do pesadelo ao sonho

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Do pesadelo ao sonho I Faz mais de uma semana que Vitor não consegue ver Amélia, que está sob a vigilância cerrada de Max. Em seu quarto na estalagem, Vitor sente que vai passar mais uma noite praticamente em claro, angustiado pela situação da amada. Ele levanta e bate na porta do quarto de Fred. - Vitor? Aconteceu alguma coisa? - A gente pode levar um papo? - Claro, entra aí. Eles sentam e Fred diz: - Você está preocupado, né? - Eu não aguento mais essa situação. A gente precisa fazer alguma coisa, e logo. - Também acho. Mas você tem alguma ideia? - Não. Só consigo pensar em invadir aquela casa e tirar a Amélia de lá, de qualquer jeito. Mas eu já tentei fazer isso e não deu certo - Vitor põe a mão sobre os olhos, nervoso. - Enquanto o seu Max mandar e desmandar naquela casa e nessa cidade, vai ser difícil. - E como derrubar o Max sem enfiar um tiro nas fuças dele? - pergunta Vitor com raiva, mas logo ele fica sem graça - Desculpa, Fred, é seu pai... - Não esquenta, até eu já tive vontade de matar o velho - ele responde com um misto de tristeza e raiva no olhar. - O Max conseguiu o desprezo até dos próprios filhos... - comenta Vitor - Acho que não existe alguém nessa cidade que goste desse desgraçado. - É verdade - o olhar de Fred se ilumina - Vitor, é isso! Vamos unir toda a cidade contra o meu pai! - Boa ideia! Mas pensou num plano? - Não ainda. Vamos juntar todos os aliados que pudermos, e juntos bolamos uma estratégia. - Vou falar com a Terê, ela é aliada certa. - Deixa que eu converso com a Manu. E vou chamar a Jana também. - A Nancy já foi humilhada pelo Max, ela ajudaria também, não acha? - É, e arrasta o palhaço junto com ela - Fred ri. - Quanto mais gente, melhor. A Manu com certeza avisa o Solano... - Claro. E acho que a Estela também é das nossas, ainda mais depois daquela flechada que o gaúcho levou. - Com certeza. Eu falo com ela. Quero mesmo ver o índio velho, ele me ajudou muito quando fiquei perdido na mata. - É? - É. Não sei se eu teria saído de vivo de lá sem a ajuda dele. Mas quem me salvou mesmo foi a Amélia. Foi a vontade de vê-la de novo que me deu forças para lutar pela minha vida - conta Vitor com o olhar distante. - Peraí, essa história já estava rolando desde aquela época? - Não... - Vitor fica meio constrangido Quer dizer, mais ou menos... Na verdade, eu já estava apaixonado. Mas só caiu a ficha mesmo quando me vi caído no meio da mata, ferido, e só conseguia pensar na Amélia... - É meu amigo... te entendo. Minha mãe é uma das mulheres mais bonitas dessa cidade, sem dúvida.

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Page 1: Do pesadelo ao sonho

Do pesadelo ao sonho I

Faz mais de uma semana que Vitor não consegue ver Amélia, que está sob a vigilância cerrada de Max. Em seu quarto na estalagem, Vitor sente que vai passar mais uma noite praticamente em claro, angustiado pela situação da amada. Ele levanta e bate na porta do quarto de Fred. - Vitor? Aconteceu alguma coisa? - A gente pode levar um papo? - Claro, entra aí. Eles sentam e Fred diz: - Você está preocupado, né? - Eu não aguento mais essa situação. A gente precisa fazer alguma coisa, e logo. - Também acho. Mas você tem alguma ideia? - Não. Só consigo pensar em invadir aquela casa e tirar a Amélia de lá, de qualquer jeito. Mas eu já tentei fazer isso e não deu certo - Vitor põe a mão sobre os olhos, nervoso. - Enquanto o seu Max mandar e desmandar naquela casa e nessa cidade, vai ser difícil. - E como derrubar o Max sem enfiar um tiro nas fuças dele? - pergunta Vitor com raiva, mas logo ele fica sem graça - Desculpa, Fred, é seu pai... - Não esquenta, até eu já tive vontade de matar o velho - ele responde com um misto de tristeza e raiva no olhar. - O Max conseguiu o desprezo até dos próprios filhos... - comenta Vitor - Acho que não existe alguém nessa cidade que goste desse desgraçado. - É verdade - o olhar de Fred se ilumina - Vitor, é isso! Vamos unir toda a cidade contra o meu pai! - Boa ideia! Mas pensou num plano? - Não ainda. Vamos juntar todos os aliados que pudermos, e juntos bolamos uma estratégia. - Vou falar com a Terê, ela é aliada certa. - Deixa que eu converso com a Manu. E vou chamar a Jana também. - A Nancy já foi humilhada pelo Max, ela ajudaria também, não acha? - É, e arrasta o palhaço junto com ela - Fred ri. - Quanto mais gente, melhor. A Manu com certeza avisa o Solano... - Claro. E acho que a Estela também é das nossas, ainda mais depois daquela flechada que o gaúcho levou. - Com certeza. Eu falo com ela. Quero mesmo ver o índio velho, ele me ajudou muito quando fiquei perdido na mata. - É? - É. Não sei se eu teria saído de vivo de lá sem a ajuda dele. Mas quem me salvou mesmo foi a Amélia. Foi a vontade de vê-la de novo que me deu forças para lutar pela minha vida - conta Vitor com o olhar distante. - Peraí, essa história já estava rolando desde aquela época? - Não... - Vitor fica meio constrangido – Quer dizer, mais ou menos... Na verdade, eu já estava apaixonado. Mas só caiu a ficha mesmo quando me vi caído no meio da mata, ferido, e só conseguia pensar na Amélia... - É meu amigo... te entendo. Minha mãe é uma das mulheres mais bonitas dessa cidade, sem dúvida.

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- Ela é linda demais mesmo... Mas não é só isso. Ela é encantadora, fascinante... - diz Vitor com os olhos brilhando, como se estivesse vendo Amélia diante dele. - Quer um lenço? Tá babando... - Fred ri. Vitor ri também, mas logo fica sério. - Sabe, Fred, acho só quem já sabe do relacionamento entre mim e sua mãe deve ser informado do verdadeiro motivo do nosso mutirão contra o Max. Não podemos expor a Amélia. - Claro. Além do mais, motivos pra querer derrubar o velho não faltam... - Então tá. Amanhã a gente começa a recrutar nosso exército. - Combinado. Agora vê se consegue dormir um pouco, que a dona Amélia não vai gostar de ver essas olheiras. Eles riem, e Vitor agradece: - Obrigado, Fred. - Que é isso, cara... Minha mãe está precisando de ajuda, eu mais do que ninguém tenho que fazer alguma coisa. Vitor sorri, dá um tapinha no ombro de Fred e sai. De volta ao seu quarto, ele se deita mais esperançoso. Pensando no olhar e no sorriso de Amélia, Vitor adormece. No dia seguinte, Vitor procura Terê bem cedo e conta a idéia. - Claro que eu vou ajudar, meu filho... Eu mais do que ninguém sei o quanto você e a Amélia já lutaram e sofreram por esse amor. E pode contar com meu tchutchuco também. - Obrigada, Terê! - Vitor abraça a vidente. Fred está saindo da estalagem quando encontra Manu e Solano. - Mané, que bom te encontrar, precisava mesmo falar com você. - Algum problema? Ele chega mais perto para que falar baixo: - Eu e o Vitor decidimos fazer alguma coisa para libertar a dona Amélia. E achamos que único jeito é fazer uma revolução contra o seu Max. Queremos unir a cidade para acabar com os desmandos do velho. - Eu tô dentro - adianta-se Solano. - Mas como vocês pensam em fazer isso? - pergunta Manu. - Esse é o problema. Primeiro estamos buscando os aliados, pra depois fazermos uma reunião. - Acho que sei até onde pode ser essa reunião... - diz Solano. - Onde? - Manu e Fred questionam ao mesmo tempo. - Na igreja. O padre Emílio é aliado certo, ele tem motivos de sobra para querer a queda do Max. - É verdade - concorda Fred. - Podem deixar que eu falo com ele - avisa o gaúcho. - Vou com você - acrescenta Manu. - Depois me deem notícias, então. Agora tenho que ir para a operadora. Solano e Manu procuram padre Emílio. - Ajudar a derrubar o Max? O que eu tenho que fazer? - se prontifica o padre imediatamente. - Pois é, ainda precisamos fazer uma reunião planejar isso - explica Solano.

