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A ATUAÇÃO DO ADVOGADO NO IPM É OBRIGATÓRIA OU FACULTATIVA EM FACE DA LEI 13.245/16? Ronaldo João Roth1 INTRODUÇÃO A novel Lei 13.245/16 alterou o Estatuto da, Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EA- OAB) trazendo novas prerrogativas ao advogado, em especial na fase da persecução penal na Polícia. O EAOAB (Lei 8.906/94) em seu artigo 7Q discipli- na os direitos do advogado, pois o exercício de seu mister não deve ser obstado, a não ser em virtude de lei (art. 5-, II, CF). Outros direitos existem em re- lação ao advogado também no Código de Processo Penal Militar (CPPM) e no Código de Processo Penal Comum (CPP). O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) robo- rando dispositivo do EAOAB reforçou o direito do advogado na Polícia Judiciária na Súmula Vinculante 14, In verbis: direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa". Assim, é uma tendência a ampliação dos direitos ao exercício da atividade profissional do advogado, a qual tem reflexos diretos na persecução penal na Polícia e em Juízo. Note-se que a Lei 12.403/11 também assegurou a remessa da cópia integrai do auto de prisão em -flagrante delito (APFD) à Defensoria Pública, caso o autuado não tenha advogado constituído (art. 306, § l 9 , CPP). É evidente que a defesa é um direito indisponível e deve ser exercida, tecnicamente, pelo advogado como dispõe o art. 133 da CF, todavia, é de se per- quirir: as novas ampliações dos direitos do advogado alteraram a natureza jurídica do inquérito policial, comum e militar, ou de igual maneira do APFD, em face da Lei 13.245/16? Essa questão torna-se mais impactante diante da novel Lei que garantiu a atuação do advogado na persecução penal na Polícia (no IP e no APFD) e em investigação de qualquer natureza perante qualquer instituição, alcançando, inclusive, aquelas realizadas também no Ministério Público. Em síntese, as alterações mais substanciais no art. 7- da EAOAB dizem respeito: 1) a examinar os autos de flagrante, inquérito ou investigação de qualquer natureza em qualquer instituição, podendo copiar peças por meios físicos ou digital (inciso XIV); e 2) assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade abso- luta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investi- gatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, d.ireta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração, apresentar razões e quesitos (inciso XXI, alínea "a"). É inegável que o cidadão - civil ou militar- encon- trar-se-á mais protegido nas medidas persecutórias penais a que for submetido diante da ampliação dos direitos do advogado que lhe irá assistir. Aliás, a ' defesa, como bem leciona Ruy Barbosa, citado por LEONIDAS RIBEIRO SCHOLZ2: "... não quer o pane- gírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste 1 Juiz de Direito da Justiça Militar do Estado de São Paulo, Professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Coordenador e Professor do Curso de Pós-Graduacão de Direito Militar da Escola Paulista de Direito (EPD) 2 SCHOLZ, Leônidas Ribeiro. Não há porque dispensar o contraditório no inquérito policial. In Revista Consultor Jurídico, acesso em 25.07.16 disponível em: http://www.conjur.com.br/2004-dez-09/associar_atuacao_advogadojmpunidade_falacia_ REVISTA DIREITO MILITAR 120 • JULHO / AGOSTO DE 2016 5

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A ATUAÇÃO DO ADVOGADO NO IPMÉ OBRIGATÓRIA OU FACULTATIVA EM FACE DA LEI 13.245/16?

Ronaldo João Roth1

INTRODUÇÃO

A novel Lei 13.245/16 alterou o Estatuto da,Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EA-OAB) trazendo novas prerrogativas ao advogado, emespecial na fase da persecução penal na Polícia.

O EAOAB (Lei 8.906/94) em seu artigo 7Q discipli-na os direitos do advogado, pois o exercício de seumister não deve ser obstado, a não ser em virtudede lei (art. 5-, II, CF). Outros direitos existem em re-lação ao advogado também no Código de ProcessoPenal Militar (CPPM) e no Código de Processo PenalComum (CPP).

