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Departamento de Teologia 1 A ARTE DO DISCERNIMENTO EM SANTA TERESA DE ÁVILA Aluna: Raísa Suena Soares Lopes Orientadora: Lúcia Pedrosa de Pádua INTRODUÇÃO Como bem descreve a apresentação do Livro da Vida, o desejo e o interesse de Teresa estavam constantemente atraídos pela finalidade de “esclarecer as profundezas da vida íntima de união com Deus, a que pode chegar uma alma favorecida pela graça” 1 . A partir disso, é que dizemos que esta pesquisa tem como interesse investigar o caminho que Teresa percorreu e desenvolveu para esclarecer àqueles que buscam esta intimidade com Deus e a sua reflexão na vida cotidiana. Esse tema do discernimento (ou do “esclarecimento”) se faz muito presente no Livro da Vida. Queremos, portanto, explorá-lo e mostrar como a santa de Ávila o aborda. Nosso primeiro passo buscará desenvolver o tema do discernimento de forma conceitual ampla até chegarmos a uma conceituação mais específica e dentro do nosso interesse. Neste capítulo, nos debruçaremos também no modo como Jesus de Nazaré realizava esta arte, visto que seu alimento era fazer a vontade do Pai 2 e que, por isso, sempre buscou fazer discernimento. O segundo passo, depois da abordagem conceitual do tema e sua fundamentação bíblico-teológica, será introduzir o modo como Santa Teresa aborda o tema do discernimento e de que maneira ela, com tanto empenho, nos fala de sua importância para a vida. E, por fim, no terceiro capítulo, mostraremos Teresa como aquela que faz discernimento. O intuito geral da pesquisa será mostrar, a partir da experiência de intimidade que teve Teresa de Ávila com Jesus Cristo, que a “arte do discernimento” é essencial para a vida cotidiana, já que todos nós precisamos escolher isto ou aquilo em todo momento. E que a partir do “bom discernimento” é possível buscar sentido de vida e equilíbrio em todo o âmbito da vida. Além do mais, não podemos deixar de dizer que sua importância essencial é o fato de que o discernimento é o impulso que nos leva a fazer a vontade de Deus, a comungar com sua Verdade, Jesus Cristo. CAPÍTULO I O QUE É DISCERNIMENTO? Para entender melhor o tema do discernimento em Santa Teresa de Ávila, se faz necessário primeiro uma investigação sobre o seu significado. Portanto, nosso primeiro passo, neste capítulo, será fazer uma breve abordagem sobre a noção de discernimento. Depois, nosso segundo passo será produzir uma fundamentação bíblico-teológica do tema, mostrando como este aparece na Sagrada Escritura e, de modo especial, através da pessoa de Jesus. 1. CONCEITO GERAL Quem nunca se deparou com situações que exigiram certa prudência ou algum tempo para pensar antes de tomar alguma decisão sobre as mesmas? Ou mesmo tendo se utilizado de prudência ou inteligência antes de tomar tais decisões, errou e acabou fazendo uma “má escolha”? 1 SANTA TERESA DE JESUS. Livro da Vida. 7ª ed. São Paulo: Paulus, 1983. p. 5. Grifo nosso. A partir de agora, utilizaremos apenas V no corpo do texto e nas notas de rodapé. 2 Cf. Jo 4, 34; 5, 30-31.

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Page 1: A ARTE DO DISCERNIMENTO EM SANTA TERESA DE ÁVILA · 2012. 9. 5. · Como bem descreve a apresentação do Livro da Vida, o desejo e o interesse de Teresa estavam constantemente atraídos

Departamento de Teologia

1

A ARTE DO DISCERNIMENTO EM SANTA TERESA DE ÁVILA

Aluna: Raísa Suena Soares Lopes

Orientadora: Lúcia Pedrosa de Pádua

INTRODUÇÃO

Como bem descreve a apresentação do Livro da Vida, o desejo e o interesse de Teresa

estavam constantemente atraídos pela finalidade de “esclarecer as profundezas da vida

íntima de união com Deus, a que pode chegar uma alma favorecida pela graça”1. A partir

disso, é que dizemos que esta pesquisa tem como interesse investigar o caminho que Teresa

percorreu e desenvolveu para esclarecer àqueles que buscam esta intimidade com Deus e a

sua reflexão na vida cotidiana. Esse tema do discernimento (ou do “esclarecimento”) se faz

muito presente no Livro da Vida. Queremos, portanto, explorá-lo e mostrar como a santa de

Ávila o aborda.

Nosso primeiro passo buscará desenvolver o tema do discernimento de forma

conceitual ampla até chegarmos a uma conceituação mais específica e dentro do nosso

interesse. Neste capítulo, nos debruçaremos também no modo como Jesus de Nazaré realizava

esta arte, visto que seu alimento era fazer a vontade do Pai2 e que, por isso, sempre buscou

fazer discernimento.

O segundo passo, depois da abordagem conceitual do tema e sua fundamentação

bíblico-teológica, será introduzir o modo como Santa Teresa aborda o tema do discernimento

e de que maneira ela, com tanto empenho, nos fala de sua importância para a vida. E, por fim,

no terceiro capítulo, mostraremos Teresa como “aquela que faz discernimento”.

O intuito geral da pesquisa será mostrar, a partir da experiência de intimidade que teve

Teresa de Ávila com Jesus Cristo, que a “arte do discernimento” é essencial para a vida

cotidiana, já que todos nós precisamos escolher isto ou aquilo em todo momento. E que a

partir do “bom discernimento” é possível buscar sentido de vida e equilíbrio em todo o âmbito

da vida. Além do mais, não podemos deixar de dizer que sua importância essencial é o fato de

que o discernimento é o impulso que nos leva a fazer a vontade de Deus, a comungar com sua

Verdade, Jesus Cristo.

CAPÍTULO I

O QUE É DISCERNIMENTO?

Para entender melhor o tema do discernimento em Santa Teresa de Ávila, se faz

necessário primeiro uma investigação sobre o seu significado. Portanto, nosso primeiro passo,

neste capítulo, será fazer uma breve abordagem sobre a noção de discernimento. Depois,

nosso segundo passo será produzir uma fundamentação bíblico-teológica do tema, mostrando

como este aparece na Sagrada Escritura e, de modo especial, através da pessoa de Jesus.

1. CONCEITO GERAL

Quem nunca se deparou com situações que exigiram certa prudência ou algum tempo

para pensar antes de tomar alguma decisão sobre as mesmas? Ou mesmo tendo se utilizado de

prudência ou inteligência antes de tomar tais decisões, errou e acabou fazendo uma “má

escolha”?

1 SANTA TERESA DE JESUS. Livro da Vida. 7ª ed. São Paulo: Paulus, 1983. p. 5. Grifo nosso. A partir de agora,

utilizaremos apenas V no corpo do texto e nas notas de rodapé. 2 Cf. Jo 4, 34; 5, 30-31.

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Departamento de Teologia

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Em todo momento o ser humano é interpelado por si mesmo, pelos outros e por tudo

aquilo que o cerca, ou seja, é sempre “chamado” a fazer escolhas, a tomar decisões, enfim, a

fazer discernimento. A ação de escolher, de decidir, de distinguir isso daquilo e de buscar

fazer aquilo que achou ou acha melhor, é muito própria do ser humano. Se pararmos e

refletirmos, é fácil perceber que, de modo geral, somos aquilo que escolhemos. Podemos

perceber também que tanto mais em crise está o ser humano mais sente a necessidade de

tomar decisões para retomar ao equilíbrio.

Destarte, o tema do discernimento é atual, visto que vivemos tempos de profunda

perda de sentido (de vida). Como falamos acima, se geralmente somos aquilo que decidimos

ser, é prudente que o ser humano não despreze tal poder de decisão e leve a sério cada busca

de sua vida, pois além de refletir em si mesmo, cada uma de suas escolhas, direta ou

indiretamente, refletirá também no outro.

Antes de aprofundar mais sobre este tema e sua importante aplicação na vida,

queremos apresentar neste ponto um conceito e/ou significado mais geral de discernimento.

De início, dizemos que o ato de discernir é constitutivo do ser humano e, portanto, é exercício

que se deve fazer cotidianamente3.

Segundo Marcozzi, discernimento é aquilo que determina nossa vontade antes dela ser

decidida4. Dessa forma é que dizemos que o discernimento está diretamente ligado à vontade

humana e consequentemente às suas decisões e escolhas (do ser humano). Podemos dizer

ainda que é uma ação que parte de dentro para fora do ser humano, todavia, é sempre uma

ação condicionada visto que vários são os elementos de discernimento5.

Contudo, quando se diz que uma pessoa fez ou faz discernimento, devemos ter em

mente sua relevante abrangência. Pois a disposição para fazer discernimento é ao mesmo

tempo disposição para fazer um tipo de “escolha mais séria” e comprometida. E aqui cito uma

fala de Fidel García:

Nossas vidas desenvolvem-se, em boa parte, entre deliberações e decisões, mas não

necessariamente em clima de discernimento. O discernimento é mais abrangente do

que a simples deliberação e decisão. Discernir exige estrutura e processo mais

definidos e elaborados do que deliberar e decidir6.