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- Podem fazer aqui na igreja. É o melhor lugar para não levantar suspeitas. - Foi o que eu pensei - devolve o gaúcho - E se o senhor conseguir mais gente para ajudar, melhor ainda. - Sei de alguém que pode ser bem útil... a dona Beatriz. - A minha mãe? - Solano espanta-se. - É. Ela sabe de muitos podres do Max, que ouviu da boca do próprio, inclusive. - Tenho até medo de imaginar o que mais meu pai deve ter feito - comenta Manu. - Melhor nem pensar nisso, guria - consola Solano, abraçando-a. Depois volta a falar com o padre - Vou procurar minha mãe, então.

II

Solano chama a mãe para a reunião. Manu fala com Pérola. Fred avisa Janaína e Nancy, e convoca as jóias e Caroço. Neca conta para Glorinha sobre o mutirão contra Max e ela, além de se dispor a ajudar, recomenda que cuidem para que o delegado não fique sabendo de nada antes da ação acontecer. Vitor vai até a mata procurar Estela. - Mas é o rapaz do acidente? - surpreende-se Ruriá ao vê-lo. - Eu mesmo. Queria lhe agradecer por toda ajuda que me deu. - De nada. Só ajudei alguém que estava precisando. - Mas se o senhor não tivesse feito isso, talvez eu não estivesse aqui hoje. - Estaria, sim... Ainda não era a sua hora. Vitor sorri e se vira para a Estela. - Na verdade, além da visita que eu estava devendo ao seu avô, vim aqui também para falar com você, Estela. - Comigo? - Sim - ele explica sobre o mutirão. - Mas é claro que vou participar disso. O Max quer a morte do Solano, e já tentou me comprar para afastá-lo da Manu. - Ele não tem escrúpulos... - Ele é um monstro. Lembra da flechada que o Solano levou? - Você acha que foi a mando do Max? - Com certeza. - Não duvido. Se ele foi capaz de mandar sabotar meu avião... e agora ainda teve os tiros no dia do lançamento do catálogo... - Temos que acabar com isso, mesmo... Mas pelo menos o Solano ele não vai tentar atingir de novo tão cedo. - Por quê? - Eu dei um aviso que ele jamais vai esquecer - Estela ri - Você nem imagina... Dei um jeito de bloquear a estrada e me escondi. Quando ele desceu pra remover o obstáculo, disparei uma flecha no chapéu. O velho ficou com tanto medo que chegou a correr pra dentro do carro. E depois saí de dentro do mato com o arco-e-flecha em punho, avisando que se acontecer outro atentado contra o Solano, a próxima flechada será certeira. O Max quase desmaiou! Vitor dá uma gargalhada e ainda entre risos, comenta: - Eu queria ter visto o todo poderoso Max Martinez borrando as calças! Ele recupera o fôlego, que quase perdeu de tanto rir, e diz, com um sorriso sarcástico:

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- Você devia ter acertado a flecha, Estela. Ia fazer um favor pra muita gente. - É, eu sei. Mas não quis sujar minhas mãos com aquele verme. - Tem razão, não vale a pena. O Max ainda vai conseguir acabar com ele mesmo. Ruriá, que ouviu a conversa, se oferece para ajudar. - Toda ajuda é bem vinda. Vamos fazer uma reunião amanhã de tarde, na igreja. - Estarei lá, com certeza - confirma Estela. Vitor se despede dos índios, e Estela se oferece para acompanhá-lo até a saída da mata. Enquanto caminham, ela comenta: - Não é só por vingança ou justiça que você está fazendo tudo isso, né? - O que você dizer? - Que você tem um motivo bem mais forte para enfrentar o Max. Vitor pára e olha para a índia, preocupado. Ela continua: - Você gosta da dona Amélia, é isso? Vi você olhando de longe no dia das fotos. Olhar mais apaixonado impossível... - Eu não consigo disfarçar, né? - Não - Estela ri. - Eu amo tanto a Amélia que não posso nem dimensionar. E ela me ama também. Mas está lá naquela casa, praticamente como refém do Max - ele confessa com um olhar triste. - Sei como dói ficar longe de quem a gente ama. Mas você ainda pode ter esperança. Vai dar tudo certo, e você e a dona Amélia vão ser muito felizes. Todos os convocados se reúnem na igreja, menos a sargento Mourão, para não levantar suspeitas do delegado. - Não podemos deixar que o Max continue fazendo o quer nessa cidade, humilhando as pessoas, fazendo um verdadeiro terrorismo com muita gente – começa Vitor. - Ameaçando a vida de algumas pessoas, não é? – acrescenta Solano, num impulso, em seguida olhando para Manu com jeito que quem pede desculpa. - O Max é um criminoso. Foi ele quem sabotou meu avião. Se eu tivesse como provar, esse canalha já estava na cadeia. - Mas ele fez tudo muito bem feito, pra não deixar rastro, não foi? E também nunca vai confessar que foi o mandante – comenta Terê. - E será que não tem nenhum jeito de fazer o velho confessar? – questiona Fred. O olhar de Vitor se ilumina e ele fala sem medir as palavras: - Vamos tirar a Amélia daquela casa e fazer o Max provar do próprio veneno que vem despejando sobre ela. Vamos deixa-lo encurralado, sem poder sair nem se comunicar, até que ele confesse! - Podemos cercar a casa. Posso chamar meus homens da plantação – oferece Solano. - Ótimo! – responde Vitor, empolgado. - Então essa parte já está decidida, Solano cuida do cerco à casa – resume Fred – Quem puder ficar junto, ajudar, será muito bem vindo, porque algo me diz que isso vai levar algum tempo, o velho é duro na queda. - Temos que tirar todos os telefones da casa para que ele não possa se comunicar, não chamar nenhum dos capangas – lembra Manu.

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- Isso mesmo. Cuida disso, Manu, as jóias te ajudam. E eu seguro o seu Max enquanto vocês fazem isso e o Vitor leva a dona Amélia de lá – Fred completa. - Eu te ajudo, Fred. Tenho certeza que o Max não vai mexer um dedo enquanto eu estiver diante dele – avisa Estela, deixando todos surpresos, menos Vitor, que ri. Eles combinam a ação para o dia seguinte. São estabelecidos dois QGs: Terê, Beatriz e padre Emílio ficam na estalagem, a postos para qualquer emergência; Mariquita, Ruriá, Pérola e Aspásia ficam na estância, esperando por Amélia e Vitor. Ao chegar em casa, Manu vai ao quarto da mãe. - Eu trouxe um recado pra você – ela conta com um olhar travesso e passa um papel às mãos de Amélia, depois sai. Amélia lê o bilhete: "Logo esse pesadelo vai acabar e vamos viver nosso sonho em paz. Não esquece que eu te amo. Vitor". Ela relê aquelas palavras várias vezes, emocionada. Finalmente beija o papel e murmura: - Eu também te amo, Vitor... muito... Na manhã seguinte, Fred e Estela entram na casa da fazenda. A índia empunha o arco-e-flecha. Max está no escritório, e de lá vê os dois: - O que está acontecendo aqui? – ele grita. - Pode ficar paradinho aí, Max – avisa Estela, se aproximando – Ou eu disparo essa flecha. E você sabe que jamais erro a pontaria. Fred entra no escritório logo atrás da índia. - Meu filho, você vai deixar essa índia caticenta me ameaçar? Não vai defender seu pai? – intercede Max. - Até parece que você precisa de alguém que lhe defenda... – ironiza Fred – Eu lhe aconselho a obedecer a Estela.

III Vitor espia da porta, e assim que vê que Max está dominado, sobe as escadas depressa e entra no quarto de Amélia: - Vamos, meu amor... agora você pode vir comigo, o Max não vai ter como fazer nada. - Vitor! O que você está dizendo? - Vem! – Vitor estende a mão para ela - O Fred e a Estela estão segurando o Max, e já tem um monte de gente aí fora a postos para não deixar ele sair dessa casa tão cedo. - Meu Deus... – Amélia pega uma mala que já tinha deixado pronta embaixo da cama, para quando conseguisse fugir, e segura a mão que Vitor lhe estendera. Eles descem as escadas de mãos dadas. Como as portas do escritório estão totalmente abertas, Max vê os dois e grita: - Amélia! – Mas ele olha para a flecha diante dele e se cala, engolindo em seco. Vitor se vira e olha para Max com sarcasmo: - Adeus, Max Martinez. Amélia nem olha para trás, ofegante de tensão. Ela e Vitor deixam a casa e correm em direção à estância de Solano.

