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A atividade da equipe de enfermagem e os riscos relacionados exposio a quimioterpicos antineoplsicos no setor de oncologia de um hospital pblico do estado do Rio de Janeiro por

Priscilla Germano Maia

Dissertao apresentada com vistas obteno do ttulo de Mestre em Cincias na rea de Sade Pblica.

Orientadora: Prof. Dr. Jussara Cruz de Brito Co-orientadora: Prof. Dr. Ada vila Assuno

Rio de Janeiro, maio de 2009.

Esta dissertao, intitulada

A atividade da equipe de enfermagem e os riscos relacionados exposio a quimioterpicos antineoplsicos no setor de oncologia de um hospital pblico do estado do Rio de Janeiro

apresentada por

Priscilla Germano Maia

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Mary Yale Rodrigues Neves Prof. Dr. lida Azevedo Hennington Prof. Dr. Jussara Cruz de Brito Orientadora

Dissertao defendida e aprovada em 08 de maio de 2009.

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Catalogao na fonte Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica Biblioteca de Sade Pblica

M217

Maia, Priscilla Germano A atividade da equipe de enfermagem e os riscos relacionados exposio a quimioterpicos antineoplsicos no setor de oncologia de um hospital pblico do estado do Rio de Janeiro. / Priscilla Germano Maia. Rio de Janeiro: s.n., 2009. 144 f., il., tab. Orientador: Brito, Jussara Cruz de Assuno, Ada vila Dissertao (mestrado) Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2009 1. Riscos Ocupacionais. 2. Enfermagem. 3. Exposio Ocupacional. 4. Antineoplsicos-efeitos adversos. 5. Hospitais Pblicos. I. Ttulo. CDD - 22.ed. 613.62098153

DEDICO ESTE TRABALHO A Deus, pois sem a minha f Nele eu nada seria e nada serei. minha me Lucy, minha av Mary e ao meu namorado Marcus Vinicius, que me ajudaram a ter fora para concluir mais esta etapa da minha vida. Dra. Jussara Cruz de Brito pelo carinho com que me acolheu na orientao deste trabalho e pelo incentivo. Dra. Ada vila Assuno pela co-orientao, dedicao e ensinamentos.

AGRADECIMENTOS Aos coordenadores do curso de ps-graduao em Sade Pblica/Sade do Trabalhador da Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca/Fundao Oswaldo Cruz pela oportunidade. CAPES pela concesso da bolsa de Mestrado. chefia e ao Comit de tica em Pesquisa do Hospital Pblico do Rio de Janeiro pelo consentimento para realizao desta pesquisa e aos funcionrios do setor de oncologia do hospital pela colaborao e incentivo na elaborao da mesma. Aos professores e funcionrios do CESTEH, pelos ensinamentos, em especial Dra. Carmem Marinho, Dra. Ana Maria Braga, Dra. Elida Hennington, Dra. Cristina Guilam e Dra. Lcia Rotemberg. Aos funcionrios da secretaria de ps graduao e do Comit de tica em Pesquisa (CEP) pela ajuda, em especial Maria Emlia. Ao grupo PISTAS e s professoras Dra. Mary Yale e Dra. Elida Hennington pelas valiosas sugestes no exame de qualificao. s funcionrias da Biblioteca da ENSP pelas solicitaes por comutao e elaborao da ficha catalogrfica. Ao Vital Ribeiro, ao Andr Luis Evangelho e ao Paulo Cuconato pelas importantes contribuies. s minhas amigas Wendy, Cntia, Andria, Renata, Caroline e Erika por estarem presentes em minha vida, apesar da distncia. Aos meus amigos e colegas da ps-graduao pelos momentos que dividimos nesta fase de nossas vidas, em especial Wilma, Luciana, Sayonara, Elsa, Francisco e Afrnio. Aos familiares e amigos pelo incentivo e compreenso nos momentos em que estive ausente. Aos membros da Banca Examinadora de Defesa de Dissertao por participarem deste momento to significativo. A todos que direta ou indiretamente contriburam para a realizao desta pesquisa.

RESUMO

A atividade de administrao de quimioterpicos antineoplsicos foi analisada neste estudo com o objetivo de abordar as relaes entre as situaes de trabalho e os riscos relacionados exposio aos referidos frmacos, bem como analisar alternativas que pudessem reduzir esta exposio. Atravs de uma abordagem qualitativa, combinou-se anlise documental, observaes das atividades da equipe (gerais e sistemticas) e entrevistas com oito trabalhadores de enfermagem de um hospital pblico do estado do Rio de Janeiro. Foram utilizados referenciais tericos e metodolgicos da Ergonomia da Atividade, segundo os quais as entrevistas com os trabalhadores devem contribuir para elucidar o que foi observado. Assim, as crnicas das atividades, construdas a partir das observaes sistemticas foram analisadas com o auxlio das verbalizaes sobre os diferentes aspectos do problema. Verificou-se que a realizao de atendimentos simultneos uma caracterstica central desta atividade, mas afeta a qualidade da assistncia e a sade/segurana dos trabalhadores em determinados momentos. H tambm fatores extrnsecos que interferem fortemente no desenvolvimento da atividade de administrao de QAs com implicaes para a sade/segurana dos trabalhadores, tais como: espao fsico incompatvel com a variao do fluxo, atendimento a pacientes de outros setores, dificuldade de interao com a equipe mdica, no disponibilidade de servios de Psicologia, Assistncia Social e Nutrio no setor de oncologia e qualidade insatisfatria de alguns materiais e mobilirios disponibilizados. No que tange exposio aos quimioterpicos, uma situao que se mostrou crtica foi o modo de fornecimento de quimioterpicos antineoplsicos pela Farmcia. Foi possvel detectar que as normas de biossegurana no so seguidas integralmente, devido a diversos fatores, como: crena de que no h risco de exposio quando h utilizao de sistema fechado, a dificuldade gerada pelas situaes de urgncia, o estranhamento demonstrado por outros trabalhadores e a inteno de evitar constrangimentos para os pacientes. Contudo, a cooperao entre os membros da equipe, o acordo de cuidado mtuo e a inteligncia da prtica mostraram-se fundamentais para a proteo desses trabalhadores. Palavras-chave: trabalhadores, enfermagem, riscos, quimioterapia.

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ABSTRACT

The antineoplasical chemotherapics administration activity was analysed in this study aiming to approach the relationships between the job situation and the risks related to the pharmaco mentioned exposition, as well to analyse alternatives that could reduce this exposition. Through a qualitative approach, it was joined to a documental analysis, the team activities observation (general and systematic) and interviews with eight nursing workers from a public hospital in the state of Rio de Janeiro. Theoretical and methodological mentions from Ergonomy Activity were used, according to this, the interviews with the workers may contribute to explain what was observed. This way, the chronics made from the systematic observation were analysed through the verbalization about different aspects of this matter. It was observed that simultaneously attendance is a central characteristic in this activity, but it affects its quality and the professionals health in some moments. There are also extrinsic factors that interfere a lot in this activity administration development involving the workers health/security as: incompatible physical space according to the flux variation, attendance to patients from other sectors, difficulties in interacting with the doctor team, no Psychological, Social Assistance and Nutritious service to the Oncology sector and bad quality of some materials and available furniture. Related to the chemotherapics exposition, there is a critical situation in the antineoplasical chemotherapics supply by the pharmacy. It was possible to note that the biosecurity rules are not followed, due to many factors, as: it is thought that there is no exposition risk while using the close system, the difficulties created during the emergencies, the difficulties that other workers present and the intention to avoid embarrassment to the patients. However the cooperation, care and intelligence of the pratic of the team are fundamental to these professionals protection. Key words: workers, nursing, risk, chemotherapy

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SUMRIO 1. INTRODUO ......................................................................................................... 13 2. REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO..................................................... 15 2.1 Sade do trabalhador ............................................................................................... 15 2.2 Nocividade do trabalho, acidente, risco e ergonomia da atividade ......................... 16 3. BREVES OBSERVAES SOBRE O CNCER E O TRATAMENTO QUIMIOTERPICO ..................................................................................................... 21 3.1 Cncer ...................................................................................................................... 21 3.2 Tratamento quimioterpico ...................................................................................... 25 3.2.1 Histrico e classificao ....................................................................................... 25 3.2.2 Riscos associados exposio a quimioterpicos antineoplsicos ...................... 28 3.2.3 Recomendaes relativas ao manuseio de quimioterpicos antineoplsicos........ 31 4. ABORDAGEM METODOLGICA ........................................................................ 38 4.1 Estudo bibliogrfico ................................................................................................ 38 4.2 Pressupostos metodolgicos .................................................................................... 39 4.3 Procedimento de coleta de dados ............................................................................. 41 4.3.1 Etapa exploratria ................................................................................................. 42 4.3.2 Observaes sistemticas ..................................................................................... 43 4.3.3 O tratamento e anlise dos dados ......................................................................... 46 5. O CAMPO DE ESTUDO .......................................................................................... 47 5.1 Caracterizao do campo de estudo ......................................................................... 47 5.1.1 Identificao dos determinantes tcnico-legais .................................................... 47 5.2 O setor de oncologia ................................................................................................ 49 5.2.1 Espao fsico e recursos humanos ........................................................................ 49 5.2.2 Funcionamento ..................................................................................................... 49 5.3 Sade do trabalhador ............................................................................................... 56 6. O DESENVOLVIMENTO DAS TAREFAS NO SETOR DE ONCOLOGIA ....... 58 6.1 O trabalho da equipe de enfermagem ..................................................................... 58 6.2 O fluxo da tarefa de administrar quimioterpicos ................................................... 58 6.3 As exigncias do processo teraputico .................................................................... 60 6.4 A exigncia da realizao de atendimentos simultneos e a qualidade da assistncia e a sade/segurana dos trabalhadores........................................................................... 62 7. CONSTRANGIMENTOS QUE INTERFEREM NO DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE ................................................................................................................. 84 7.1 Espao fsico inadequado face ao aumento da demanda ......................................... 84 7.2 Atendimento a pacientes de outros setores .............................................................. 87 7.3 Constrangimentos relacionados ao fornecimento de quimioterpicos antineoplsicos................................................................................................................ 90 7.4 Dificuldades de interao com a equipe mdica ..................................................... 94 7.5 Necessidade de servios de Psicologia, Assistncia Social e Nutrio no setor de oncologia ....................................................................................................................... 96 7.6 Falta de materiais ou materiais de m qualidade ..................................................... 97 7.7 Constrangimentos ligados ao mobilirio ............................................................... 100 7.8 Outros fatores ........................................................................................................ 101 8

8. ENTRE EXPOSIO E PROTEO: AS SITUAES DE TRABALHO NA ADMINISTRAO DE QUIMIOTERPICOS ANTINEOPLSICOS .................. 102 9. CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 114 10. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................. 118 ANEXOS ..................................................................................................................... 125