Daí, podemos intuir que o discernimento é um processo que precisa ser vivido com

liberdade tanto interior quanto exterior por aquele que deseja fazê-lo, pois decidir e/ou

escolher é um ato pessoal e intransferível (ou pelo menos deveria sê-lo).

Começamos a incrementar o “conceito” de discernimento. Mais do que simplesmente

escolher, decidir, deliberar, é processo livre e comprometido de busca e descoberta para

distinguir com diligência aquilo que se acredita ser o melhor caminho.

Nosso interesse nessa pesquisa é associar discernimento como “busca da vontade de

Deus”. Sendo assim, incrementado mais ainda nosso conceito para encaixá-lo no interesse da

nossa pesquisa, dizemos que discernimento é um processo definido e elaborado a que se

submete uma pessoa para buscar e descobrir a vontade de Deus. Para arrematar nosso

raciocínio, citamos mais uma vez Fidel: aquele que discerne deve “crescer na liberdade

interior e exterior, condição necessária para iniciar o discernimento propriamente dito, isto é,

3 Cf. CAPPELLETTI, A. Discernimiento de Espíritus. In: ANCILLI, Ermano (Dir.). Diccionario de Espiritualidad. Tomo

primeiro. Barcelona: Editorial Herder, 1987. p. 628. 4 Cf. MARCOZZI, V. Discernimento dos Espíritos. In: BORRIELLO, L.; CARUNA, E.; DEL GENIO, M.R.; e SUFFI, N.

(Dir.). Dicionário de Mística. São Paulo: Paulus e Loyola, 2003. p. 334. 5 Trataremos sobre os elementos de discernimento mais adiante.

6 FIDEL GARCÍA. Discernimento. Revista de Espiritualidade Inaciana, ITAICI, n. 33, p. 80, set. 1998. Grifo nosso.

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a busca da vontade de Deus a respeito do objeto de discernimento7. Este ponto é o maior

desafio do discernimento”8.

Falamos que discernimento é processo, é busca diligente da vontade de Deus e que

traz consigo alguns pressupostos para ser alcançado com equilíbrio e verdade como, por

exemplo, a liberdade. Portanto, nosso próximo passo será apresentar alguns pressupostos que

exigem este processo, como busca da vontade de Deus.

2. DISCERNIMENTO COMO BUSCA DA VONTADE DE DEUS

Dissemos acima que o discernimento é constitutivo do ser humano e que possui

relevância maior que a de uma simples escolha ou deliberação. Dissemos ainda que está

diretamente relacionado com a liberdade do ser humano e que precisa ser exercido com

compromisso e diligência. Queremos agora citar e discutir mais alguns outros pontos que são

imprescindíveis para um verdadeiro processo de discernimento ou processo de “busca da

vontade de Deus”.

2.1 ALGUNS PRESSUPOSTOS DE DISCERNIMENTO

Geralmente, a pessoa que inicia um processo de “discernimento espiritual”, ou seja,

vivência conforme o Espírito Santo, conforme a vontade de Deus, é movida por um desejo de

correspondência, sente que precisa, de algum modo, corresponder às variadas moções9, que

precisa “‘conhecer com clareza’, ‘distinguir’, ‘julgar’ e ‘decidir’ qual é o melhor caminho a

seguir”10

, quer ainda e deseja dar respostas coerentes a si mesmo, a Deus, às outras pessoas,

ao mundo, de acordo com aquilo que se acredita, na fé, ser mesmo vontade de Deus.

Quando intencionamos relacionar discernimento com “busca da vontade de Deus”, ao

mesmo tempo intencionamos relacioná-lo, como foi citado no parágrafo anterior, com

“discernimento espiritual”. Por isso, outro pressuposto básico, além da liberdade, do

compromisso e da diligência, deve ser incluído: para aqueles que desejam buscar e descobrir a

vontade de Deus, entrar em “clima” de oração11

é indispensável. Incluímos ainda:

docilidade/abertura ao que o Espírito Santo sugere; disposição ao autoconhecimento, atenção

a tudo aquilo que é próprio do dia a dia, etc.

Acreditamos que entrar nessa empreitada “discernimental” é meio seguro para se

chegar à vontade de Deus e por isso, ao sentido de vida; é caminho de felicidade, quando

encarada com cuidado ativo e zeloso. Mas, por que dizemos que aquele que discerne deve

procurar orientar sua caminhada de busca a partir desses e de outros pressupostos? Este será

nosso próximo passo de investigação.

Dos que já mencionamos acima, merecem ser destacados:

Liberdade

O discernimento espiritual auxilia no processo de tomada de decisões. Daí, dizemos

que o discernimento tem o poder de determinar a vontade humana. Os caminhos que se

7 O objeto de discernimento é aquilo pelo qual se deseja discernir. Por exemplo: um jovem inicia o processo de

discernimento para buscar e descobrir qual é a sua vocação. Desse modo, o objeto de discernimento desse jovem é a sua vocação. 8 FIDEL GARCÍA. Discernimento. pp. 80-81.

9 Moções “são dinamismos interiores que atraem a pessoa para algo. São propostas interiores (sugestões)

vindas de fora do querer de quem as experimenta [...]. Aparecem como pensamentos (‘frases interiores’ ou ‘vozes interiores’) e produzem reações emocionais (alegria ou angústia). Podem ser descritas também como movimentos ‘dentro da pessoa’ que ‘puxam’ para algo, sendo sentidas como apelos, chamamentos ou atrações”. In: SANTO INÁCIO DE LOYOLA. Escritos de Santo Inácio: Exercícios Espirituais. 3ª ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 119, nota de rodapé 256, preparada por Cláudio Werner, SJ. 10

GONZÁLEZ-QUEVEDO, Luis. Pressupostos para o discernimento espiritual. Revista de Espiritualidade Inaciana, ITAICI, n. 33, p. 81, set. 1998. 11

Cf. FIDEL GARCÍA. Discernimento. p. 81.

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acredita serem os melhores devem ser escolhidos com muita liberdade, pois quando há

ausência desse talento, aquilo que antes era busca da vontade de Deus torna-se busca daquilo

que mais me agrada, daquilo que, por mim mesmo, julgo ser o melhor. E pode até soar mal

quando falamos de discernimento como busca da vontade de Deus, pois se poderia pensar em

uma suposta perda de liberdade, já que seria a busca da vontade de um Outro. Todavia, o

sentido dessa busca se baseia no fato de que o cristão, tendo experimentado o “toque de Deus”

na sua vida, e uma vez atraído por esse Deus, sente naturalmente a necessidade de unir-se

gradativamente Àquele que o criou12

.

Julgamos oportuno citar aqui um dos textos iniciais dos Exercícios Espirituais de

Santo Inácio de Loyola, o Princípio e Fundamento, que fala da necessidade de sermos

indiferentes diante de todas as coisas criadas para, assim, buscar e encontrar a vontade de

Deus:

O ser humano é criado para louvar

reverenciar e

servir a Deus nosso Senhor

e, assim, salvar-se.

As outras coisas sobre a face da terra

são criadas para o ser humano e

para o ajudarem a atingir

o fim para o qual é criado.

Daí segue que ele deve usar das coisas

tanto quanto o ajudam para atingir o seu fim,

e deve privar-se delas tanto quanto o impedem.

Por isso, é necessário fazer-nos indiferentes

a todas as coisa criadas,

em tudo o que é permitido à nossa livre vontade

e não lhe é proibido.

De tal maneira que, da nossa parte, não queiramos

mais saúde que enfermidade,

riqueza que pobreza,

honra que desonra,

vida longa que vida breve,

e assim por diante em tudo o mais,

desejando e escolhendo somente

aquilo que mais nos conduz ao fim para o qual somos criados13

.

Com esse texto Inácio nos ajuda a refletir sobre o sentido profundo da vida humana.

Criado amorosamente por Deus, o ser humano é chamado a louvá-Lo, reverenciá-Lo e servi-

Lo e, dessa forma, salvar-se e salvar o mundo, como nos sugere Inácio. O Princípio e

Fundamento nos ajuda ainda a ter “uma imagem mais nítida do Criador”14

além de nos

apresentar atitudes básicas necessárias às pessoas de discernimento: “acolher com fé o projeto

de Deus e ter uma resposta inicial confiante e esperançosa (a indiferença e o mais)”15

. Essa

relação que é fundamental na vida da pessoa – pessoa↔Deus – é, por sua vez, relação de

comunhão e solidariedade, onde esta é chamada, de forma livre e comprometida (resposta

amorosa), a ser colaboradora na obra da criação. Enfim, o Princípio e Fundamento “ajuda

12

Cf. Gn 1, 26-27. 13

SANTO INÁCIO DE LOYOLA. Escritos de Santo Inácio: Exercícios Espirituais. 3ª ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 23, EE 23. O rodapé 46 desta mesma página diz: A disposição do texto está inspirada em S. Arzubialde, Ejercicios Espirituales de San Ignacio: Historia y Analisis. Bilbao-Santander, 1991, p. 74. 14

Este fragmento é parte de um texto adaptado de A força da metodologia nos Exercícios Espirituais – CEI-ITAICI; Coleção Leituras & Releituras; Edições Loyola/SP, 2002, pp. 30-32. In: SANTO INÁCIO DE LOYOLA. Escritos de Santo Inácio: Exercícios Espirituais. 3ª ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 137. 15

Idem.

