a arte afrobrasileira

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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 18, n. 3/4, p. 313-328, mar./abr. 2008. 313 artísticas. São agrupamentos regionais que criam peculiaridades próprias, o que permite farta variedade em suas formas de expressão e justifica tanta influência exercida nos demais continentes, principalmente em sua lingua- gem artística. Resumo: a cultura afro-brasileira está presente em toda a tra- jetória de formação do povo brasileiro. O Brasil foi o país que mais recebeu escravos africanos e, após a abolição, a luta pelo seu reconhe- cimento na sociedade tem sido incessante. Falar em uma cultura afro-brasileira implica abordar as lutas sociais, a miscigenação, a dis- criminação, o sincretismo e a contribuição cultural de um modo geral. Somente compreenderá o objeto artístico afro-brasileiro aquele que souber o significado das formas, das cores e das disposições espaciais desses objetos em seu contexto. A arte negra reflete o espírito de um povo. O espírito de um povo que, uma vez cativo, buscou manter sua cultura e sua crença usando artifícios de toda espécie, lutando por sua integridade, mesmo atado ao tronco. Palavra chave: cultura, África, Brasil Um canto de amor à raça que silenciosa incorporou sua representa- ção neste país e se transformou nele. (Emanuel Araújo) Rita de Cássia Alves Lotti Silva A ARTE AFRO-BRASILEIRA* O continente africano acolhe uma grande variedade de culturas, carac- terizada cada uma delas por um idioma próprio, tradições e formas

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A Arte Afrobrasileira

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  • FRAGMENTOS DE CULTURA, Goinia, v. 18, n. 3/4, p. 313-328, mar./abr. 2008. 313

    artsticas. So agrupamentos regionais que criam peculiaridades prprias, oque permite farta variedade em suas formas de expresso e justifica tantainfluncia exercida nos demais continentes, principalmente em sua lingua-gem artstica.

    Resumo: a cultura afro-brasileira est presente em toda a tra-jetria de formao do povo brasileiro. O Brasil foi o pas que maisrecebeu escravos africanos e, aps a abolio, a luta pelo seu reconhe-cimento na sociedade tem sido incessante. Falar em uma culturaafro-brasileira implica abordar as lutas sociais, a miscigenao, a dis-criminao, o sincretismo e a contribuio cultural de um modo geral.Somente compreender o objeto artstico afro-brasileiro aquele quesouber o significado das formas, das cores e das disposies espaciaisdesses objetos em seu contexto. A arte negra reflete o esprito de umpovo. O esprito de um povo que, uma vez cativo, buscou manter suacultura e sua crena usando artifcios de toda espcie, lutando por suaintegridade, mesmo atado ao tronco.

    Palavra chave: cultura, frica, Brasil

    Um canto de amor raa que silenciosa incorporou sua representa-o neste pas e se transformou nele. (Emanuel Arajo)

    Rita de Cssia Alves Lotti Silva

    A ARTE

    AFRO-BRASILEIRA*

    O continente africano acolhe uma grande variedade de culturas, carac-terizada cada uma delas por um idioma prprio, tradies e formas

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    ALGUMAS CARACTERSTICAS DA ARTE AFRICANA

    A arte africana est fortemente ligada aos costumes tribais, e certamentenela encontram-se refletidos o esprito de seu povo, a sua conscincia de mundoe a sua religiosidade. Poderamos endossar alguns autores (OSTROWER, 1998;RODRIGUES, 2004) que encontram, na arte africana, um reflexo extrema-mente sincero de suas crenas, mitos, histrias, bem como um extravasar espon-tneo e singular de seus humores caractersticos, num colorido que vai alm daousadia natural presente em algumas obras primitivas, atingindo, com a fora desuas combinaes, no somente o apreciador comum, mas tambm a crticainternacional e inmeros artistas que, de outros continentes, buscam em seusestudos analisar e absorver algo em sua enigmtica e complexa simplicidade.

    A arte africana no apenas religiosa como se diz, mas , sobretudo,filosfica. A evocao dos mitos nas artes da frica um tributo s origens ao passado, com vistas perpetuao no futuro da cultura, da sociedade,do territrio. E assim, essas artes relatam o tempo transcorrido; tocam noproblema da espacial idade e da oralidade.

