a aplicação de regras religiosas de acordo com a lei do estado

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Texto sobre a aplicação das regras religiosas em relação à garantia de laicidade do Estado.

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  • From the SelectedWorks of Jane ReisGonalves Pereira

    January 2014

    A aplicao de regras religiosas de acordo com a leido Estado: um panorama do caso brasileiro

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    Available at: http://works.bepress.com/janereis/6

  • A aplicao de regras religiosas de acordo com a lei do Estado:

    um panorama do caso brasileiro

    Jane Reis Gonalves Pereira

    Publicado em Revista da AGU, v. 41, p. 9-42, 2014.

    Traduo para o portugus, parcialmente editada, de relatrio enviado para o International Academy

    of Comparative Law Congress, realizado em Viena entre 2 e 25 de julho de 2014)

    SUMRIO: 1 Introduo - 2 Contexto poltico, normativo e doutrinrio - 3 Adjudicao:

    Conexes entre adjudicao religiosa e jurisdio estatal - 4 Implementao social de regras

    religiosas (sem qualquer participao estatal) - 5 Concluso - 6 Referncias.

    RESUMO: O presente estudo tem por objetivo apresentar um panorama das manifestaes

    concretas da interao entre Estado e religio no cenrio brasileiro atual. A anlise

    empreendida tem como finalidade mensurar em que medida a moldura normativa e prticas de

    instituies pblicas se conformam ao ideal laicidade estatal contemplado no texto

    constitucional. Essa tarefa ser realizada atravs de uma descrio das questes jurdicas

    relacionadas ao tema.

    PALAVRAS-CHAVE: Liberdade Religiosa Confessionalismo - Laicidade Constituio

    Federal

    Applicable religious rules according to the laws of the State: a

    report of the Brazilian case

    CONTENTS: 1 Introduction - 2 Political, normative and doctrinal context - 3 Adjudication:

    Connections between religious adjudication and state action - 4 Social implementation of

    religious rules (with no official recognition) - 5 Conclusion References.

    ABSTRACT: The objective of the present study is to present an overview based on concrete

    expressions of the current relation between State and religion in Brazil. The analysis aims to

    measure to what extent the legal framework and the institutional practices conform to the

    normative ideal of State secularism determined by the Constitution. The work bases itself on

    the descriptive examination of the legal context compared to the official practices and cultural

    practices of public institutions regarding to religious rights in Brazil.

  • KEY WORDS: Religious Freedom Confessionalism Laicism Federal Constitution

    1 Introduo

    O presente artigo tem por objetivo apresentar um relato das manifestaes concretas

    da relao entre Estado e religio no cenrio brasileiro atual. A descrio empreendida tem

    como finalidade fornecer um panorama sobre correlao entre a moldura normativa e prticas

    de instituies com o ideal normativo de laicidade estatal. Essa tarefa ser realizada atravs de

    uma descrio do marco normativo sobre o tema, que ser cotejado com as prticas e

    tradies culturais e institucionais brasileiras nessa seara.

    Neste sentido, o presente artigo se divide em trs etapas principais. Na primeira delas,

    so apresentadas as premissas empricas, histricas e conceituais que norteiam o restante do

    texto. Aps, ser apresentada uma viso geral do contexto poltico, doutrinrio e,

    principalmente, normativo sobre as relaes entre religiosidade e esfera pblica. Como ser

    exposto, embora o texto constitucional brasileiro consagre a laicidade estatal, contempla

    outras normas que encerram aproximaes entre instituies religiosas e a esfera pblica, o

    que gera dificuldades e riscos no atendimento satisfatrio do ideal de Estado laico. Outro

    campo de anlise percorrido a identificao de normatizaes de carter infraconstitucional

    atinentes ao presente tema, bem como de prticas culturais e a forma como so enquadradas

    por Tribunais diante da moldura normativa existente. Ao final, apresentada breve concluso

    a respeito do estado atual na esfera brasileira de concreo da laicidade.

    1.1 Configurao estatstica das religies no Brasil

    O Brasil um pas de expressiva maioria catlica, que passa atualmente por um

    processo de importantes transformaes no perfil demogrfico religioso da populao (IBGE,

    2012).

    O ltimo censo nacional, realizado em 2010, indicou que a proporo de catlicos do

    pas que ainda a maior nao catlica do mundo vem diminuindo na medida em que

    ocorre um progressivo aumento no nmero de evanglicos (protestantes tradicionais e

    pentecostais). Entre 1960 e 2010 o percentual da populao que se declara catlica diminuiu

    de 93,1% para 64,6%. No mesmo perodo, o percentual de evanglicos cresceu de 4,0% para

    22,2%.

    Essa reconfigurao estatstica resultado da expanso de uma nova verso do

  • protestantismo, o denominado pentecostalismo, que representa uma fora poltica e social

    emergente.

    Os dados recentes indicam, de um lado, a manuteno da hegemonia da Igreja

    Catlica e a prevalncia do cristianismo e, de outro, o progressivo aumento da diversidade

    religiosa no pas. Tal diversidade se manifesta primariamente no mbito das religies crists,

    pois que o protestantismo est pulverizado entre os protestantes tradicionais (4,0%) e as

    diversas igrejas pentecostais (18,1%). No plano geral, ganharam espao o espiritismo (2,0%)

    e as pessoas que se declararam sem religio (8,0%).

    Dentre as religies minoritrias, as afro-brasileiras (umbanda e candombl) totalizam

    0,3% da populao. Apesar da pequena representatividade estatstica, os cultos de origem

    africana possuem grande importncia na paisagem religiosa e cultural brasileira, porquanto

    influenciaram liturgias e prticas das outras religies pela via do sincretismo1 e, tambm, pelo

    histrico de estigma e intolerncia a elas dirigidos, com reflexos importantes na esfera pblica

    e nas demandas por liberdade e laicidade.2

    O sincretismo religioso brasileiro teve como ponto de partida o processo de catequese

    dos negros africanos escravizados, que incorporou diversos elementos das suas tradies

    religiosas matriz crist hegemnica, formando um cenrio extramente complexo de

    interao entre diversas liturgias, smbolos e crenas.

    1.2 Notcia histrica

    Durante o perodo colonial e sob a vigncia da Constituio imperial, a relao entre

    Estado e religio no Brasil foi confessional, calcada na unio entre os dois. A primeira

    Constituio brasileira, de 1824, foi outorgada por D. Pedro II, antes prncipe regente da

    colnia e herdeiro do trono portugus. O monarca que protagonizou a independncia

    1 Para uma profunda abordagem sobre o conceito de sincretismo, v. Figueiredo 1995.

    2 No contexto internacional, no h uma uniformidade terminolgica para se referir s relaes

    travadas entre Estado e Religio. Em pases anglfonos, costumeira a utilizao dos vocbulos

    secular e secularismo para expressar a separao existente entre o governo e a sociedade das instituies religiosas de seus dogmas, ou, de maneira mais ampla, para afirmar a progressiva perda de

    influncia social sofrida pelos setores religiosos (HUACO, 2008, p. 46). J os termos laicidade e laicismo so regularmente usados pelos pases europeus, africanos e latinoamericanos para definir os aspectos institucionais e legais do fenmeno da secularizao. Na doutrina latino-americana, a

    expresso laicismo utilizada para tratar do movimento militante do laicit, hostil ou indiferente religio na esfera pblica. Por outro lado, laicidade reflete uma neutralidade institucional em face complexidade e heterogeneidade das estruturas sociais, aberta s crescentes demandas relacionadas

    com liberdade e pluralismo religiosos (HUACO, 2008, p. 47). Nesse artigo, utilizarei a expresso

    laicidade para denominar o ideal normativo de estado de neutralidade, separao institucional, justificao secular do direito e a proibio do confessionalismo estatal. A expresso laicismo, por sua vez, utilizada apenas para se referir ao texto da Constituio Republicana de 1891.

  • dissolveu pela fora a Assembleia Constituinte instalada em 1823. O texto constitucional

    imposto estabelecia a manuteno da religio catlica como oficial (art. 5), previa que o

    monarca seria coroado por Graa de Deus e deveria jurar manter a religio do Estado (art.