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Evoluo temporal dos procedimentos realizados por Luciana no dia 08 de Setembro de 2008 de 08:49h s 15:39h ......................................................................... 64 Tabela 2 - Atendimentos prestados por Luciana no dia 08 de Setembro de 2008 de 08:49h s 15:39h ............................................................................................................ 65 Tabela 3 - Evoluo temporal dos procedimentos realizados por Renata no dia 01 de Outubro de 2008 de 08:20h s 12:19h ........................................................................... 68 Tabela 4 - Atendimentos prestados por Renata no dia 01 de Outubro de 2008 de 08:20h s 12:19h ........................................................................................................................ 68 Tabela 5 - Evoluo temporal dos procedimentos realizados por Mara no dia 02 de Outubro de 2008 de 08:38h s 12:00h ........................................................................... 71 Tabela 6 - Atendimentos prestados por Mara no dia 02 de Outubro de 2008 de 08:38h s 12:00h ........................................................................................................................ 71 Tabela 7 - Evoluo temporal dos procedimentos realizados por Thalita no dia 14 de Outubro de 2008 de 08:23h s 12:00h ........................................................................... 74 Tabela 8 - Atendimentos prestados por Thalita no dia 14 de Outubro de 2008 de 08:23h s 12:00h ........................................................................................................................ 74 Tabela 9 - Evoluo temporal dos procedimentos realizados por Fernanda no dia 15 de Outubro de 2008 de 08:24h s 12:00h ........................................................................... 77 Tabela 10 - Atendimentos prestados por Fernanda no dia 15 de Outubro de 2008 de 08:24h s 12:00h ............................................................................................................ 77 Tabela 11 - Evoluo temporal dos procedimentos realizados por Juliana no dia 21 de Outubro de 2008 de 08:20h s 12:00h ........................................................................... 79 Tabela 12 - Atendimentos prestados por Juliana no dia 21 de Outubro de 2008 de 08:20h s 12:00h ............................................................................................................ 79 Tabela 13 - Evoluo temporal dos procedimentos realizados por Vanessa no dia 22 de Outubro de 2008 de 08:55h s 12:00h ........................................................................... 82 Tabela 14 - Atendimentos prestados por Vanessa no dia 22 de Outubro de 2008 de 08:55h s 12:00h ............................................................................................................ 82

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - A formao da clula cancerosa e sua migrao no organismo .................... 22 Quadro 1 - Classificao dos frmacos antineoplsicos segundo a IARC .................... 29 Quadro 2 - Medidas de proteo preconizadas pelo INCa para o manuseio de quimioterpicos antineoplsicos .................................................................................... 34 Quadro 3 Aes e procedimentos identificados durante as observaes sistemticas..................................................................................................................... 43 Esquema 1 - Fluxo de atendimento do paciente ............................................................ 52 Esquema 2 - Etapas do tratamento quimioterpico ....................................................... 52 Figura 2 - Bombona disponvel para descarte de QAs e lixeira destinada atualmente ao descarte de outros materiais ........................................................................................... 54 Quadro 4 - Principais tarefas realizadas pela enfermagem no setor de oncologia......... 59 Figura 3 Sala destinada administrao de QAs ...................................................... 84 Esquema 3 - Administrao de quimioterpicos antineoplsicos em um hospital pblico do estado do Rio de Janeiro ........................................................................................ 103 Figura 4 Pass-trough: Local onde a enfermagem recolhe os QAs (entre a sala de manipulao de QAs e a sala de manipulao de Pr-QAs) ..................................... 104

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1. Roteiro para observao sistemtica ............................................................ 126 Anexo 2. Roteiro para entrevista semi-estruturada ..................................................... 127 Anexo 3. Rotina de enfermagem no setor de oncologia ............................................. 130 Anexo 4. Quadro 5 - Agentes antineoplsicos mais utilizados ................................... 133 Anexo 5. Registro de tratamento quimioterpico ........................................................ 134 Anexo 6. Ficha de quimioterapia ................................................................................ 135 Anexo 7. Mapa de quimioterapia ................................................................................ 136 Anexo 8. Evoluo do paciente ................................................................................... 137 Anexo 9. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................................. 138 Anexo 10. Parecer do Comit de tica da Escola Nacional de Sade Pblica ........... 141 Anexo 11. Parecer do Comit de tica da Instituio ................................................. 142 Anexo 12. Oramento financeiro ................................................................................ 143 Anexo 13. Cronograma de execuo da pesquisa ....................................................... 144

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1- INTRODUO O objetivo deste estudo identificar as situaes de trabalho que atenuam ou agravam a exposio aos riscos conhecidos no que se refere manipulao de quimioterpicos antineoplsicos (QAs) no ambiente hospitalar. Ao final do sculo XX, as doenas crnico-degenerativas, em especial o cncer, tiveram sua incidncia aumentada na populao. A partir desta constatao, foram desenvolvidos estudos que possibilitaram a formulao de medicamentos especficos, sendo os QAs considerados uma das melhores alternativas para o controle de tumores. Com o objetivo de ampliar o potencial de ao e reduzir a toxicidade dessas drogas, pesquisas vm sendo desenvolvidas por estudiosos de diversos pases1. No entanto, tais substncias ainda oferecem potenciais efeitos indesejados. No caso dos trabalhadores que manipulam esses frmacos, durante o preparo, administrao e descarte (da droga ou material contaminado, inclusive prfuro-cortantes), significativo o risco a que esto expostos. Alm disso, h trabalhadores que podem se expor indiretamente, reforando que a contaminao ambiental deve ser igualmente considerada. Durante dois anos inserida como enfermeira no quadro de funcionrios de um hospital pblico do estado do Rio de Janeiro, a manipulao de quimioterpicos antineoplsicos (QAs) constava entre as atividades a serem executadas. Nesse ambiente, pde-se observar o processo de trabalho e questes que afligem alguns trabalhadores durante a atividade laboral. Esta inquietude constante frente s condies de trabalho se torna alvo de debate desses trabalhadores e reflete uma problemtica presente no somente nessa, mas em vrias instituies. Cada vez mais discute-se sobre os fatores potenciais de riscos aos quais os trabalhadores esto expostos e as medidas de segurana necessrias para cada atividade. No ambiente hospitalar, a exposio a inmeros tipos de agentes gera uma necessidade de rigor elevado no que se refere aos cuidados a serem tomados, pois o trabalhador alm de concentrar-se nas atividades inerentes recuperao dos pacientes, precisa estar atento a sua prpria sade. Desta forma, o tipo de atividade realizada demanda dos trabalhadores um cuidado redobrado, principalmente no que diz respeito ao preparo e manuseio de substncias quimioterpicas, onde os prejuzos advindos da inadequada manipulao podem ser irreversveis. Entretanto, os acidentes com QAs so muitas vezes considerados sem 13

importncia, contribuindo para a subnotificao. Consequentemente h uma perda significativa nas Comunicaes de Acidentes de Trabalho (CAT) e em outros instrumentos capazes de configurar um panorama mais preciso dos impactos do trabalho sobre a sade e de possibilitar aes mais eficazes de vigilncia e interveno2. Ademais, observa-se que em vrias situaes, a responsabilidade pelos acidentes atribuda ao profissional. Tal concepo de atos inseguros, e consequente culpabilizao do trabalhador, est fortemente presente nos estudos analisados por Neves3, os quais destacam que os trabalhadores no usam Equipamento de Proteo Individual (EPI), sendo considerados responsveis por possveis contaminaes em casos de acidentes de trabalho. Sob esse ngulo, considera-se que as aes e omisses ocorridas no trabalho so escolhas conscientes dos trabalhadores, tomadas em situaes nas quais os mesmos teriam alternativas diferentes dentro de um leque de opes, com controle absoluto da situao em curso. Assim, o desfecho da ao utilizado como critrio de julgamento da deciso tomada, menosprezando aspectos da situao de trabalho como contexto, natureza das exigncias da tarefa, variabilidade e histria das formas usuais do trabalho, adequao do "padro" na vigncia dessa variabilidade, processos psquicos associados como o estresse e as incompreenses. Alm da fragilidade tcnica dessa abordagem, sua difuso mostra-se associada a prticas que agravam suas consequncias, seja com atribuio de culpa s vtimas, seja com a inibio de prticas efetivas de preveno3. Os riscos, especificamente no ambiente hospitalar, podem advir de questes objetivas, mas tambm de situaes de tenso prolongada decorrentes de dobras de planto, ritmo acelerado de trabalho, observao do sofrimento de pacientes, entre outros4. Assim, a partir dessas questes e mediante questionamentos de trabalhadores da instituio selecionada para estudo, avaliou-se a necessidade de desenvolver uma pesquisa que abordasse as relaes entre as situaes de trabalho e os riscos relacionados exposio aos QAs, bem como analisar alternativas que pudessem reduzir esta exposio. Desta forma, como objetivos especficos prope-se: - Descrever em que situaes a exposio aos QAs atinge os trabalhadores do setor de oncologia. - Analisar o processo de trabalho durante a administrao de QAs pela equipe de enfermagem de modo a identificar os fatores que atenuam ou agravam a exposio no setor de oncologia. 14

2- REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO 2.1- Sade do Trabalhador A Sade do Trabalhador caracteriza-se como uma rea de abordagem interdisciplinar e multiprofissional, que contribui para a construo de uma ateno diferenciada sade dos trabalhadores no Sistema nico de Sade (SUS), como expresso da luta organizada dos mesmos por melhores condies de vida e trabalho. Entretanto, esta consiste em uma apreciao recente em relao ao quadro de sade da populao trabalhadora no Brasil, sendo imprescindvel tratar a trajetria que lhe deu origem e que vem constituindo seu marco referencial, seu corpo conceitual e metodolgico2,5. A atuao do Estado em relao sade no trabalho vem se sustentando nas concepes dominantes sobre a causalidade das doenas. Assim, a Medicina do Trabalho, centrada na figura do mdico, orienta-se pela teoria da unicausalidade, ou seja, para cada doena existe um agente etiolgico. Reflete-se na propenso a isolar riscos especficos e, dessa forma, atuar sobre suas consequncias, medicalizando-os em funo de sinais e sintomas ou associando-os a uma doena legalmente reconhecida2. J a Sade Ocupacional, com base na Higiene Industrial, prope uma abordagem multidisciplinar relacionando o ambiente de trabalho com o corpo do trabalhador. Incorpora a teoria da multicausalidade, na qual um conjunto de fatores de risco pode ser considerado na produo da doena, avaliada atravs da clnica mdica e de indicadores ambientais e biolgicos de exposio e efeito2. Em outra perspectiva, o campo da Sade do Trabalhador, que se origina na luta dos trabalhadores pelo direito sade, no bojo da Reforma Sanitria Brasileira, do debate da Medicina Social Latino-Americana e com inspirao no Movimento Operrio Italiano (MOI) de luta pela sade, prope o processo de trabalho como categoria fundamental para anlise das relaes entre o trabalho e a sade. Desta forma, visa estudar e intervir nessas relaes a partir do processo de trabalho, incorporando a experincia/subjetividade do trabalhador nas pesquisas e aes5,6. Esta perspectiva aponta para uma noo de sade como luta contnua, uma conquista permanente, em meio s foras polticas7. Segundo Berlinguer8: (...) na medida em que as classes trabalhadoras constituem-se num novo sujeito social e poltico, a perspectiva da Medicina Social Latino-Americana (MSLA) incorpora uma idia de trabalhador que difere frontalmente da anterior, passiva, de hospedeiro e de paciente, percebendo-o como um agente de 15

mudanas, com saberes e vivncias acumuladas sobre seu prprio trabalho, compartilhadas coletivamente. Como agente, teria a capacidade de transformar e interferir em sua realidade de trabalho. Mendes9 refora este entendimento ao afirmar que os trabalhadores assumem o papel de atores, de sujeitos capazes de pensar e de se pensarem, produzindo uma experincia prpria, no conjunto das representaes da sociedade. Nessa trajetria, a Sade do Trabalhador rompe com a concepo que estabelece um vnculo causal entre a doena e um agente especfico, ou a um grupo de fatores de risco presentes no ambiente de trabalho10 e insere o trabalhador na anlise do processo de trabalho. 2.2- Nocividade do trabalho, acidente, risco e ergonomia da atividade De acordo com Machado11, o acidente de trabalho, fato presente no cotidiano do trabalhador desde os primrdios da histria do trabalho, passa a constituir objeto de estudo sistemtico a partir do sculo XIX, com o avano da industrializao e das lutas operrias dele decorrentes. No incio do referido sculo, o acidente era tratado como infortnio, onde no interessava pesquisar a causa nem o responsvel, pois ele deveria ser considerado um risco inerente ao exerccio da profisso. Esta teoria denominou-se risco profissional e perpassou toda a legislao acidentria e de benefcios subsequentes, isentando o empresrio de qualquer responsabilidade pela ocorrncia dos agravos provocados pelo trabalho10. Com a imposio jurdica da responsabilidade civil, surge a teoria da culpa, cuja preocupao era encontrar o culpado pelo acidente, relacionando duas causas possveis: o ato inseguro do empregado ou a condio insegura do empresrio, causada por imprudncia, negligncia ou falta de diligncia12. Os atos inseguros e as condies inseguras eram caracterizados a partir de anlises efetuadas pelas prprias empresas, o que agrava a tendncia de mascarar as responsabilidades patronais. Podemos observar que habitualmente o trabalhador considerado culpado at conseguir provar o contrrio11. A questo que, na maioria dos casos, h vrias situaes que possibilitam a ocorrncia de um acidente, onde a causa mais aparente ou imediata pode no consistir em uma nica origem. Para que um acidente no ocorra, preciso observar as mltiplas facetas do problema, atravs da anlise do processo e da organizao do trabalho11. Segundo Mazet e Guillermain13, nas definies habituais, o risco caracteriza a 16

eventualidade de uma situao no desejada (ou temida) e seus efeitos ou consequncias. Entretanto, Nouroudine7 afirma que a identificao dos riscos provocados pelas tcnicas e outros meios materiais de trabalho (produto qumico, radiao, fontes de calor ou de rudo excessivo, etc) constitui apenas uma primeira etapa de interveno. Tal abordagem permite fazer regredir os acidentes de trabalho e as doenas profissionais, melhorando as condies nas quais os protagonistas do trabalho operam mquinas e produtos, somente se os fatores de risco puderem ser objetivados e forem objeto de conhecimento relativamente estabilizado (como o caso da maioria dos fatores de risco tcnicos e materiais). O autor ressalta que os fatores de risco procedentes da prpria natureza da atividade humana (subjetivos) no podem ser tratados de maneira eficaz segundo essa abordagem. Ademais, estudos indicam que a informao e a formao centrada em aspectos tcnicos no so suficientes para reduzir a ocorrncia de acidentes. Um estudo epidemiolgico desenvolvido no Brasil, com dados registrados em um hospital universitrio, mostrou que grande parte dos acidentes se deve inobservncia das normas preconizadas, concluindo que a simples informao no suficiente para modificar o quadro existente14. Ressalta-se ainda que reconhecer situaes de risco no consiste em uma tarefa simples. A literatura tende a descrever medidas de proteo que so indiscutivelmente necessrias para certos tipos de risco, mas preciso considerar a poltica institucional, os diversos processos de trabalho, os diferentes trabalhadores e seus saberes. Quanto aos saberes, segundo Cru15 ocorrem em dadas situaes em que, para se proteger dos riscos e para lutar contra o medo, os trabalhadores desenvolvem alguns procedimentos teis ao processo, por vezes verdadeiros macetes no campo da segurana. Esses "macetes" formulados pelos trabalhadores com o objetivo de dominar os incidentes no trabalho e os procedimentos inventados para combater os perigos do trabalho so as "regras de trabalho" ou de "ofcio", que no apresentam consonncia com a organizao do trabalho prescrito. Recentemente, a escola francesa de ergonomia desenvolve a abordagem da anlise cognitiva dos acidentes de trabalho que busca uma integrao de fatores sociais e psicolgicos, os quais so marcados por forte dimenso de subjetividade7,16. De fato, entender a sade no trabalho unicamente sob a tica da ausncia de risco pode ser limitante quando os problemas so complexos e multidimensionais. Dito isso, no se autoriza ignorar o risco, mas sim buscar mecanismos para gerenciar as situaes perigosas. Neste sentido, as solues possveis para esse aspecto do problema 17

ultrapassam as abordagens centradas sobre o reforo da regulamentao e de meios de proteo (necessrios para certos tipos de risco). Prope-se uma definio de formas organizacionais favorveis capacidade de gesto dos protagonistas do trabalho no curso da atividade7. Segundo Trinquet17, o trabalho envolve trs fatores: a prpria tarefa a realizar, a particularidade de cada trabalhador envolvido e o meio em que ele realizado. por isso que toda atividade sempre singular e historicamente datada e situada. Conhecer as situaes de trabalho e considerar os aspectos subjetivos dos trabalhadores so elementos importantes para transformar e melhorar as atividades relacionadas. A tarefa ou trabalho prescrito vinculado, de um lado, a regras e objetivos fixados pela organizao do trabalho e, de outro, s condies dadas. Pode-se dizer, de forma sucinta, que indica aquilo que se deve fazer em um determinado processo de trabalho18. A ergologia, entretanto, prope o conceito de normas antecedentes para designar os vrios elementos que antecipam as atividades e que esto vinculados ao contexto histrico e ao patrimnio cientfico e tecnolgico de uma sociedade, no se restringindo aos aspectos referentes s condies e organizao do trabalho19. Em contrapartida, a atividade de trabalho ou trabalho real consiste na realizao do trabalho prescrito, considerando-se as restries e as vantagens dispostas pelas variabilidades (panes, disfuncionamentos, dificuldades de previso, fadiga, ritimicidade circadiana, efeitos da idade, experincia), ou seja, a maneira pela qual as pessoas se engajam na gesto dos objetivos do trabalho, num lugar e num tempo determinados, servindo-se dos meios disponveis ou inventando outros meios. Logo, trata-se de uma resposta s imposies determinadas externamente, que so, ao mesmo tempo, apreendidas e modificadas pela ao do prprio trabalhador19,20. Sendo assim, ao se aproximar de seu objeto o trabalho humano em situaes reais, a Ergonomia mostrou que o trabalho efetuado no corresponde jamais ao trabalho esperado, fixado por regras, orientado por objetivos determinados, segundo representaes das condies de realizao21. A tarefa prescrita insuficiente para a execuo do trabalho, pois no se pode viver unicamente sob este registro, executando instrues, se submetendo a imposies, regras ou normas. impossvel para o meio evitar a variabilidade - as infidelidades do meio, presentes em todo ambiente de trabalho devem ser geridas, no como mera execuo, mas como um uso de si, ou seja, preciso fazer uso de suas prprias capacidades, de seus prprios recursos e de suas prprias escolhas para gerir essas infidelidades. O trabalho nunca pura execuo, uma vez que todos os tipos de 18

infidelidades se combinam, se acumulam, se reforam uma na outra, no conjunto de um ambiente de trabalho que tambm um ambiente tcnico, humano e cultural. Isso faz com que no se possa pretender listar totalmente, de maneira exaustiva, tudo aquilo que constitui um meio de trabalho22,23. Um dos pressupostos da perspectiva ergolgica que a atividade de trabalho um lugar de debate de valores. Ao se deparar com a prescrio, cada um ir ressingularizla sua maneira, de acordo com seus valores e com sua histria individual e coletiva. A maneira como cada pessoa age diante das lacunas ou das deficincias do prescrito sempre singular e no pode ser padronizada. Cada um ir renormalizar o meio a seu jeito para dar conta do que no est prescrito, o que ir sempre envolver um debate: de normas, de valores, de histrias22. A problemtica apontada nesta pesquisa est relacionada ao estudo da nocividade de trabalho. Nas disciplinas tradicionais no campo da medicina e segurana do trabalho menciona-se a exposio ao risco, entretanto, os prprios epidemiologistas referem que mesmo em casos de confirmao de forte associao estatstica entre um fator de risco e uma doena, no quer dizer que todos os indivduos com o fator de risco vo necessariamente desenvolver a doena, nem que a ausncia do fator de risco garanta que a doena no se desenvolver. A incapacidade para identificar todos os fatores de risco que contribuem para o risco de doena limita a capacidade de fazer previses individuais24. Segundo Assuno25, o descompasso entre os objetivos cientficos e os da preveno transparece, por exemplo, no caso dos efeitos dos fatores de risco sobre a reproduo humana. Os agentes qumicos podem afetar a maturao das clulas germinativas, e aps um acmulo no organismo, at mesmo afetar uma gravidez futura. Esperamos os resultados dos estudos ou que os efeitos apaream para que possamos intervir nas situaes de trabalho? Alm disso, de acordo com Assuno (op cit), todas as abordagens de segurana, das mais convencionais s mais crticas, vm dedicando ateno exclusiva anlise dos acidentes. Parece ser natural que a preveno de acidentes deva partir da compreenso dos prprios acidentes. No entanto, esta forma de ao, por mais que produza conhecimentos relevantes, acaba colocando a preveno a reboque dos acidentes, sendo necessrio que ocorram acidentes para que se aprenda como evit-los25. No a concluso quanto aos atos inseguros que leva preveno baseada em mudanas de atitude e de comportamento, mas sim a concepo racionalizante de que o comportamento humano determinado exclusivamente pela conscincia e que, 19