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) robo-rando dispositivo do EAOAB reforçou o direito doadvogado na Polícia Judiciária na Súmula Vinculante14, In verbis: "É direito do defensor, no interessedo representado, ter acesso amplo aos elementosde prova que, já documentados em procedimentoinvestigatório realizado por órgão com competênciade polícia judiciária, digam respeito ao exercício dodireito de defesa".

Assim, é uma tendência a ampliação dos direitosao exercício da atividade profissional do advogado,a qual tem reflexos diretos na persecução penal naPolícia e em Juízo.

Note-se que a Lei 12.403/11 também asseguroua remessa da cópia integrai do auto de prisão em-flagrante delito (APFD) à Defensoria Pública, caso oautuado não tenha advogado constituído (art. 306,§ l9, CPP).

É evidente que a defesa é um direito indisponível

e deve ser exercida, tecnicamente, pelo advogadocomo dispõe o art. 133 da CF, todavia, é de se per-quirir: as novas ampliações dos direitos do advogadoalteraram a natureza jurídica do inquérito policial,comum e militar, ou de igual maneira do APFD, emface da Lei 13.245/16?

Essa questão torna-se mais impactante dianteda novel Lei que garantiu a atuação do advogado napersecução penal na Polícia (no IP e no APFD) e eminvestigação de qualquer natureza perante qualquerinstituição, alcançando, inclusive, aquelas realizadastambém no Ministério Público.

Em síntese, as alterações mais substanciaisno art. 7- da EAOAB dizem respeito: 1) a examinaros autos de flagrante, inquérito ou investigação dequalquer natureza em qualquer instituição, podendocopiar peças por meios físicos ou digital (inciso XIV);e 2) assistir a seus clientes investigados durante aapuração de infrações, sob pena de nulidade abso-luta do respectivo interrogatório ou depoimento e,subsequentemente, de todos os elementos investi-gatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados,d.ireta ou indiretamente, podendo, inclusive, no cursoda respectiva apuração, apresentar razões e quesitos(inciso XXI, alínea "a").

É inegável que o cidadão - civil ou militar- encon-trar-se-á mais protegido nas medidas persecutóriaspenais a que for submetido diante da ampliação dosdireitos do advogado que lhe irá assistir. Aliás, a 'defesa, como bem leciona Ruy Barbosa, citado porLEONIDAS RIBEIRO SCHOLZ2: "... não quer o pane-gírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste

1 Juiz de Direito da Justiça Militar do Estado de São Paulo, Professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Coordenador eProfessor do Curso de Pós-Graduacão de Direito Militar da Escola Paulista de Direito (EPD)

2 SCHOLZ, Leônidas Ribeiro. Não há porque dispensar o contraditório no inquérito policial. In Revista Consultor Jurídico, acesso em 25.07.16disponível em: http://www.conjur.com.br/2004-dez-09/associar_atuacao_advogadojmpunidade_falacia_

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em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso,a voz de seus direitos legais."

Não é de se descurar que a Constituição Federalgarante ao preso variados direitos, dentre eles, o deser assistido por advogado (art. 5Q, LXIII), garantiaessa que o legislador constituinte quis assegurarãopreso, mas se estende também ao indiciado, se oadvogado for acionado pelo mesmo, possibilitandoo amplo acompanhamento dos atos realizados naPolícia.

No Estado Democrático de Direito, o advogado éindispensável à administração da justiça (art. 133,CF) e, nessa linha, nenhum ato processual será re-alizado em juízo sem que o réu tenha assistência deadvogado (art. 261, CPP e art. 71, CPPM).

Assim, nos termos da novel Lei 13.245/16, aintervenção do advogado é obrigatória ou não, nosatos persecutórios penais na Polícia Judiciária Militar(PJM)?