    103), atribua direitos polticos apenas aos catlicos (art. 95) e consagrava o regime do

    padroado, segundo o qual os sacerdotes eram indicados e pagos pelo Estado, assumindo

    condio semelhante dos funcionrios pblicos (art. 102, II). Previa, ainda, a necessidade

    de assentimento do monarca para que as bulas papais e decises da Santa S tivessem

    validade no Brasil (art. 102, XIV). A liberdade religiosa era assegurada de maneira muito

    limitada: garantia-se o direito ao culto domstico, sem a forma exterior de templo, devendo-se

    respeitar a religio do Estado e no ofender a moral pblica (art. 179, V).

    A proclamao da repblica em 1891 inaugura no Brasil o modelo de separao entre

    religio e Estado, seguido pelas constituies subsequentes. A Constituio de 1891 -

    fortemente influenciada pela Carta norte-americana - substitui a monarquia pela repblica, o

    Estado unitrio pelo federal, o parlamentarismo costumeiro pelo presidencialismo e o modelo

    confessional pelo laico. Entre vrias disposies que enunciavam a ruptura com o modelo da

    unio entre Igreja e Estado, merecem destaque: a vedao ao Estado de estabelecer,

    subvencionar ou embaraar cultos (art. 11); a consagrao da liberdade religiosa a todos os

    indivduos e confisses (art. 72, 3); a disposio de reconhecimento apenas do casamento

    civil (art. 74, 4); a secularizao dos cemitrios (art. 72, 5); a laicizao do ensino pblico

    (art. 72, 6) e a previso de que a crena religiosa no poderia ser alegada para o fim de

    escusar o cumprimento de obrigao legal a todos imposta (art. 72, 28 e 29)

    O grau de ruptura e afastamento entre Estado e religio que a leitura dessas

    disposies sugere, porm, no correspondia compreenso social e poltica majoritria sobre

    como a esfera secular e religiosa deviam interagir (GIUMBELLI, 2002; LEITE, 2011). Em

    verdade, o modelo de estrita separao estabelecido na Constituio sofreu forte resistncia da

    populao e da Igreja Catlica (GIUMBELLI, 2008). Assim, ao longo dos anos, a

    interpretao dos dispositivos, as prticas sociais e a regulao infraconstitucional

    amenizaram o laicismo da Carta de 1891, lanando as bases para construo do modelo da

    Constituio de 1934, que reaproximou religio e Estado, estabelecendo os contornos da

    laicidade temperada que influenciou as constituies subsequentes.

    O modelo atual de laicidade no Brasil tem razes da moldura estabelecida na Carta de

    1934, que combinou os princpios da liberdade religiosa e laicidade com o reconhecimento do

    religioso no mbito pblico-estatal. A Constituio de 1934 estatuiu a vedao de

    discriminao por motivo de crena religiosa (art. 113), vedou a privao de direitos motivada

  • por convices filosficas, polticas ou religiosas (art. 113, 4) e enunciou a inviolabilidade

    de conscincia e de crena e a liberdade de cultos respeitada a ordem pblica (art. 113, 5).

    No obstante, previu que a recusa em cumprir obrigao legal a todos imposta por motivo de

    crena religiosa, filosfica ou poltica poderia ensejar a perda dos direitos polticos (art. 111,

    b). A referida Constituio fixou aspectos importantes de reconhecimento da religio na

    esfera pblica, substituindo o laicismo do texto de 1891 por uma moldura de laicidade

    temperada. Foram previstos o direito assistncia religiosa nos estabelecimentos oficiais (art.

    113, 6), a liberdade de culto em cemitrios e o direito ao sepultamento em cemitrios

    particulares (art. 113, 7), a possibilidade de reconhecimento civil do casamento religioso

    (art. 146) e o ensino religioso nas escolas pblicas (art. 153).

    As linhas mestras do referido modelo de laicidade flexvel ou soft foram mantidas

    pelas constituies subsequentes. A Constituio de 1946 introduziu a imunidade tributria

    de templos de qualquer culto (art. 31) e a possibilidade de prestao alternativa no caso de

    escusa de conscincia (art. 141, 8). A Carta de 1988, atualmente em vigor, manteve esse

    esquema geral.

    Diversas controvrsias jurdicas acerca das fronteiras que separam Estado e religio no

    Brasil emergem precisamente da tenso entre o princpio da laicidade e as previses

    constitucionais que admitem a insero do religioso no domnio estatal, como ocorre nas

    disputas relacionadas ao ensino religioso e constitucionalidade do acordo firmado em 2008

    entre o Estado brasileiro e a Santa S.

    Sob o enfoque poltico, as questes relacionadas liberdade religiosa e laicidade no

    Brasil se desenvolvem em trs eixos de conflito: (i) os desafios laicidade deflagrados pela

    hegemonia histrica da Igreja Catlica e sua tradicional influncia na esfera pblica e estatal;

    (ii) a crescente demanda dos neopentecostais por reconhecimento e influncia na esfera

    pblico-estatal; (iii) as ameaas laicidade e s minorias religiosas que resultam da

    expressiva preeminncia do cristianismo.

    1.3 Esclarecimento terminolgico e conceitual

    No presente relatrio a expresso regras religiosas ser empregada para designar os

    comandos e imposies advindos da religio entendida sob um enfoque predominantemente

    funcional, ou seja, incluindo as exigncias que provm das manifestaes conscientes e de

    crena que desempenham, na vida da pessoa, um papel equivalente quele reservado s

    religies tradicionais (como catolicismo, protestantismo e judasmo). Ciente do risco de que

  • tal concepo torne-se por vezes hiperinclusiva e desencadeie dificuldades interpretativas,

    entendo que a viso que mais se adapta ao carter dinmico do fenmeno religioso. Por

    outro lado, um conceito inclusivo de religio adequado exigncia de que o Direito e o

    Estado mantenham uma posio de neutralidade em face de um cenrio social cada vez mais

    plural e heterogneo.3 O conceito de regras religiosas aqui adotado apoia-se em uma viso

    quantitativa e gradual, que considera de forma indicativa, mas no exclusiva, os elementos

    tradicionalmente relacionados ao reconhecimento das religies (tais como: a idade da crena,

    o grau de institucionalizao, o nmero de aderentes, a exigncias ticas e morais que encerra,

    a existncia de uma classe sacerdotal, a existncia de ritos, dogmas e cerimnias e etc.).

    Busca-se, assim, uma compreenso das regras religiosas que, ao mesmo tempo que se

    desprenda de sua matriz crist, no abrigue manifestaes outras que inequivocamente no se

    enquadrem no fenmeno religioso.

    2 Contexto poltico, normativo e doutrinrio

    2.1 Aspectos gerais

    As relaes entre Estado e religio no Brasil so profundamente marcadas pelo

    predomnio ancestral da Igreja Catlica e pela crescente influncia poltica e social das igrejas

    pentecostais. O catolicismo a religio dominante e sua hegemonia histrica tem

    repercusses estruturais, que se manifestam em controvrsias importantes, como, v.g., as

    relativas ao ensino religioso, presena de crucifixos em tribunais e celebrao do acordo

    com a Santa S, em 2008. O pentecostalismo, por seu turno, teve nas ltimas dcadas um

    acrscimo de influncia poltica que no reflexo, apenas, do aumento quantitativo do

    nmero de evanglicos. Esses grupos religiosos organizaram-se com o especfico propsito

    de atuar no campo poltico, com apoio das igrejas a candidaturas de seus adeptos para cargos

    polticos e a mobilizao de frentes parlamentares que empregam a identidade religiosa

    como atributo eleitoral (GUIMBELLI, 2008; ORO, 2003). Os pentecostais tm atuao

    poltica intensa e combativa, buscando exercer influncia no debate pblico, seja em

    cooperao com a Igreja Catlica em assuntos nos quais convergem, como nas contendas

    relativas aos direitos sexuais e reprodutivos , seja buscando um tratamento equivalente ao

    dado ao catolicismo a exemplo da tentativa no exitosa de aprovao de uma Lei Geral das

    3 No mesmo sentido, Machado (1996) aponta que o conceito de religio deve ser razoavelmente amplo

    e denso, podendo, desse modo, respeitar as demandas por neutralidade estatal em uma sociedade

    democrtica e plural. Para uma abordagem minuciosa acerca dos conceitos substantivo e funcional de

    religio, ver, tambm, Prandi (2003).

