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A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........1 Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012) UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE UERN CAMPUS AVANÇADO “PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM DEPARTAMENTO DE LETRAS DL Programa de Pós-Graduação em Letras PPGL Mestrado Acadêmico em Letras Área de concentração: Estudos do Discurso e do Texto A ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL Ananias Agostinho da Silva Pau dos Ferros 2012

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A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........1

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE – UERN

CAMPUS AVANÇADO “PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM

DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL

Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL

Mestrado Acadêmico em Letras

Área de concentração: Estudos do Discurso e do Texto

A ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE

INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL

Ananias Agostinho da Silva

Pau dos Ferros

2012

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........2

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA

A ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE

INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL, do Campus Avançado Professora Maria Eliza de Albuquerque Maia – CAMEAM, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, como requisito obrigatório para conclusão do Curso de Mestrado Acadêmico em Letras. Orientador: Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza

Pau dos Ferros

2012

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........3

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Silva, Ananias Agostinho da.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do ensino fundamental. / Ananias Agostinho da Silva. – Pau dos Ferros, RN, 2012.

132 f.

Orientador (a): Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza.

Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Departamento de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras. Área de Concentração: Estudos do Discurso e do Texto.

1. Argumentação – Dissertação. 2. Alunos – Ensino Fundamental – Dissertação. 3. Textos Escritos – Dissertação. I. Souza, Gilton Sampaio de. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III.Título. UERN/BC CDD 401.41

Catalogação da Publicação na Fonte.

Bibliotecário: Tiago Emanuel Maia Freire / CRB - 15/449

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........4

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA

A dissertação “A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental” foi submetida à seguinte Banca Examinadora, constituída pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, como requisito obrigatório para conclusão do Curso de Mestrado Acadêmico em Letras.

Banca Examinadora

_______________________________________________

Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

(Orientador e Presidente)

________________________________________________

Profª. Drª. Rosiane Maria Soares da Silva Xypas

Universidade Federal de Campina Grande - UFCG

(Examinador I)

________________________________________________

Prof. Drª. Maria Edileuza da Costa

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN

(Examinador II)

________________________________________________

Profª. Drª. Rosângela Maria Bessa Vidal

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

(Suplente)

Pau dos Ferros, 14 de Dezembro de 2012.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........5

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Aquele que é único e digno de receber toda

honra e toda glória, Jesus Cristo.

Aqueles que sempre me aplaudiram no

universo afora, Antônio e Ester, meus pais.

Aquele que me orientou na escritura desse

texto, Gilton Sampaio de Souza.

Dedico.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........6

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

AGRADECIMENTOS

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do

céu.” (Eclesiastes, cap. 03, vers. 01)

Há tempo também de agradecer. E este é um momento bastante especial,

porque as pessoas que mais contribuíram para a concretização deste sonho serão

lembradas. Na verdade, foram tantas que, desde já, peço desculpas se, por uma

eventual falha de minha memória já tão desgastada nesses últimos meses, não

lembrar de todas. Vale dizer que parto, nestes agradecimentos, de minha vida

particular à profissional e à acadêmica, o que não quer dizer que há uma relação

hegemônica entre elas, nem em relação às pessoas que delas participam. Todos

contribuíram de forma peculiar e ímpar nessa árdua, mas prazerosa, empreitada.

Em primeiro lugar, eu preciso agradecer aos meus pais (Antonio e Ester),

por terem cuidado tão bem daquele menino desnutrido e desprovido de beleza, tão

diferente do outro filho primeiro. Grato por terem feito de mim o que sou hoje. Por

terem sido meus primeiros e principais exemplos. À mãe, minha primeira

professora, por sua força, sua garra e, acima de tudo, sua sentimentalidade e sua

ajuda em cada uma de minhas conquistas. Por ser aquela que resolve todos os

meus problemas, que me compreende tal como sou. Lembro de muitas coisas que

vivemos juntos. Todas foram especiais, principalmente aquele dia que aprendi a

escrever meu nome. Naquele dia, realmente me senti como um sujeito social,

como um ser vivo e ativo, dono de uma identidade própria. Ao meu pai, grato por

me compreender, por sempre me dar razão, mesmo quando eu não a tinha e por

sempre fazer quase o impossível para me oferecer o melhor. Grato por renunciar

aos seus sonhos para concretização dos meus. Amo vocês dois com todas as

forças de minha alma.

Além de minhas duas pérolas apresentadas acima, minha família como um

todo fez parte desta conquista. Ezequias e Walhéria (irmãos que sempre confiaram

em minha capacidade e me tiveram como o mais íntimo exemplo de perseverança

e dedicação); Tia Iolanda (e demais tios e tias) pelo apoio moral, carinho e

confiança; Quésia, Iracema, Madalena, Tamires e meus dois amores Miguel e

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........7

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Gabriel (e demais primos e primas) por estarem presentes, sendo meus refúgios

nas horas de cansaço, pelo sorriso destes dois últimos; Dorinha (avó), que, mesmo

com suas constantes ausências, sempre me teve como neto espelho; Felicidade

(avó), Zé Fernandes (avô) e Neco (avô) que, mesmo partindo, e deixando eternas

saudades, sei que ainda torcem por mim no lugar lindo onde estão. Todos vocês

fazem minha história, me constroem e me constituem enquanto sujeito, enquanto

homem, enquanto filho, enquanto amigo.

Já dizia o poeta Fernando Pessoa que "meus amigos são todos assim:

metade loucura, outra metade santidade. Escolho-os não pela pele, mas pela

pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. Escolho meus

amigos pela cara lavada e pela alma exposta.”. Meus amigos, todos, foram meu

porto seguro nesta caminhada. Cada um deles, com seus defeitos, com suas

qualidades, com suas dúvidas, com seus problemas, com suas carências, com

suas peculiaridades. Eles são tantos, que, na verdade, não sei por onde começar.

Por isso, vou agradecê-los por conjunto. Primeiro, à turma da Calçada da Fama:

Wirlândia, Rachel, Ada, Mirian, Simone e todos os outros. Não conheço pessoas

mais unidas, mais amigas, mais preocupadas uns com os outros, mais humanas,

do que vocês. À turma da lanchonete: Reijane, Netinha, Zé, Joelma, Bel e demais.

Vocês não sabem o quanto são importantes. São meu descanso todas as noites,

após um longo dia de trabalho. São vocês que evitam minha depressão. Aos

amigos de Pau dos Ferros: são tantos, que prefiro nem citá-los, para não cometer

o erro de esquecer algum. Enfim, a todos aqueles que amo intensamente: vocês

são muito especiais.

E há também os amigos da Escola Josefina Xavier, a quem tenho muito que

agradecer. Agradeço a todos os colegas professores, mas principalmente, preciso

agradecer a todos os meus alunos. Vocês são ótimos, me realizam como

profissional. Fazem-me querer continuar sendo professor. Agradeço por terem

respeitado minhas ausências, os estresses advindos desta dissertação, a falta de

atenção, muitas vezes, nas próprias aulas. Grato pela amizade que vocês me

votam, por meus defeitos que vocês nem notam. Um agradecimento especial à

turma do segundo ano. Adoro cada um de vocês, porque aceitam meus desafios,

porque vão à luta comigo, porque me compreendem. Além disso, preciso

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........8

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

agradecer à direção (Ivaneide e Monica) desta escola, pela compreensão e

flexibilidade em relação às minhas ausências durante estes últimos meses.

Agradeço também aos meus mestres do Mestrado Acadêmico em Letras:

Gilton Sampaio de Souza, por me fazer adentrar no mundo da Nova Retórica,

Maria Lúcia Pessoa, pelos excelentes conselhos em Metodologia da Pesquisa, por

me explicar o que é um método, Socorro Maia, pelos ótimos diálogos com Mikhail

Bakhtin em Linguagem e Discurso, Rosângela Vidal, pelas discussões sobre o

funcionalismo e ensino de gramática, Paulinho, por mostrar-me de verdade a

Análise do Discurso, Edileuza, pela dedicação à coordenação do Mestrado e aos

demais aqui não citados.

E já que falamos em professores, passo a agradecer ao meu querido

orientador Gilton Sampaio de Souza, pelas conversas, pela liberdade de expressão

e pela condução da orientação de forma ética, profissional e harmoniosa. Enfim,

agradeço intensamente pela oportunidade de aprender com sua humildade, sua

dedicação à universidade, sua história de vida e pelas valiosas contribuições para

a realização deste trabalho. Grato por confiar em mim e acreditar em minha

capacidade.

Há ainda um grande mestre que aqui precisa ser lembrado. José Cezinaldo

Rocha Bessa, ou simplesmente Cezi, não foi apenas um professor de minha vida

acadêmica na graduação. Ele foi quem me fez acreditar ser possível e capaz de

realizar um mestrado. Depois disso, me fez ver a importância da publicação na

academia como forma de divulgação e propagação do conhecimento ali produzido.

Foi com ele que publiquei meu primeiro artigo. Cezi me criou na academia e, por

isso, além de mestre, ele se tornou um grande amigo, um companheiro para todas

as horas. Um exemplo de pessoa, de profissional, de pesquisador. O meu espelho.

E em nome dele, agradeço também ao Grupo de Pesquisa em Produção e

Ensino do Texto (GPET). Foi nesse grupo acolhedor que aprendi – se é que se

pode aprender – como funciona o verdadeiro fazer acadêmico. A troca de

experiência, as discussões teóricas, a iniciação científica, a publicação, a

convivência entre pesquisadores que corroboram, mas que também discordam de

determinados pontos de vistas. Um grupo fértil, construído por pesquisadores

dedicados, interessados em discutir questões de análise e ensino de texto sob

perspectivas diversas. Esse é o GPET. Foi nesse grupo que conheci também um

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........9

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

grande número de pessoas especiais, com quem convivi nesses dois anos. Gilton

Sampaio, José Cezinaldo, Rosângela Bernardino, Crígina Cibelle, Rosa Leite,

Ilderlândio Nascimento, Elvis Alves, Jorge Queiroz, Leidiana Alves, todos esses

aqui citados e os demais que compõem o grupo se tornaram mais que

companheiros de pesquisa, verdadeiros amigos, que me auxiliaram, quando

necessária, nessa jornada.

Agradeço também aos meus colegas de classe do PPGL. Corrigindo, não

colegas, aos meus amigos. Sim, porque nesse período, Sérgio Freire, Doralice,

Eveuma, Francisco Vieira, Márcia, Ivanúcia e, claro, Gorete Torres, bem como

todos os demais se tornaram amigos verdadeiros. Vocês todos foram e ainda são

muito importantes para mim. Pessoas unidas, compreensivas, humildes,

intelectuais, maravilhosas. Agradeço a Deus por ter colocado em meu caminho

pessoas como vocês. Nossa amizade não terá fim aqui.

E entre esses amigos, não posso esquecer de um agradecimento mais

especial. Gorete Torres é aquela amiga de fé, irmã, camarada, amiga de todas as

horas e muitas jornadas. E olha que a jornada já é um pouco longa, tem mais de

meia década. Conhecemo-nos ainda na graduação, amigos durante todo o Curso

de Letras. Tivemos o mesmo orientador, estudamos para o mestrado, passamos e

cá estamos. Grato por me compreender, por me aturar durante todo esse tempo,

por ler cada linha que escrevo, por opinar sobre essas linhas, por rabiscá-las.

Grato pelas caronas para Pau dos Ferros, pelos artigos publicados em parceria,

pelas ligações atendidas todos os dias. Grato por me deixar participar de sua vida

e por participar da minha. Tenho muito orgulho de ser seu amigo.

Não poderia deixar de agradecer à Marília e Ricardo, secretários do PPGL.

Esses dois me toleraram durante esses anos, responderam prontamente aos e-

mails, compreenderam-me em diversas situações, esclareceram dúvidas, enfim,

foram duas pérolas. Agradeço a cada um deles pelo apoio, pela dedicação e pela

luta por uma pós-graduação de qualidade em nossa universidade.

Aos membros da Pesquisa Desafio, também quero expressar um

agradecimento especial. A professora Socorro Maia, Rosângela Vidal e Gilton

Sampaio, aos colegas de mestrado Midiã, Francisco Vieira, aos colegas da

graduação Jackeline, Veridiana, Marciel, Gelcimar, Elvis e Netanias e aos

professores Ieda, Evanilda, Terezinha e Macário. Foram muitas experiências, muito

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........10

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

aprendizado. Aproveito também para agradecer aos colegas de pesquisa da

Universidade Federal do Pará, na pessoa do professor Thomas Massud, e da

Universidade de São Paulo, na pessoa do professor Claudemir Belintane e da

professora Conceição, pelo intercâmbio de experiências, pelo aprendizado

conjunto, pela construção de conhecimentos, por contribuirmos juntos, mesmo que

de forma ainda tímida, com a educação de nosso país.

Ainda agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES), pelo apoio financeiro oferecido desde o início do curso,

essencial para minha permanência em Pau dos Ferros, bem como para o

deslocamento nos eventos regionais, nacionais e internacionais.

Agradeço às professoras Rosiane Maria Soares da Silva Xypas, Maria

Edileuza da Cosya e Rosângela Maria Bessa Vidal, por aceitarem prontamente o

convite para comporem a Banca de Defesa desta dissertação de Mestrado e pelas

contribuições apresentadas.

Por fim, agradeço a Deus por tudo que escrevi.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........11

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

“Eu fico com a pureza da resposta das crianças...”

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........12

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

SILVA, A. A. A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial

do Ensino Fundamental. 132 f. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-

Graduação em Letras (PPGL). Pau dos Ferros: UERN, 2012.

RESUMO

Nesta dissertação, analisamos textos escritos por crianças em fase inicial do

Ensino Fundamental (mais especificamente, no 2° ano), focalizando os argumentos

por elas construídos e os efeitos de sentido que eles produzem nos textos. Essas

crianças são alunos da Escola Municipal Professora Nila Rêgo, Pau dos Ferros-

RN, instituição que funciona como escola de aplicação da pesquisa “O desafio de

ensinar a leitura e a escrita no contexto do Ensino Fundamental de nove anos e da

inserção do laptop na escola pública brasileira”, na Universidade do Estado do Rio

Grande do Norte (UERN). Partimos do pressuposto de que a argumentação é um

fenômeno inerente à linguagem, sendo esta essencialmente argumentativa, de

maneira que, inclusive crianças em fase inicial de aprendizagem conseguem

mobilizar determinados argumentos para defesa de suas teses. Orientando-se, de

maneira geral, pela perspectiva sociointeracionista de Bakhtin (2002; 2005), e de

maneira mais específica pela Teoria da Argumentação no Discurso (TAD) ou Nova

Retórica, de Perelman e Tyteca (1996), analisamos vinte textos produzidos pelos

alunos acima citados, coletados no primeiro bimestre letivo (março-abril) de 2012.

Na análise empreendida, percebemos que os alunos mobilizam vários tipos de

argumentos na defesa por suas teses, dentre os quais se destaca, principalmente,

o emprego de argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão e de coexistência, e de argumentos que fundam a estrutura do real, pelo

exemplo e pela ilustração. Quanto aos lugares argumentativos, os alunos extraem

seus argumentos dos lugares da ordem, da essência, da pessoa e do existente, o

que revela uma tendência dos alunos em mobilizarem argumentos relacionados à

sua vivência. Esses argumentos são mobilizados pelos alunos com o intento de

persuadirem os auditórios (particular, porque é constituído por seres determinados

– professora, bolsistas e colegas de classe) sobre a validade de suas teses, que

correspondem a proposições unificadas do conteúdo dos textos, ou seja, frases ou

orações resumitivas que conservam, em sua essência, a informação principal dos

textos. De um modo geral, às teses analisadas, estão subjacentes efeitos de

sentido relacionados à temática do desprezo e do abandono, uma vez que as duas

propostas de produção textual enfatizam o abandono nas histórias contadas em

sala de aula. Portanto, conforme pudemos observar, mesmo não tendo sido

desenvolvido um trabalho sistemático com a argumentação em sala de aula, os

alunos argumentam em prol de suas teses, porque a argumentação é inerente à

própria linguagem.

Palavras-chave: Argumentação; Alunos do Ensino Fundamental; Textos escritos.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........13

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

SILVA, A. A. A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial

do Ensino Fundamental. 132 f. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-

Graduação em Letras (PPGL). Pau dos Ferros: UERN, 2012.

ABSTRACT

In this thesis, we analyze texts written by children in early elementary school (more

specifically, in the 2nd year), focusing on the arguments constructed by them and

the effects of meaning in the texts they produce. These children are students of the

City School Professor Nila Rego, the Irons Pau-RN, who works as a school

institution for implementing the research "The challenge of teaching reading and

writing in the context of elementary school for nine years and inserting the laptop at

school Brazilian public, "the University of Rio Grande do Norte (UERN). We

assume that the argument is a phenomenon inherent in the language, which is

essentially argumentative, so that even children in early learning can mobilize

certain arguments to defend their theses. Orienting Yourself, in general, the social

interactionist perspective of Bakhtin (2002, 2005), and more specifically the Theory

of Argumentation in Discourse (TAD) or New Rhetoric of Perelman and Tyteca

(1996), we analyzed twenty texts produced by students mentioned above, collected

in the first two months of school (March-April) 2012. In this analysis, we noticed that

students mobilize various types of arguments in defense of their theses, among

which stands out, especially the use of arguments based on the structure of the real

links for succession and coexistence, and arguments that underlie the structure of

reality, by example and illustration. As for places argumentative, students draw their

arguments places the order, the essence of the person and the existing, which

shows a tendency of students to mobilize arguments related to their experience.

These arguments are mobilized by the students with the intent to persuade their

audiences (particularly because it consists of certain beings - teacher, classmates

and fellows) on the validity of his theses, unified propositions that correspond to the

content of texts, ie , phrases or sentences that retain resumitivas, in essence, the

main information of the text. In general, the thesis analyzed, underlying meaning

effects related to the subject of scorn and neglect, since the two proposals

emphasize textual production abandonment in storytelling in the classroom.

Therefore, as we have seen, even if not developed a systematic work with the

argumentation in the classroom, students argue in favor of their thesis, because the

argument is inherent in language itself.

Keywords: Argumentation; Elementary School Students; Texts written.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........14

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01: Renda mensal das famílias dos alunos.......................................... 76

Gráfico 02: Oralidade dos alunos...................................................................... 77

Gráfico 03: Habilidades de leitura...................................................................... 79

Gráfico 04: Habilidades de escrita..................................................................... 80

Gráfico 05: Coordenadas subjetivas.................................................................. 81

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........15

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Teses da primeira proposta de produção textual............................ 88

Quadro 02: Teses da segunda proposta de produção textual............................ 89

Quadro 03: Argumentos axiais da primeira proposta de produção textual......... 90

Quadro 04: Argumentos axiais da segunda proposta de produção textual........ 91

Quadro 05: Transcrição do texto 07................................................................... 93

Quadro 06: Transcrição do texto 10................................................................... 94

Quadro 07: Transcrição do texto 16................................................................... 96

Quadro 08: Transcrição do texto 19................................................................... 98

Quadro 09: Transcrição do texto 02................................................................... 99

Quadro 10: Transcrição do texto 05................................................................... 100

Quadro 11: Transcrição do texto 12................................................................... 102

Quadro 12: Transcrição do texto 17................................................................... 103

Quadro 13: Transcrição do texto 01................................................................... 104

Quadro 14: Transcrição do texto 06................................................................... 105

Quadro 15: Transcrição do texto 14................................................................... 106

Quadro 16: Transcrição do texto 19................................................................... 107

Quadro 17: Transcrição do texto 19................................................................... 108

Quadro 18: Transcrição do texto 06................................................................... 109

Quadro 19: Transcrição do texto 11................................................................... 111

Quadro 20: Transcrição do texto 18................................................................... 113

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........16

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CAMEAM – Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

DL – Departamento de Letras

EA – Escola de Aplicação

IES – Instituições de Ensino Superior

GPET – Grupo de Pesquisa em Produção e Ensino de Texto

MEC – Ministério da Educação

MELP – Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa

PBF – Programa Bolsa Família

PPGL – Programa de Pós-Graduação em Letras

RN – Rio Grande do Norte

SAEB – Secretaria de Avaliação da Educação Básica

TAD – Teoria da Argumentação no Discurso

UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

UFPA – Universidade Federal do Pará

USP – Universidade de São Paulo

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........17

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 18

CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA: DA ORIGEM

DA RETÓRICA À TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO.................

24

1.1 A origem da Retórica.................................................................................... 24

1.2 A Retórica Aristotélica................................................................................. 25

1.3 A Nova Retórica: o discurso em foco........................................................ 27

1.4 O auditório e a dialogia na linguagem: aspectos de Bakhtin e de

Perelman........................................................................................................

29

1.5 Os lugares argumentativos.......................................................................... 31

1.6 As teses e os efeitos de sentido................................................................ 34

1.7 As técnicas argumentativas........................................................................ 36

CAPÍTULO II: O TRABALHO COM A ARGUMENTAÇÃO EM SALA DE

AULA...................................................................................................................

53

2.1 Argumentação em sala de aula................. ................................................. 53

2.2 Argumentação e níveis de escolaridade.................................................... 56

2.3 Um enfoque enunciativo-discursivo para a argumentação..................... 58

2.4 Situações de trabalho com a argumentação............................................. 61

2.5 Argumentação e alfabetização: algumas concepções............................. 63

CAPÍTULO III – ASPECTOS METODOLÓGICOS: A CONSTRUÇÃO DO

OBJETO DE ESTUDO DA PESQUISA...............................................................

69

3.1 Situando a Pesquisa Desafio...................................................................... 69

3.2 Contextualização e caracterização da pesquisa....................................... 72

3.3 Universo de estudo...................................................................................... 73

3.3.1 A Escola Municipal Professora Nila Rêgo................................................... 74

3.3.2 A turma do 2° ano....................................................................................... 75

3.3 Condições de produção dos textos........................................................... 82

3.4 Constituição do corpus............................................................................... 85

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........18

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

3.5 Procedimentos para análise dos dados..................................................... 86

CAPÍTULO IV: ANÁLISE DOS DADOS: ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS

ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE INICIAL DO ENSINO

FUNDAMENTAL..................................................................................................

92

4.1 As técnicas argumentativas mobilizadas pelos alunos........................... 92

4.2 Para quem ou com quem os alunos escrevem seus textos.................... 99

4.3 De onde as crianças extraem seus argumentos....................................... 104

4.4 As teses defendidas pelos alunos e os efeitos de sentidos

produzidos..........................................................................................................

107

4.5 Correlações................................................................................................... 115

4.6 Implicações para o trabalho com a argumentação em sala de aula........ 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 120

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 124

ANEXOS

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........19

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

INTRODUÇÃO

As escolhas que realizamos ao desenvolvermos esta dissertação de

mestrado não foram neutras, mas estão ligadas a motivações (pessoais e

profissionais) e questões essenciais, que serão enfocadas neste texto introdutório.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que nossa investigação, desenvolvida no

Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), do Departamento de Letras (DL),

do Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia (CAMEAM), da

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), na cidade de Pau dos

Ferros (RN), teve como objetivo principal analisar textos escritos por crianças em

fase inicial do Ensino Fundamental (mais especificamente, no 2° ano), focalizando

os argumentos por elas construídos e os efeitos de sentidos produzidos em seus

textos.

A escolha por essa temática se justifica, inicialmente, pelo fato da presente

investigação estar vinculada ao Grupo de Pesquisa em Produção e Ensino de

Texto (GPET), cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) e certificado pela UERN, mais especificamente à linha de

pesquisa “Estudos dos processos argumentativos”. A vinculação de nossa

pesquisa a este grupo não se dá simplesmente pelo fato de sermos membros e

pesquisadores do mesmo, mas, principalmente, pela aproximação entre os

objetivos propostos nessa pesquisa e os objetivos das investigações desenvolvidas

no GPET (SOUZA, 2003, 2007, 2008; SOUZA & COSTA, 2009; COSTA, 2010;

SOUZA & BESSA, 2011; ALVES, 2011; LIMA, 2011; dentre outros). Esses

estudos, de modo geral, procuram investigar o caráter argumentativo da linguagem

nos processos de produção e ensino de texto, com ênfase nos componentes

retóricos (ethos, pathos e logos), considerando a especificidade dos gêneros

textuais/discursivos e as condições de produção dos discursos, sob a ótica de

teorias que reflitam sobre a argumentação no discurso.

Além disso, trabalhamos com argumentação porque acreditarmos, conforme

tem apontado Leal (2004), ser essa uma atividade social especialmente relevante,

que permeia a vida dos indivíduos – sejam eles crianças ou adultos – em todas as

esferas da sociedade, pois a defesa de pontos de vista é fundamental para que se

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........20

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

conquiste espaço social e autonomia. De acordo com Faria (2004), no Brasil e no

exterior, muitas das pesquisas realizadas sobre argumentação no campo da

Psicologia e da Psicolinguística revelam que a linguagem infantil na fase de

alfabetização ou mesmo nos anos iniciais do Ensino Fundamental se apresenta

num estágio pré-argumentativo ou argumentativo rudimentar. Por isso,

possivelmente, nas escolas, primeiro se ensina a descrição, depois a narração e,

por último, a argumentação, dando a entender que esses tipos de textos funcionam

isolados, de modo que à determinada faixa etária ou determinado grau de

escolaridade correspondesse certo grau de desenvolvimento cognitivo, que

permitisse apenas a aprendizagem de um desses tipos textuais.

Entretanto, compreendemos que a argumentação não corresponde a uma

capacidade desenvolvida pelos indivíduos apenas quando atingem certo grau de

maturidade cognitiva – quando atingem a fase adulta ou a adolescência, por

exemplo. Desde cedo, as crianças argumentam em favor de seus interesses, seja

em favor de um brinquedo, de um passeio que desejam realizar, de uma nova

roupa, do que desejam comer, enfim, de uma série de situações cotidianas que lhe

dizem respeito. É claro que quanto mais amadurecido for o intelecto, mais

capacidade terá o sujeito de organizar racionalmente sua argumentação em favor

de determinadas teses. Porém, como salienta Leal (2004), a argumentação é parte

substancial da experiência cotidiana de qualquer indivíduo. Na instituição escolar,

esse pressuposto parece ser desconsiderado, pois são poucas ou quase

nenhumas as diretrizes curriculares, direcionadas à Educação Infantil e aos anos

iniciais do Ensino Fundamental, que sugerem aos professores a oferta de aulas

voltadas para o desenvolvimento da capacidade argumentativa dos alunos.

Concordamos com Faria (2004) quando afirma que a criança, a partir dos

quatro anos de idade, já faz uso constante do discurso argumentativo, que se

constrói alicerçado nos diálogos orais travados com os seus interlocutores.

Defendemos também a ideia de que, quando a criança começa a utilizar a

linguagem escrita, seja na Educação Infantil ou mesmo nos anos iniciais do Ensino

Fundamental, ela recorre, em seus textos, a diversos tipos de argumentos para

defenderem suas teses. Esses argumentos podem não estar dispostos no papel

somente conforme o que determina o sistema linguístico alfabético de nossa

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........21

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

língua, mas através de outras formas de manifestação escrita, como por exemplo,

as garatujas e os desenhos.

Partindo desse pressuposto, examinamos produções textuais escritas de

alunos do 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Professora Nila

Rego, localizada na cidade de Pau dos Ferros-RN, procurando analisar os

argumentos por elas construídos e os efeitos de sentido que eles produzem nos

textos analisados. A opção por esse corpus se justifica pelo fato de nossa pesquisa

ainda estar vinculada ao projeto “O desafio de ensinar a leitura e a escrita no

contexto do ensino fundamental de nove anos e da inserção do laptop na escola

pública brasileira” (Doravante, Pesquisa Desafio), financiado pela Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e desenvolvido por um

núcleo em rede que congrega pesquisadores de programas de pós-graduação de

três Instituições de Ensino Superior (IES) do Brasil: Universidade de São Paulo

(USP), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e Universidade

Federal do Pará (UFPA). Além de sermos pesquisadores bolsistas deste projeto,

nossa pesquisa se vincula ao mesmo justamente por uma de suas principais

preocupações, dentre outros aspectos, estarem relacionadas ao desenvolvimento

de habilidades linguísticas (leitura, oralidade e escrita) de alunos em fase de

alfabetização, principalmente no que diz respeito ao acesso desses sujeitos ao

universo da escrita, da leitura e das demais ferramentas culturais de nosso tempo.

É na Escola Municipal Professora Nila Rego e, mais especificamente, nas

turmas do 1° e do 2° anos, onde são desenvolvidas atividades ministradas por um

grupo de bolsistas (do qual fazemos parte) da Pesquisa Desafio na UERN. Essas

atividades são planejadas semanalmente pelos bolsistas e pelas professoras das

referidas turmas e, de modo geral, procuram proporcionar aos alunos o domínio de

habilidades básicas necessárias à aquisição da leitura e da escrita. O desafio

maior dos bolsistas e das professoras é lidar com a complexa heterogeneidade de

aprendizagem que os alunos apresentam. As discrepâncias entre esses sujeitos

não são apenas de caráter socioeconômico, cultural e linguístico, mas também no

que diz respeito aos níveis de aprendizagem. Em um diagnóstico inicial realizado

nessas turmas, percebemos que enquanto alguns alunos já conseguem facilmente

ler e produzir textos com proficiência, outros tantos ainda apresentam certas

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........22

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

dificuldades de leitura e de escrita - formar monossílabos ou dissílabos simples,

por exemplo – que precisam ser cuidadosamente trabalhadas em sala de aula.

Apesar da heterogeneidade, pudemos constatar nesse mesmo diagnóstico

que os alunos conseguem produzir textos (com níveis diferentes, dada a

heterogeneidade da turma) pertencentes a gêneros textuais/discursivos diversos e

apresentar, nesses textos, argumentos para defesa de determinados pontos de

vista. Em outras palavras, podemos dizer que os alunos conseguem apresentar,

nos textos por eles produzidos, estratégias argumentativas que procuram suportar

uma tese específica subjacente a um determinado discurso. Isso porque,

independentemente da faixa etária, todos nós somos seres retóricos e, por meio da

palavra, procuramos argumentar para revelar nossas impressões sobre o mundo,

nossos sentimentos, nossas convicções, dúvidas, paixões e aspirações; tentamos

influenciar as pessoas, orientar-lhes o pensamento, excitar ou aclamar as emoções

para, assim, guiar suas ações, seus interesses e estabelecer acordos que nos

permitam viver em harmonia.

São justamente os argumentos empregados pelos alunos em seus textos

(escritos) e os efeitos de sentido provocados que constituíram o foco de estudo

dessa pesquisa. Ao analisarmos as produções textuais desses alunos,

procuramos:

Identificar e examinar o emprego de técnicas argumentativas utilizadas

pelos alunos na produção dos textos, observando suas regularidades e

correlacionando-as às teses defendidas e aos efeitos de sentidos

produzidos;

Verificar e descrever os lugares a que se referem os argumentos

empregados pelos alunos em suas produções textuais, considerando o

pressuposto bakhtiniano de que todo discurso é constitutivamente

dialético e dialógico;

Observar se e em que medida o auditório (professora, pesquisadores,

bolsistas, pais, colegas) influencia na construção dos textos pelos

alunos e nas teses por eles defendidas;

Analisar e interpretar as teses defendidas pelos alunos em suas

produções textuais escritas e os efeitos de sentidos a elas subjacentes;

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........23

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Contribuir com os estudos e pesquisas que tematizam questões

relacionadas à argumentação, principalmente com aqueles voltados

para o ensino de produção de textos nos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

Para consecução desses objetivos, construímos nossa investigação

baseando-se, de forma macro, nos pressupostos dos estudos sociointeracionistas

e enunciativos da linguagem (BAKHTIN, 2003, 2006), por compreendermos a

orientação dialógica como um elemento típico de todo discurso, uma condição

necessária à interação humana, nas mais diversas esferas da comunicação, toda

vez que um interlocutor toma a palavra – escrita ou falada – e a lança ao outro. De

forma mais específica, como nosso escopo é analisar os argumentos utilizados

pelos alunos, nos fundamentamos na Teoria da Argumentação no Discurso ou

Nova Retórica, proposta por Perelman e Tyteca (1996), e em estudos que,

adotando essa corrente teórica, focalizam a argumentação nos discursos

(REBOUL, 2004; BRETON, 1999; LEAL, 2004; MEYER, 2007; ABREU, 2006;

PLANTIN, 2008; SOUZA, 2003, 2008, 2010; FERREIRA, 2010; entre outros). Além

desses, também recorremos a estudos que tematizam questões relacionadas ao

trabalho com a argumentação em sala de aula, dentre os quais, destacamos, Faria

(2004), Leitão (2011), Goulart (2011), Souza (2003) e Ribeiro (2003).

