a Água nos relatos bÍblicos e suas … Água nos... · palavras-chave – bíblia, relatos...

40
REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016 Luís Alberto Casimiro 173 A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS REPRESENTAÇÕES ICONOGRÁFICAS Prof. Dr. Luís Alberto Casimiro 1 http://lattes.cnpq.br/6128842638959902 RESUMO – Neste artigo pretendemos chamar a atenção para a Iconografia da Água e sua relação com certos episódios bíblicos em que o tema da água se faz presente. Tal como os textos das Sagradas Escrituras que lhes servem de fonte, tais representações têm em conta, não somente as referências à importância da água como origem de vida e elemento indispensável para a sobrevivência humana, como ainda fazem alusão ao seu emprego para finalidades muito práticas e, também, ao seu valor simbólico que deriva da experiência do cotidiano do povo hebreu para o qual a água surgia com uma ambivalência notória devido à sua ação benéfica ou destruidora. Partindo desta realidade, apresentaremos alguns episódios bíblicos em torno da questão da água e analisaremos o modo como os artistas os representaram contribuindo para reforçar a importância dada à água, tornando-a num elemento importante, ou mesmo o aspeto central das suas composições. PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT This article aims to bring attention to the iconography of the water and its relationship with certain biblical episodes in which the water theme is present. As the texts of the Holy Scriptures that serve as a reference, such representations take into consideration not only the references to the importance of water as a source of life and indispensable for human survival, but also allude to its use for very practical purposes and also the symbolic value that derives from the experience of the Jewish people everyday for which the water came with a remarkable ambivalence due to its beneficial or destructive action. Based on this reality, we will present some biblical episodes around the issue of water and analyze how artists represented the contributing to 1 Doutor em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Portugal) e investigador do CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» (Unidade de I & D ligada à Universidade do Porto).

Upload: vokhanh

Post on 09-Nov-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

173

A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS REPRESENTAÇÕES ICONOGRÁFICAS

Prof. Dr. Luís Alberto Casimiro1

http://lattes.cnpq.br/6128842638959902

RESUMO – Neste artigo pretendemos chamar a atenção para a Iconografia da Água e

sua relação com certos episódios bíblicos em que o tema da água se faz presente. Tal

como os textos das Sagradas Escrituras que lhes servem de fonte, tais representações têm

em conta, não somente as referências à importância da água como origem de vida e

elemento indispensável para a sobrevivência humana, como ainda fazem alusão ao seu

emprego para finalidades muito práticas e, também, ao seu valor simbólico que deriva da

experiência do cotidiano do povo hebreu para o qual a água surgia com uma

ambivalência notória devido à sua ação benéfica ou destruidora. Partindo desta realidade,

apresentaremos alguns episódios bíblicos em torno da questão da água e analisaremos o

modo como os artistas os representaram contribuindo para reforçar a importância dada à

água, tornando-a num elemento importante, ou mesmo o aspeto central das suas

composições.

PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água.

ABSTRACT – This article aims to bring attention to the iconography of the water and

its relationship with certain biblical episodes in which the water theme is present. As the

texts of the Holy Scriptures that serve as a reference, such representations take into

consideration not only the references to the importance of water as a source of life and

indispensable for human survival, but also allude to its use for very practical purposes

and also the symbolic value that derives from the experience of the Jewish people

everyday for which the water came with a remarkable ambivalence due to its beneficial

or destructive action. Based on this reality, we will present some biblical episodes

around the issue of water and analyze how artists represented the contributing to

1

Doutor em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Portugal) e investigador

do CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» (Unidade de I & D

ligada à Universidade do Porto).

Page 2: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

174

reinforce the importance given to water, making it an important element, or even the

central aspect of his compositions.

KEYWORDS – Holy Bible, biblical accounts, iconography, iconography of water.

Introdução

Como é sobejamente sabido, a água constitui um bem essencial e indispensável à

vida, seja ela humana, vegetal ou animal. Quando a sua escassez é grande e frequente,

como sucede em regiões desérticas ou semidesérticas, então maior valor lhe é dado e mais

cuidado há na sua preservação e utilização. Assim sucedeu ao povo bíblico que, como

outros povos e durante os longos séculos dedicados à redação das Sagradas Escrituras,

manteve contato com o elemento «água» nas suas diversas funções e significados,

experimentando os seus efeitos benéficos, mas também a sua capacidade destruidora.

Não é de estranhar portanto que, ao longo dos textos bíblicos, as referências à água

estejam presentes de uma forma constante. Com efeito, desde a primeira página do

Antigo Testamento até à última do Novo Testamento, existem constantes alusões à

água, feitas pelos mais diversos motivos. Por sua vez, os artistas, ao fazerem a

representação de episódios bíblicos onde a água está presente – e são imensos – também

contribuem para evidenciar a importância que a água tinha para o povo hebreu. São

algumas destas particularidades que pretendemos apresentar e esclarecer, começando por

referir e classificar as ações mais práticas e evidentes da água para depois serem analisadas

outras funções próprias da simbologia. Tudo será baseado em algumas passagens bíblicas

e ilustraremos o modo como os artistas lhe deram expressão plástica 2

.

É impossível enumerar e analisar os exemplos que encontramos ao longo das

centenas de páginas das Sagradas Escrituras onde se refere a água, sua utilização prática e

simbólica pois levar-nos-iam à escrita de uma infinidade de páginas que não se

enquadram no contexto da presente publicação. Dada a necessidade de síntese, faremos

2

Gostaríamos de esclarecer que neste trabalho não existe qualquer intenção de validar ou refutar os textos

bíblicos com base na falta de rigor histórico, científico ou de outro tipo. Não serão apresentadas quaisquer

interpretações dos textos usados, com base na exegese moderna, pois apenas se procura analisar as obras de

arte que surgem a partir da interpretação dos textos bíblicos segundo o pensamento da sociedade da época

que deu origem à obra de arte.

