a ambiência gótica em a hora do pesadelo, de wes craven
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Trabalho realizado por Aline Avelino e Nathalia Marques, graduandas de Letras na UERJ/FFP.TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
ALINE DA SILVA AVELINO
NATHALIA AZEVEDO MARQUES
A ambiência gótica no filme A hora do pesadelo (1984), de Wes Craven.
SÃO GONÇALO
2015
Aline da Silva Avelino
Nathalia Azevedo Marques
A ambiência gótica no filme A hora do pesadelo (1984), de Wes Craven.
Trabalho desenvolvido durante a disciplina de Tópicos
especiais de Literatura e Cultura XI, como parte da
avaliação referente ao segundo semestre de 2015.
Professor (a): Drº Fernando Monteiro de Barros.
SÃO GONÇALO
2015
A AMBIÊNCIA GÓTICA NO FILME A HORA DO PESADELO (1984), DE WES
CRAVEN.
Aline AVELINO e Nathalia MARQUES.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, RJ.
RESUMO: Neste trabalho, serão apresentadas algumas considerações acerca do filme A hora
do pesadelo, de Wes Craven, seguindo este roteiro: 1- Enredo; 2- Passado agindo sobre o
presente; 3- Locus horribilis e locus amoenus; 4- O terror e o horror; 5- Cotejo com O Castelo
de Otranto; 6- O gênero fantástico; e 7- Conclusão.
Palavras-chave: Gótico; A hora do pesadelo; Gênero fantástico.
1 ENREDO
A hora do pesadelo (A Nightmare on Elm Street) é um filme de 1984, escrito e dirigido
pelo cineasta americano Wes Craven, que apresenta diversos aspectos do gênero fantástico,
além de ser repleto de constituintes típicos da atmosfera gótica.
O cenário da primeira cena do filme é uma sala de caldeira, em que são vistas apenas as
mãos de um homem trabalhando na confecção de um instrumento com metal. Mais à frente,
descobre-se ser Freddy Krueger fabricando suas luvas com garras, as quais virá a utilizar no
assassinato de suas vítimas.
Em seguida, vê-se um corredor escuro e vazio, em que Tina Gray, uma adolescente de
15 anos, corre de algo ou alguém. Ao fundo, ouve-se uma risada alucinante, o som de garras
rasgando tecido, e o nome de Tina sussurrado por uma voz profunda e áspera. De repente,
Freddy surge e agarra Tina. Quando Freddy está prestes a matá-la, sua mãe bate à porta de seu
quarto e a acorda. Tina percebe que foi um pesadelo, mas constata que sua roupa de dormir está
rasgada exatamente no local em que havia sido rasgada no pesadelo, e com o mesmo formato
de garras.
Tina, no dia seguinte, vai à escola e, conversando com seu grupo de amigos, descobre
que todos eles estão tendo pesadelos também, todos com o mesmo homem de suéter listrado
verde e vermelho; com as mesmas garras; com os mesmos sons.
Durante o pesadelo, Freddy ataca suas vítimas e todos os seus golpes ferem os jovens
também na realidade. Tina foi morta em seu pesadelo, enquanto, na esfera da realidade, seu
namorado, Rod Lane, presencia toda a violência, que culminou em morte, contra o corpo de
Tina, os cortes, a luta corporal, porém sem conseguir enxergar contra o quê ou contra quem está
sendo travada esta luta.
Assim como Tina morreu, seus amigos foram também morrendo enquanto dormiam:
mortes sem explicação lógica. Apenas restou Nancy Wilson, a melhor amiga de Tina, que se
esforçou para não dormir e conseguiu descobrir o ponto fraco de Krueger: se agarrá-lo no sonho
e conseguir acordar, conseguirá trazê-lo para o campo da realidade, em que ele se torna
vulnerável e pode, consequentemente, ser morto.
Tina também descobre, através de sua mãe, Marge Simson, que Freddy era um antigo
conhecido da região e está morto. Freddy foi um assassino de crianças da Rua Elm, que inspirou
revolta nos pais das crianças assassinadas, e em todos os outros pais, preocupados com seus
filhos. Todos reuniram- se contra Freddy, o encurralaram na fábrica em que trabalhava, para
onde levava as crianças que foram suas vítimas, e atearam fogo ao local, causando a morte de
Freddy.
Nancy, munida de todas essas informações, preparou-se para confrontar seu inimigo:
programou seu despertador para acordá-la, montou diversas armadilhas em seu quarto e foi
dormir, a fim de encontrá-lo em seu sonho. Alcançou seu objetivo e, por fim, destruiu Freddy
“retirando” toda a energia que havia depositado nele, dizendo, com convicção, que ele não passa
de um pesadelo e que não pode feri-la. Desse modo, enfraquece-o e ele some. Porém, a última
cena deixa dúvidas no ar, pois, ao acordar, Nancy encontra todos os seus amigos, vivos!, mas,
ao entrar no carro com eles, Freddy se faz presente e captura sua mãe. Fica tudo muito incerto,
ois não tem como saber o que realmente foi sonho e o que foi realidade.