  • Religies simultaneamente incorporao ao direito brasileiro do acordo com a Santa S em

    2008.

    Essa presena marcante do discurso religioso na poltica (TAVARES, 2012) insere-se

    em um cenrio jurdico-normativo complexo. A Constituio consagra o princpio da

    laicidade e determina a separao entre Estado e religio, mas simultaneamente reconhece a

    liberdade religiosa em suas mltiplas dimenses, contemplando a insero das manifestaes

    religiosas na esfera pblico-estatal ao prever a possibilidade de cooperao com grupos

    religiosos para fins de interesse pblico (art. 19, I), o ensino religioso em escolas pblicas (art.

    221) e a converso do casamento religioso em civil (art. 226, 2).

    possvel afirmar que a Constituio brasileira consagra um modelo laicidade

    inclusivista, uma vez que a separao institucional entre religio e Estado e a imposio de

    neutralidade coexistem com mecanismos normativos de reconhecimento do fenmeno

    religioso. O principal desafio evitar que esses canais de incluso convertam-se em

    instrumentos de imposio de doutrinas abrangentes (RAWLS, 1993), especialmente

    considerando o progressivo aumento da influncias das confisses majoritrias na esfera

    poltica.

    2.2 Moldura constitucional da laicidade e da liberdade religiosa no Brasil

    Embora a Constituio no faa meno expressa laicidade, o conjunto de comandos

    que disciplina as relaes entre Estado e religio permite identific-la como princpio basilar

    do ordenamento brasileiro. Nesse sentido, vedado ao Estado estabelecer cultos religiosos

    ou igrejas, subvenciona-los, embaraar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus

    representantes relaes de dependncia ou aliana, ressalvada, na forma da lei, a colaborao

    de interesse pblico (art. 19, I). Essa previso de cooperao alicerada no fluido conceito

    interesse pblico gera potenciais conflitos com a diretriz da separao, sendo objeto de

    controvrsia na doutrina (veja SILVA, 2013; HUACO, 2008; ZYLBERSZTAJN, 2012).

    A laicidade reconhecida pelo STF como um postulado essencial da organizao

    institucional do Estado brasileiro (BRASIL, 2008), que opera em duas dimenses: impedindo

    que o Estado intervenha em assuntos religiosos, seja como rbitro, seja como censor e

    obstando que os dogmas de f determinem o contedo de atos estatais (BRASIL, 2012, p.

    44). 4

    Adoto aqui, como ncleo conceitual do princpio da laicidade, os comandos de

    4 Tratam-se da Ao Direta de Inconstitucionalidade n 3.510/DF e da Arguio de Descumprimento de Preceito

    Fundamental n 54/DF, respectivamente.

  • separao formal, de independncia institucional e de neutralidade do Estado em relao s

    confisses religiosas5. Partindo desse conceito ideal, possvel afirmar que, desde o

    nascimento da repblica, a diretriz da laicidade esteve em conflito com a dinmica poltica

    brasileira (GIUMBELLI, 2008; LEITE, 2011). A tendncia de calibrar o conceito de laicidade

    para torn-lo amigvel s religies impulsionada pela fora poltica tradicional da Igreja

    Catlica e pelo poder emergente dos evanglicos (para uma abordagem detalhada desse

    fenmeno, ver TAVARES, 2012). O grau de influncia das religies na esfera estatal leva

    alguns estudiosos a afirmar que o Estado brasileiro laico, mas nem tanto.6

    Nesse sentido, dois aspectos merecem ser destacados em relao ideia de laicidade

    no contexto brasileiro. De um lado, a circunstncia de que ela sempre operou mais como um

    ideal regulatrio ou seja, como um princpio jurdico de aplicao graduvel - do que como

    uma regra estrita e binria. De outro, o fato de que o prprio texto constitucional estipula

    mecanismos de reconhecimento e cooperao entre Estado e religio, os quais abrem portas

    de conexo que colocam em risco a neutralidade estatal e a igualdade entre religies.

    O prembulo da Constituio de 1988 invoca a proteo de Deus.7 Essa meno

    indicativa da influncia de parlamentares religiosos nos trabalhos constituintes (LEITE, 2008,

    pp. 274-275; PIERUCCI, 1996; ZYLBERSZTAJN, 2012). O Supremo Tribunal Federal j

    decidiu que o prembulo no ostenta carter normativo e no vincula o legislador

    infraconstitucional (BRASIL, 2003; Idem, 2008)8. No entanto, essa referncia desta

    frequentemente invocada por doutrinadores favorveis interao entre Estado e religio, que

    a destacam como um indcio de que o Estado brasileiro no hostil s manifestaes

    religiosas na esfera pblica (MARTINS, 1996).

    No debate poltico e acadmico corriqueira a afirmao de que o Estado brasileiro

    laico, mas no ateu, a fim de destacar que a posio de neutralidade e equidistncia do

    poder pblico em relao s diversas crenas no deve corresponder rejeio da

    religiosidade. Entretanto, o uso da assertiva em questo muitas vezes deixa clara a tnue

    fronteira que separa uma neutralidade tolerante da infiltrao de dogmas religiosos no seio do

    Estado.

    A Carta de 1988 enuncia, no captulo destinado aos direitos fundamentais, a liberdade

    de conscincia, a liberdade de crena, o livre exerccio de cultos religiosos e a proteo, na

    5 V. nota 1, supra.

    6 Termo cunhado por Walter Ceneviva, conforme afirma Martel (2011); veja, tambm, Leite (2008),

    para quem o Brasil se revela mais como um pas agnstico. 7 Restabelecendo a tradio das Cartas de 1934 e 1946.

    8 Aes Diretas de Inconstitucionalidade ns 2.076/AC e 2.649/DF.

  • forma da lei, dos locais destes e suas liturgias (art. 5, VI). prevista, ainda, a proibio de

    privao de direitos por motivo de crena religiosa, exceto na hiptese de recusa de se

    cumprir obrigao legal a todos imposta ou prestao alternativa fixada em lei (art. 5, VIII).

    A ordem de positivao dos direitos na Constituio sugere o reconhecimento da

    liberdade religiosa como um desdobramento ou especificao da liberdade de conscincia,

    que pode ser entendida como direito matriz (LEITE, 2008, p. 284; NETO, 2006, p. 93).

    Assim, a proteo da liberdade de religio envolve tanto o direito a professar uma religio

    como o direito de no se orientar de acordo com crena alguma. consenso que a referida

    clusula tutela o atesmo, a agnosticismo e as convices estritamente filosficas (SILVA,

    2013; LEITE, 2008).

    A liberdade religiosa constitucionalmente protegida tanto na dimenso individual

    quanto na dimenso institucional. Nesse sentido, a proteo constitucional engloba trs tipos

    relacionados de liberdades: a liberdade de crena, a liberdade de culto e a liberdade de

    organizao religiosa (SILVA, 2013).

    Um importante aspecto da dimenso institucional da liberdade religiosa a previso

    de imunidade tributria para templos de qualquer culto. Essa disposio interpretada de

    forma ampla pelo STF, que entende que ela alcana no apenas os imveis onde se realizam

    cultos, mas todo o patrimnio, renda e servios relacionados s atividades essenciais das

    entidades religiosas, como imveis alugados e cemitrios por elas mantidos (BRASIL, 2002;

    Idem, 2008a).9

    2.3 Clusulas constitucionais de aproximao entre Estado e religio

    Ao mesmo tempo em que estabelece as clusulas gerais de separao entre Estado e

    religio e tutela da liberdade religiosa, a Constituio contempla expressamente trs hipteses

    de insero do religioso na esfera estatal: i) a previso de assistncia religiosa nas entidades

    civis e militares de internao compulsria ii) a previso de ensino religioso, de matrcula

    facultativa e iii) a atribuio de efeitos civis ao casamento religioso.

    a) Assistncia religiosa nas entidades de internao compulsria

    A previso constitucional de assistncia religiosa nos estabelecimentos civis e

    militares de internao coletiva corresponde ao entendimento da religio como direito

    fundamental, a ser assegurado mesmo nos contextos de afastamento da pessoa do espao

    social.