Em recente obra lançada em Brasília/DF, CLÁUDIAAGUIAR BRITTO e LUCIANO MOREIRA GORRILHAS3,em face do direito subjetivo do indiciado, recomen-dam, por cautela, que à PJM "na elaboração do do-cumento relativo ao ato de notificação do indiciado,para fins de prestar depoimento, fizesse constar oregistro de que o imputado tem direito de ser assis-tido por um advogado".

DESENVOLVIMENTO

Dentre as inovações da novel Lei 13.245/16, éde se observar que, dentre os direitos asseguradosao advogado está o acesso aos autos de flagrantee de investigação de qualquer natureza mesmo semprocuração (art. 7-, XIV, EAOAB), que se harmonizacom a informalidade da fase investigatória. Igual-mente, fica garantido ao advogado a cópia e tomadade apontamentos dos autos não só por meio físico,mas também por meio digital, ampliando-se o registrodaqueles atos em compatibilidade ao estágio tecno-lógico alcançado (art. 72, XIV, EAOAB).

Da assistência do advogado ao seu cliente nafase inquisitória!. Garantiu-se, agora, ao advogado, o

direito de assistência de seus clientes investigadosdurante a apuração de infrações na Polícia (artigo 7-,XXI, EAOAB). Essa garantia assegura expressamen-te ao advogado acompanhar e assistir seu clienteinvestigado na polícia, portanto no inquérito policialcomum (IP) ou no inquérito policial militar (IPM) e noauto de prisão em flagrante delito (APFD), sob penade nulidade absoluta do respectivo interrogatório oudepoimento e, subsequentemente, de todos os ele-mentos investigatórios e probatórios dele derivados,direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no cursoda respectiva apuração apresentar razões e quesitos.(art. 7a, XXI, "a", EAOAB).

O inovador e arrojado dispositivo legal apontacomo termo inicial para a intervenção do advogadoo interrogatório ou o depoimento do investigado numdaqueles procedimentos, estabelecendo, a partir daí,nulidade absoluta, se não garantida a assistênciado advogado ao seu cliente, o que contaminaria,em consequência, todos os atos probatórios subse-quentes, questão esta que diz respeito à teoria dosfrutos da árvore envenenada e hoje já albergada pelainteligência do § l9 do art. 157 do CPP.

A questão primeira que se verifica é que a normalegal visa amparar o investigado na fase inquisitorial,daí a garantia ora criada com a assistência de seuadvogado, no entanto, como é sabido, no inquérito- comum ou militar - existem investigações comautoria conhecida do infrator e, a maioria delas, deautoria desconhecida.

Assim, como a descoberta da autoria da infraçãopenai, num procedimento lógico, é fruto de investi-gações e, normalmente, ocorre ao final da instruçãodo IP ou do IPM, o surgimento do advogado seriaconcreto somente nesse momento, quando entãoocorrerá o interrogatório, sempre depois de precedidodo despacho de indiciamento.'1-5

Dessa feita, uma vez comprovada a materiafidadedo delito e depois de descobrir a autoria do mesmona instrução da investigação realizada, o Encarregadodo IPM deve, ao final, efetuar o despacho de indicia-mento e, neste momento, notificar o indiciado queele pode se valer da assistência de advogado, caso

3 BRITTO, Claudia Aguiar; GORRILHAS, Luciano Moreira. A Poiícia Judiciária Militar e seus desafios. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2016, pp. 52/53.4 ROTH, Ronaldo João. O indiciamento e a classificação do tipo penal no inquérito policial militar. In. Temas de Direito Militar. São Paulo: Suprema

Cultura, 2014, pp. 175/181. Também publicado na Revista Direito Militar, AMAJME, Florianópolis, ns 24, pp.32/36.5 ROCAH, Abelardo Júlio da. Do formal indiciamento no inquérito policiai militar como garantia fundamental. Florianópolis: Revista Direito Militar,

AMAJME, 2014, n9 105, jan./fev., pp. 11/14.