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nossos contemporâneos a empenhar-se, esperançosamente, na recuperação do sentido da

vida”16

.

Contudo, que a pessoa não considere que Deus chama o ser humano a partir de uma

liberdade irreal, absoluta. Mas antes, chama-o a partir de uma liberdade possível, concreta, já

que muitos são os condicionamentos da vida. A partir daí, cada qual se pergunte qual é o

espaço que lhe foi dado e ainda, com que coragem e decisão o está ocupando17

. Pois, “para

ocupar, na totalidade, o espaço de liberdade viável do meu amor, somos chamados a superar a

liberdade de realizar os possíveis de nossa existência [...] e caminhar rumo à liberdade para

escolher dentre os possíveis da vida todos e só aqueles que realizam minha finalidade”18

.

Concluímos: “esta disponibilidade total na liberdade, santo Inácio denomina indiferença (=

liberdade espiritual)”19

.

Compromisso e diligência

Segundo Quevedo, para sermos pessoas de discernimento precisamos ainda “ter

paixão por fazer em tudo a vontade de Deus, com Jesus [...]”20

, pois “só buscamos com

intensidade aquilo que amamos com paixão”21

. Portanto, é preciso “ter um grande desejo de

conhecer sempre mais e melhor o que Deus quer”22

.

“Clima” de oração

Resumidamente, é o que tratava de fazer Teresa o mais que podia: procurar sempre

trazer presente dentro de si Jesus Cristo, nosso sumo Bem e Senhor. Dizia a santa: “era este o

meu modo de oração”23

. Ou o que fazia e sugeria Santo Inácio de Loyola: “em tudo amar e

servir”24

.

“Clima” de oração sugere uma disposição que vai para além do momento formal da

oração pessoal. Ou seja, sugere uma atenção contínua, constante25

, que envolve todo o

contexto da minha vida.

Como diz Santa Teresa, a oração é “tratar de amizade [...] com quem sabemos que nos

ama”26

. Dessa forma, a oração é diálogo, relação entre dois parceiros livres em que o outro

busca e quer encontrar o Outro, e vice-versa, em todas as coisas.

Esse pressuposto se encaixa perfeitamente no anterior, pois o compromisso e a

diligência solicitam da pessoa um olhar atento e cuidadoso frente aos acontecimentos diários

para que tudo possa servir como meio possível de procura/encontro da vontade de Deus. É

questão de habituar o olhar para perceber Deus em todas as coisas. É exercício do “segundo

olhar”, ou seja, o olhar da fé, que busca sempre o mais.

É como também nos diz Spencer: “procurar, supõe organizar sua própria vida em

função do outro; ter um grande desejo de encontrá-lo, superar todas as vinculações que

impeçam ou prejudiquem esse encontro”27

. E ainda: “encontrar consiste em acolher o outro

nas diferentes possibilidades que se nos oferecem e não somente do modo que queremos ou

16

Ibid., p. 138. 17

Cf. CUSTÓDIO FILHO, Spencer. Exercícios na vida cotidiana (EVC): fichas do exercitante. 8ª ed. São Paulo: Loyola, 2004. p. 16. 18

Idem. 19

Idem. 20

QUEVEDO. Pressupostos..., p. 82. 21

Idem. 22

Idem. 23

V 4,7. 24

SANTO INÁCIO DE LOYOLA. Escritos de Santo Inácio..., p. 92, EE 233. 25

Cf. Mt 26, 41; 1Ts 5, 16-22. 26

SANTA TERESA DE JESUS. Livro da Vida: leitura orante e pastoral. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2010. p. 68. 27

CUSTÓDIO FILHO, Spencer. Exercícios na vida cotidiana... p. 10.

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esperamos. Com isso, todas as coisas, lugares e situações podem ser instrumento de

encontro”28

.

Em tudo podemos perceber a ação de Deus!

Autoconhecimento

O autoconhecimento é uma ferramenta valiosa! O conhecer a si mesmo permite-nos

trilhar um caminho verdadeiro e reto rumo à vontade de Deus. E para chegar a conhecê-la é

preciso que o ser humano mergulhe no seu ser mais íntimo, pois lá Deus habita com toda a

sua intensidade. É célebre o Solilóquio de amor de Santo Agostinho que retrata a importância

de buscar as sugestões de Deus para a nossa vida, antes de todos os lugares, dentro de si:

Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!

Eis que estavas dentro de mim,

e eu lá fora, a te procurar!

Eu, disforme, me atirava à beleza das formas que criaste.

Estavas comigo, e eu não estava em ti.

Retinham-me longe de ti aquilo que nem existiria

se não existisse em ti.

Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez.

Brilhaste, e teu esplendor afugentou minha cegueira.

Exalaste teu perfume, respirei-o, e suspiro por ti.

Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti.

Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama29

.

Aqui, não se trata, no entanto, de fuga do mundo ou desprezo pelas pessoas. Pois

sabemos que é no confronto cotidiano com o (s) outro (s) que conhecemos melhor nossas

qualidades e defeitos, ou seja, nossa identidade. Mas é que sendo Deus o motivo da minha

busca não fica dispensado o diálogo íntimo necessário, habitual, costumeiro. Como nos diz

Libânio: a oração, “em um mundo barulhento, insere-nos no silêncio, situa-nos diante de

Deus, leva-nos à raiz do nosso eu profundo, em meio a tanta superficialidade”30

.

Portanto, “conhece-te a ti mesmo”!

2.2 JESUS CRISTO É O REFERENCIAL CENTRAL DO DISCERNIMENTO

CRISTÃO Quando falamos de “busca da vontade de Deus”, nos voltamos para o Deus de Jesus

Cristo. Aquele que se engaja rumo à busca e descoberta dessa vontade deve assumir, portanto,

Cristo como seu referencial central, pois “Ele é a imagem do Deus invisível”31

. Segue-se

assim, que esvaziar-se da própria vontade e instinto egoísta, ou seja, daquilo que mais me

agrada; descentralizar-se do próprio eu e abrir-se à confiança fervorosa que teve, por exemplo,

Abraão32

e Maria de Nazaré33

diante do pedido de Deus, visto que sua vontade (de Deus) “é

sempre nova, diferente”34

, e considerar, como o apóstolo Paulo: “o que era para mim lucro eu

o tive como perda, por amor de Cristo. Mais ainda: tudo eu considero perda, pela excelência

28

Idem. 29

SANTO AGOSTINHO. Confissões. Versão online, em pdf: http://img.cancaonova.com/noticias/pdf/277537_SantoAgostinho-Confissoes.pdf. Livro X, cap. XXVII, último acesso em 05-06-2012. 30 LIBÂNIO, João Batista. Discernimiento y mediaciones socio-políticas. Barcelona: EIDES, 1998. p. 19. 31

Cl 1, 15. 32

Cf. Gn 22, 1-19. 33

Cf. Lc 1, 26-38. 34

GONZÁLEZ-QUEVEDO. Pressupostos..., p. 82.

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do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por ele, eu perdi tudo e tudo tenho como

esterco, para ganhar a Cristo e ser achado nele”35

, é indispensável para o bom discernimento.

Somos chamados a sermos outros “Abraãos”; outras “Marias”; outros “Paulos”;

outros, enfim, “Jesus”. Uma das coisas que podemos notar de comum neles é a diligente

procura da vontade de Deus; a fidelidade ao seu chamado, ao seu amor.

A radicalidade do discernimento aparece na pessoa de Jesus de Nazaré. A sua busca

por fazer a vontade do Pai foi incansável. Observamos, a partir dos evangelhos, que seu

discernimento foi in fieri, ou seja, um discernimento em ação, de fato.

A partir dos Evangelhos sinóticos, a saber: Mateus, Marcos e Lucas, podemos

observar ainda que a realidade do discernimento “consiste substancialmente em “reconhecer”

na pessoa e na ação de Jesus o poder do Espírito de Deus e a derrota do espírito do mal. [...];

os que o acolhem descobrem nele os caminhos do Espírito; os outros continuam lendo as

Escrituras sem compreendê-las e veem Jesus passar sem reconhecer que Deus está nele”36

. As

palavras, as obras, a vida pública de Jesus de Nazaré manifestam claramente a urgência deste

discernimento e a precisão de suas condições37

.

E assim, reafirmamos que Jesus é o referencial central de toda a vida cristã, de todos

aqueles que querem, que desejam discernir, que desejam distinguir entre o caminho que me

leva para a contemplação do amor e o caminho que me leva para a contemplação do mal.