    9 Recursos Extraordinrios ns 578.562/BA e 325.822/SP.

  • A Lei n 9.982/2000 assegura a prestao de assistncia religiosa nos hospitais

    pblicos e privados e nas prises civis e militares. Tal assistncia tambm assegurada nos

    estabelecimentos de internao de menores infratores (Lei n 8.024/90). A dogmtica jurdica

    tem dedicado pouca ateno ao tema da assistncia religiosa nesses locais.10

    Investigaes

    antropolgicas, porm, indicam um claro favorecimento das religies crists e destas em tais

    ambientes (SIMES, 2010).

    A assistncia religiosa nas prises civis tambm assegurada pela Lei de Execuo

    Penal (Lei 7.210/1984) e foi recentemente regulamentada por meio da Resoluo n 08/2011

    do Ministrio da Justia, que buscou uniformizar seus critrios de aplicao. Essa assistncia

    uma manifestao natural da dimenso positiva da liberdade de religio. No entanto, esse

    canal de aproximao entre Estado e religio desencadeia uma srie de dificuldades e

    conflitos. A situao de calamidade humanitria dos presdios brasileiros dificulta a

    materializao garantia de acesso assistncia religiosa de forma equilibrada e igualitria. Por

    um lado, h relatos de restrio arbitrria ao acesso das autoridades religiosas aos presdios,

    que seriam motivadas pela resistncia dos agentes penitencirios ao papel que desempenham

    na denncia de violaes aos direitos humanos, pelas dificuldades de se assegurar a segurana

    desses sacerdotes e, tambm, pela discriminao sistematicamente sofrida pelas religies

    minoritrias. De outro lado, a fragilidade do controle estatal nas prises faz com que a

    ocupao desses espaos por representantes das religies hegemnicas represente um risco

    para a autonomia dos presos sem religio ou adeptos de religies minoritrias

    (GONALVES, COIMBRA E AMORIM, 2010).

    H tambm outra espcie de assistncia religiosa institucionalizada, voltada para os

    militares. A previso encontra-se na Lei n 6.923/1981, que contempla a figura dos capeles

    militares, selecionados entre sacerdotes, ministros religiosos ou pastores, pertencentes a

    qualquer religio que no atente contra a disciplina, a moral e as leis em vigor. A norma

    anterior ao advento da Constituio de 1988, que no previu a assistncia religiosa aos

    militares fora das prises. O referido diploma contm diretrizes que favorecem as religies

    majoritrias, de modo que em concursos pblicos recentes para capelo foram abertas vagas

    apenas para padres catlicos e pastores evanglicos (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 172). Nesse

    contexto, muitas vozes sustentam, com razo, que a referida norma no foi recepcionada pela

    atual Constituio e no poderia continuar a ser aplicada, por estar em conflito com o

    princpio da isonomia (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 170; LEITE, 2008).

    10

    Com exceo de poucos, tais como Leite (2008) e Zylbersztajn (2012).

  • b) Ensino religioso

    A questo relativa ao regime e objeto do ensino religioso nas escolas pblicas um

    dos aspectos mais controvertidos da interao entre religio e esfera pblica no direito

    brasileiro.

    A Constituio de 1988 prev que o ensino religioso constituir disciplina dos horrios

    normais das escolas pblicas de ensino fundamental, sendo a matrcula facultativa (art. 210,

    1). A abertura e indeterminao do dispositivo constitucional suscita uma srie de

    problemas ainda no equacionados no sistema jurdico brasileiro (LEITE, 2008, p. 312): i) o

    ensino religioso pode ser confessional ou deve ser no confessional? ii) o legislador

    infraconstitucional tem liberdade para determinar o contedo do ensino religioso? iii) na

    hiptese de o ensino ser confessional, a quem cabe recrutar e remunerar os professores?

    A discusso gravita em torno de saber que tipo de limitaes o princpio da laicidade

    impe ao Estado nessa seara. Em um esforo de simplificao, podem ser identificadas trs

    orientaes principais sobre o assunto. Parte da doutrina entende que a nica modalidade de

    ensino religioso compatvel com o modelo de separao entre Estado e religio o no

    confessional, com contratao de professores por concurso pblico e remunerados pelo

    Estado. Segundo essa viso, oferecer contedo pedaggico confessional, ainda que de forma

    facultativa, violaria o princpio da igualdade e da liberdade de crena dos estudantes

    (ZYLBERSZTAJN, 2012). Uma segunda vertente afirma que a o legislador pode optar pelo

    ensino confessional, mas nesse caso deve observar uma srie parmetros para assegurar a

    neutralidade do Estado, tais como garantir ao aluno a escolha da confisso ministrada e

    oferecer atividade alternativa no mesmo horrio. Ademais, no caso de ser adotado o modelo

    confessional, os professores no poderiam ser recrutados nem remunerados pelo poder

    pblico. Para alguns autores, o Estado deveria se limitar a ceder o espao para a realizao

    das aulas (LEITE, 2008, p. 331; FERRAZ, 1997). A terceira viso sustenta a adoo do

    modelo confessional, reconhecendo a possibilidade de o Estado recrutar professores de

    confisses religiosas (MARTINS, 1996).

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educao, que entrou em vigor em 1996, contemplou

    em sua primeira verso a possibilidade de ensino confessional, sem nus para os cofres

    pblicos.11

    No entanto, a polmica quanto violao laicidade pelo dispositivo motivou sua

    11

    Art. 33. O ensino religioso, de matrcula facultativa, constitui disciplina dos horrios normais

    das escolas pblicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem nus para os cofres pblicos, de

    acordo com as preferncias manifestadas pelos alunos ou por seus responsveis, em carter: I -

    confessional, de acordo com a opo religiosa do aluno ou do seu responsvel,

    ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas

  • reviso em 1997. A nova redao consagrou a vedao ao proselitismo e suprimiu os

    dispositivos que contemplavam o ensino confessional.12

    Em verdade, a eliminao da

    previso controvertida correspondeu transferncia aos Estados do poder de disciplinar e

    decidir seu esquema de ensino religioso.

    Os Estados adotaram sistemas diferentes entre si (ZYLBERSZTAJN, 2012). Cinco

    adotam o modelo confessional, com variados mecanismos de recrutamento de professores.

    Sete adotam o modelo interconfessional (de carter ecumnico) e nove o supraconfesssional

    (viso aproximada histria e antropologia das religies).13

    A questo ganhou maior complexidade com a incorporao ao ordenamento nacional,

    com status de lei, do acordo firmado pelo Brasil com a Santa S. O art. 11 do acordo prev

    o ensino religioso, catlico e de outras confisses religiosas estipulando, assim, um

    sistema confessional. Nesse contexto normativo, a Procuradoria-Geral da Repblica ajuizou

    ao de inconstitucionalidade, com o objetivo de que o STF promova uma

    interpretao conforme a constituio da Lei de Diretrizes e Bases no sentido de que

    o ensino religioso nas escolas pblicas no possa ser confessional. Em relao ao art. 11

    do acordo entre Brasil e Santa S, requereu-se sua interpretao nos mesmos moldes ou,

    alternativamente, a declarao de inconstitucionalidade das expresses catlico e de outras

    confisses (Neto 2013; ONU 2011). Considerando-se hegemonia das religies de matriz

    crist, parece-me que a nica forma de harmonizar o ensino religioso nas escolas com o ideal

    de neutralidade estatal e adotar o modelo supraconfessional, por ser menos permevel ao

    proselitismo.