Page 3: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

175

somente uma seleção cuidadosa e bastante limitada de alguns casos mais ilustrativos da

relação que existe entre certos textos bíblicos referentes à água e sua representação

iconográfica. Devido a estas mesmas limitações também não iremos utilizar as

referências à água nos textos apócrifos do Antigo ou do Novo Testamentos, os quais,

apesar de não serem reconhecidos pela Igreja, constituíram para a Iconografia, valiosas

fontes literárias e muito usadas pelos artistas.

A água e suas funções

Como já referimos, o elemento «água» está presente desde a primeira página da

Bíblia até à última. Logo no primeiro capítulo do livro do Génesis podemos ler: “No

princípio, quando Deus criou os céus e a terra, a terra era informe e vazia, as trevas

cobriam o abismo e o espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas.” (Gn 1, 1-

2). Por sua vez, no último capítulo do Apocalipse continua a fazer-se alusão à água:

“Mostrou-me, depois, um rio de água viva, resplendente como cristal, que saía do trono

de Deus e do Cordeiro. […] O que tem sede que se aproxime; e o que deseja beba

gratuitamente da água da vida.” (Ap 22, 1. 17).

Querendo quantificar as referências à água feitas nos textos bíblicos, chegamos

às seguintes conclusões: o termo é empregue, de forma direta, 614 vezes no Antigo

Testamento e 88 vezes no Novo Testamento. Porém, se alargamos o conceito de água a

outros termos com ela associados tais como «mar», «rio», «fonte», «poço», «chuva» ou

«orvalho» por exemplo, então contabilizamos 1500 versículos do Antigo Testamento e

430 no Novo Testamento 3

.

A experiência secular do povo bíblico levou-o a ver na água muito mais do que

um bem precioso e indispensável à vida, pois pode também, ser causa de catástrofes e de

morte, ou seja, uma ação negativa e prejudicial, ao mesmo tempo que poderia ser

utilizada, ainda, como sinal visível de algo que os olhos humanos não são capazes de

3

Os números relativos à utilização destes termos foram definidos com base em OLIVEIRA, Oséias

Gomes. Concordância Bíblica Exaustiva – Joshua. Rio de janeiro: Ed. Central Gospel, [s. d.], 4 vols e

Concordância Bíblica. [S.l.]: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997.

Page 4: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

176

enxergar e que classificámos de função simbólica. Sintetizando, iremos analisar as

referência à água nos textos das Sagradas Escrituras, enquadrados em 3 categorias:

1- Ação positiva (fonte de vida e purificadora)

2- Ação negativa (causa de destruição e morte)

3- Ação simbólica (sinal de algo não visível ou de uma intervenção

extraordinária).

1- Ação positiva (fonte de vida e purificadora)

O contato do povo hebreu com a água existente na natureza, nos limites do

pequeno espaço geográfico que ocupa, é relativamente restrito. Os habitantes do litoral

beneficiam da presença do Mar Mediterrâneo, enquanto os do interior apenas podem

tirar partido do grande curso de água que é o rio Jordão e seus afluentes. Este rio, com

cerca de 190 km de extensão, nasce a norte na encosta do monte Hérmon e dirige-se para

sul unindo dois «mares» no seu curso: a norte o «mar» da Galileia (Lago de Genesaré)

formado pelo próprio Jordão e, a sul, o «mar» Morto onde desagua. As populações que

vivem longe destes locais com mais água veem-se na necessidade de abrir poços para ter

acesso a esse líquido precioso.

Nesta relação elementar com a água está patente, em primeiro lugar, a sua ação

positiva, enquanto fonte de vida. Situação vivenciada no cotidiano não apenas porque é

imprescindível para a sobrevivência humana e de outras espécies animais e vegetais,

como ela própria contém em si seres vivos que também sustentam o ser humano,

nomeadamente, através de todo o tipo de peixes que vivem nos rios, nos lagos e nos

mares. Além disso, ela é necessária para a fabricação de tijolos de adobe usados para a

construção de diferentes tipos de edifícios e também é indispensável para a agricultura de

modo a tornar férteis os campos e, assim, proporcionar o necessário alimento ao ser

humano e ao gado. Há, portanto, a consciência clara de que a água é suporte da vida sob

diversas formas.

Outra dimensão positiva é a função purificadora da água. Trata-se de uma

utilidade prática, mas não necessariamente vital, com a qual o povo lidava em cada dia,

Page 5: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

177

não só para as abluções previstas na Lei 4

como, também, para outros tipos de limpeza

que diga respeito às pessoas, utensílios, alimentos, vestes, animais, casas, etc., muitas

delas bem descriminadas no livro do Levítico 5

. No que se refere ao ser humano, esta

purificação diz respeito ao seu exterior, ou seja. ao corpo, mas também à regeneração

interior, portanto no âmbito da vertente espiritual, não visível e, como tal, a

integraremos na função simbólica.

Atendendo a estas funções positivas que envolvem a totalidade do ser humano e

das suas necessidades vitais ou básicas, não será de estranhar que o elemento «água» esteja

presente ao longo das páginas da Bíblia de uma forma preponderante e que também os

artistas, servindo-se dos textos bíblicos como fonte de inspiração, tenham introduzido a

água como tema nas suas obras de arte de cariz religioso.

2- Ação negativa

O povo hebreu, a partir das vivências do cotidiano e das notícias que recebia de

povos vizinhos, também conhecia bem a ação negativa da água enquanto causadora de

inundações, grandes catástrofes, morte e destruição de culturas, pessoas e animais.