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A ATUAÇÃO DO ADVOGADO NO IPM É OBRIGATÓRIA OU FACULTATIVA EM FACE DA LEI 13.245/16?

queira, nos termos da Lei 13.245/16 que alterou oEAOAB incluindo o inciso XXI em seu art. 79.

Se, ao contrário, desde o início a investigação játiver a autoria do infrator conhecida, a questão quesurge é se nas oitivas da vítima e de testemunhas,a presença do advogado deve ser garantida, antesmesmo do interrogatório do investigado. Entendemosque não, pois o próprio dispositivo da EAOAB - alte-rado pela Lei 13.245/16, que garante a atuação doadvogado em qualquer ato de investigação, seja elada Polícia ou não como por exemplo, as investiga-ções ocorridas por parte do Ministério Público -, éque determina que a intervenção do advogado deveocorrer somente a partir do termo do interrogatórioou do depoimento do investigado.

Da característica inquisitória! doIPM. Em virtude do novel dispositivolegai comentado (art. 79, XXI, EAOAB),inserido pela Lei 13.245/16, nãose deve entender que o inquérito -comum ou militar - deixou de serinquisitorial para abrigar a realizaçãode audiências com produção de provaem contraditório e ampla defesa noQuartel ou na Delegacia de Polícia ouno gabinete ministerial ou em qual-quer repartição. Portanto, o inquéritocontinua sendo inquisitoriall

Em verdade, o direito à assistência do advogadoao seu cliente - investigado ou preso -já é assegu-rado constitucionalmente (art. 59, LXIII, CF), todavia,se nem mesmo a norma constitucional alterou anatureza inquisitória! dos atos persecutórios pe-nais realizados na Polícia, é de se reconhecer queo alcance do inovador dispositivo XXI do art. 7- doEOAB fica circunscrito ao interrogatório e aos atossubsequentes dele.

Assim, nos casos de investigação de autoria des-conhecida, a atuação do advogado do investigado ouindiciado poderá se concretizar somente ao final dainvestigação quando, após o indiciamento, houver ointerrogatório e, nos atos seguintes, antes do rela-tório conclusivo da investigação. Em contrapartida,nos casos de investigação que desde o início a au-

"0 direito àassistência do

advogado ao seucliente - investigado

ou preso-já éassegurado

constitucio-nalmente."

toria é conhecida e, portanto, constando da própriaPortaria o IPM, a participação do advogado deveocorrer a partir do interrogatório do indiciado, que,como já afirmamos, deve vir precedido do despachode indiciamento que será o divisor de águas para segarantir os exatos termos da novel Lei, a qual incluiuo inciso XXI no art. 75 do EAOAB.

Nessa linha, a assistência do advogado englobaráa sua presença ao ato inquisitorial ali realizado, aorientação e conversa com o seu cliente, sem preju-ízo dos direitos constitucionais já assegurados, taiscomo o direito ao silêncio e o direito a não autoincri-minação (Pacto de São José da Costa Rica, art. S-,"g",)6, este último pioneiramente previsto no CPPM

(§ 29 do art. 296) um mês antes daaludida Convenção Americana dosDireitos Humanos7, mas que, todavia,não se confunde com o direito deampla defesa.

Por outro lado, a referida garantiada participação do advogado nos atosinvestigatórios de qualquer natureza,em especial os aqui analisados - IPMe APFD -, receberam agora um aditivo,qual seja, a prerrogativa de apresentarrazões e quesitos. Há de se perguntar:qual é o alcance disso? Poderia oadvogado efetuarperguntas durante ointerrogatório presidido pelo Oficial PM

no IPM, ou pelo Delegado de Polícia no IP? Entende-mos que não, pois o inquérito policial - comum oumilitar - ainda não deixou de ser inquisitivo.