portanto, o acidente decorre da falta de conscincia do risco. Se o trabalhador no utiliza o cinto de segurana, no se procuram as causas objetivas e as circunstncias que o levaram a se comportar desta forma: a anlise esbarra na classificao de ato inseguro e de imprudncia. Quando deveria estar frente da legislao, aperfeioando-a, a preveno anda, em verdade, a reboque do direito25. Amalberti26, recorrendo Ergonomia, inverte a preocupao central da segurana com os acidentes e erros cometidos e prope manter a segurana ao invs de controlar os riscos. Para isso, preciso analisar os mecanismos cognitivos acionados pelos operadores em situaes normais. Esta normalidade possibilita a identificao das causas potenciais dos acidentes, uma vez que as situaes somente so mantidas normais atravs de um esforo ativo dos operadores que regulam e corrigem mltiplos incidentes e disfunes inevitveis do processo produtivo. Em qualquer direo, vale dizer que a Ergonomia permitiria identificar os elementos explicativos dos denominados comportamentos de risco, pois contrape a anlise centrada na causa imediata do acidente que no proporciona uma compreenso das circunstncias da situao real do trabalhador no desenvolvimento de sua tarefa, levando em considerao todo o contexto que induziu o trabalhador a praticar o ato27. No caso desta pesquisa, interessa compreender por que nem sempre os trabalhadores seguem todas as normas de biosegurana, conforme identificado na fase exploratria e na experincia profissional da autora.

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3- BREVES OBSERVAES SOBRE O CNCER E O TRATAMENTO QUIMIOTERPICO 3.1- Cncer: O organismo humano adulto composto por aproximadamente 1015 clulas, muitas das quais se dividem e se diferenciam para a formao e posterior substituio contnua em rgos e tecidos. Alguns exemplos so as clulas que compem a camada do epitlio intestinal, as quais so substitudas aproximadamente a cada dez dias, e as clulas da medula ssea que se dividem e se diferenciam para produzir os eritrcitos e os leuccitos, com um tempo variando de 24 horas (em casos de alguns leuccitos) a 112 dias (para os eritrcitos maduros). As clulas com capacidade para a diviso e preenchimento so denominadas clulas-tronco e calcula-se aproximadamente 1012 divises por dia nos compartimentos destas clulas28. A distribuio exata do material gentico s clulas-filhas durante a diviso mittica envolve muitos eventos integrados, que vo desde a replicao do DNA at a segregao cromossmica. A manuteno da normalidade da clula somtica e do seu equilbrio gnico depende da exatido do processo em todos os nveis. Todos os organismos sofrem determinado nmero de mutaes, ou seja, alteraes sbitas do material gentico que so transmitidas descendncia. Estes so eventos raros, que ocorrem espontaneamente e ao acaso, podendo ser recorrentes29. O processo de carcinognese, representado na Figura 1, em geral se d lentamente, podendo levar vrios anos para que uma clula cancerosa prolifere e d origem a um tumor visvel. Esse processo passa por vrios estgios antes de chegar ao tumor: iniciao, promoo e progresso30.

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Figura 1 - A formao da clula cancerosa e sua migrao no organismo. Extrado do INCa www.inca.gov.br, acesso em 2008.

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No estgio de iniciao, o primeiro estgio da carcinognese, as clulas sofrem o efeito dos agentes carcingenos que provocam modificaes em alguns de seus genes. Nesta fase as clulas se encontram geneticamente alteradas, porm ainda no possvel detectar clinicamente um tumor. Encontram-se "preparadas", ou seja, "iniciadas" para a ao de um segundo grupo de agentes que atuar no prximo estgio. No estgio de promoo, as clulas geneticamente alteradas, ou seja, "iniciadas", sofrem o efeito dos agentes cancergenos classificados como oncopromotores. A clula iniciada transformada em clula maligna, de forma lenta e gradual. Para que ocorra essa transformao, necessrio um longo e continuado contato com o agente carcingeno promotor. A suspenso do contato com agentes promotores muitas vezes interrompe o processo nesse estgio. Alguns componentes da alimentao e a exposio excessiva e prolongada a hormnios so exemplos de fatores que promovem a transformao de clulas iniciadas em malignas30. Finalmente, o estgio de progresso se caracteriza pela multiplicao descontrolada e irreversvel das clulas alteradas. Nesse estgio o cncer j est instalado, evoluindo at o surgimento das primeiras manifestaes clnicas da doena30. No processo carcinognico, as alteraes podem ocorrer em genes especiais denominados protooncogenes, que a princpio so inativos em clulas normais. Quando ativados, os protooncogenes transformam-se em oncogenes, responsveis pela malignizao (cancerizao) das clulas normais. Por outro lado, h os genes que regulam a estabilidade e o reparo do DNA, o crescimento celular, a imunidade e a quimio-resistncia s drogas, que so denominados genes supressores tumorais, os quais parecem agir normalmente, como reguladores da proliferao celular31. Este processo envolve interaes complexas entre vrios fatores tanto exgenos quanto endgenos. As causas externas do cncer relacionam-se presena de fatores desencadeantes (agentes qumicos, fsicos e biolgicos) no meio ambiente e aos hbitos ou costumes prprios de um ambiente social e cultural. As causas internas so, na maioria das vezes, geneticamente pr-determinadas e esto ligadas capacidade do organismo de se defender das agresses externas. Esses fatores causais podem interagir de vrias formas, aumentando a probabilidade de transformaes malignas nas clulas normais28,29. estimado que 80% a 90% dos casos de cncer estejam associados a fatores ambientais. Alguns deles so bem conhecidos: o cigarro pode causar cncer de pulmo, a exposio excessiva ao sol pode ocasionar cncer de pele, e alguns vrus podem

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causar leucemia, outros esto em estudo, tais como alguns componentes dos alimentos e, provavelmente, muitos so completamente desconhecidos. O envelhecimento traz mudanas nas clulas que aumentam a sua suscetibilidade transformao maligna. Isso, somado ao fato de as clulas das pessoas idosas terem sido expostas por mais tempo aos diferentes fatores de risco para cncer, explica em parte o porqu de o cncer ser mais frequente nesses indivduos30. Os mecanismos de defesa naturais defendem contra as agresses impostas por diferentes agentes carcingenos com suas diferentes estruturas. Ao longo da vida so produzidas clulas desordenadas, mas esses mecanismos de defesa interrompem o processo, eliminado-as. A integridade do sistema imunolgico, a capacidade de reparao do DNA danificado por agentes cancergenos, e a ao de enzimas responsveis pela transformao e eliminao de substncias cancergenas introduzidas no corpo so exemplos de mecanismos de defesa. Esses mecanismos, prprios do organismo, so na maioria das vezes geneticamente pr-determinados, e variam de um indivduo para outro. Estes fatos explicam a existncia de vrios casos de cncer numa mesma famlia, e tambm por que nem todo fumante desenvolve cncer de pulmo30. Os diferentes tipos de cncer correspondem aos vrios tipos de clulas do corpo. Por exemplo, existem diversos tipos de cncer de pele porque esta formada por mais de um tipo de clula. Se o cncer tem incio em tecidos epiteliais como pele ou mucosas ele denominado carcinoma, se em tecidos conjuntivos como osso, msculo ou cartilagem chamado de sarcoma. Outras caractersticas que diferenciam os diversos tipos de cncer entre si so a velocidade de multiplicao das clulas e a capacidade de invadir tecidos e rgos vizinhos ou distantes, as metstases30. Dentre os tratamentos mais utilizados no combate ao cncer esto as cirurgias, a radioterapia e a quimioterapia. As cirurgias podem ser utilizadas paliativamente (colostomias em tumores avanados de intestino) ou ter inteno curativa (resseco de tumores primrios iniciais), de reconstruo de estruturas (reconstruo de trnsito aps colostomia em tumores de reto) e reabilitao do paciente (mamoplastia e mastectomia), as quais podem ou no estar associadas radio ou quimioterapia32. O tratamento radioterpico fundamenta-se na destruio de clulas atravs de radiao ionizante, a qual danifica o material gentico celular inviabilizando os processos de diviso; assim como as cirurgias so locorregionais, sua atuao limita-se ao campo de radiao. Alm disso, pode ser usada antes, durante ou aps a cirurgia (radioterapia neo-adjuvante, intra-operatria ou adjuvante, respectivamente), no intuito 24

de complementar o ato cirrgico, bem como no sentido paliativo, para alvio de sintomas dolorosos e reduo de massa tumoral, principalmente em tumores sseos e cerebrais. Em tumores avanados, nos quais no h indicao cirrgica (colo de tero e prstata) e em neoplasias com alto ndice de resposta (doena de Hodgkin, seminoma) comumente a radioterapia utilizada exclusivamente. Pode ocasionar efeitos colaterais como mucosites, nusea, vmito, inapetncia, diarria, fadiga, alopcia e reaes cutneas32. J a quimioterapia ser descrita mais detalhadamente a seguir por consistir no foco do presente estudo. 3.2- Tratamento quimioterpico: 3.2.1- Histrico e classificao: Existem evidncias da utilizao de drogas quimioterpicas sob a forma de sais metlicos, como arsnico, cobre e chumbo, em civilizaes antigas do Egito e da Grcia33. Entretanto, os primeiros registros de tratamento quimioterpico efetivo surgiram somente no final do sculo XIX, com a descoberta da soluo de Fowler (arsenito de potssio) por Lissauer (1865), e da toxina de Coley (combinao de produtos bacterianos) em 189034. Na dcada de 1940, um ataque areo alemo destruiu um depsito de gsmostarda americano em Bari (na Itlia), ocasionando mielodepresso intensa entre o grupo de indivduos contaminados: muitos soldados expostos ao gs morreram com atrofia das glndulas linfticas e hipoplasia da medula ssea. O fato despertou a ateno de um grupo de farmacologistas clnicos a servio do Pentgono, que buscando resultados teraputicos, administrou a droga em pacientes portadores de linfoma de Hodgkin e leucemia crnica, o que levou, surpreendentemente, a uma regresso tumoral importante, porm de curta durao35. Ao final do sculo XX, com o aumento de doenas crnico-degenerativas na populao, foram desenvolvidos estudos que possibilitaram a formulao de medicamentos, sendo os QAs uma modalidade de tratamento sistmico da doena (contrastando com a cirurgia e a radioterapia, que so mais antigas e de atuao localizada) considerada uma das melhores alternativas para o controle de tumores. Estes tratamentos so baseados em protocolos internacionais testados, envolvendo uma ou mais drogas em sequncia estabelecida, podendo abranger um ou mais dias, com