Decerto que, ao longo dos séculos, através da tradição oral ou escrita, o povo transmitia

e guardava na memória a maior destruição de todas, ocorrida em tempos longínquos: o

dilúvio.

Os textos bíblicos relativos a este episódio, que é descrito no capítulo 7 do

Gênesis, salientam o arrependimento de Deus em ter criado o homem pela degradação

de vida e pela profundidade do pecado a que chegara. Deus decide, então, suprimir toda

humanidade da face da Terra poupando, contudo, a vida de Noé, considerado um

4

Tal como se refere, por exemplo, no livro do Êxodo: “O Senhor disse a Moisés: «Farás uma bacia de

bronze com uma base de bronze para abluções. Colocá-la-ás entre a tenda da reunião e o altar, e nela

deitarás água. Aarão e os seus filhos lavarão ali as mãos e os pés. Quando entrarem na tenda da reunião,

lavar-se-ão com esta água, para não morrerem; e também quando se aproximarem do altar, para o exercício

do culto e para oferecerem sacrifícios ao Senhor, lavarão os pés e as mãos, a fim de não morrerem. Esta é

uma norma perpétua para eles: para Aarão e para os seus descendentes, por todas as gerações.»” (Ex 30,17-

21).

5

A este tema estão dedicados, essencialmente, os capítulos 11 a 15 do livro do Levítico.

Page 6: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

178

homem bom e justo, bem como a de sua família. Este castigo divino enviado à

humanidade se realiza, precisamente, através da água que inundará toda a Terra.

A descrição do dilúvio que encontramos no livro do Gênesis sofreu influências

de lendas semelhantes provenientes de povos vizinhos, nomeadamente o poema

mesopotâmico conhecido como «Epopeia de Gilgamesh» e mostra que a água era vista

como causadora da morte dos seres humanos e de animais e até com capacidade para

destruir toda a vida na Terra como é relatado nos capítulos 6 a 8 do Gênesis.

Paradoxalmente, depois de causar destruição e morte, a regeneração e renovação da vida

também está dependente da água. Estamos, pois, perante situações ambivalentes e com

efeitos opostos causados pelo mesmo fator: a água.

Mas o dilúvio não foi o único caso bíblico em que a morte e a destruição, em

grande escala, foram causadas pela água. No Êxodo, o segundo livro do Pentateuco 6

,

refere-se outra catástrofe de grandes dimensões. Após Moisés ter conseguido que o faraó

libertasse os filhos de Israel que estavam prisioneiros no Egito há vários séculos, o povo

dirigiu-se ao Mar Vermelho para o atravessar e regressar a Canaã, a terra prometida. Foi

então que o faraó se arrependeu de ter libertado os israelitas e, levando consigo o seu

numeroso exército, saiu em sua perseguição. Uma vez chegados junto do Mar Vermelho

e com os exércitos do faraó atrás de si, os israelitas encheram-se de temor e voltaram-se

para Moisés. Este, obedecendo às ordens de Deus, ergueu a sua vara e estendeu a mão

sobre o mar. As águas abriram-se em duas muralhas de modo a que os filhos de Israel

pudessem atravessar em terra seca. O exército do faraó avançou pelo mesmo caminho

perseguindo o povo hebreu, mas Moisés erguendo de novo a sua vara sobre o mar, fez

com que as águas voltassem ao seu nível normal arrastando consigo os carros e os

cavaleiros de todo o exército do faraó, tal como descreve o Êxodo:

Moisés estendeu a sua mão sobre o mar, e o mar voltou ao seu leito

normal, ao raiar da manhã, e os egípcios a fugir foram ao seu encontro.

E o Senhor desfez-se dos egípcios no meio do mar. As águas voltaram e

6

Pentateuco é um termo de origem grega e que significa “cinco rolos”, ou livros, sendo formado por:

Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, os primeiros cinco livros da Bíblia.

Page 7: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

179

cobriram os carros de guerra e os cavaleiros; de todo o exército do faraó

que entrou atrás deles no mar, não ficou nenhum. Os filhos de Israel

caminharam em terra seca, pelo meio do mar, e as águas eram para eles

um muro à sua direita e à sua esquerda. O Senhor salvou, naquele dia,

Israel da mão do Egito, e Israel viu os egípcios mortos à beira do mar.

(Ex 14, 27-30).

3- Ação simbólica

Como se sabe, o povo de Israel considerava-se o «povo eleito» do Senhor, e a

dimensão religiosa, que ocupava um lugar central no cotidiano deste povo, tudo

condicionava e determinava mediante normas de comportamento e regras estritas sobre

o que se deveria ou não fazer para se manter fiel à Aliança de Deus, para ser agradável

aos seus olhos, cumprir as prescrições e, assim, receber os seus benefícios. Neste

ambiente religioso não é difícil perceber que as ações práticas e imediatas da água, sejam

positivas ou negativas, vão estar a par com outra função que reporta à sua simbologia.