    Para uma perfeita compreenso de nossa cultura material necessrioque consideremos algumas caractersticas da cultura e da arte africanas, poistoda produo artstica afro-brasileira est embebida nesses padres, o peso datradio antepassada perpassa por todos seus domnios. Para o africano, aexistncia ocorre em dois nveis, o Ai-terra e o Orm-plano invisvel, quepode ser sentido e vivido atravs de alguns mecanismos rituais. Quando fala-mos de arte afro-brasileira devemos ter estes conceitos em mente, pois influ-enciou inmeros dispositivos culturais trazidos para o Brasil com as diversasetnias. As manifestaes artsticas no iderio africano so muito mais que sim-ples objetos estticos, pois sempre foram um meio de comunicao com oplano espiritual. Na vinculao da arte com a cosmologia, as representaesiconogrficas se tornaram no apenas um meio de comunicao privilegiadocom o mundo sobrenatural, mas instrumentalizaram a materialidade da vidacotidiana, fazendo da arte um elemento fundamental para a valorizao dacultura e para a afirmao da identidade negra.

    Os povos africanos faziam seus objetos de arte utilizando diversoselementos da natureza. A escultura em marfim, as conhecidas mscarasentalhadas em madeiras e tantos ornamentos em ouro e bronze revelam ocotidiano e os aspectos naturais do continente e de cada regio, alm de suaforte ligao com motivos religiosos.

    A histria da arte africana remonta ao perodo pr-histrico. As for-mas artsticas mais antigas so as pinturas e gravaes em pedra de Tassili e

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    Ennedi, na regio do Saara (6.000 aC ao sc. I da nossa era). A principalatividade artstica voltava-se para a escultura (JANSON; JANSON, 1996,p.19-20), em diversos materiais, incluindo as modeladas em argila dos ar-tistas da cultura Nok (norte da Nigria), feitas entre 500 aC e 200 dC (Fi-gura 1). Destacam-se tambm os trabalhos decorativos de bronze deLgbo-Ukwu dos sculos IX e X (Figura 2) e as magnficas esculturas tantoem bronze quanto em terracota de If do sc. XII ao XV (Figura 3).

    Figura 1 - Cermicas Nok (500 a.C e 200)Fonte: Disponvel em: .

    Figura 2 - bronze de Lgbo-Ukwu (sc. IX e X)Fonte: National Museum, Lagos, Nigria. Disponvel em: .

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    Figura 3 - Fragmento de uma cabea, If Ioruba, 1100-1500 Terracota1Fonte:2006/09/fragment-of-a-head-nigeria-ife-yoruba - 1100-1500-terra-cotta.

    Disponvel em:

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    Algumas caractersticas das esculturas de Nok parecem ter influen-ciado largamente a arte africana at os dias de hoje. Cabeas cilndricas,grandes em proporo s pernas pequenas, detalhes do vesturio e de pen-teados, a forma dos olhos e dos lbios salientes. Em If, percebe-se umesforo por atingir as propores naturais do corpo humano, emcontraponto a uma forte tendncia estilizante na representao do rostohumano, em que os olhos e os lbios se projetam protuberantes.

    A arqueologia no pode explicar a origem e a difuso da metalurgiana frica, uma vez que parece haver uma lacuna entre a Idade da Pedra ea Idade do Ferro. Os africanos que vieram para a Amrica como escravosj se encontravam bastante desenvolvidos e dominavam a metalurgia e aarte cermica.

    A INFLUNCIA DA ESCRAVIDO NA ARTE AFRICANA

    A relao da vida com as manifestaes artsticas, com as formas decomunicar, foi desestruturada graas s incurses europias em busca deescravos, o que alterou irreversivelmente a estrutura social nativa. A cons-tante troca de produtos manufaturados por escravos causou a decadnciado artesanato negro-africano.

    Devido ao trfico negreiro milhes de negros foram violentamentearrancados da sua terra O crescimento do comrcio de escravos, que per-durou por sculos, provocou guerras contnuas entre estados africanos dolitoral, que abasteciam os europeus, e as tribos do interior. Entre mortosna caada de escravos e na viagem dos navios negreiros, a frica perdeu de50 a 200 milhes de habitantes, em menos de quatro sculos.

    Portugal foi o primeiro pas da Europa a realizar o comrcio de es-cravos negros. Isso foi possvel porque os portugueses dominavam muitasregies da frica.