2 PASSADO AGINDO SOBRE O PRESENTE.
O Gótico, seja em forma de ficção ou filme, seja o original
(em termos históricos) ou as suas manifestações mais tardias, se
dá geralmente num espaço confinado, onde um segredo do
passado ameaça a integridade física ou psicológica das
personagens. (JEHA, 2014, p. 1)
Um dos aspectos góticos presentes em A hora do Pesadelo é o retorno do passado a fim
de assombrar o presente.
Na obra cinematográfica, assim como “em Contos sinistros e nas outras “peças
noturnas” de Hoffmann”, conforme escreveu Richard Alwyn (1983, p. 74), citado por Julio
Jeha (2014, p. 3), “o estranho familiar é [...] uma sensação ligada a um crime oculto no
passado”.
Freddy Krueger faz as vezes do “estranho familiar”: ao mesmo tempo em que é
desconhecido e misterioso, sob o ponto de vista dos adolescentes, é antigo conhecido sob o
ponto de vista dos pais da Rua Elm. Sua figura é ligada a um crime oculto e não-punido no
passado: seu assassinato. Como forma de vingar-se de seus assassinos, que não foram
penalizados por sua “justiça com as próprias mãos”, Krueger volta, em sonho, para assombrar
e matar seus preciosíssimos filhos.
O espaço utilizado para esse retorno é o sonho: espaço “confinado”, labiríntico,
sombrio, em que, mesmo que a vítima busque fugir, não consegue, pois foge de seu alcance
controlar esse ambiente. Nesse âmbito, um segredo do passado (o crime supracitado) ameaça,
em forma de um fantasma, a integridade física E psicológica das personagens, já que os ataques
de Freddy transcendem a fronteira entre o real e o não-real, gerando uma ambivalência.
3 LOCUS HORRENDUS E LOCUS AMOENUS
Segundo a definição disponível na Infopédia (dicionários Porto Editora), locus
horrendus é uma “expressão latina que significa "lugar horrível"”. Em A hora do pesadelo, o
locus horrendus é o próprio ambiente do sonho, em que há sempre a presença de lugares, como
ruas, cercadas de árvores (a natureza como representação do perigo); corredores, túneis;
isolados, labirínticos, soturnos, claustrofóbicos. É forte, também, a presença do ambiente
noturno, como sendo o momento “maldito” em que é mais propenso ao ataque de Freddy.
Por outro lado, a presença do locus amoenus, que, de acordo com o E-dicionário de
termos literários, de Carlos Ceia, é uma “expressão latina que designa a paisagem ideal”, é
assinalada pelo elemento diurno, em que se torna mais fácil manter-se acordado e, assim, evitar
os sonhos, e, por conseguinte, Freddy Krueger. O “estar acordado” surge como um elemento
de sobrevivência, um elemento de confinamento à realidade como fuga ao onírico.
4 O TERROR E O HORROR
Ann Radcliffe (1826), citada por Jeha (2014), diferencia horror de terror. Para ela, o
terror é o que atinge a esfera do psicológico, e “opera num regime de suspense com ameaças
veladas à vida, segurança e sanidade das personagens”; enquanto o horror configura a esfera
física, “que coloca o protagonista frente a frente com a violência repulsiva da dissolução física
ou psicológica, estilhaçando explicitamente as normas que regulam o dia a dia, com
consequências que chocam e revoltam o leitor”. Em A hora do pesadelo, nota-se a presença
dessas duas vertentes góticas, como será exposto abaixo.
O terror é trabalhado através do suspense, evidenciado pela sonoplastia da produção
cinematográfica, que induz o telespectador a ficar apreensivo quanto ao que está por vir e temer
pela vida das personagens. Em seu cotidiano, o terror está aliado com a dúvida: quando Freddy
ataca, as vítimas se perguntam se aquilo é real. Quando acordam e contam aos seus amigos e
familiares o que se passou no sonho, que interferiu na realidade, todos duvidam, por acreditarem
ser impossível que o onírico interfira no real compartilhado. Como o sonho é um espaço
desconhecido e que vai de encontro à razão, todos duvidam da sanidade mental das vítimas de
Freddy.
O horror é retratado nas imagens das mortes dos adolescentes, que causam repugnância
pelo excesso da visão de sangue e pela violência do ato. As cenas são horripilantes, como, por
exemplo, a cena em que Glen, interpretado por Johnny Depp, é “sugado” pela cama e o que
retorna é apenas um rodamoinho de sangue, o que, definitivamente, destrói explicitamente “as
normas que regulam o dia a dia”.