De fato, em diversos momentos os escritores sagrados fazem alusões à água que

ultrapassam a sua finalidade prática e surgem como manifestação de um significado mais

profundo. Referimo-nos, por exemplo, ao simbolismo da água resultante de ações

extraordinárias de Deus em favor do seu povo, ou como sinal de realidades espirituais,

invisíveis, mas atuantes no ser humano, ou ainda, com outros significados de caráter

simbólico. Sem sermos, de modo algum, exaustivos, salientamos certos aspetos em que a

utilização da água remete para uma dimensão simbólica alguns dos quais serão

posteriormente analisados em detalhe:

- Meio de libertação do povo hebreu (Moisés na travessia do Mar

Vermelho)

- Sinal da presença de Deus que cuida seu povo (Moisés faz brotar água da rocha)

- Sinal de purificação interior (Ritual do Batismo)

- Elemento que materializa o milagre (Cura de Naamã; Milagre nas Bodas de

Caná)

- Gesto de ilibação de culpas (Pilatos lava as mãos)

- Prova de humildade e serviço (Jesus lava os pés aos apóstolos)

Page 8: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

180

- Confirmação da vontade divina (Gedeão e o velo probatório)

Iconografia da água nos relatos bíblicos

Após termos sistematizado e esclarecido, de uma forma simples, mas

abrangente, as diversas ações da água nas Sagradas Escrituras, utilizaremos as categorias

anteriormente estabelecidas para apresentarmos o modo como diferentes artistas, ao

longo dos séculos, interpretaram as referências à água nos textos bíblicos.

1- Ação positiva

Neste item salientámos a água como fonte de vida e como agente de purificação

externa. Dentro destas duas categorias analisaremos, de forma resumida, alguns textos e

as respetivas representações iconográficas. Logo nas primeiras páginas da Bíblia, os

escritores sagrados, ao fazerem o relato da Criação, servem-se da água como um dos

elementos mais importantes para o sustento da vida.

Ao longo dos séculos, o fascinante e

controverso relato da criação do Universo e da Terra

deve ter causado grande impacto nos pintores e seus

mecenas pois foram abundantes as respetivas

representações nas quais se salienta a sequência dos

dias e se introduzem diversas referências a água. Para

justificar as representações da Criação, não

poderemos colocar de lado a ação da Igreja que

apresentava aos fiéis um Deus criador que com a sua

benevolência para com o homem, o centro da criação,

se dispôs a criar a Terra a fim de servir de habitação do

ser humano e lhe proporcionar todas as condições de

vida. Assim começa o relato:

Figura 1

Deus Pai criador do Universo.

Bíblia Moralizada de São Luís (1220-

1240). Toledo, Tesouro da Catedral de

Santa Maria.

Page 9: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

181

No princípio, quando Deus criou os céus e a terra, a terra era informe e

vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito de Deus movia-se sobre a

superfície das águas. Deus disse: «Faça-se a luz.» E a luz foi feita. Deus

viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou dia à luz,

e às trevas, noite. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o

primeiro dia. (Gn 1, 1-5)

Curiosamente, nenhum texto refere a criação das águas, porém elas vão ocupar

um lugar central neste processo criativo, tal como se pode confirmar pela leitura

continuada da narrativa. Sobretudo na Idade Média, estes primeiros momentos em que

Deus cria e coloca ordem nos diversos elementos foram muito representados. Um

exemplo pode ser visto na figura 1, que reproduz a primeira iluminura de uma Bíblia

Moralizada datada do início do século XIII. Nela podemos ver Deus-Pai como Arquiteto

do Universo, que tudo cria e ordena com peso e medida: o caos inicial e todos os

elementos primordiais. A representação do Pai

Eterno é feita com barbas e cabelo comprido e

com nimbo crucífero iconografia que mostra

grande semelhança com a aparência mais

própria de Jesus Cristo, sinal da identificação

medieval entre as três pessoas da Santíssima

Trindade. Na mão direita segura o compasso

cuja forma se relaciona com a primeira letra

grega «Alfa», sinal do princípio de todas as

coisas 7

. Simboliza também a ordem, a

precisão, a medida e o poder de medir. Com a

mão esquerda sustenta o globo do universo em

criação, onde se pode ver a ondulação das águas, a matéria informe, o vazio.

E era neste vazio da terra informe onde a escuridão cobriam o abismo que o

espírito de Deus pairava sobre a superfície das águas, como refere o texto bíblico. O

7

Cf. CIRLOT, Juan-Eduardo – Diccionario de Símbolos. Barcelona: Editorial Labor, SA. 1992, p. 142

Figura 2

Mosaicos da Criação (1215-1235). Cúpula sul.

Venezia, Basilica di San Marco.

Page 10: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

182

«espírito de Deus» será referido no Novo Testamento, como assumindo a forma de uma

pomba, nomeadamente nos textos alusivos ao Batismo de Jesus, pelo que os artistas não

tiveram dificuldade em apropriar-se desta imagem para representarem o Espírito Santo.

Ilustramos na figura 2 uma representação dos vários dias da Criação tal como é feita na

cúpula sul do nártex oeste da Basílica de São Marcos, em Veneza. Chama-se a atenção

para a imagem inferior onde se representa a escuridão do abismo, a ondulação das águas

e o espírito de Deus, movendo-se sobre elas.

No segundo dia da Criação as águas são

protagonistas: “Deus disse: Haja um firmamento

entre as águas para as manter separadas umas das

outras. Deus fez o firmamento e separou as águas

que estavam sob o firmamento das que estavam

por cima do firmamento.” (Gn 1, 6-7). A

dificuldade em representar algo tão complexo

como são estes relatos parece não ter constituído

grande obstáculo para a sua figuração plástica na

arte medieval. No exemplo que apresentamos

[figura 3], o artista, com uma concepção muito

simples e facilmente compreensível, ilustra

perfeitamente o segundo dia da Criação com a

separação das águas. A inscrição latina refere: “FIAT FIRMAMENTUM IN MEDIO

AQUARUM” (Faça-se o firmamento entre as águas). De fato, o círculo central

representa as águas inferiores formadas pelos rios, oceanos, lagos, que se dividem embora

permaneçam comunicantes, enquanto no círculo exterior figuram as águas superiores

responsáveis por todo o tipo de precipitação (chuva, neve, granizo e orvalho) 8

. No

espaço entre as águas está o firmamento que as separa. Para mais facilmente serem

8

Como se sabe o orvalho não se precipita, mas forma-se sobre a terra. Porém, na conceção da época se

acreditava que o orvalho também caía do céu como resulta claro no livro do profeta Isaías Is 45, 8 e no

episódio do velo de Gedeão Jz 6, 36-40.