    Os negros que vieram para o Brasil foram trazidos para c pelosportugueses durante os perodos colonial e imperial e pertenciam a doisgrupos principais: os bantos, que vinham do sul da frica, principalmentede Angola, e geralmente eram levados para Pernambuco, Rio de Janeiro eMinas Gerais; os Sudaneses, que vinham principalmente da Costa doMarfim, em sua maioria desembarcavam na Bahia. A arte africana chegouao Brasil atravs desses escravos.

    Na poca do escravismo, a desafricanizao1 foi a principal estrat-gia dos dominadores para fazer com que os cativos esquecessem o maisrapidamente suas condies de africanos e assumissem a de negros, marca

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    de subalternidade. Isto para prevenir o banzo2 e o desejo de rebelio oufuga, reaes freqentes, posto que antagnicas.

    O processo de desafricanizao comeava ainda no continente deorigem, com converses foradas ao cristianismo, antes do embarque. De-pois, vinha a adoo compulsria do nome cristo, seguido do sobrenomedo dono que representava, para o africano, verdadeira tragdia de ampu-tao. Apesar disso, os africanos nunca iriam esquecer sua origem.

    Il, em orub, quer dizer casa ou templo, lugar de cultuar oscostumes da ptria abandonada. Lugar de onde os negros sempre teriamsaudade e que procurariam reconstruir de alguma forma aqui no Brasil.

    INFLUNCIA NEGRA NA ARTE BRASILEIRA

    Todos sabem da imensa influncia negra na cultura brasileira desdeo sculo XVI: msica,dana, alimentao, religio, vocabulrio, vesturioe adornos. Sua presena contribuiu decisivamente para que a arte brasilei-ra assumisse caractersticas prprias. Em muitos casos, os elementos arts-ticos africanos fundiram-se com os indgenas e portugueses, para gerarnovos componentes artsticos de uma magnfica arte afro-brasileira.

    At os dias atuais encontramos dificuldade em convencionar o queseja arte afro-brasileira, isto se d pela complexidade de uma manifestaoque no se configura somente em campo artstico, mas tambm nos cam-pos social, religioso e cultural, num tipo de arte que no diz nada sozinha,que necessita de seu contexto, de sua histria, de suas pessoas para se fazerviva.

    Os primeiros estudos acerca da cultura afro-brasileira datam dossculos XVIII e XIX. Debret, Rugendas, Carlos Julio, entre outros docu-mentalistas, resgataram das ruas, praas, festas populares e manifestaesreligiosas uma ampla e preciosa iconografia de costumes. As primeiras obrasdenotam uma viso extica do escravo africano, em tudo diferente aos olhosdos europeus ainda desacostumados aos trpicos. Etnlogos coletavam ob-jetos com o objetivo de evitar a perda dessas culturas e tambm para tes-temunharem a respeito da origem e da evoluo do homem. Essas peas,na verdade, eram apreciadas por seu exotismo e pela raridade de seus ma-teriais constituintes. O valor atribudo cultura afro e a seus objetos est-ticos era ligado sempre sua capacidade de informar a respeito dos estgiosprimitivos da cultura humana.

    No sculo XIX, o negro volta o olhar para si mesmo. o momentoem que os escravos exibem a troca do trabalho no engenho e na casa gran-

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    de pelo manuseio da paleta. Uma litografia de Johann Moritz Rugendas Mercado de Negros de 1935 (Figura 4) expe uma cena de escravidotirada de uma gravura do prprio Rugendas Mercado de escravos de 1834(Figura 4a). Mas o que vale ressaltar aqui nesse contexto o negro quedesenha sobre a parede. Ficcional que seja, a imagem indica um feitoexcepcional: durante a escravido, quando a representao dos africanose afro-descendentes era restrita, um cativo se vale das artes plstico-visuaiscomo meio de auto-representao (CONDURU, 2007, p. 50).

    A partir da segunda metade do sculo XIX, o processo gradativoque vai levar abolio da escravatura traz, para Rio de Janeiro, milharesde negros livres em busca de trabalho, que vm juntar-se aos africanos,crioulos e mestios que j ganhavam vida na antiga capital do imprio,principalmente nas zonas central e porturia. Esses negros livres que voconstituir a Pequena frica e outros ncleos dinamizadores da arte noRio de Janeiro.

    Figura 4 Mercado de Negros, litografia de Rugendas 18351Fonte: frica e Brasil Africano. Marina de Mello e Souza

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    Figura 4a - Mercado de Escravos, gravura de Rugendas. 1834.1Fonte: disponvel em: .