Poderá o advogado, diante de uma pergunta reali-zada pelo Encarregado do IPM, apartearcom razões,ou da mesma forma, após a resposta do indiciadoou preso? Parece-nos que sim, diante da literalidadeda norma do inciso XXI do art. 72 do EAOB, todavia,isso não deverá impor ao Encarregado do IPM ouDelegado de Polícia o acatamento às ponderaçõesrealizadas pelo advogado no ato do interrogatório,pois, como já se disse, o inquérito ou a investigaçãonão se tornaram um procedimento contraditório enão há no Brasil o Juizado de Instrução.

Em relação aos quesitos8, diante da literalidadedo termo, o mesmo será cabível nas perícias, o que,

6 Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22.11.69, ratificada pelo Brasil em 25.09.92, e promulgada pelo no Decreto n9 678/92, em06.11.92.

7 O CPPM, Decreto 1002, é de 21/10/1969, enquanto que o Pacto de São José da Costa Rica foi convencionado em 22/11/1969.8 O termo quesitos no plural é utilizado pelo legislador ao se referir às perícias (art. 316, CPPM}, sendo oportuna, para o preciso sentido do termo,

a recomendação da interpretação literal prevista no art. 2Q do CPPM.

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Ronaldo João Roth

diga-se de passagem, já é expressamente assegura-do pelo CPPM (art. 316) e no exame de insanidademental (art. 156, § 2°), Tivesse o legislador a inten-ção de garantir perguntas durante o interrogatório,teria adotado a terminologia correspondente comoexpressamente o fez ao assegurar as perguntasdiretamente pelas partes, no artigo 212 do CPP, porforça da Lei 11.690/08. Logo, ha de se distinguirquesitos de perguntas, para os fins do que preco-niza o inciso XXI, alínea "a", do art. l- do EOAB,quando do interrogatório do investigado ou indicia-do, porquanto os quesitos são feitos normalmentepor escrito e enviados ao perito, ao passo que asperguntas são feitas diretamente à pessoa ouvidaem audiência.

Ademais, é garantido pela Lei tanto ao ofendidocomo ao indiciado, na Polícia, requerer qualquer di-ligência, todavia, ficando tal pedido na dependênciado juízo da autoridade (art. 14, CPP Comum).

As razões a serem apresentadas pelo advogadodo indiciado ou preso poderão, com base na ino-vação da Lei 13.245/16, existir antes do relatórioconclusivo do IP (art. 10, § 1Q, CPP) ou do IPM (art.22, CPPM)? Entendemos que sim, todavia, nãovinculam a manifestação conclusiva da autoridadepolicial ou militar.

Assim, é de se ver que a novel Lei não impôs umaobrigação ao Encarregado do IPM ou ao Delegadode Polícia - ambos aliás com as mesmíssimas eanálogas atribuições, no CPP e no CPPM, com baseno art. 144, § 4-, da CF, e hoje até robustecidas pelaLei 12.830/13-, de providenciarem a presença obri-gatória de um advogado quando do interrogatório doindiciado ou do preso, posto que a novel Lei apenasestabeleceu uma prerrogativa do advogado de estarpresente durante a apuração das investigações,acompanhando o investigado. Não há, portanto, dese falar em prejuízo ou retardamento do ato se oadvogado não estiver presente na Polícia, pois, comose demonstrou, a referida inovação legal não impôsuma obrigação ao responsável pela investigaçãode providenciar a presença de um advogado paralegitimar o referido ato de interrogatório.

De igual maneira, os aios investigatórios ouprobatórios subsequentes ao interrogatório do in-diciado ou do preso não demandarão notificaçãoao advogado e nem serão prejudicados se, parasua realização, não estiver presente o causídico,vez que tal providência fica a cargo do interessado(investigado ou preso) junto a seu advogado. Nesse

particular, não se pode ir além do que a novel- Leidisciplinou, ou seja, a prerrogativa do advogado naPolícia se circunscreve à elaboração de razões e dequesitos nos atos em que o mesmo esteja presente,não havendo prerrogativa daquele ser notificado ouintimado sobre os atos realizados no IP ou no IPM.Em outras palavras, o IP ou IPM não perdeu suacaracterística de procedimento inquisitivo.