Figura 3

Segundo dia da Criação: Separação das

águas. (c. 1140-1170). Palermo, Cappella

Palatina del Palazzo dei Normanni.

Page 11: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

183

identificadas as águas superiores e inferiores são representadas mediante as tradicionais

linhas onduladas, como sinal de águas correntes portadoras de vida.

Após a separação entre a terra e água e depois da terra ter produzido todo o tipo

de plantas, no quinto dia são criados os seres que habitam as águas e as aves que sulcam

os céus:

Deus disse: «Que as águas sejam povoadas de inúmeros seres vivos, e

que por cima da terra voem aves, sob o firmamento dos céus.» Deus

criou, segundo as suas espécies, os monstros marinhos e todos os seres

vivos que se movem nas águas, e todas as aves aladas, segundo as suas

espécies.” (Gn 1, 20-21).

Nos mosaicos ilustrados na figura 4, encontramos uma magnífica e

esclarecedora figuração deste quinto dia da criação.

A legenda latina, que transcreve o versículo 20, é

esclarecedora: “PRODUCANT AQUAE

REPTILE ANIMAE VIVENTIS ET VOLATILE

SUPER TERRAM” (Gn 1, 20). Na imagem vemos

Deus-Pai, representado com o gesto oratório e

mostrando o poder da sua Palavra criadora: depois

de ter criado todo o tipo de animais marinhos,

dirige-se às aves chamando-as à existência.

No capítulo 2 do Gênesis, onde se

apresenta um novo relato da Criação, embora

proveniente de outra tradição, sublinha-se a

estreita relação entre a água e a existência de vida

das espécies vegetais: “Quando o Senhor Deus fez

a terra e os céus, e ainda não havia arbusto algum pelos campos, nem sequer uma planta

germinara ainda, porque o Senhor Deus ainda não tinha feito chover sobre a terra.” (Gn

2, 4-5).

Figura 4

Quinto dia da Criação: Criação dos

peixes e das aves. (c. 1140-1170). Palermo,

Cappella Palatina del Palazzo dei

Normanni.

Page 12: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

184

Após termos analisado textos e imagens em que a água surge como suporte de

vida nos relatos da Criação, vamos ver como ela é também indispensável para a

manutenção da vida dos seres humanos que dela necessitam para beber e como a sua falta

é causa de morte.

De fato, no livro do profeta Ezequiel Deus fala com o profeta nos seguintes

termos: “Filho de homem, eis que vou destruir a reserva de pão em Jerusalém: na

angústia, comerão pão rigorosamente pesado e beberão com pavor água racionada,

porque o pão e a água faltarão; desfalecerão uns sobre os outros e definharão, por causa

do seu pecado.»” (Ez 4, 16). No Êxodo encontra-se, também, um episódio esclarecedor: o

povo de Israel, depois deter sido libertado por Moisés da escravidão do faraó, no Egito,

ao sentir a falta de água volta-se contra o seu libertador culpando-o de os ter trazido ao

deserto para morrerem de sede. O texto é o seguinte:

Eles acamparam em Refidim, mas não havia água para o povo beber. O

povo litigou com Moisés, e disse: «Dá-nos água para beber.» Disse-lhes

Moisés: «Porque litigais comigo? Porque pondes o Senhor à prova?».

Ali o povo teve sede de água, e murmurou contra Moisés, dizendo:

«Porque nos fizeste subir do Egipto para nos fazer morrer à sede, a nós,

aos nossos filhos e ao nosso gado? Moisés clamou ao Senhor, dizendo:

«Que farei a este povo? Mais um pouco e vão apedrejar-me.» O Senhor

disse a Moisés: «Passa diante do povo e toma contigo alguns anciãos de

Israel; e leva na tua mão a vara com que feriste o rio, e vai. Eis que

estarei diante de ti, lá, sobre a rocha no Horeb. Tu ferirás a rocha e dela

sairá água, e o povo beberá.» Assim fez Moisés diante dos anciãos de

Israel. (Ex 17, 1-6).

Esta intervenção extraordinária de Deus em favor de seu povo, por intermédio

de seu servo Moisés, desde muito cedo foi usada pela Igreja para incutir nos fiéis uma

certeza: que o Deus libertador cuida do seu povo sem o abandonar nas dificuldades,

ainda que tenha de realizar feitos notáveis porque a Deus nada é impossível. Assim, a

função da água neste episódio não se restringe à sua finalidade prática de matar a sede,

mas reveste-se, também, de uma componente simbólica segundo uma das categorias

indicadas anteriormente: como sinal da presença de Deus que cuida do seu povo.

Page 13: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

185

Na pintura paleocristã assiste-se já a representações deste feito extraordinário,

tal como se ilustra na figura 5, um afresco das catacumbas de São Calisto, em Roma. Os

elementos da pintura estão reduzidos ao mínimo necessário para a compreensão da cena

relatada: com apenas 3 personagens, Moisés toca no rochedo com a sua vara e da rocha

brota água com abundância que é captada por um dos sequiosos membros do povo.