Das ações de Jesus modele o cristão as suas. E é justamente por causa de Jesus que

podemos conhecer o verdadeiro, o bom, a verdade38

. Quando São João nos exorta dizendo que

é necessário distinguir entre o bom e o mau espírito ou entre o que vem e o que não vem de

Deus39

, ele ao mesmo tempo fala que isso é possível pelo fato de que “nós sabemos que veio

o filho de Deus e nos deu a inteligência para conhecermos o Verdadeiro”40

.

Se permanecermos no Cristo conheceremos a sua verdade e a sua libertação41

, rumo a

uma vida nova! Discernir, portanto, é conhecer e, naturalmente, transferir para o concreto da

vida a verdade que jorra do coração de Deus.

CAPÍTULO II

O DISCERNIMENTO NO LIVRO DA VIDA

No capítulo anterior, tratamos do conceito de discernimento; apresentamos alguns

pressupostos necessários às pessoas que desejam discernir e, por fim, mostramos a realidade

do discernimento na pessoa de Jesus de Nazaré, referencial de todo discernimento espiritual

cristão. Queremos, agora, abordar o tema do discernimento sob o olhar de Teresa de Jesus, já

que, como sabemos, ela é mestra de oração e comunicadora dos mistérios de Deus. O Livro da

Vida, livro no qual nos debruçaremos de modo particular para explorar o tema já dito, oferece

uma distinta contribuição no caminho de muitos que desejam, assim como Teresa, “tratar

intimamente com aquele que sabemos que nos ama”42

e fazer sua vontade, bem que lhe

causava tanta felicidade43

.

1. AGENTES E ELEMENTOS DE DISCERNIMENTO NO LIVRO DA VIDA

35

Fl 3, 7-9a. 36

BARRUFO, A. Discernimento. In: DE FIORES, Stefano; GOFFI, Tullo. (Dir.). Dicionário de Espiritualidade. 2ªed. São Paulo: Paulus, 1993. p. 286. 37

Cf. CAPPELLETTI, A. Discernimiento de Espíritus. p. 630. 38

Cf. Jo 8, 32. 39

Cf. 1Jo 4, 1. 40

1Jo 5, 20. 41

Cf. Jo 8, 32. 42

V 8, 5. 43

Cf. V 7, 10.

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O discernimento é próprio daqueles “que gozam de uma verdadeira e provada

experiência espiritual”44

. É fácil constatar, a partir do Livro da Vida, que a experiência

espiritual de Teresa foi verdadeira e provada. Ela não mediu esforços, apoiada na graça de

Deus, para unir-se intimamente ao Sumo Bem, Jesus Cristo. Chamamo-la, assim, mestra de

oração; comunicadora do Mistério, das graças escondidas de Deus45

!

Teresa encontrara um tesouro: a oração! Em V 7, 10 ela diz: “A meu ver não existia

maior [tesouro] nesta vida”. Em V 8, 7 ela exorta: “A quem ainda não começou [a oração],

rogo, por amor do Senhor, que não se prive de tanto bem”. Este tesouro, este bem era fonte de

muitos outros. E se “faz tanto bem e é tão necessária aos que não servem a Deus e até o

ofendem, ninguém pode objetar maior dano que o de a não ter”46

. Desse modo,

por que hão de deixá-la os que servem a Deus e querem servi-lo? Por certo, [diz

Teresa], não consigo entender. Passam penosamente os sofrimentos da vida,

fechando a Deus a porta para que não lhes dê a verdadeira felicidade. Causam-me,

[continua ela], na verdade, lástima, pois servem a Deus às próprias custas. Quanto

aos que tratam de oração, o mesmo Senhor lhes dá ajuda de custo, e, por um nadinha

que se esforcem, concede-lhes alegrias para aguentar os sofrimentos47

.

Que outros, podemos nos perguntar, tesouros e bens são estes que emanam desta fonte

singular, a oração? Certamente, o discernimento é um destes outros tesouros que Teresa

encontrara a partir do seu trato de amizade com Deus. Citando-a mais uma vez, podemos

perceber que comunicar esse tesouro maior, a oração, de fato, foi um dos seus maiores

propósitos e, que, a partir dele, foi possível comunicar outros tantos: “Sempre, desde que

comecei a oração, tive desejo de que outros servissem a Deus dessa maneira”48

.

Afirmamos que a santa de Ávila fala com autoridade dos temas: oração e

discernimento. A sua “luta espiritual” há que ser admirada e tomada como modelo. Assim

como São João da Cruz, seu contemporâneo e irmão de mesma Ordem religiosa, o Carmelo

Descalço, ela tinha consciência quanto à responsabilidade em transmitir sua experiência de

Deus “à comunidade eclesial na qual e para qual lhe era apresentada”49

. Ambos ainda

possuem a mesma sintonia no que diz respeito à responsabilidade em afirmar a importância

inerente ao discernimento, “passo obrigatório para saber concordar sua resposta à resposta de

Deus”50

.

O que Teresa nos sugere no Livro da Vida que pode nos servir como meios na busca e

descoberta da vontade de Deus? Ou seja, que ferramentas há neste livro que nos ajudam a

sermos pessoas de verdadeira e provada experiência espiritual? Muitos são os textos

teresianos que assinalam esta “busca de diálogo discernidor”51

. Nosso próximo passo,

portanto, será apresentar e explorar estes textos, de modo a apresentar os agentes e elementos

de discernimento presentes no Livro da Vida.

1.1 AGENTES

O Espírito Santo

44

CAPPELLETTI. Discernimiento de Espíritus. p. 631, “tradução da autora”. 45

Cf. V 7, 22. 46

V 8, 8. 47

Idem. 48

V 7, 13. 49

HERRAIZ, Maximiliano. Discernimiento espiritual en Teresa y Juan de la Cruz. Vitoria-Gasteiz: Frontera, 2008. p. 35. “T. A.”. 50

Ibidem. “T. A.”. 51

Ibidem. “T. A.”.

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9

Quando Deus nos chama para o cumprimento de sua vontade, certamente nos chama

para algo possível, dentro de nossa realidade como pessoas. Pontuamos também que a nossa

adesão ao seu chamado tem primazia em Deus mesmo, pois, sendo amor, quer e deseja se

comunicar conosco. E, justamente, porque se comunica, é que temos a possibilidade de

conhecer seus projetos, seus sonhos, seus desejos. Daí, dizemos que Deus coloca-nos e se

coloca no centro de nós mesmos para conhecer sua bondade e vontade. E, ao mesmo tempo,

capacita-nos para uma resposta livre e responsável, pois o Amor é livre e torna livre.

A fidelidade do amor de Deus para com seus filhos se perpetua até aos dias de hoje.

Tendo se manifestado outrora pelos profetas e, na plenitude dos tempos, no Filho, Jesus

Cristo52

, atualmente, se manifesta a nós pelo Espírito.

No evangelho de João, a promessa de Jesus é clara, no momento em que passa de sua

existência terrestre à celeste: “Não vos deixarei órfãos. [...]. Mas o Paráclito, o Espírito Santo

que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse”53

.

Para aqueles que desejam caminhar na verdade e acolher os ensinamentos de Jesus, o

Espírito Santo, “Espírito da Verdade”54

, ensinará tudo. Por ele, “há que se começar para

descobrir, acolher a verdade, e saber se a vivemos segundo a possibilidade real de cada

situação concreta de nossa vida”55

.Desse modo, o Espírito Santo atua como o sintonizador

entre a ação de Deus e minha resposta.

Segundo Rupnik, “o discernimento é expressão de uma inteligência contemplativa, é

uma arte que pressupõe o saber contemplar, ver a Deus”56

. Ainda segundo o autor,

inteligência contemplativa é aquela “que colabora sinergicamente com o Espírito Santo”57

.

Dessa forma,

o homem se servirá da sua inteligência de maneira mais completa e total somente

quando todas as suas capacidades cognoscitivas convergirem para um intelecto

iluminado, aberto e guiado pelo Espírito Santo. O homem contemplativo é aquele

que olha por meio de sua inteligência com o olho luminoso do Espírito Santo58

.

A fim de que não se perca e para que não evite a via Pascal, convém, portanto, que o

ser humano escolha “a via do discernimento, que é a via contemplativa e sapiencial”59

. Foi

exatamente por essa via que caminhou Teresa para compreender e aderir livremente àquilo

que Deus, Nosso Senhor, lhe pedia.

Desde seus primeiros passos na vida espiritual Teresa pôde contar com a ação de

Deus. Em V 22,6, ela testemunha que a ação dele em sua vida é certa: “Nunca falta. É amigo

verdadeiro”. E, ainda, conta que sua mão (a de Deus) sempre a sustentou60

.

Diante de todas as oposições que encontrara ao longo da sua vida quanto ao fato da

autenticidade do que Deus lhe comunicava, a certeza interior de Teresa só aumentava, ao

passo que, como ela mesmo diz, disputaria com todo o mundo que era Deus mesmo quem

falava61

.