Compreendendo a pertinência em se estudar um determinado corpus

tomando como referência essas vertentes teóricas, alguns pesquisadores têm

desenvolvido estudos procurando examinar aspectos linguísticos e discursivos

variados. A título de ilustração, podemos citar a tese de doutorado de Leal (2004),

que analisa processos argumentativos em produções textuais escritas por crianças

dos anos finais do Ensino Fundamental; a tese de Souza (2008), que procura

analisar o processo de (des)construção de sentidos sobre o Nordeste em discursos

veiculados na mídia jornalística; a tese de Fabrino (2008), sobre argumentação em

produção de textos de alunos universitários; a dissertação de mestrado de Duarte

(2010), que investiga o processo argumentativo em artigos científicos sobre o

ensino de língua portuguesa e as dissertações de Costa (2010), sobre o ethos de

egressos de curso de graduação em Letras, de Alves (2011), sobre o ethos de

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........24

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

alunos de curso de graduação em Letras em relatórios de estágio supervisionados

e de Lima (2011), sobre o ethos de professores universitários de Letras.

Esses trabalhos revelam a importância de se pesquisar questões de

argumentação em diversos corpora, no sentido de compreender os mais variados

aspectos textual-discursivos, e apresentam contribuições diretas para a nossa

pesquisa, seja de ordem teórica ou metodológica, uma vez que adotamos ou

adequamos procedimentos utilizados pelos autores citados, conforme veremos ao

longo desta dissertação. É, portanto, na tentativa de compreender como alunos em

fase inicial do Ensino Fundamental (do 2° ano do Ensino Fundamental) evocam

determinados argumentos em produções textuais escritas para defesa de suas

teses, procurando observar os efeitos de sentidos por eles produzidos, que nossa

pesquisa se inscreve no âmbito dessas investigações que articulam a Nova

Retórica e o Sóciointeracionismo para o estudo de certo corpus.

Por fim, as discussões teóricas e metodológicas e o trabalho de análise dos

dados aqui construídos conferiram a esta dissertação que ora apresentamos uma

organização que se estrutura em três capítulos, descritos abaixo:

No primeiro capítulo, apresentamos, mesmo que sinteticamente, um

panorama histórico da Retórica, enfocando sua origem na Sicília grega

(Itália), por volta de 465 a.C., as contribuições de Aristóteles e o

surgimento, no século XX, da Teoria da Argumentação no Discurso

(TAD) ou Nova Retórica, de Perelman e Tyteca. Além desse contexto

histórico, destacaremos também noções como dialogismo, auditório,

lugares argumentativos, teses, efeitos de sentido e técnicas

argumentativas.

No segundo capítulo, nos detemos à apresentação de algumas

questões relacionadas à argumentação em sala de aula, focalizando

aspectos relativos aos contextos de produção de práticas

argumentativas. Introduzimos uma discussão sobre os níveis de

escolarização adequados ao trabalho com a argumentação em sala de

aula, bem como sobre as principais situações de aprendizagem –

planejadas ou não – que favorecem esse trabalho. Ainda apresentamos

um enfoque discursivo-enunciativo para o trabalho com a argumentação,

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........25

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

com base em Mikhail Bakhtin, e as concepções de alfabetização que

norteiam a presente investigação.

No terceiro capítulo, apresentamos os principais aspectos

metodológicos da investigação, destacando, inicialmente, sua

vinculação com o projeto “O desafio de ensinar a leitura e escrita no

contexto do Ensino Fundamental de nove anos e da inserção do laptop

na escola pública brasileira” e, posteriormente, o tipo de pesquisa que

ora apresentamos, o método de análise empregado, a caracterização do

universo de estudo, os critérios para constituição e seleção do corpus e

os principais procedimentos de coleta e análise dos dados.

Por último, no quarto capítulo, procedemos à análise dos dados

propriamente dita. Em um primeiro momento, analisamos as teses

defendidas pelos oradores (os alunos), confrontando-as ao uso

específico de determinadas técnicas argumentativas, que, nos textos,

variam, dependendo da tese principal e dos efeitos de sentido buscados

pelos alunos. Além disso, também procuramos observar a que lugares

se referem os argumentos mobilizados pelos alunos, bem como a

influência do auditório (professora, pesquisadores, bolsistas, pais,

colegas, dentre outros) na construção dos textos pelos alunos e nas

teses por eles defendidas.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........26

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

CAPÍTULO I – DA ORIGEM DA RETÓRICA À TEORIA DA

ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO

Antes de empreendermos uma discussão sobre os principais pressupostos

da Teoria da Argumentação no Discurso, linha teórica dos estudos argumentativos

que norteará a presente investigação, necessário se faz conhecer, ainda que de

forma breve, a história da Retórica, focalizando, especialmente, a Retórica

Aristotélica, de quem Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca retomam

conceitos basilares para a Nova Retórica. Assim, nesse capítulo, inicialmente,

faremos uma retrospectiva do percurso histórico da Retórica para, em seguida,

apresentarmos os fundamentos da Teoria da Argumentação no Discurso ou Nova

Retórica.

1.1 A origem da Retórica

Tentar descrever cronologicamente a história da Retórica não parece ser

uma tarefa simples. Até mesmo os grandes historiadores encontrariam dificuldades

se pretendessem executar tal empreitada. Na verdade, a retórica é anterior à sua

própria história, e mesmo a qualquer outra história, de maneira que, nos termos de

Reboul (2004), é absolutamente inoportuno pensar que os homens, em algum

momento, não tenham empregado a linguagem para persuadir ou convencer o

outro em prol da defesa de determinado ponto de vista.

Entretanto, é possível, conforme o autor acima citado, traçar um panorama

histórico da Retórica como arte do convencimento. Enquanto tal, a Retórica nasceu

na Sicília grega (Itália), por volta de 465 a.C., quando os cidadãos sicilieneses,

extorquidos e despojados pelos tiranos, passaram a reclamar seus bens e seus

diretos, o que culminou em uma guerra civil permeada por vários conflitos

judiciários. Como na época não existiam profissionais advogados para assegurar

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........27

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

os interesses destes cidadãos, era preciso oferecer aos “litigantes1” possibilidades

de defender suas causas. Os retores – mestres da Retórica – procuraram, então,

escrever uma espécie de coletânea de preceitos práticos que continham exemplos

para uso das pessoas que recorressem à justiça. Esses argumentos, considerados

imbatíveis, não se sustentavam em verdades absolutas, mas no verossímil (eikos),

naquilo que podia vir a ser verdadeiro.

Ainda de acordo com Reboul (2004), como Atenas (Grécia Antiga) mantinha

estreitos laços com a Sicília, adotou imediatamente a Retórica, de modo que, por

volta de 427 a.C., os atenienses viviam a primeira experiência de democracia da

história da humanidade. Como estavam isentos de qualquer tipo de autoritarismo,

era fundamental que os cidadãos conseguissem dominar a arte do manejo hábil da

palavra para argumentarem nas assembleias populares, nos tribunais, fóruns e

praças públicas. Para tanto, surgiram em Atenas vários mestres itinerantes com

competência para ensinar os cidadãos a arte do bem falar e do argumentar de

maneira satisfatória. Esses mestres se autodenominavam de sofistas, termo que

designa pessoas sábias, capazes de professarem a sabedoria.

A partir de então, a Retórica começa a ultrapassar os âmbitos do universo

jurídico e passa a ser ensinada nas escolas gregas como uma importante disciplina

do currículo escolar2. O método empregado pelos professores – os sofistas –

consistia em mostrar aos alunos como trabalhar com as palavras de modo que elas

se tornassem convincentes e elegantes. Em outros termos, a preocupação dos

mestres era mostrar aos seus alunos como encadear os argumentos de modo

coerente e eficaz, cuidar do estilo, encontrar figuras exatas, falar distintivamente e

com vivacidade (REBOUL, 2004). Começava, então, surgir a retórica de caráter

pedagógico e os sofistas foram os primeiros pedagogos.

1.2 A Retórica Aristotélica

1 Para compreensão do termo empregado por Reboul (2004) – litigantes – vejamos a ilustração que

o Aurélio (2011) apresenta: “Em uma ação civil uma parte faz o chamamento à outra no processo, isso é o litígio, ou seja, as partes são litigantes”. 2 É claro que, na época, essa nomenclatura utilizada no atual âmbito escolar ainda não existia, mas

preferirmos usá-la por falta de um termo que melhor explicasse o conjunto de ensinamentos ministrados nas escolas gregas daquele período,

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........28

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Como a Tradição Retórica limitava-se, basicamente, à oratória forense,

Aristóteles, em sua Arte Retórica (20053), parece querer ir mais longe e decide

estudar não apenas a argumentação no discurso jurídico, mas também outros tipos

de discurso. O pensador grego se interessou pelo exame das razões porque, em

alguns casos, os oradores que pronunciavam seus discursos obtinham êxito e em

outros pareciam apresentar argumentos falhos, que não se sustentavam. Com

esse propósito, Aristóteles sistematiza uma teoria da argumentação, atribuindo à

Retórica não mais o título de arte, técnica ou mesmo prática – que alguns levavam

a vida inteira para dominar –, mas o lugar de ciência. Nas palavras do próprio

filósofo: “a retórica não é meramente uma arte de persuasão, mas antes uma

faculdade de descobrir especulativamente o que, caso a caso, pode servir para

persuadir” (ARISTÓTELES, 2005, p. 29).

Assim, no pensamento aristotélico, a Retórica não era simplesmente um

sistema de persuasão ou uma arte de argumentar que podia ser ensinada nas

escolas, mas a ciência que permite distinguir e escolher os meios adequados para

persuadir o auditório. Para tanto, necessário se fazia, de acordo com o próprio

Aristóteles, recorrer a três tipos de provas técnicas: o ethos (quando orador produz

confiança, fé), o pathos (quando o orador leva o auditório à emoção, à paixão) e o

logos (quando o orador mostra o que parece ser verdade; o raciocínio). Além

dessas provas técnicas, o filósofo grego também apresenta provas não-técnicas,

que se sustentam, de modo geral, em registros ou na transcrição de confissões.

Entre essas últimas provas, ele destaca a lei, o testemunho, os contratos e a

confissão.

Concebendo assim a Retórica, Aristóteles propôs a constituição de um

sistema retórico formado por quatro partes, que representam, segundo Reboul

(2004), as quatro fases pelas quais passa o sujeito que compõe um discurso ou

pelas quais se acredita que passe. Essas partes, respectivamente, são a invenção,

a disposição, a elocução e a ação.

3 Esta data não corresponde ao ano original da primeira publicação do livro. Na verdade, há uma

imprecisão por parte dos estudiosos de Aristóteles quanto ao ano de publicação dessa obra, já que se trata de um texto bastante antigo. Entretanto, não nos interessa entrar no mérito dessa discussão. A data que expomos acima corresponde a uma publicação recente das obras de Aristóteles, pela editora Ediouro.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........29

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

A invenção corresponde ao primeiro passo da argumentação, no qual o

orador recorre aos lugares argumentativos4 (topoi) e aos gêneros do discurso para

criar os seus argumentos. Nos termos de Reboul (2004, p. 44), na invenção, “antes

de empreender um discurso, é preciso perguntar-se sobre o que ele deve versar,

portanto, sobre o tipo de discurso, o gênero que convém ao assunto”. Aristóteles

classificava os gêneros do discurso em três tipos: judiciário, o deliberativo ou

político e o epidíctico. No gênero judiciário, o orador acusa ou se defende,

empregando os valores do justo e do injusto. No gênero deliberativo, ou gênero

das assembleias, o orador aconselha ou desaconselha, com base em valores

como o útil e o nocivo. Enfim, no gênero epidítico, ou gênero das festas públicas, o

orador louva ou censura, com bases nos valores do belo e do feio, empregando as

técnicas de narração e amplificação.

A disposição, para Reboul (2004), se refere à etapa em que são

organizados e distribuídos os argumentos de maneira racional e plausível no

discurso, em busca de uma solução para determinado problema. Portanto, a

disposição corresponde ao cerne do edifício retórico, ao plano do tipo ao qual

recorremos para construir e sustentar nosso discurso. Esse plano de tipo se divide

em cinco partes, quais sejam: o exórdio, a narração, a confirmação, a refutação e a

conclusão, assim descritas por Aristóteles (2005, p. 206):

O exórdio é o início do discurso: ele dispõe e prepara o espírito do ouvinte ou do juiz para escutar. A narração expõe o desenrolar dos fatos, como eles acontecem ou podem acontecer. Na divisão dos argumentos, elucidamos os pontos de acordo e os de desacordo, e expomos aquilo sobre o que falaremos. A confirmação expõe, com base em prova, nossos argumentos. A refutação expõe ou deduz os tópicos básicos da conclusão adversa. Por último, a conclusão fecha com maestria o discurso.

A elocução, segundo Reboul (2004, p. 116), em sentido técnico, é a redação

ou oralização do discurso. “Envolve o tratamento da língua em sentido amplo,

abrange o plano da expressão e a relação forma e conteúdo: a correção, a clareza,

4 Em um dos tópicos seguintes abordaremos com mais detalhes os lugares argumentativos de

Aristóteles, com a reformulação que Perelman e Tyteca (1996) fazem desse conceito no Tratado da Argumentação.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........30

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

a adequação, a concisão, a elegância, a vivacidade, o bom uso das figuras com

valor de argumento”. Se a elocução refere-se às formas de expressão do discurso,

ela está diretamente ligada ao estilo do orador e às suas escolhas pessoais. Na

verdade, conforme Aristóteles (2005), depois de definido o auditório e o assunto a

ser abordado (entenda-se o gênero do discurso), o orador deve preocupar-se com

a forma do discurso, com a sua composição, para que pudesse conseguir os seus

objetivos, ou seja, convencer o auditório da validade dos argumentos

apresentados.

Por fim, a ação, enquanto última etapa do discurso retórico, funciona como o

arremate final, um fechamento do discurso proferido pelo orador, com o objetivo de

atingir o seu público alvo. Para Souza (2003), a ação trabalha com os

componentes emotivos da emissão da palavra: a gestualidade e a interação com o

espaço. Por isso, embora a ação em si seja parte integrante do logos, também está

ligada ao ethos do orador e à sua atuação no discurso, o que reforça a relevância

de sua mensagem, de maneira a provocar a adesão dos interlocutores.

1.3 A Nova Retórica: o discurso em foco

No apogeu do Império Romano, a Retórica parece desfrutar de um grande

desprestígio, por ocasião do predomínio de um pensamento cartesiano, no qual

uma determinada tese só poderia ser confirmada a partir da evidência de fatos

empíricos e não mediante argumentos sustentados em opiniões mais ou menos

aceitáveis ou em demonstrações obtidas com base em premissas apenas

plausíveis. Na verdade, conforme salienta Souza (2003), o desejo de construção

de um sistema de pensamento que pudesse atender à dignidade de uma ciência

racional só poderia se contentar com provas analíticas, ou seja, aquelas obtidas

necessariamente por meio de premissas absolutamente verdadeiras e

universalmente válidas, em conformidade com o método científico característico

das ciências naturais.

Entretanto, passado esse período de “adormecimento” da Retórica, mais

especificamente a partir da década de 1960, começaram a surgir abordagens

teóricas modernas, influenciadas pelas correntes de estudos linguísticos que

também surgiram nesse mesmo período, principalmente a Linguística, a

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........31

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Semiologia e a Pragmática (SOUZA, 2003). Essas novas perspectivas não se

limitam ao estudo da argumentação no discurso judiciário, deliberativo e epidíctico,

tal como fazia Aristóteles em sua Retórica, mas se propõem a estudar todas as

formas de discurso – todos os gêneros discursivos. De acordo com Reboul (2004,

p. 82), elas se “apoderam de todas as espécies de produções verbais e não-

verbais, elaborando-se, assim, uma retórica do cartaz, do cinema, da música e do

inconsciente”.

Conforme Souza (2008), essas perspectivas teóricas preocupadas com as

questões argumentativas da linguagem, de uma forma geral, podem ser classificadas

em duas instâncias: Teoria da Argumentação na Língua, cuja atuação se dá por

compreender o funcionamento argumentativo de elementos linguísticos inerentes à

estrutura da língua; e Teoria da Argumentação no Discurso, que propõe uma

abordagem discursiva da argumentação e parte do princípio da interação entre os

interlocutores do discurso. Como já dito anteriormente, é essa última abordagem que

norteará a presente investigação, já que não nos interessa analisar os mecanismos

argumentativos relativos à estrutura do sistema linguístico, mas sim o funcionamento

discursivo da argumentação nas práticas sociais de linguagem. Isso porque, como

acertadamente propôs Bakhtin (2003), a verdadeira substância da língua não é

constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação

monológica isolada ou mesmo pelo sistema psicofisiológico de sua produção, mas

pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da comunicação.

As principais bases teóricas da argumentação no discurso estão presentes

no Tratado da Argumentação, de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca,

escrito em 1958 e publicado em 1970, mais de uma década depois de sua

escritura. Nessa obra, esses autores recuperam – e ressignificam – vários

conceitos da Retórica Aristotélica, tais como auditório, orador, lugares

argumentativos e os aplicam à funcionalidade de qualquer tipo ou gênero do

discurso. Partindo de uma concepção interacionista de linguagem, os fundadores

da Nova Retórica se interessam pelo estudo das práticas discursivas,

considerando os aspectos sociais, históricos, dialógicos e ideológicos das teses

defendidas pelos interlocutores em seus processos de discursivização.

Para Perelman e Tyteca (1996, p. 50),

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........32

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

O objetivo de toda argumentação [...] é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstração) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação que se manifestará no momento oportuno.

Depreende-se do exposto que a argumentação, nos termos da Nova

Retórica, deve ser entendida como uma ação humana, uma ação que implica o ato

de convencer e/ou persuadir o outro sobre a validade de uma opinião defendida.

Para ser efetivada, esta ação necessita de uma interação entre o orador e um

auditório, em situações reais de uso da linguagem. Assim, o próprio ato de

argumentar, conforme defende Souza (2008), envolve tanto uma tese – a parte

racional do discurso – (logos) a ser defendida por um orador, como a imagem que

ele tem de seu auditório (pathos), bem como a sua autoimagem (ethos). E é nesse

processo de interação que o orador visa à adesão de seu interlocutor, por meio de

argumentos plausíveis, às teses que lhes são apresentadas.

1.4 O auditório e a dialogia na linguagem: aspectos de Perelman e Bakhtin

Como anunciou Bakhtin no início do século passado, a linguagem, por

natureza, é essencialmente dialógica. O diálogo não é aqui compreendido

enquanto conversa espontânea que caracteriza a interação, como mostra Faraco

(2009), mas o diálogo entre seres situados, marcados pela história. É o diálogo que

travamos entre o locutor e o seu auditório em qualquer enunciação, seja ela falada

ou escrita, dirigida ou não a um público imediato. É a interação social que

caracteriza o ato de enunciação e que se dá em processos variados. Segundo

Souza (2003), ao enunciar, o locutor estabelece um diálogo com os discursos

alheios, com vários enunciados que circulam na sociedade e, também, com um

auditório definido, ou seja, com o outro, com um interlocutor para quem o seu

discurso é dirigido numa situação concreta imediata.

Como a argumentação propende obter a adesão daqueles a quem se

direciona o discurso, ela é, por assim dizer, essencial e inteiramente relativa ao

auditório que procura influenciar. Esse auditório, para Perelman & Tyteca (1996, p.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........33

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

22), corresponde ao “conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua

argumentação”. Com efeito, ao construir seu discurso, consciente ou

inconscientemente, o orador pensa e procura conhecer os sujeitos que constituem

seu auditório e que, portanto, precisa convencer e/ou persuadir. Para tanto, o

orador precisa considerar os valores de seu auditório e, assim, criar com ele um

vínculo de confiança e aceitabilidade, uma predisposição ou disponibilidade do

auditório para ouvir seus argumentos. Nessa conquista, orador e auditório

estabelecem um acordo, que se efetiva ou se delimita por objetos que colocam

ambos numa mesma esfera de compreensão. Isso é fundamental para que a

argumentação não seja concebida como uma violência que o orador exerce sobre

seu auditório, mas sim como a arte de convencer e persuadir esse auditório,

considerando suas especificidades.

Os autores acima citados retomam a noção de auditório (pathos) dos

estudos aristotélicos, desdobrando-a em dois tipos de auditórios: o primeiro,

constituído pela humanidade inteira ou pelo menos por membros mais

competentes e razoáveis (homens adultos e normais) de uma sociedade, é

chamado de auditório universal; o segundo, denominado de auditório particular, é

composto por uma equipe mais definida de ouvintes com interesses

compartilhados (ou não) ou mesmo por um único interlocutor para quem se dirige o

discurso do orador.

Para Perelman & Tyteca (1996), a principal diferença entre esses dois tipos

de auditórios está no fato de que o primeiro representa um grupo de indivíduos

sobre os quais o orador não consegue controlar as variáveis (gênero, quantidade,

classe social, profissão, nível de instrução, diferentes culturas). É o caso, por

exemplo, do público que assiste a um programa de televisão: eles são constituídos

por homens e mulheres de todas as classes sociais, de idades diferentes,

profissões as mais diversas, níveis de instrução variados e distintas regiões do

país. Inversamente ao anterior, no auditório particular, o orador consegue ser

sensível às crenças e juízos de valor comuns a um determinado grupo no

momento de selecionar os argumentos mais adequados para se obter a adesão. É

o que ocorre, por exemplo, em uma turma de alunas do segundo ano de uma

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........34

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

determinada escola: trata-se de pessoas jovens, do sexo feminino, com o mesmo

nível de escolaridade e com interesses compartilhados5.

Conforme propõe Souza (2003), a concepção de auditório dos fundadores

da Nova Retórica se aproxima com a atualização desses conceitos retóricos

proposta por Bakhtin (2006). Esse último autor também entende o auditório como

elemento essencial a toda forma de comunicação humana, podendo ser

classificado em auditório social e auditório médio. O primeiro compreende um

público alvo a quem o orador se dirige, isto é, um interlocutor bem estabelecido e

construído “pelo mundo interior e pela reflexão de cada indivíduo”. O auditório

médio refere-se a um interlocutor menos definido, no qual “o interlocutor ideal não

pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e de uma época bem definidas”

(BAKHTIN, 2006, p. 112).

Acompanhando o pensamento de Souza (2003, 2008), é possível perceber

que entre Bakhtin e Perelman e Tyteca há aproximações e distanciamentos

teóricos. Esses autores adotam uma concepção interacionista e dialógica de

linguagem e adotam o conceito aristotélico de auditório, classificando-o, inclusive,

em dois tipos que se assemelham: o auditório particular se assemelha ao auditório

social e o auditório universal se assemelha ao auditório médio. Entretanto, apesar

das analogias, as propostas desses autores se distanciam quanto ao foco de

investigação de cada teoria. Enquanto Bakhtin prioriza o aspecto sócio-histórico e

ideológico da linguagem, focalizando a relação dialógica dos discursos e a

multiplicidade dos sujeitos falantes, Perelman e Tyteca destacam o caráter

argumentativo das práticas discursivas, o poder de convencimento que o orador

apresenta mediante o emprego de técnicas específicas que buscam a adesão do

auditório a determinada tese. Essas especificidades de cada autor não devem ser

vistas, conforme defende Souza (2008), como discrepâncias de suas teorias, mas

como particularidades próprias de cada uma delas. E é assim que as

compreendemos, como abordagens complementares.

1.5 Os lugares argumentativos

5 Exemplos retirados de Abreu (2006).

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........35

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Retomados por Perelman e Tyteca (1996) da Retórica Aristotélica, os

lugares argumentativos (ou lugares-comuns) correspondem a premissas de ordem

bastante genérica utilizadas pelo orador para estabelecer acordos com o auditório

e, consequentemente, assegurar a adesão a determinados valores. Esses são os

lugares de onde os oradores extraem os argumentos para constituírem seus

discursos e defenderem suas teses.

Em Tópicos, Aristóteles apresenta vários lugares argumentativos, “que

podem servir de premissas para silogismos dialéticos ou retóricos” (PERELMAN &

TYTECA, 1996, p. 95). Dentre os principais lugares citados por esse filósofo,

destacam-se o lugar do acidente, da definição, do próprio, da divisão, da

etimologia, do gênero, da espécie, da diferença, da propriedade, da casualidade e

dos termos contrários. Entretanto, conforme defendem os autores acima citados,

esses lugares parecem ser bastante particularizados, vinculados a uma metafísica

particular do próprio Aristóteles. Por isso, eles propõem, na Nova Retórica, lugares

que possam ser aplicados a sociedades diversas, independentemente das crenças

e dos valores dos indivíduos a elas pertencentes. Para Souza (2008), a

classificação apresentada pelos fundadores da Nova Retórica tem a finalidade de

colaborar com o entendimento e domínio geral da argumentação e de se prestar a

todos os auditórios: lugares da quantidade, da qualidade, da ordem, do existente,

da essência e da pessoa.

O lugar da quantidade consiste em afirmar que qualquer coisa vale mais ou

é melhor que outra em função de razões quantitativas. Esse lugar parte do

princípio de que um bem útil a um número elevado de pessoas ou fins tem mais

valor do que um bem que serve apenas a um pequeno número. A noção de

superioridade presente nesse axioma e, consequentemente, no lugar da

quantidade, aplica-se tanto aos valores positivos como aos negativos, “no sentido

de que um mal duradouro é um mal maior do que um mal passageiro”

(PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 97). Assim, como exemplifica Ferreira (2010),

um candidato a um cargo político pode, pelo lugar da quantidade, mostrar que

recebeu um grande número de votos no pleito anterior e isso se deve à sua

superioridade sobre os demais candidatos. Do mesmo modo, outro candidato pode

alegar ter recebido um menor número de votos, mas servido a um número

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........36

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

significativo de eleitores, e assim o mérito está não no número de votos, mas na

quantidade de pessoas às quais se prestam serviços.

Contrariamente ao lugar acima apresentado, o lugar da qualidade, menos

apreensível, aparece na argumentação quando se contesta a virtude ou o poder

dos números. Consiste na afirmação de que algo se impõe sobre os demais de sua

espécie não porque é quantitativamente superior a eles, mas por ter mais

qualidade, porque é único, raro, diferente, original. “E apresentar algo como difícil

ou raro é um meio de valorizá-lo” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 101). Um

exemplo prototípico do lugar de qualidade é o de um animal de estimação: um

gato, de um modo geral, é apenas um exemplar comum da espécie dos felinos,

mas para a criança a quem ele pertence, é um exemplar único, que não pode ser

substituído por nenhum outro de sua espécie, mesmo que apresente semelhanças

ou as mesmas características físicas. Ele é único e o que parece tão singular se

torna algo precioso, de exímio e incalculado (quantitativamente) valor.

O lugar da ordem se sustenta na ideia de superioridade do anterior sobre o

posterior, da causa sobre o efeito, do princípio sobre o fim. “O que é causa é razão

de ser dos efeitos e, por isso, lhes é superior” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p.

105). De acordo com esses autores, muitas das discussões filosóficas giram em

torno da definição do que foi dito antes e do que vai ser dito depois, para, a partir

de então, extrair conclusões quanto à predominância de um aspecto sobre o outro.

Além disso, muitos dos fundamentos de jogos e competições, bem como a

valorização das grandes invenções da humanidade também se enquadram no

lugar da ordem. Em uma competição que envolve corridas, por exemplo, vence

aquele que alcançar o primeiro lugar e, consequentemente, será posto em uma

posição hierárquica superior aos demais lugares.

Assim como o lugar da ordem, o lugar do existente também se fundamenta

na noção de superioridade: o que existe, o que é atual e o que é real são

superiores ao que não existe, ao possível, ao eventual ou mesmo ao impossível.

Por centrar-se na ideia de existência, esse lugar não dá credibilidade a suposições,

idealizações, hipóteses ou possibilidades. Não interessa aquilo que poderia ter

existido ou aquilo que ainda poderá existir, mas vale aquilo que realmente existe,

pois este último é hierarquicamente superior ao primeiro. Muitos dos ditos

populares frequentemente utilizados pela sociedade ocidental se sustentam no

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........37

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

lugar do existente, tais como mais vale um pássaro na mão do que dois voando ou

é melhor prevenir do que remediar-se.

O lugar da essência, por sua vez, não corresponde “a atitude metafísica que

afirmaria a superioridade da essência sobre cada uma de suas encarnações, o que

é fundamental num lugar da ordem” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 106), mas

afirma a superioridade dos indivíduos que melhor representam a classe a que

pertencem, pois são seres modelos, caracterizados por uma essência própria e

apresentam as marcas prototípicas de sua espécie. Para Abreu (2006), os

concursos de misses, os vultos históricos, os galãs ou estrelas de cinema e até

mesmo os objetos de consumo de marcas famosas, tidos como legítimos, bons e

caros, exemplificam no lugar da essência, pois representam o melhor ser ou

produto da categoria da qual fazem parte.

Por último, o lugar derivado do valor da pessoa afirma a ideia de que há

uma superioridade das pessoas em detrimento das coisas: “Primeiro as pessoas,

depois as coisas” (ABREU, 2006, p. 91). As pessoas são melhores que as coisas

porque seus atos se sustentam em valores vinculados à dignidade, à autonomia, à

coragem, ao senso de justiça. Para o autor acima citado, é nesse lugar que se

fundamentam, por exemplo, as leis que asseguram os direitos humanos ou os

estatutos de direito de grupos sociais específicos.

1.6 As teses e os efeitos de sentido

O empreendimento de análise dos argumentos presentes em determinados

discursos exige, dentre outros procedimentos, que admitamos certas definições

operacionais, que nos permitem adentrar os meandros dos efeitos argumentativos.

Dentre essas definições, é fundamental assumirmos uma noção clara de tese,

pois, no processo dialógico argumentativo, ela se apresenta como um elemento

axial: o logos, ou seja, o lado racional da argumentação (SOUZA, 2008). As teses

são tão centrais que, nos termos de Perelman e Tyteca (1996), todo processo

argumentativo procura provocar ou aumentar a adesão dos espíritos – seus

interlocutores – às teses que se apresentam ao seu assentimento. Assim, as teses

parecem funcionar como elementos que permitem ao orador dialogar com seus

interlocutores, de modo que, nesse diálogo, aquele pretende convencer esses

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Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

últimos da veracidade de seus argumentos e de sua tese (logos) ou ainda

interpelá-los (pathos) a agir de uma forma por ele desejada (ethos).

Nesse sentido, como defende Ide (2000, p. 51), “a tese define-se, pois,

como uma proposição (uma frase) que formula precisamente o que diz o discurso

(e de maneira mais geral, o que diz a inteligência em face da realidade), tendo em

vista enunciar o verdadeiro ou o falso”. A priori, a tese assume a função de

formular o que diz o discurso, constituindo o que se pode chamar de problemática

(para este e outros autores, tese e problemática devem ser concebidas como

expressões equivalentes) ou ideia geral do discurso. Entretanto, o objetivo último e

principal de uma tese, conforme propõe o autor acima citado, é dizer, no dito

(discurso), o verdadeiro ou falso, o verossímil ou o plausível. Ademais, a tese

permite que o interlocutor construa uma melhor avaliação crítica do pensamento do

autor. Por isso, como defende Souza (2003), quando se identifica uma tese e a

confronta com as técnicas argumentativas utilizadas pelo orador, se encontrará

não só a ideia central, mas também, e principalmente, outros efeitos de sentido, às

vezes contraditórios, dos discursos, inscritos em seu processo argumentativo.

Ainda acompanhando o pensamento de Ide (2000, p. 73), há alguns critérios

essenciais que devem ser aplicados no processo de identificação de uma tese, os

quais descrevemos abaixo:

Em geral, uma única palavra exprime a idéia. Procure a idéia que:

- é a mais verossímil; - é a mais unificadora dos diversos aspectos do texto; - é teoricamente única, se o texto for bem construído; - responde à questão: “o que se diz disso?”

Esses critérios sugerem que, quando se analisa um discurso, a tese deve

ser buscada na ideia central, na mais verossímil e mais provável, naquela em que

os argumentos utilizados colaboram para a sua delimitação, naquela que resume

e, concomitantemente, representa todos os demais elementos do discurso. Para

Souza (2008, p. 67), “a tese se apresenta no texto como a proposição mais

unificadora, a que enuncia as nuances sócio-ideológicas do orador e os efeitos

argumentativos do próprio texto”. Assim, a tese corresponde aos principais efeitos

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........39

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

de sentido de cada discurso que revelam os discursos situados em determinados

momentos históricos e temporais e argumentativamente construídos no discurso.