5 COTEJO COM O CASTELO DE OTRANTO
A hora do pesadelo tem, em seu roteiro, algumas semelhanças com a obra que deu início
à Literatura Gótica, bem como ao gênero fantástico: O Castelo de Otranto, de Horace Walpole.
Em A hora do pesadelo, Freddy Krueger pode ser comparado a Manfredo, senhor do
Castelo de Otranto: ambos são o vilão de sua história.
Manfredo, após a morte de seu filho Conrado, quer, desesperadamente, dar continuidade
à sua linhagem e, para isso, pretende desposar a noiva de seu filho, Isabela, que foge. Os
adolescentes atacados por Freddy assemelham-se a Isabela: fazem o papel da “donzela
perseguida” e tentam fugir de qualquer maneira.
Nancy Thompson equivale a Teodoro: heroína, corajosa, que busca um modo de salvar
a si e a seus amigos.
Um último aspecto a ser citado é o ambiente: o cenário apresentado em todos os
pesadelos em que Freddy protagoniza são como o Castelo de Horace Walpole: sombrio,
soturno, misterioso, labiríntico, claustrofóbico, lúgubre.
6 O GÊNERO FANTÁSTICO
David Roas (2014) escreve algumas considerações teóricas acerca do fantástico. No
presente trabalho, serão destacados dois dos elementos citados por ele: a transgressão das leis
que organizam a vida real e a presença do medo.
Roas afirma que “[...] a literatura fantástica é o único gênero literário que não pode
funcionar sem a presença do sobrenatural”; aproveita, também, para conceituar: “[...]
sobrenatural é aquilo que transgride as leis que organizam o mundo real, aquilo que não é
explicável, que não existe, de acordo com essas mesmas leis.” (ROAS, 2014, p.31). Um pouco
mais a frente, exemplifica a transgressão das leis com a presença do fantasma, “o acontecimento
anormal, insólito”.
Em A hora do pesadelo, pode-se observar o surgimento do insólito na presença de
Freddy Krueger: “a aparição incorpórea de um morto”, que transgride as leis do mundo real, já
que “voltou da morte” num espaço em que a razão do ser humano está fadada ao fracasso: o
espaço onírico. Além disso, violenta suas “presas” nesse espaço, porém de modo a afetar a
realidade, o que é um fato inexplicável.
Para Todorov, citado por Roas, “O fantástico é a vacilação experimentada por um ser
que não conhece mais que a leis naturais, diante de um acontecimento aparentemente
sobrenatural.”. No filme de Craven, essa vacilação é experimentada pelas personagens quando
se deparam com Krueger e seus ataques e já não sabem mais o que é sonho e o que é real. Por
diversas vezes, as personagens dizem, tentando se convencer: “isso é só um sonho, não é real”.
O medo, ou “inquietude”, como Roas prefere classificar, é a “reação experimentada
tanto pelos personagens [...] quanto pelo leitor, diante da possibilidade efetiva do sobrenatural,
diante da ideia de que o irreal pode irromper no real [...]”. A hora do pesadelo está permeada
por este medo. Inclusive, no filme, o sobrenatural irrompe no real, quando Nancy agarra Freddy
durante o pesadelo e acorda no exato momento, trazendo-o consigo para a realidade.
7 CONCLUSÃO
Por tudo o que foi exposto, conclui-se que A hora do pesadelo pertence ao gênero
fantástico, pois apresenta as principais características do gênero apontadas pelos teóricos: a
transgressão das leis da realidade, a presença do insólito e a atmosfera que gera medo.
Além disso, conclui-se, também, que é uma obra gótica, já que é inegável a presença de
elementos que geram a ambiência em consonância com o gênero.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRAVEN, Wes. A Nightmare on Elm Street. 1984, USA
ROAS, David. A ameaça do fantástico: aproximações teóricas. Tradução de Julián Fuks. 1.ed.
São Paulo: Editora Unesp, 2014.
JEHA, Julio. As ligações criminais do gótico. Revista SOLETRAS, n.27, 2014.
WALPOLE, Horace. O Castelo de Otranto. Tradução de Alberto Alexandre Martins. São
Paulo: Nova Alexandria, 1996.
“Locus horrendus”, in Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico. Porto: Porto Editora,
2003-2016. Disponível em: <http://www.infopedia.pt/$locus-horrendus>, consultado em 06-
01-2016.
Carlos Ceia: s.v. “Locus amoenus”, E-Dicionário de Termos Literários (EDTL), coord. de
Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, <http://www.edtl.com.pt/business-directory/6327/locus-
amoenus/>, consultado em 06-01-2016.