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periodicidade varivel. Inmeras pesquisas vm sendo desenvolvidas com o objetivo de ampliar o potencial de ao e reduzir a toxicidade dessas drogas1,33. No entanto, tais substncias ainda oferecem riscos de exposio ocupacional aos trabalhadores que manipulam esses frmacos, os quais podem ocorrer em qualquer destas trs fases: preparo, administrao e descarte dos QAs. Durante o preparo, os riscos de exposio podem acontecer durante a abertura de ampolas, na reconstituio de drogas, na retirada de soluo do frasco-ampola e na retirada de ar da seringa que contm antineoplsicos. J na administrao, a retirada de ar da seringa que contm antineoplsicos, a injeo do quimioterpico em push e a conexo e desconexo de equipos, seringas e tampas podem ocasionar riscos. Em relao ao descarte, o risco est presente quando os trabalhadores no adotam as medidas de biossegurana durante o manuseio de fluidos corpreos (urina, fezes, vmito e sangue), desprezo de materiais que entraram em contato com fluidos corpreos e manipulao de roupas contaminadas por estes fluidos, bem como mediante o acondicionamento incorreto de materiais contaminados (frascos, ampolas, equipos, bags de soros, seringas, aventais e luvas)35,36,37. A contaminao por quimioterapia (QA) pode advir da exposio direta, atravs da pele, membranas, mucosas e inalao ou indireta, por meio de fluidos corporais e excretas de pacientes que receberam a medicao nas ltimas 72 horas38. De acordo com Bonassa35: a quimioterapia consiste no emprego de substncias qumicas, isoladas ou em combinao, com o objetivo de tratar as neoplasias. So drogas que atuam em nvel celular interferindo no seu processo de crescimento e diviso. A maioria dos antineoplsicos no possui especificidade, ou seja, no destri seletiva e exclusivamente as clulas tumorais. Em geral so txicos aos tecidos de rpida proliferao, caracterizados por uma alta atividade mittica e ciclos celulares curtos. Os QAs so classificados de acordo com a especificidade no ciclo celular, em dois grupos: os de ciclo celular especfico e os de ciclo celular no especfico. As primeiras so drogas mais ativas nos combates s clulas que se encontram em uma determinada fase do ciclo, em geral a fase de sntese (S) ou fase de mitose (M). So bastante efetivos no tratamento de tumores com grande nmero de clulas em processo de diviso rpida e ativa. As drogas do ciclo celular no especfico correspondem quelas que so letais s clulas em qualquer fase que se encontrem, agindo sobre a frao proliferativa e no-proliferativa do tumor. Os QAs podem ainda ser classificados de acordo com sua estrutura qumica e sua funo em nvel celular, em agentes 26

alquilantes, antimetablitos, antibiticos antitumorais, plantas alcalides, agentes mltiplos, hormnios e antagonistas hormonais que sero descritos a seguir35: - Agentes alquilantes: so drogas ciclo celular no especficas capazes de destruir clulas em repouso ou em processo de diviso ativa, porm, as ltimas so mais sensveis aos seus efeitos txicos. A mostarda nitrogenada foi a primeira droga quimioterpica descrita e at hoje representa o prottipo de um agente alquilante. Essas drogas causam alteraes nas cadeias do cido Dexorribonuclico (DNA), impedindo sua replicao e so particularmente citotxicas aos linfomas, cncer de mama e mieloma mltiplo. Os agentes alquilantes mais comuns so: Mostarda nitrogenada (Mecloretamina), Ciclofosfamida, Clorambucil, Bussulfano, Streptozocin, Ifosfamida, Melfalano, Tiotepa, Cisplatina, Carboplatina, Carmustina, Dacarbazina, Estramustina e Lomustina. - Agentes antimetablitos: so ciclo celular especficos e agem na fase de sntese. So estruturalmente, semelhantes aos metablitos naturais, essenciais ao funcionamento celular e por isso, so capazes de enganar a clula, incorporando-se a ela, bloqueando a produo das enzimas necessrias sntese de substncias fundamentais ou interpondo-se s cadeias do DNA e cido Ribonuclico (RNA), transmitindo mensagens errneas. Dessa forma, so mais efetivos no tratamento de tumores de rpida diviso celular. Os principais quimioterpicos antimetablitos so: Metotrexato, Mercaptopurina, Tioguanina, Fluorouracil, Citarabina, Floxuridine, Cladribina e Fludarabina. - Antibiticos antitumorais: representam um grupo de compostos antimicrobianos produzidos pelo Streptomyces em cultura. A citotoxicidade desses agentes, que limita sua utilidade antimicrobiana, mostrou-se de grande valor no tratamento de ampla variedade de neoplasias. Atuam interferindo com a sntese dos cidos nuclicos por meio de um processo denominado intercalao, que impede a duplicao e separao das cadeias de DNA e RNA. So drogas ciclo celular especficas. Os principais antibiticos antitumorais so: Dactinomicina, Doxorrubicina, Daunorrubicina, Bleomicina, Mitomicina, Idarrubicina e Mitoxantrona. - Plantas alcalides: so ciclo celular especficas e agem na fase de mitose. Pertencem ao grupo das plantas alcalides: os inibidores mitticos e os inibidores da topoisomerase. Os inibidores mitticos ligam-se s protenas dos microtbulos, estruturas responsveis pela polarizao dos cromossomos, promovendo sua ruptura ou tornando-

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os inoperantes e causando bloqueio da diviso celular durante a metfase. Pertencem ao grupo a Vincristina, a Vimblastina e o Paclitaxel. O Topotecano, o Irinotecano, o Etoposide e o Teniposide so inibidores da topoisomerase, enzima necessria para o trmino da replicao do DNA. - Agentes mltiplos: desse grupo fazem parte as drogas antineoplsicas com mecanismos de ao variados, com frequncias desconhecidas, pouco compreendidas ou diferentes daquelas descritas anteriormente, com caractersticas diversas entre si. Ex.: Procarbazina, Hidroxiuria, Asparaginase, Estramustine e Octreotida. - Hormnios e antagonistas hormonais: assim como muitos tecidos dependem do nvel de hormnios para crescer e funcionar, alguns tumores, especialmente os derivados da mama, prstata, tero e tireide, so tambm influenciados por estas substncias. Nesses casos, a ao dos hormnios ou dos antagonistas hormonais depende da presena de receptores hormonais nas clulas tumorais, como, por exemplo, receptores de estrgeno nos tumores de mama. A teraputica hormonal envolve a manipulao de hormnios com o objetivo de deter o crescimento tumoral. Em geral, o tratamento hormonal do cncer tem objetivos mais paliativos do que curativos. Ele capaz de retardar temporariamente o crescimento tumoral sem ocasionar citotoxicidade, e de aliviar sintomas, como a dor, por exemplo, mas, quase sempre, sem promover a cura do doente. Os agentes hormonais mais frequentemente utilizados so: estrognios, antiestrognios, antiandrognios, progestognios, anlogos LHRH, adrenocorticosterides, inibidores dos adrenocorticosterides (incluindo os inibidores da aromatase) e outros. 3.2.2- Riscos associados exposio a quimioterpicos antineoplsicos: A exposio dos trabalhadores encarregados pelo preparo e pela administrao dos QAs despertou ateno no final da dcada de 70 e os primeiros efeitos advindos do contato com essas substncias eram exclusivamente do tipo agudo, em consequncia do contato pela via cutnea ou por inalao, em casos de acidentes ou erros na manipulao31. O interesse em pesquisar os efeitos genotxicos de algumas substncias nos trabalhadores aumentou na dcada de 1980, que coincide com o aumento da mortalidade por tumores, em indivduos que trabalhavam em laboratrios39,40. Os efeitos decorrentes da exposio aos QAs podem ser imediatos (dermatite, hiperpigmentao da pele e outros) ou tardios (alopcia parcial, anormalidades cromossmicas e aumento do risco de desenvolver cncer)38.

28

Para

Bonassa35,

os

quimioterpicos

so

considerados

potencialmente

mutagnicos, carcinognicos, teratognicos, fetotxicos, e esterilizantes. Convm salientar, no entanto, que nem todos os QAs so substncias dotadas de ao carcinognica41. A International Agency for Research on Cancer (IARC)42 reconhece como carcinognicos para o ser humano a Ciclofosfamida, a N,N-bis (2-cloroetil-2naftilamina), a Clorambucila, o Melfalano, entre outros, como pode ser observado no Quadro 143. Ressalta-se que os efeitos carcinognicos de tais substncias particularmente no homem - so difceis de demonstrar, uma vez que os cnceres, na maioria dos casos se manifestam clinicamente a partir dos 20 a 30 anos aps a primeira exposio qumica. Os mltiplos contatos com diferentes substncias cancergenas em determinados locais de trabalho contribuem para a dificuldade em definir os possveis agentes causadores especficos e suas concentraes, que entre outros fatores, so responsveis pelo efeito carcinognico que poder se manifestar dcadas mais tarde44. Quadro 1: Classificao dos frmacos antineoplsicos segundo a IARC42Frmaco Ciclofosfamida N,N-bis(2-cloroetil)-2-naftilamina 1,4-butanodiol dimetansulfonato 1 Carcingenos para o ser humano Clorambucila 1-(2-cloroetil)-3-(4-metlcicloexil)-1-nitrosouria Melfalano Terapia composta por mostarda nitrogenada, vincristina, procarbazina e prednisona Adriamicina Biscloroetilnitrosouria 1-(2-cloroetil) cicloexil 2A Provveis carcingenos para o ser humano Cisplatina N-metil-N-nitrosouria Mostarda nitrogenada Cloridrato de procarbazina Azacitidina Clorozotocina Mostarda nitrogenada N-xido 2B Possveis carcingenos para o ser humano Dacarbazina Daunorrubicina Mitomicina c Ifosfamida 5-fluorouracila 3 No classificados com relao Prednisona carcinogenicidade humana Metotrexato Vincristina Vimblastina Classificao dos Frmacos Antineoplsicos segundo a International Agency for Research on Cancer (IARC), com ltima reviso em abril/ 2001 Grupo