    INFLUNCIA DA ARTE NEGRA NO BARROCO BRASILEIRO

    No Barroco brasileiro, so ntidas as influncias africanas e temos apresena no somente dos anjos mulatos, mas diria que da genuna arte mu-lata. Madonas negras pintadas nas paredes das igrejas dos brancos bem comoMadonas brancas recebendo as oraes de negros, imagens de santos africanoscompondo altares de brancos, anjinhos negros, mulatos (Figura 5 e 5a) e bran-cos brincando entre guirlandas, que simulam uma ingnua harmonia celestialbem distante da realidade terrena.

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    Figura 5 Anjos msicos. Manoel da Costa Atade -1801/1812Fonte: Arte Afro-Brasileira. Roberto Conduru

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    Figura 5a Nossa Senhora cercada de anjos msicos - madona e anjos apresentam traosafricanos - Manoel da Costa Atade - 1800 a 1812

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    Outro singular exemplo de adaptao e reformulao interpretativaso as imagens de Cosme e Damio (Figura 6), que na Europa eram doismdicos e que no foram representados juntos seno no Brasil, onde em geralso afixados sobre o mesmo pedestal, tomando a forma de dois irmos g-meos, tal qual os Ibeji (gmeos) do culto africano (Figura 6a). No processode representao catlica dos negros na Colnia, h So Elesbo, um rei etopeque derrotou um rei rabe, o triunfo de um negro sobre um branco, SantaEfignia princesa da Nbia, convertida por So Mateus, So Beneditosiciliano descendente de escravos, Santo Antonio de Noto mulumanoescravizado por cristos e Nossa Senhora do Rosrio, protetora das irman-dades terceiras dos negros de onde teriam surgido os teros feitos com se-mentes de um tipo de capim chamadas de lgrimas de Nossa Senhora.

    Figura 6 - So Cosme e DamioFonte: Disponvel em: .

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    Mas o ponto culminante a eleio de Nossa Senhora Aparecida, umaMaria de Nazar negra (Figura 7), como padroeira do Brasil, cuja imagemde cor canela sugere sua afro-descendncia, a qual surgiu na rede de um pes-cador em 1717 ( CONDURU, 2007).

    Pode-se falar ainda de imagens cujo sexo faz meno fecundidade naestaturia africana, recobertas por vestes esculpidas ou por tecidos e brocados.Como na frica, a arte negra no Brasil est intimamente ligada idia da sua

    Figura 6a - Ibeji Yoruba, 1Fonte: coleo particular

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    cultura, de seu cotidiano e de seus ritos religiosos, extremamente iconogrficae saudosista. A arte catlica tambm faz pensar na mo-de-obra afro-descen-dente que a produziu com nomes que despontam no sculo XVIII: AntonioFrancisco Lisboa, o Aleijadinho, e Valentim da Fonseca e Silva, o mestreValentim, considerados uns dos pontos mais altos da arte no Brasil.

    Figura 7 Nossa Senhora Aparecida 1717 - terracota2Fonte: .

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    Na arte afro-brasileira predominam as esculturas em duas dimen-ses, talvez por questes de ordem econmica, embora tambm na fri-ca se encontrassem esculturas bidimensionais (mesmo com volume spossuem altura e largura) na representao dos smbolos (ferramentas)dos orixs (deuses e entidades). As esculturas afro-brasileiras parecemmesmo uma forma de buscar sua identidade tnica (mistura dos povos),de diferenciar sua cultura (mistura de religies e costumes), j que tan-tos objetos de uso cotidiano se revestem de carter simblico. Os uten-slios de uso cotidiano, portas e portais para suas casas, cadeiras e utensliosdiversos.

    Muitas so as caractersticas artsticas trazidas da frica e inseridasna arte produzida aqui no Brasil, to envolvidas em nossa realidademiscigenada, que encontramos elementos tradicionalmente africanos aolado de influncias da esttica branca. Caractersticas como a posio tra-dicional de joelhos numa figura perfeitamente equilibrada em torno deum eixo, ou ainda os olhos salientes concepes tipicamente africanasunem-se ao uso de traos fisionmicos do branco, como o nariz e a boca,a forma dos seios e tambm na representao do formato da cabea, quepassa a ter tamanho mais proporcional ao corpo, padro diferente dosadotados originalmente.