O tema perdurou pelos séculos através da arte de diversos pintores como é o

caso de Tintoretto que ilustramos na figura 6. Nesta imagem, o jorro de água que brota

da rocha assume um destaque de grande relevo na composição. O pintor revela a sua

habilidade através de uma composição dinâmica, bem elaborada e com detalhes

abundantes. O ponto de vista inferior confere monumentalidade à cena e os gestos das

personagens que se agitam e, sob o olhar atento de Deus-Pai, buscam, avidamente, um

pouco de água, mostra as grandes dificuldades pelas quais estava a passar o povo hebreu

com a falta de água no deserto.

Dentro da categoria de funções positivas, a segunda vertente refere-se à ação

purificadora da água. Já não nos situamos no âmbito de uma necessidade vital, mas sim

no domínio de uma função prática e também no campo de preceitos religiosos. A este

respeito encontramos nos textos bíblicos imensas referências à utilização da água para as

lavagens e purificações necessárias. O livro do Levítico está repleto de normas e

prescrições identificando o que torna puro e impuro tanto as pessoas como animais e o

Figura 5

Moisés fere a rocha para sair água (séc. IV). Roma, Catacumbas de São Calisto

Page 14: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

186

modo como se pode purificar o que se tornou impuro. Nesta ação, a água surge como o

agente purificador fundamental. Vejamos alguns episódios selecionados.

No capítulo 18 do Gênesis, Abraão recebe a visita de três personagens

misteriosas. Parte do ritual desta hospitalidade é realizada oferecendo água para lavar os

pés: “Permite que se traga um pouco de água para vos lavar os pés” (Gn 18, 4). No

mesmo livro destacamos

outro exemplo muito

esclarecedor sobre esta

hospitalidade: “O homem

entrou em casa. Labão

mandou descarregar os

camelos, deu palha e feno aos

animais, e água para lavar os

pés do homem e daqueles

que o acompanhavam.

Depois, serviram-lhe de

comer.” (Gn 24, 32-33).

Ainda no tempo de Jesus se

mantinha esta tradição como

se pode comprovar pelas

palavras que dirigiu ao

fariseu Simão que o tinha

convidado a jantar em sua casa e não tinha cumprido com este ritual de hospedagem:

“Entrei em tua casa e não me deste água para os pés […]” (Lc 7, 44). Mais tarde, no

decorrer da Última Ceia, será Jesus a lavar os pés aos apóstolos (Jo 13, 1-11). Nesta

passagem, porém, o destaque não está na purificação do corpo, mas o gesto possui um

significado de serviço e humildade e, como tal, enquadramos este episódio no âmbito da

função simbólica da água e que não será desenvolvida no contexto desta publicação.

Outras passagens do Antigo Testamento referem a lavagem ritual das mãos e

dos pés. Isso mesmo pode ser comprovado no livro do Êxodo:

Figura 6

Moisés fere a rocha para sair água (1577). Tintoretto. Veneza,

Scuola di San Rocco

Page 15: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

187

O Senhor disse a Moisés: «Farás uma bacia de bronze com uma base de

bronze para abluções. Colocá-la-ás entre a tenda da reunião e o altar, e

nela deitarás água. Aarão e os seus filhos lavarão ali as mãos e os pés.

Quando entrarem na tenda da reunião, lavar-se-ão com esta água, para

não morrerem; e também quando se aproximarem do altar, para o

exercício do culto e para oferecerem sacrifícios ao Senhor, lavarão os

pés e as mãos, a fim de não morrerem. Esta é uma norma perpétua para

eles: para Aarão e para os seus descendentes, por todas as gerações.» (Ex

30, 17-21).

No Novo Testamento, o evangelista Marcos confirma a tradição de proceder a

inúmeras lavagens das mãos e de diversos utensílios:

Os fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém reuniram-se à

volta de Jesus, e viram que vários dos seus discípulos comiam pão com

as mãos impuras, isto é, por lavar. É que os fariseus e todos os judeus

Figura 7

Arca de Noé e o Dilúvio Universal (975). Beato de Gerona, Fol. 102 v e 103 r. –

Catedral de Santa Maria de Gerona.

Page 16: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

188

em geral não comem sem ter lavado e esfregado bem as mãos, conforme

a tradição dos antigos; ao voltar da praça pública, não comem sem se

lavar; e há muitos outros costumes que seguem, por tradição: lavagem

das taças, dos jarros e das vasilhas de cobre. (Mc 7, 1-4).

Tratando-se de uma vertente com menor importância em termos iconográficos,

não apresentaremos imagens de episódios relacionadas com esta utilização da água.

A ação purificadora da água não se limita ao exterior do corpo, mas também é

entendida como purificação interior e, nesse caso, a incluiremos na ação simbólica. É o

caso da purificação referida no livro do profeta Ezequiel: “Derramarei sobre vós uma

água pura e sereis purificados; Eu vos purificarei de todas as manchas e de todos os

pecados.” (Ez 36, 25).

Esta purificação dos pecados através do sinal tangível que é a água, será o

essencial do ritual do batismo praticado por João, como veremos ao tratar da função

simbólica da água.

2- Ação negativa

Como referimos ao tratar anteriormente desta ação, na mente e no imaginário

do povo hebreu, a imensa catástrofe causada pelo dilúvio terá sido aquela que perdurava

na tradição oral e através dos escritos bíblicos não só pela sua dimensão territorial, como

pelas incalculáveis mortes causadas entre as pessoas e os animais. O relato deste episódio

que sofreu influências de lendas semelhantes provenientes de povos vizinhos, aparece no

livro do Gênesis, alguns capítulos mais à frente do relato da criação. Depois de ter

construído a arca, de acordo com as indicações divinas, Noé abrigou nela a sua família e

os animais e, tendo sido avisado por Deus, entrou na arca e começou a chover. Para

melhor compreender a respetiva representação iconográfica, selecionámos o seguinte

texto:

Choveu torrencialmente durante quarenta dias sobre a terra. As águas

cresceram e levantaram a arca, que foi elevada acima da terra. As águas

iam sempre crescendo e subiram muito acima da terra; e a arca flutuava

à superfície das águas. A enchente aumentava cada vez mais, e tanto que

Page 17: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

189

cobriu todos os altos montes existentes debaixo dos céus; as águas

ultrapassaram quinze côvados por cima das montanhas. Todas as

criaturas que se moviam na terra pereceram: aves, animais domésticos,

animais selvagens, tudo o que rastejava pela terra e todos os homens.