52

Cf. VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium 5. In: Compêndio do Vaticano II. 27ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 261. 53

Jo 14, 18.26. 54

Jo 14, 17a. 55

HERRAIZ, Maximiliano. Discernimiento espiritual... p. 36. “T. A.”. 56

RUPNIK, Marko Ivan. O discernimento. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 22. 57

Ibidem. 58

Ibid., pp. 22-23. 59

Ibid., p. 23. 60

Cf. V 6, 9. 61

Cf. V 25, 18.

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10

Em Teresa, vislumbramos uma mulher entregue à divina vontade. Admiravelmente,

ela soube submeter sua inteligência ao olhar luminoso do Espírito. É, portanto, contemplativa

e buscadora dos verdadeiros sabores da vida. Consumida de zelo, demonstra a certeza da ação

de Deus na sua vida em um conjunto de interrogações que, depois, cheia de gratidão,

desencadeia em resposta amorosa ao apelo que Deus faz à sua liberdade:

quem é este, tão poderoso, que assim lhe obedecem todas as minhas faculdades, num

momento faz raiar a luz em tão grande obscuridade, torna brando um coração que

parecia de pedra e dá água de suaves lágrimas onde deveria prolongar-se a seca por

muito tempo? Quem infunde estes desejos? Quem dá este ânimo? Que pensamentos

foram os meus? De que tenho medo? Que é isto? Desejo servir a este Senhor; não

tenho outra ambição senão contentá-lo; não quero consolação, nem descanso nem

outro bem, senão fazer-lhe a vontade. Disto estava muito certa e, a meu parecer,

podia afirmá-lo62

.

Segura nos ensinamentos de Deus, a muitos ensinou Teresa, desde os mais doutos aos

mais simples e escondidos. A forma como desempenhava sua missão despertou, mesmo que

implicitamente, muitos de sua época. Provavelmente, muitos eram os que questionavam o seu

modo de proceder. Como uma mulher poderia comunicar tal verdade, tal caminho? Isso cabia

aos teólogos, aos confessores, aos homens. E, assim, Teresa de Jesus se tornou mestra, pois

foi sensível às moções do Espírito, aos seus gestos de amor.

Desejosa de que todos tivessem discernimento, não cansava de publicar as maravilhas

que o Senhor realizara em sua vida. Para Teresa, “a caridade cresce pela comunicação, e há

mil bens, que [ela] não saberia dizer, se não tivesse grande experiência de quanto é importante

este ponto”63

. A partir disso, aponta passos para o discernimento e planta em seus escritos

sementes de um bom caminho.

Em V 15, 15, Teresa demonstra seu interesse em falar dos sinais que marcam o

discernimento, além de apresentar o modo como os conheceu e seu desejo de que sejam

aplicados na vida:

Os sinais do bom espírito se irão dizendo mais adiante, [...]. Quanto trabalho me

custou para tirar a limpo todos esses sinais! Creio que, com o favor de Deus, nisto

atinarei um pouco. Além da experiência, que me tem feito aprender muito, o tenho

sabido de vários teólogos doutos e de pessoas de grande santidade, às quais é justo

dar crédito. Mediante estes avisos, as almas que, pela bondade do Senhor, chegarem

até aqui, não passarão pelas aflições pelas quais eu passei.

Visto isso, notamos que a certeza subjetiva que possuía Teresa quanto à ação de Deus

não a encerrava em si mesma. Ao contrário, mesmo, muitas vezes, não sendo compreendida,

sempre buscou fora de si o diálogo com outras “pessoas de Deus”. A ação do Espírito Santo,

portanto, deve abrir-nos para o diálogo, pois, a partir dele, esclarecemo-nos e esclarecemos.

É dessa forma que, progressivamente, amadurece o discernidor. Da sua relação íntima

com Deus, a oração, brota o desejo de relacionar-se com os outros e comunicar-lhes as graças

recebidas. A transformação interior refletida na prática indica, desse modo, a sintonia com o

Espírito de Deus.

Convém enfatizar, que, àqueles que se dispõem a começar um processo de

discernimento é indispensável a sintonia com o Espírito Santo, pois ele é o comunicador da

verdade, da vontade de Deus; é ele que das trevas faz brotar luz; da escravidão liberdade

interior. E sem liberdade interior é impossível fazer a vontade de Deus. Se entramos no

62

V 25, 19. 63

V 7, 22.

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discernimento com apego saímos dele com a nossa vontade64

. Daí se segue que a oração, a

relação de amizade com Deus, nos ajuda a sermos verdadeiramente livres. Ela (a oração) é,

portanto, “porta para os favores tão grandes que Sua Majestade me tem feito”65

, disse Teresa.

Ao pontuar os graus de oração a que pode chegar uma pessoa favorecida pela graça,

Teresa fala que a adesão à vontade de Deus e a certeza interior de sua ação crescem na

medida em que nos desapegamos da nossa própria vontade e nos deixamos purificar pelo

Espírito. O bem que nos proporciona a oração não tardaria em chegar se assim nos

dispuséssemos66

. Ela diz ainda que “um dos nossos erros [é]: não nos submetermos

inteiramente ao que o Senhor faz. Ele sabe melhor do que nós o que nos convém”67

.

O acompanhador espiritual

Como falamos acima, mesmo tendo adquirido a convicção interior, própria daqueles

que, progressivamente, são purificados pelo Espírito, a abertura ao “diálogo discernidor” é

fundamental. Por conseguinte, deve se consultar pessoa entendida para que julgue o processo

de discernimento.

O acompanhador espiritual “alcança um relevo extraordinário na vida de Teresa,

também em sua mensagem doutrinal”68

. Sua importância é tão grande que, em V 4, 7, Teresa

lamenta a falta de um acompanhador que lhe servisse de guia no caminho da verdade:

Outro guia, quero dizer, algum confessor que me entendesse, não achei, embora

procurasse durante quase vinte anos. Isto contribuiu para me prejudicar e fazer

retroceder muitas vezes. Poderia ter sido causa de minha total ruína. Se tivesse

confessor, ajudar-me-ia a sair das ocasiões em que estive de ofender a Deus.

Sobre coisas espirituais, Teresa gostava de conversar com bons teólogos, pois,

segundo ela, confessores pouco instruídos lhe causavam grande mal69

. A eles só recorria

quando não tinha opção. E diz por experiência que, “tratando-se de homens virtuosos e de

vida santa, é preferível serem totalmente ignorantes a serem doutos pela metade”70

. A opinião

de Teresa é ousada: “Os ignorantes não se fiam em si, consultam outros mais sábios; os

verdadeiramente cultos nunca se enganam, ao passo que os outros, eles mesmos não sabem

mais do que ensinam, ainda que não pretendam enganar”71

.

Dessa maneira, segundo Teresa, os traços que marcam o bom acompanhador espiritual

são, nessa ordem: boa inteligência, experiência e ciência. Tendo os três será perfeito!

Todavia, “se não for possível achar estas três coisas juntas, as duas primeiras importam mais,

pois, em caso de necessidade, pode-se recorrer aos teólogos para alguma consulta”72

.

A atuação do acompanhador espiritual é ainda mais importante quando se está no

início do processo de discernimento. Aos principiantes, a ausência de mestre, que ilumine e

que seja experiente, interferirá no conhecimento daquilo que lhe trouxer maior proveito. A

própria Teresa havia presenciado, o que lhe causava grande lástima, o estado de muitos que,

sem mestre experiente que os ensinassem, andavam encurralados e aflitos73

. Assinala, por

conseguinte, dois exemplos relacionados a essa ausência: “um já não sabia o que fazer de si,

porque tais diretores, não entendendo o espírito, afligem alma e corpo, e estorvam o

64

Cf. V 11, 2. 65

V 8, 9. 66

Cf. Idem. 67

V 6, 5. 68

HERRAIZ. Discernimiento espiritual... p. 41. “T. A.”. 69

Cf. V 5, 3. 70

V 5, 3. 71

Idem. 72

V 13, 16. 73

Cf. V 13, 14.

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aproveitamento. Outra, [...], estava há oito anos atada pelo seu mestre, que a não deixava sair

do conhecimento próprio, pelo que sofria muito e, no entanto, o Senhor já a havia elevado à

oração de quietude”74

.

As pessoas de oração, de discernimento, devem caminhar segundo a “verdade do bom

espírito”75

, por isso, Teresa escreve muitas vezes sobre estes esclarecimentos para que, assim,

não andem afundadas em tolices. Queremos dar mais exemplos, grafados pela própria Teresa,

a respeito da necessidade em tratar, sempre que possível, com os doutos:

Certa monja começa a ter oração. Se um confessor simplório a dirige e lhe vem à

cabeça que assim deve ser, far-lhe-á entender que é melhor obedecer a ele do que ao

superior. Se não for religioso, talvez pensará deste modo. Isto sem malícia,

imaginando acertar. Tratando-se de mulher casada, dir-lhe-á que empregue em

oração o tempo destinado ao governo da casa, ainda que descontente o marido.