    O que considerado arte afro-brasileira? difcil dizer. Por certono somente a arte feita por negros no territrio brasileiro. Iorubs, Bantuse Nags esto no Brasil misturados a ndios, europeus, asiticos... So partede nossa cultura, so parte de ns, so parte de nossa arte. A arte afro-bra-sileira est em toda parte, permeia os templos de umbanda, j bastante in-tegrada com as culturas europia e indgena. Passeia tambm pelas igrejasbarrocas e por toda a arte feita no Brasil, j que estamos todos lado a lado,partilhando de espaos, culturas e crenas que se misturam. No temosmais uma arte afro-brasileira, luso-brasileira, sio-brasileira, nativo-brasi-leira..., e, segundo as palavras de Milena Teixeira, o que temos umaarte cheia de faces, de cores, rica em sua cultura miscigenada. Temos umaarte brasileira.

    A tomada de conscincia sobre a igualdade e valorizao do homemde qualquer etnia importante para o estudo e busca de nossas razes. Coma implantao da lei n. 10.639, de 09 de janeiro de 2003 (Anexo A), ficoudecretada a obrigatoriedade do ensino sobre Histria e Cultura Afro-Bra-sileira. Este ainda um desafio para ns educadores, mas, com certeza, a consolidao de um projeto que diminui as diferenas do nosso processohistrico.

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    Notas

    1 Desafricanizao o processo pelo qual se tira ou se procura tirar de um indivduo os contedos queo identificam com sua origem.

    2 Banzo nostalgia, saudade que os negros da frica sentem da ptria; esta nostalgia pode ser consi-derada um suicdio forado, tendo o banzo dizimado os negros pela inanio, fastio ou apatia.

    Referncias

    CONDURU, R. Arte Afro-Brasileira. C/ Arte, Belo Horizonte : 2007.

    JANSON, H.W., JANSON, Anthony F. Iniciao histria da arte. Trad. Jefferson Camargol, 2ed.,So Paulo: Martins Fontes, 1996.

    OSTROWER, F. Universos da arte. 14. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

    RODRIGUES, N. Os africanos no Brasil. 8. ed. Braslia: Ed. da UnB, 2004.

    Abstract: the Afro-brazilian culture is presente in all the trajectory of theBrazilian people formation. Brazil was the country which recieved the largestnumber of African slaves and, after the abolishing, the fight for theacceptance in the society has been endless. To speak about Afro-Brazilianculture implies also the social fights, miscegenation, discrimination,syncretism and cultural contribution generally. One only will understandthe afro-Brazilian artistic object, only with an understanding of forms, colors,spacial disposition of these elements in the context. The Afro art reflects itspeoples spirit. Peoples spirit that once was captive but choose to keep theintegrity of its own culture and believes using all sorts of tolls. Fighting forits integrity, even when it was chained to a pole.

    Key words: Culture, frica, Brazil

    * Artigo apresentado como Trabalho de Concluso do curso de Ps-Graduao em Filosofia da Arte.

    RITA DE CSSIA ALVES LOTTI SILVAGraduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Catlica de Gois (UCG) e em Matemticapela Universidade Federal de Gois. Ps-graduada em Filosofia da Arte pela Universidade Estadual deGois/Instituto de Filosofia e Teologia de Gois.

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    Anexo A

    Presidncia da RepblicaCasa CivilSubchefia para Assuntos Jur-dicos

    LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.

    Mensagem de veto Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional, paraincluir no currculo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temticaHistria e Cultura Afro-Brasileira, e d outras providncias.

    O PRESIDENTE DA REPBLICA Fao saber que o CongressoNacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

    Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigo-rar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e mdio, oficiaise particulares, torna-se obrigatrio o ensino sobre Histria e Cultura Afro-Brasileira. 1o O contedo programtico a que se refere o caput deste artigo incluiro estudo da Histria da frica e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil,a cultura negra brasileira e o negro na formao da sociedade nacional, resga-tando a contribuio do povo negro nas reas social, econmica e polticapertinentes Histria do Brasil. 2o Os contedos referentes Histria e Cultura Afro-Brasileira seroministrados no mbito de todo o currculo escolar, em especial nas reas deEducao Artstica e de Literatura e Histria Brasileiras. 3o (VETADO)Art. 79-A. (VETADO)Art. 79-B. O calendrio escolar incluir o dia 20 de novembro como DiaNacional da Conscincia Negra.Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicao.

    Braslia, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independncia e 115o da

    Repblica.

    LUIZ INCIO LULA DA SILVACristovam Ricardo Cavalcanti Buarque