Todos os seres que tinham sopro de vida e viviam na terra firme

morreram. Foram assim exterminados todos os seres que se

encontravam à superfície da terra, desde os homens até aos

quadrúpedes, aos répteis e aves dos céus. Desapareceram da face da

terra, exceto Noé e os que se encontravam com ele na arca. As águas

cobriram a terra, durante cento e cinquenta dias. (Gn 7, 17-24).

A função negativa da água é aqui muito evidente: em consequência do dilúvio, a

água trouxe morte e destruição. Este episódio, entendido à letra durante muitos séculos,

apresenta um Deus castigador da humanidade que, à exceção dos que estavam dentro da

arca, dizimou todos os homens e animais sobre a terra, devido ao modo de vida imoral,

pecador e contrário à vontade de Deus que os seres humanos levavam.

A impressão causada por um desastre de tamanha envergadura deve ter deixado

os crentes atemorizados e impressionados com o poder destruidor de Deus. O

acontecimento é relatado com imensos detalhes e, como tal, extremamente rico em

motivos plásticos capazes de inspirarem os artistas ao longo de séculos. Além disso, a

recordação desta tragédia estava também associada a objetivos pedagógicos respeitantes

ao cumprimento dos preceitos divinos, que convinha à Igreja incutir nos crentes, os

quais, se não fossem acatados, teriam trágicas consequências diante da ira divina, tal

como outrora sucedera, no tempo de Noé. Esta mentalidade, perdurando durante

séculos, contribuiu para a propagação do tema do Dilúvio Universal no domínio da

pintura.

De fato, os pintores, ao longo dos séculos, representaram este episódio com

abundantes pormenores como é o caso, muito elucidativo, da iluminura do Beato de

Gerona que podemos ver na figura 7. A imaginação dos artistas conduziu a desenhos

curiosos da arca de Noé, tal como a disposição interna das várias espécies de animais e de

Noé e sua família. A arca, que assume a forma de um pentágono, mostra no piso

superior Noé ao centro rodeado de seus três filhos Sem, Cam e Jafet e das mulheres de

seus filhos.

Page 18: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

190

Está em falta a representação da própria mulher de Noé, talvez por uma

questão de simetria ou de salientar o número 7 de grande significado bíblico. Esta

representação inclui também outros aspetos interessantes, nomeadamente a figuração das

montanhas que se mostram completamente cobertas pelas águas que se elevam em

grande distância sobre o seu cume, tal como refere expressamente relato bíblico: “as

águas ultrapassaram 15 côvados por cima das montanhas” (Gn 7, 20). Talvez

representem as próprias montanhas de Ararat sobre as quais a arca se deteve no fim do

dilúvio (Gn 8, 4). No interior das águas são visíveis os animais marinhos e 12 corpos que

representam todas as pessoas mortas pelo dilúvio. Um deles está a ser picado pelo corvo

que foi solto por Noé e que não regressou.

Por sua vez, Michelangelo Buonarroti, nos afrescos do teto da Capela Sistina,

representa diversos episódios do Gênesis e, entre eles, o Dilúvio que podemos ver na

figura 8. Numa composição dinâmica e inovadora, Michelangelo revela toda a sua

mestria ao tornar claro o desespero das figuras humanas que procuram fugir à subida das

águas e se auxiliam mutuamente. Numa amálgama de corpos despidos ou seminus,

estampa-se no rosto e nos gestos das pessoas o drama que vivenciam e a consciência do

final trágico que se aproxima. Crianças que choram agarradas às suas mães, corpos já sem

Figura 8

Arca de Noé e Dilúvio Universal (1508-12). Michelangelo Buonarroti. Vaticano, teto da Capela Sistina.

Page 19: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

191

vida, desespero de quem procura alcançar terra firme segurando alguns haveres, este é, na

visão de Michelangelo, o retrato da humanidade pecadora castigada por Deus. Do lado

esquerdo uma árvore morta à qual se segura desesperadamente um jovem, contrasta com

a árvore ainda vicejante do lado direito, junto à qual um grupo de pessoas tenta alcançar

o cimo de uma formação rochosa. Esta dualidade chama a atenção para a realidade do

binômio vida/morte que envolve o ser humano e a sua condição de grande fragilidade.

Ao centro do espaço pictórico, outro grupo procura refúgio numa pequena embarcação

que está prestes a afundar enquanto em último plano sobressai a solidez da arca que

alguns tentam alcançar e manter-se sobre uma plataforma apesar das lutas pela

sobrevivência em que se envolvem.

Figura 9

Dilúvio Universal (1840). James Francis Danby. London, Tate Gallery

Page 20: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

192

Ainda no século XIX o mesmo tema continua a captar a atenção dos artistas,

como é o caso de James Francis Danby e que ilustramos na figura 9. Nesta magnífica

pintura, o artista procura centrar a atenção do espetador no drama vivido pela

humanidade que sucumbe no dilúvio e que ocupa todo o primeiro plano, enquanto a

arca de Noé, ao centro, sob uma intensa luz focal que a assinala, quase desaparece no

plano secundário. Este pintor irlandês levou ao extremo a representação do drama com a

profusão de corpos que se amontoam num rocha que sobressai do nível das águas, ou

que se agarram, desesperada e inutilmente, a troncos de árvores que ainda não

submergiram. O sol, cor de fogo, timidamente sobressaindo da água, mostra como o fim

desta tragédia ainda está longe pois as trevas do abismo e as cataratas das águas ainda vão

continuar a encher mortalmente a superfície da terra.