Entretanto, é preciso dizer que os efeitos de sentido não estão dispostos nas

teses – e nos discursos, de forma geral – em si. Como defende Possenti (2001),

não há sentido pronto e estável em um discurso, uma vez que ele sempre retoma

outro(s) discurso(s), outro(s) sentido(s) e, ainda, porque os sentidos são

construídos na interação do orador (sujeito histórico-ideológico) com o auditório

social e com outros discursos. Nesses termos, o sentido jamais pode ser visto

como algo prévio, pronto, a partir da forma da língua, mas, ao contrário, o sentido

é, antes de tudo, um efeito, e, além disso, “o (efeito de) sentido nunca é o sentido

de uma palavra, mas de uma família de palavras que estão em relação metafórica

(ou: o sentido de uma palavra é o conjunto de outras palavras que mantêm com ela

uma certa relação)” (POSSENTI, 2001, p. 50). Portanto, os efeitos de sentido de

um discurso são determinados pelas posições ideológicas dos sujeitos envolvidos

no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões, proposições ou teses

são produzidas ou defendidas.

1.7 As técnicas argumentativas

As técnicas argumentativas podem ser compreendidas como recursos

discursivos empregados por um orador na produção de um discurso, tendo como

finalidade a defesa de uma determinada tese. Como propõem Perelman e Tyteca

(1996), as técnicas argumentativas ajudam a provocar ou aumentar a adesão das

pessoas às teses que são apresentadas à sua aceitação. Geralmente, em cada

discurso, uma técnica funcionará como axial, constituindo a própria tese a ser

defendida, mas jamais essa técnica será exclusiva, pois outras reforçarão a

argumentação principal. Na verdade, quando o orador define a estrutura

argumentativa de seu discurso e adota, mesmo que inconscientemente, uma

técnica argumentativa como central, as outras não serão descartadas, mas

funcionarão como técnicas argumentativas de ancoragem, como elementos de

ligação entre as teses de adesão inicial e a tese principal (COVRE, 1997).

De acordo com Perelman e Tyteca (1996), de modo geral, as técnicas

argumentativas constituem quatro grandes grupos de argumentos, que podem ser

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........40

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

classificados por meio de associações (os três primeiros grupos) e dissociações de

ideias (o último grupo): i) argumentos quase-lógicos; ii) argumentos baseados na

estrutura do real; iii) argumentos que fundamentam a estrutura do real; e iv) os

argumentos por dissociação de noções. A seguir, abordaremos, mesmo que de

forma abreviada, considerando a extensão do presente trabalho, as principais

características de cada uma dessas técnicas argumentativas.

1.7.1 Argumentos quase-lógicos

Os argumentos quase-lógicos, como o próprio nome sugere, são aqueles

amparados por princípios lógicos, que pretendem encerrar força de convicção por

se apresentarem comparáveis a raciocínios formais, matemáticos ou lógicos. Para

Perelman e Tyteca (1996, p. 220), nos argumentos quase-lógicos, “o orador

designará os raciocínios formais aos quais se refere prevalecendo-se do prestígio

do pensamento lógico, ora estes constituirão apenas uma trama subjacente”. Por

obedecerem a regras lógicas, esses argumentos estabelecem, de acordo com

Robrieux (1993), pontes entre definições, comparações e distinções com os

princípios de identidade (a = a ≠ b) e não identidade (a ≠ b). Assim, os argumentos

quase-lógicos, com sua aparência lógica, procuram a identidade ou a

transitividade.

Por serem quase-lógicos, esses argumentos apresentam uma estrutura

lógica bastante próxima daquela dos argumentos baseados na lógica formal (de

validade reconhecida, aceita e incontestável), mas, diferentemente desses, eles

podem ser refutados, pois não possuem o mesmo rigor e o valor conclusivo

daqueles. Assim, “ao contrário dos princípios lógicos da demonstração

matemático-científica, os argumentos quase-lógicos podem ser rejeitados,

demonstrando-se que não são „puramente‟ lógicos” (REBOUL, 2004). E não são

inteiramente lógicos porque a própria linguagem não pode ser considerada como

inteiramente unívoca. Na verdade, é impossível eliminar da linguagem todas as

formas de ambiguidade e as várias possibilidades de interpretação que ela pode

apresentar. A seguir, vejamos, conforme apontado por Perelman e Tyteca (1996),

as modalidades em que esses argumentos podem se apresentar.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........41

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

(i) Argumento de contradição e de incompatibilidade

O argumento de contradição e de incompatibilidade permite ao orador

demonstrar que a tese de adesão inicial, com a qual o auditório previamente

concordou, é compatível ou incompatível com a tese principal (ABREU, 2006). A

contradição faz com que o sistema se torne incoerente e, desse modo, inutilizável,

porque a incoerência faz com que uma tese seja refutada. Assim como ocorre com

a contradição formal, o argumento de contradição apresenta duas teses: uma de

negação e outra de afirmação para serem aplicadas simultaneamente a uma

mesma realidade, de modo que há incompatibilidade em harmonizar tais ideias.

Essa incompatibilidade, para o autor acima citado, obriga a uma escolha que

sempre é penosa, pois o orador precisará sacrificar uma das duas regras – a não

ser que se renunciem as duas, o que acarreta muitas vezes novas

incompatibilidades – ou então, cumpre recorrer a diversas técnicas que permitem

remover as incompatibilidades e que se pode qualificar de trato (acordo), no

sentido mais amplo do termo, porém, na maioria das vezes, também acarretam um

sacrifício.

De acordo com Perelman e Tyteca (1996), ainda existem algumas situações

particularmente interessantes em que a incompatibilidade não opõe,

reciprocamente, regras diferentes, mas uma regra a consequências resultantes do

próprio fato de ter sido ela afirmada. Esse tipo de incompatibilidade é denominado

por esses autores de autofagia. Nesse caso, o orador não precisa apresentar

contra-argumentos que refutem o argumento apresentado pelo adversário ou

mesmo utilizar os argumentos do adversário contra ele próprio. Na verdade, o

orador procura mostrar que o enunciado do adversário se destrói por ele mesmo,

ou seja, não possui sustentação lógica, pois é frágil e, portanto, pode ser refutado

por si só. Segundo Souza (2003), a autofagia corresponde a uma batalha que o

orador trava com o outro (outro discurso ou outro orador), refutando-lhe a

argumentação, provando a ineficiência e fragilidade dela, em prol da tese.

O uso mais célebre da autofagia é a retorsão, que consiste em utilizar um

argumento para mostrar que “o ato empregado para atacar uma regra é

incompatível com o princípio que sustenta esse ataque” (PERELMAN & TYTECA,

1996, p. 231). A retorsão é utilizada pelo orador de um discurso para retomar o

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........42

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

argumento do adversário, mostrando que, na verdade, esse é aplicável contra ele

mesmo. Dito de outro modo, a retorsão corresponde a uma resposta que se dá aos

argumentos com os quais o interlocutor quis rebater uma tese apresentada pelo

orador, servindo-se, para tal, desses mesmos argumentos. E assim, há uma

contradição, uma incompatibilidade que expõe o orador ao ridículo.

O argumento pelo ridículo, por sua vez, é aquilo que merece ser sancionado

pelo riso. Trata-se de uma forma de condenar um comportamento excêntrico, que

não se julga bastante grave ou perigoso para ser reprimido com meios violentos.

Por isso, Perelman e Tyteca (1996) consideram o ridículo como a arma mais

poderosa de que o orador dispõe contra os interlocutores que podem,

provavelmente, abalar-lhe a argumentação, recusando-se, sem razão, a adesão à

determinada premissa de seu discurso. O ridículo consiste em admitir

provisoriamente uma tese oposta àquela que se deseja defender, em desenvolver-

lhe as consequências, em mostrar a incompatibilidade dessas com o que se crê e

em pretender passar daí a verdade que se sustenta. Portanto, o argumento pelo

ridículo expõe a tese do outro à condição de incompatível, contraditória, infundada

e irrelevante.

(ii) Argumento por identidade e definição

Conforme Perelman e Tyteca (1996), a identificação de elementos que são

objetos de um determinado discurso corresponde a uma das técnicas essenciais

da argumentação quase-lógica. Essa técnica consiste em definir um termo dando-

lhe uma identificação, isto é, indicando qual o sentido conferido a uma palavra em

um determinado meio e em um determinado momento. Entretanto, a identificação

de um termo em relação a outro, por mais próximo ou verossímil que seja, jamais

revela uma identidade pura, pois sempre será uma preferência ou um

posicionamento do orador, um recorte possível, seja ele de caráter descritivo,

normativo ou de outro tipo. E se a definição implica uma escolha por parte do

orador, revela um direcionamento, uma subjetividade implícita que é inerente ao

processo de argumentação.

O procedimento mais característico de identificação corresponde ao recurso

das definições, que funcionam, pois, como argumentos quase-lógicos. Perelman e

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........43

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Tyteca (1996, p. 238) afirmam que não podemos conceber ou compreender essas

definições como “fundamentadas na evidência de relações nocionais, pois isso

suporia a clareza perfeita de todos os termos cotejados”. Além de não se

sustentarem em noções lógico-matemáticos, também é preciso entender que

nessas definições não há inteira clareza de todos os termos cotejados, pois elas

podem ser utilizadas tanto em prol de defesa como para combater determinada

tese. De um modo geral, essas definições são classificadas em quatro categorias,

que descreveremos abaixo:

a) Definições normativas: “indicam a forma em que se quer que uma palavra

seja utilizada”. Essa palavra pode ter um valor individual, pode ser uma

ordem destinada aos outros ou uma regra que se crê que deveria ser

seguida por todos. E, justamente por isso, uma definição normativa sempre

partirá de um acordo prévio com o auditório.

b) Definições descritivas: “indicam qual o sentido que se atribui a uma

palavra, num certo momento, num determinado meio”. Essas definições

podem ser verdadeiras ou falsas, uma vez que podem não descrever

realmente o objeto.

c) Definições de condensação: “indicam elementos essenciais das

definições descritivas”.

d) Definições complexas: “combinam, de forma variável, elementos das três

espécies precedentes” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 239).

Esses autores ainda ressaltam que o caráter argumentativo dessas

definições pressupõe a possibilidade de definições múltiplas e variadas de um

mesmo termo, extraídas do uso ou criadas pelo orador, dentre as quais ele pode

fazer uma opção por apenas uma delas, desde que apresente as condições

suficientes da aplicação desse termo. Após escolhida determinada definição, seja

ela apresentada como óbvia ou defendida por argumentos, será considerada

expressão de uma identidade, pois, como argumentos quase-lógicos, as definições

podem conter apenas o que interessa ao orador e podem ser justificadas.

(iii) Argumento por analiticidade e tautologia

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........44

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Para os fundadores da Nova Retórica, ao se empregar a técnica

argumentativa de determinada definição, pode-se considerar analítica a igualdade

estabelecida entre expressões declaradas sinônimas. Entretanto, essa

analiticidade terá, no conhecimento, o mesmo estatuto da definição da qual

depende. Nesse sentido, quando se admite a igualdade de duas expressões, para

substituir, por juízo de análise, uma pela outra, de modo que o valor das

proposições em que essas expressões aparecem não sofra alteração, a

analiticidade de um juízo só poderá ser afirmada, sem correr o risco de cometer

equívocos, numa língua em que novos usos linguísticos já não ameaçam

introduzir-se definitivamente na linguagem formal dessa língua. Na verdade, toda

análise, “na medida em que não se apresenta como convencional, pode ser

considerada uma argumentação quase-lógica, utilizando quer definições, quer um

procedimento por enumeração, que limita a extensão de um conceito aos

elementos relacionados” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 243).

Além da analiticidade, outro argumento que também está relacionado às

definições é a tautologia, que corresponde à apresentação de uma “afirmação

como resultado de uma definição, de uma convenção puramente linguística, que

nada ensina no tocante às ligações empíricas que um fenômeno pode ter com

outros” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 245). Ainda de acordo com esses

autores, a tautologia pode parecer evidente e voluntária, como em enunciados do

tipo “um tostão é um tostão”, “crianças são crianças”. Nesses casos, denominados

de tautologia aparente, os termos apresentam identidade formal, mas serão

interpretados com significados diferentes, desde que o enunciado apresente algum

interesse para o interlocutor. E é justamente por isso que a tautologia tem um

aspecto quase-lógico, porque, inicialmente, apresenta termos unívocos, mas após

serem interpretados, serão compreendidos de maneiras diferentes.

(iv) Argumento por regra de justiça e por reciprocidade

O argumento por regra de justiça, conforme Perelman e Tyteca (1996), se

fundamenta no princípio de que seres de uma mesma espécie, completamente

intercambiáveis e integrados em uma mesma categoria, devem ter direitos iguais,

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........45

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pois na identidade está a legítima causa para a justiça, que permite julgar como

justos ou injustos os atos de alguém, apontando como injustos certos

comportamentos diferentes para situações semelhantes. Entretanto, esse tipo de

argumento provoca certos conflitos, pois não existe uma identidade realmente

unívoca entre os seres, mesmo que eles sejam idênticos. Na verdade, para

Perelman e Tyteca (1996, p. 248), “os objetos sempre diferem em algum aspecto,

e o grande problema, o que suscita a maioria das controvérsias, é decidir se as

diferenças constatadas são não irrelevantes ou se os objetos não diferem pelas

características que se consideram essenciais”.

Numa relação direta com a regra de justiça está o argumento de

reciprocidade, que visa aplicar um mesmo tratamento a duas situações

correspondentes. Nesse tipo de argumento, em situações consideradas simétricas,

o orador pode recorrer ao princípio da reciprocidade, que se baseia nas relações

entre o antecedente e o consequente de uma mesma relação. Essa simetria ocorre

quando uma proposição conversa lhe é idêntica, ou seja, quando a mesma relação

pode ser estabelecida entre a e b e entre b e a, de modo que a ordem do

antecedente e do consequente pode ser invertida. De acordo com Souza (2003), a

reciprocidade dá-se, sempre, por argumentos construídos a partir de uma relação

quase-lógica, isto é, a própria simetria em pauta é amparada no processo

argumentativo e construída discursivamente.

(v) Argumentos que se apoiam em raciocínios matemáticos: transitividade, inclusão

e divisão

Alguns argumentos quase-lógicos se apoiam em raciocínios matemáticos

para apresentarem determinada conclusão. É o caso dos argumentos por

transitividade, inclusão da parte no todo e divisão do todo em partes. A

transitividade ocorre quando uma ideia ou noção transita de um termo a outro ou

de uma situação para outra. Nas palavras de Perelman e Tyteca (1996, p. 257), “a

transitividade é uma propriedade formal de certas relações que permite passar da

afirmação de que existe uma mesma relação entre os termos a e b e entre os

termos c e d, à conclusão de que ela existe entre os termos a e c”. Dizendo de

outro modo, se uma proposição a é igual a uma proposição b (a=b) e se a

proposição b é igual a uma proposição c (b=c), logo a proposição a também é igual

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........46

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

à proposição c (a=c). As relações que se estabelecem entre essas proposições,

que podem ser de igualdade, de superioridade, de inclusão e de ascendência,

podem ser compreendidas como relações transitivas.

De acordo com Perelman e Tyteca (1996), a relação de inclusão pode

ocorrer de duas maneiras específicas: por meio da inclusão das partes num todo e

por meio da divisão do todo em suas partes e as relações entre as partes

resultantes dessa divisão. No primeiro caso, o argumento por inclusão da parte no

todo se fundamenta na ideia de totalidade para afirmar que “o todo vale mais que

uma parte” ou que “o que não é permitido ao todo não é permitido à parte”

(PERELMAN, 1993, p. 89). Esse tipo de argumento se limita a confrontar o todo

com uma de suas partes, sem se preocupar em atribuir nenhuma qualidade

específica a determinada parte ou ao conjunto, que é tratado como igual às suas

partes. Portanto, no argumento de inclusão, importa analisar apenas as relações

que possibilitem uma comparação quase-matemática – e, por isso, quase-lógica –

entre o todo e suas partes.

O argumento por divisão do todo em partes, como o próprio nome indica, se

fundamenta no princípio de que um todo pode ser provado por partes, pois

apresenta a mesma propriedade. Para Perelman (1993), no argumento por divisão,

as partes podem ser relacionadas de maneira exaustiva, mas também podem ser

escolhidas conforme queira o orador e de modo muito variado, contanto que sejam

capazes, mediante adição, de reconstituírem um conjunto dado. Esse argumento,

assim como o argumento da transitividade e o de inclusão, também assume um

caráter quase-matemático, para o qual a divisão do todo em partes surge como

forma de orientação argumentativa (SOUZA, 2003).

(vi) Argumento de comparação

“A argumentação não poderia ir muito longe sem recorrer a comparações,

nas quais se cotejam vários objetos para avaliá-los um em relação ao outro”

(PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 274). Na verdade, a comparação é uma das

principais armas da argumentação, pois, através dela, como defende Souza

(2003), o orador pode avaliar e julgar vários objetos (pessoas, coisas, dentre

outros) relacionando-os mutuamente. Mesmo que semelhantes, o argumento de

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........47

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

comparação não deve ser compreendido como equivalente aos argumentos por

identificação ou definição (apresentados anteriormente) ou como argumentos do

raciocínio por analogia, nos quais se apresentam dois objetos equivalentes, sem

lhes atribuir valores. No argumento de comparação, o orador confronta realidades

concretas entre si conferindo-lhes um valor axiológico, o que é muito mais

suscetível de prova do que uma simples comparação por semelhança ou analogia.

1.7.2 Os argumentos baseados na estrutura do real

Os argumentos que se baseiam na estrutura do real, diferentemente dos

quase-lógicos, não se fundamentam na lógica e na matemática, mas na

experiência, nos elos ou ligações existentes entre as coisas do mundo real. Eles se

utilizam de “validades” que se apresentam na própria sociedade “[...] para

estabelecer uma solidariedade entre juízos admitidos e outros que se procura

promover” (PERELMAN e TYTECA, 1996, p. 298). Essas ligações, ao serem

enunciadas, produzem efeitos de sentido argumentativamente orientados. Por isso,

segundo Perelman (1993, p. 97), “desde que haja elementos do real associados

uns aos outros numa ligação reconhecida, é possível fundar nela uma

argumentação que permite passar daquilo que é admitido ao que se quer admitir”.

As ligações podem ser de sucessão (vínculo causal, argumento pragmático, os fins

e os meios e os argumentos de desperdício, da direção e da superação), de

coexistência (o argumento da pessoa e seus atos, da autoridade, das técnicas de

ruptura e refreamento) e de ligações simbólicas (das hierarquias e das diferenças

de grau e ordem).

(i) As ligações de sucessão

As ligações de sucessão pressupõem um vínculo causal entre

acontecimentos sucessivos seja pela evidência de um efeito seja pela descoberta

de uma nova causa. Nessas ligações, “partindo da afirmação de um vínculo entre

fenômenos, a argumentação pode dirigir-se para a procura de causas, para a

determinação de efeitos e para a apreciação de um fato pelas suas

conseqüências” (PERELMAN, 1993, p. 97). Portanto, os argumentos que são

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........48

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

construídos por essas ligações se estruturam nas relações de causa-efeito e

consequência-finalidade e essas relações se baseiam justamente em dados ou

fatos da vida real, do dia adia dos interlocutores.

De acordo com Perelman (1993), alguns argumentos utilizam essas ligações

de sucessão. É o caso do argumento pragmático, do argumento de desperdício, do

argumento de direção e do argumento de superação. O primeiro, argumento

pragmático, permite analisar algo a partir de suas consequências favoráveis ou

desfavoráveis. Esse argumento desempenha um papel essencial na

argumentação, de modo que, conforme Perelman e Tyteca (1996), muitos autores

quiseram ver nele o esquema único da lógica dos juízos de valor. Isso porque o

argumento pragmático inspira credibilidade por ser bastante verossímil e presumir

confiança. E, como afirma Reboul (2004, p. 174), “a verdade é a crença que nos

presta serviço”.

O argumento de desperdício se refere à sucessão dos argumentos e

consiste em dizer que, uma vez que já se iniciou algo, “que já se aceitaram

sacrifícios que perderiam em caso de renúncia à empreitada” (PERELMAN &

TYTECA, 1996, p. 317), cumpre prosseguir na mesma direção para não perder o

tempo e o investimento, mesmo que apareçam certas “pedras” no meio do

caminho. Para esses autores, é essa a justificativa apresentada, por exemplo, pelo

banqueiro que continua emprestar ao seu devedor insolvente, esperando, no final

das contas, ajudá-lo a sair do aperto.

O argumento de direção, por sua vez, busca, conforme Perelman e Tyteca

(1996), estabelecer relações de causa entre os fins e os meios, fundamentando-se

na ideia de finalidade, ou seja, de que o valor de uma coisa depende da finalidade

a que se destina e não, necessariamente, do (s) meio (s) ou da (s) etapa (s) que a

originou. Nesse tipo de argumento, mesmo se admitindo a inofensividade de uma

coisa, ela deve ser rejeitada, pois servirá de meio para um fim que não é desejado,

mudando a direção almejada pelo orador. O argumento de direção aparece

comumente em negociações entre estados, entre representantes patronais e

operários, quando não se quer ceder à força, à ameaça ou à chantagem para se

resolver determinado conflito.

Por fim, o argumento de superação “desperta o temor de que uma ação nos

envolva num encadeamento de situações cujo desfecho se receia” (PERELMAN,

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........49

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

1993, p. 102). Esse tipo de argumento insiste na possibilidade de ir sempre mais

longe num certo sentido, sem que se vislumbre um limite nessa direção e isso com

um crescimento contínuo de valor. Portanto, quando se emprega um argumento de

superação, o que interessa não é concretizar certo objetivo ou alcançar

determinada etapa, mas sim continuar, superar, prosseguir em um sentido dado.

(ii) As ligações de coexistência

As ligações de coexistência, diferentemente das ligações de sucessão, que

procuram unir elementos pertencentes a um mesmo plano fenomênico, buscam

unir realidades de níveis desiguais, que estão ligadas às pessoas e aos seus atos,

sendo que uma dessas realidades é mais fundamental ou explicativa do que a

outra. É justamente o caráter mais estruturado, mais explicativo de uma dessas

realidades que distingue as ligações de coexistência das ligações de sucessão.

Dentre os principais argumentos pertencentes a estas ligações estão: o argumento

da pessoa e seus atos, o argumento da autoridade e o argumento da essência.

Para Perelman e Tyteca (1996, p. 337), “a reação do ato sobre o agente é

capaz de modificar a nossa concepção da pessoa, em se tratando de atos novos

que lhe atribuímos ou de atos antigos aos quais nos referimos”. Assim sendo, a

imagem que o auditório constrói de um orador coincide com o conjunto de seus

atos comuns. No entanto, como ressaltam os próprios autores, os atos não podem

ser considerados como indícios reveladores do caráter íntimo de uma pessoa, “o

qual seria invariável, mas inacessível sem o intermédio do ato” (p. 338). Na

verdade, nem sempre é possível afirmar que os atos de uma pessoa revelam

verdadeiramente sua imagem, porque os comportamentos humanos são ambíguos

e não podem ser facilmente interpretáveis. Mesmo assim, o prestígio de uma

pessoa está relacionado e é influenciado por seus atos ou comportamentos, que

serão julgados como corretos ou incorretos pelo auditório.

Muitos argumentos são influenciados ou condicionados pelo prestígio. É o

caso, por exemplo, do argumento de autoridade, que utiliza os atos de uma pessoa

ou de um grupo de pessoas como prova a favor de uma determinada tese

defendida pelo orador. Nesse tipo de argumento, o prestígio, o caráter, o ethos do

orador ou da pessoa a qual ele está fazendo referência é fator crucial para a

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........50

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

validação de suas intenções e, consequentemente, para conseguir a adesão do

auditório à tese principal. Portanto, a autoridade se baseia na vida e na moralidade

que o orador ou a pessoa citada apresenta e, por isso, uma mesma autoridade

pode ser valorizada ou desvalorizada conforme seus atos ou comportamentos

coincidam ou não com a opinião do auditório. “A palavra de honra, dada por

alguém como única prova de uma asserção, dependerá da opinião que se tem

dessa pessoa como homem de honra” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 347).

Diferentemente dos argumentos que se sustentam na relação ato-pessoa,

há técnicas de ruptura e refreamento opostas a essa relação. De acordo com os

autores acima citados, essas técnicas são postas em ação quando existe uma

incompatibilidade entre “o que julgamos da pessoa e o que pensamos do ato, e

recusamo-nos a operar as modificações que se imporiam, porque queríamos

manter quer a pessoa ao abrigo da influência do ato, quer este ao abrigo da

influência da pessoa.” (p. 353). Para impedir a reação do ato sobre o agente, a

técnica de ruptura mais adequada consiste em considerar esse último como um ser

perfeito, no sentido do bem ou do mal, concebendo-o como um deus ou um

demônio, de modo que o ato não pode influenciá-lo. Por outro lado, para impedir a

reação do agente sobre o ato, a técnica mais indicada é considerar o ato como

uma verdade ou como a expressão de um fato incontestável, que, portanto, não

pode ser influenciado pelo agente.

(iii) As ligações simbólicas

Conforme Perelman (1993, p. 115), na argumentação, as ligações

simbólicas podem se aproximar das ligações de coexistência, “tal como existe

entre o símbolo e o que ele evoca, e que se caracteriza por uma relação de

participação, assente numa visão mítica ou especulativa de um todo do qual

símbolo e simbolizando fazem igualmente parte”. Isso porque o símbolo não é

instrumento meramente convencional, tal como ocorre com o signo.

Diferentemente deste último, o símbolo apresenta um significado e um valor

representativo.

As ligações simbólicas acarretam transferências entre o símbolo e o

simbolizado. “Quando a cruz, a bandeira, a pessoa do rei são encarados como

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........51

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

símbolos do cristianismo, da pátria, do estado, essas realidades disputam um amor

ou um ódio, uma veneração ou um desprezo” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p.

378). Sentimos que seriam praticamente incompreensíveis e ridículos se, com o

caráter representativo que os símbolos apresentam, não estivessem relacionados

a um vínculo de participação. Nesses casos citados acima, conforme esses

autores, esse vínculo entre o símbolo e a coisa que ele representa torna-se

indispensável para despertar o fervor patriótico ou religioso.

Dentre os principais argumentos que se sustentam a partir desse tipo de

ligação, podemos citar os argumentos das hierarquias e das diferenças de grau e

ordem. As hierarquias, de acordo com os fundadores da Nova Retórica, constituem

os acordos que servem de premissas aos discursos, podendo, também,

argumentarem a propósito delas, mostrando que determinado termo deveria

ocupar certo lugar de preferência a outro. Para isso, o orador se baseia numa

correlação entre os termos de uma hierarquia discutida e os termos de uma

hierarquia aceita, constituindo um argumento de hierarquia dupla. De acordo com

Souza (2003), é estabelecendo uma escala de valores entre termos, e

relacionando-os com outra escala, já admitida pela sociedade, que construímos a

dupla hierarquia.

Semelhante aos argumentos de hierarquias duplas, os argumentos

concernentes às diferenças de graus e de ordens preocupam-se em mostrar que

as hierarquias que servem àqueles primeiros argumentos podem ser qualitativas

ou quantitativas. Essas últimas “só apresentam entre seus termos diferenças

numéricas, diferenças de grau ou de intensidade, sem que haja entre um termo e o

seguinte um corte devido ao fato de se passar a outra ordem” (PERELMAN &

TYTECA, 1996, p. 393). Portanto, nesse tipo de argumento o que importa é

justamente considerar o valor eminente da distinção existente entre diferença de

grau e diferença de ordem.

1.7.3 Os argumentos que fundamentam a estrutura do real

Os argumentos que fundamentam a estrutura do real correspondem àqueles

que “generalizam aquilo que é aceite a propósito de um caso particular ou

transpõem para um outro domínio o que é admitido num domínio determinado”

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........52

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

(PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 297). Esses argumentos, diferentemente dos

argumentos que se apóiam na estrutura do real, “criam-na, ou pelo menos a

complementam, fazendo que entre as coisas apareçam nexos antes não vistos,

não suspeitados” (REBOUL, 2004, p. 181). Eles lidam com argumentações

fundamentadas pelo recurso ao particular (o argumento pelo exemplo, por

ilustração, por modelo ou antimodelo) ou por raciocínios por analogia.

(i) Argumento pelo exemplo

O argumento pelo exemplo “implica certo desacordo acerca da regra

particular que o exemplo é chamado a fundamentar, mas essa argumentação

supõe um acordo prévio sobre a própria possibilidade de uma generalização a

partir de casos particulares” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 399). Assim, esse

tipo de argumento apresenta um caso particular e vai do fato à regra, ou seja, faz

referência a um caso, um evento ou um acontecimento para se chegar a uma

proposição maior, a uma conclusão, tendo como finalidade a adesão do auditório à

tese que está sendo defendida.

O argumento pelo exemplo pode ser apresentado de várias maneiras, mas,

de acordo com esses autores, independentemente da maneira como ele for

apresentado, em qualquer área do conhecimento em que se desenvolva a

argumentação, o exemplo invocado deverá, para ser compreendido como tal,

apresentar estatuto de fato, pelo menos provisoriamente. Isso porque se o

argumento pelo exemplo se fundar apenas em um pressuposto ou em uma

suposição, a validade do exemplo poderá perder sua credibilidade ou ser abalada,

de modo que o argumento poderá ser recusado. Entretanto, na argumentação pelo

exemplo, o argumento escolhido não pode, de forma alguma, ser contestado, uma

vez que é esse exemplo que vai servir de fundamentação à conclusão (SOUZA,

2003).

(ii) Argumento pela ilustração

O argumento da ilustração pode ser confundido com o argumento pelo

exemplo, mas ambos se diferem “em razão do estatuto da regra que uma e outro

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........53

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

servem para apoiar” (PERELMAN &TYTECA, 1996, p. 407). A argumentação pela

ilustração utiliza fatos ou eventos particulares para esclarecer o enunciado geral,

buscando reforçar a adesão a uma regra reconhecida e aceita, diferentemente do

argumento pelo exemplo, que fundamenta a regra. Além disso, enquanto o

argumento pelo exemplo, em hipótese alguma, poderá ser refutado, a ilustração

pode ser duvidosa, mesmo que deva impressionar a imaginação para impor-se à

atenção. Isso porque o argumento de ilustração pode ser baseado em algo fictício,

em uma suposição, já que não tem a função de provar a veracidade de uma regra

nem de convencer o auditório a aderir a determinadas teses, mas invocar ou

aumentar a adesão.

E como a ilustração visa a aumentar a “presença na consciência”, isto é,

aumentar a adesão do auditório à tese, concretizando uma regra abstrata por meio

de um caso particular, é bastante comum a tendência de se ver nela uma

imagem, “a vivid picture of an abstract matter6” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p.

410). Conforme Ferreira (2010), a ideia consiste em enriquecer o que resultou dum

processo de generalização com a exposição de fotos, filmes, gravações, quadros,

dentre outros elementos, que não só esclarecem a regra, mas também

demonstram a sua aplicabilidade. Além disso, muitas vezes, a ilustração é definida

pela repercussão afetiva que pode ter e o seu objetivo é facilitar a compreensão da

regra.

(iii) Argumento pelo modelo e pelo antimodelo

A argumentação pelo modelo é uma variação do argumento pelo exemplo.

Entretanto, nesse último tipo de argumento, um comportamento particular, em vez

de servir de exemplo ou ilustração, como nos tipos de argumentos apresentados

anteriormente, pode ser apresentado como um modelo a ser imitado. Entretanto,

não é qualquer comportamento, fato, ação, evento, acontecimento ou pessoa que

são dignos de serem imitados. Na verdade, de acordo com Perelman (1996, p.

123), “só se imitam aqueles que se admira, que têm autoridade, prestígio social,

devidos à sua competência, às suas funções ou ao extracto social a que

pertencem”. Assim sendo, para que alguém ou algo possa ser considerado como

6 Uma imagem vivida de um assunto abstrato (Tradução nossa).

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........54

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

modelo precisa exercer certa admiração sobre o orador, apresentando condutas ou

comportamento que inspirem prestígio social, de modo que “se alguém serviu de

modelo é porque possui, portanto, certo prestígio, cuja prova pode ser fornecida

por esse próprio fato” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 414).

De modo inverso funciona o antimodelo, que ao ser apresentado como

referência não sugere condutas que serão aprovadas pelo auditório, mas indica

algo que deve ser evitado justamente porque foge dos parâmetros geralmente

aceitos por esse auditório. “Se a referência a um modelo possibilita promover

certas condutas, a referência a um contraste, a um antimodelo permite afastar-se

delas” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 417). Um exemplo comum de antimodelo,

segundo Abreu (2006), é o do pai alcoólatra. Dificilmente um pai alcoólatra terá

filhos alcoólatras, pois o horror ao antimodelo é tamanho que os filhos, na maioria

das vezes, acabam se tornando totalmente abstinentes.