Desta sorte não saberá ordenar o dia nem as ocupações para que ande tudo conforme

à verdade. Por lhe faltar, a ele, a luz, não dá aos outros, conquanto o deseje76

.

Se isso não for possível será preferível ficar algum tempo sem mestre, até que se

encontre um que seja capaz, a correr o risco de perder-se em coisas infundadas e sem

inteligência. Logo, “em tudo é preciso discernimento”77

.

O acompanhador será como um pai amoroso que ajuda o filho a despertar para a

vontade de Deus em sua vida. Deste modo, deverá também possuir aquela liberdade espiritual

da qual já falamos acima. Se este não for pessoa dócil ao que é verdadeiro e agradável ao

Senhor, certamente não apontará luz, na ausência desta em si mesmo.

O exercício do discernimento não é, em si, prática que poderíamos chamar de fácil.

Principalmente, no começo, não fica muito claro diferenciar a vontade própria da vontade de

Deus, a qual se deseja e quer alcançar diligentemente. É, por isso, que importa muito, desde o

começo, tratar com mestre que tenha experiência autêntica. Como bem nomeamos, o

discernimento é processo. Em todo processo, portanto, a ação de avançar, ir para frente, é

gradativa.

Concluímos, assim, que vários e distintos são os modos de orientação espiritual. O

processo de discernimento é pessoal e respeita um ritmo personalizado. Aquilo que serve

como “regra” geral na ajuda da descoberta da ação de Deus na vida do exercitante, deve o

acompanhador ter a sensibilidade de, atentamente, ir ajustando de acordo com a vontade de

Deus. Diga-se ainda que o diálogo entre orientador e orientando é um enriquecimento mútuo e

que o protagonista é sempre Deus!

A pessoa

Pode Deus comunicar-se com a pessoa e fazer-se tão presente em sua vida? Como

entender isso? Como transmitir? Com não pouco labor, Teresa, ao longo de sua “vida

mística”78

buscou entender e transmitir a ação de Deus. Sabia bem que “uma coisa é receber

do Senhor a graça, outra, entender qual o favor e qual a graça, outra, finalmente, saber

discernir e explicar o que é”79

. Pois, “ainda que pareça bastar o primeiro destes três dons,

contudo, é grande proveito e dádiva entender o que se recebe, para a alma não andar confusa e

medrosa, e prosseguir com maior ânimo no caminho do Senhor, calcando aos pés todas as

coisas do mundo”80

.

74

V 13, 14. 75

V 13, 18. 76

V 13, 17. 77

V 13, 1. 78

HERRAIZ. Discernimiento espiritual… p. 44. “T. A.”. 79

V 17, 5. 80

Idem.

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Contudo, se os que leem os seus escritos não experimentam, por mínimo que seja,

coisa semelhante ao que ela experimentou, não poderão compreendê-la, pois, como ela

mesma diz: “Quem o houver provado, compreenderá alguma coisa do que está dito. Mais

claramente não se pode explicar, por ser tão obscuro o que ali sucede81

. Só posso dizer que se

tem a impressão de estar junto de Deus. Disto fica tal certeza, que de nenhum modo se pode

deixar de crer”82

.

Nos seus escritos, não se cansa de falar que, mesmo não sabendo comunicar como

gostaria as muitas graças que o Senhor a concedia, crê que ele a ajudará nesta tarefa83

, pois,

Deus conhece seu interior e sabe “que, além de obedecer, é minha intenção, [expressa

Teresa], despertar nas almas a gula de tão sumo Bem”84

. A partir disso, exclama com vigor:

“Ó virtude de obedecer, que tudo podes! Deus me esclareceu a inteligência, umas vezes com

palavras, outras sugerindo-me o modo de me expressar, [...], a tal ponto que Sua Majestade

parecia querer dizer o que eu não podia nem sabia”85

. Decididamente, isso nos faz recordar

daquela passagem bíblica que diz: “O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não

sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do

Espírito”86

.

Mesmo ao ler e perceber, em seus escritos, uma Teresa cheia de ousadia e certeza

quanto à verdade que recebera de Deus, no início, possuía uma ignorância a ponto de achar

que não era possível estar Deus em todas as coisas. Apesar de senti-lo tão presente, para ela,

“a realidade seria impossível. [Contudo], deixar de crer [...], não podia, [diz ela], por me

parecer quase certo haver percebido sua presença real”87

. Em idas e vindas, Teresa, aos

poucos, vai percebendo esse cuidado pessoal que tem Deus para com cada um de seus filhos e

sabe que fiar em si mesmo, certamente, não é a melhor opção para aqueles que buscam fazer a

vontade de Deus88

. Lembramos aqui, da graça a ser alcançada na quinta semana89

dos

Exercícios Espirituais, conforme as fichas do exercitante, “se Deus me chama, tudo é possível

com a graça do Cristo ressuscitado”90

.

À vocação recebida de Deus está presente sua graça. Deste modo, fiada no Espírito e

consumida de zelo, “o Senhor [...] [ajudou] a sua serva para que a verdade [...] [saísse]

vitoriosa”91

. Logo, a experiência da ação de Deus é pessoal e, realmente, não saberíamos

explicar Deus, o Amor, pois, diz Senhor, “os meus pensamentos não são os vossos

pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos”92

. Sendo assim, “a pessoa é

sempre a primeira a receber no “descobrimento” desta presença, daquilo que “lhe deixa”, e

sobre a maneira de respondê-la”93

. Mais uma vez, Deus é protagonista e tem planos e desejos

que não saberíamos explicar como gostaríamos. Sopra onde quer, dá a quem quer, como quer,

quando quer; seus pensamentos e caminhos estão acima dos nossos; “creiamos, [portanto],

que tudo é para nosso maior bem. Leve-nos Sua Majestade por onde e como quiser. Não

81

Teresa refere-se ao quarto grau de oração. Cf. V 18. 82

V 18, 14. Grifo nosso. 83

Cf. V 18, 8. 84

V 18, 8. 85

Idem. 86

Jo 3, 8. 87

V 18, 15. 88

Cf. V 19, 13-14. 89

A quinta semana, a qual nos referimos, é parte de um bloco de nove semanas que compõem a chamada “primeira semana” dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Cf. CUSTÓDIO FILHO. Exercícios... p. 19. 90

CUSTÓDIO FILHO. Exercícios na vida cotidiana... p. 19. 91

V 18, 8. 92

Is 55, 8. 93

HERRAIZ. Discernimiento espiritual... p. 45. “T. A.”.

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somos nossos, mas seus”94

. E, “o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os

sábios; e o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte”95

.

De fato, Teresa reconhece sua fraqueza e incapacidade, mas, certamente, sabe que o

amor do Sumo Bem é magnificente, infinito e misericordioso, doura seus pecados96

e faz

jorrar água límpida em lodo tão imundo97

.

1.2 ELEMENTOS

Neste ponto, nos deteremos em citar e desenvolver somente alguns elementos que

Teresa menciona no Livro da Vida que podem auxiliar no processo de discernimento.

As boas companhias

Nos capítulos dois e três do Livro da Vida, Teresa narra a importância que há em

manter relações sadias com pessoas virtuosas. O título do capítulo três demonstra bem isso:

Narra como a boa companhia serviu-lhe para reavivar seus ideais e de que maneira o Senhor

começou a lhe dar alguma luz sobre o engano em que tinha vivido98

.

Pois bem, segundo Teresa, a juventude é uma boa época para se começar a cultivar

virtudes. Contudo, é época também que se corre o risco de cultivar leviandades e afeições

nada boas99

. Fala, então, da importância que há em tratar com pessoas virtuosas, junto às

quais, se poderá enxergar melhor o bom caminho.

Fala ainda do perigo que se corre em se acostumar com situações de pecado devido às

más companhias, pois, sem dúvida, são situações prazerosas e que provocam afeição. Teresa

afirma que era grande a sua sagacidade para o mal e chega a espantar-se “algumas vezes

[com] o prejuízo causado pela má companhia”100

. Diz, ainda, que não poderia crer nisso se

não houvesse experimentado101

.

Dá um conselho, portanto, “diria aos pais que, tenham muito cuidado em escolher as

pessoas que convivem com seus filhos”102

. “Especialmente no tempo da mocidade deve ser

maior o mal. Quisera que os pais, com meu exemplo, ficassem advertidos e observassem bem

este ponto”103

. Aqui, mais uma vez, fazemos um paralelo com os Exercícios Espirituais e

notamos que o tema, As tendências desordenadas ou pecaminosas, pessoais ou dos grupos em

vivo, influenciam o viver e as decisões tomadas, e a graça a ser alcançada, Pedir percepção da

desordem e pecado escondidos em decisões e ações que tomo, quer pessoalmente, quer

através dos grupos de que participo, da oitava semana104

, possuem uma grande semelhança

com a fala de Teresa.