Diversos

estudos

comprovam

que

algumas

drogas

antineoplsicas

em

determinados nveis de exposio ocupacional podem ocasionar inmeros danos sade 29

dos trabalhadores44. Um estudo realizado na Sucia, em 1997, por Nygren e Lundgren45 investigou a exposio ocupacional aos derivados da Cisplatina (um tipo de QA). A amostragem de ar no ambiente de trabalho, assim como a anlise do sangue e amostras de urina dos expostos, foi realizada durante o processo de preparo e administrao da droga. O mtodo provou ser adequado para a determinao da platina nas referidas amostras e nenhum nvel transportado por via area aumentado de platina foi identificado, entretanto, nveis aumentados de platina no sangue e urina foram encontrados. Fuchs46 desenvolveu um estudo na Alemanha em 1995, com 91 enfermeiras, provenientes de clnicas variadas de quatro hospitais, que foram submetidas a exames de sangue para deteco de alteraes cromossmicas. Dez enfermeiras que manipulavam quimioterapia sem medidas de proteo (capela, luvas, ou mesmo mscara) apresentaram alteraes cromossmicas 50% maiores que o grupo-controle. Cabe ressaltar que o estudo no observou diferena na intensidade dessas alteraes entre o grupo que manipulava quimioterapia com proteo e o grupo que no manipulava quimioterapia. H ainda, uma provvel correlao entre manuseio de QAs e efeitos sobre fertilidade e sade reprodutiva. Valanis47 aponta em seu estudo publicado em 1997, dficits como infertilidade, abortos espontneos, anomalias fetais, e menstruais - ciclos anormais - detectados entre enfermeiras e farmacuticas que relataram exposio ocupacional quimioterapia. Em relao s referncias nacionais, a maioria dos estudos que abordam riscos relacionados exposio a QAs so de cunho descritivo e baseiam-se em anlises toxicolgicas provenientes de pesquisas internacionais e informaes fornecidas pelos trabalhadores atravs de questionrios e entrevistas, alm de observaes sistemticas e dados secundrios. Em apenas um dos estudos nacionais48 foi realizada anlise toxicolgica, cujos objetivos foram validar um mtodo para a determinao de Ciclofosfamida em superfcies e luvas e avaliar a aplicao deste em situao de real exposio ao frmaco. Outros dois autores49,50 buscaram avaliar a genotoxicidade ocupacional, sendo que apenas um deles49 est relacionado especificamente com a exposio a agentes antineoplsicos. No estudo de Maluf50 no foi encontrado aumento de mutaes nos grupos de risco. Contudo, comparando-se a frequncia de microncleos e de outras anomalias nucleares de todos os trabalhadores de risco com controles, a diferena estatisticamente significativa. No estudo de Bertollo49 no foi detectada associao entre as frequncias aumentadas de anomalias e de trocas entre 30

cromtides-irms (TCI) em cromossomos de linfcitos perifricos e os tipos de dispositivos de proteo ou o tempo de exposio aos QAs, possivelmente devido multiplicidade de variveis atuantes, o que dificultou a interpretao do papel de fatores isolados. No entanto, a frequncia de anomalias cromossmicas e de TCI foram menores quando as trabalhadoras expostas manuseavam menos frequentemente os antineoplsicos mais txicos. As alteraes referidas anteriormente atravs de estudos demonstram a exposio ocupacional de trabalhadores s drogas antineoplsicas, indicando como essencial a adoo de medidas de segurana durante o preparo de qualquer QA, analisando-se minuciosamente aspectos da organizao do trabalho e do espao fsico e os riscos associados (de acidentes, fsicos, qumicos, biolgicos e psicossociais). Soma-se a indicao de Ayoub32 quanto necessidade de um treinamento dos trabalhadores considerando o conhecimento da rotina do setor, modo de ao das drogas citotxicas e riscos potenciais envolvidos no manuseio das referidas substncias, manipulao adequada dos agentes antineoplsicos, mtodos de controle dos riscos potenciais associados ao manuseio, descarte adequado do material contaminado (inclusive prfuro-cortantes), cuidados com contaminao ambiental, descontaminao de equipamentos, habilidade tcnica em punes venosas, exames mdicos preventivos para a equipe sujeita exposio ocupacional das drogas e ministrao de aulas. Todavia, o treinamento no deve se limitar transmisso de informaes e introjeo de normas. Pode-se recorrer biossegurana, atravs do carter educativo51, ultrapassando a idia de simples normatizao de formas de trabalhar seguras, que em determinadas situaes, representam apenas uma preveno simblica1. 3.2.3- Recomendaes relativas ao manuseio de quimioterpicos antineoplsicos Em relao s recomendaes relativas ao manuseio de QAs, houve publicaes de documentos a partir do ano de 1975, pelo Instituto Nacional de Cncer nos Estados Unidos da Amrica (EUA), tendo como objetivo manter a esterilidade do produto e a segurana dos trabalhadores responsveis pela manipulao52. Em 1981, a Noruega cria normas especficas regulamentadoras para o manuseio de QAs, constituindo-se no nico pas, nesta poca, a ter uma legislao especfica a respeito, indicando um avano na proteo destes trabalhadores35. No entanto, somente na dcada de 90 foi criado nos Estados Unidos da Amrica, um rgo de normatizao, como a Ocupational Safety and Health Administration (OSHA) que estabelece normas para o manuseio de substncias cancergenas. poca, 31

Inglaterra, Irlanda e Japo estabelecem normas para o manuseio de substncias cancergenas, mas no especficas para antineoplsicos35. No Brasil, em 1991, atravs do Decreto 159 de 2 de Julho, adotou-se o convnio 139 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) que trata da preveno e controle dos riscos profissionais causados por substncias cancergenas35. Ainda no Brasil, o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), Resoluo 257/2001, dispe sobre a atuao dos trabalhadores de enfermagem que trabalham com QAs e faculta ao enfermeiro o preparo dessas drogas, considerando-se os conhecimentos tcnicos e cientficos deste profissional53. J a Resoluo 210/1998, estabelece que tcnicos e auxiliares de enfermagem no podem assumir o preparo de agentes antineoplsicos sob hiptese alguma54. Por outro lado, o Conselho Federal de Farmcia, mediante Resoluo n 288/1996 refere que: atribuio privativa do farmacutico a competncia para o exerccio da atividade de manipulao de drogas antineoplsicas e similares nos estabelecimentos de sade55. As normas relativas manipulao de QAs, preconizadas pela agncia norteamericana OSHA, determinam e especificam como EPIs obrigatrios durante a manipulao dessas substncias: luvas grossas de ltex ou prolipropileno, descartveis e no entalcadas; aventais, que devem apresentar frente fechada, mangas longas, punhos com elsticos e descartveis; mscaras com proteo de carvo ativado, o qual age como filtro qumico para partculas de at 0,2; culos de proteo, os quais devem impedir contaminao frontal e lateral de partculas, sem reduzir o campo visual. Como Equipamento de Proteo Coletiva (EPC), a mesma regulamentao estabelece o uso de Cabine de Segurana Biolgica (CSB) classe II, tipo B256. Destaca-se ainda que, de acordo com a Norma Regulamentadora (NR) 657, h obrigatoriedade das empresas em fornecer aos empregados gratuitamente, os EPIs adequados, em perfeito estado de conservao e funcionamento. As recomendaes da NR-757 tambm devem ser atendidas no setor de QA, pois de acordo com o Programa de Controle Mdico de Sade Ocupacional (PCMSO) do Ministrio do Trabalho, a admisso de funcionrios deve ser precedida de exames mdicos, sendo obrigatria ainda, a realizao de avaliaes peridicas. A NR-957, por sua vez, estabelece a obrigatoriedade da elaborao e implementao, por parte de todos os empregadores e instituies que admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Preveno de Riscos Ambientais PPRA, visando a preservao da sade e da integridade dos trabalhadores, atravs da antecipao, reconhecimento, avaliao e consequente controle da ocorrncia de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no 32

ambiente de trabalho, tendo em considerao a proteo do meio ambiente e dos recursos naturais. A NR-1757 visa estabelecer parmetros que permitam a adaptao das condies de trabalho s caractersticas psicofisiolgicas dos trabalhadores de modo a proporcionar um mximo de conforto, segurana e desempenho eficiente. J a NR-3257 tem por finalidade estabelecer as diretrizes bsicas para a implementao de medidas de proteo segurana e sade dos trabalhadores dos servios de sade, bem como daqueles que exercem atividades de promoo e assistncia sade em geral. Esta norma preconiza que a rea para manipulao de QAs deve dispor no mnimo de vestirio de barreira com dupla cmara, sala de preparo dos QAs, local destinado para as atividades administrativas e local de armazenamento exclusivo para estocagem. Na dcada de 90, como resultado dos estudos realizados a respeito dos QAs, alguns hospitais e institutos de cncer comearam a se preocupar com a proteo de seus trabalhadores, estabelecendo medidas de proteo. O Instituto Nacional do Cncer (INCA)30, do Ministrio da Sade do Brasil (MS), por exemplo, elaborou um manual de normas tcnicas e administrativas para a manipulao segura de QAs, que destaca aspectos importantes, como descritas no Quadro 2:

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Quadro 2: Medidas de proteo preconizadas pelo INCa30 para o manuseio de quimioterpicos antineoplsicos:a) Normas de segurana no preparo de QAs: Determinar um local exclusivo para o preparo das drogas; preparar os QAs em uma rea centralizada; manter um ambiente tranquilo, sem corrente de ar, restrito aos funcionrios do setor. proibir a ingesta de alimentos ou lquidos, fumo e aplicao de cosmticos na rea de trabalho; preparar os QAs em uma Cabine de Segurana Biolgica (CSB) Classe II, B2 (exausto externa) que garante a proteo pessoal e ambiental, pois o fluxo de ar filtrado incide verticalmente em relao rea de preparo e a seguir totalmente aspirado e submetido nova filtragem; realizar manuteno da CSB por trabalhadores especializados pelo menos uma vez ao ano, para assegurar seu perfeito funcionamento; trocar os filtros de acordo com os prazos recomendados pelo fabricante; fazer limpeza diria da CSB com lcool a 70% antes de iniciar o trabalho e ao seu trmino; lavar semanalmente a CSB com gua e sabo ou com um agente alcalino seguido de gua; ligar a CSB 30 minutos antes de qualquer procedimento. usar uma cobertura absorvente impermevel e descartvel, sobre a rea de trabalho, para minimizar a contaminao por gotculas ou respingos; trocar as coberturas absorventes imediatamente aps a contaminao; o uso de equipamento de proteo individual de suma importncia: mscara de carvo ativado, culos, avental descartvel de mangas longas com punhos ajustados, com a parte da frente fechada e com forro interno impermevel, dois pares de luvas cirrgicas descartveis de ltex, no entalcadas, com punhos longos para cobrir os punhos do avental; as luvas externas devem ser descartadas a cada 60 minutos ou aps sua contaminao com respingo de uma droga; e as duas a cada 120 minutos; lavar as mos antes e aps o preparo de QAs; usar agulhas, seringas, equipos e conexes com rosca (luer-lock); remover todo o lquido do gargalo da ampola dos QAs, posicionando a parte superior da mesma na direo oposta ao preparador, envolver o gargalo com uma folha de gaze esterilizada. Quebrar o gargalo da ampola, mantendo-a mais afastada possvel do corpo. Desprezar o excesso de soluo da ampola dentro de um frasco selado; reconstituir os QAs contidos em frascos-ampolas usando um filtro que permita a entrada de ar e a sada de aerossis; respeitar o equilbrio das presses interna e externa dos frascos, deixar o diluente escorrer lentamente pela parede do frasco; retirar a dose do agente com a seringa; esperar at que a presso do frasco se iguale com a da seringa para remover a agulha. Remover lentamente o ar da seringa contendo QAs, sobre uma cobertura de gaze estril ou dentro do prprio frasco da medicao. O equipo deve ser preenchido com soro fisiolgico/glicosado antes de adicionar o QA. b) Normas de segurana relativas administrao de QAs: Usar equipamento de proteo individual: avental descartvel e luva cirrgica; mscara e culos so opcionais. indicado o uso de mscaras com protetores faciais. lavar as mos antes e aps o uso das luvas;