(iv) Argumento por analogia

A analogia corresponde à semelhança entre dois pares de termos, que são

semelhantes, mesmo que pertençam a áreas distintas. Um desses pares, o mais

conhecido, é denominado de foro, que serve de apoio para o raciocínio que será

estabelecido. O outro, menos conhecido, é denominado de tema e conduz à

conclusão (FERREIRA, 2010). Para Souza (2003, p. 79), “o argumento por

analogia busca, na verdade, esclarecer o tema (o que se quer provar, o mais

abstrato) pelo foro (algo concreto, sensível); é uma busca pela verdade, pela prova

dos fatos, a partir de uma semelhança de relações”.

Uma das principais formas de argumentar por analogia é utilizando a

metáfora, que funciona como uma analogia através da qual podemos expressar

elementos do tema e do foro como omissão de outros elementos (SOUZA, 2003).

Para Perelman e Tyteca (1996, p. 453), tradicionalmente, a metáfora consiste em

“transportar-se, por assim dizer, a significação própria de um nome para outra

significação, que só lhe convém em virtude de uma comparação que existe na

mente”. Na perspectiva da Nova Retórica, a metáfora deve ser concebida como

uma analogia condensada, resultante da fusão de um elemento do foro com um

dos elementos do tema. Portanto, segundo Souza (2003), é por corresponder a

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........55

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

uma transferência parcial de sentido e a uma analogia, relacionando aspectos do

tema ao foro, que a metáfora funciona como um argumento que fundamenta a

estrutura do real.

1.7.4 Argumento por dissociação de noções

Diferentemente das técnicas argumentativas apresentadas anteriormente,

que propunham associação de noções ou de elementos aparentemente

independentes, os argumentos por dissociação de noções são aqueles que tentam,

de algum modo, resolver uma incompatibilidade do discurso para restabelecer uma

visão coerente da realidade. Esse tipo de argumento consiste, pois, em afirmar que

determinados elementos indevidamente associados deveriam permanecer

separados e independentes (PERELMAN & TYTECA, 1996). Portanto, o foco

dessa técnica argumentativa é justamente a incompatibilidade que há entre esses

elementos, pois é na dissociação que novas noções surgem, adquirindo

consistência quando adotadas adequadamente pelas pessoas.

O caso mais prototípico de toda dissociação nocional, conforme Perelman e

Tyteca (1996), corresponde ao par aparência-realidade, por causa de seu uso

generalizado e de sua primordial importância filosófica. Para esses autores, a

dissociação entre essas noções faz com que onde exista uma única realidade

sejam vistas duas: uma verdadeira e outra aparente, pois nem sempre a realidade

aparente constitui a verdade. A título de ilustração, esses autores apresentam o

exemplo do bastão, que, parcialmente mergulhado na água, parece curvo quando

o olhamos e reto quando o tocamos, mas, na realidade, ele não pode ser curvo e

reto simultaneamente. Portanto, a impossibilidade do bastão ser as duas coisas

permite afirmar que aparência e realidade são incompatíveis. Além do par

aparência-realidade, muitos outros pares são construídos a partir da dissociação

de noções, tais como meio-fim, ato-pessoa, ocasião-causa, relativo-absoluto,

subjetivo-objetivo, multiplicidade-unidade, normal-norma, individual-universal,

particular-geral, teoria-prática, linguagem-pensamento, letra-espírito, dentre outros.

As técnicas aqui apresentadas funcionam como elementos formuladores de

teses presentes em quaisquer tipos de discursos. São estratégias discursivas

condizentes com os objetivos do orador e utilizadas por ele para conseguir que

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........56

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

seus possíveis interlocutores apoiem suas teses. Entretanto, essas técnicas não

são totalmente infalíveis ou irrefutáveis, porque qualquer argumento pode, de

algum modo, ter sua validade colocada em dúvida, sendo, portanto, refutado por

outro argumento.

CAPÍTULO II – O TRABALHO COM A ARGUMENTAÇÃO EM SALA DE

AULA

Neste segundo capítulo da presente dissertação, enfocaremos o trabalho

com a argumentação em sala de aula, destacando algumas questões relativas aos

contextos de produção de práticas argumentativas – sejam as mais ou as menos

institucionalizadas. Discutiremos, também, sobre em que níveis de escolarização

da criança o professor ou a escola de modo geral deve iniciar um trabalho

sistemático com a argumentação em sala de aula, bem como sobre as principais

situações de ensino-aprendizagem que favorecem ou possibilitam esse trabalho.

Por fim, recorrendo à perspectiva sócio-interacionista de linguagem de Mikhail

Bakhtin, já destacada no capítulo anterior, apresentaremos um enfoque discursivo-

enunciativo para o trabalho com a argumentação e, posteriormente, uma discussão

sobre as concepções de alfabetização que norteiam a nossa investigação.

2.1 Argumentação em sala de aula

A argumentação é uma prática discursiva recorrente nas mais diversas

esferas da vida cotidiana, pois é constitutiva da própria linguagem. Argumentamos

em situações corriqueiras do cotidiano – quando fazemos compra, defendemos um

ponto de vista relativo a uma questão em discussão, entre outras – e também em

contextos mais institucionalizados – quando defendemos uma posição referente a

uma questão jurídica, educacional, política. Assim, como propõe Leitão (2011),

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........57

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

argumentamos em situações públicas nas quais necessitamos defender ideias

diante de interlocutores que não partilham conosco dos mesmos pontos de vista.

Além disso, considerando a interioridade da linguagem, também recorremos à

argumentação em contextos mais privados, quando “argumentamos conosco

mesmos”, engajados em um tipo de diálogo interior, que permite explorar os

aspectos positivos e negativos de questões controversas que se nos apresentam.

Nesta perspectiva, ainda de acordo com Leitão (2011, p. 14), a

argumentação é não somente uma prática discursiva da qual os indivíduos

eventualmente participam, mas, sobretudo, “uma forma básica de pensamento que

permeia a vida cotidiana – quer este pensamento ocorra de forma pública e

interpessoal, quer aconteça em um plano privado e interpessoal”. Portanto,

recorremos à argumentação quando interagirmos com um auditório – social ou

universal – para conseguirmos sua adesão a uma tese que defendemos ou mesmo

quando queremos nos convencer – falando aqui em um plano mais intersubjetivo –

da validade de certos argumentos. Assim sendo, recorremos à argumentação

mesmo em nossa consciência (e isso é possível porque a nossa consciência não é

individual), quando pretendemos formular um ponto de vista ou opinião sobre

determinada questão.

Por isso, a argumentação desencadeia nos indivíduos processos cognitivo-

discursivos essenciais à construção do conhecimento e ao exercício da reflexão,

como propõe Schwarz (2009). Quando o indivíduo se envolve em atividades

argumentativas é levado a formular claramente seus pontos de vista e fundamentá-

los mediante a apresentação de argumentos (justificativas) que sejam aceitáveis

por seu auditório. Para tanto, esses argumentos são formulados em situações nas

quais pontos de vistas diferentes em relação a certo tema são colocados em

discussão, no sentido de serem contrariados ou confirmados por nossos

interlocutores. Na verdade, até mesmos em nossa consciência parece existir uma

arena, onde esses pontos de vistas são colocados em confronto, até que entremos

na defesa de um deles – influenciados por uma série de fatores.

E são esses movimentos cognitivo-discursivos, segundo afirma Leitão

(2011), de fundamentar pontos de vista ou opiniões, de considerar os contra-

argumentos levantados e de respondê-los com novos argumentos construídos a

partir de falhas destes outros que conferem à argumentação “uma dimensão

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........58

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

epistêmica”, ou seja, a argumentação passa a ser compreendida como um

mecanismo de produção-apropriação reflexiva do conhecimento, essencial em

situações de ensino-aprendizagem, sejam estas formais ou informais.

Essa constatação têm levado muitos pesquisadores da área educacional a

buscarem compreender o papel específico que a argumentação desempenha nos

processos educativos e como ela pode ser produtivamente implantada em

situações de ensino-aprendizagem. Conforme Souza (2003), as investigações

desses pesquisadores têm apontado para duas direções que, apesar de distintas,

são complementares e de igual relevância. Na primeira direção encontram-se os

estudos de Cavalcante e De Chiaro (2011), Goulart (2011), Vargas e Leitão (2011),

dentre outros, que compreendem a argumentação como uma atividade cognitivo-

discursiva que permite e possibilita uma melhor articulação de termas do currículo

escolar pertencentes a campos diferentes do conhecimento – história, ciências,

matemática, linguagem, dentre outros. Nesses termos, o interesse dessa vertente

de pesquisa está na argumentação enquanto possibilidade de aprendizagem de

conceitos e procedimentos específicos pertencentes a essas áreas do

conhecimento.

Em uma outra direção, na qual se enquadra os estudos de Castro (1992),

Leitão (2008), Cury (2011), Vieira (2011), dentre outros, a argumentação é vista

como uma atividade que demanda competências cognitivo-discursivas particulares

– de identificação, produção e avaliação dos argumentos – a serem, elas próprias,

adquiridas e desenvolvidas através de práticas educacionais específicas. Nesta

perspectiva, conforme aponta Leitão (2011), mesmo que desde cedo as crianças já

argumentem, elas precisam percorrer um longo caminho para que atinjam, com o

amadurecimento, níveis mais elevados de reflexão e crítica sobre a realidade.

Assim, nessa segunda direção de estudos sobre a argumentação, o foco está no

aprender argumentar e não no argumentar para aprender.

A constatação de que a argumentação deve estar presente em sala de aula

– seja para os alunos aprenderem a argumentar ou mesmo para argumentarem

para aprender – tem desafiado professores a planejarem ambientes ou situações

educacionais que possibilitem o desenvolvimento de competências argumentativas

essenciais para a formação dos indivíduos. Entretanto, conforme Leitão (2011), os

professores precisam compreender que o uso da argumentação em sala de aula

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........59

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

não pode ou deve ser algo improvisado, pois demanda do professor disposições e

ações específicas. É claro que determinadas situações que surgem naturalmente

no cotidiano escolar devem ser aproveitadas pelo professor para trabalhar a

argumentação, como por exemplo, na resolução de conflitos gerados entre alunos

por apresentarem pontos de vista distintos referentes a uma dada questão. O

trabalho com a argumentação precisa ser planejado e sistematizado pelo

professor.

Por isso, algumas questões devem ser consideradas. Em primeiro lugar, o

professor deve apresentar disposição para trabalhar com a argumentação em sala

de aula, pois, caso não tenha uma motivação pessoal, provavelmente, o trabalho

não será desenvolvido de forma eficiente. Além disso, o professor deve empenhar-

se no desenvolvimento de competências enquanto argumentador e estar atento às

oportunidades que podem surgir de forma espontânea ou àquelas deliberadamente

criadas de se trabalhar com a argumentação em sala de aula. Ademais, cabe ao

professor “o domínio não só dos conceitos próprios do seu campo de atuação, mas

também de raciocínios (modos de pensar-argumentar) típicos do mesmo campo”

(LEITÃO, 2011, p. 17). Por fim, é preciso considerar os níveis de aprendizagem

dos alunos com os quais se pretende trabalhar, conforme detalharemos no tópico

seguinte.

2.2 Argumentação e níveis de escolaridade

Como enfatizado na introdução desta pesquisa, a indagação sobre em qual

nível de escolaridade da criança o professor ou a escola deve iniciar um trabalho

com as práticas de argumentação apresenta-se como questão de suma

importância em nossa investigação, uma vez que observamos como crianças em

fase inicial do Ensino Fundamental mobilizam argumentos na defesa de suas

teses.

Ao observarmos algumas propostas curriculares de trabalho com textos

diversos em sala de aula, logo percebemos que a argumentação tem lugar

reservado apenas nas séries finais do Ensino Fundamental ou no Ensino Médio,

sobretudo na construção de textos dissertativo-argumentativos. As propostas que

são orientadas por esta concepção entendem que a argumentação é aprendida

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........60

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

pelos indivíduos naturalmente, por meio de uma “maturação cognitiva”, ou seja,

apenas quando alcançam determinado nível de desenvolvimento cognitivo, os

sujeitos estão aptos a utilizar a linguagem argumentativa. A seguir, apresentamos,

mesmo que de forma sintética, algumas propostas de trabalho que parecem, ao

menos em um primeiro olhar, orientar-se por esta perspectiva.

Na proposta de agrupamento de gêneros do grupo de pesquisadores da

Universidade de Genebra, por exemplo, os gêneros prototípicos da ordem do

argumentar (como o artigo de opinião, o debate) são reservados para séries mais

avançadas, especificamente a partir do quarto ano do Ensino Fundamental. Em

ciclos iniciais, como primeiro e segundo, sugere-se o trabalho com gêneros como

carta de solicitação ou reclamação. A sugestão merece ser repensada por duas

questões: i) gêneros prototípicos do argumentar não são indicados para o trabalho

com todas as séries de ensino; ii) o trabalho com carta de solicitação nas primeiras

séries do Ensino Fundamental parece ser inadequado, pelo menos considerando o

contexto brasileiro, pois, muitas vezes, os alunos ainda não possuem o domínio da

habilidade de escrita, além da produção não ter funcionalidade específica em sala

de aula, dada as especificidades do gênero.

A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), semelhante a

proposta do Grupo de Genebra, ao indicar os gêneros a serem trabalhados nos

anos iniciais do Ensino Fundamental, não prioriza gêneros argumentativos.

Ademais, só enfatiza a argumentação em gêneros orais, quando defende que um

dos objetivos da escola, nesse período de escolarização, é fazer com que os

alunos utilizem a linguagem oral com eficácia, sabendo adequá-la a intenções e

situações comunicativas que requeiram conversa em grupo, expressar sentimentos

e opiniões, defender pontos de vista e relatar acontecimentos. Assim, na visão

desse documento, o trabalho com a argumentação, nos anos iniciais do Ensino

Fundamental, parece restringir-se apenas aos gêneros orais – estes indicados

também em número restrito.

Em consequência, muitos professores dessa fase de ensino de escolas

brasileiras, influenciados por essas propostas de trabalho, acabam priorizando o

ensino de outras competências comunicativas – narração e descrição,

principalmente – em sala de aula, deixando a argumentação em um plano

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........61

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

secundário, conforme comprovou Leitão (2000) em pesquisa sobre a construção

discursiva da argumentação em sala de aula.

Essa pesquisadora defende que o trabalho com a argumentação em níveis

diversos de escolaridade deve ser regulado pelas possibilidades de argumentação

que o professor reconhece existir na criança e pelos níveis de desenvolvimento

dessas mesmas possibilidades a que se pretende conduzi-la. Partindo dessa ideia

e da afirmação empírica que realizamos na introdução dessa dissertação (de que

quando a criança começa a utilizar a linguagem escrita recorre, em seus textos, a

diversos tipos de argumentos para defenderem suas teses), acreditamos que é

possível trabalhar com a argumentação em sala de aula em quase todos os níveis

de escolaridade, considerando as especificidades das crianças que constituem

cada sala. Neste sentido, o desenvolvimento da argumentação não é

consequência apenas da maturação cognitiva dos indivíduos, mas, como propõe a

autora citada no parágrafo anterior, uma implicação de aprendizagens

desenvolvidas a partir de interações sociais.

São muitas as pesquisas realizadas no Brasil, algumas recentemente, que

parecem defender pontos de vista semelhantes ao nosso. O estudo de Faria

(2004) sobre a argumentação de crianças em diálogos orais travados com os seus

interlocutores mostrou que a criança argumenta seja em favor de um brinquedo,

em discussões sobre uma história contada em sala de aula ou mesmo de dilemas

reais ou fictícios vividos em certo momento da aula. Semelhante a este trabalho, a

investigação de Basílio (2008) demonstrou que crianças de três a seis anos

argumentam de diversas formas quando, trabalhando em grupos, precisam realizar

acordos sobre a escolha de itens a serem utilizados em um dado empreendimento.

Por fim, o trabalho de Almeida (2009) ressaltou o papel do professor enquanto

engajador de práticas argumentativas em crianças de quatro a cinco anos de idade

quando interrompe uma história contada em sala de aula e solicita que as crianças

construam diversas continuações possíveis para a história.

Entretanto, esses estudos enfatizam apenas a possibilidade e necessidade

de se trabalhar com a argumentação em textos orais nos anos iniciais do Ensino

Fundamental. As pesquisas referentes ao trabalho com textos escritos, dentre os

quais se enquadra o trabalho de Leal (2004), Riolfi e Costa (2010), dentre poucos

outros que investigam questões de argumentação em textos escritos, priorizam as

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........62

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

produções de sujeitos concluintes do Ensino Fundamental. Reconhecemos apenas

a pesquisa de doutorado de Souza (2003), que trabalha com crianças em fase

inicial do Ensino Fundamental, focalizando textos de opinião. Apesar de assumir

que sua investigação sustenta-se em uma perspectiva de argumentação como

atividade de linguagem discursiva e enunciativa, a autora prioriza a análise de

aspectos linguístico-textuais nas produções dos alunos. Nesse sentido, nossa

pesquisa difere da investigação de Souza (2003) porque não nos interessa os

elementos ou mecanismos de textualização dos textos analisados, mas a análise

do processo argumentativo (técnicas, lugares, auditório e teses) e os efeitos de

sentido produzidos pelos argumentos mobilizados pelos alunos em suas produções

textuais escritas.

2.3 Um enfoque enunciativo-discursivo para a argumentação

Temos assumido neste trabalho que a linguagem é constitutivamente

argumentativa, porque as práticas de linguagem se constituem nas relações

sociais, na troca entre os sujeitos, enfim, no diálogo com o outro. Essa afirmação

ganha força quando consideramos os estudos de Bakhtin (2003) sobre a natureza

dialógica da linguagem. Ora, se a linguagem é essencialmente dialógica, porque é

orientada para o outro, a argumentação deve ser compreendida como um

fenômeno inerente ao princípio dialógico, uma vez que todo discurso é produzido

na direção e orientação do outro, no movimento de uma interminável cadeia de

enunciações. Quando enunciamos, não apenas nos comunicamos, mas agimos

sobre o outro porque argumentamos na defesa de um ponto de vista.

Conforme sugere Bakhtin (1998, p. 146), “nossa transformação ideológica é

justamente um conflito tenso no nosso interior pela supremacia dos diferentes

pontos de vistas verbais e ideológicos, aproximações, tendências e avaliações”.

Nesses termos, nossos discursos, os enunciados que pronunciamos disputam

sentidos produzidos nas relações com o outro e se transformam motivados pelos

valores axiológicos das palavras dos participantes das situações sociais de

comunicação, aqueles com quem dialogamos. Essa disputa não corresponde a

uma discussão entre sujeitos situados, como ocorre, por exemplo, em um debate

regrado de políticos, mas ela é puramente ideológica e diz respeito à luta travada

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........63

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

entre os sentidos em uma arena de valores, que parece está situada em nossa

consciência individual, tal como sugere o próprio Bakhtin (1998, p. 147):

Esse processo de luta com a palavra de outrem e sua influência é imensa na história da formação da consciência individual. Uma palavra, uma voz que é nossa, mas nascida de outrem, ou dialogicamente estimulada por ele, mais cedo ou mais tarde começará a se livrar da palavra do outro. Este processo se complica com o fato de que diversas vozes alheias lutam pela sua influência sobre a consciência do indivíduo (da mesma forma que lutam na realidade social do ambiente).

O autor observa que o processo de apreensão do discurso de outrem tem

influência direta na formação de nossa consciência individual, pois nossos pontos

de vista, nossos sentidos, nossas compreensões sobre o mundo, sobre a realidade

são construídos com base e a partir das ideologias do outro, que nos estimula a

pensar e a compreender as coisas de certa forma. Nossa consciência só adquire

independência – sempre relativa – em relação à palavra do outro quando atingimos

certa maturidade, variável de indivíduo para indivíduo, de modo a construirmos

uma compreensão, um sentido nosso sobre a realidade. Mesmo sendo entendido

como nosso, esse sentido sempre será influenciado pelos dizeres de outro, porque

ele se constituiu na disputa entre diversas vozes alheias. Entretanto, o sentido se

torna nosso porque passamos a compreendê-lo enquanto tal, pois construímos

com ele, inconscientemente, uma relação de pertencimento, de modo que

argumentamos de variadas formas em sua defesa.

É preciso compreender que essa luta que se estabelece entre os sentidos,

ou melhor, as relações dialógicas estabelecidas entre os enunciados produzidos

por sujeitos socialmente situados não devem ser interpretadas apenas como

procedimentos de refutação, controvérsias, discordância, tal qual sugere o termo

luta, mas também como um procedimento de concordância. Assim, nos casos em

que discordamos de certo ponto de vista ou de uma dada tese defendida por

outrem, e argumentamos na tentativa de refutá-la, trata-se, evidentemente, de uma

relação dialógica entre discursos. Mas nos casos em que concordamos com essa

tese, e argumentamos para sustentá-la, também ocorre uma luta entre os sentidos

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........64

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

na arena dos discursos, porque a concordância diz respeito a “uma tensão inerente

a qualquer enunciado, que se caracteriza pela dialética interna aos signos”

(BAKHTIN, 1992, p. 354). É por isso que se propõe a linguagem como

constitutivamente dialógica e a argumentação como princípio constitutivo do

dialogismo.

Essa afirmação ganha sustentação nos estudos de Goulart (2011), quando

sugere que a argumentatividade da linguagem é inerente ao princípio dialógico,

porque todo enunciado é produzido intencionalmente na direção do outro. Na

perspectiva defendida pela autora, se os discursos não apenas compreendem ou

respondem enunciados, mas são direcionados para o outro, se eles são povoados

de intenções outras, se são produzidos para convencer ou persuadir o outro acerca

da veracidade ou não de certa informação, eles são constitutivamente

argumentativos. Isso porque, “ao escolher a palavra, partimos das intenções que

presidem ao todo do nosso enunciado” (BAKHTIN, 1992, p.310), ou seja, quando

enunciamos não temos apenas a pretensão ou intento de nos comunicarmos com

o outro, mas de afetá-lo, de alguma forma, com o nosso discurso. Na verdade,

como sugere o próprio Bakhtin (1992), todos os enunciados estão fundidos com

julgamentos de valor social, com uma entonação, com um tom apreciativo. E é a

comunhão desses julgamentos de valor presumidos por sociedades, grupos

sociais, dentre outros, que constitui o contexto no qual a enunciação viva desenha

o contorno da entonação.

Acreditamos que todos esses aspectos elencados neste tópico são

fundamentais para o trabalho do professor com a argumentação em sala de aula,

nos mais variados níveis de ensino-aprendizagem. É preciso compreender que a

argumentação não constitui simplesmente um conteúdo da grade curricular das

escolas e, portanto, deve ser enfocada apenas em determinado período do ano

letivo. Muito além disso, a argumentação, como temos defendido, é inerente ao

discurso, porque este é constitutivamente dialógico. Portanto, a argumentatividade

deve ser compreendida como elemento presente nas mais variadas práticas

discursivas, inclusive, naquelas que constitui a dinâmica de sala de aula. Por isso,

a argumentação não deve ser enfocada apenas em certo momento específico do

currículo, mas o professor precisa construir cotidianamente situações que

promovam ou facilitem o trabalho com a argumentação e, principalmente,

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........65

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

aproveitar as situações que surgem espontaneamente em sala de aula para

desenvolver um trabalho sistemático com o argumentar. Trataremos desta questão

no tópico seguinte.

2.4 Situações de trabalho com a argumentação

A diversidade de situações cotidianas que envolvem a argumentação

permite-nos concebê-la como uma habilidade fundamental, o que indica a

necessidade de que ela seja apresentada e, consequentemente, ensinada na sala

de aula e aprendida pelos alunos com alto grau de eficácia desde os primeiros

anos de escolarização.

Pensar no trabalho com a argumentação em sala de aula implica uma

reflexão sobre as situações ou contextos de ensino-aprendizagem favoráveis ao

desenvolvimento de habilidades argumentativas dos alunos em práticas

discursivas. A sala de aula pode e deve constituir-se como um espaço para o

desenvolvimento da argumentação. A princípio, e de modo bastante genérico,

podemos distinguir dois tipos específicos de situações de sala de aula em que a

argumentação poderia ser trabalhada: as planejadas e as espontâneas. Conforme

Leitão (2011), no primeiro caso, as situações planejadas, como o próprio nome

sugere, o surgimento da argumentação depende da criação deliberada de

situações de reflexão sobre tópicos curriculares, a partir do planejamento de

atividades cuja execução exija dos alunos engajamento em argumentação. Elas

exigem do professor, além da intencionalidade de trabalhar com o tema,

disponibilidade para idealizar a proposta de trabalho. Por meio de formas as mais

diversas, ele precisa apresentar uma questão aos alunos, e promover ou

possibilitar que estes argumentem na defesa de um ponto de vista, que já pode ter

sido constituído, a partir da interação com outros sujeitos com os quais os alunos

dialogam, ou mesmo no momento de sala de aula, com base nas ponderações do

professor.

Este tipo de atividade é passível de um controle, mesmo que relativamente

estável, sob as práticas argumentativas produzidas pelos sujeitos que interagem,

porque o professor atua como mediador das discussões que se instauram em sala

de aula. Assim, quando se alteram os ânimos, por exemplo, ou mesmo quando, no

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........66

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

caso de crianças, um aluno insiste em não aceitar que o outro pense de forma

distinta, recorrendo, algumas vezes, a atitudes extremas, como agredir o colega ou

mesmo tornar-se omisso em relação à atividade, o professor pode mediar o

conflito, sugerindo possibilidades mais harmônicas de convivência e diálogo. Essas

possibilidades, inclusive, já devem ser pensadas pelo professor no próprio

planejamento das situações argumentativas, porque já conhecendo seus alunos,

ele pode prevê, hipoteticamente, é claro, se dado aluno apresentará um

comportamento estranho em relação à opinião dos colegas.

Conforme Ribeiro (2003), para que a argumentação seja efetivamente

ensinada em contexto planejado, é fundamental que o trabalho do professor seja

apresentado com certas características. Uma delas está relacionada à

necessidade do professor ser capaz de propor, no mínimo, dois conjuntos de

objetivos de ensino: o primeiro deve estar mais diretamente relacionado ao que

delimita a disciplina que leciona e o outro relacionado à argumentação

propriamente dita. Assim, numa disciplina como história, por exemplo, caberia ao

professor propor objetivos de ensino que fossem específicos dessa disciplina

(avaliar fatos históricos, relacioná-los com a época e o contexto geográfico em que

aconteceram, dentre outros aspectos) e objetivos de ensino específicos da

argumentação (identificar teses, avaliar premissas que sustentam a tese,

apresentar conclusões, dentre outros). Para a autora, essas exigências são

necessárias para que o professor mantenha-se atento tanto aos comportamentos

de seus alunos em relação aos objetivos de ensino que definem a disciplina,

quanto aos comportamentos relacionados ao argumentar.

Nas situações espontâneas, diferentemente daquelas primeiras, o

surgimento da argumentação decorre do imprevisto da sala de aula, ou seja, são

geradas a partir de oportunidades não criadas deliberadamente para o trabalho

com a argumentação. De acordo com Leitão (2011), particularmente interessante é

considerar situações dessa ordem em sala de aula, nas quais são especialmente

relevantes a prontidão e a habilidade do professor para identificar oportunidades de

argumentação e efetivamente sustentá-las. Para tanto, ele precisa compreender

que não é necessário a existência, no currículo escolar, de uma disciplina

específica para o ensino da argumentação, como a Lógica ou a Retórica, por

exemplo, como se a argumentação fosse um assunto ou um tema específico

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........67

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

daquele componente curricular. Na verdade, um determinado assunto ou tema,

qualquer que seja, pode servir como objeto a ser avaliado por meio da

argumentação, nas mais diversas situações cotidianas de sala de aula.

Por isso, o professor deve ter o cuidado de não frustrar o aluno ou de

desperdiçar as oportunidades que surgem em sala de aula, mas de implementar

ações discursivas que expandam a argumentação espontaneamente surgida.

Assim, nos casos em que surgem conflitos espontâneos em sala de aula, em vez

de encerrá-los recorrendo à autoridade que lhe confere a posição que ocupa ou

mesmo à palavra autoritária, o professor precisa instigar e promover o debate,

porque é na interação, no diálogo, na defesa de seus pontos de vista que os

alunos construirão sentidos e formularão opiniões sobre as mais diversas

questões. Assim, pois, até mesmo as situações cotidianas, não previstas nem

planejadas, devem ser aproveitadas pelo professor para trabalhar a argumentação

em sala de aula.

2.5 Argumentação e alfabetização: algumas concepções

Como esta investigação se propõe a analisar os argumentos construídos,

em textos escritos, por crianças em fase de alfabetização, é substancial

apresentarmos a concepção de alfabetização que norteia este trabalho. De um

modo bastante geral, a alfabetização tem sido compreendida como o aprendizado

mecânico do alfabeto e de sua utilização como código de comunicação. Entretanto,

essa definição é demasiadamente restritiva, porque limita o processo de

alfabetização à aquisição de habilidades mecânicas – codificação e decodificação

– do ato de ler e escrever e compreende o aluno, como um sujeito passivo no

processo de ensino-aprendizagem, porque ele apenas absolve as regras

linguísticas, fonéticas e morfológicas ditadas pelo professor em sala de aula.

Por isso, muitos autores rejeitaram tal concepção e propuseram outras mais

amplas, dentre as quais procuraremos descrever aqui algumas, mesmo que

sucintamente, principalmente aquelas que tiveram, nas últimas décadas, maior

aceitação entre os educadores brasileiros. Essas concepções, na verdade, foram

difundidas na forma de métodos e metodologias que, de alguma maneira,

dispensam a complexidade do processo de alfabetização e apostam em esquemas

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........68

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

facilitadores, que parecem corroborar, como defende Belintane (2011), com a ideia

de que educar não só é um bem possível, mas também facilmente formulável.

Na área da Linguística, o método sintético de alfabetização fragmenta a

palavra ou a frase em seus constituintes menores (sílabas e letras) e valoriza a

correspondência entre a fonética e a grafia (o oral e o escrito). Conforme Souza

(2003), as implicações deste método em termos da aprendizagem da leitura e da

escrita são várias, mas destaca-se, principalmente, a importância da identificação

do som (fonema) e de sua associação às representações gráficas (grafemas), até

chegar às palavras ou às orações. Assim, primeiro o aluno identifica a forma

correta do som, para, posteriormente, decifrar e escrever o texto. No entanto, se

por um lado a percepção do som é importante para o aprendizado da escrita, por

outro, as sílabas, nesse método, são apresentadas de forma descontextualizada,

repetitiva, mecânica e fragmentada, como se a comunicação fosse realizada

apenas por meio de fragmentos sonoros e gráficos, sem se considerar o aspecto

semântico.

O método analítico ou método global de alfabetização, proposto pelo

pesquisador europeu Decroly, contrapõe-se ao método apresentado anteriormente,

porque valoriza mais o aspecto visual da palavra do que o aspecto sonoro. De

acordo com Souza (2003), nesse método, o processo de alfabetização começa

partindo do princípio de que a criança deve ter uma percepção da totalidade da

palavra, antes de chegar de se chegar à análise das sílabas e das letras.

Esses dois métodos influenciaram bastante a elaboração de diversos

materiais didáticos e a forma de condução das aulas, principalmente das cartilhas

de alfabetização usadas em muitas das escolas brasileiras, que, mesmo quando

elaboradas com recursos editorias mais sofisticados, com ilustrações e atividades

lúdicas, permanecem, na verdade, como tem demonstrado Belintane (2010), os

mesmos processos: mecanização, repetição e fragmentação da linguagem.

Nessas cartilhas, conforme pesquisa de Tfouni (1997), de modo geral, a escrita se

resume em cobrir linhas, marcar alternativas, completar e ligar nomes às gravuras,

reescrever sentenças, preencher lacunas e juntar sílabas para formar palavras. A

alfabetização, portanto, a partir desses métodos, desconsidera a funcionalidade

comunicativa da linguagem, o ponto de vista de quem aprende, bem como as

práticas sociais de produção e leitura de textos.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........69

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Outro método7 de alfabetização difundido no Brasil em larga escala

corresponde à proposta do professor pernambucano Paulo Freire, voltada,

inicialmente, à alfabetização de adultos no nordeste do país. De modo geral, o

método Paulo Freire consiste em um processo de avaliação ancorado em

princípios sociais e políticos, com o objetivo de fazer o aluno trabalhador – que não

teve oportunidade de ser alfabetizado durante a infância – perceber sua condição

social. Na perspectiva freireana, de acordo com Souza (2003), a alfabetização não

é compreendida como a aprendizagem mecânica e abstrata da leitura e da escrita,

mas como um veículo mediador que oferece possibilidades ao aluno de conhecer

sua condição social, para, posteriormente, ser alfabetizado. Assim, em Paulo

Freire, o objetivo da alfabetização é conscientizar o educando para que ele possa

ter conhecimento da realidade.