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O grupo liderado por Manu entra e destrói todos os telefones, e também o acesso à internet. Lurdinha, que já havia sido avisada, pega suas coisas e deixa a casa. Manu avisa Fred: - Já está tudo certo. - Ótimo. Já nos encontramos lá fora. Assim que Manu e o grupo saem, Fred olha com firmeza para o pai: - Agora, seu Max Martinez, o senhor vai ficar sozinho aqui dentro dessa casa. Só vai sair quando resolver confessar que mandou sabotar o avião do Vitor. Nem pense em fugir, que tem bastante gente lá fora para impedir. Ah, não posso esquecer – ele pega o celular no bolso da bombacha do pai – Isso fica comigo. Não foi assim que você fez com a minha mãe? Fred e Estela vão saindo de costas, enquanto a índia ainda aponta a flecha na direção de Max. Até que finalmente eles trancam a porta, deixado Max preso. Amélia e Vitor estão andando em direção à estância quando começa a chover. Ela vê um celeiro e aponta: - Vamos entrar ali, Vitor, nos abrigar da chuva – Amélia puxa ele pela mão. Vitor está tão feliz por ter conseguido tirá-la da fazenda que nem contesta. Quando entram no abrigo, ele a enlaça pela cintura: - Agora ninguém mais nos separa. Finalmente, eles se entregam a um beijo apaixonado, cheios de saudade dos lábios um do outro. Quando param para recuperar o fôlego, Vitor olha para fora do celeiro e, com um sorriso travesso, avisa: - A chuva já passou, vem! – ele a puxa para fora depressa, não deixando chance de ela resistir. Mas a chuva continua forte. Antes que Amélia consiga dizer qualquer coisa, Vitor cola seus lábios aos dela novamente, beijando-a com ardor. Depois, a olha com jeito de quem fez uma travessura: - Fui falsinho de novo... menti só para te beijar na chuva – ele a abraça, roçando seu rosto no dela, e lhe diz ao pé do ouvido – e sentir seu corpo molhado junto ao meu. - Você é louco... mas eu adoro essa sua loucura – ela devolve no ouvido dele. Eles trocam mais um beijo. Molhados, mas felizes, seguem para a estância sem se importar com a chuva. Estranhamente, só não chove sobre a casa da fazenda, em toda a extensão do cerco, embora nuvens negras estejam cobrindo tudo. Lá dentro, Max procura um telefone para chamar o delegado: - O Geraldo vai dispersar esse bando de desocupados, vai me ajudar a sair daqui – ele fala sozinho, enquanto vê que todos os telefones estão cortados. - Inferno! – grita, derrubando tudo que vê pela frente. Do lado de fora, ao ouvir os barulhos, Manu fica mais tensa e olha para o irmão. Fred a abraça: - Força, maninha... - Como isso vai acabar, Fred? - Não sei. A gente precisa esperar. Você sabe que precisamos fazer tudo isso, né? - Sei. Não tem outro jeito de parar o nosso pai.

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Logo Amélia e Vitor chegam na estância, e são recebidos por Mariquita, que exclama: - Vocês estão encharcados, vão pegar uma pneumonia! Vão já tomar um banho quente, que eu vou pedir pra Aspásia passar um café. Os dois riem como se nada pudesse estragar a alegria que estão sentindo. Amélia se aproxima de Mariquita e lhe dá um beijo no rosto: - Não precisa se preocupar, estamos muito bem. Mariquita olha fixamente para ela e sorri: - Tô vendo... você está parecendo outra mulher, sem aquela tristeza e aquele medo que vi outro dia em seus olhos... – Mariquita se desvencilha de Amélia e se aproxima de Vitor – E esse rapaz... dá pra ver no olhar dele que está apaixonado. Vitor fica um tanto sem graça, enquanto Amélia sorri. Mariquita continua: - Agora vão já trocar essas roupas molhadas que eu não quero ninguém doente aqui – ela recomenda, e sai em direção à cozinha. Amélia olha para Vitor e ri, como se tudo fosse motivo para risos. Ele estende a mão: - Vamos obedecer a dona Mariquita, né? Vem! – ele a conduz escada acima, e os dois sobem correndo, ao risos. Eles entram no quarto que já estava preparado para recebê-los. Amélia avisa: - Vou tomar meu banho e você espera aí. Depois você vai. - Tá bem – Vitor finge obedecer, mas tem um olhar travesso. Ela entra no banheiro, tira a roupa e abre o chuveiro. Vitor entra em seguida, cuidando para não fazer barulho. Quando Amélia percebe, ele já está quase sob o chuveiro junto com ela. - Vitor... – é só o que ela consegue dizer, quase paralisada. Ele pega o sabonete e começa a passar nas costas dela, delicadamente. Depois deixa o sabonete de lado e passa apenas as mãos, fazendo uma pressão suave. Amélia não pensa em mais nada, apenas sente as mãos dele sobre seu corpo. Vitor a vira de frente para ele, e a beija com desejo. Logo estão se amando ali mesmo, com a água caindo sobre seus corpos cada vez mais unidos.

IV Na fazenda, Max pega o revolver que tinha guardado no escritório e, com um tiro, arrebenta a fechadura da porta da frente da casa. Abre uma fresta, coloca o cano da arma ali e avisa: - Estou armado, e vou sair. Se alguém tentar me impedir, eu atiro! - Então atira, pai! – grita Manu, num impulso – Atira, se você não tem medo de acertar sua própria filha! Ao ouvir a voz dela, Max abaixa um pouco a arma e pede, forçando um tom de súplica: - Manuela, minha Manézinha... tem piedade do teu pai, desse teu velho pai... Fred se aproxima da irmã e diz baixinho para ela: - Ele nunca teve piedade de ninguém, nem de nós dois. Manu balança a cabeça afirmativamente e grita: - Não, seu Max. Nem eu consigo mais ter piedade de você. Está na hora de você pagar por tudo que fez.

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- Isso mesmo. Mas é fácil você sair daí, pai – Fred ajuda num tom sarcástico – Basta você confessar que sabotou o avião do Vitor. - Nunca! – esbraveja Max, que fecha a porta e volta para a sala. Chuta os sofás, atira longe tudo que encontra pela frente, e depois fica parado, bufando, tentando pensar no que fazer. Quando saem do banheiro, Vitor não deixa nem que Amélia termine de se secar. Ele a conduz até a cama e lhe tira o roupão. Seus lábios e mãos percorrem cada centímetro do corpo dela, provocando sensações que Amélia nem conhecia. Só depois de muitas carícias é que Vitor encaixa seu corpo ao dela. Eles se amam como se não existisse mais nada, como se estivessem num mundo à parte onde ninguém os pudesse alcançar. Até que, sentindo uma paz e uma felicidade inexplicáveis, como se estivessem em outra dimensão, repousam nos braços um do outro. Em pouco tempo Vitor já está refeito e recomeça a beijar e acariciar Amélia. Ela ri: - Você não cansa, não? - De te amar? Jamais! – ele lhe beija o pescoço mais uma vez. - Assim você vai acabar comigo... estou com fome, com sede... você não? - É, pensando bem... estou sim. Esperei tanto para ficar assim com você que eu esqueci de tudo, até de me alimentar. Só consigo pensar em ficar aqui te beijando, te amando... - Você é lindo, sabia? Lindo de todas as formas – ela sorri. Vitor dá mais um beijo nos lábios de Amélia e avisa: - Fica quietinha aí que eu vou buscar algo para nós, tá? Ela balança a cabeça afirmativamente, sorrindo. Antes de fechar a porta, ele atira um beijo, e Amélia atira outro de volta. Vitor entra na cozinha e Aspásia pergunta: - Seu Vitor! Tá tudo bem? E a dona Amélia? Vocês estão precisando de alguma coisa? - Tudo ótimo – ele responde sorrindo – E estamos precisando, sim... de uma bandeja com café, suco, frutas, bolo, o que tiver... - Pode deixar, já já tá prontinha. Acabei de fazer um mané pelado que tá de comer rezando – Aspásia fala enquanto começa a arrumar a bandeja. Ela corta um pedaço do mané pelado e estende para Vitor – Ó, experimenta, vê não se não tá uma delícia... Ele come um pouco e comenta: - Hummm, bom mesmo – chega mais perto dela e diz baixinho, rindo – Não conta pra Lurdinha, mas tá melhor que o dela. Aspásia ri: - Sério mesmo? - Sério. Você já pode casar, viu? - É, só falta arrumar o noivo... – ela retruca com um ar chateado. - Não fica assim, logo, logo você arruma... é uma moça tão bonita! - Sei não, acho que vou ficar pra tia... - Olha, que a vida dá reviravoltas... Não vê o meu caso? Eu estava de casamento marcado com a Manu, e hoje estou perdidamente apaixonado pela mãe dela. Quem imaginava uma história dessa?