    c) Atribuio de efeitos civis ao casamento religioso

    A Constituio Federal enuncia que o casamento religioso ter efeitos civis nos

    termos da lei (art. 226, 2). No plano infraconstitucional, o Cdigo Civil prev que o

    casamento religioso que observar os requisitos do casamento civil pode ser registrado,

    igrejas ou entidades religiosas; ou II - interconfessional, resultante de acordo entre as

    diversas entidades religiosas, que se responsabilizaro pela elaborao do respectivo programa 12

    Art. 33. O ensino religioso, de matrcula facultativa, parte integrante da formao bsica

    do cidado e constitui disciplina dos horrios normais das escolas pblicas de ensino

    fundamental, assegurado o respeito diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer

    formas de proselitismo. 1 Os sistemas de ensino regulamentaro os procedimentos para a

    denio dos contedos do ensino religioso e estabelecero as normas para a habilitao e admisso dos professores. 2 Os sistemas de ensino ouviro entidade civil, constituda pelas

    diferentes denominaes religiosas, para a denio dos contedos do ensino religioso. 13

    Cf. Zylberztajn (2012), os estados foram classificados nas seguintes modalidades de ensino

    religioso: confessional (RJ, ES, PA, BA, SP); interconfessional (MA, PE, PA, DF, SP, RN, PB,

    CE, AC) e supraconfessional (SC, AM, AP, RO, RR, MT, MS, GO, TO, AL, SE, MG, PR, RS,

    PI).

  • produzindo efeitos a partir da data de sua celebrao. (arts. 1.513 e 1.516). A Lei de

    Registros Pblicos (Lei n 6.015/73) impe, alm das ex igncias relat ivas ao

    casamento civi l , a juntada de termo ou assento do casamento religioso, subscrito

    pela autoridade ou ministro que o celebrar, pelos nubentes e por duas testemunhas.14

    J houve controvrsia a respeito da possibilidade de converso de casamento realizado

    em centros espritas e nos cultos afro-brasileiros. Essa hesitao relaciona-se circunstncia

    de que certas confisses no possuem estruturas hierrquicas e lideranas religiosas

    institucionalizadas semelhantes s do catolicismo, protestantismo e judasmo. O fato de a Lei

    6.015/73 empregar a noo de autoridade religiosa15

    j serviu como fundamento rejeio da

    converso em casamento civil de unies efetivadas em centros espritas confisso na qual

    no existe a figura formal do sacerdote. Essa concepo, porm, no se harmoniza com o

    princpio da laicidade, que requer um tratamento neutro e no discriminatrio em relao s

    vrias religies.

    Recentemente, a tendncia na doutrina e nos tribunais reconhecer a possibilidade de

    validar o ato de celebrao de qualquer religio. Alguns autores fazem a ressalva quanto

    inviabilidade de registro das unies que se distanciem de forma muito intensa do modelo civil

    de casamento, como, por exemplo, na hiptese de mltiplos vnculos simultneos amparados

    em religies que admitem a poligamia (BERENICE, 2008, p. 143).

    Os tribunais tm entendido que o casamento exclusivamente religioso de qualquer

    credo como o judaico (BRASIL, 2010)16 e de religies de matriz africana (BRASIL,

    2002a)17

    deve ser reconhecido como prova da unio estvel. A unio estvel tratada pela

    Constituio de 1988 como entidade familiar (art. 226, 3), e seus requisitos e efeitos

    pessoais e patrimoniais esto regulados no Cdigo Civil (art. 1.723 a 1.727).

    14

    O casamento religioso, para produzir efeitos civis, deve ser precedido da devida habilitao e

    registrado no Ofcio de Registro Civil de Pessoas Naturais no prazo legal (TJRJ/0023741-

    26.2007.8.19.0000, TJRS/596132050, TJPR/50618-7). Contudo, os tribunais admitem

    excepcionalmente como em caso de enfermidade do cnjuge o registro extemporneo do matrimnio celebrado perante autoridade religiosa (TJDFT/20050110036120), bem como reconhecem

    a possibilidade de suprimento judicial do registro civil dos casamentos religiosos celebrados no incio

    do sculo XX, para fins de obteno de dupla nacionalidade por seus descendentes

    (TJRS/70038722575, TJRS/70027429802, TJPR/709000-0). 15

    Art. 71. Os nubentes habilitados para o casamento podero pedir ao oficial que lhe fornea a

    respectiva certido, para se casarem perante autoridade ou ministro religioso, nela mencionando o

    prazo legal de validade da habilitao. 16

    Refere-se ao processo TJRJ/ 0000267-08.2003.8.19.0019. 17

    O julgamento (processo n 7003296555 do TJRS) dizia respeito utilizao da certido de casamento

    religioso como prova da unio estvel. A fundamentao empregada, porm, importante tambm

    como respaldo tese de que os casamentos sob as religies de matriz africana podem ser convertidos

    em casamento civil.

  • 2.4 Relaes entre filiao religiosa e regime jurdico aplicvel s pessoas:

    as questes que emergem da incorporao ao direito brasileiro do

    Acordo com a Santa S

    A adoo da laicidade e a separao formal entre Estado e religio no Brasil requer,

    como regra geral, a inexistncia de regimes jurdicos particulares atrelados filiao religiosa.

    Assim, de um modo geral, no existe um sistema de leis pessoais baseadas na filiao

    religiosa.

    No entanto, algumas questes complexas surgem a partir da incorporao ordem

    jurdica nacional, em 2010, do Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Santa S

    relativo ao Estatuto Jurdico da Igreja Catlica no Brasil (Decreto Legislativo n 698/2009;

    Decreto Presidencial n 7.107/2010). O referido ato foi inserido na ordem interna com status

    de lei ordinria e se ocupa de variados temas. O documento trata, entre outros assuntos, da

    personalidade jurdica das instituies eclesisticas, da proteo ao patrimnio histrico,

    artstico e cultural da Igreja; da tutela dos locais de culto; da assistncia espiritual em prises

    e do ensino religioso.

    Alguns desses tpicos foram ou sero examinados em outros trechos do presente

    artigo. Neste item, apresentarei brevemente o contexto relacionado incorporao do acordo

    e tratarei das implicaes jurdicas dos dispositivos que tratam do reconhecimento das regras

    religiosas.

    O Acordo com a Santa S foi subscrito em 2008 por representantes dos dois Estados e

    teve rpida tramitao. Foi aprovado nas duas casas legislativas no ano de 2009 e, a partir do

    decreto de 2010, passou a integrar o sistema jurdico brasileiro com status de lei.

    As discusses relativas viabilidade jurdica e convenincia da sua aprovao

    gravitaram em torno de duas teses opostas: no sentido de rejeit-lo, argumentava-se que ele

    representa uma ameaa laicidade e isonomia entre confisses religiosas; em seu favor,

    sustentou-se a tese de que ele apenas consolida em um instrumento nico disposies j

    existentes acerca da vida institucional da Igreja Catlica no pas. Como relata Emerson

    Giumbelli (2011), o Acordo, embora rapidamente aprovado, gerou mltiplas reaes

    contrrias. Posicionaram-se formalmente contra sua incorporao a Associao Brasileira de

    Antropologia, a Sociedade Brasileira de Sociologia e a Sociedade Brasileira para o Progresso

    da Cincia.

  • O referido acordo, no que tange a pelo menos trs aspectos, estabelece uma ntida

    conexo entre confisso religiosa e regime jurdico aplicvel s pessoas: i) a previso do

    Ordinariato Militar, ii) o reconhecimento da autonomia da Igreja para estabelecer sua

    ordenao interna e iii) a previso do regime de trabalho voluntrio diferenciado.