O método de alfabetização do professor pernambucano foi revolucionário

porque leva o aluno a refletir sobre a sua realidade econômico-social e, sobretudo,

desenvolver sua capacidade crítica e política. Trata-se de uma prática que vai além

dos métodos tradicionais, nos quais se predomina o ensino do código escrito. O

que interessa é o ensino da ação política e da conscientização. Entretanto,

conforme propõem Souza (2003) e Belintane (2010), bem como outros autores, no

que se refere aos conhecimentos linguísticos, o método de Paulo Freire é

semelhante aos métodos tradicionais de alfabetização, porque tem preocupação

com os aspectos fonéticos da palavra, assim como sua fragmentação em sílabas e

letras.

Além deste acima citado, outro método que influenciou – e ainda influencia –

bastante as práticas de alfabetização no Brasil foi o construtivismo de Emília

Ferreiro e Ana Teberosky (1985). Aplicando à didática da alfabetização os

princípios construtivistas de extração piagetiana, que fundamentam a teoria da

psicogênese da escrita, essas autoras procuraram descrever as operações

cognitivas que são elaboradas pelas crianças na aquisição da escrita inicial,

aspecto do desenvolvimento infantil que, até então, não era percebido. Para tanto,

as autoras sistematizam a aprendizagem das crianças em níveis ou fases, assim

por elas descritos: (i) pré-silábico, quando a criança não estabelece vínculo entre a

7 Mesmo que alguns autores não compreendam o trabalho deste autor como tal, por

questões didáticas, preferimos adotar a nomenclatura, tendo em vista que assim temos procedido com as demais propostas.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........70

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

fala e a escrita; (ii) intermediário, momento em que a criança começa a ter

consciência de que existe alguma relação entre pronúncia e escrita; (iii) silábico,

nível em que a criança já supõe que a escrita representa a fala e tenta fonetizar a

escrita, dando valor sonoro às letras; (iv) silábico-alfabético, no qual a criança já

compreende que a escrita representa o som da fala e passa a combinar vogais e

consoantes numa mesma palavra, na tentativa de combinar sons; (v) alfabético,

quando a criança compreende que a escrita tem função social.

Muitos professores, ainda hoje, fazem diagnósticos semestrais, nos quais

procuram classificar seus alunos conforme os níveis ou fases acima descritos.

Muitas vezes, o resultado é desastroso e frustrante, porque um aluno que,

considerando sua faixa etária, deveria estar no nível alfabético, ainda se encontra

no nível silábico. É como se as crianças permanecessem, por determinados

períodos, em fases estanques, que desconsideram o fato de a aprendizagem fazer

parte de um processo que vai se alterando, conforme as oportunidades que são

oferecidas em situações de leitura e produção de textos.

Por isso, esse método tem sido criticado por vários pesquisadores e

professores brasileiros e estrangeiros, que têm apresentado outras possibilidades

de se compreender o processo de alfabetização. É o caso de Leda Tfouni (1997) e

de Magda Soares (1998), que apresentam, aqui no Brasil, o conceito de letramento

como uma forma mais ampla de se compreender a alfabetização. Nas últimas

décadas, são muitos os estudos em torno dessa questão, em sua maioria,

decorrentes das necessidades que os pesquisadores envolvidos com a

alfabetização tiveram em explicar as influências da escrita no mundo social e no

sujeito.

Essas autoras – e outros – apresentam distinção entre alfabetização e

letramento, mesmo reconhecendo que, na prática, esses são processos

indissociáveis. Para elas, a alfabetização, de maneira geral, pode ser

compreendida como um conjunto de habilidades que devem ser desenvolvidas no

sujeito e que são necessárias ao domínio da leitura e da escrita. O letramento, por

sua vez, refere-se “aos aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema

escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 1997, p. 20), não se limitando ao estudo

individual de pessoas que estão sendo ou ainda não foram alfabetizadas. Com se

pode perceber, enquanto o letramento é visto como um fenômeno complexo, que

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........71

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

“[…] engloba um amplo leque de conhecimentos, habilidades, técnicas, valores,

usos sociais e funções (SOARES, 1998, p.95), a alfabetização está relacionada à

aquisição da língua escrita e envolve múltiplos processos e facetas: “[…]

consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações fonema-grafema,

habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e

reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma

gráfica da escrita” (p. 15).

Apesar da inovação do conceito de letramento e de se compreender os

processos acima citados – letramento e alfabetização – como indissociáveis e

simultâneos, a definição de alfabetização apresentada parece ser ainda

insuficiente, porque desconsidera as práticas sociais da leitura e da escrita, bem

como retira da escrita, conforme afirma Souza (2003), sua dimensão crítica e a

reduz a um conjunto de habilidades voltadas para o domínio de regras gramaticais.

Por isso, mesmo reconhecendo a importância e as contribuições que as

propostas citadas tiveram para a educação brasileira, principalmente para a

Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, não adotamos,

prontamente, nenhuma delas em nossa pesquisa. Se nos limitássemos apenas a

uma dessas concepções encontraríamos diversos problemas, porque cada uma

delas apresenta restrições em determinados aspectos. Antes, consideramos as

especificidades de cada uma delas, atentando para seus aspectos positivos – que

são muitos – para, a partir de então, apresentarmos a concepção que norteou esta

investigação.

Partimos do pressuposto de que a escrita tem dupla origem, na imagem e

na oralidade (BELINTANE, 2010), por incluir elementos que se referem tanto às

capacidades de leitura e escrita quanto à oralidade e à memória dos alunos.

Assumimos a perspectiva de que a familiaridade e o domínio da criança – seja na

Educação Infantil ou mesmo nos anos iniciais do Ensino Fundamental – sobre

certos gêneros da oralidade – em especial aqueles marcados pelo ludismo, pelo

jogo com a linguagem e pela elaboração poética, tais como contos cumulativos,

trava-línguas, acalantos, fórmulas de escolha, trovas, parlendas, adivinhas e seus

similares, além de narrativas de diversos matizes, como contos de fadas, lendas,

mitos, fábulas, causos, dentre outros – podem ser decisivos em termos de

favorecer a aprendizagem da escrita, tanto quanto ou mais do que o contato com

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........72

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

livros ou situações tipicamente pensadas como “de letramento”. Isso porque,

segundo defende Belintane (2008), todos esses gêneros lúdicos presentes na

diversidade cultural brasileira já trazem em si os elementos essenciais de uma

escrita.

Para esse autor, os textos de origem oral permitem estratégias excelentes

de alfabetização e de engajamento subjetivo no universo da leitura e da escrita. É

possível, por exemplo, classificar os trava-línguas, as fórmulas de escolha, as

adivinhas, as mnemonias de acordo com o tipo de dificuldade que o processo de

alfabetização vai enfrentar no momento. Se o professor, por exemplo, estar

interessado em trabalhar com encontros consonantais, pode brincar oralmente com

o trava-língua “troque o trinco e traga o troco”, pronunciando-o de dois jeitos: com o

encontro consonantal ou reduzida à sílaba canônica: “toque o tinco e taga o toco”

(as crianças reconhecem aí, na falta do /r/, o outro que ainda tem dificuldade de

fala e acaba percebendo o encontro consonantal). Ao fazer o percurso de

passagem para a escrita, seguindo roteiro semelhante ao dado acima, teremos um

pareamento que evidencia a forma e a função do encontro consonantal.

Portanto, acreditamos, conforme defende Belintane (2010), que na oralidade

já há os elementos fundamentais de uma escrita, ou seja, que a estética que

permite a memorização e o jogo são elementos fundamentais não apenas para que

o aluno aceite o jogo de “cola-descola” da intermitência silábica e fonemática, mas

também para que coloque em jogo uma subjetividade que se compraza em

descobrir um espaço de movimento entre textos orais e os textos escritos e, de

uma forma mais geral, entre os elementos segmentáveis e analisáveis da fala e da

escrita, sejam eles fonemas, silabas, grafemas, morfemas, frases, referências intra

e intertextuais.

É claro que outros tipos de textos (escritos, inclusive) podem e devem ser

trabalhados em sala de aula, pois também acreditamos na importância de se

trabalhar com a diversidade textual, tendo em vista a atuação futura dos alunos

nos diversos domínios discursivos da sociedade. O que insistimos em defender é a

necessidade de não se polarizar o trabalho com a alfabetização nos textos escritos

– como propuseram alguns dos métodos aqui citados – como se a escrita

sobrepusesse – social e cognitivamente – à oralidade. Na verdade,

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........73

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

compreendemos que a oralidade e a escrita não são práticas dicotômicas, mas

complementares.

CAPÍTULO III – ASPECTOS METODOLÓGICOS: A CONSTRUÇÃO DO

OBJETO DE ESTUDO DA PESQUISA

Neste capítulo, visualizamos um panorama geral do processo investigativo

que adotamos para a realização desta dissertação com base na apresentação dos

principais aspectos metodológicos da pesquisa. A metodologia, de acordo com

Andrade (2011), deve ser entendida como o conjunto detalhado e sequencial de

métodos e técnicas científicas a serem executados ao longo da pesquisa, de tal

modo que se consiga atingir os objetivos inicialmente propostos e, ao mesmo

tempo, atender aos critérios de maior rapidez, maior eficácia e mais confiabilidade

de informação. Este se apresenta, portanto, como um capítulo fundamental desta

dissertação de mestrado, uma vez que enfocamos as especificidades da

investigação, apresentando, com detalhes as etapas e os processos desenvolvidos

na realização da pesquisa. Inicialmente, apresentamos uma breve caracterização

da “Pesquisa Desafio”, com o qual esta investigação apresenta uma vinculação

direta. Posteriormente, enfocamos o tipo de pesquisa que ora apresentamos, o

método de análise empregado, a caracterização do universo de estudo, os critérios

para constituição e seleção do corpus e os principais procedimentos de coleta e

análise dos dados.

3.1 Situando a Pesquisa Desafio

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........74

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Considerando a vinculação de nossa pesquisa ao projeto “O desafio de

ensinar a leitura e escrita no contexto do Ensino Fundamental de nove anos e da

inserção do laptop na escola pública brasileira” (Doravante Pesquisa Desafio),

acreditamos ser prudente apresentarmos, mesmo que de forma breve, uma

descrição desse projeto, focalizando, principalmente, seus objetivos. Financiada

pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a

Pesquisa Desafio reúne, em um núcleo em rede, pesquisadores de três

universidades públicas de diferentes regiões do Brasil: a Universidade de São

Paulo (USP), a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e a

Universidade Federal do Pará (UFPA). Esse núcleo, de modo geral, é constituído

por professores e alunos de Programas de Pós-Graduação das referidas

universidades, alunos de graduação dos cursos de Letras e de Pedagogia e por

professores da Educação Básica (dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mais

especificamente 1º e 2º anos) de escolas públicas brasileiras.

A Pesquisa Desafio articula sua proposta em torno de uma perspectiva

interdisciplinar de alfabetização, que prioriza o trabalho com a oralidade, a leitura, a

escrita e as linguagens dos suportes eletrônicos e dos meios de comunicação

contemporâneos (internet, cinema, televisão). O foco da investigação está,

especificamente, nas dificuldades de transição da Educação Infantil para o Ensino

Fundamental (séries iniciais) e o fluxo escolar do Ensino Fundamental I para o

Ensino Fundamental II, tendo como principal preocupação a heterogeneidade de

aprendizagem e a disparidade entre a faixa etária dos alunos e o ano escolar em

que estudam, conforme se pode verificar em avaliações realizadas pela Secretaria

de Avaliação da Educação Básica (SAEB), tais como a Provinha Brasil e a Prova

Brasil. De modo mais específico, a pesquisa contempla três objetivos que

correspondem a frentes de trabalho, nas quais os grupos de cada universidade

devem atuar:

Partindo de diagnósticos mais completos que incluam a oralidade, a leitura,

a escrita e a linguagem dos recursos tecnológicos contemporâneos,

esboçar um plano de ensino (modelo) que ajuste a continuidade

programática entre Educação Infantil e Ensino Fundamental, tendo como

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........75

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

referências e objetivos, o domínio da escrita e dos sistemas notacionais

contemporâneos, incluindo, nesse contexto, o uso do suporte eletrônico e

de redes;

A partir da inserção no cotidiano de salas de aulas do ano final da

Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental I, projetar

um programa de ensino mais adequado à realidade brasileira (diversidade

e heterogeneidade) que leve em conta a possibilidade e as potencialidades

de um trabalho em equipe – ou seja, buscar um modelo de ensino que

atribua, a grupos de profissionais com formação direcionada para o ensino

de língua portuguesa (Pedagogos e licenciados em Letras),

responsabilidade ética e capacidade pedagógica pela inserção da criança

brasileira no mundo letrado contemporâneo;

Por meio do estudo dos currículos, programas, aulas de Metodologia do

Ensino de Língua Portuguesa (MELP) e Alfabetização, pretende-se estudar

a relação entre os programas de formação de professores da área e as

demandas emergentes do cotidiano escolar brasileiro, apuradas pelos

sistemas nacionais de avaliação e nas pesquisas de campo (PESQUISA

DESAFIO, 2011).

Para reunir e interpretar dados que possibilitem a concretização desses

objetivos, principalmente dos dois primeiros, a Pesquisa Desafio sugere um

monitoramento das turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental de cada uma

das escolas parceiras, quais sejam: Escola de Aplicação (EA) da Faculdade de

Educação da USP (São Paulo/SP), Escola de Aplicação (EA) da UFPA

(Belém/Pará) e Escola Municipal Professora Nila Rêgo (Pau dos Ferros/Rio

Grande do Norte). Nessas escolas, os bolsistas (da graduação e da pós-

graduação) acompanham, semanalmente, as aulas ministradas pelas professoras,

preenchem notas de campo, gravam as aulas, assessoram na organização das

salas, realizam atendimentos especiais individualizados ou em grupos com os

alunos, dentre outras variadas tarefas.

Além disso, os bolsistas de cada universidade participante desenvolvem

atividades pedagógicas nas turmas do 1° e do 2º anos, voltadas para o domínio

das habilidades mais fundamentais da aprendizagem: a oralidade, a leitura e a

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........76

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

produção escrita. Dentre as principais práticas desenvolvidas pelos bolsistas,

podemos citar a contação de histórias (principalmente daquelas pertencentes à

tradição oral, à literatura clássica e à literatura regional), leitura e interpretação de

textos (em especial aqueles marcados pelo ludismo, pelo jogo com a linguagem e

pela elaboração poética, tais como contos cumulativos, trava-línguas, acalantos,

fórmulas de escolha, trovas, parlendas, adivinhas e seus similares, além de

narrativas de diversos matizes, como contos de fadas, lendas, mitos, fábulas,

causos, dentre outros), produções textuais orais e escritas, atividades com

softwares educativos (o rébus, o alfabeto móvel, a palavra valise), dentre outras.

Esse conjunto de tarefas deve possibilitar aos pesquisadores a construção de um

diagnóstico detalhado das condições iniciais de oralidade e letramento de todos os

alunos, que, nesse momento, estarão vivenciando a transição entre os dois ciclos –

Educação Infantil-Ensino Fundamental.

Nesse sentido, em nossa dissertação de mestrado, quando analisamos os

textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental (mais

especificamente, no 2° ano do Ensino Fundamental), focalizando os argumentos

por elas construídos e os efeitos de sentidos produzidos em seus textos, estamos

também contribuindo diretamente com a concretização dos objetivos da Pesquisa

Desafio, principalmente com aquele primeiro que diz respeito à construção de um

diagnóstico completo das habilidades linguísticas dos alunos (oralidade, leitura e

escrita). Portanto, a relação de nossa investigação com a Pesquisa Desafio não se

dá simplesmente por estarmos institucionalmente vinculados a essa pesquisa

(enquanto bolsista), mas também, e principalmente, pela analogia que há entre os

objetivos de ambas.

3.2 Contextualização e caracterização da pesquisa

A investigação sobre a argumentação em textos escritos por crianças em

fase inicial do Ensino Fundamental, de que trata esta dissertação de mestrado, na

medida em que analisa os argumentos construídos por essas crianças e os efeitos

de sentido por eles produzidos nesses textos, se inscreve dentro de uma

perspectiva de estudos do discurso, haja vista que nossa investigação não prioriza

a análise de textos enquanto material linguístico propriamente dito, mas os

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........77

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

discursos que se materializam nos textos coletados. Além disso, a presente

pesquisa se insere no quadro macro de estudos em análise de discurso porque

toma, como referenciais teóricos, de modo genérico, a noção de dialogismo

presente no sóciointeracionismo de Bakhtin (1997; 2003) e, de forma mais

específica, os pressupostos e postos teóricos da Nova Retórica ou Teoria da

Argumentação no Discurso, proposta por Perelman e Tyteca (1996), considerando

a contribuição e atualização desses referenciais por diversos estudiosos e

pesquisadores, tais como Reboul (2004), Meyer (2007), Souza (2007; 2008),

dentre outros.

Ademais, dado o objeto de estudo desta investigação, podemos caracterizá-

la como uma pesquisa documental e de corpus. Ela é uma pesquisa documental

(ANDRADE, 2011) pelo fato de trabalharmos com material escrito de primeira mão,

aqui especificamente textos produzidos por crianças em fase inicial do Ensino

Fundamental, que ainda não se prestaram a tratamento analítico de caráter e rigor

científico. É também uma pesquisa de corpus, porque nos ocupamos em coletar e

analisar criteriosamente um conjunto de dados linguísticos (as produções dos

alunos) que constituem o objeto desta pesquisa. Em consonância com essa

definição, este estudo também se caracteriza como uma pesquisa descritiva e

interpretativa (MICHEL, 2005), uma vez que a análise perpassou, primeiramente,

pela identificação e descrição dos argumentos mobilizados pelas crianças em seus

textos escritos, para, em seguida, analisarmos e interpretarmos esses argumentos

com maior precisão possível, procurando observar a funcionalidade e os efeitos de

sentido que eles produzem nos discursos das crianças.

Sendo assim caracterizada, a investigação se orienta por uma abordagem

qualitativa, pois não empregamos instrumentos estatísticos como base do

processo de análise ou a manipulação de variáveis em estudos experimentais.

Tampouco tivemos a pretensão de numerar ou medir a recorrência de

determinados tipos de argumentos nos textos analisados. Nosso foco não recai

sobre a quantificação, mas sobre as questões particulares do universo pesquisado.

Conforme Mason (1996), a abordagem qualitativa encontra-se baseada em uma

perspectiva interpretativista, uma vez que o mundo social está sendo interpretado,

compreendido pelo pesquisador. Ao lidarmos com efeitos de sentido, com os usos

da linguagem (argumentos) em contextos reais de uso, com discursos produzidos

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........78

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

em situações específicas, enfatizamos muito mais a análise e interpretação dos

processos e suas construções do que um produto acabado, pronto, cristalizado.

Por fim, como toda investigação de caráter científico, para consecução dos

objetivos propostos, se sustenta em determinado método de análise – definido,

dentre outros aspectos, pela seleção dos objetivos, pela escolha antecipada de

uma perspectiva teórica e pela natureza do corpus – em nossa pesquisa,

adotamos o método dedutivo de análise, definido por Oliveira (2005) como um

procedimento de estudo que vai do geral para o particular, ou seja, parte de

princípios conhecidos para se chegar a certas conclusões. Assim, partimos de

categorias de análise propostas e definidas pelas correntes teóricas aqui adotadas

(técnicas argumentativas, lugares da argumentação, auditório, teses e efeitos de

sentido) para aplicá-las aos textos que constituem o nosso corpus e, assim,

analisar os argumentos mobilizados pelas crianças em seus discursos, focalizando

os efeitos de sentido produzidos.

3.3 Universo de estudo

Conhecer e definir o ambiente de pesquisa, bem como os indivíduos que

estarão envolvidos no processo de coleta dos dados é fundamental para se

estudar com eficiência determinado problema de pesquisa. Assim sendo, o

universo de estudo desta investigação é constituído por alunos em fase inicial do

Ensino Fundamental – mais especificamente do 2° ano do Ensino Fundamental

(ano letivo 2012) – da Escola Municipal Professora Nila Rêgo, localizada na cidade

de Pau dos Ferros-RN. Desde o início de 2011, essa instituição funciona como

Escola de Aplicação da Pesquisa Desafio na Universidade do Estado do Rio

Grande do Norte (UERN), no Campus Avançado “Profª. Maria Elisa de

Albuquerque Maia” (CAMEAM). Portanto, a opção por esse universo de estudo se

justifica, principalmente, em função da vinculação de nossa dissertação com a

Pesquisa Desafio, da qual somos integrantes como bolsista de mestrado. Antes de

apresentarmos uma descrição mais detalhada dos alunos da turma acima citada,

delineamos abaixo uma sucinta retrospectiva histórica da Escola Municipal

Professora Nila Rêgo, bem como uma contextualização da atual situação desta

instituição.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........79

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

3.3.1 A Escola Municipal Professora Nila Rêgo

A Escola Municipal Professora Nila Rêgo foi fundada no dia treze de

fevereiro de mil novecentos e oitenta e nove (1989), quando o então prefeito, o

senhor José Fernandes de Melo, juntamente com o senhor Luiz Eduardo Costa,

que, na época, assumia o cargo de Secretário de Educação e Cultura do Estado do

Rio Grande do Norte (RN), no uso de suas atribuições legais e em conformidade

com o Decreto 691/88 assinado pelo senhor prefeito, resolveram criar o

estabelecimento, situado à Rua Raimundo Sampaio do Rêgo, no Bairro

Princesinha do Oeste. Nesta época, a escola contava com um total de cento e

sessenta alunos, sete professores e quatro profissionais de apoio, distribuídos em

dois turnos – matutino e vespertino.

Atualmente, a escola, situada no mesmo endereço acima citado, atende,

ainda nos turnos matutino e vespertino, aproximadamente, duzentos e setenta e

quatro alunos, pertencentes aos segmentos da Educação Infantil e ao Ensino

Fundamental (níveis I e II). O corpo docente é constituído por onze professores,

sendo todos graduados em Pedagogia ou em ciências específicas (Letras,

Matemática, Geografia, Ciências, dentre outras); desse total, alguns (quatro)

possuem curso de aperfeiçoamento ou especialização. O quadro de pessoal de

apoio da escola é formado por um conjunto de dezenove profissionais, que

desempenham, conforme sua função, diversas tarefas na escola. Dentre esses,

destaca-se a atuação de duas coordenadoras pedagógicas (uma atua no turno

matutino e outra no vespertino), de coordenador de informática e de uma

psicopedagoga. Além desses profissionais, é constante a presença de estagiários

e de alunos universitários, que executam diversas atividades de extensão na

escola.

Para atender aos seus alunos, a escola conta com uma estrutura física

composta pelas seguintes dependências: cinco salas de aula, uma sala de direção,

uma sala de secretaria, uma cozinha, três banheiros, uma biblioteca, uma sala

multifuncional e um laboratório de informática. Esse último, mesmo estando

montado em uma sala de pequena extensão, contendo apenas dez computadores,

atende parcialmente a demanda dos alunos e professores. Vale salientar que,

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........80

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

nesse espaço, são desenvolvidas algumas atividades didáticas pelos bolsistas da

Pesquisa Desafio, como, por exemplo, a utilização de softwares que permitem aos

alunos utilizarem o recurso arraste e solte para fazer as associações entre imagens

e seus respectivos nomes ou mesmo para reorganizar imagens conforme a ordem

das ações contadas em uma determinada história.

A biblioteca da escola também está situada em uma sala de pequena

extensão, onde também funciona uma sala de aula, o que prejudica o

funcionamento pleno da biblioteca. Além da estrutura física insatisfatória, o acervo

bibliográfico também é insuficiente, registrando apenas, aproximadamente,

quatrocentos livros, distribuídos entre obras literárias diversas (infantis, juvenis,

clássicos), livros das disciplinas do currículo escolar, revistas, dentre outros.

Apesar disso, consideramos a biblioteca como um instrumento fundamental para a

formação de leitores críticos, competentes, que não se deixam manipular pelos

outros e, por isso, são capazes de exercer a sua cidadania de maneira digna e

consciente. E essa deve ser, conforme defende Teodoro da Silva (1998), uma das

principais prioridades de qualquer instituição de ensino.

Na Escola Municipal Professora Nila Rêgo também são desenvolvidos

alguns projetos de extensão advindos da Prefeitura Municipal de Pau dos Ferros,

Ministério da Educação (MEC) e da Universidade do Estado do Rio Grande do

Norte (UERN). Dentre os projetos financiados e executados por essas instituições,

podemos citar o Pró-Letramento, a Escola Ativa e o Alfa e Beto, programas

voltados para a formação continuada e o aperfeiçoamento profissional dos

professores e demais profissionais da escola. Para os alunos, ressaltamos o

projeto do laboratório de informática e os projetos de extensão desenvolvidos por

vários bolsistas e estagiários (principalmente de Pedagogia, Letras e Educação

Física) da UERN, que desenvolvem nessa escola atividades de extensão e ensino.

Além desses projetos, destaca-se ainda, desde o início do ano de 2011, o

desenvolvimento das atividades da Pesquisa Desafio na escola, projeto do qual

fazemos parte, já apresentado em um tópico anterior.

3.3.2 A turma do 2º ano

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........81

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Como ressaltado anteriormente, de modo específico, nosso universo de

estudo é constituído pelos alunos da turma do 2º ano (ano letivo de 2012) do

Ensino Fundamental da Escola Municipal Professora Nila Rêgo. Essa turma é

formada por um grupo de trinta alunos, pertencentes a uma faixa etária de sete a

oito anos, sendo dezoito homens e doze mulheres. Desse total, três alunos

apresentam necessidades educacionais especiais: dois possuem dificuldades para

enxergar e usam recursos didáticos como a régua e a lupa com lentes de aumento

e um possui retardamento mental, sendo necessário, portanto, de um atendimento

educacional especializado, que é realizado, principalmente, pela psicopedagoga da

escola e por bolsistas da Pesquisa Desafio na sala multifuncional e no laboratório

de informática.

Em relação à situação socioeconômica dos alunos, um diagnóstico inicial

realizado com os pais desses alunos, permitiu-nos perceber que os mesmos são

integrantes de uma classe social relativamente baixa, possuindo uma renda

mensal de, aproximadamente, dois salários mínimos, conforme demonstra o

gráfico abaixo:

Gráfico 01: Renda mensal das famílias dos alunos

Como se pode perceber no gráfico acima, a maioria (24) dos alunos do 2º

ano pertence a famílias de baixa renda, que possuem menos de dois salários

mínimos mensais para sobreviverem. Portanto, grande parte desses alunos e suas

respectivas famílias são beneficiárias de programas sociais do Governo Estadual e

do Governo Federal, principalmente do Programa Bolsa Família (PBF) – programa

de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........82

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

situação de pobreza e de extrema pobreza. Tal realidade reforça a necessidade da

escola preocupar-se em garantir a esses alunos, para além da permanência na

escola, as condições básicas de letramento suficientes para que possam

prosseguir seus estudos e desenvolver-se enquanto sujeitos críticos e reflexivos,

capazes de atuarem e de transformarem efetivamente a sociedade na qual estão

inseridos.

No que diz respeito ao desenvolvimento da aprendizagem dos alunos,

apresentamos, a seguir, uma caracterização desses sujeitos com base em um

diagnóstico realizado pelos bolsistas da Pesquisa Desafio no início (mês de março)

do corrente ano. Esse diagnóstico está estruturado, basicamente, em quatro eixos

centrais relacionados às habilidades de linguagem dos alunos: oralidade, leitura,

escrita e coordenadas subjetivas. Os diagnósticos foram realizados,

individualmente, com os alunos, de maneira que elementos externos não

pudessem interferir nos resultados a serem obtidos. Entretanto, certos itens –

principalmente alguns relacionados à leitura e à oralidade – foram preenchidos

com base na observação, por parte dos bolsistas, do desempenho e da

participação dos alunos na sala de aula. Vejamos, inicialmente, um gráfico relativo

à oralidade.

Gráfico 02: Oralidade dos alunos

Considerando que a turma do 2º ano é composta por trinta alunos, podemos

perceber, no gráfico acima, que os alunos, de forma geral, apresentam um bom

desempenho no que diz respeito à oralidade. Essa habilidade linguística é

compreendida aqui não simplesmente como uma conversa cotidiana, diálogo entre

alunos ou professor e alunos, mas como um conjunto de textos orais que os alunos

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........83

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

podem ter na memória, textos completos, oriundos, na maioria das vezes, da

tradição oral: parlendas, cantigas, contos de fada, causos, trava-línguas, advinhas.

Nos termos de Belintane (2008; 2010), a oralidade é um recurso à formulação, ao

uso de linguagem que permite formar memória textual, matrizes textuais e a

emprestar à fala uma dimensão expressiva que ela não teria se se reduzisse ao

uso prático da linguagem cotidiana.

No diagnóstico realizado, observamos que muitos dos alunos (vinte e oito)

conseguem, por exemplo, nomear corretamente várias imagens que lhes são

apresentadas – essas imagens foram bastante diversificadas: animais, frutas,

construções, transportes, personagens de desenhos animados, personagens do

folclore nacional e regional – o que revela um amplo conhecimento de mundo por

parte dos alunos. Alguns desses, além de identificarem as imagens também

reconheceram algumas características ou funções de certos objetos, como garfo

“serve para comer”, abacaxi “é uma fruta deliciosa”, panela “serve para cozinhar os

alimentos”, dentre outras.

A identificação das imagens facilita a leitura de rébus, estratégia

fundamental para acelerar o processo de aquisição de habilidades de linguagem

de alunos que ainda não conseguem descobrir as sílabas. Para Belintane (2011), o

rébus é uma estratégia que ajuda a criança a descobrir a relação quantitativa da

palavra (quantas partes ou sílabas têm uma palavra) e também qualitativa (com

que se pode expressar cada parte, no caso do rébus com uma imagem que perde

o valor de imagem e se transforma em fonograma). No diagnóstico, alguns alunos

que não dominavam a escrita mesmo após um ou dois anos de escolarização,

conseguiram ler a imagem focando apenas as primeiras sílabas, ou seja, por meio

de um rébus. A título de ilustração, vejamos o exemplo abaixo que foi utilizado nos

diagnósticos:

Imagem 01: O rébus

GAlo TOmate Fonte: Imagens retiradas do sítio: www.google.com

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........84

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Em primeiro lugar, o sujeito tem que se “descolar” da imagem do galo (sair

da “pregnância imaginária”) e ler a figura apenas como GA, cortando o LO. Logo

após, deve fazer o mesmo com a segunda imagem. O sujeito terá que aceitar os

ajustes entre os dois fragmentos para encontrar aí a palavra GATO. Na montagem

da palavra, há também uma ultrapassagem da “pregnância sonora”, pois o sujeito

tem que se descentrar da silabação e assumir o sentido. Os rébus prendem a

atenção dos alunos e desenvolvem a aprendizagem, pois permitem que eles façam

associações entre as imagens e os sons, facilitando, assim, a escrita das palavras

apresentadas em cada rébus. Além disso, atividades como estas permitem um

enredamento de níveis (sílaba, palavra, texto), de modo que o gato redescoberto,

assim como outras palavras, permite redescobrir uma parlenda escondida (as

palavras gato, mato, fogo, água, boi, trigo, galinha, ovo, padre e missa, por

exemplo, podem formar a parlenda “Cadê o toucinho daqui?”).

Ainda de acordo com o último gráfico, percebemos que muitos dos alunos

também conseguem, quando lhes é solicitado, redizer um texto completo

(parlendas, trava-línguas) ou recontar uma história que outrem lhes contou (a

professora, os pais, os bolsistas ou mesmo outro colega). Conforme Belintane

(2011), qualquer criança, ao ouvir uma história, dominar sua matriz, fazer retroação

para ajustar os sentidos, já está lendo, independentemente de ter ou não um texto

escrito diante dos olhos. Quando recontam um causo ou redizem um advinha, por

exemplo, os alunos estão desenvolvendo suas habilidades orais, pois realizam

uma série de modificações (na estrutura do texto, inserem novos elementos na

história, baseados no seu cotidiano, reinventam o enredo) ao reformularem esses

textos. Portanto, ao realizar atividades como essas os alunos conseguem se

expressar oralmente com maior destreza, facilitando, inclusive, a construção de

argumentos para defesa de suas teses. A seguir, vejamos um gráfico referente às

habilidades de leitura dos alunos:

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........85

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Gráfico 03: Habilidades de leitura

Conforme demonstra o gráfico acima, a maioria dos alunos já consegue

realizar a leitura de pequenos textos, como as parlendas, os trava-línguas, os

poemas da tradição oral ou da literatura clássica, dentre outros. Muitos desses

textos são, inicialmente, memorizados pelos alunos quando trabalhados oralmente

em sala de aula pela professora e pelos bolsistas, o que facilita a leitura do texto

escrito, pois como os alunos já os conhecem, é provável que a previsibilidade e os

sentidos antecipados ajudem no fluxo da leitura. Outros textos correspondem ao

repertório cotidiano dos alunos, textos ditos por seus pais, avós, amigos ou mesmo

aqueles textos memorizados de filmes, de vídeos ou músicas que assistem em

suas casas. Quanto mais rico o repertório de textos orais dos alunos, mais

facilidade eles terão em desenvolver suas habilidades de escrita.