Não há de se falar, portanto, em contraditório e deampla defesa no IPM, vez que inexistente qualqueracusação, sob pena de se ignorar o mandamentoconstitucional do artigo 5-, inciso LV, da ConstituiçãoFederal e se admitir que a Lei Maior deve ser interpre-tada diante da novel Lei 13.245/16 (procedimentoque os alemães denominam gesetzeskonformenverfasssungsinterpretation, o que é impossível juri-dicamente em nosso ordenamento jurídico, pois aCF ocupa o ápice do ordenamento jurídico).

Nulidade do ato e abuso de autoridade. A inova-ção trazida pela Lei acaba com as idas e vindas dadoutrina e da jurisprudência sobre a possibilidade deexistência de nulidade na fase inquisitória!. Antes, ha-via aqueles que defendiam que não devia se falar emnulidade no inquérito, pois os atos inquisitoriais sãoinformativos; de outro lado, aqueles que reconheciama existência de nulidades, todavia, que invalidariamapenas o próprio ato viciado como por, exemplo, aprisão. Deforma minoritária, existiam, ainda, aquelesque defendiam a possibilidade de nulidade, inclusivecontaminando os atos subsequentes, principalmentedepois de nossa Constituição Federal adotar a proi-bição da prova ilícita (art. 5Q, LVI). Agora, como sedisse, a questão legalmente foi dilucidada.

Importante destacar que a própria Súmula Vincu-lante 14 do STF reconhece que no inquérito policialo advogado deve ter acesso aos elementos de prova,o que é bem diferente de elementos de informação.

Assim, a Lei 13.245/16, sem deixar dúvida,acaba com a referida discussão, reconhecendo ereputando substanciais os atos probatórios prati-cados na fase inquisitória!, podendo haver nulidadeabsoluta a partir do interrogatório contaminando osatos subsequentes (art. 7-, XXI, do EAOAB), tudo emharmonia com o artigo 157, § 1Q, do CPPM (provasilícitas por derivação).

A nulidade, segundo referida Lei, ocorrerá senão for assegurada a participação do advogado doindiciado ou preso, a partir do interrogatório. Assim,a Lei reputou altamente importante o interrogatório

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A ATUAÇÃO DO ADVOGADO NO IPM É OBRIGATÓRIA OU FACULTATIVA EM FACE DA LEI 13.245/16?

do investigado, daí garantir-lhe o acompanhamentode advogado.

Outras causas, implementadas pela Lei Maior, jápermitiriam nulidade absoluta como, por exemplo, agarantia da comunicação do preso com pessoa porele indicada e a assistência de advogado (art. 59,LXIII, CF).

O delito de abuso de autoridade, segundo a novelLei, ocorrerá se forem inobservados os direitos doadvogado contemplados no inciso XIV do art. 7- doEAOAB, como o fornecimento incompleto de autosou o fornecimento de autos em que houve a retiradade peças já incluídas no caderno investigativo queimplicará na responsabilização criminal e funcionalpor abuso de autoridade do responsável que impediro acesso do advogado com o intuitode prejudicar o exercício da defesa,sem prejuízo do direito subjetivo doadvogado de requerer acesso aosautos ao juiz competente, (art. 7Q,§12, EAOAB)

Em consequência da violação daprerrogativa do advogado, nos termosda referida Lei, haverá a responsabili-zação criminal e funcional do servidorpúblico, nos termos do artigo 3Q, alí-nea j', da Lei 4898/65, especialmen-te no caso de violação dos direitos doinciso XIV e do inciso XXI do art. 79 doEAOAB, tipo penal esse que albergaqualquer atentado aos direitos e garantias legaisassegurados ao exercício profissional.

Por outro lado, a Lei 13.245/16 estabeleceu que,dentre os direitos previstos no inciso XIV do art. 72

do EAOAB, a autoridade competente poderá delimi-tar o acesso do advogado aos elementos de provarelacionados a diligências em andamento e aindanão documentados nos autos, quando houver riscode comprometimento da eficiência, da eficácia ou dafinalidade das diligências (§ 11 do art. 7Q, EAOAB),restrições estas que já tinham sido delineadas naSúmula Vinculante 14 do STF.