    Primeiramente, o acordo faz aluso ao Ordinariato Militar, instituto que no regulado

    em seus dispositivos, mas que j era objeto de outro acordo firmado em 1989 o qual no

    chegou a ser regularmente incorporado ao direito brasileiro (veja ZYLBERSZTAJN, 2012). O

    acordo de 1989 prev a funo de ordinatrio militar para religiosos com dignidade de

    Arcebispo, nomeados pela Santa S e aprovados pelo governo brasileiro, cuja atividade

    submetida jurisdio segundo as regras cannicas e custeada pelas Foras Armadas

    brasileiras. Como destaca Joana Zylbersztajn (2012, p.181) o Ordinariado Militar uma

    instituio da Igreja Catlica, seguindo sua organizao e regras, mas integrado

    estrutura organizacional do Ministrio da Defesa e sustentado pelo oramento federal. H

    absoluta mistura entre a organizao religiosa e estatal. Como bem pondera a autora, clara

    a afronta ao art. 19, I da Constituio.

    Outro aspecto que viabiliza a infiltrao de regras religiosas no ordenamento o

    reconhecimento do poder da Igreja Catlica de livremente criar, modificar ou extinguir todas

    as Instituies Eclesisticas mencionadas no art. 1 do Acordo. Esta disposio cria um

    mecanismo de validao automtica das decises das autoridades catlicas, introduzindo um

    tratamento privilegiado Igreja. Trata-se de um regime assimtrico em que os entes catlicos,

    diferentemente dos pertencentes s outras confisses, ficam imunes atividade estatal de

    enquadramento nas formas jurdicas.

    Por fim, o acordo prev a no existncia de vnculo empregatcio entre a Igreja e seus

    ministros e fiis consagrados (art. 16, I), criando um regime especial nesse domnio. O

    objetivo do dispositivo excluir essas relaes da moldura jurdica que regula as relaes de

    trabalho no Brasil.

    2.5 Regras de matriz claramente religiosa incorporadas ao ordenamento

    jurdico e aplicveis a todos os indivduos

    No Brasil, as normas jurdicas aplicveis a todos os indivduos que tem como

    background a tradio crist so os feriados religiosos. H uma grande diversidade de

    feriados nacionais e locais de origem catlica. Como destaca Martel (2007), at pouco tempo

    atrs, a presena de feriados religiosos em uma Repblica laica no causava maiores

  • controvrsias. No obstante, o crescimento dos evanglicos e sua ascenso na poltica tem

    modificado esse quadro. A ttulo de exemplo, a Lei do Distrito Federal (Lei n 893/1995) que

    instituiu o dia do evanglico teve sua constitucionalidade questionada. Os tribunais tm

    considerado a referida lei vlida, caracterizando a sua comemorao como exerccio regular

    do direito de culto religioso (BRASIL, 2002b).18

    2.5 Regras religiosas e autonomia das entidades religiosas

    A aplicao pelas organizaes religiosas (como escolas e hospitais) de regras prprias

    em suas dependncias no objeto de previso legislativa especfica. Eventuais acomodaes

    e excees no esto calcadas em regimes jurdicos singulares a elas aplicveis, mas no

    esquema geral de relaes entre religio e Estado. A exceo mais notvel o recente Acordo

    entre o Brasil e a Santa S, analisado no tpico precedente. Assume destaque, quanto ao

    ponto, a exceo relativa aos vnculos entre os ministros ordenados ou fiis consagrados

    mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos das regras de direito trabalhista, bem

    como a previso de que a personalidade das instituies eclesisticas so estabelecidas pelo

    direito cannico, desde que no contrariem as leis brasileiras (art. 3, 1).

    2.6 Canais de aplicao de regras religiosas no direito brasileiro

    Considerando o modelo laico de separao entre Estado e religio no Brasil, regras

    religiosas podem ser aplicadas, essencialmente, de maneiras oblquas, quais sejam: i) pela via

    da homologao de sentenas estrangeiras de pases que adotam o modelo de Estado

    confessional; ii) por meio de acordos com entidades religiosas, como ocorreu no caso da

    Acordo com a Santa S, que estabeleceu o regime jurdico da Igreja Catlica no Brasil

    (analisado no tpico precedente); e iii) como parte da autonomia privada, j que as

    organizaes religiosas so qualificadas como pessoas jurdicas de direito privado, as quais o

    Cdigo Civil reconhece liberdade de criao, estruturao interna e funcionamento (art. 44).

    Neste ltimo caso, cabe notar que as igrejas editam Estatutos que estabelecem sua

    organizao interna e enunciam as condutas exigveis de seus membros.

    2.7 Regras gerais e acomodao razovel de minorias religiosas

    A separao entre religio e Estado no impe que indivduos filiados a determinada

    crena estejam vinculados s normas jurdicas de aplicao geral. A prpria Constituio

    18

    Refere-se ao processo n 20010110875766 do TJDFT.

  • Federal reconhece a possibilidade de se afastar a aplicao das normas jurdicas como forma

    de acomodar o regramento religioso (art. 5, VIII). A anlise de viabilidade e necessidade da

    acomodao dos ditames religiosos ao contexto jurdico deve levar em considerao as

    peculiaridades do caso concreto, bem como o balanceamento dos interesses constitucionais

    contrapostos por meio da aplicao do princpio da proporcionalidade.

    A obrigatoriedade da acomodao razovel inerente conjugao do princpio da

    laicidade e com a proteo da liberdade de crena, uma vez que este representa o tratamento

    igualitrio e respeitoso que deve ser dispensado pelo Estado s minorias religiosas. Um

    exemplo relevante desse fenmeno a controvrsia acerca da aplicao de provas de

    concursos pblicos e vestibulares aos sbados.

    Determinados religies adotam o sbado como feriado religioso, proibindo a

    realizao de quaisquer atividades nesse dia, inclusive a realizao de provas. No Brasil,

    todavia, alguns tribunais tm reconhecido, com base na garantia de liberdade religiosa e

    demais princpios a ela relacionada como pluralismo e dignidade humana , a necessidade

    de se acomodar as regas gerais do direito a essas situaes especiais, determinando que

    indivduos de tais filiaes religiosa faam a prova aps o por do sol (termo final do

    resguardo religioso), com o encargo de ficarem isolados nos locais de prova durante todo o

    tempo destinado avaliao dos demais candidatos. Em raras situaes, as cortes alteraram as

    datas da realizao do certame (LEITE, 2012; MARTEL, 2007). De modo geral, porm, a

    jurisprudncia tem considerado o isolamento do candidato adepto de minorias religiosas que

    impe o resguardo como a medida que mais bem acomoda as regras religiosas nessas

    situaes.19

    Outra controvrsia relevante a relacionada com os casos de transfuso de sangue de

    pacientes Testemunha de Jeov. A maior parte dos pases, nesse contexto, reconhece que o

    Estado no teria razes para impor o tratamento mdico em respeito ao direito vida e

    sade caso o paciente adulto tenha recusado a transfuso em exerccio de sua autonomia

    privada e capacidade (civil e mental) plenas. Em situaes como essas, o direito liberdade

    religiosa estaria pautado, acima de tudo, no princpio da dignidade humana tendo em vista

    que as escolhas de se submeter a determinado tratamento teraputico e ser membro de

    determinado grupo religioso so igualmente opes existenciais, tomadas de maneira

    19

    O Supremo Tribunal Federal, adotando a tese de que o isolamento dos candidatos religiosos a

    melhor metodologia de acomodao razovel, suspendeu os efeitos de uma deciso do TRF da 3

    Regio que permitiu aos autores da Ao Ordinria n 2009.61.00.021415-6 a participao no Exame

    Nacional do Ensino Mdio ENEM em dia compatvel com o exerccio da f por eles professada, tendo em vista a coincidncia da avaliao com o Shabbat judaico.

  • consciente e consensual , devendo prevalecer, pois, quando em conflito com os demais

    valores constitucionais (BARROSO, 2010).

    Apesar de essa tese ter ampla acolhida na doutrina (BARROSO, 2010; LEITE, 2012),

    os tribunais brasileiros ainda hesitam em adot-la, tornando a transfuso de sangue imperativa

    na maioria dos casos, desconsiderando a autonomia do indivduo sobre o seu prprio corpo,

    sua religio ou sua dignidade (LEITE, 2011). Entretanto, possvel notar uma progressiva

    alterao na prtica judicial, emprestando maior importncia ao aspecto da dignidade humana

    ligada liberdade religiosa e se garantindo a opo autnoma do paciente adulto recusa da

    transfuso sangunea.