Além disso, um repertório amplo de textos diversos permite aos alunos

estabelecer relações intertextuais e interdiscursivas quando na leitura de um

determinado texto. Isso fica patente no gráfico anterior, considerando que muitos

dos alunos (vinte e três) estabelecem facilmente relações com outros textos

quando escutam ou leem uma história em sala de aula. Por exemplo, quando os

alunos escutaram a história de João e Maria, logo lembraram que o primeiro

personagem também é o principal de outra história já contada pela professora,

João e o pé de feijão. A questão principal da turma era se os personagens das

duas histórias eram os mesmos, de onde surgiram outros questionamentos, tais

como: Por que Maria não está na segunda história? O que aconteceu com ela? Por

que o João voltou a ser pobre, mesmo tendo fugido da bruxa? Portanto, ao

ouvirem a segunda história, o personagem João funcionou como dispositivo

ativador da memória dos alunos, levando-os a relacionarem esse elemento com

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........86

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

outro semelhante, que conheciam de outra história. Tal fato indica que os alunos

não simplesmente decodificam os textos que leem, mas já conseguem

interpretar/compreender esses textos. Vejamos agora o gráfico seguinte:

Gráfico 04: Habilidades de escrita

O gráfico acima demonstra que, nas habilidades de escrita dos alunos,

todos (trinta) dominam os instrumentos necessários para a concretização do ato de

escrever, como o lápis, o caderno, a borracha, dentre outros. Os alunos

apresentam um cuidado especial com seus materiais, mantendo-os, quando não

utilizados, em seus lugares específicos, além de evitarem danificar (rasurar, rasgar

ou manchar) os cadernos ou atividades. É importante o cuidado adequado com o

material didático porque a atividade de escrita não é apenas uma atividade

cognitiva, mas também motora, seja traçando letras na superfície do papel ou

mesmo em um teclado do computador. Dominar os instrumentos de escrita é

passo fundamental para que as crianças iniciem suas experiências com esta

prática tão complexa (o ato de escrever), mas ao mesmo tempo instigante, que

permite não apenas a escritura de palavras ou dizeres, mas a construção de

opiniões, de pontos de vista, enfim, a (re)construção do mundo.

Muitos dos alunos (vinte e dois) da turma do 2º ano já conseguem produzir

pequenos textos coerentes, que apresentam uma sequência lógica completa, ou

seja, com início, meio e fim, pertencentes a gêneros textuais diversos. Esses

textos, na maioria das vezes, são resultados de propostas de produção de textos

planejadas pela professora e pelos bolsistas da Pesquisa Desafio, tais como o são

os textos que constituíram o nosso corpus. Uma análise dos elementos linguísticos

e estruturais das produções dos alunos revelou que esses escrevem utilizando

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........87

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

letras (maiúsculas ou minúsculas) e conseguem distingui-las de outros elementos

de escrita, como os números, rabiscos ou simples garatujas. Entretanto, alguns

dos alunos (oito deles, mas precisamente) ainda não utilizam corretamente as

convenções do sistema alfabético de escrita, não distinguindo, por exemplo, letras

de rabiscos ou de números. Por fim, vejamos o gráfico seguinte relativo às

coordenadas subjetivas dos alunos.

Gráfico 05: Coordenadas subjetivas

O gráfico acima demonstra os conhecimentos dos alunos em relação às

suas identidades e suas localizações no tempo e no espaço. Todos sabem

escrever seus nomes e reconhecê-los quando escritos em quaisquer suportes

textuais. Em outros termos, os alunos sabem que possuem identidades, que lhes

distinguem dos demais sujeitos e que lhes permitem ser conhecidos entre estes.

Eles também sabem que, por motivos diversos, alguns dos colegas não são

chamados por seus nomes próprios, mas por apelidos ou alcunhas familiares.

Entretanto, pelos dados do gráfico anterior, percebemos que alguns

elementos básicos de cidadania ainda representam um problema considerável

para algumas dessas crianças. A data de nascimento, por exemplo, ainda é uma

dificuldade para quase metade (doze) dos alunos – mesmo que o entrevistador

utilizasse outras expressões mais típicas da fala e da infância para traduzir o termo

data de nascimento: “quando é seu aniversário?”, “quando você faz aniversário?”,

as respostas eram incompletas, forneciam, em geral, somente o dia ou o mês. O

nome completo dos familiares chegava a ser uma descoberta para alguns alunos

(dezesseis deles que não sabiam os nomes completos dos pais), pois ficavam

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........88

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

surpresos ao saber que seu sobrenome coincidia com o de seu pai ou da mãe.

Outros também não souberam dizer mesmo o endereço onde moram, citando

apenas o nome do bairro, elementos espaciais (“lá em cima”, “lá embaixo”) ou

simplesmente pontos de referências (“perto da igreja”, “próximo à praça”).

Portanto, os alunos que constituem os sujeitos de nossa investigação,

mesmo pertencendo, basicamente, à mesma classe social, são bastante

heterogêneos no que diz respeito à aprendizagem de habilidades linguísticas, o

que se constitui em um desafio para a professora e para os bolsistas. Mesmo

assim, conforme demonstraremos em nossas análises, esses alunos conseguem

produzir diversos discursos que são materializados em textos (mesmo naqueles

que apresentam problemas de ordem linguística, gramatical ou mesmo semântica),

nos quais argumentam em defesa de teses também diversas.

3.3 Condições de produção dos textos

Costumeiramente, nas práticas tradicionais de alfabetização, é comum a

ocorrência de atividades de leitura para a identificação de letras, sílabas ou

palavras isoladas. As atividades de escrita, por sua vez, são limitadas aos

exercícios de prontidão, como os de coordenação motora (cobrir linhas e letras ou

simplesmente reproduzir frases ou pequenos textos curtos), de discriminação

visual e auditiva (distinção entre letras e sons), de completar lacunas e de ligar

nomes às gravuras correspondentes. De modo geral, são práticas escolares

cotidianas nas quais as crianças não leem nem produzem textos efetivamente. De

forma diferente dessas práticas, nas propostas elaboradas pelos bolsistas e

professoras da Pesquisa Desafio procurou-se vivenciar um processo de

alfabetização e letramento, no qual as crianças não simplesmente reproduzissem

textos escritos por outro, mas fossem incentivadas a produzir diversos tipos e

gêneros de textos, procurando observar sua funcionalidade nas mais diversas

esferas sociais.

No início do ano letivo de dois mil e doze, as primeiras atividades de

produção textual propostas aos alunos foram fundamentadas na escrita

espontânea. Nosso intento era que os alunos entrassem no mundo da escrita de

uma maneira mais natural, sem pressão ou coação, evitando, inclusive, avaliações

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........89

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

corretivas tais como: “apague o que escreveu porque está errado”, “ninguém

entende sua letra”, “sua letra está muito feia, incompreensível, apague”. Assim,

esperávamos que as crianças usassem a linguagem escrita de maneira

espontânea, para interagir com alguém, falar de seus sentimentos, de suas

experiências, de seus gostos, de suas opiniões e não apenas repetissem as frases

bem escritas de cartilhas de alfabetização ou mesmo dos livros didáticos.

Aquelas que ainda não sabiam escrever de forma convencional – escrita

alfabética – foram incentivadas a apresentar seus textos por meio de desenhos ou

pinturas. Esses recursos, além de atenderem aos desejos das crianças, por serem

atividades divertidas, espontâneas, desenvolvem a percepção espaço-temporal. E,

conforme postula Souza (2003), o desenvolvimento dessas habilidades espaciais e

temporais, por meio do desenho e da pintura, é importante para que a criança

perceba o espaço ocupado pela letra ou pelas frases e veja que no texto elas não

são amontoadas, dispostas de qualquer forma, mas seguem uma ordem

sequencial.

Durante as situações de produção de textos tecíamos várias discussões.

Havia um verdadeiro cruzamento de vozes que caracteriza a produção de textos

como um processo dialógico, em que os sentidos construídos pelos alunos entram

em diálogos com as vozes alheias – professor, bolsistas, alunos, autores de textos

diversos que serviam de apoio. Nesse sentido, procuramos criar situações de

produção textual em que a escrita não fosse apenas reprodução de frases ou

textos curtos, mas algo mais real, semelhante aos textos que produzimos na vida

social cotidiana, valorizando a comunicação e a interação entre os sujeitos. Isso

porque, como defende Souza (2003), a cópia ou reprodução de textos só tem

sentido na escola se for realizada para atender a uma atividade sistematizada e

planejada, ou seja, como um recurso a mais para alcançar determinado objetivo e

não para ocupar o tempo do aluno.

Além disso, nas atividades propostas, tentamos priorizar textos oriundos da

tradição oral e da literatura infantil, pois acreditamos, conforme propõe Belintane

(2011), que esses devem constituir a base do letramento da criança, porque lhes

proporcionam um encantamento com mundos distantes, mas, simultaneamente a

isto, também permite um encontro com o seu próprio mundo. Assim, trabalhamos

com textos diversos, que compreendiam contos populares, parlendas, lendas

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........90

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

regionais, trava-línguas, histórias de troncoso, clássicos literários infantis de

Charles Perrault, Irmãos Grim, as fábulas de Esopo, de La Fontaine, bem como

textos de autores brasileiros, tais como Henriqueta Lisboa, Câmara Cascudo, Silvio

Romero, Ana Maria Machado, dentre outros. Quando trabalhamos com esses

textos, procuramos oferecer condições para que as crianças escrevessem suas

próprias histórias e reconstruíssem, de acordo com as interpretações que

realizavam, os contos e histórias contadas em sala de aula.

É preciso dizer também que não limitamos nosso trabalho em classe aos

textos acima citados. Outros tipos de textos foram trabalhados com os alunos,

como o diário, o bilhete e o artigo de opinião. Esse último fundamentado,

principalmente, em temas de histórias da literatura infantil ou da tradição oral

contadas em sala de aula. Selecionamos fatos ou ações marcantes de

determinada narrativa, que incitassem a discussão e, consequentemente, a

tomada de opinião por parte dos sujeitos ouvintes, e sugerimos que as crianças

procurassem apresentar um ponto de vista a respeito, considerando o contexto

situacional da história contada. Também aproveitamos, para produção de textos de

opinião, fatos reais que aconteciam em classe ou na escola sobre os quais as

crianças tivessem condições de opinar. As situações de produção, de modo geral,

se baseavam em discussões sobre o tema, momento em que procurávamos

resgatar as experiências dos alunos, seus conhecimentos prévios, ouvir suas

opiniões, bem como ressaltar os pontos de vista positivos e negativos sobre a

questão.

3.4 Constituição do corpus

Concordamos com Bauer e Aarts (2002) quando dizem que toda

pesquisador precisa justificar em seus relatórios a seleção que é base de sua

investigação. Em outros termos, quando se pensa em fazer uma pesquisa é

preciso selecionar e esclarecer, dentro de uma coleção finita de materiais (textos,

imagens, sons, dentre outros), com que corpus se irá trabalhar. Nesse sentido,

tendo realizado as considerações acima sobre o universo de pesquisa desta

investigação, necessário se faz apresentarmos o corpus aqui analisado, bem como

os procedimentos empregados para sua constituição.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........91

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Desde o início do ano letivo de 2012, especificamente a partir do mês de

março, passamos a acompanhar a turma do 2º ano do Ensino Fundamental da

Escola Municipal Professora Nila Rêgo, assistindo à professora no planejamento

das aulas – que ocorria semanalmente – e na aplicação das atividades planejadas.

Frequentamos a escola pelo menos duas vezes por semana, até o mês de abril,

com o intento de coletar todos os textos produzidos pelos alunos em sala de aula.

Durante esse período (março-abril), cada aluno escreveu, aproximadamente, dez

textos, o que nos permitiu contabilizar um total de quase duzentos textos.

Com esse material em mãos, nos deparamos com três procedimentos

possíveis para realização de nossas análises: (i) analisar a totalidade dos textos

coletados; (ii) analisar uma amostra representativa dos textos; ou (iii) estudar

apenas alguns componentes específicos, ainda que não representativos, dos

textos. A primeira opção não nos pareceu plausível de ser realizada porque

demandaria bastante tempo (muito mais do que determinado para conclusão de

uma dissertação de mestrado), tendo em vista o grande número de textos. A

terceira opção também não daria conta de nossos objetivos, porque não nos

permitiria construir uma compreensão do todo de nosso universo de pesquisa.

Nesse sentido, considerando os objetivos desta pesquisa e o tempo determinado

para sua execução (dois anos), optamos por selecionar uma amostra

representativa dos textos, que nos permitiu uma melhor descrição possível do todo,

mesmo pesquisando apenas parte dele.

Conforme Bauer e Aarts (2002), existem dois tipos básicos de amostras:

uma probabilística, em que todas partes de um todo têm igual probabilidade de ser

selecionadas – por meio de sorteio aleatório simples, por exemplo; e uma não

probabilística, na qual as partes amostrais são selecionadas de acordo com a

conveniência do pesquisador ou os objetivos da investigação. Desse modo, tendo

em vista que esta pesquisa se propõe a analisar os argumentos mobilizados pelos

alunos em suas produções textuais escritas, atentando para os efeitos de sentidos

produzidos, optamos por selecionar os textos que constituíram o corpus por meio

de amostra não probabilística, que é definida com base em critérios indicados pelo

pesquisador.

Essa amostra foi constituída por vinte produções escritas, parte

matematicamente representativa (10%) dos quase duzentos textos coletados.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........92

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Inicialmente, separamos os textos conforme as propostas de produção textual, de

modo que o corpus fosse constituído por textos pertencentes a gêneros diferentes.

Dentre essas, selecionamos duas propostas de produção textual: na primeira, após

contar em sala a história do Patinho Feio, do escritor dinamarquês Hans Christian

Andersen, a professora sugeriu que os alunos assumissem o lugar do patinho e

produzissem um texto explicando o que sentiriam, caso vivenciassem esta

situação. Na segunda proposta, por sua vez, após contar em sala de aula a história

de João e Maria, dos irmãos Grimm, a professora sugeriu que os alunos

escrevessem um artigo de opinião explicando os motivos pelos quais os pais dos

personagens decidiram abandoná-los na floresta.

De cada uma dessas propostas, selecionamos dez textos, priorizando

aqueles que apresentavam maior teor de material linguístico propriamente dito.

Com isso não estamos querendo deixar implícita uma concepção equivocada de

que textos com pouca ou nenhuma linguagem verbal não são argumentativos.

Nesta pesquisa, partimos do pressuposto de que a argumentação permeia toda

forma de comunicação humana, em qualquer esfera de interação social,

independentemente da modalidade linguística (oral ou escrita) e da forma de

linguagem (verbal, não-verbal, mista). O critério acima descrito se justifica porque,

nesta dissertação, como já ressaltamos anteriormente, nosso interesse foi analisar

os argumentos mobilizados pelas crianças em produções textuais escritas.

Portanto, quanto mais material linguístico apresentarem os textos que constituem o

corpus, melhor atenderá aos nossos propósitos.

3.5 Procedimentos para análise dos dados

Considerando a natureza desta investigação, o universo de estudo

caracterizado em tópico anterior e os procedimentos descritos acima empregados

na constituição do nosso corpus, bem como os objetivos descritos na introdução

desta dissertação, passamos agora a descrever, detalhadamente, os principais

procedimentos utilizados para análise dos dados coletados. Em um primeiro

momento, para analisarmos os argumentos mobilizados pelos alunos em suas

produções escritas, atentando para os efeitos de sentidos produzidos por eles,

intento geral de nossa pesquisa, elaboramos, primeiramente, com base em

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........93

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

procedimentos metodológicos da investigação de Souza (2003), cinco questões

para que, aplicadas aos vinte textos que constituíram o corpus, pudéssemos

respondê-las e, depois, compararmos os resultados obtidos. As questões

elaboradas foram as seguintes:

i) De que fala o texto (a tese principal)?

ii) Quais os principais argumentos utilizados (as técnicas argumentativas

axiais e de ancoragem)?

iii) A que lugares se referem esses argumentos?

iv) Em que medida o orador interfere na produção dos textos dos alunos e

nas teses defendidas?

v) Que efeitos de sentido esse texto revelou?

Ao respondermos essas questões com base nos textos em análises,

pudemos perceber que as teses defendidas pelos alunos são variadas, mas muitas

vezes se assemelham em vários aspectos, considerando que foram produzidas em

um mesmo contexto situacional, atendendo a uma mesma proposta de produção

textual. O mesmo ocorre com o uso das técnicas argumentativas, que, mesmo

sendo diversificadas, frequentemente, se repetem em textos de alunos diferentes.

Assim, as questões acima descritas, quando respondidas, permitiram-nos construir

uma impressão mais geral sobre o corpus, bem como sobre o processo

argumentativo empregado pelos alunos na produção dos textos, aspecto

fundamental para iniciarmos nossas análises.

Com a finalidade de sistematizar as informações obtidas nas respostas às

questões anteriormente citadas, elaboramos quatro quadros demonstrativos para

posterior interpretação e análise. Para uma melhor compreensão, apresentamos as

teses defendidas pelos alunos nos dois primeiros quadros e, em seguida, nos

últimos dois quadros, apresentamos as principais técnicas argumentativas (os

argumentos axiais) mobilizadas pelos alunos no processo argumentativo dos

textos. Esse procedimento se mostra interessante porque nos permite representar

uma síntese das teses defendidas pelos alunos em seus textos e dos principais

argumentos que lhes dão sustentabilidade, tendo em vista a construção de uma

visão macro sobre o corpus pesquisado.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........94

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

N° TESES DEFENDIDAS

Texto 01 Toda criança merece ficar junto dos pais e ser feliz.

Texto 02 Quando a gente ama supera tudo

Texto 03 A madrasta queria se livrar das duas crianças (João e Maria)

Texto 04 A história de João e Maria é muito triste porque as crianças são

abandonadas

Texto 05 O pai e a madrasta de João eram muito ruins e queriam abandonar

os filhos na floresta

Texto 06 Os pais de João e Maria não tinham comida e a madrasta não

gostava dos filhos

Texto 07 Abandoar os filhos não é a melhor solução

Texto 08 Os pais de João e Maria abandonaram os filhos por não ter

condições suficientes de criá-los com conforto e educação

Texto 09 João e Maria foram abandonados pelos seus pais porque não tinham

condições de criá-los

Texto 10 João e Maria foram abandonados porque seus pais não tinham

condições de manter as crianças

Quadro 01: Teses da primeira proposta de produção textual

Como as teses apresentadas no quadro acima foram defendidas pelos

alunos em textos produzidos em um mesmo contexto situacional e correspondem

também a uma mesma proposta de produção textual, elas se assemelham em

muitos aspectos, principalmente no conteúdo temático. As teses dos últimos dois

textos (nove e dez), por exemplo, são praticamente idênticas, do ponto de vista

linguístico, porque possuem um paralelismo léxico quase total e a mesma estrutura

sintática. Entretanto, como veremos no capítulo seguinte desta dissertação, cada

tese apresenta especificidades próprias e produz efeitos de sentido também

peculiares sobre o abandono de crianças, questão central dos textos analisados, o

que justifica a análise detalhada de cada uma delas. Vejamos, no quadro a seguir,

as teses defendidas pelos alunos na segunda proposta de produção textual.

N° TESES DEFENDIDAS

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........95

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Texto 01 Se eu fosse o Patinho Feio acharia muito ruim

Texto 02 Eu me sentiria muito triste por causa de todos que me desprezaram

Texto 03 O Patinho Feio ficou muito triste

Texto 04 Se eu fosse o Patinho Feio eu sofreria muito

Texto 05 Eu ficaria muito chateado e muito triste com os meus amigos

Texto 06 Se eu fosse o Patinho Feio eu me sentiria triste porque todos iam

me olhar feio

Texto 07 Eu sentiria muita angústia e muita tristeza

Texto 08 Eu me sentiria muito magoada e muito triste por ser desprezada por

minhas amigas e por minha família

Texto 09 Eu me sentiria magoada e muito triste por ser abandonada por

minhas amigas

Texto 10 O Patinho Feio foi abandonado pelos amigos e ficou muito triste

Quadro 02: Teses da segunda proposta de produção textual

No quadro acima exposto, assim como no anterior, as teses defendidas

pelos alunos também apresentam diversas semelhanças entre si, inclusive,

algumas delas, por exemplo, praticamente se repetem, como é o caso da tese do

texto oito e da tese do texto nove. Entretanto, apesar disso, nos textos, como

veremos nas análises realizadas no capítulo seguinte desta dissertação, os alunos

mobilizam argumentos diferentes, provocando efeitos de sentido distintos – e,

algumas vezes, também semelhantes. Na verdade, nesses casos, o modo como os

alunos defendem suas teses, ou seja, como constroem a argumentação em torno

do ponto de vista defendido é que irá distinguir esses textos. A seguir, vejamos as

técnicas argumentativas axiais utilizadas pelos alunos para sustentarem e

defenderem as teses apresentadas nos quadros anteriores:

N° ARGUMENTO PRINCIPAL

Texto 01 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão.

Argumentos quase lógicos, por regra de justiça.

Texto 02 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão e ligações de coexistência.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........96

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Texto 03 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão e ligações de coexistência.

Texto 04 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão.

Argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo.

Texto 05 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão.

Argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo.

Texto 06 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão.

Argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo.

Texto 07 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão e ligações de coexistência.

Texto 08 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão.

Argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo.

Texto 09 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

coexistência.

Argumentos que fundam a estrutura do real, por ilustração.

Texto 10 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

sucessão e ligações de coexistência.

Argumentos quase lógicos, por regra de justiça.

Quadro 03: Argumentos axiais da primeira proposta de produção textual

Como se pode perceber, as técnicas argumentativas axiais mobilizadas

pelas crianças nos textos escritos na primeira proposta de produção, em sua

maioria, restringem-se aos argumentos baseados na estrutura do real(por ligações

de sucessão e ligações de coexistência) e em argumentos que fundam a estrutura

do real (pelo exemplo). Apenas no texto um e no texto dez os alunos mobilizam

argumentos quase lógicos (por regra de justiça) para sustentarem suas teses. Por

fim, vejamos o último quadro deste capítulo, no qual apresentamos as técnicas

axiais mobilizadas pelos alunos na segunda proposta de produção textual:

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........97

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

N° ARGUMENTO PRINCIPAL

Texto 01 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

coexistência.

Texto 02 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão

e ligações de coexistência.

Argumentos que fundam a estrutura do real, por ilustração.

Texto 03 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão

e ligações de coexistência.

Texto 04 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

coexistência.

Texto 05 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

coexistência.

Texto 06 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

coexistência.

Texto 07 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

coexistência.

Texto 08 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão

e ligações de coexistência.

Argumentos que fundam a estrutura do real, por ilustração.

Texto 09 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

coexistência.

Texto 10 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de

coexistência.

Argumentos quase lógicos, por regra de justiça.

Quadro 04: Argumentos axiais da segunda proposta de produção textual

As técnicas argumentativas mobilizadas pelos alunos nos textos referentes à

segunda proposta de produção, assim como nos primeiros, correspondem, em sua

maioria, aos argumentos baseados na estrutura do real (por ligações de

coexistência e por ligações de sucessão. Apenas no texto dois e no texto oito os

alunos recorrem a argumentos que fundam a estrutura do real (por ilustração) e no

texto dez a argumentos quase lógicos (por regra de justiça).

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........98

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Essas são as principais teses e as principais técnicas argumentativas

mobilizadas pelos alunos na construção de seus textos. Após definirmos e

delimitarmos cada uma delas, passamos, agora, à análise dos dados aqui

apresentados.

CAPÍTULO IV: ANÁLISE DOS DADOS: ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS

ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE INICIAL DO ENSINO

FUNDAMENTAL

Tendo realizado as discussões teóricas e metodológicas nos capítulos

anteriores, neste terceiro capítulo desta dissertação nos deteremos à análise dos

textos escritos pelos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal

Professora Nila Rêgo, Pau dos Ferros-RN. Nosso intento, como já expresso

anteriormente, de modo geral, é analisar textos escritos por crianças em fase inicial

do Ensino Fundamental (mais especificamente no 2º ano), focalizando os

argumentos por elas construídos e os efeitos de sentido produzidos nos textos. De

modo mais específico, procuramos identificar e examinar o emprego de técnicas

argumentativas utilizadas pelos alunos na produção dos textos, bem como verificar

e descrever os lugares a que se referem os argumentos empregados pelos alunos

em suas produções textuais. Além disso, considerando o pressuposto bakhtiniano

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........99

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

de que todo discurso é constitutivamente dialético e dialógico, procuramos, ainda,

observar se e em que medida o auditório (professora, pesquisadores, bolsistas,

pais, colegas, dentre outros) influencia na construção dos textos pelos alunos e

nas teses por eles defendidas.

Como os textos que constituem o corpus desta investigação correspondem

a duas propostas de produção distintas (a primeira sugeria que os alunos se

colocassem no lugar do Patinho Feio e dissessem o que sentiam ao serem

discriminados seus amigos; a segunda solicitava dos alunos uma reflexão sobre os

motivos pelos quais os pais de João e Maria lhes abandonaram na floresta),

analisaremos, em cada tópico, conforme os objetivos delimitados nesta

dissertação, dois textos (ilustrativos) referentes a cada proposta.

4.1 As técnicas argumentativas mobilizadas pelos alunos

Como visto nos quadros apresentados no terceiro capítulo desta

dissertação, nos textos analisados, os alunos recorrem a vários tipos de

argumentos ou técnicas argumentativas para defenderem suas teses, o que pode

ser compreendido como forma de intensificar o efeito da argumentação. Neste

tópico, pretendemos identificar justamente os argumentos mobilizados pelos

alunos, examinando a recorrência e regularidades, para, em seção posterior,

correlacioná-las às teses defendidas e aos efeitos de sentidos produzidos.

A seguir, apresentamos alguns exemplos dos textos que constituem o nosso

corpus para ilustrarmos os argumentos mobilizados pelos alunos.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 078

Sentiria muita angustia, muita tristeza porque ninguém ia querer brincar

comigo e eu me sentiria muito solitário

Quadro 05: Transcrição do texto 07

Mesmo sendo um texto curto, o aluno recorre a algumas técnicas

argumentativas para sustentar a tese de que, caso fosse o Patinho Feio, “sentiria

8 Os algarismos identificados nos títulos dos quadros correspondem ao número de identificação dos textos no corpus tabulado. Os textos originais escritos pelos alunos encontram-se disponíveis nos anexos desta dissertação.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........100

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

muita angústia e muita tristeza”. Para tanto, ele mobiliza argumentos baseados na

estrutura do real, por ligações de coexistência, que incluem a interação ato-pessoa

e estabelecem um vínculo entre realidades de níveis desiguais, que estão ligadas

às próprias pessoas e aos seus atos. No texto em análise, a ligação de

coexistência se dá pela relação entre o locutor (o aluno) e o seu comportamento

(sentir-se muito solitário), quando se coloca no lugar do personagem principal da

história contada. A ligação estabelecida entre ambos institui um vínculo entre uma

realidade fictícia, marcada no texto pela expressão se eu fosse – mesmo estando

elíptica no texto do aluno, conseguimos recuperá-la pelo enunciado da proposta de

produção de texto já apresentado anteriormente – e uma realidade real, que

corresponde à vida do aluno, sendo que a primeira apresenta um caráter mais

fundamental, mais explicativo do que a outra, porque é essa realidade primeira que

o aluno quer enfatizar em seu texto.

Além dessa ligação, encontramos no texto uma argumentação sustentada

em ligações de sucessão por causa-consequência. Como já afirmamos na parte

teórica desta dissertação, nessas ligações, conforme Perelman (1993), a

argumentação dirige-se à procura de causas, para a determinação de efeitos e

para a apreciação de um fato pelas suas consequências. No texto em análise, o

aluno se sentiria triste e angustiado, porque haveria de ser abandonado pelos

amigos, ficando solitário, sem ter com quem brincar. Logo, o abandono seria a

causa, o sentimento de tristeza e angústia o efeito, e a solidão a consequência. Por

serem baseadas na estrutura do real, essas relações se fundamentam em dados

ou fatos do cotidiano dos interlocutores. O aluno constrói, pois, sua argumentação

a partir das experiências de vida, de modo que algum acontecimento ou fato vivido

lhe fez pensar que agiria de tal modo caso vivenciasse uma situação semelhante a

do Patinho Feio.

Vejamos, a seguir, os argumentos mobilizados no texto abaixo:

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 10

O patinho feio foi abandonado pelos amigos. Ele ficou muito triste. Imagine se

fosse você. Não faça com os outros o que não quer que o faça com você. Nos

tem que respeitar os outros. Eles é igual a você. Ele ficou muito triste. Só

porque ele é feio você não é amigo dele. Não faça isso porque pode acontecer

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........101

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

com você e você vai ficar muito triste.

Quadro 06: Transcrição do texto 10

Em seu texto, o aluno inicia um jogo argumentativo com o interlocutor,

sugerindo-o que se coloque no lugar do Patinho Feio, com a intenção de

convencê-lo a não agir tal qual fizeram os amigos do patinho. Para isso, ele recorre

a algumas técnicas argumentativas axiais, que fundamentam sua tese e

influenciam os interlocutores a aceitarem sua tese como verdadeira. Dentre essas

técnicas, inicialmente, quando fala sobre a tristeza do patinho ao ser abandonado

por todos, o aluno mobiliza um argumento baseado na estrutura do real, por

ligação de coexistência, pois ele procura unir elementos pertencentes a um mesmo

plano fenomênico, a tristeza do Patinho Feio por causa do abandono de seus

amigos, que estão ligados às pessoas e aos seus atos. Unindo esses dois planos,

a intenção do aluno é que o auditório construa uma imagem (ethos) do Patinho

Feio enquanto um sujeito bondoso, amigo, companheiro, mas, por causa de sua

feiura, os seus colegas lhe abandonaram. Desse modo, constrói-se uma imagem

dos colegas como sujeitos que não priorizam os sentimentos alheios, nem seus

atos, mas apenas a aparência externa. Mesmo que os atos não sejam indícios

reveladores do caráter íntimo de uma pessoa, como propõem Perelman e Tyteca

(1996), o prestígio de uma pessoa está relacionado e é influenciado por seus atos

ou comportamentos, que serão julgados como corretos ou incorretos pelo auditório.

Nesse sentido, o autor do texto recorre ao argumento da pessoa e dos seus atos

para construir imagens referentes ao personagem principal da história, o Patinho

Feio, e de seus amigos – estes últimos atuam como antagonistas da narrativa.

Além dessa técnica, o aluno também recorre a argumentos que fundam a

estrutura do real, por ilustração, quando sugere que seus interlocutores se

coloquem no lugar do Patinho Feio: “Imagine se fosse você”. De acordo com

Perelman e Tyteca (1996), a argumentação pela ilustração utiliza fatos ou eventos

particulares para esclarecer o enunciado geral, buscando reforçar a adesão a uma

regra reconhecida e aceita, diferentemente do argumento pelo exemplo, que

fundamenta a regra. Apesar de não construir textualmente a ilustração, o aluno

sugere que seus interlocutores a construam a partir de uma suposição, porque o

argumento de ilustração pode ser baseado em algo fictício, em uma suposição, já

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........102

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

que não tem a função de provar a veracidade de uma regra - no caso do texto em

análise, de que não se pode abandonar o outro apenas com base em sua

aparência – mas invocar ou aumentar a adesão dos interlocutores às teses que

lhes são apresentadas. E esta parece ser a intenção do aluno, fazer com que seu

auditório se convença da validade de sua tese.