Sigilo no IPM e a exigência de procuraçãopelo advogado. O sigilo é o manto de proteção querecai sobre o segredo que não pode ser revelado,contrapondo-se à publicidade.

A doutrina tem distinguido o sigilo interno do sigiloexterno. Neste, a proteção do segredo recai sobretodas as pessoas que não estão autorizadas a dele

"A doutrina tem

distinguido o sigilo

interno do sigilo

externo."

conhecer. O sigilo interno, por sua vez, correspondeà publicidade restrita de pessoas autorizadas paraconhecer do segredo. A violação do sigilo pelas pes-soas autorizadas a conhecer o segredo constitui-seem crime (art. 326, CPM). Nesse cenário, o sigilointerno não pode obstaculizar ou prejudicar o exer-cício do direito de defesa na persecução penal, naPolícia e em Juízo.

Note-se que é a Constituição Federal ou a lei quedeterminam o sigilo de determinada matéria, condi-cionado, todavia, a sua quebra à autorização judicial.Assim, vemos o sigilo à intimidade, à privacidade,ao domicílio, à correspondência e à comunicaçãotelefónica (art. 5e, X, XI e XII, respectivamente da CF);nos crimes contra a dignidade sexual (artigo 234-B,

CP); e na apuração de delitos do crimeorganizado quando decretado pelo Juiz(art. 23, Lei 12.850/13).

No caso do IPM, é a lei que expres-samente estabelece que a investiga-ção é sigilosa (art. 16, CPPM), dife-rentemente do IP, onde a lei deixa aocritério do Delegado de Polícia o sigilonecessário à elucidação do fato ouexigido pelo interesse da sociedade(art. 20, CPP).

Assim, em face do sigilo no casoconcreto, estabelece a Lei 13.245/16que na investigação policial ou noAPFD que estejam sob sigilo, há ne-

cessidade de o advogado apresentar procuração deseu cliente para acesso aos autos (§ 10 do art. 7Q,EAOAB), diferentemente dos outros casos em queo advogado não precisa de procuração (inciso XIVdo art. 79, EAOAB). Nesse sentido, a jurisprudência:

"(...) O sistema normativo brasileiro asse-gura ao advogado regularmente constituídopelo indiciado (ou por aquele submetidoa atos de persecução estatal) o direito depleno acesso aos autos de persecuçãopenal, mesmo que sujeita, em juízo ou foradele, a regime de sigilo (necessariamenteexcepcional), limitando-se, no entanto, talprerrogativa jurídica, às provas já produzidase formalmente incorporadas ao procedimentoinvestigatório, excluídas, consequentemente,as informações e providências investigatóriasainda em curso de execução e, por isso mes-mo, não documentadas no próprio inquérito

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ou processo judicial. Precedentes. Doutrina."(STF- HC93767/DF- Rei. Celso de Mello-2a- T. -J. 21.09.10) (g.n.);

"(.-) DIREITO DE ACESSO A AUTOS DEINQUÉRITO ARQUIVADO. ADVOGADO DETERCEIRO QUE NÃO OSTENTA A CONDIÇÃODE INVESTIGADO, TAMPOUCO HABILITADO.PLEITO ACOLHIDO COM RESSALVAS A MÍDIASMANTIDAS EM SIGILO. POSSIBILIDADE. ART.75, § 11, DA LEI 8.906/1994. MEDIDA QUEPRESERVA A INVESTIGAÇÃO E ASSEGURA AINTIMIDADE DOS ENVOLVIDOS. (...) 1. Persis-te em nosso ordenamento jurídico, mesmocom a alteração do Estatuto da Advocaciadeterminada pela Lei 13.245/2016 (art. 7e eseus parágrafos), o direito limitado de aces-so a autos sob sigilo. Nestes, é facultado àautoridade competente "delimitar o acessodo advogado aos elementos de prova relacio-nados a diligências em andamento e aindanão documentados nos autos, quando houverrisco de comprometimento da eficiência, daeficácia ou da finalidade das diligências" (art.79, § 11, da Lei 8.906/1994). 2. Irreparávela decisão que atende, em parte, pedido deadvogados de terceiro, o qual não é indiciadotampouco habilitado no inquérito arquivado,porquanto necessária a preservação daintimidade dos envolvidos. (...)" (STF- 2-T. - ED-AgR Inq 3075 SP - Reh Min. TeoriZavascki-J. 01.03.16).