Tendo andado “nessas vaidades não havia nem três meses”105

, levam Teresa a um

mosteiro. Lá, a companhia das religiosas, segundo ela, a fez retomar aos bons costumes de sua

meninice e pôde perceber “a grande graça que Deus faz a quem se põe em companhia de

almas boas. Dir-se-ia que Sua Majestade andava estudando e investigando o modo de tomar-

me, [diz Teresa], a seu serviço”106

.

94

V 11, 12. 95

1Cor 1, 27. 96

V 4, 10. 97

Cf. V 19, 2. 98

Falaremos do capítulo três no capítulo seguinte. 99

Cf. V 2, 2. 100

V 2, 4. 101

Cf. idem. 102

V 2, 3. 103

V 2, 4. 104

A oitava semana, a qual nos referimos, é parte de um bloco de nove semanas que compõem a chamada “primeira semana” dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Cf. CUSTÓDIO FILHO. Exercícios... p. 29. 105

V 2, 6. 106

V 2, 8.

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Os livros

Teresa sempre foi amante dos livros. Na juventude, gostava de se entreter com os de

cavalaria, por exemplo, e facilmente entrava num mundo que só era possível àqueles que

gostavam da leitura107

. Chegou até a escrever um, mas que se perdeu108

. Dizia ela, “a leitura

de bons livros, era toda a minha recreação”109

.

Em V 4, notamos que, segundo Teresa, os livros são meios muito úteis àqueles que

iniciam o caminho espiritual. Principalmente, àqueles que, como ela, não possuem “talento

para discorrer com o intelecto, nem para tirar proveito da imaginação”110

. Estes (os que não

conseguem tirar boas reflexões com a ajuda do intelecto e da imaginação), “correm maior

risco e muito se devem ocupar em leitura, [...]. [...]. A leitura, por curta que seja, lhes é útil e

até necessária para se recolherem”111

.

Teresa dá um exemplo pessoal, de quando, por dezoito anos, estava enferma, sobre o

auxílio que lhe trouxeram os bons livros para se recolher em oração mais facilmente:

Todo esse tempo, a não ser depois da comunhão, não ousava começar a oração sem

livro. Minha alma temia tanto pôr-se a orar sem livro, como se tivesse que lutar

contra um exército de inimigos. O livro, pelo contrário, era uma companhia, ou

ainda um escudo em que aparava os golpes dos muitos pensamentos importunos. A

secura e a aridez, não era o ordinário, vinham quando me faltava livro. Logo a alma

se dissipava. Com livro, os pensamentos iam-se recolhendo como por afagos, o

espírito entrava em si. Acontecia frequentemente, que bastava o fato de ter o livro à

mão112

.

Não obstante, Teresa também sabia que associado à leitura de bons livros deve estar a

presença de bom mestre espiritual para que haja aquele “diálogo discernidor”. E mais, ao

longo do amadurecimento espiritual humano se vai percebendo que os livros não são

suficientes para o entendimento dessas “coisas de oração”113

.

E quando a Inquisição lhe obrigou que entregasse todos os seus livros114

, sentiu grande

pesar. Todavia, ouve a doce voz de Jesus: “Não tenhas pena, que te darei livro vivo”115

. É aí

então que Teresa, apesar de ser grande amiga dos livros, transforma toda essa estima

convergindo seu interesse senão naquele que “tem sido livro verdadeiro onde [se vê] as

verdades”116

. Por fim, agradece: “Bendito seja tal livro, que deixa impresso o que se há de ler

e fazer, de maneira que não se pode esquecer”!117

Os passeios e distrações saudáveis

Muitas vezes, o fato de não conseguir ter oração pode ter causas tanto na indisposição

corporal quanto na distração do intelecto. É coerente, de acordo com Teresa, que se vá com

discrição, visto que, “é bom nem sempre deixar a oração quando o intelecto está muito

distraído e perturbado, e nem sempre atormentar a alma obrigando-a ao que está acima de

suas forças”118

. É, aqui, portanto, que os passeios e distrações saudáveis podem ajudar a

107

Cf. V 2, 1. 108

Cf. J. M. MONTALVA, Efrén e BARRIENTOS, Alberto. Cronología Teresiana. In: BARRIENTOS, A. (Dir.). Introducción a la lectura de Santa Teresa. Madrid: Editorial de Espiritualidad, 1978. p. 27. 109

V 4, 7. 110

Idem. 111

V 4, 8. 112

V 4, 9. 113

V 13, 12. 114

Cf. V 26, 5. 115

V 26, 5. 116

Idem. 117

Idem. 118

V 11, 16.

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pessoa no seu equilíbrio e processo de discernimento. O conselho que Teresa dá é justo e,

seguramente, integrador: “Há outras ocupações de obras de caridade e leitura de bons livros,

ainda que por vezes nem isto seja possível. [...]. Tome alguns passatempos santos de

conversações virtuosas, ou vá para o campo, conforme o conselho do confessor. Em tudo é

grande coisa a experiência, que dá a entender o que nos convém. Em tudo se serve a Deus.

suave é o seu jugo. É grande sabedoria não trazer a alma arrastada, como se diz, senão levá-la

com suavidade, para seu maior aproveitamento”119

.

Chegamos ao fim deste capítulo. Apresentamos os agentes e elementos de

discernimento teresiano e a forma como estes colaboram no processo de descobrir-se e

descobrir (a vontade de Deus). Acreditamos que o modo como Teresa os aborda, sem dúvida,

contribuirá para que muitos encontrem o tesouro que Teresa encontrara, a oração, e os

tesouros escondidos provenientes dela, a saber, dissemos que um deles é o discernimento.

CAPÍTULO III

TERESA, PEREGRINA DA VONTADE DE DEUS

No terceiro e último capítulo de nossa investigação falaremos de Teresa como aquela

que faz discernimento. Sendo assim, analisaremos alguns fatos de sua vida que estiveram

marcados pelo (processo de) discernimento para que, no fim, a vontade de Deus pudesse

prevalecer.

A escolha da vocação

Dada a escolha de sua vocação, Teresa era muito jovem e, certamente, ainda não

possuía a maturidade dos seus quarenta e cinco anos, idade que começa a escrever o Livro da

Vida120

. No entanto, sente que o Senhor sempre a quis tomar para si e, para tanto, não deixou

que se perdesse por toda121

.

Quando foi interna no mosteiro de Nossa Senhora da Graça, das religiosas de Santo

Agostinho122

, apesar de sentir grande aversão à ideia de se fazer monja, começa a perceber

que aquilo lhe trazia contentamento e, como ela mesma diz, “estava muito mais contente do

que na casa de meu pai”123

. Destaca o papel que teve D. Maria Briceno y Contreras, monja

que dormia no dormitório das educandas. Do ponto de vista de Teresa, por meio dela o

Senhor começou a dar-lhe luz124

.

De conversa em conversa com essa monja, o que lhe fez cada vez mais sentir prazer

pelas coisas eternas, chegou ao ponto de sentir que aquela imensa aversão à ideia de ser monja

ia diminuindo. Foi, então, que Teresa começou “a rezar muitas orações vocais e a pedir a

todos que [...] [a] encomendassem a Deus, para que encontrasse o caminho em que melhor o

havia de servir. Desejava, no entanto, que não fosse o de monja”125

, pois, segundo ela, não

sentia esse desejo, contudo, não gostava da ideia de ter que se casar.

Notamos, aqui, que a santa buscava responder à própria vocação, mas estava confusa e

não sabia bem por onde caminhar. Confundia-se com o fato de que muitas vezes sentia que

buscava responder mais aos seus gostos próprios do que aos de Deus. Muitas vezes, também,

acometiam-lhe pensamentos ora de desejo por consagrar-se a Deus ora pela total ausência

deste126

.

119

Idem. 120

Cf. MONTALVA e BARRIENTOS. Cronología Teresiana. p. 31. 121

Cf. V 2, 6. 122

Aí ficou por um ano e meio: cf. V 3, 2. 123

V 2, 8. 124

Cf. V 2, 9. 125

V 3, 2. 126

Cf. V 3, 3.

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Como então, resolver isso, entender a que Deus lhe chamava? Sem dúvida, Teresa

passou por um processo de discernimento para descobrir e escolher com liberdade ao apelo de

Deus. Ao mesmo tempo em que se sentia incapaz sentia o cuidado zeloso de Deus, dispondo-a

para a vocação que melhor lhe conviesse127

.

Em visita a um tio, D. Pedro de Cepeda, além de sua boa companhia, teve contato com

a leitura de bons livros, em especial, as cartas de São Jerônimo, que influenciaram bastante

sua decisão. Pôde sentir novamente a força das palavras de Deus! Começa a entender as

verdades que empreendera quando menina: “o nada de tudo que é transitório, a vaidade do

mundo, a brevidade com que tudo acaba”128

. Inquietou-a o fato de que se tivesse morrido

antes poderia ter ido para o inferno. É aí, então, que mesmo não se sentindo segura quanto à

ideia de ser monja,

pouco a pouco, [diz a santa], determinei-me a abraçá-lo, muito embora fazendo-me

violência. Nesta luta estive três meses, combatendo contra mim mesma com o

seguinte argumento: os trabalhos e sacrifícios da vida monástica não podiam ser

maiores que os do purgatório, e eu bem havia merecido os do inferno. [...]. Em toda

esta deliberação sobre a escolha de estado, creio que mais me movia o temor

servil que o amor. [...]. Sofri muitas tentações129

.