    3 Adjudicao: Conexes entre adjudicao religiosa e jurisdio estatal

    6.1 O modelo de jurisdio una

    A Constituio brasileira estipula o princpio da inafastabilidade da jurisdio. O

    artigo 5, inciso XXXV, do texto constitucional estabelece que: "a lei no excluir da

    apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito". O Brasil adota, assim, o sistema de

    jurisdio una, de maneira que somente o Judicirio tem o poder de decidir controvrsias

    jurdicas de forma definitiva.

    Em vista disso, a adjudicao empreendida por organizaes religiosas (tribunais

    eclesisticos e similares) sempre suscetvel de contestao no Judicirio. Em tese, ao

    examinar as demandas, as cortes podero apreciar a validade das solues adotadas pelas

    autoridades religiosas luz do ordenamento jurdico nacional.

    certo, porm, que as cortes podem adotar uma postura mais ou menos deferente

    diante de demandas que contestam a correo das solues adotadas pelas entidades

    religiosas. Estaro em conflito, de um lado, os direitos supostamente violados pelos tribunais

    religiosos e, de outro lado, a autonomia privada j que a adjudicao pelos tribunais

    religiosos pode ser entendida como um mecanismo de composio privada de conflitos e a

    liberdade religiosa em sua dimenso institucional.

    possvel notar, porm, certa deferncia dos tribunais brasileiros s decises tomadas

    pelas organizaes religiosas mediante aplicao de suas regras particulares. Nesse contexto,

    h precedente no sentido de que a destituio de clrigos, pela instituio religiosa, de suas

    funes administrativas e pastorais, no ensejaria indenizao por danos morais, tendo em

    vista a inexistncia de ilcito, uma vez que a deciso foi lastreada pelo Estatuto da Conveno

  • de Igrejas (BRASIL, 2012).20

    Da mesma forma, h deciso de corte estadual no sentido de

    que a anulao de casamento religioso tomada em consonncia com as regras da congregao

    religiosa de que fazem parte os nubentes no apta a gerar dano moral (BRASIL, 2010).21

    Outra deciso entendeu que a sentena de congregao religiosa proibindo indivduos de

    frequentar cultos religiosos no configura causa geradora de dano imaterial (BRASIL,

    2009).22

    H casos, todavia, em que os tribunais estatais tomam em considerao os atos

    produzidos por tribunais religiosos, sob o fundamento de que as regras processuais brasileiras

    admitem todos os meios de prova legais e moralmente legtimos (BRASIL, 2002c). Pela

    mesma razo, aceitam-se certides eclesisticas (aliadas prova testemunhal) em aes que

    postulam a retificao da data de nascimento constante no registro civil (BRASIL, 2009a).23

    3.5 Homologao estatal de decises de tribunais religiosos

    Tradicionalmente, e com base no contexto normativo explicado no tpico anterior, o

    sistema jurdico brasileiro no contempla a validao de atos de tribunais religiosos. A nica

    exceo a essa regra geral a hiptese de homologao de sentena estrangeira de tribunais

    religiosos dos pases que reconhecem essa modalidade de jurisdio (BRASIL, 2002d).24

    O STF no admitia, todavia, a homologao de decises de cortes religiosas proferidas

    no Brasil, mesmo que confirmadas por autoridades estrangeiras. Esse entendimento foi

    adotado, por exemplo, em casos envolvendo divrcio, nos quais se entendeu que divrcio

    concedido por autoridade religiosa a qualquer cnjuge domiciliado no Brasil, ou de brasileiro

    domiciliado no exterior no ser homologvel pela Suprema Corte. Excepciona-se, quanto aos

    estrangeiros fixados fora do nosso territrio, nacionais de pas em que a lei faculte

    autoridade clerical a concesso de divrcio (BRASIL, 1981)25 STF, SE 2838 AgR/Lbano;

    STF SE 2016).

    Nessa linha de raciocnio, somente os atos estrangeiros praticados pelas cortes estatais

    poderiam ser homologados no Brasil. Entendeu o STF que no cabe homologao de deciso

    20

    Conforme se observa no processo n 70044235885 do TJRS. 21

    Trata-se do processo n 2007064090-8, julgado pelo TJSC. 22

    Processo n 490713-7 do TJPR. 23

    Processo n 70030311385 do TJRS. Conferir, tambm, os acrdos lavrados nos processos ns 3635646-

    7/TJPR e 2002517-10.2000.8.13.0000/TJMG. 24

    Sentena Estrangeira n 5.529/Sria, julgada pelo STF. Conferir, tambm, os processos SE ns 3.917/Lbano,

    9.079/Lbano e SE 8.556/Lbano, julgados pelo STJ. 25

    Sentena Estrangeiras ns 2.838 AgR/Lbano e 2.016/Tribunal Confessional Israelita de So Paulo, do

    Superior Tribunal de Justia. Cabe lembrar que, com a aprovao da Emenda Constitucional n 45/2004,

    a competncia para homologar sentenas estrangeiras foi transferida do STF para o STJ.

  • da Sacra Romana Rota que deu pela dispensa do casamento rato et non consumato , mas

    sim a do Tribunal Civil de Gnova, que tornou aquela deciso exequvel para os efeitos civis

    (BRASIL, 1971).26

    relevante notar, portanto, que o STF tem homologado decises anulatrias de

    casamentos, proferidas por tribunais eclesisticos, sempre que estas decises tenham sido

    confirmadas por cortes civis de naes signatrias de acordos com o Vaticano (BRASIL, 1982

    - STF, SE 2501/Portugal, SE 2613/Espanha; SE 2041/Itlia). Por outro lado, cabe relatar o

    ocorrido no caso SE 2.852/Espanha, em que o Supremo Tribunal Federal considerou invivel

    a homologao de deciso eclesistica proferida no Brasil, uma vez que no nosso pas as

    relaes de famlia submetem-se jurisdio dos tribunais civis.

    A moldura jurdica do problema foi alterada com a incorporao ao direito brasileiro

    do controvertido Acordo de 2008 entre a Santa S e o Brasil (Decreto Legislativo n

    698/2009; Decreto Presidencial n 7.107/2010), que prev que a homologao das sentenas

    eclesisticas em matria matrimonial, confirmadas pelo rgo de controle superior da Santa

    S, ser efetuada nos termos da legislao brasileira sobre homologao de sentenas

    estrangeiras (art. 12, 1).

    Com fundamento na referida previso, o STJ j homologou sentena prolatada pelo

    Tribunal Eclesistico de Vitria/ES, confirmada pelo rgo competente da Santa S, no

    Vaticano. Apontou-se que, segundo o Acordo, as decises eclesisticas confirmadas pelo

    rgo superior de controle da Santa S so consideradas sentenas estrangeiras para efeitos de

    homologao (BRASIL, 2013).27

    A principal questo que emerge da possibilidade de homologao das decises da

    Santa S por tribunais brasileiros diz respeito quebra da laicidade por violao isonomia

    de tratamento entre as vrias confisses. Trata-se de um privilgio conferido Igreja Catlica,

    j que no h previso semelhante em relao s outras religies.

    4 Implementao social de regras religiosas (sem qualquer participao

    estatal)

    4.1 Curandeirismo e sacrifcio de animais

    O choque entre comandos religiosos e normas estatais abstratas um problema que se

    apresenta sobretudo em relao s religies minoritrias, afetando de forma mais intensa os

    26

    Sentena Estrangeira n 2.004/Vaticano, STF. 27

    Sentena Estrangeira n, 6.516/Vaticano.

  • cultos de matriz africana.

    Duas prticas empreendidas por religies afrodescendentes suscitam questes jurdicas

    relacionadas aos choques entre comandos legais abstratos e o exerccio da liberdade religiosa:

    i) a prtica de rituais de cura e ii) o sacrifcio de animais.