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- “Perdidamente apaixonado” – repete Aspásia, rindo – Que bonito isso! Ó, tá pronta sua bandeja. - Valeu, Aspásia. E não perde as esperanças, tá? - Tá bem – ela sorri, enquanto Vitor sai com a bandeja. Amélia está cochilando quando Vitor chega no quarto com a bandeja, mas acorda assim que ele senta na cama. - Meu amor... – ela olha em volta e continua – Estamos aqui mesmo, nesse quarto, sem precisar ter medo? Ele acaricia o rosto dela: - Estamos... E não vamos mais falar em medo, nem mencionar essa palavra, tá? - Tá certo... vamos só falar de amor. Não sei se você sabe – Amélia sorri de um jeito meio travesso – mas eu amo muito um tal de Vitor. - Ah, é? - É... e ele é um homem maravilhoso, que me ama de um jeito que eu nunca imaginei que pudesse ser amada. Vitor olha nos olhos dela: - Ele também não imaginava que pudesse amar tanto uma mulher quanto ama você. Achava que amar é querer estar perto, construir história junto com aquela pessoa... mas descobriu com você que amar é muito mais do isso. É só se sentir inteiro ao lado que sem se ama. É perceber que o mundo só faz sentido se estamos juntos. Amélia não consegue dizer mais nada, emocionada. Eles vão aproximando os lábios, que se colam em mais um beijo. Depois, tomam o lanche juntos, num clima de lua-de-mel. Janaína e Nancy levam sanduíches e suco para o grupo que cerca a casa da fazenda. Lá dentro, Max está faminto e vasculha a cozinha em busca de comida. Encontra frutas e um pedaço de bolo do dia anterior. Come mastigando com raiva, inconformado. A noite começa a cair. Os empregados de Max se oferecem para substituir os homens de Solano no cerco. - O seu Max sempre nos tratou pior que escravo. Se é pra ajudar a botar esse homem na cadeia, estamos junto – explica o porta-voz deles. Solano aceita e libera seus homens para descansar. Depois chama Manu para ir com ele para a estância. - Pode ir, Manu. Eu vou passar a noite aqui. Vai descansar, que esse dia não foi fácil pra você – incentiva Fred. - Nem pra você, né? – ela retruca. - Eu aguento o tranco, não se preocupa. E não vou ficar sozinho, o Caroço está chegando aí pra me fazer companhia nessa longa noite... - Alguém falou meu nome? – pergunta Caroço, se aproximando. - Ó, já chegou – comenta Fred. - E trouxe mais dois voluntários pra montar guarda aqui. Neca e Pimpinela quiseram vir também. Fred se dirige à irmã: - Viu? Tô bem acompanhado... – ele ri.

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- Então eu vou pra estância. Aproveito pra ver como está a mãe. Se cuida, viu, Fred? - Pode deixar – Fred a abraça. Lurdinha vai para a estância junto com Manu e Solano. Quando ela entra na cozinha, Aspásia já vai dizendo: - Lurdinha, que bom que você veio! Me conta o que tá acontecendo lá fazenda! - Foi o maior rebuliço, menina, você tinha que ver... Tá até agora um monte de gente cercando a casa pro seu Max não sair. - Bem feito, aquele homem é mais ruim que o capeta, deus que me livre - Aspásia se benze. - E a dona Amélia, cadê? - Ela e o Vitor chegaram, foram direto lá pra cima e ela não desceram mais... ele só veio aqui buscar uma bandeja com coisas de comer e subiu de novo, ligeirinho. - A dona Amélia, hein? Mas com um homão daquele eu também não ia de querer sair do quarto... - Lurdinha ri. - Ai, Lurdinha, não fala essas coisas que eu sou uma moça pura... – Aspásia fica encabulada, mas depois ri também.

V Amélia e Vitor estão dormindo abraçados quando Manu bate na porta, que está trancada: - Mãe? Tá tudo bem? Amélia acorda meio assustada e pergunta: - Manu? - Sim, sou eu. - Está tudo bem, sim – ela responde mais calma, enquanto Vitor, que também acordou, lhe sorri. - O Solano e eu viemos passar a noite aqui. Vocês não querem jantar com a gente? - Vamos, sim. Já descemos, tá bem? - Tá, vou esperar lá embaixo. Amélia se dirige a Vitor: - Vamos, querido... precisamos nos vestir, a Manu e o Solano estão nos esperando. - Ah... não queria ter que sair daqui... – ele reclama em um tom manhoso. - Eu também não – ela sorri – Mas depois teremos toda a noite pela frente... pensa nisso. Vitor também sorri, mas de um jeito malicioso: - Tá, agora a gente desce. Mas depois voltamos pra cá, nos amamos de novo, e depois vamos dormir bem agarradinhos... Amélia ri, e olha para ele com olhar de encantamento: - O que eu fiz pra merecer você, hein? Manu sorri ao ver Amélia e Vitor descerem as escadas de mãos dadas: - Que bonitinhos... - Filha... – Amélia vai até Manu e abraça – E as coisas na fazenda, como ficaram?

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- Seu Max ainda não se entregou. Mas até os empregados da fazenda estão ajudando a cercar a casa, ficaram no lugar do pessoal do Solano agora. - A revolução contra o Max saiu melhor do que eu pensava – comenta Vitor, satisfeito. Ele abraça Amélia e continua – Se bem que eu só pensava em tirar a Amélia de lá, só isso. - É, gente sabe disso – Manu ri. - E o Fred? – pergunta Amélia. - Continua lá, vai virar a noite, pelo jeito. Mas tenta ficar tranquila, mãe, o Fred sabe se cuidar. - Será que isso vai durar muito tempo ainda? – Amélia parece preocupada. - Max Martinez não é de entregar os pontos, vai resistir o máximo que puder – considera Solano. - Mas ele também não é do tipo que suporta ficar acuado. Acho que ele não vai aguentar muito – contesta Vitor – Bom, é o que eu espero. - Gente, embora seja difícil, vamos tentar esquecer um pouco tudo isso e jantar em paz? – sugere Manu. Eles sentam à mesa, junto com Mariquita. Aspásia e Lurdinha entram com as travessas de comida. - Dona Amélia! – exclama Lurdinha ao ver a patroa – Que bom ver a senhora! - Bom ver você também, Lurdinha. - Mas a senhora tá tão bonita... parece até que remoçou um tanto de anos só da manhã até agora. - Obrigada – Amélia sorri, um tanto encabulada. - É que ela está sendo bem cuidada, viu?- explica Vitor, piscando para Amélia. - Sei... até imagino como... – retruca Lurdinha, com um sorriso malicioso. - Lurdinha, não seja inconveniente... – censura Amélia. - Desculpa, não tá mais aqui quem falou. Todos riem enquanto Lurdinha se retira. - Só a Lurdinha mesmo pra fazer a gente dar risada num dia como hoje – comenta Manu. - Está sendo muito difícil pra você, né, filha? – questiona Amélia, preocupada. - Ah, mãe... as coisas tem que ser dessa forma mesmo, então estou suportando bem. E ver esse brilho no seu olhar faz tudo valer a pena, viu? Você e o Vitor já sofreram tanto... agora vocês tem mais é que aproveitar, viver esse amor lindo... Você agora só tem que ser feliz, dona Amélia. - Dessa parte pode deixar que eu cuido – avisa Vitor, olhando para Amélia com ar apaixonado. Ela retribui o olhar, sorrindo. - É melhor vocês ficarem aqui na estância enquanto a situação não se resolve lá na fazenda. Não tem problema, né, Solano? – questiona Manu. - Problema nenhum, fiquem à vontade, como se estivesse na casa de vocês – assegura o gaúcho. - Que bom, porque eu não estou com pressa de ir embora... – comenta Vitor, sem tirar os olhos de Amélia. Mariquita se recolhe logo após o jantar. Os dois casais sentam um pouco na sala, mas poucos minutos depois Manu avisa: - Vou subir também. O dia foi pesado, tudo que eu preciso agora é cama. - Vou contigo, guria. Preciso madrugar amanhã, combinei de trocar a guarda assim que o sol raiar – diz Solano.

