve dos Bandejões, uma greve contra a portaria do MEC que acabava com o restaurante universitário para todos os alunos gratuitamente e começaram a dividir os alunos em carentes e não carentes. (Entrevista com Renato Della Vechia em 24/11/2011)

No de 1984, sob o governo de João Figueiredo, o Movimento Estudantil adere aos movimentos populares em campanha pelas eleições diretas à presidência, essa campanha ficou conhecida como “Diretas Já!”.

RESISTIR TAMBéM é COISA DE MULhER!

Na década de 1960, mais precisamente em 1962, chega ao Brasil a pílula anticoncepcional. Esse comprimido significou uma revolução no campo da sexualidade feminina, porém para os mais conservadores, ela era vista como símbolo da promiscuidade. A partir daí começa a ocorrer uma mudança comportamental por parte das mulheres, o casamento passa a ser questionado, a moda acompanha as transformações, cria-se o biquíni e a minissaia, entretanto tais transformações não atingiram todas as mulheres da mesma maneira. Nesse momento, o movimento feminista começa a tomar forma, mas as organizações de esquerda viam tal movimento como “inoportuno, inconveniente e divisionista”, uma vez que lutar contra o regime militar era prioridade. Na década de 1970 é que se coloca no centro das discussões a relação homem-mulher, o livro segundo sexo de Simone de Beauvoir passa a ser leitura obrigatória para àquelas mulheres interessadas em mudanças.

O ano de 1975 marca o ressurgimento do movimento feminista organizado, pois são criados em São Paulo e Rio de Janeiro “espaços de união”. Esse ano é marcado também

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como sendo o Ano Internacional da Mulher, e como ano de início da Década da Mulher, o ressurgimento do movimento de mulheres e feminista4 neste ano, criou possibilidade aos partidos e grupos políticos clandestinos se organizarem em meio à repressão do Estado, uma vez que estavam sob proteção da ONU, mas também causou preocupação nesses grupos no que refere-se à dispersão dos quadros femininos do que seria a luta prioritária, ou seja, luta contra a Ditadura Civil-Militar.

Em relação às mulheres que participaram do Movimento Estudantil em Pelotas, Rosane converge com a opinião de Renato Della Vechia, onde afirmam que havia preconceito por parte da sociedade, já que esta é uma sociedade machista. Porém entre os militantes, não existia preconceito sobre a participação feminina, pois segundo os entrevistados, várias mulheres eram consideradas como sendo uma referência dentro movimento. Alguns grupos eram favoráveis à ideia de que as mulheres se organizassem de forma independente, mas também tinham, segundo a entrevistada Terezinha Brandão, alguns militantes que eram machistas. As mulheres que vinham de fora para estudar em Pelotas, normalmente alojavam-se em pensões, onde havia um controle mais rigoroso a pedido dos pais. Mas havia também, aquelas que alugavam apartamentos em conjunto com outras mulheres, sendo assim, possuíam um maior grau de liberdade. Muitas mulheres que participavam de movimentos sociais, na época, sofriam preconceito por parte dos familiares, ainda mais aquelas que eram pelotenses e por sua vez, tinham família na cidade.

Existia [...] essa questão de pressões familiares, principalmente pela época, era época de 80, fins dos anos 70, início dos anos 80. Nessa época nós tínhamos uma pressão em função da Ditadura, [...] no meio familiar, época de Ditadura Militar, a coisa era complicada, por dois motivos: primeiro, pelo como vão ver essas meninas e, segundo, a questão da repressão mesmo, e isso óbvio, freava bastante as mulheres de participar. [...] as meninas, realmente, que vinham de fora, a gente via que tinha uma movimentação maior [...] (Entrevista com Rosane Brandão em 25/11/2011)

Em 31 de março 1981 aconteceu um episódio na Casa do Estudante, onde a mãe de um aluno do curso de Medicina Veterinária que estava com a perna quebrada foi impedida de entrar, pois era proibida a entrada de mulheres na mesma. Tal fato foi o estopim para a mobilização estudantil, que reivindicava moradia gratuita também para mulheres. A Casa do Estudante foi invadida pelos estudantes, houve a participação de grupos femininos de Santa Maria e Porto Alegre, e aquelas mulheres que eram de fora da cidade também participaram deste movimento, porém houve pouca adesão daquelas que possuíam família na cidade em virtude do preconceito (já citado acima). Após essa mobilização começaram a ser feitas algumas mudanças, pois um dos andares da casa foi designado às mulheres.