DA CONCLUSÃO

O acesso aos autos do IP ou do IPM pelo advoga-do é garantido peio EAOAB, independentemente deprocuração nos autos (art. 79, XIV, EAOAB), todavia,quando existir sigilo - legal, ou decretado peio Juiz-,deve o mesmo apresentar procuração de seu clientepara tanto (art. 79, § 10, EAOAB).

O IPM, diferentemente do IP, é sempre sigiloso(art. 16, CPPM), o que de modo algum obstaculiza oadvogado a ter acesso ao mesmo, desde que apre-sente procuração de seu cliente.

A referida Lei 13.245/16 em nada inovou quantoà garantia do advogado do indiciado de efetuar quesi-tos na fase inquisitorial nas perícias (arts. 156, § 2e 316, CPPM), bem como nada inovou em relação aopedido de diligências na Polícia (art. 14, CPP), mas

apenas acresceu a possibilidade de apresentaçãode razões que, se existentes por parte do causídico,devem ser juntadas no correspondente momentopré-processual, todavia, não vinculam a convicção,a decisão ou a manifestação do Encarregado do IPMou do Delegado de Polícia.

O parcial exercício da defesa nessa fase da per-secução criminal é agora mais abrangente, contudo,nem de longe a investigação tornou-se um procedi-mento marcado pelo contraditório e ampla defesa,o qual, ainda, registre-se, não foi assegurado peloordenamento jurídico.

A violação aos direitos e à prerrogativa dos advo-gados pode implicar no crime de abuso de autoridade(art. 3-, alínea ]', Lei 4.898/65) não somente nashipóteses contidas no inciso XIV, mas também nashipóteses do inciso XXI, ambos do art. lq do EAOAB,ou em outros casos em que ocorra qualquer atenta-do aos direitos e garantias legais assegurados aoexercício profissional.

A Lei 13.245/16 não desnaturou a inquisitorie-dade do IP e nem do IPM, a despeito de efetivamen-te prever a hipótese de nulidade, inclusive dos atosderivados da prova viciada, que tem como termoinicial o interrogatório, se neste houver obstáculopara a presença do advogado constituído pelo in-vestigado.

Desse modo, nota-se a importância que tomao despacho de indiciamento, o qual é o divisor deáguas para se garantir, sob pena de nulidade, apresença do advogado exercendo as prerrogativasque lhe confere a novel Lei.

A presença de advogado no inquérito policial nãoé obrigatória, todavia, devem ser observados, nafase inquisitória!, as prerrogativas profissionais doadvogado do investigado que ali compareça, bemcomo as garantias constitucionais pertinentes-aoinvestigado (art. 59, l\\\, CF), sob pena de nulidadeabsoluta do procedimento.

No caso de o investigado não possuir defensore, por consequência, não se fizer acompanharpor advogado nos atos da investigação no IPMou no APFD, isso não causará nenhum vício aoprocedimento inquisitório ou retardamento ao atoprevisto.

De toda forma, estamos certos de que a presençado advogado nas investigações de qualquer naturezana fase pré-processual elevará o nível de transpa-rência desejado, legitimando os atos persecutóriospenais inquisitivos.

10 REVISTA DIREITO MILITAR > N9 120 > JULHO / AGOSTO DE 2016