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- Acho que vai ser mais um dia longo... – comenta Manu. - Eu até queria dar uma força pra vocês lá – Vitor abraça Amélia antes de continuar, num tom meloso – Mas preciso ficar aqui protegendo a minha rainha. Manu ri: - Difícil isso pra você, né? Mas faz bem – ela aponta para Vitor – Ó, cuida direitinho da minha mãe. - Nem precisa pedir. Minha vida agora vai ser só cuidar da Amélia... – ele responde olhando para Amélia, que ri e retruca: - Exagerado... Os dois ficam olhando um pro outro, esquecendo de Manu e Sol, que sobem as escadas cuidando para não fazer barulho. De repente, Amélia olha para o lado: - Ué, cadê a Manu? - Pelo jeito eles já subiram. Estamos só nos dois aqui. Então... – Vitor explica e puxa Amélia para seus braços, beijando-a apaixonadamente. - Vitor, alguém pode entrar... – diz Amélia, ofegante, quando consegue descolar os lábios dos dele. - Tem razão. Vamos pro quarto – ele ri e vai puxando-a pela mão escada acima. Quando entram no corredor, ele recomeça a beijá-la ao mesmo tempo em que caminham para o quarto. Amélia tenta se esquivar: - Aqui não... calma... segura esse fogo, Vitor! Ele ri com um olhar malandro: - Não consigo – e a beija de novo, enquanto abre a porta. Sem soltá-la, tranca a porta. Conduz Amélia até a cama e deita seu corpo sobre o dela. Desce com beijos pelo pescoço e vai lhe tirando a blusa. Ela, completamente entregue ao momento, desabotoa a camisa dele. Amam-se intensamente, até adormecerem nos braços um do outro. Na fazenda, Max vaga pela casa, sem conseguir dormir. Entra em cada quarto, caminhando pelos espaços vazios de cada cômodo. Fred vê o vulto do pai nas janelas e baixa a cabeça, pensativo, parecendo triste. “Quem é esse homem que está aí dentro? Como posso ser filho desse homem?”, reflete. - Você deve estar cansado, Fred. Vai dormir um pouco, a gente fica aqui – sugere Neca. - Não – Fred levanta a cabeça – Eu preciso ficar. Tenho que fazer isso pela minha mãe e pela irmã. Elas merecem viver em paz. Mas como vão ter paz com o seu Max ameaçando a vida do Vitor e do Solano o tempo todo? Caroço fica intrigado: - Peraí... o Solano é namorado da Manuela. Mas o que tem a ver o Vitor com essa história? - Bom, logo todo mundo vai estar sabendo mesmo. Minha mãe e o Vitor se apaixonaram, estão vivendo uma verdadeira história de amor. - Ah... é por isso então ela ia tanto lá na estalagem... – conclui Neca – Minha mamãe tentava disfarçar, mas eu via que a dona Amélia ia seguido lá visitar o Vitor. - Ih, Max Martinez levou um par de chifres, é? – Caroço ri. - Olha como você fala, hein? E nem pense em fazer uma das suas músicas sobre esse assunto, que eu te demito da operadora – avisa Fred, querendo mostrar seriedade mas se segurando para não rir também.

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Pimpinela se manifesta, ansioso: - É séria essa história mesmo? O Vitor tá firme com a dona Amélia? Não tem chance dele ficar com a Nancy, então? - Fica frio, palhaço, que a Nancy tá caidinha por você. Ela só não quer admitir – Fred enfim dá uma risada.

VI Logo que amanhece, Solano leva seus homens de volta para o cerco. Manu vai junto, e convence Fred a descansar um pouco. Mas ele só vai depois que a sargento Mourão chega e fica junto com Manu. O delegado Geraldo, que estava em Juruanã no dia anterior, estranha a falta de movimentação na cidade. Tenta telefonar para a sargento, para localizá-la, mas ela não atende. Então vai até a estalagem procurá-la. - A sargento não está, seu delegado – avisa Terê. - Pra onde ela foi? O que está acontecendo nessa cidade? – ele pergunta, impaciente. - Vá até a fazenda do Max Martinez e veja com seus próprios olhos. Geraldo segue o conselho da vidente. Ao chegar perto da fazenda, se espanta ao ver o cerco. Fica indeciso em se aproximar. Bem nesse momento, vê Safira chegando junto com Janaína e Nancy para ajudar a distribuir comida ao grupo. - Safira! – ele chama. Ela olha pra trás e o vê. Corre até ele, que pergunta: - Que está acontecendo aqui? Safira conta tudo e questiona: - Você não vai ajudar o Max, vai? - Não. O Max que se dane! Não vou mais me sujar por causa dele. - Que bom – ela sorri – Sabia que você não ia me decepcionar. - Pode avisar que vou fingir que não vi nada, não sei de nada – ele garante, acariciando o rosto dela. Amélia acorda quase ao meio-dia. - Acorda, amor – ela chama Vitor. - Bom dia... – ele sorri enquanto abre os olhos. - A gente precisa levantar, a dona Mariquita deve estar nos esperando pro almoço... Já basta ontem, que esquecemos da vida – ela ri. - Tá certo, precisamos descer um pouco mesmo... Mas me dá mais um beijo antes – ele puxa Amélia, beijando-a com ardor. Ela corresponde ao beijo, que vai ficando cada vez mais intenso. Vitor tira a camisola de Amélia e encaixa seu corpo ao dela mais uma vez. Depois de se amarem, tomam um rápido banho juntos. Os dois entram na cozinha, e encontram somente Aspásia e Lurdinha. - Bom dia, meninas! – cumprimenta Amélia. - Quase boa tarde, né, dona Amélia? – retruca Lurdinha – Mas faz bem a senhora, pra quê levantar cedo sem precisão? - Chegamos tarde para o almoço? – pergunta Vitor. - A dona Mariquita já almoçou e foi tirar um cochilo. Mas ainda tem um tantão de comida, sentem aí que eu vou servir – avisa Aspásia.

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O casal senta, e Aspásia vai mostrando as travessas que ainda estão sobre a mesa, enquanto Lurdinha traz outras: - Ó, tem frango com quiabo, arroz com pequi, tutu de feijão, farofa de banana, abobrinha recheada, empadão goiano, salada de cenoura com pimentão, milho assado... - Nossa, quanta coisa... assim eu vou engordar – brinca Amélia. - Que nada, a senhora deve estar precisando de repor as energias – responde Lurdinha, com um sorriso malicioso. - Lurdinha, você não tem jeito... – comenta a patroa. Amélia escolhe alguns dos quitutes, mas Vitor se serve de tudo um pouco. Ele prova o empadão. - Humm, isso está muito bom – ele põe mais pouco no garfo – Experimenta, meu amor. Vitor leva o garfo até a boca de Amélia, que aceita o pedacinho de empadão. - Delicioso mesmo – comenta. Ele a olha com um jeito travesso: - Sujou um pouco ali no cantinho, deixa que eu limpo – ele diz, e rouba um beijinho dela, que sorri, achando linda aquela brincadeirinha. Aspásia e Lurdinha, encostadas na pia, com os braços cruzados, observam a cena. - Ai, Aspásia, quando a gente vai encontrar um homem assim, que dá até comida na boca? - Um só não, né, Maria de Lurdes, tem que ser dois, um pra mim e outro pra você... - Mas é isso que eu tava dizendo, ora! Aspásia suspira: - Se já tá difícil encontrar um, que dirá dois... Após almoçarem, Amélia e Vitor decidem caminhar um pouco pela estância. Andam de mãos dadas, trocando olhares e sorrisos. Vitor colhe uma flor e coloca sobre a orelha de Amélia, enfeitando os cabelos dela. Depois a contempla com ar de encantamento: - Linda... e agora só minha... – ele a beija com carinho, e continuam o passeio, como se estivessem num mundo só deles. O segundo dia de cerco vai chegando ao fim. Fred está de volta, e Manu permanece ao lado dele. Max abre uma fresta da porta de novo, e vê os filhos. - Frederico... Manuela... vamos acabar com isso. Eu sou um velho, sou pai de vocês... – Max grita num tom quase choroso. - É só você confessar, seu Max. Confesse que sabotou o avião do Vitor, e você sai daí. Mas algemado, e vai pagar por isso – avisa Fred, tentando demonstrar frieza. - Tens coragem de colocar teu pai na cadeia? Tu também, Manuela? - Você teve coragem de fazer coisa muito pior comigo, com minha mãe e com o Fred também – responde ela. - E então, seu Max? Se entrega de uma vez, nós também queremos dar um fim nessa história – acrescenta Fred. - Nunca! – grita Max, furioso – Max Martinez jamais perde uma peleia! Ele bate a porta e volta para a sala, onde fica andando de um lado para o outro.