    O Cdigo Penal brasileiro, de 1940, tipifica como crime exercer o curandeirismo

    (art. 284), definindo a referida prtica como a prescrio de substncias, o uso de palavras e

    gestos e a realizao de diagnsticos. O crime em questo previsto no captulo que se ocupa

    dos crimes contra a sade pblica.

    importante destacar que a criminalizao de tal conduta, em sua origem, se inseria

    em uma conjuntura de discriminao do espiritismo e perseguio s religies afro-

    brasileiras.28

    Vale notar que a legislao penal anterior, de 1890, criminalizava o

    espiritismo e a magia e seus sortilgios (GIUMBELLI: 2008, p. 84). No obstante, as

    abordagens doutrinrias e decises judiciais mais recentes destacam a impossibilidade de

    enquadrar como crime de curandeirismo as prticas religiosas, em vista da proteo

    constitucional liberdade de crena e culto. Nesse sentido, em deciso na qual de debatia

    qualificao como curandeirismo da cura pela f realizada em centro esprita, destacou o

    tribunal que o direito penal no pode ser utilizado como um filtro e interferir na escolha

    religiosa das pessoas. Ou seja, no compete ao judicirio dizer qual religio falsa, pois isso

    importaria em desrespeito aos que nela acreditam ou acreditaram (BRASIL, 2008, grifos

    nossos).29

    Outra questo relevante diz respeito ao sacrifcio de animais em rituais religiosos,

    prtica incorporada aos cultos de matriz africana. O art. 225, 1, VII da Constituio Federal

    veda prticas que caracterizem crueldade contra animais. Na mesma linha, o art. 32 da Lei n

    9.605/98 tipifica o crime de abuso e maus-tratos de animais.30

    A questo dever ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do

    Recurso Extraordinrio n 494.601/RS, interposto pelo Ministrio Pblico do Rio Grande do

    Sul.31

    O recurso pretende a reforma da deciso proferida pelo rgo Pleno do Tribunal de

    28

    Veja-se, sobre o tema Giumbelli (2003), que retrata como o uso da expresso baixo espiritismo foi

    empregada como um critrio de classificao e perseguio aos cultos e crenas minoritrios. 29

    Trata-se do Habeas Corpus n 97236/PB, julgado pelo Superior Tribunal de Justia. 30

    Lei n 9.605/1998, art. 32: Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,

    domsticos ou domesticados, nativos ou exticos: Pena - deteno, de trs meses a um ano, e multa.

    1 Incorre nas mesmas penas quem realiza experincia dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que

    para fins didticos ou cientficos, quando existirem recursos alternativos.

    2 A pena aumentada de um sexto a um tero, se ocorre morte do animal. 31

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinrio n 494.601/RS. Rel. Min. Marco

    Aurlio. Em 03.03.2007, o Procurador Geral da Repblica ofereceu parecer pelo conhecimento e

  • Justia do referido estado que, por maioria, afirmou a constitucionalidade da Lei

    12.131/2004,32

    a qual estabelece que o sacrifcio ritual em cultos ou liturgias das religies de

    matriz africana no configura violao ao Cdigo Estadual de Proteo aos Animais.33

    4.2 Proselitismo e a utilizao religiosa dos espaos pblicos

    A difundida utilizao de smbolos religiosos como ornamento em reparties pblicas

    tambm tem sido foco de recorrente controvrsias. comum a presena de crucifixos em

    hospitais, escolas, delegacias e, como exemplo mais representativo, no plenrio do Supremo

    Tribunal Federal. Segundo Lorea (2009, p. 88) a existncia desses adereos em prdios

    funcionais encarada como ausncia de conscincia cvica dos magistrados, que

    negligentemente permitem a permanncia e a afixao da cruz crist nos prdios pblicos,

    inclusive naqueles recm construdos.

    No ano de 2007, pelo menos quatro representaes (Pedidos de Providncia ns. 1.344,

    1.345, 1.346) foram encaminhadas ao Conselho Nacional de Justia (CNJ) agncia federal

    responsvel pelo controle financeiro e administrativo do sistema judicirio questionando a

    aposio de crucifixos em fruns e tribunais do pas. Apesar das controvrsias que orbitam a

    discusso, o CNJ decidiu que a utilizao de smbolos religiosos nas dependncias do

    Judicirio no viola o princpio da laicidade do Estado.

    Apesar do entendimento esposado pelo CNJ, o Tribunal de Justia do Estado do Rio

    de Janeiro, em 2009, seguido, posteriormente, pelo Tribunal do Rio Grande do Sul, em 2012

    , determinou, administrativamente, a remoo dos crucifixos de todas as suas salas de

    audincia. A medida sofreu certa resistncia pelos juzes, que se opuseram publicamente

    deciso (ESTADO, 2009; BCHTOLD, 2012). No mbito do Poder Executivo, a

    Presidente Dilma Rousseff retirou tanto a Bblia, como o crucifixo que decoravam o gabinete

    presidencial (FOLHA, 2011).

    desprovimento do recurso ou pelo provimento parcial deste para expungir da norma questionada a

    expresso de matriz africana, permanecendo o dispositivo com a seguinte redao: no se enquadra nesta vedao o livre exerccio dos cultos e liturgias das religies. O processo est concluso com o relator desde 19.12.2007, conforme andamento processual disponvel em:

    . Acesso em:

    22 de agosto 2013. 32

    A referida lei inseriu o pargrafo nico ao art. 2 da Lei 11.915/2003, segundo o qual: no se enquadra nessa vedao o livre exerccio dos cultos religiosos e liturgias das religies de matriz

    africana. 33

    Lei 11.915/2003, mais conhecida como Cdigo Estadual de Proteo aos animais. Estabelece em

    seu art. 2: vedado: VII - sacrificar animais com venenos ou outros mtodos no preconizados pela

    Organizao Mundial da Sade (OMS), nos programas de profilaxia da raiva. Pargrafo nico: No se

    enquadra nessa vedao o livre exerccio dos cultos e liturgias das religies de matriz africana.

  • Por fim, o exerccio do proselitismo, comum nas religies pentecostais, deflagra

    embates sobre o uso de espaos pblicos e sociais. A jurisprudncia nacional farta em

    exemplos de litgios envolvendo cultos religiosos de variados credos em razo da poluio

    sonora. Os tribunais tm solucionado a questo sob a perspectiva da proteo de um meio

    ambiente ecologicamente equilibrado, prevista na Constituio Federal (CF, art. 225). Quanto

    pregao em locais pblicos, j se entendeu ser vedada a celebrao de cultos em trens, uma

    vez que, segundo a corte que apreciou a questo o direito ao livre culto dos evanglicos no

    pode expor o direito dos demais passageiros de no serem incomodados com prtica religiosa

    que no aceitam (BRASIL, 2012).34

    5 Encerramento

    Analisando-se todas as questes apresentadas no presente texto, pode-se afirmar que,

    de um ponto de vista descritivo, o Brasil no um Estado plenamente imparcial na tratativa

    de assuntos religiosos. O ideal regulativo de laicidade est em permanente conflito com a

    forte influncia histrica do Cristianismo, que aqui, como em outros pases de tradio

    ocidental, desencadeia um tratamento preferencial da religio hegemnica em detrimento das

    minoritrias (GRIMM, 2009). Paralelamente, a constante busca pela laicidade conflita com

    necessidade de proteger a liberdade de crena das minorias religiosas, que no raro esbarram

    em prticas estatais tidas como neutras, mas que foram estabelecidas e moldadas pelo

    paradigma religioso dominante.

    Como visto, h uma srie de controvrsias e tenses envolvendo questes religiosas

    que so enfrentadas com uma retrica de neutralidade pelas instituies estatais, mas que

    refletem a prevalncia das uma crenas majoritrias, a exemplo do ensino religioso em

    escolas pblicas e a presena de crucifixos em prdios governamentais. Assim, um dos

    principais desafios para o Estado brasileiro no futuro prximo reforar o ideal normativo de

    laicidade, harmonizando o pluralismo inclusivo, a liberdade religiosa e a neutralidade

    princpios basilares prescritos pela Constituio.

    34

    Processo n 0001919-69.2010.8.26.0197/2012 do TJSP.

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