Chega, enfim, o momento em que Teresa decide comunicar a seu pai sobre sua decisão

de ser religiosa e, conforme dissera, uma vez declarada não voltaria atrás por se considerar

briosa130

. Não poucos foram ainda os impasses até que pudesse finalmente ingressar no

convento, mas, como falamos acima, o agente protagonista do processo de discernimento é

sempre Deus. Mesmo sem saber bem por onde caminhar ele vai abrindo as janelas e as portas

necessárias e nos auxilia em nossas escolhas e cuida para que sejam feitas com muita

liberdade interior.

Foi aí então que aos dois de novembro de 1535 ingressa no mosteiro da Encarnação,

de Ávila, Teresa de Ahumada. Esse só seria o começo de muitos outros discernimentos que a

santa precisaria fazer ao longo de sua vida. Discorreremos abaixo.

Deus ou o intelecto? Deus ou o demônio?

Desde que começou a ter oração, Teresa “começa a receber grandes graças do Senhor.

A santa, confusa e atemorizada, consulta pessoas espirituais. Uns lhe dizem que é o demônio,

outros duvidam”131

. Indubitavelmente, essa foi uma das maiores provas que Teresa teve que

passar na sua vida.

Ela viveu em um momento da história em que a sociedade era marcada por grande

misoginia. E, “como naquela época, verificavam-se nas mulheres grandes ilusões e enganos

do demônio”132

, a santa começou a ficar receosa. Em contrapartida, havia em Teresa

“profunda convicção de que era obra de Deus, sobretudo quando estava em oração”133

.

Quais foram os passos de Teresa para que pudesse chegar a essa convicção interior

quanto à ação de Deus em sua vida? Como evitar ou fugir dos enganos?

Em V 25, Teresa discorre sobre este “falar de Deus à alma”. Destaca que nestas coisas

haverá pouco engano ou nenhum quando se tem (muita) experiência. E assegura que a

diferença entre a fala do bom e do mau espírito é grande.

127

Cf. V 3, 4. 128

V 3, 6. 129

V 3, 7. Grifo nosso. 130

Cf. V 3, 8. 131

MONTALVA e BARRIENTOS. Cronología Teresiana p. 31. “T. A.”. 132

V 23, 2. 133

Idem.

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Do ponto de vista de Teresa, a diferença entre a “voz” do intelecto e a “voz” divina é

como comparar quando se compõe um discurso e quando somente se ouve o que diz uma

pessoa, respectivamente. Sendo assim, “o intelecto reconhece logo que está agindo por si e

não escutando. As palavras que fabrica [...], não tem a nitidez das outras. Está em nossas

mãos distrair-nos, assim como podemos calar se falamos. Mas quando Deus fala é

impossível”134

.

O maior de todos os sinais “é que as palavras do intelecto não produzem efeito. As que

vem de Deus são ao mesmo tempo palavras e obras”135

. Para Teresa, “há tantos indícios para

perceber a diferença, que, mesmo quem se enganar uma vez, não se enganará mais. [...] se for

pessoa experiente e que esteja de sobreaviso, claramente o verá”136

.

Fazemos uma comparação da seguinte maneira: quando as palavras são provenientes

do intelecto é como quando ouvimos palavras vindas de uma pessoa bêbada ou em delírio.

Certamente, não lhe daríamos crédito e logo as palavras passariam. As oriundas de Deus são

dignas de atenção e logo se percebem os efeitos que elas produzem. Ou seja, são palavras

muito acertadas e que naturalmente, sem esforço, surgem. Segundo a ótica de Teresa, parece

ser impossível “que uma pessoa experiente queira enganar-se com advertência e por si

mesma”137

. Do contrário, se assim proceder, fará grande mal a si mesma. Uma vez percebido

o espírito de Deus, não reconhecê-lo seria impossível. O certo é que, quando são palavras

divinas, trazem paz e “ficamos instruídas num instante, entendendo coisas tais, que pareceria

preciso um mês para as imaginar. O próprio intelecto e a alma ficam espantados do muito que

aprendem”138

.

Outra situação se dá quando o demônio139

é o autor de tais palavras. As suas sugestões

vem acompanhadas de “inquietação, que não se percebe donde provém. Parece que a alma

resiste e se perturba e aflige sem saber por quê”140

. São palavras carregadas de amargura e

trazem, certamente, tédio à pessoa.

Teresa dá um salto importante e diz que boa coisa para discernir entre a “voz” de Deus

e a “voz” do demônio, é a concordância ou não com a Sagrada Escritura. Diz que “se desta se

desviarem, por mínimo que seja, julgá-las-ia obra do demônio. [...]. É indício tão claro de ser

coisa diabólica, que se todo o mundo me assegurasse provir de Deus, não o creria”141

. Ela

alerta ainda que o demônio pode se utilizar de embustes e aparentar ser bem aquilo que é mal.

Contudo, se a pessoa anda com cautela e com o temor próprio daqueles que desejam em tudo

fazer a vontade de Deus, além de ser acompanhado por diretor que entenda dessas coisas,

disso, “nenhum dano lhe pode resultar”142

.

O Senhor é fiel e “não permitirá ao demônio enganar à alma que em nada confia em si,

está fortalecida na fé e pronta para morrer mil vezes por uma só de suas verdades. Com este

amor à fé, que logo Deus lhe infunde, adquire uma convicção viva, robusta”143

.

Confiamos que, a partir do que analisamos em Teresa, a liberdade interior é uma chave

de grande importância, senão, a de maior importância para o processo de discernimento. Ela,

de fato, experimentou isso. Fazer essas distinções entre o que provém e o que não provém de

134

V 25, 3. 135

Idem. 136

V 25, 5-6. 137

V 25, 6. 138

V 25, 8. 139

Não entraremos em maiores definições do que vem a ser o “demônio” na obra de Santa Teresa, afirmamos apenas que o “demônio” é o que não tem a sua raiz em Deus. 140

V 25, 10. 141

V 25, 13. 142

V 25, 14. 143

V 25, 12. Grifo nosso.

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Deus, pressupõe, sem dúvida, essa liberdade, ao menos que a pessoa queira enganar a si

mesma e/ou aos outros, o que acarretaria em grande mal.

Destacamos também a presença de pessoa instruída e de experiência para que

esclareça e ajude a esclarecer essas coisas144

. Aos poucos, o “discernidor” poderá então

caminhar com mais independência sem, contudo, dispensar o acompanhador espiritual. Pois,

segundo Teresa, “não há estado de oração tão elevado, em que não seja preciso voltar, de vez

em quando, ao princípio. Isto jamais se olvide”145

.

CONCLUSÕES

Sem dúvida, através desta investigação científica, pudemos aprofundar no tema do

discernimento. Sabemos que é um tema complexo e que exigiu de nós um olhar sensível e

apurado. Tendo nos debruçado sobre diversos textos a respeito do tema, sentimos a

responsabilidade de colocar em prática todos estes ensinamentos.

Concluímos que as pessoas que se determinam por percorrer este caminho se não estão

submetidas a alguns pressupostos, certamente não farão um bom discernimento. Pois, como

vimos acima, discernimento é um processo de busca da vontade de um Outro. Portanto, se

existe apego à vontade própria, saio do discernimento com a minha vontade e não com a

vontade de Deus.

No capítulo segundo, a conclusão que tivemos girou em torno das muitas

contribuições que Teresa de Ávila proporciona àqueles que verdadeiramente querem seguir

neste caminho. Essa doutora da Igreja tem muito a nos ensinar. Percebemos que sua fala é

autêntica e sempre preocupada por colocar por escrito somente a verdade. A importância que

ela dá ao acompanhador espiritual nos marcou enormemente. Constamos que se uma pessoa,

principalmente os iniciantes, carece de acompanhador que seja inteligente e que tenha

experiência, caminhará por muitos enganos e chegará até a perder muito tempo, segundo ela.

Por fim, atentamos que Teresa, de fato, teve uma vida toda submetida a fazer

unicamente a vontade Deus. À custa de não pouco sofrimento, triunfa de si mesma e chega a

possuir uma convicção tão profunda que, embora sempre prezasse pelo conselho das pessoas

espirituais, nada ou ninguém poderia arrancar essa verdade que lhe estava cravada.

Concluímos que a santa de Ávila, seguramente, é excelente e atual mestra de discernimento,

embora não pretendesse sê-lo146

.

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144

São Pedro de Alcântara foi pessoa fundamental nesse processo de discernimento de Santa Teresa. Cf. V 30. 145

V 13, 15. 146

Cf. SANTA TERESA DE JESUS. Moradas ou Castelo Interior. In: Santa Teresa de Jesus: Obras Completas. 2ª ed. Portucale: “Carmelo” Aveiro, 1970. p. 642.

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