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- Não aguento mais, preciso sair daqui ou vou acabar louco... – Max murmura enquanto caminha. Fred e Manu se olham, tensos. Ele abraça a irmã, e em silêncio ficam esperando. Quase uma hora depois, ouvem um tiro. - Foi lá dentro! – grita Manu. Fred chega mais perto da porta e grita: - Pai! Seu Max! Responde! Por alguns longos minutos, ele e Manu nem se mexem, aguardando alguma resposta, que não vem. - Eu vou entrar, fiquem aí – avisa sargento Mourão, já empunhando uma arma. Mourão vai entrando com cuidado, e se depara com Max caído no chão da sala, com um revólver próximo à mão e uma poça de sangue ao lado da cabeça. Ela toma o pulso dele e verifica que já está morto. A sargento volta para a rua e olha para Manu e Fred, procurando as palavras para dar a notícia. - Acabou. O Max deu fim à própria vida. Fred corre para dentro da casa, para ver com os próprios olhos. - Eu não quero ver – murmura Manu, escondendo o rosto no peito de Solano, que a abraça. - Leva ela pra descansar, Solano – orienta Mourão – Eu vou tomar as providências necessárias... - Eu fico para ajudar na remoção do corpo – acrescenta Fred, retornando com uma expressão de quem ainda não acredita no que viu – Pode ir, Manu. Você cuida dela, Solano? - Claro, Fred. Só vou liberar meu pessoal. Solano vai até os homens do cerco, enquanto Fred abraça a irmã e a sargento dá um telefonema. Amélia vai até a sacada do quarto e olha para o céu. Vitor se aproxima e a abraça por trás. - Olha como a lua está linda... – ela comenta. - Não mais do que você – ele responde no ouvido dela. - Assim você vai me deixar mal acostumada – Amélia sorri, mas logo olha para baixo e vê Manu e Solano se aproximando a cavalo. Mesmo de longe, percebe que algo não está bem com a filha – Manu? Aconteceu alguma coisa. Amélia deixa o quarto depressa, e Vitor vai atrás dela. Quando chegam no final da escada, Manu e Solano estão entrando na casa. - Mãe... estamos livres – revela Manu, com voz triste, e abraça a mãe. - O Max se entregou? – pergunta Vitor, ansioso. - Não. Tu estavas certo, ele não suportou ficar acuado. Mas preferiu acabar com a própria vida do que confessar os crimes que cometeu – explica Solano. - Não imaginei que isso fosse terminar assim. Mas vindo do Max, nada me surpreende – Vitor comenta quase sem sentir. - Filha... como você está se sentindo? – Amélia acaricia os cabelos de Manu. - Não sei explicar. Acabei de perder meu pai, mas depois de tudo que ele fez acho que não vou sentir falta nenhuma dele... De qualquer forma, fiquei chocada com o fim que ele teve. - Claro... ninguém esperava... – responde Amélia, olhando para a filha de um jeito preocupado.

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- Eu vou ficar bem, não se preocupa. Vou subir, tomar um bom banho e descansar. É tudo que eu preciso agora. - Mesmo? Não quer que eu faça alguma coisa pra você, um chá? - Não, mãe. Só preciso de banho e cama – Manu dá um beijo no rosto de Amélia, e sobe as escadas. Solano vai com ela. Vitor abraça Amélia, que diz: - Ai, Vitor... não queria ver minha filha assim, tão abatida. - O importante é que o pesadelo terminou. Finalmente estamos livres do Max. - Sim, e eu estou feliz por isso. Agora podemos viver o nosso amor com toda a plenitude. Mas parte de mim está sofrendo junto com meus filhos. Apesar de tudo, aquele homem era o pai deles... - Imagino. Mas acho que eles estão sabendo lidar com tudo que aconteceu. Mesmo com um pai daquele, você conseguiu criar dois filhos fortes e íntegros. - É... – Amélia sorri levemente – Sou mesmo abençoada. Tenho dois filhos maravilhosos... – ela olha nos olhos de Vitor - e um homem que me ama. - Então deixa esse homem que te ama tentar diminuir um pouquinho esse sofrimento que estou vendo em seus olhos... vem comigo. Eles sobem as escadas e voltam ao quarto. Vitor se recosta na cama, e Amélia se aconchega nos braços dele. Ele fica acariciando os cabelos dela, em silêncio, tentando apenas fazer com que ela se sinta confortada, amparada.

VII

Na manhã do dia seguinte, Manu bate no quarto de Amélia e Vitor. - Pode entrar – avisa a mãe, sentando-se na cama. Manu entra e senta-se perto de Amélia: - O Fred ligou. Vão enterrar o corpo do pai ainda hoje, à tarde. A mãe baixa a cabeça, dizendo com pesar: - Não gostaria de ir nesse enterro... - Eu entendo, mãe. Não tem problema – garante Manu, com doçura – O Solano vai comigo. Amélia segura as mãos da filha. - Mesmo? Manu balança a cabeça afirmativamente. - Vou ficar com a Amélia, tá? – avisa Vitor. - Que novidade... – retruca Manu, esboçando um sorriso. Mais tarde, Amélia e Vitor observam da varanda enquanto Manu e Solano partem para o enterro. Quando a filha some no horizonte, Amélia se vira e abraça Vitor com força. - Que foi? – ele pergunta, percebendo que ela está um tanto triste. - Meus filhos estão indo enterrar o pai... e eu devia estar ao lado deles. Mas não dá. Não sinto nem um pouco a morte desse homem. Estou é me sentindo aliviada. - É natural, meu amor... depois de tudo que ele fez. - É... mas não posso dizer pra minha filha que estou feliz porque o pai dela está morto. Vitor, isso foi o melhor que podia acontecer pra nós. Agora estamos verdadeiramente livres, não precisamos mais fugir daqui, nem esconder nosso amor... – ela acaricia o rosto dele – Podemos viver plenamente esse amor... - Ah, como eu esperei por isso... – Vitor solta um suspiro.

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- Obrigada por ter sido paciente – Amélia olha para ele com paixão. - Nem tive tanta paciência assim, várias vezes achei que não fosse aguentar... mas eu sei que te esperaria a vida toda se fosse preciso, meu amor... – Vitor estreita Amélia em seus braços e beija os lábios dela delicadamente, sem pressa. Após o enterro, Fred vai até a estância com Manu e Solano, para ver a mãe. - Filho... Como você está se sentindo? – pergunta Amélia enquanto o abraça. - Estou bem, mãe. Eu já me sentia sem pai há muito tempo... Acho que todos nós tiramos um peso das costas, né? – ele responde enquanto acarinha os cabelos da mãe - O importante é que vamos poder viver em paz. - Sim. E eu não vou precisar ficar longe dos meus filhos queridos – ela estende o braço para Manu, que abraça a mãe também. Vitor fica olhando os três abraçados, admirando aquela cena sem dizer nada, até que Manu o chama: - Vem, Vitor, você também é parte da família agora. Ele sorri e se junta ao abraço. Os quatro sentem uma paz que há muito tempo não conseguiam ter. Aos poucos, Manu e Fred se afastam, deixando que Amélia e Vitor continuem abraçados. - E agora, vocês vão ficar na fazenda? Ou o que vão fazer? – questiona Fred. - Não sei, a fazenda é de vocês por direito, né? – devolve Amélia. - Eu não quero nada – garante o filho. - Eu também não. Quero vir morar aqui na estância com o Solano o quanto antes – acrescenta Manu. - E o que eu vou fazer com todas aquelas terras, aquele gado? - Você tem um dono de frigorífico ao seu lado, né, dona Amélia? Ele vai saber o que fazer – Manu sugere. - O quê, vocês estão querendo dar a herança de vocês pra mim? Não sabia que meus enteadinhos me amavam tanto – Vitor ri. - O velho não te passou a perna no frigorífico e ainda tentou te matar? Então, é até justo esse acerto – pondera Fred. - Por mim, tudo bem. Que você acha, Amélia? Mas Amélia está distante e nem ouve a pergunta de Vitor. - Amélia? – ele insiste. - Hã? Desculpa, me distrai. Tava aqui pensando numa coisa. De qualquer jeito quero fazer uma reforma total naquele casarão, tentar tirar qualquer lembrança do Max de lá. E nós dois não precisamos de uma casa tão grande. Então, que acha de transformarmos o casarão na sede da Rurbana? A gente reserva alguns cômodos pra moradia, ou, de repente, construímos ao lado uma casinha modesta, mas bem charmosa. Não precisamos mais do que isso, né? - É uma ótima ideia! – garante Vitor, animado. - Que bom que você gostou – Amélia sorri – Então quero começar essa reforma o quanto antes. - Enquanto isso, a gente pode ficar na estalagem – Vitor sugere. - Podemos, sim. Mas preciso passar na fazenda antes. Fred interrompe: - Vocês já querem ir agora? Eu dou uma carona e ajudo a planejar a reforma. - Não tá muito tarde? Como vocês vão voltar depois? – Manu fica preocupada. - Nós podemos dormir lá na fazenda. Já abusamos demais da hospitalidade do Solano – responde Amélia – Vamos pegar nossas coisas, Vitor?