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proteger a conexo da agulha com o injetor lateral com gaze embebida com lcool a 70%. Obs.: Os equipos devem ser preenchidos com soro fisiolgico/glicosado antes de se adicionar QA, ainda na CSB, de forma a evitar a contaminao ambiental e pessoal na sala de administrao. c) Normas de segurana relativas aos equipamentos descartveis, frascos e ampolas Desprezar os objetos pontiagudos, seringas conectadas com agulhas, os frascos vazios ou com restos de medicaes, frascos de soro vazios, algodo, gaze e equipos, contaminados em um recipiente rgido e impermevel de polipropileno, identificado como "lixo perigoso", e encaminh-lo para tratamento especfico; no reencapar a agulha ou desconect-la da seringa aps o trmino da administrao. d) Normas de segurana relativas contaminao ambiental e pessoal Retirar todo equipamento de proteo individual contaminado e descart-lo imediatamente; lavar com gua corrente e sabo neutro exaustivamente a pele exposta; irrigar o olho exposto com gua ou soluo isotnica por 5 minutos mantendo a plpebra aberta; procurar atendimento mdico; preencher a ficha de acidentes de acordo com as normas da instituio; neutralizar com sdio a 5% ou permanganato de potssio a 1% caso ocorra acidentes com derramamento de drogas, utilizando equipamento de proteo individual para retirar o excesso com papel absorvente, acondicionando em saco plstico e recipiente rgido de polipropileno tipo Descartex, lavar abundantemente com gua e sabo o local do acidente. e) Normas de segurana relativas ao manuseio de pacientes Utilizar equipamento de proteo individual (luva e capote) no manuseio de secreo e excretas; desprezar com cautela as secrees e excretas para evitar a contaminao atravs de respingos; manusear roupa de cama, camisolas e pijamas contaminados com luva; embalar em saco plstico fechado e identificar como roupa contaminada antes de encaminhar lavanderia. f) Normas de segurana relativas ao pessoal Manter o registro completo do pessoal que manipula QAs para seguimento clnico e pesquisa; manter programas de treinamento e atualizao dos trabalhadores que manipulam QAs; especializar trabalhadores que manipulam QAs; supervisionar o cumprimento das normas de segurana; afastar mulheres grvidas e nutrizes das atividades que envolvam manipulao de QAs; limitar o nmero de trabalhadores que manipulam QAs; manter fichas de registro de acidentes com trabalhadores que manipulam QAs; estabelecer avaliao mdica semestral incluindo exames laboratoriais tais como: hematolgico, provas de funes heptica, renal e pulmonar; evitar que trabalhadores expostos a riscos adicionais como radiologia e radioterapia manipulem QAs; realizar treinamento de atualizao dos trabalhadores das unidades de internao que recebem pacientes em tratamento quimioterpico sobre a segurana na manipulao de excretas destes pacientes e o risco ocupacional.

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Em relao ao uso de EPIs, ressalta-se ainda que enquanto nenhum material de luva demonstrou ser impermevel a todos os medicamentos de risco ou ser estatisticamente superior em limitar a penetrao do medicamento, deve-se considerar a espessura e o tempo de contato com o medicamento, pois estes so fatores crticos a influir na permeabilidade. O uso de luvas duplas sustentado por pesquisas que indicam que muitos materiais de luvas variam em relao permeabilidade mesmo dentro de um lote especfico58 e 59. Mscaras cirrgicas no oferecem proteo adequada, j que no tem poder de reteno para aerossis60. Quanto ao uso de jaleco, Almeida61 recomenda que nunca se utilize jaleco de pano, pois ocorre absoro de antineoplsicos na pele. Outras medidas, no citadas anteriormente, so de extrema importncia para a segurana dos trabalhadores responsveis pela manipulao de QAs, tais como35 e 62: - frascos e seringas devem receber uma etiqueta de identificao bem legvel e completa, com os seguintes dados: nome e sobrenome do paciente, localizao, identificao das drogas, dosagem, volume de diluio, velocidade de aplicao, data e hora do preparo e do vencimento. Ainda com relao ao preparo, preciso lembrar que cada QA guarda caractersticas diferentes no que tange a diluio, incompatibilidade, conservao e fotossensibilidade. No caso de no existir farmacutico para este fim, a enfermeira assume esses procedimentos. Aps o preparo, a prescrio das drogas deve ser encaminhada enfermeira responsvel pela aplicao, com uma ltima checagem, confrontando os critrios de liberao, conferindo superfcie corporal, doses e protocolo e comparando etiquetas das medicaes com a prescrio mdica; - verificar o manmetro diferencial de presso da CSB, certificando de que o mesmo se encontra alinhado em zero; - aps ligar o equipamento, verificar se no se encontra prximo aos limites de saturao do filtro HEPA (consultar fabricante sobre limite de saturao) e aguardar de 10 a 15 minutos antes de iniciar o trabalho. Esse tempo necessrio para que as partculas presas superfcie do filtro HEPA se desprendam; - a rea de trabalho deve ser arrumada de tal forma que, tudo no seu interior se localiza o mais prximo possvel do fundo (no obstruindo a grelha traseira), sem tocar as paredes nem outros objetos; - realizar o treinamento do operador, pois o fundamental para o sucesso de trabalhos realizados em cabine que o operador tenha sido treinado, pois, se no foi, pode supor erroneamente que opera a cabine de forma adequada. Antes de iniciar o trabalho, o operador deve ajustar a altura do banco, de modo que a face do operador 36

fique na mesma direo do visor frontal, nunca abaixo. O movimento rpido dos braos cria uma turbulncia na cortina de ar e pode comprometer a barreira de conteno parcial fornecida pela cabine. Movimentos lentos de entrada e sada, perpendiculares abertura frontal da cabine, reduzem esse risco. Outras atividades de pessoas na sala (exemplo: movimento de abertura e fechamento de portas) tambm podem afetar a barreira de ar da cabine; - realizar certificao da CSB obrigatoriamente no momento da instalao, devendo ser repetida pelo menos, uma vez ao ano e sempre que o equipamento mudar de posio. O desempenho necessrio certificao da cabine especificado conforme a norma americana National Sanitization Foundation53; Contudo, o MS e o INCA advertem que existem inmeras divergncias entre autores sobre os reais efeitos citotxicos dessas drogas sobre o organismo dos trabalhadores de sade, porm, recomendam por precauo, que devem cumprir e fazer cumprir risca as normas de biossegurana na execuo de suas atividades com QAs. Os casos omissos e os acidentes ocorridos devem ser comunicados chefia do setor de quimioterapia como tambm atualizar normas de biossegurana, medida que surjam novas tecnologias, drogas e conceitos; e que essas novas medidas sejam discutidas e aprovadas por consenso do grupo responsvel por essa teraputica oncolgica30. Nesse contexto, os trabalhadores expostos aos QAs devem buscar contribuies do enfoque tcnico-cientfico associando-as a seus saberes prticos, para que possam executar suas atribuies de maneira mais segura no ambiente de trabalho.

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4- ABORDAGEM METODOLGICA 4.1- Estudo bibliogrfico: Para realizao da anlise proposta por este estudo, optou-se inicialmente por identificar e discutir a produo cientfica sobre os riscos relacionados exposio de trabalhadores aos QAs, com posterior realizao de uma pesquisa descritiva com anlise qualitativa dos dados baseada nos preceitos da Ergonomia. Estes subsdios tericos que nortearam a investigao incluram um levantamento bibliogrfico relativo aos conceitos de risco e de acidente, s questes vinculadas ao trabalho e sade do trabalhador, ergonomia, aos efeitos relacionados exposio ocupacional aos QAs e alternativas para reduo desta exposio. Embora a pesquisa se encontre amparada em material recente, h na literatura conceitos importantes que foram referenciados, mesmo tendo sido publicados h mais de vinte anos. Foram selecionadas teses e dissertaes compreendidas entre 1990 e 2004, disponvel na Base de Dados do Instituto Nacional do Cncer (INCa) e no Portal da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) - Instituio responsvel pela ps-graduao stricto sensu no Brasil, visto que estas configuram uma amostra de estudos que apontam para a importncia desta temtica no pas. Essa seleo ocorreu aps leitura dos resumos disponveis nos portais, atravs dos quais foram identificadas as pesquisas que abordam a temtica proposta neste estudo. Paralelamente, realizou-se uma busca de peridicos indexados nacionais presentes nas bases de dados SCIELO (Scientific Eletronic Library Online) e BVS (Biblioteca Virtual de Sade). Os estudos acerca dos danos decorrentes da exposio foram encontrados em bases de dados internacionais, como Medline (National Library of Medicine) e PubMed (Publicaes Mdicas). O estudo foi realizado utilizando-se os descritores quimioterapia e trabalhador (ou trabalhadores) e a partir desse material, foram selecionados artigos em virtude do ano de publicao e relevncia do contedo. Os descritores utilizados resultaram na localizao de oito estudos, sendo 01 tese, 04 dissertaes e 03 artigos. Foi encontrado 01 estudo no Banco de dados SCIELO e 07 no BVS, sendo que neste ltimo todos esto disponveis na LILACS (Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Cincias da Sade). Foram excludas as pesquisas no compreendidas no perodo estipulado pelo presente estudo, bem como as repeties ocorridas nas diferentes bases de dados. 38