4 Nem todas as mulheres que participavam de algum movimento de mulheres eram necessariamente feministas.

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[...] Durante a movimentação na Casa do Estudante, os caras (militares) de metralhadora, mas não fizeram nada. Essa foi a intervenção mais perigosa que eu já participei, cantávamos: “Soldado, você também é explorado!” [...] (Entrevista com Terezinha Brandão em 01/12/2011)

Neste mesmo ano é fundado um grupo feminino na cidade, onde neste participavam militantes do Movimento Estudantil tanto da UFPel como da UCPel. De acordo com Terezinha Brandão, as mulheres que participavam do grupo feminino tinham que, ao mesmo tempo, exteriorizar sua identidade enquanto feministas perante a sociedade, mas no seu interior possuíam uma visão romântica da vida e das mulheres, ou seja, elas próprias, intimamente, não se viam como feministas.

[...] a gente lia a história da Domitila na Bolívia, nosso modelo de mulher, objetivamente falando, era esse, a identidade que a gente assumia perante os outros, mas a nossa identidade não tinha nada a ver com o feminismo. (Entrevista com Terezinha Brandão em 01/12/2011)

Após fazer uma breve análise da composição das chapas que concorreram às eleições ao DCE, tanto da Universidade Federal de Pelotas como da Universidade Católica de Pelotas, fica claro que havia cursos com forte representatividade estudantil, como é o caso da Agronomia e Medicina Veterinária na UFPel e as Engenharias e Medicina na UCPel, cursos predominantemente masculinos, apesar de haver algumas mulheres nestes. No caso da UCPel, o curso feminino que despontava era o Serviço Social.

Observando um caso de composição de chapas no ano de 1980, a chapa ganhadora das eleições para a gestão na UFPel era composta somente por homens. Tinha como presidente um acadêmico do curso de Agronomia, o vice-presidente era acadêmico da Medicina, o secretário-geral era do Direito e o tesoureiro era aluno da Medicina Veterinária, apenas um nome feminino consta na composição da chapa ganhadora, porém não ocupava nenhum cargo de destaque. Uma observação interessante a ser fazer é que somente a partir de 1980 é que uma chapa de esquerda é eleita (e toma posse) para o DCE da UFPel, os quais eram ligados à tendência estudantil Resistência. E em 1984 Angela Amaral, ligada à Resistência, é eleita para a presidência do DCE. Já no caso da UCPel, notamos uma pequena diferença, pois apesar de ser em menor número, havia sete mulheres que compunham a chapa vencedora. E também é a partir de 1980 que uma chapa de esquerda vence as eleições para o DCE, grupo ligado à Resistência.

[...] Serviço Social era o curso da Católica que acredito que tivesse mais mulheres envolvidas [...]. A Medicina tinha uma ou outra menina também que participavam do movimento. (Entrevista com Rosane Brandão em 25/11/2011)

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CONSIDERAÇõES FINAIS

Após fazer leituras sobre o assunto, fica evidente o papel desempenhado pelo Movimento Estudantil em Pelotas, juntamente com Porto Alegre, São Leopoldo, Santa Maria e Caxias do Sul, esta se destacava como uma das principais cidades onde houve grande mobilização política. Outro fator interessante é perceber que após a criação dos DCEs nessas instituições no início da década de 1970 as chapas que compuseram os DCEs tanto da UFPel como da UCPel eram ligados à DEE (Diretório Estadual de Estudantes), a qual era regulada pelo governo militar. Somente na década de 1980 muda essa perspectiva e são eleitas chapas de esquerda para os DCEs destas instituições de ensino.

Outra questão importante era a composição das chapas que concorriam às eleições aos seus respectivos DCEs, no caso da UCPel, ficou evidente que, apesar de haver uma heterogeneidade na composição das chapas, os cursos com mais representatividade eram os cursos majoritariamente masculinos como as Engenharias e a Medicina e, sendo o curso de Serviço Social o principal expoente feminino.

Já na UFPel, o curso que se sobressaía era a Agronomia e Medicina Veterinária, outros dois cursos com maioria masculina, porém havia algumas mulheres nestes cursos e que mais tarde tornaram-se referências dentro do Movimento Estudantil. Por tal motivo, não devemos considerar que havia preconceito em relação às mulheres, mas os cursos ditos femininos tinham pouca representatividade e por esse motivo os cursos com maioria masculina acabavam se destacando.

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DREIFUSS, René Armand. A elite orgânica: recrutamento, estrutura decisória e organização para a ação. In.________. 1964: A Conquista do Estado. Ação política, poder

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