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Eles se dirigem à escada, mas antes de subir Amélia se vira: - Filha, avisa a Lurdinha, é para ela ir conosco. - Ela já está lá na fazenda, botando ordem na casa. - Melhor ainda, então. Fred, Amélia e Vitor entram devagar e em silêncio no casarão. A sala já está arrumada, sem vestígios do que ocorrera ali no dia anterior. Lurdinha vem depressa da cozinha: - Dona Amélia! Vitor! Vocês vão dormir aqui na fazenda? Preciso saber pra preparar a janta. - Vamos, sim, Lurdinha – confirma Amélia. - Ai, que bom. Já tava agoniada aqui sozinha. Vai que o fantasma do seu Max resolve assombrar a casa? Vitor dá uma risada: - Não se preocupa, que eu boto o fantasma pra correr. - Então tá, assim eu fico mais sossegada. Licença – ela volta para a cozinha. Amélia e Fred também estão rindo de Lurdinha. Assim que conseguem voltar a sério, eles conversam sobre a reforma, e Fred vai embora. Após jantarem, o casal sobe para o quarto. Vitor olha para a cama e ri: - Da outra vez que eu dormi aqui, tive que me comportar. Você nem imagina o esforço que fiz... Hoje não vou precisar ser comportado, né? - Não... – Amélia responde, olhando pra ele com ar de encantamento. - Que bom – ele a puxa para seus braços, beijando-a com intensidade. Vitor deita Amélia sobre a cama e começa a tirar a roupa dela: - Eu te quero tanto, meu amor, tanto... Ao acordar, na manhã seguinte, Vitor vê uma bandeja de café da manhã ao seu lado, e Amélia de pé e já vestida com uma camisa branca, calça de montaria e botas. Ela termina de arrumar uma mala. - Bom dia, meu amor... já faz tempo que você acordou? - Uma meia hora. - Por que não me chamou? - Você estava dormindo tão bonitinho... – Amélia sorri – Aproveitei para começar a arrumar minhas coisas. - Vamos para a estalagem hoje mesmo? - Sim. Mas antes quero te levar para um passeio. O dia está tão bonito... - Humm... – ele sorri – que tipo de passeio? - Surpresa – ela devolve com um olhar travesso – Toma seu café, veste uma roupa bem confortável e me encontra lá fora, tá bem? Amélia dá um selinho em Vitor e sai, deixando-o curioso.

VIII

Vitor encontra Amélia ao lado de dois cavalos. - Não me diz que nós vamos passear a cavalo... – comenta ele, tenso. - Vamos. Vitor faz uma careta: - Faz muito tempo que não cavalgo, espero que eu não pague um mico... Amélia ri:

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- Tá com medo? - Medo? Eu? – ele tenta mostrar valentia, e sobe no cavalo como se não temesse nada. Consegue montar com certa facilidade, e dá um suspiro de alívio, depois se ajeita e olha para Amélia com altivez – Viu só? - Tá lindo aí, em cima desse cavalo... – ela sorri. - É, mas vou ter que descer – Vitor apeia e estende a mão para Amélia, para ajuda-la a montar em seu cavalo. Só depois que ela está montada é que ele sobe no cavalo novamente – E então, para onde vamos? - Me segue – ela diz apenas, com um olhar travesso, e sai na frente. Vitor parte também, mas fica para trás até se sentir mais seguro, só então faz o animal galopar. Consegue ficar ao lado de Amélia, que sorri para ele. Vitor faz seu cavalo ficar o mais perto possível do cavalo dela. - Pára um pouquinho – ele pede. Ela obedece. Sem descerem, Vitor se aproxima de Amélia, e a beija com cuidado. Depois avisa, com um sorriso: - Agora sim, podemos continuar. Eles seguem trocando olharem e sorrisos. Quando chegam diante da cachoeira, Amélia pára e desce do cavalo. Olha para Vitor com um sorriso travesso e pergunta: - Ainda quer tomar banho de cachoeira comigo? Ele fica paralisado por alguns segundos, sem conseguir acreditar. Amélia começa a tirar as botas, tira a calça e a camisa também, ficando só de sutiã e calcinha. Vitor observa de cima do cavalo, ainda sem conseguir reagir, como que hipnotizado por aquela cena. - Você não vem? – ela insiste, e vai entrando na água. Vitor apeia depressa, tira a roupa o mais rápido que consegue e corre até ela, que já tem água pela cintura. Com a respiração ofegante, puxa Amélia para seus braços. - Nossa, isso é real... – ele murmura, enquanto suas mãos acariciam a pele dela. Lentamente, Vitor vai aproximando seus lábios dos de Amélia. Beijam-se lentamente, como se ali o tempo não existisse. Depois, ele a conduz até debaixo da cachoeira. Amélia abre os braços, e fica de olhos fechados, sentindo a água cair por seu corpo. Vitor percebe que ela precisa daquele momento, e fica quietinho, só observando. Amélia abre os olhos e chega mais perto dele: - Agora, sim... eu nasci de novo. E essa nova vida... - ... vai ser ao meu lado – completa Vitor. Ela balança a cabeça afirmativamente, parecendo emocionada. Ele a enlaça pela cintura e a olha nos olhos. E junta seus lábios aos dela novamente, dessa vez com mais intensidade. Depois a pega no colo e leva para uma parte mais rasa do rio, onde podem recostar-se nas pedras ainda estando dentro da água. Naquele local, eles ficam algum tempo trocando beijos e carícias, até não resistirem e se entregarem ao desejo ali mesmo. Já passa das duas horas da tarde quando Amélia e Vitor retornam para casa. Entram pela cozinha. - Lurdinha, prepara alguma coisa pra nós? Estamos morrendo de fome – pede Amélia.

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- É pra já... Vocês demoraram nesse passeio, hein? Mas deve ter sido bom por demais, porque os dois estão com cara de que viram passarinho verde, azul, vermelho, de todas as cores... Vitor cai na risada, enquanto Amélia, rindo também, devolve: - Você não tem jeito, né, Lurdinha? - Ué, só falei a verdade... Amélia e Vitor sentam à mesa da cozinha, enquanto Lurdinha os serve. - Depois você chama o Cirso pra mim? – pede Amélia à empregada – Quero que ele arrume alguns homens pra começar hoje mesmo a tirar os móveis aqui da casa. O Fred está fazendo o projeto, vamos começar a reforma o quanto antes. Você, Lurdinha, vai ficar aqui para fazer almoço, café, essas coisas, para os operários, tá bem? - Tá, né, fazer o quê? – Lurdinha responde com ar de resignação. - Qualquer coisa me avisa, eu e o Vitor vamos ficar na estalagem durante esses dias. - Vocês lá no bem bom... e eu aqui, servindo peão. Ó vida... - Lurdinha, pensa por outro lado... vai que entre os rapazes que vêm trabalhar na obra você encontra sua alma gêmea? – provoca Vitor, rindo. - Ah, não, eu hei de me casar com um empresário rico e perfumado, não com um operário sujo de pó e tinta, viu? – Lurdinha fica enfezada e sai da cozinha, deixando Amélia e Vitor aos risos. Dois meses se passam. A produção das peças da Rurbana já está funcionando a todo vapor na casa da fazenda. Amélia e Vitor estão morando numa casa anexa, muito felizes. Ao final de mais um dia de trabalho, Amélia avisa que vai tomar um banho antes do jantar, e Vitor pede que ela fique no quarto até que ele chame. - Por quê? – ela fica curiosa. - Só faz o que estou pedindo, tá? – ele responde com doçura, beija delicadamente os lábios dela e sai. Algum tempo depois, ele volta para buscá-la. Estende a mão e diz: - Vem. Vitor conduz Amélia até a mesa, que está arrumada com dois castiçais, velas e flores. Ele puxa a cadeira para Amélia sente-se, e depois busca uma garrafa de vinho na cozinha. Ela fica olhando, encantada, enquanto Vitor coloca um pouco de vinho nas duas taças. Ele sai de novo e retorna com dois pratos já servidos. - Não vai dizer que você preparou a comida também... – comenta Amélia, sorrindo. - Não, nessa parte pedi ajuda pra Lurdinha. Mas a mesa fui eu mesmo que arrumei – ele conta, enquanto coloca os pratos na mesa – Pronto, já está tudo em seus lugares. Vitor levanta a taça de vinho: - Um brinde... ao nosso amor. Eles tocam as taças e trocam um olhar apaixonado. Amélia sorri, achando tudo lindo. Quando terminam de comer, ela pergunta: - Qual o motivo desse jantar tão especial? - Além de celebrar o nosso amor, o que sempre é um bom motivo... quero te fazer um convite.

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Ela olha para Vitor, esperando que ele continue. Vitor segura a mão dela, e prossegue: - Agora, que está tudo correndo perfeitamente, o que você acha de fazermos uma viagem de lua-de-mel? - Lua-de-mel? Mas nós nem casamos... - Eu não preciso de nenhum papel para ter certeza que você é minha... Acho que já me sinto casado desde o dia em que nos amamos pela primeira vez. Só falta a lua-de-mel... Amélia, emocionada, solta um suspiro antes de responder: - Eu vou com você pra onde você quiser... Vitor abre um grande sorriso: - Estava pensando em Paris, que você acha? A gente pode unir o útil ao agradável e levar alguns catálogos da Rurbana na mala. - Eu e você, em Paris? Vai ser maravilhoso! – Ela afirma com os olhos brilhando.