A ilustração pode ser definida pela repercussão afetiva que pode apresentar,

como ocorre no texto do aluno. Sua intenção parece ser mexer com as paixões dos

interlocutores, para que estes sintam o sofrimento do personagem da história

contada em sala de aula. Por isso, ele recorre a uma ilustração, mesmo que

fictícia, uma suposição hipotética, baseada na vida dos interlocutores, portanto, um

argumento que funda a estrutura do real. Por envolver os sentimentos do auditório,

este tipo de técnica argumentativa está intimamente relacionado ao pathos, aos

valores dos interlocutores, porque quando o locutor mobiliza os afetos parece ter

como objetivo, conforme afirma Breton (1999), condicionar o público – o auditório –

de tal forma que ele aceite sua tese sem questioná-la.

Por fim, no texto em análise, ainda podemos identificar que o aluno mobiliza

argumentos quase-lógicos por regras de justiça e de reciprocidade, porque se

fundamenta no princípio de que seres de uma mesma espécie, completamente

intercambiáveis e integrados em uma mesma categoria, devem ter direitos iguais.

Nesse tipo de argumento, a legítima causa para a justiça está na identidade, que

permite julgar como justos ou injustos os atos de alguém, apontando como injustos

certos comportamentos diferentes para situações semelhantes. Em outros termos,

quando afirma “Não faça com os outros o que não quer que o faça com você” e

“Não faça isso porque pode acontecer com você”, o aluno equivale o interlocutor

ao Patinho Feio ou mesmo a qualquer pessoa que, por causa de sua aparência, foi

abandonado pelos amigos, sugerindo que ambos têm igualdade de direitos e, por

isso, não podem ser discriminados, pois, na verdade, são iguais porque estão

integrados em uma mesma categoria – todos são seres humanos: “Eles é igual a

você”.

Além disso, o recurso a esse argumento, como já enfatizamos, permite que

os interlocutores avaliem ou julguem os atos discriminatórios como injustos, porque

infringem a regra da justiça, da identidade igualitária entre os sujeitos de uma

mesma espécie. Assim, o aluno tenta influenciar os seus interlocutores para que

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........103

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

pensem dessa forma a respeito de atos discriminatórios, porque, assim, conseguirá

a adesão destes à sua tese. A argumentação, portanto, é construída a partir de

uma relação quase-lógica baseada na simetria dos argumentos apresentados, de

modo que o processo argumentativo é construído no texto discursivamente.

Agora, vejamos dois exemplares da segunda proposta de produção dos

textos que constituem o corpus desta investigação.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 16

Os pais de João e Maria não tinha comida.

Eles não gostavam dos filhos.

Eu já vi na televisão uma mulher abandonar os filhos para ir beber. Eu acho

que ela (palavra incompreensível) Joao e Maria. Ela achava que alguém podia

dar de comer para João e Maria. Fim.

Quadro 07: Transcrição do texto 16

O aluno apresenta uma série de argumentos que parecem justificar o

abandono de João e Maria por parte dos pais. Esses argumentos não se anulam,

mas completam os seus sentidos. Ele recorre, no início do texto, a argumentos

baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência e ligações de

sucessão. Ao afirmar que os pais de João e Maria não tinham como oferecê-los

alimentação suficiente para sustentá-los, o aluno parece amenizar a culpa dos

pais, porque justifica seu ato com base num argumento fundamentado nas

necessidades de sobrevivência humana. Em seguida, o aluno recorre às ligações

de sucessão, por causa e consequência, para afirmar que João e Maria foram

abandonados porque os pais não gostavam deles. Desse modo, por não gostarem

dos filhos (causa), os pais decidiram abandoná-los (consequência). Mesmo não

estando ligados por um elemento de coesão, esses dois argumentos não podem

ser compreendidos separadamente, porque seriam opostos, contraditórios. É

preciso compreendê-los, portanto, como unidades de sentido de um todo – o texto

produzido pelo aluno – semanticamente interligadas, mas com particularidades. Na

verdade, parece interessar ao aluno apresentar as duas faces da mesma moeda,

ou seja, mostrar que se, por um lado, a falta de afeto influenciou o ato cometido

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........104

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

pelos pais, as condições financeiras das quais dispunham também constituíram

fator decisivo para que eles tomassem a decisão de abandonar os filhos.

No texto em análise, o aluno também recorre a argumentos que fundam a

estrutura do real, pelo exemplo, quando se lembra de uma reportagem de televisão

de uma mãe que abandonou os filhos porque era alcoólatra. Cenas como essas

são comuns em nosso país, por isso, casos semelhantes aparecem com

frequência na mídia televisiva. Além disso, o aluno coloca em discussão um tema

bastante polêmico no Brasil, o abandono infantil. Os pais que abandonam seus

filhos, independentemente dos motivos, além de infringirem os direitos humanos

defendidos pela constituição e por documentos como o Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), atraem a atenção da mídia porque este é um ato julgado como

injusto em nossa sociedade ocidental, onde, convencionalmente, os pais são

responsáveis pela criação dos filhos. Assim, ao recorrer ao argumento do exemplo,

o aluno influencia diretamente as paixões de seus interlocutores, porque meche

com sua cultura, seus modos de viver, de pensar, seus sentimentos.

Conforme Perelman e Tyteca (1996), buscando exemplificar para dar

fundamento a uma tese, este tipo de argumento visa a apresentar eventos ou

casos particulares com vista a uma generalização. No exemplo citado pelo aluno,

mesmo não especificando os nomes dos sujeitos envolvidos no acontecimento,

data e local onde ocorreu ou até mesmo o canal ou programa de televisão que

apresentou a reportagem, podemos compreendê-lo como um exemplo, porque se

trata de um evento único, irrepetível em sua singularidade – recorrendo aqui a

termos de Bakhtin (1993) – mesmo que se possa estendê-lo a conclusões mais

genéricas, como a de que os pais que abandonam acreditam que alguém cuidará

dos filhos, suprindo suas necessidades, tal qual sugere o aluno ao final do texto.

Por constituir um evento empírico, que funda ou cria uma realidade

irrepetível, o exemplo citado, ou melhor, o argumento apresentado pelo aluno não

pode, de forma alguma, ser contestado ou refutado. Ninguém pode discordar

porque, de fato, o exemplo não constitui apenas uma ilustração, mas corresponde

a um acontecimento real, vivenciado por certos sujeitos. Nesse sentido, a

argumentação do aluno transcende o plano do fictício, do imaginário apresentado

na narrativa contada em sala de aula, e passa a discutir importantes questões da

realidade do mundo concreto.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........105

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

No texto seguinte, o aluno produtor também discute uma questão

relativamente polêmica, mobilizando argumentos variados para defesa de sua tese.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 19

João e Maria eram de famílias pobres e seus pais não tinham o que lhe

oferecer para comer e Joao e Maria saíram em busca de algo para comer,

porque eles estava com muita fome. Na televisão acontece muito isso de criar

seus filhos e os filhos tem que buscar alimento fora porque se não eles não

tem o que comer.

Eu tenho muita pena deles.

Quadro 08: Transcrição do texto 19

Inicialmente, o aluno recorre a argumentos baseados na estrutura do real,

por ligações de sucessão de causa-consequência: porque seus pais não tinham

condições financeiras suficientes para lhes sustentar (causa), João e Maria

sentem-se obrigados a buscar comida em outros lugares (consequência). A

história, pois, é apresentada, no texto do aluno, sob uma ótica diferente da versão

contada em sala de aula. Enquanto na versão original dos Irmãos Grimm, as duas

crianças foram abandonadas pelos pais na floresta, no texto do aluno, João e

Maria decidem sair de casa em busca de comida, por causa das condições

precárias de seus pais. Essa transformação é possível porque o tipo de texto

solicitado permite que o aluno reflita sobre e recrie o enredo da narrativa a partir de

experiências adquiridas no seu cotidiano.

O aluno também mobiliza argumentos que fundam a estrutura do real, por

ilustração, quando diz que “na televisão acontece muito isso de criar seus filhos e

os filhos tem que buscar alimento fora porque se não eles não tem o que comer”.

Diferentemente do texto anterior, no qual o aluno apresenta um exemplo de um

caso específico que assistiu na televisão, neste o foco recai sobre uma ilustração

genérica, utilizada para reforçar a adesão dos interlocutores à tese defendida pelo

aluno, de que muitas crianças saem de casa em busca de alimentação por causa

das condições financeiras dos pais. A ilustração do aluno busca impressionar,

mexer com a imaginação do auditório, porque lhes permite rememorar casos

semelhantes à ilustração, até mesmo alguns vivenciados pelo próprio auditório. A

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........106

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

ilustração funciona, portanto, como um recurso de presença, porque esclarece a

tese que o aluno pretende defender.

Como pudemos perceber, os alunos recorrem a várias técnicas

argumentativas para sustentarem suas teses e conseguirem a adesão dos seus

interlocutores. Nos textos analisados, é frequente a recorrência a argumentos

baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e de coexistência,

argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo e pela ilustração e, em

alguns casos, argumentos quase-lógicos, por regras de justiça. Não encontramos,

no entanto, argumentos baseados em dissociação de noções. A argumentação dos

alunos sustenta-se, pois, em técnicas fundamentadas ou baseadas no real ou em

raciocínio relativamente lógicos.

4.2 Para quem ou com quem os alunos escrevem seus textos

Na perspectiva teórica adotada pela Nova Retórica, quando enunciamos,

estabelecemos um diálogo com os discursos alheios, com vários enunciados que

circulam na sociedade e, também, com um auditório definido, ou seja, com o outro,

com um interlocutor para quem nosso discurso é dirigido numa situação concreta

imediata. Em caso de discursos argumentativos, por visarem à adesão dos

interlocutores a determinada tese, são essencialmente relativos ao auditório que

pretendem influenciar. Por isso, pretendemos identificar, nos textos que constituem

o corpus de nossa investigação, os interlocutores dos alunos, procurando observar

se e em que medida o auditório influencia na construção desses textos pelos

alunos e nas teses por eles defendidas. Vejamos o texto a seguir:

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 02

Eu mim sentiria muito triste por causa de todo que mim desprezava pois não

gosto de se senti mal eu sou uma pessoa que todos não gostam de mim

sempre diz as coisas de mim diz que eu sou isso sem eu ser e tudo mais. Ai

eu sou muito triste com essas coisas e queria que mudasse isso tudo.

Quadro 09: Transcrição do texto 02

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........107

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

O produtor do texto em análise procura atender a proposta de produção

textual, apresentando como se sentiria, caso fosse o Patinho Feio. Na verdade, o

aluno se coloca no lugar do personagem, reencontrando sua história de vida na

narrativa contada em sala de aula: “Eu mim sentiria muito triste por causa de todo

que mim despreza”. Assim, em primeira instância, o texto dialoga diretamente com

a história do Patinho Feio, pois o aluno assume o lugar do personagem no texto

por ele escrito, de maneira que parece haver uma mescla entre o mundo fictício da

narrativa e o mundo real do aluno.

Em um âmbito mais restrito, o aluno dialoga com seus amigos ou colegas de

classe, quando afirma: “(...) eu sou uma pessoa que todos não gostam de mim

sempre diz as coisas de mim diz que eu sou isso sem eu ser e tudo mais”. O aluno

retoma acontecimentos de sua vida cotidiana para mostrar certa rejeição

proveniente de seus colegas, que, segundo ele, constroem discursos não verídicos

a seu respeito. É essa rejeição que permite ao aluno reencontrar-se na história e

assemelhar-se com o personagem do Patinho Feio: ambos são rejeitados pelos

amigos. Assim como ocorre na narrativa infantil, o aluno anseia por uma mudança

de situação: “queria que mudasse isso tudo”, uma metamorfose, tal qual ocorreu

com o Patinho Feio.

Assim, o texto acima dialoga diretamente com a história contada em sala de

aula, mas apresenta como interlocutores específicos os amigos ou colegas de

classe do aluno produtor. Nos termos de Perelman e Tyteca (1996) e de Bakhtin

(2003), respectivamente, esses interlocutores correspondem ao auditório particular

e social do aluno, porque é constituído por um grupo específico, delimitado, de

sujeitos, quais sejam, os colegas de classe do aluno. Esse auditório influencia

diretamente o produtor na construção de seu discurso, que constitui uma espécie

de reivindicação, de protesto ou mesmo de desabafo. Assim, movido por um

sentimento de revolta, resultado da rejeição de seus colegas, o aluno argumenta

na defesa de uma mudança no comportamento destes, tendo em vista a sua

aceitação e inserção no grupo.

No texto seguinte, mesmo também dialogando em sentido amplo com a

história contada em sala de aula, como é de se esperar, considerando o contexto

de produção, desta vez, o aluno apresenta um interlocutor menos delimitado,

porque dialoga com o discurso da ideologia do cotidiano sobre a beleza.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........108

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 05

Eu ficaria muito chateado e muito triste com os meus amigos, mas perdoaria,

pois nem todo mundo é igual. Mas o patinho feio (palavra incompreensível)

muito e eles mesmo estaria, pois ele descobriu que mesmo que tinha amigos

que não se importavam com isso. Descobriu que no fundo era lindo. Se eu

fosse o patinho feio não se importaria com isso, pois a beleza não importa,

pois o que importa é a felicidade.

Quadro 10: Transcrição do texto 05

Ao defender que a felicidade não está relacionada à aparência externa, o

aluno dialoga com o discurso da ideologia do cotidiano sobre a beleza. Para a ele,

a beleza parece ser um aspecto secundário, que não reflete a personalidade dos

indivíduos, nem tampouco seu caráter, mas apenas um padrão criado pela

sociedade, a partir de estereótipos diversos. Esta concepção, é claro, não foi

formulada pelo aluno nessa ocasião, mas diz respeito a um discurso construído no

cotidiano, com o intuito de desmitificar os estereótipos de beleza.

A ideologia do cotidiano, conforme aponta Bakhtin (1992), apresenta-se

como importante base para a vida na formação das pessoas, porque é permeada

por conhecimentos e valores que se organizam e fazem sentido no interior de

grupos sociais, ao longo do tempo e do espaço. Nesse sentido, no texto em

análise, a argumentação do aluno se sustenta no discurso da ideologia do

cotidiano sobre a beleza enquanto aspecto acessório na vida das pessoas. Na sala

de aula, espaço social de convivência do aluno, esse discurso foi pregado pela

professora após contar a história do Patinho Feio, quando destacou a necessidade

dos alunos não julgarem a personalidade do colega pela aparência, mas de avaliá-

la por sua índole, por suas atitudes. Desse modo, o discurso do aluno dialoga, em

primeira instância, com o discurso da professora, porque ele, inclusive retoma

frases citadas por ela, que, por sua vez, está pautada na ideologia do cotidiano.

Além disso, ao defender o princípio da subjetividade do sujeito como

elemento característico de sua individualidade, afirmando que “nem todo mundo é

igual”, o aluno, mais uma vez, dialoga com o discurso da ideologia do cotidiano,

porque sua proposição corresponde a uma afirmação genérica, aceita pela

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........109

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

sociedade na qual ele está inserido. Não há uma voz primeira que enuncia esse

discurso, de modo que este possa ser compreendido como um discurso de um

outro específico, mas corresponde a um enunciado comumente dito pelos

membros de seu grupo social, quando intentam enfatizar que as pessoas, apesar

de conviverem em um mesmo espaço, em uma mesma comunidade, se diferem

em muitos aspectos, porque possuem uma singularidade própria de sua

personalidade.

A seguir, passamos a analisar textos referentes à segunda proposta de

produção textual que constitui o nosso corpus, buscando identificar com quem os

alunos dialogam ou para quem escrevem seus textos, ou seja, observar quem são

os auditórios – particular ou universal, social ou médio – dos alunos.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 12

Porque eles eram muito danados e também davam muito trabalho.

Porque seus pais não tinham condições de criar eles.

Mas, acima de tudo, seus pais não o amavam, (palavra incompreensível)

pois quando a gente ama supera tudo.

Quadro 11: Transcrição do texto 12

Em seu texto, o aluno defende que João e Maria, personagens da história

contada em sala de aula, foram abandonados na floresta porque os pais não os

amavam. Para sustentar essa tese, ele recorre ao discurso religioso comumente

aceito em seu grupo social, afirmando que “quando a gente ama supera tudo”. O

discurso do aluno dialoga explicitamente com o texto bíblico do capítulo treze da

primeira carta de Paulo aos Coríntios, quando defende a supremacia do amor em

relação aos demais sentimentos. Especificamente no versículo sete, o apóstolo

propõe que o amor “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. A semelhança

entre os discursos se apresenta de forma tão intensa, que poderíamos dizer que o

aluno, mesmo que de forma não intencional, parafraseia o texto bíblico para

defender sua tese.

Nossa análise ganha sustentação quando observamos a estrutura

argumentativa do texto do aluno. Ele organiza os argumentos em uma ordem

hierárquica, colocando o argumento de que o amor tudo suporta, em sua ordem de

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........110

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

valores, como aquele mais importante, uma vez que é introduzido pelo elemento

conectivo “mas acima de tudo”. O termo tudo funciona como elemento anafórico

encapsulador, porque retoma os argumentos anteriormente elencados, e introduz o

último argumento como aquele mais importante na ordem estabelecida pelo aluno.

Ademais, ao retomar o discurso religioso para sustentar sua argumentação,

o aluno não apresenta um interlocutor específico em seu texto, de maneira que não

podemos delimitar os membros que constituem seu auditório imediato. Poderíamos

pensar que se trata de um auditório universal, mas o conceito da Nova Retórica é

bastante amplo para tal, pois o compreende como um conjunto de membros

adultos de uma comunidade ou até mesmo as pessoas do mundo inteiro.

Considerando o contexto de produção dos textos dos alunos, podemos pensar seu

auditório, portanto, como particular, mesmo que o texto não apresente indícios

para tal. A produção foi realizada em sala de aula, por solicitação da professora,

portanto, o auditório do aluno, em primeira instância, é constituído por ela, pelos

bolsistas que acompanharam a atividade e pelos demais colegas de classe.

Passemos a análise do segundo texto:

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 17

Muitos pais abandonam seus filhos como os de João e Maria porque diz que

não tem condições. Abandonar não é o melhor. Quando os pais abandona os

filhos não precisam dividir comida que os eles tem com os filhos. E também é

muito melhor para os filhos ter alguém para dar comida, do que ficar passando

necessidade. Os filhos precisam de amor e carinho dos pais e não só de

comida.

Quadro 12: Transcrição do texto 17

Aparentemente, podemos pensar, em uma primeira leitura, que o texto do

aluno, de um modo geral, apresenta algumas contradições. Ele defende, por

exemplo, que abandonar – entendemos que aqui o verbo é ressignificado, porque

não diz respeito apenas a casos de abandono no sentido literal da palavra, mas

também de doações espontâneas e declaradas de crianças em orfanatos, em

creches, hospitais – não é a melhor opção, mas, por outro lado, sugere ser mais

proveitoso para as crianças serem adotadas por pessoas que lhes proporcionarão

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........111

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

conforto e suprirão suas necessidades, do que serem criadas pelos pais sem

gozarem desses atributos. Entretanto, essas confusões não comprometem o

sentido do texto, porque ao final o aluno retoma sua tese, reafirmando-a,

defendendo que os filhos não precisam apenas de alimentação, mas do carinho e

amor dos pais.

O aluno introduz seu texto com uma generalização, relacionando o

abandono das crianças na história contada em sala de aula com fatos atuais do

cotidiano. Em seguida, ele nega essa afirmação, sugerindo que os pais que

abandonam os filhos alegando falta de condições financeiras não apresentam

justificativas que se sustentam. Isso porque, como ele sugere, muito além de

aspectos financeiros, as crianças precisam de atenção e carinho dos pais. Ao

realizar essa afirmação, o aluno retoma o discurso da professora, quando

enfatizou, após a contação da história, que, para os personagens, não importavam

as condições de seus pais, eles queriam apenas ser amados, por isso insistiram

tanto em voltar para casa. Percebemos, pois, que o aluno adere à tese da

professora, passando, inclusive, a defendê-la em seu texto.

Esse discurso que atribui ao sentimento um valor acima do financeiro se

sustenta em princípios religiosos, principalmente do cristianismo, que defendem a

supremacia daquilo que é espiritual sob aquilo que é material. E é nesse princípio

que está pautado o discurso da professora e, consequentemente, o discurso do

aluno, considerando a influência que o primeiro exerceu sob este último. Portanto,

no texto em análise, o diálogo é travado, principalmente, com o discurso da

professora da turma, que, por sua vez, dialoga e é influenciado por um discurso da

ideologia cristã. Assim, o auditório do aluno é constituído, imediatamente, pela

professora e pelos demais alunos da classe, pois ele argumenta na defesa de sua

tese, com intuito de conseguir a adesão dos colegas. Trata-se, pois, de um

auditório particular ou social, porque é constituído por membros específicos,

delimitados.

Na verdade, conforme pudemos constatar, na maioria dos textos analisados,

os alunos dialogam com discursos outros, enunciados por interlocutores mais

imediatos, a professora, os colegas, os bolsistas, ou por interlocutores

indeterminados, porque, nesses casos, correspondem a discursos do senso

comum, da ideologia do cotidiano. Por isso, nos textos analisados, o auditório dos

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........112

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

alunos, em sua maioria, é particular, porque os interlocutores são bem

estabelecidos, delimitados. No caso da ideologia do cotidiano, também

compreendemos enquanto auditório particular, pois, como sugerem Perelman e

Tyteca (2005), o auditório particular pode também ser construído “pelo mundo

interior e pela reflexão de cada indivíduo”. Esse mundo interior, retomando Bakhtin

(1992), é influenciado e formado a partir da interação do indivíduo com os sujeitos

em certas esferas de comunicação.

4.3 De onde as crianças extraem seus argumentos

Conforme enfatizamos na parte teórica desta dissertação, os oradores não

extraem seus argumentos de um lugar vazio, mas de lugares argumentativos,

compreendidos como premissas de ordem genérica, utilizadas pelo orador para

estabelecer acordos com o auditório e, consequentemente, assegurar a adesão a

determinados valores. Assim sendo, nesse tópico, procuramos verificar e

descrever os lugares a que se referem os argumentos empregados pelos alunos

nos textos que constituem o corpus dessa investigação. Vejamos o primeiro texto.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 01

Se eu fosse o pato feio acharia muito ruim porque eu não gostaria de não ter

amigos e não tinha com quem brincar. É muito ruim. Os pais não gostava dele

porque eu era diferente de todos.

Quadro 13: Transcrição do texto 01

No texto acima, ao afirmar sobre como se sentiria caso fosse o Patinho Feio,

o aluno argumenta do lugar da pessoa, porque coloca o ser humano no topo de

sua hierarquia de valores. O aluno não gostaria de ser o patinho porque não teria

amigos com quem brincar. Ele parece não se importar, necessariamente, com a

aparência em si, mesmo que admita a feiura do patinho como fator decisivo para

este ser abandonado por todos. O foco da argumentação do aluno está na solidão,

na falta de companhias ocasionada por causa da aparência do personagem. Além

disso, na ordem como estão dispostos os argumentos (não ter amigos e não ter

com quem brincar), percebemos que os amigos são mais importantes do que os

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........113

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

próprios brinquedos, porque o que realmente parece importar para o aluno não são

propriedades materiais, mas a companhia de pessoas que lhe queiram bem.

Além disso, ao defender que “os pais não gostava dele porque eu era

diferente de todos”, o aluno recorre ao lugar da essência, porque valoriza o Patinho

justamente por ser diferente dos demais de sua espécie, por possuir uma essência

particular que lhe distingue dos outros patos. Desse modo, a feiura do patinho não

é encarada pelo aluno como um aspecto negativo, como convencionalmente é

compreendida pelas pessoas, mas como uma marca prototípica do seu ser, que

lhe torna especial, “diferente” dos outros. A seguir, analisemos outro texto ainda

pertencente à primeira proposta de produção que constitui o corpus desta

dissertação.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 06

Se eu fosse o patinho eu me sentiria triste porque todos iam me achar feio. Eu

não teria amigos e ficaria só. É muito ruim ficar sem amigos.

Quadro 14: Transcrição do texto 06

Nesse texto, diferentemente do primeiro, o aluno produtor possui uma

grande preocupação com a aparência. Na verdade, ele se sentiria triste, caso fosse

o Patinho Feio, principalmente, porque todos iam lhe achar feio. Na ordem dos

argumentos apresentados, este é o primeiro e, possivelmente, o mais importante

argumento apresentado pelo aluno, mesmo que, em seguida, ele acrescenta

outros argumentos, como a falta de amigos e a, consequente, solidão.

Considerando, portanto, a disposição dos argumentos no texto, podemos dizer que

o aluno recorre ao lugar da ordem para organizar o seu texto, partindo de

argumentos mais importantes para aqueles que possuem menor relevância. Além

disso, dada a importância à beleza, percebemos que o aluno também recorre ao

lugar da essência para sustentar sua argumentação, pois valoriza sua aparência

(sua essência) como importante característica para manter seus amigos e,

consequentemente, não ficar só.

Vejamos, agora, os lugares argumentativos mobilizados pelos alunos nos

textos referentes à segunda proposta de produção textual.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........114

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 14

Porque não tinha nada para comer.

Porque não tinha dinheiro.

Porque tudo o que o pai fazia não dava certo.

Quadro 15: Transcrição do texto 14

O aluno estrutura seu texto a partir de três respostas para a pergunta

contida no enunciado da proposta de redação apresentada pela professora. Os

argumentos estão organizados a partir de uma hierarquia de valores: i) não tinha

nada para comer, argumento relacionado às necessidades biológicas do ser

humano; ii) não tinha dinheiro, relacionado à questões econômicas-financeiras; iii)

tudo o que o pai fazia não dava certo, relacionado aos investimentos realizados

pelo chefe da família. Para organizar estes argumentos, o aluno recorre ao lugar

da ordem e da essência, porque ele coloca em primeiro lugar, na ordem de seus

argumentos, as necessidades básicas do ser humano, ou seja, a alimentação.

Ademais, o aluno também mobiliza argumentos fundamentados no lugar do

existente, quando faz menção à falta de dinheiro dos pais de João e Maria:

“Porque não tinha dinheiro”. Ele valoriza o que existe (ou melhor, o dinheiro deveria

existir), em detrimento do que não existe (a falta de dinheiro). Nesta perspectiva,

se os pais de João e Maria possuíssem dinheiro suficiente para sustentá-los,

possivelmente, não teriam abandonado os filhos na floresta. Logo, na

argumentação do aluno, a principal razão para os pais terem abandonado os filhos

encontra-se na escassez de recursos financeiros da família. Esse raciocínio é

comprovado quando observamos o último argumento empregado pelo aluno:

“Porque tudo o que o pai fazia não dava certo”, ou seja, o pai tentava desenvolver

alguma tarefa que lhe possibilitasse algum recurso, mas os resultados não eram

agradáveis, porque eram insuficientes.

Por fim, vejamos mais um texto pertencente à segunda proposta de

produção textual, no qual observamos os lugares argumentativos de onde o aluno

extraiu argumentos para convencer seus interlocutores da validade de sua tese,

pretendendo a adesão destes à tese apresentada.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 19

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........115

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

João e Maria eram de famílias pobres e seus pais não tinham o que lhe

oferecer para comer e João e Maria saíram em busca de algo para comer,

porque eles estava com muita fome.

Quadro 16: Transcrição do texto 19

No texto em análise, o aluno escreve do lugar da essência da vida. Ele

coloca a vida no topo de sua hierarquia de valores, de maneira que viver,

dignamente (isto é, ter uma alimentação adequada, um lar, o aconchego e o

carinho dos pais, bem como um trabalho probo), parece estar acima de qualquer

outro valor. Em outros termos, para o aluno, nada está acima desse direito à

alimentação e, consequentemente, do direito de viver. E, para isso, alimentar-se

adequadamente se apresenta como uma exigência necessária (“... não tinham que

lhe oferecer para comer.”), mas que, por motivos já explicitados, não é assegurada

aos personagens da história, que se veem obrigados, na versão do aluno, a saírem

de casa em busca de alimentação em outros lugares.

Portanto, os argumentos mobilizados pelos alunos em suas produções

textuais pertencem a diversos tipos de lugares, especificamente, o lugar da

pessoa, o lugar do existente e o lugar da essência. Argumentos pertencentes a

outros lugares, como o ligar da quantidade ou da qualidade, não foram mobilizados

pelos alunos nos textos analisados. Possivelmente, isso ocorre porque a

argumentação dos alunos não se fundamenta numa estrutura lógica matemática,

baseada em proposições formais, mas está sustentada no pathos, nas emoções e

nas paixões dos alunos e de seus auditórios.

4.4 As teses defendidas pelos alunos e os efeitos de sentidos produzidos

Uma tese, de maneira bastante genérica, pode ser compreendida como a

ideia principal de um texto ou de um discurso. Entretanto, para além disso, as

teses são elementos centrais de todo processo argumentativo porque são os

motivos pelos quais o orador procura provocar ou aumentar a adesão de seus

interlocutores. Nos textos escritos pelos alunos dos anos iniciais do Ensino

Fundamental – especificamente aqueles pertencentes à turma do 2° ano da Escola

Municipal Professora Nila Rêgo, que constituem o corpus desta pesquisa – várias

teses são defendidas, conforme demonstrado nos quadros do capítulo anterior.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........116

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Nesse tópico, como já anunciado, nosso interesse é justamente analisar as teses

defendidas por esses alunos, focalizando os efeitos de sentido a elas subjacentes.

Nos textos pertencentes à primeira proposta de produção textual, as teses

defendidas pelos alunos são bastante homogêneas. Em sua maioria, afirmam a

opinião dos alunos de que ficariam muito tristes, caso fossem o Patinho Feio,

porque seriam abandonados pelos amigos e por familiares. Em uns poucos casos,

alguns alunos afirmam que ficariam tristes, caso fossem o patinho, simplesmente

porque seriam feios. A seguir, vejamos alguns exemplos das teses defendidas.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 19

Eu me sentiria muito magoada e muito triste por ser desprezada pelas minhas

amigas e familiares. Eu ficaria arrasada e pensaria até em sair de casa e nem

sabia o que ia fazer da vida porque sem eles como eu iria sobreviver no

mundo. Ainda bem que eu não sou desprezada e sim muito amada por meus

familiares e amigos.

Quadro 17: Transcrição do texto 19

Como podemos observar, o aluno toma uma posição inicial (“Eu me

sentiria”) e elabora uma justificativa pautada, basicamente, em argumentos

fundamentados na estrutura do real. Tal qual sugere a proposta de produção, ele

tenta colocar-se no lugar do Patinho Feio e afirma o que sentiria ao ser desprezado

por seus amigos, mostrando, inclusive, certa maturidade ao falar sobre seus

sentimentos, suas emoções (“Eu me sentiria muito magoada e muito triste”), que

são enfatizados com o uso de advérbios de intensidade. O texto é construído a

partir de hipóteses, como sugere o emprego dos verbos no tempo futuro, por isso,

ao final, o aluno apresenta uma conclusão que quebra a estrutura hipotética do

texto, com uma informação sobre sua vida real, introduzida pelo organizador

lógico-argumentativo “ainda bem”.

Os argumentos mobilizados no texto, de um modo geral, fundamentam a

seguinte tese:

Eu me sentiria muito magoada e muito triste por ser desprezada por minhas

amigas e por minha família.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........117

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A tese defendida pelo aluno se apresenta como uma proposição unificada

do texto, porque resume toda a argumentação nele contida. Para defendê-la, o

aluno recorre a argumentos baseados na estrutura do real, quando sugere que

“pensaria até em sair de casa e nem sabia o que ia fazer da vida”. Ao sugerir um

comportamento como este – fugir de casa – o aluno procura imitar o Patinho Feio,

que, ao ser abandonado por todos, saiu sem rumo, à procura de um lugar onde

fosse aceito do modo como realmente era. Sua intenção, pois, é intensificar os

efeitos de sentido apresentados em sua tese, esclarecendo-os por meio de

argumentos que os justificam, tendo em vista convencer seu auditório sobre a

validade da tese apresentada.

Além disso, é evidente a preocupação do aluno, na própria tese do texto,

com seus amigos e familiares, seres constitutivos de sua vivência: “sem eles como

eu iria sobreviver no mundo”. Não é o fato de ser feio que lhe preocupa, mas sim a

possibilidade de ser abandonado pelas pessoas mais queridas – amigos e

familiares. O aluno recorre, portanto, ao lugar da pessoa e do existente para

formular argumentos que sustentem sua tese. Dada à sua preocupação, essa

possibilidade é logo negada ao final do texto: “Ainda bem que eu não sou

desprezada e sim muito amada por meus familiares e amigos”, como se a hipótese

apresentada no texto jamais pudesse tornar-se realidade.