Nas bases internacionais foram encontrados 547 artigos, utilizando-se os descritores: occupational, exposure, antineoplastic e agents. De posse deste material, foram priorizados artigos que tratavam das questes de sade dos trabalhadores expostos a QAs, considerando o ano de publicao e relevncia do contedo. Aps aquisio das monografias, dissertaes e teses para anlise na ntegra, outras referncias mencionadas nos estudos foram solicitadas por comutao em virtude da relevncia das mesmas, totalizando 13 estudos para leitura e anlise (02 monografias, 09 dissertaes e 02 teses). Entretanto, apenas 05 desses estudos foram referenciados na presente pesquisa. Esta etapa se estendeu ao desenvolvimento da dissertao, visando a manuteno de um levantamento atualizado sobre o assunto. 4.2- Pressupostos metodolgicos: Considerando-se a grande diversidade entre os trabalhadores nos mais diversos aspectos, uma questo fundamental da Ergonomia colocada por Wisner63: A que homem o trabalho deve ser adaptado? e evidencia o seu objetivo central, que a transformao da situao de trabalho a fim de garantir ou aumentar a segurana e preservar a sade do trabalhador, sem, contudo, inviabilizar o processo produtivo. De acordo com Gurin22, a tarefa ou trabalho prescrito corresponde a um conjunto de objetivos dado aos operadores, e a um conjunto de prescries definidas externamente para atingir esses objetivos particulares, integrando em maior ou menor grau a definio de modos operatrios, instrues e normas de segurana. Cabe ressaltar que a caracterstica principal desse processo de elaborao a sua exterioridade em relao ao trabalhador envolvido, no levando em conta as particularidades dos operadores, e muito menos o que eles pensam sobre as escolhas feitas e impostas. Por outro lado, a atividade de trabalho ou trabalho real o elemento central que organiza e estrutura os componentes da situao de trabalho, consistindo em uma resposta aos constrangimentos* determinados exteriormente ao trabalhador, sendo ao mesmo tempo, capaz de transform-los. Estabelece, portanto, pela sua prpria realizao, uma interdependncia e uma interao estreita entre esses componentes.* Constrangimento (em francs, contrainte) uma noo que integra o conjunto das exigncias relativas s condies e prescrio do trabalho. Seu interesse reside na possibilidade de compreender os fatores que influenciam a organizao da atividade e, sobretudo, porque uma noo que subentende que h estratgias elaboradas pelos operadores para realizar o trabalho64.

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Sendo assim, Assuno25 aponta em seu estudo que realizar um trabalho bem mais do que seguir um conjunto de regras ou procedimentos operatrios, por mais precisa e detalhada que possa ser a descrio da tarefa (como feito nos procedimentos operatrios da ISO 9000). Sempre h algo que no pode ser colocado em forma de regras explcitas e claras, o que exige que o trabalhador invente alguma coisa para conseguir realizar seu trabalho. Esta diferena pode ferir o senso comum, que reproduz a idia segundo a qual a obedincia a um padro qualquer a melhor forma de se conseguir qualidade e eficincia, mas o que se verifica em todas as situaes de trabalho que, apenas obedecer ao padro no permite obter uma produo satisfatria. Alis, quando os trabalhadores querem pressionar os patres durante uma negociao costumam recorrer operao padro (ou greve do zelo), limitando-se a fazer estritamente o que previsto nos procedimentos, o que sempre gera ineficincias e atrasos ou interrupo quase total da produo. H, portanto, algo na maneira como os trabalhadores realizam suas atividades que est para alm do que se conhece formalmente e est descrito nos procedimentos operatrios. Para Assuno (op cit), apesar da tentativa da gesto em controlar todos os fatores intervenientes na produo, sempre ocorrem incidentes e variaes que mudam a situao de trabalho: a matria-prima no fornecida a tempo ou na qualidade desejada; as ferramentas se desgastam, as mquinas se desregulam ou quebram; colegas faltam ou entram novatos na equipe, os modelos de produtos se modificam, etc. E mesmo que todos esses parmetros fossem controlados e mantidos dentro de margens de segurana aceitveis, ainda assim haveria algo que sempre muda, o prprio trabalhador: hoje est mais cansado do que ontem, no dormiu direito, est preocupado com a falta de dinheiro, neste ano est evidentemente mais velho do que no ano anterior, mas tambm mais experiente, aprendeu como fazer esta montagem que era considerada difcil, desenvolveu mais habilidade, etc. H assim, uma tendncia espontnea do trabalhador (e de seu corpo) a se ajustar s exigncias fsicas, organizacionais e temporais presentes na situao de trabalho. Quando o trabalhador no se comporta da forma como foi orientado, isto no prova que ele foi teimoso ou desobediente, ao contrrio, mostra que nossa anlise ainda foi insuficiente para compreender tudo o que influencia seu comportamento. o ergonomista que foi negligente em sua anlise e no o trabalhador em sua forma de agir25. Os problemas de sade ocupacional podem ser analisados sob um novo ngulo se considerarmos que, em uma situao de trabalho, a nocividade est presente quando a 40

organizao do trabalho reduz as possibilidades do trabalhador de evitar a exposio ao fator de risco (formalmente reconhecido ou no), por exemplo, ao impor um quadro temporal rgido para a realizao das tarefas 25. 4.3- Procedimentos de coleta de dados: Para a realizao da anlise das situaes de trabalho foram feitas observaes livres e sistemticas. A observao livre consiste na observao da situao de trabalho em sua globalidade, possibilitando examinar o recenseamento das operaes e fluxos reais, interaes entre operadores, uso de ferramentas (nesse caso equipamentos), resultados do trabalho e traos do trabalho (dispositivos tcnicos, roupas e pessoas). Aps certo tempo, possvel enunciar um pr-diagnstico, que relaciona determinantes da atividade, algumas de suas caractersticas e alguns de seus resultados ou efeitos65. A partir das hipteses emitidas no pr-diagnstico, as observaes so focalizadas com o intuito de valid-las para que o pr-diagnstico se torne um diagnstico a ser difundido na empresa65. Alm das observaes, foram registradas as verbalizaes simultneas e entrevistas semi-estruturadas cujo roteiro foi elaborado aps a realizao das observaes, com utilizao de um mp3 (o arquivo foi deletado aps transcrio dos dados), nas quais participaram funcionrios (enfermeiros e auxiliares de enfermagem) cuja atividade laboral os expem aos QAs no setor de oncologia de uma instituio hospitalar pblica federal de sade, localizada no estado do Rio de Janeiro. H outras Unidades onde a quimioterapia administrada (Clnica Mdica, Pediatria, CTI, CTI Peditrico e Oncopediatria) ocasionando, portanto, exposio dos trabalhadores aos QAs. Entretanto, para este estudo, optou-se pela no avaliao especfica do processo de trabalho nestes setores em funo da esporadicidade da atividade nos mesmos. As entrevistas ocorreram em locais e horrios diversos, segundo a disponibilidade dos sujeitos. Utilizou-se como critrio de excluso, indivduos que embora estivessem lotados no setor pesquisado, no mantinham contato direto com QAs, exceto em caso de acidente onde ocorresse contaminao ambiental (chefe de enfermagem, por exemplo). A princpio, o quantitativo previsto de sujeitos de pesquisa era de aproximadamente 30 indivduos (incluindo mdicos, farmacuticos e trabalhadores que prestam servios de limpeza, bem como os trabalhadores de enfermagem do setor de oncologia e de outros setores). Entretanto, optou-se por realizar uma anlise mais 41

profunda, direcionada apenas equipe de enfermagem, pois esta embora no fosse responsvel pelo preparo de QAs no referido hospital, encontrava-se mais diretamente envolvida com os pacientes e com a exposio aos riscos relacionados manipulao de QAs durante a administrao. Este fato no incomum, uma vez que isto j fora relatado no estudo realizado por Chamorro66 onde as enfermeiras que participaram de sua pesquisa eram responsveis pelo preparo e administrao de QAs, mas demonstravam maior preocupao quanto utilizao de equipamentos de proteo no preparo e no na administrao dos medicamentos. Alm disso, Guedes67 reforou esta questo ao referir que: quanto aos EPIs, observou-se que na central de manipulao todos usavam algum tipo de capote, mscara, gorro e luvas, porm a utilizao do EPI na administrao dos antineoplsicos era bastante irregular. Por essas razes, foram entrevistados 08 trabalhadores da equipe de enfermagem (02 auxiliares de enfermagem e 06 enfermeiros), sendo 02 do sexo masculino e 06 do sexo feminino, com idade entre 30 e 46 anos que aceitaram participar do estudo atravs da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este perfil coerente com a literatura no que tange predominncia do sexo feminino na prtica da enfermagem, onde a natureza dos cuidados prestados tem a conotao materna do cuidar, alimentar e confortar68. As entrevistas semi-estruturadas com os trabalhadores de enfermagem permitiram a obteno de dados referentes s caractersticas gerais (sexo, idade, funo no setor, tipo de trabalho e nmero de empregos), proteo e assistncia sade dos mesmos. 4.3.1- Etapa exploratria Procedeu-se explorao do funcionamento do hospital entre setembro de 2008 e janeiro de 2009, utilizando dados referentes histria da instituio, bem como informaes sobre as caractersticas do setor e organizao da gesto da enfermagem. As observaes globais da atividade foram realizadas com todos da equipe de enfermagem, complementadas com registros administrativos. Inicialmente, a observao do trabalhador foi realizada sem interrupes e, posteriormente, foram feitos alguns questionamentos, sendo registradas as verbalizaes simultneas execuo da tarefa dirigidas ao observador. Os resultados da primeira etapa do estudo orientaram a elaborao do plano de observaes sistemticas para a segunda etapa. Os sujeitos observados foram acompanhados, por um perodo total de noventa e seis horas (sessenta e quatro horas na observao global e trinta e duas horas nas observaes sistemticas), durante diferentes 42

horrios e dias da semana diversificados (exceto finais de semana), considerando as diferenas de contedo e volume de tarefas. 4.3.2- Observaes sistemticas As observaes sistemticas foram realizadas no perodo da manh em virtude do maior fluxo de pacientes. Elaborou-se a crnica da atividade de sete trabalhadores de enfermagem (02 diaristas e 05 em regime de planto). Essa crnica corresponde a uma tcnica que visa o registro sistemtico das observaes das situaes, considerando sua evoluo no tempo. As primeiras anlises das crnicas permitiram decompor as aes e procedimentos (Quadro 3), cujos resultados obtidos esto descritos no Captulo A exigncia da realizao de atendimentos simultneos e a qualidade da assistncia e a sade/segurana dos trabalhadores. Quadro 3: Aes e procedimentos identificados durante as observaes sistemticasINIC - Incio: corresponde ao incio do atendimento de um paciente; PREP1 - Preparo do material: o primeiro passo a ser dado aps a recepo do paciente na sala de administrao de QAs a organizao de todo o material necessrio para a realizao da puno venosa em uma bandeja ou recipiente de alumnio; PREP2 - Preparo de Pr-QA: esta etapa iniciada logo que os trabalhadores chegam ao setor de oncologia; PUNC - Puno venosa: procedimento realizado com a utilizao do material men