IX Amélia e Vitor chegam a Paris em uma noite muito fria, apesar da primavera estar começando. Ele, precavido, já havia reservado uma suíte com lareira num dos melhores hotéis. Após se acomodarem, os dois vão para a frente da lareira. Amélia se aconchega nos braços de Vitor. Ficam algum tempo apenas quietinhos, abraçados, se aquecendo. Quando já estão sentindo um calorzinho gostoso, Amélia ergue um pouco o corpo e olha nos olhos de Vitor. Depois desce o olhar até o peito dele. Ela, lentamente, vai abrindo os botões da camisa de Vitor, que, com a respiração já ficando alterada, aguarda os próximos movimentos da amada. Amélia acaricia o peitoral dele com as pontas dos dedos, depois aproxima os lábios e percorre aqueles músculos com suaves beijos. Vai subindo pelo pescoço dele, até chegar aos lábios. Vitor, sentindo o sangue ferver, não se contém mais, e a beija com ardor, de um jeito quase desesperado. As mãos dele arrancam as roupas dela com pressa, com urgência. Amam-se de um jeito mais intenso do que nunca. Na manhã seguinte, Amélia acorda e vê Vitor na mesinha do quarto, fazendo anotações num papel. Ela levanta e se aproxima por trás dele, o enlaçando pelo pescoço: - Bom dia... Ele levanta a cabeça e olha para Amélia, que lhe beija os lábios suavemente. - Dormiu bem? – pergunta Vitor. - Muito bem... – ela sorri – Que você está fazendo? - Fiz uma lista com endereços de joalherias e outras lojas onde a gente pode entregar o catálogo da Rurbana. Vamos fazer isso logo, tá? E depois, só aproveitar essa cidade... – com um olhar travesso, ele se vira e puxa Amélia para o colo dele, beijando-a com paixão. Eles passam a manhã e uma parte da tarde entregando catálogos. Após saírem do último endereço, andam pela rua de mãos dadas. - Meu amor, todos ficaram encantados com as suas peças, você viu? Acho que vamos ter que contratar mais gente para dar conta de tantas encomendas que

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vão sugir logo, logo – comenta Vitor – Imagina, a Rurbana sendo sucesso na Europa? - Parece um sonho, né? – Amélia tem um sorriso iluminado. Vitor pára e olha nos olhos dela: - Não é um sonho... é o resultado do seu talento. Ele lhe dá um beijo ali mesmo, no meio da rua. Amélia corresponde, e ri enquanto eles seguem o caminho, andando abraçados. De repente, ela vê que estão diante da praça de La Concorde. - Vitor! – exclama Amélia, exultante, e o puxa pela mão – Vem, quero te mostrar um lugar lindo! Ela o leva até o Jardim das Tulherias, dentro da praça. Os olhos dela brilham diante das flores de colorido exuberante. - Não é lindo? – pergunta. - Qualquer lugar é lindo se você estiver nele – responde Vitor, com um olhar apaixonado. Amélia olha para ele, encantada. - Você não existe... é maravilhoso demais pra ser de verdade... - Existo sim, quer tirar a prova? – ele a enlaça pela cintura. - Quero – ela responde, aproximando os lábios para mais um beijo. Depois, Vitor pega a câmera e tira fotos de Amélia diante das flores. Vai chegando cada vez mais perto, até que a enlaça com um braço e tira uma foto dos dois juntos. Encosta seus lábios nos de Amélia e aperta o botão de novo. - Acho que não ficou boa, precisamos tirar mais uma assim... – ele avisa de um jeito travesso. - Bobo... desde quando você precisa de desculpa pra me beijar? – ela ri. - Ah, é? Vem, então... – Vitor a puxa para seus braços e a beija apaixonadamente. Por alguns momentos, até esquecem que estão em público e ficam entregues àquele beijo, que vai ficando mais intenso. Até que Amélia o empurra delicadamente, e rindo: - Vitor... assim nós vamos acabar sendo presos por atentado ao pudor. - Desde a gente fique juntinhos na mesma cela... nem me importo de ser preso. - É um bobo mesmo... mas mesmo assim eu te amo, viu? – ela dá uma piscadinha para ele. - Que bom, porque eu também te amo, sabia? Te amo, te quero, te adoro... – ele vai dizendo enquanto dá selinhos nela. Amélia sorri e pergunta: - E agora? Vamos voltar pro hotel? - Vamos. À noite a gente passeia mais. - Onde? - Agora é a minha vez de te levar para um passeio surpresa, tá? – Vitor olha para ela com jeito de quem está aprontando algo. - Vitor... – Amélia não consegue dizer mais nada, apenas sorri. Quando chegam ao hotel, o recepcionista entrega uma sacola a Vitor. - O que é isso? – questiona Amélia, curiosa. - Você já vai saber. Só no quarto é que ele passa a sacola às mãos de Amélia: - É pra você usar hoje à noite. Ela abre a sacola e tira de dentro um vestido vermelho, longo, de tecido nobre.

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- Que lindo... – ela murmura – Como você fez pra comprar sem eu ver? - Lembra aquela hora em que você ficou conversando com uma amiga dos tempos de modelo? - Danadinho... - Enquanto você se arruma, fica ainda mais linda, eu vou sair para providenciar a minha roupa. Acredita que esqueci? Tomara que eu encontre um smoking, assim, de última hora. - Smoking? – Amélia fica impressionada, e ainda mais curiosa. - Sim, meu amor, hoje a noite é de gala – ele atira um beijo e sai. Vitor retorna carregando o smoking e encontra Amélia diante do espelho, terminando de arrumar os cabelos, já maquiada, mas ainda de roupão. Ele dá um leve beijinho nos lábios dela, quase sem encostar para não estragar a maquiagem. - Vou tomar um banho e me apronto em alguns minutos – avisa. - Já estou quase pronta – ela responde. Quando Vitor sai do banheiro, Amélia já está na saleta de entrada da suíte, pronta. Ele se veste, ajeita os cabelos e vai ao encontro dela. Ao chegar diante de Amélia, fica extasiado: - Nossa... você está maravilhosa... – os olhos dele vão dos pés aos cabelos dela. Ele repara que o colo está adornado com um colar de capim dourado, o modelo mais sofisticado desenhado por Amélia, mas que ele ainda não tinha visto – Que colar é esse? - Ficou perfeito com o vestido, né? – ela sorri – Desenhei uns dias antes da gente viajar. Quando estava criando o modelo, senti que seria usado em um momento muito especial. Ainda não sei porque fiquei com ele para mim, nem porque o trouxe na mala. Mas acho que vou saber logo, né? - Vai – ele oferece o braço para Amélia, que encaixa o seu. Ao chegarem diante do rio Sena, Vitor aponta para um barco que está atracado ali: - Reservei só para nós. Os olhos de Amélia brilham, e ela não consegue dizer nada. Ele a conduz até o convés do barco, e autoriza o comandante a partir. Abraçados, Amélia e Vitor contemplam a cidade iluminada, as pontes, a catedral de Notre Dame... Depois vão para dentro do barco, onde a mesa já está arrumada à espera deles. O garçom serve champagne para o casal. Amélia sorri, achando tudo lindo. Após a sobremesa, Vitor tira uma caixinha do bolso e explica: - Eu te disse que não preciso de papéis, cerimônia, nada disso, para saber que nosso amor é para sempre. Mas tem uma coisa que acho que a gente merece – Ele estende a caixinha para ela - Abre. Amélia obedece, e vê um par de alianças de ouro, trabalhado de forma a parecer serem feitas de capim dourado. Com os olhos marejados e a voz embargada, ela murmura: - Alianças de capim dourado? - Mandei fazer especialmente para nós, ainda no Brasil. Não via a hora de colocar essa aliança no teu dedo – ele pega a jóia e delicamente põe no dedo anular de Amélia, depois beija a aliança. Amélia faz o mesmo, coloca a outra aliança no dedo de Vitor. Ainda emocionada, ela diz:

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- Você é perfeito... pensa em todos os detalhes... - Não... sou apenas um homem apaixonado – responde Vitor, levantando-se – Vamos voltar lá pra cima? Abraçados no convés do barco, contemplando os monumentos e prédios iluminados, o que torna a cidade ainda mais encantadora, Amélia e Vitor ficam algum tempo em silêncio, só desfrutando daquele momento. Até que ela se vira para ele e comenta: - Isso tudo parece um sonho... um sonho tão lindo... - Amélia... meu amor... – ele acaricia o rosto dela, que tem os olhos fixos nos dele – Vou fazer de tudo para que nossa vida seja sempre assim... um sonho real... Amélia sorri, emocionada, e os lábios deles vão se aproximando. Em meio ao rio Sena, sob um céu estrelado, eles trocam mais um beijo repleto de amor.

FIM