O uso da primeira pessoa do singular permeia todo texto, inclusive o

argumento principal, ou seja, a tese, indicando que o aluno coloca-se como sujeito

que assume e se responsabiliza por seu ponto de vista. Essa posição, comumente

recorrente em gêneros textuais do tipo artigo de opinião – o que também foi

verificado no corpus desta pesquisa – evidencia o engajamento do produtor do

texto como o conteúdo do que é enunciado, porque além de locutor, ele também é

sujeito do discurso. Funciona, ainda, como um recurso argumentativo que

influencia o auditório na aceitação da tese defendida pelo aluno.

No texto seguinte, a preocupação do aluno não corresponde apenas ao fato

de ser abandonado pelos amigos, mas também de sentir-se e ser feio:

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 06

Se eu fosse o patinho eu me sentiria triste porque todos iam me achar feio. Eu

não teria amigos e ficaria só. É muito ruim ficar sem amigos.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........118

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Quadro 18: Transcrição do texto 06

Logo no início do texto, o aluno implica-se, engaja-se, quando utiliza a

primeira pessoa, o que evidencia uma tomada posição e a construção de um

discurso com base em seu ponto de vista pessoal, sem dar ênfase ao seu

auditório. Entretanto, observamos que o aluno desenvolve o texto recorrendo ao

emprego de pequenas frases, que sintetizam sua opinião, que, por conseguinte,

não é explorada no próprio texto. Além disso, o aluno não apresenta uma

conclusão que retome sua tese e seus argumentos, tal qual faz o produtor do texto

anterior, quebrando, portanto, a estrutura tese-argumentos-conclusão,

recorrentemente encontrada nos textos analisados. Apesar de curtas e desconexas

sintaticamente, as frases que constituem o texto do aluno apresentam coerência

semântica, de modo que podemos compreender que as duas últimas

correspondem a argumentos de ancoragem, que sustentam sua tese.

Se eu fosse o patinho eu me sentiria triste porque todos iam me achar feio.

Neste texto, o aluno demonstra uma maior preocupação com a própria

beleza, defendendo a tese de que se sentiria triste justamente porque todos o

achariam feio, mesmo que sustente essa tese com argumentos que enfatizam a

falta de amigos, de companhia. Entretanto, essa ausência de amigos, na ótica do

aluno, já seria uma consequência de sua possível feiura, caso fosse o Patinho

Feio.

Nos textos pertencentes à segunda proposta de produção, tal qual na

primeira, podemos observar orientações argumentativas distintas, mas que se

assemelham em alguns aspectos, principalmente pelo fato dos textos

corresponderem à mesma proposta de produção. Por isso, classificamos as teses

defendidas pelos alunos nos textos pertencentes a esta segunda proposta em dois

blocos temáticos: i) aqueles que apresentam uma compreensão mais global sobre

os direitos das crianças; ii) aqueles que compreendem a falta de recursos

financeiros como justificativa plausível para o abandono. Vejamos a tese defendida

no texto a seguir, que pertence ao primeiro bloco temático:

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........119

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 11

Porque não tinha nada para comer.

Por que não tinha dinheiro.

Por que no que o pai trabalhava não dava pra sustentar a família e ele teve

que deixar os filhos na floresta.

João e Maria sofreram muito.

Toda criança merece ficar junto dos pais e ser feliz.

Quadro 19: Transcrição do texto 11

Neste texto, o aluno procura a atender o que sugere a proposta de produção

textual apresentada, refletindo sobre os motivos pelos quais os personagens João

e Maria foram abandonados na floresta. Conforme contam os Irmãos Grimm,

autores da história9, por falta de recursos financeiros suficientes para alimentar as

crianças, o pai, carpinteiro, e a madrasta elaboraram uma estratégia para levarem

as crianças até a floresta e ali serem abandonados. Entretanto, por serem

sagazes, João e Maria conseguem encontrar o caminho de volta para casa, porque

o menino havia deixado migalhas de pão espalhadas pelo caminho percorrido.

Inconformados, o pai e a madrasta resolvem realizar uma nova investida. João

realiza a mesma astúcia, mas dessa vez foi traído pelos passarinhos, que

comeram as migalhas espalhadas pelo garoto. As crianças, perdidas na floresta,

seguem sem rumo, até encontrarem uma casa de doces, na qual vivia uma velha

bruxa. Ela conseguiu prender as crianças, para que lhes servissem de alimento.

Entretanto, mais uma vez, João mostra ser um menino inteligente e elabora um

plano. Eles conseguem fazer com que a bruxa caia em sua própria armadilha,

morrendo queimada. Os meninos encontram seus pais e “vivem felizes para

sempre”.

Vários fragmentos da história são recuperados pela aluna em seu texto,

como a falta de alimentação (“não tinha nada para comer”), o abandono das

crianças na floresta (“ele teve que deixar os filhos na floresta”), o trabalho do pai de

João e Maria (“no que o pai trabalhava não dava pra sustentar a família”) dentre

outros. Esses elementos parecem funcionar como argumentos de autoridade no

9 Reconhecemos que há certa controvérsia quanto à autoria da história infantil João e Maria.

Entretanto, admitimos aqui os Irmãos Grimm como autores porque a história contada em sala é assinada por esses em uma coletânea de contos infantis.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........120

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

texto do aluno, porque ao dialogar com fatos presentes na própria história contada

pela professora em sala, ele consegue dar maior sustentação aos argumentos

apresentados, porque lhes acrescenta um matiz de verdade, dando a entender que

esses são os verdadeiros motivos pelos quais João e Maria foram abandonados na

floresta.

Além disso, como a proposta de produção textual se apresenta em forma de

uma pergunta, o aluno inicia o texto com o organizador “porque” para introduzir os

argumentos que sustentam sua tese, como se estivesse literalmente respondendo

ao questionamento do enunciado. Por isso, possivelmente, o texto é construído por

frases curtas, quase não apresentam conectivos de ligação entre si (apenas no

terceiro parágrafo há dois períodos simples ligados por uma conjunção

coordenativa), de maneira que estão dispostas no texto como se fosse uma lista de

respostas para a questão apresentada. Mesmo assim, é possível observarmos que

o texto é coerente, uma vez que os argumentos apresentam conexão semântica de

causa-consequência – como veremos a seguir – e são fundamentais para

sustentarem a tese que é apresentada ao final do texto:

Toda criança merece ficar junto dos pais e ser feliz. (Texto 01).

O aluno defende a tese de que ficar junto dos pais e ser feliz são direitos de

toda criança, mas que, por motivos diversos, não foram assegurados aos

personagens da história contada em sala de aula. Dentre esses motivos, ela cita

em seu discurso a insuficiência de recursos financeiros dos pais de João e Maria

para oferecerem condições adequadas de sobrevivência às crianças. O aluno,

inclusive, faz referência à profissão do pai dos personagens, lenhador, associando-

a a um tipo de trabalho que não possibilita a obtenção de recursos suficientes para

sustentar a família. Ao apresentar esses argumentos que sustentam sua tese, a

criança parece demonstrar ter uma visão de mundo que compreende a dinâmica

da sociedade capitalista em que vivemos, caracterizada, principalmente, pelo

imperativo interesse em obtenção de lucro (recursos financeiros) e pela

desigualdade social existente entre a população. Tal realidade é patente em seu

cotidiano, considerando o contexto geográfico e econômico no qual o aluno está

inserido, qual seja, interior do Estado do Rio Grande do Norte, região onde a má

distribuição de renda é um problema evidente.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........121

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Esta tese se sustenta basicamente em argumentos que fundam a estrutura

do real, por ligações de sucessão, porque são construídos por relações de causa-

efeito e consequência-finalidade que se baseiam justamente em dados ou fatos da

vida real. Assim, a estrutura do texto se apresenta da seguinte forma: o pai e a

madrasta de João e Maria não tinham nada pra comer porque não tinham dinheiro

e, por sua vez, não tinham dinheiro porque o trabalho do pai – responsável pelo lar

– não lhe possibilitava adquirir recursos suficientes para comprar comida. Além

disso, a aluna recorre ao argumento pragmático para analisar o abandono das

crianças a partir de suas consequências favoráveis (que parecem justificar tal

atitude: “eles não tinham nada para comer” e, portanto, seria melhor para os pais

deixá-los em um lugar onde pudessem, de alguma forma ainda indefinida, obter

comida) ou desfavoráveis (“João e Maria sofreram muito” e “toda criança merece

ficar junto dos pais”: independentemente das condições financeiras, entende-se

que união familiar, o aconchego, o carinho dos pais parece ser essencial à vida).

Apesar de tentar, aparentemente, ser imparcial, apresentando ora argumentos que

justificam o abandono e ora outros que criticam a atitude dos pais, esses últimos

parecem ser defendidos pela aluna com mais veemência, como se pode perceber

no próprio argumento axial (tese) de seu discurso: “toda criança merece ficar junto

dos pais e ser feliz”.

Além disso, a tese defendida pelo aluno não parte de um vazio, como se

fosse um discurso primeiro, mas dialoga, além da própria história contada em sala

de aula, como já demonstramos, com outras vozes que ecoam na sociedade na

defesa pelos direitos dos seres humanos. São vozes de pessoas ou instituições

diversas, principalmente daquelas preocupadas em assegurar os direitos das

crianças e dos adolescentes, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), dentre outras. O discurso dessas instituições parece ser incorporado

ao discurso do aluno, mesmo que de forma não mostrada, tornando-se a ideia

central (a tese) de seu texto. Esta tese se sustenta em uma técnica argumentativa

axial – que constitui a própria tese – baseada em um argumento quase-lógico por

regra de justiça, pois parte do princípio de que todas as crianças – enquanto seres

de uma mesma espécie, completamente intercambiáveis e integrados em uma

mesma categoria – independentemente de quaisquer situações em que se

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........122

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

encontrem, devem ter direitos iguais, dentre eles ficar junto dos pais e ser feliz.

Portanto, é na identidade de ser criança que está a legítima causa para a justiça no

argumento empregado pelo aluno.

A seguir, vejamos um texto pertencente ao segundo bloco temático de

textos que constituem o corpus desta investigação, em que o aluno, de um modo

geral, compreende as condições financeiras dos pais de João e Maria como

justificativa plausível para o abandono das crianças.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 18

Os pais de João e Maria abandonaram eles por que não ter condições

suficientes de criar as crianças do jeito que elas mereciam.

Muitas crianças são abandonas pelos pais hoje em dia. Por não ter

experiência com a vida. A mãe de Carlinhos foi embora e deixou ele só.

Mas minha mãe disse que não vai abandonar porque ela gosta muito de mim.

Quadro 20: Transcrição do texto 18

Neste texto, assim como no anterior, o aluno procura responder a questão

posta no enunciado da proposta de produção sugerida pela professora e pelos

bolsistas – por que os pais de João e Maria deixaram os filhos na floresta.

Entretanto, diferentemente daquele, o aluno constrói parágrafos mais longos, nos

quais desenvolve ideias e apresenta argumentos para sustentar uma tese que é

apresentada logo no início do texto. Inclusive, nesse texto, ele utiliza conectivos de

ligação que unem os parágrafos do texto, permitindo-nos observar uma progressão

do início ao fim: primeiro o aluno apresenta a tese, em seguida contextualiza o

problema de que trata o texto – abandono de crianças – na sociedade atual, cita

um exemplo de seu cotidiano e conclui com uma afirmação genérica sobre sua

vida pessoal. Ele parte de um âmbito mais geral para situações mais específicas

de seu cotidiano. A seguir, vejamos a tese defendida pelo aluno neste texto:

Os pais de João e Maria abandonaram os filhos por que não tinhas condições

suficientes de criar as crianças do jeito que elas mereciam. (Texto 08).

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........123

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

O aluno defende a tese de que o abandono de João e Maria pelos pais –

entenda-se o pai e a madrasta – está relacionado ao fato destes não disporem de

condições financeiras suficientes para criar as crianças do jeito que elas mereciam.

A tese do aluno implica a compreensão de que criar filhos requer uma série de

condições e especificidades, que, apesar de não serem explicitadas no texto,

podem ser identificadas a partir de inferências várias: as crianças precisam, por

exemplo, de alimentação adequada, conforto em seu lar, educação de qualidade,

lazer, dentre outras condições necessárias à sobrevivência de forma digna. Para

assegurá-las aos filhos, considerando a sociedade capitalista na qual estamos

inseridos, é essencial que os pais possuam recursos financeiros que lhes permitam

dispor de tais condições aos filhos, o que não ocorre com os pais dos personagens

da história infantil contada em sala de aula. Este parece ser o raciocínio

apresentado pelo aluno em sua tese.

Ao formular sua tese a partir deste raciocínio, o aluno parece não querer

apresentar um julgamento ou juízo de valor sobre o fato dos pais terem

abandonado as crianças na floresta. Na verdade, ele parece estar mais

interessado em expor motivos que justifiquem tal procedimento, como a falta de

recursos financeiros, por exemplo. Em sua ótica, o abandono não é visto como um

delito criminoso, conforme determina a lei de nosso país, mas como uma atitude

tomada pelos pais em um momento de desespero, preferindo deixar os filhos ao

acaso na floresta, do que vê-los privados de necessidades biológicas primárias,

como a alimentação. Portanto, o aluno parece se posicionar em defesa dos pais de

João e Maria, recorrendo a argumentos baseados na estrutura do real

(PERELMAN & TYTECA, 1996) que sustentem sua tese, como o argumento pelo

exemplo, quando cita “a mãe de Carlinhos foi embora e deixou ele só”.

4.7 Correlações

Acreditamos que as considerações sobre o corpus analisado foram

suficientes para confirmarmos a hipótese apresentada inicialmente, de que já nos

primeiros anos do Ensino Fundamental, quando começam a dominar as

habilidades da escrita, os alunos mobilizam argumentos variados em suas

produções textuais. Assim, neste tópico, construímos uma síntese das

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........124

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

observações realizadas, tendo em vista um maior esclarecimento sobre como os

alunos argumentam em seus textos. A priori, carece esclarecermos que o modo

como organizamos o capítulo metodológico dessa investigação – cada objetivo

desenvolvido em um tópico – corresponde a uma escolha essencialmente didático-

metodológica. Na prática, não há como separarmos os elementos apresentados –

argumentos, lugares, teses, efeitos de sentido – porque eles constituem o todo do

processo argumentativo. Por isso, a necessidade de estabelecermos algumas

correlações entre ambos.

Conforme pudemos perceber, foi frequente o emprego de argumentos

baseados na estruturado real por ligações de sucessão e de coexistência, senão

os mais recorrentes no corpus analisado. Esses argumentos fundamentam-se na

experiência dos alunos, em ligações que eles estabelecem entre coisas do mundo

real – ou não, porque as duas histórias contadas em sala são fictícias – para tentar

compreendê-las a partir das relações entre ambas. O emprego de um ou de outro

tipo de ligação produziu efeitos de sentido variados, seja de causa-consequência,

como no caso em que o aluno afirma que o patinho ficou triste porque foi

abandonado pelos amigos, seja de fins e meios, dentre outros. Além disso,

percebemos também a recorrência a argumentos que fundamentam ou fundam a

estrutura do real pelo exemplo e pela ilustração. Quando empregam esses

argumentos, os alunos recorrem a um caso particular para generalizá-lo ou

transportá-lo para outro domínio. Em alguns textos da segunda proposta de

produção textual, por exemplo, os alunos recorreram a casos que assistiram na

televisão para, a partir de então, realizarem afirmações mais genéricas.

Como esses argumentos estão mais relacionados à emoção, ao pathos dos

alunos, eles estão situados, principalmente, em lugares argumentativos de pessoa,

de ordem, da essência e do existente. Por exemplo, quando mobiliza um

argumento pelo exemplo, o aluno recorre ao lugar do existente, porque ele prioriza

um fato ou acontecimento existente em relação aquilo que é inexistente. De modo

semelhante, quando organiza seus argumentos, colocando em primeiro lugar as

necessidades básicas de existência do indivíduo, o aluno coloca a vida no topo de

sua hierarquia de valores, recorrendo, portanto, ao lugar da ordem e da essência.

Ou ainda, quando o aluno afirma que ficaria triste, caso fosse o Patinho Feio,

porque seria abandonado por seus amigos e não teria com quem brincar, ele

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........125

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

recorre ao lugar da pessoa, porque, em sua argumentação, perpassa a ideia de

que as pessoas (os amigos) são superiores as coisas (os brinquedos).

Quando mobilizam os argumentos para fundamentarem suas teses, os

alunos dialogam com interlocutores delimitados, que constituem, principalmente,

auditórios particulares. Este tipo de auditório é constituído, imediatamente, pela

professora da turma, pelos bolsistas que assistiam às aulas da professora e pelos

colegas de turma de cada aluno produtor do texto. Em alguns textos, percebemos

que os alunos não fazem referência a um interlocutor específico nem deixam

marcas nos textos que nos permitam identifica-lo. Entretanto, observamos que eles

dialogam com outros discursos, com vozes outras que se mesclam com a voz do

aluno na tessitura dos textos. Essas vozes, algumas vezes, pertencem a

instituições específicas (a UNESCO, por exemplo), a grupos sociais delimitados

(religiosos) ou até mesmo a ideologia do cotidiano, o que torna os auditórios dos

alunos, nesse caso, menos particularizado.

Quanto às teses defendidas pelos alunos, essas correspondem a

proposições unificadas do conteúdo dos textos, ou seja, frases ou orações

resumitivas que conservam, em sua essência, a informação principal dos textos.

Essas teses são defendidas através do uso de argumentos diversos, constituídos

por especificidades das próprias teses. De um modo geral, às teses analisadas,

estão subjacentes efeitos de sentido relacionados à temática do desprezo e do

abandono, uma vez que as duas propostas de produção textual enfatizam o

abandono nas histórias contadas em sala de aula. Os alunos demonstram uma

preocupação com o problema – menores abandonados – evidenciando, inclusive,

que compreendem os motivos pelos quais muitos pais abandonam ou desprezam

os filhos, mas que não querem ser abandonados por motivos também explicitados

nos textos e já analisados anteriormente. Na verdade, a argumentação dos alunos

constitui, em muitos dos textos analisados, uma forma de apresentação de sua

realidade – semelhante ou não às histórias contadas: em alguns textos, os alunos

procuram justamente construir uma imagem de sua família como um lar exemplar,

afirmando que não será abandonado pelos pais nem pelos amigos, porque estes

lhes amam; em outros textos, alguns alunos demonstram que se identificam com

os personagens das histórias contadas, principalmente com o Patinho Feio, por ser

rejeitado pelos amigos.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........126

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Portanto, a argumentação dos alunos é pautada em suas relações

cotidianas, porque trazem para os textos elementos de sua vida pessoal, que

interagem com fragmentos das histórias contadas, com discursos outros de

instituições ou pessoas, com discursos que já integraram sua consciência

individual, que são mobilizados pelos alunos para defenderem suas teses e

convencerem seu auditório da validade das mesmas. Para tanto, eles recorrem,

como visto, a estratégias argumentativas variadas que, além de apresentarem

especificidades das teses, lhes dão sustentação e lhes acrescentam um tom de

veracidade.

4.8 Implicações para o trabalho com a argumentação em sala de aula

Considerando o trabalho de análise empreendido neste capítulo, achamos

prudente concluí-lo, mesmo que brevemente, com uma reflexão sobre as

implicações de nossa pesquisa para o trabalho com a argumentação em sala de

aula, uma vez que em um de nossos objetivos específicos pretendemos contribuir

com os estudos e pesquisas que tematizam questões relacionadas à

argumentação, principalmente com aqueles voltados para o ensino de produção de

textos nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

De um modo geral, pudemos perceber que os alunos, em suas produções

textuais, procuraram defender algumas teses, sustentadas em vários tipos de

argumentos. Em outros termos, observamos que a argumentação apresenta-se

como elemento característico dos textos dos alunos, porque é constitutiva da

própria linguagem. Esse fato corrobora com a hipótese apresentada no início do

trabalho, de que os alunos, já nos anos iniciais de escolarização, recorrem à

argumentação para sustentarem seus pontos de vistas, suas opiniões e

impressões sobre o mundo e a realidade. Por isso, os professores precisam

considerar essa constatação e pensarem em perspectivas de trabalho para

argumentação desde o período de alfabetização dos alunos, quando começam a

interagir pela linguagem escrita, necessária à nossa atuação nas mais diversas

esferas de comunicação.

Além do desenvolvimento de habilidades cognitivas (seja de expressar-se

com fluência, de formular e articular raciocínios lógicos, de construir e tomar

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........127

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

posicionamento acerca de determinadas questões ou temática, dentre outras

possibilidades), o trabalho com a argumentação em sala de aula é fundamental

para a implementação de tópicos curriculares e extracurriculares em sala de aula.

Por isso, é primordial que a escola, e principalmente o professor, tenha consciência

da necessidade de se desenvolver um trabalho mais sistemático com a

argumentação em sala de aula. Ele precisa compreender, por exemplo, que o

argumentar não se restringe apenas a uma habilidade a ser desenvolvida em

algumas poucas aulas de língua materna, quando se trabalha com gêneros

argumentativos, mas que as práticas argumentativas estão presentes nos mais

diversos gêneros, nos conteúdos de variadas disciplinas e até mesmo em

situações extracurriculares.

Nos textos analisados, mesmo que as situações de produção não tenham se

concretizados exclusivamente como momentos específicos para o trabalho com a

argumentação, percebemos que os alunos produziram textos argumentativos.

Outrossim, mesmo que a professora não tenha desenvolvido um trabalho

sistemático ou até intencional com a argumentação, pudemos observar que

argumentos foram mobilizados pelos alunos em seus textos, porque lhes

interessava convencer um auditório sobre a validade de suas teses. Ora, se

mesmo quando não desenvolvemos um trabalho planejado com a argumentação

os alunos recorreram a argumentos diversos para validarem suas teses,

possivelmente, ao agirmos dessa forma, esses alunos aprenderão a mobilizar

estratégias argumentativas outras, de maneira mais consciente e sistemática, o

que favorecerá seu desempenho em anos escolares futuros, quando o trabalho

com a argumentação é mais intenso em nosso sistema educacional brasileiro.

Neste contexto, a mediação do professor é essencial para o

desenvolvimento do aluno. O professor, nas mais diversas práticas escolares (seja

na contação de história, na produção de textos, na didatização de conhecimentos

científicos, na resolução de conflitos, no trabalho com temas transversais, dentre

outros) deve atuar como um instigador, um provocador capaz de prender a atenção

do aluno e de lhe favorecer o desenvolvimento de estratégias argumentativas de

persuasão. Como propõe Freitas (2005) em seu trabalho sobre contação de

histórias, o professor deve ser um efetivo argumentador por excelência, tendo em

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........128

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

vista que sua função é influenciar o aluno, de promovê-lo no uso de práticas

argumentativas.

Quando o professor consegue promover atividades que favorecem a

argumentação dos alunos ou mesmo aproveitar situações não planejadas, e atua

como mediador do processo argumentativo, ele consegue contribuir para o

desenvolvimento de habilidades linguísticas e discursivas dos alunos necessárias à

argumentação, porque o aluno apreenderá a mobilizar argumentos e estratégias

argumentativas de forma planejada e intencional. Com isso não estamos querendo

dizer que, no caso dos textos analisados, quando não houve, anteriormente, um

trabalho sistemático com a argumentação em sala de aula, os alunos mobilizaram

argumentos de forma inconsciente. Eles argumentaram porque, conforme

defendemos, a argumentação é inerente à linguagem, de modo que quando

utilizamos a linguagem estamos argumentando na defesa de alguma questão. No

entanto, defendemos a necessidade de um trabalho com a argumentação desde os

anos iniciais porque acreditamos que assim os alunos conseguirão desenvolver

aquelas habilidades com mais facilidade, tendo um melhor desempenho na

produção de textos argumentativos em séries futuras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta dissertação, buscamos analisar textos escritos por crianças em fase

inicial do Ensino Fundamental (mais especificamente no 2° ano), focalizando os

argumentos por elas construídos e os efeitos de sentido produzidos nesses textos.

Para tanto, realizamos o seguinte percurso: i) identificamos e examinamos o

emprego de técnicas argumentativas utilizadas pelos alunos na produção dos

textos, observando suas regularidades e correlacionando-as às teses defendidas e

aos efeitos de sentidos produzidos; ii) verificamos e descrevemos os lugares a que

se referem os argumentos empregados pelos alunos em suas produções textuais;

iii) observamos a influência do auditório na construção dos textos pelos alunos e

nas teses por eles defendidas, considerando o pressuposto bakhtiniano de que

todo discurso é constitutivamente dialógico; iv) analisamos e interpretamos as

teses defendidas pelos alunos em suas produções textuais escritas e os efeitos de

sentidos a elas subjacentes.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........129

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Assim sendo, em um primeiro momento, observamos que os alunos

recorrem a várias técnicas argumentativas para sustentarem suas teses,

priorizando o emprego de argumentos baseados na estrutura do real e de

argumentos que fundamentam a estrutura do real. Na maioria das vezes, eles

funcionam como argumentos de ancoragem, porque sustentam as teses

defendidas pelos alunos, ou seja, funcionam como técnicas argumentativas que

influenciam o auditório na adesão das teses que lhes são apresentadas. Ademais,

o emprego desses argumentos revela que o processo argumentativo dos alunos

fundamenta-se, principalmente, em raciocínios pautados nas emoções e na

realidade dos alunos, porque seus argumentos compreendem elementos, fatos ou

acontecimentos ligados ao cotidiano dos alunos.

Essa constatação ganhou força quando analisamos os lugares

argumentativos de onde os alunos retiraram seus argumentos: lugares de pessoa,

da essência, do existente e da ordem. Esses lugares não dizem respeito a

raciocínios matemáticos, mas destacam as especificidades das pessoas, do ser

humano. O foco não está em valores numéricos, lógicos, mas nos sentimentos,

nas emoções, nas paixões. Mesmo quando recorrem ao lugar da ordem, os alunos

estão preocupados em organizar seus argumentos, colocando em primeiro lugar,

em sua hierarquia de valores, aqueles relacionados às pessoas e não raciocínios

matemáticos.

Nesse sentido, compreendemos que a argumentação, ao menos quando se

trata de crianças em fase inicial do Ensino Fundamental, constitui uma habilidade

que está bastante ligada à experiência dos alunos. Isso porque, mesmo que a

professora não tenha desenvolvido um trabalho sistemático com a argumentação,

os alunos conseguiram recorrer, nos textos analisados, a argumentos variados

para defenderem suas teses. Na verdade, aprendemos a argumentar interagindo

com o outro, quando correlacionamos ideias, construímos hipóteses,

estabelecemos relações de causa-consequência, buscamos justificativas para

nossas teses, buscamos recursos para conseguirmos a adesão de nossos

interlocutores, dentre outras estratégias.

Por isso, também procuramos observar com quem os alunos dialogam em

seus textos e se são influenciados por seus interlocutores na construção de teses e

na elaboração de estratégias argumentativas. Nos textos analisados, verificamos

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........130

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

que, em sua maioria, os alunos dialogam com sujeitos bastante delimitados,

principalmente a professora regente da turma, os colegas de classe e os bolsistas

que auxiliavam nas aulas. Alguns textos, inclusive, apontam explicitamente esses

sujeitos como interlocutores específicos, quando a intenção do aluno é convencê-

los ou persuadi-los sobre a validade de suas teses. Além disso, observamos em

alguns textos o diálogo com instituições que tematizam questões relacionadas aos

direitos das crianças e dos adolescentes, como a UNESCO, ou com discursos

religiosos, como livros da Bíblia, ou mesmo com a ideologia do cotidiano. Nesses

casos, os alunos dialogam com auditórios particulares, porque são delimitados e

especificados.

Com essas constatações, pudemos comprovar a hipótese apresentada no

início deste trabalho, de que, desde os anos iniciais do Ensino Fundamental,

quando começam a utilizar a linguagem escrita, os alunos argumentam na defesa

de suas teses, recorrendo a argumentos diversos para sustentá-las. Mesmo que

não apresentem uma argumentação complexa, dado o nível de maturidade

cognitiva em que se encontram, os alunos apresentam um processo argumentativo

estruturado, constituídos por uma tese a ser defendida, por argumentos que

validam essa tese e por uma conclusão que reafirma o conteúdo da tese10. Assim,

mostramos que a argumentação não é uma habilidade restrita a sujeitos adultos ou

adolescentes, mas uma atividade substancial da experiência cotidiana de todo

indivíduo.

Ora, se mesmo quando não desenvolvemos um trabalho planejado com a

argumentação em sala de aula os alunos conseguem mobilizar argumentos

diversos com eficácia, acreditamos que se desde os anos iniciais do Ensino

Fundamental os professores e a escola procurarem estimular as crianças para

desenvolverem a prática da argumentação, estas conseguirão uma maior

capacidade de pensamento crítico e, certamente, o trabalho com a argumentação

em seres posteriores será menos traumático. Em outros termos, quanto mais cedo

se colocar a disposição da criança um ambiente com situações que favoreçam o

desenvolvimento do pensamento crítico, mais chances ela terá de conseguir atingir

um bom nível nesse tipo de raciocínio.

10 É claro que nem todos os textos apresentam essa estrutura argumentativa, mas foi recorrente na maioria dos textos analisados.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........131

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

Para isso, as escolas precisam reavaliar seu currículo, pensando em

possibilidades que favoreçam o trabalho com a argumentação em sala de aula. É

preciso redimensionar a organização dos tipos de textos e gêneros trabalhados em

cada nível de ensino, no sentido de sugerir textos prototipicamente argumentativos

já nos anos iniciais do Ensino Fundamental e não secundarizar o trabalho com a

argumentação neste nível de ensino, indicando-o apenas nos anos finais do Ensino

Fundamental ou até mesmo do Ensino Médio, tal qual tem sido realizado em

muitas escolas brasileiras.

É nesse ponto, principalmente, que está a contribuição direta de nossa

dissertação à pesquisa “O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do

Ensino Fundamental de nove anos e da inserção do laptop na escola pública

brasileira”. Como ressaltado, um dos objetivos desta pesquisa é elaborar

diagnósticos completos dos alunos envolvidos, que incluam a oralidade, a leitura, a

escrita e a linguagem dos recursos tecnológicos contemporâneos, para, a partir de

então, se elaborar um novo modelo de ensino, que ajuste a continuidade

programática entre Educação Infantil, anos iniciais e anos finais do Ensino

Fundamental. Em nossa investigação, buscamos construir um diagnóstico das

habilidades argumentativas escritas dos alunos e sugerimos a necessidade de

elaboração de um plano de ensino que favoreça espaços e sugestões para o

trabalho com a argumentação em sala de aula desde os anos iniciais do Ensino

Fundamental.

Não estamos querendo dizer que o trabalho com a argumentação deva

seguir padrões rígidos, mas sugerimos a importância de se propor diretrizes que

favoreçam o desenvolvimento do potencial dos alunos em sala de aula. Cabe ao

professor escolher as estratégias metodológicas, o melhor caminho a percorrer

para desenvolver este trabalho. É claro que não é fácil, porque ele tem de lidar

com todos os problemas pelos quais passa o sistema educacional, como a

heterogeneidade de aprendizagem, por exemplo, enfatizada logo no início deste

trabalho. Mas observamos também, nas análises empreendidas, mesmo este não

sendo um objetivo específico de nossa dissertação, que, independentemente do

nível de aprendizagem, os alunos conseguiam argumentar, com maior ou menor

desempenho, na defesa por suas teses, por ser a argumentação elemento

constitutivo da própria linguagem. Daí a importância de um trabalho planejado,

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........132

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012)

sistemático e contínuo, pautado em parâmetros pré-estabelecidos – pelo professor,

pela escola e pelo próprio sistema de ensino – com a argumentação em sala de

aula.

Diante disso, acreditamos que, com esses resultados, estamos contribuindo

diretamente com os estudos da argumentação, especialmente, com aqueles que

focam o trabalho em sala de aula, porque apresentamos uma investigação sobre

os argumentos mobilizados por alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental

em textos escritos, para além de uma perspectiva meramente didático-pedagógica.

Não nos interessou destacar em que nível se encontra os alunos no que diz

respeito ao desenvolvimento de habilidades argumentativas, mas sim mostrar que,

independentemente disso, estes recorrem a argumentos diversos, quando

produzem textos escritos, para defenderem suas teses. Outras possibilidades de

estudos semelhantes podem ser desenvolvidas, no sentido de aprofundar as

discussões aqui realizadas e as constatações observadas a partir da análise dos

textos dos alunos. Na verdade, as discussões que constituem este estudo não podem

ser consideradas como concluídas. É urgente a necessidade de investigações que, além

de propor a necessidade de reestruturação do currículo escolar brasileiro no que diz

respeito ao trabalho com a argumentação, também possa elaborar propostas de trabalho,

que considerem as observações ressaltadas aqui em nossa dissertação.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental........133

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