Nesta ação negativa, o tema da passagem do Mar Vermelho por Moisés e os

israelitas, anteriormente invocado, constituiu, também, um motivo inspirador para os

artistas. De fato, o relato assombroso possui inúmeros motivos que permitem aos

Figura 10

Moisés e os israelitas atravessam a salvo o Mar Vermelho (1825). James Francis Danby.

Preston, Harris Museum and Art Gallery

Page 21: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

193

pintores encher as suas telas com dinamismo, grandiosidade e composições arrojadas,

como mostramos nas figuras 10 e 11.

A figura 10 mostra uma obra do pintor James F. Danby, acima referido. Vemos,

em primeiro plano, os israelitas que acabam de atravessar a salvo o Mar Vermelho.

Exaustos pelo esforço da travessia, eles deitam-se por terra e são representados em

diferentes gestos e atitudes: cuidando de seus filhos, ajoelhando-se ou prostrando-se

tocando com a cabeça no chão para agradecer a Deus terem conseguido fugir à ira do

faraó. Outros se agitam em animada troca de impressões, apontam para o alto, recolhem

os seus pertences ou cuidam dos animais. Curiosamente, Moisés, o líder do povo e

responsável pela libertação, não surge entre a multidão que ocupa o primeiro plano, mas

aparece ao longe, numa figura diminuta vestida de branco, junto ao mar, quase no centro

da pintura, recortado contra o fundo escuro. Ergue ao alto o seu braço com a vara, e

ordena ao Mar Vermelho que retorne ao seu nível normal. Quando tal acontece, as águas

arrastaram consigo todos os carros e cavaleiros do exército do faraó.

O artista reservou para esta cena grande parte do lado esquerdo da tela e

escolheu um ponto de vista elevado que contribui para captar a insignificância da

dimensão humana perante a força imparável das águas do Mar Vermelho que se fecham

sobre os egípcios. Os jogos de luz e sombra contribuem para sublinhar o dramatismo do

episódio e para destacar certos grupos de pessoas ou mesmo a figura de Moisés.

Page 22: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

194 Na figura 11, a opção do pintor foi muito diferente da que acabámos de analisar.

Neste caso, uma linha diagonal ascendente da esquerda para a direita divide a pintura em

duas partes distintas, separando o lado dos israelitas do lado dos egípcios. Assim, o lado

direito, ocupado por um reduzido número de pessoas, animais e utensílios, é dominado

pela figura imponente de Moisés que se coloca numa posição mais elevada, sobre uma

rocha, no momento em que ergue sobre o mar o braço direito onde sustenta a vara,

levando a que, sob as ordens de Deus, o mar retorne ao seu nível normal, segundo os

relatos bíblicos que analisamos. Do lado esquerdo, a agitação das águas foi muito bem

registrada em termos plásticos, tal como o drama vivido pelos egípcios que estão prestes

a morrer sob o mar.

Perante a sua libertação, os israelitas salvos da opressão do faraó são

representados em gestos agitados que traduzem o assombro e admiração pelo sucedido, e

também o louvor a Deus pela saída exitosa do Egito, graças aos feitos extraordinários de

Deus, por intermédio de Moisés, que se serviu do elemento «água».

Figura 11

Moisés e os israelitas atravessam a salvo o Mar Vermelho (1855). Frédéric Schopin.

Bristol Museums, Galleries & Archives

Page 23: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

195

3- Ação simbólica

As páginas da Sagrada Escritura também estão repletas de referências à água nas

quais se salienta a sua ação simbólica. Os autores dos textos servem-se da água, neste

caso, não para chamar a atenção para a sua função prática, mas como sinal de realidades

mais profundas no âmbito de uma dimensão espiritual e sagrada. Anteriormente

salientámos diversos aspetos onde se verifica uma utilização da água devido à sua

simbologia, porém, neste contexto, iremos analisar apenas quatro:

- meio de libertação do povo hebreu (Moisés na travessia do Mar Vermelho)

- sinal da presença de Deus que cuida seu povo (Moisés faz brotar água da rocha)

- sinal de purificação interior (Ritual do Batismo)

- elemento que materializa o milagre (Cura de Naamã; Milagre nas Bodas de

Caná).

Em cada um destes aspetos a presença da água vai para além da sua função

imediata. Assim, na primeira situação o escritor sagrado utiliza a água do Mar Vermelho

como meio pelo qual Deus, agindo através do seu servo Moisés vai obter a libertação do

povo de Israel, tal como acabámos de ver.

Por sua vez, o segundo caso em que a água é utilizada em termos simbólicos

como sinal da presença de Deus que cuida do seu povo, já foi esclarecida e analisada

quando referimos o gesto de Moisés que, obedecendo à indicação de Deus, fere a rocha

com a sua vara a fim de que dela possa brotar água para matar a sede do povo hebreu

[Figuras 5 e 6].

O terceiro aspeto da utilização da água na sua vertente simbólica foi referido

como sinal de purificação interior. No contexto desta publicação iremos ter presente

essencialmente o rito batismal praticado por João Batista no rio Jordão. O significado

desse batismo é indicado pelos próprios textos bíblicos. No caso de São Mateus: “Eu

batizo-vos com água, para vos mover à conversão; mas aquele que vem depois de mim é

mais poderoso do que eu e não sou digno de lhe descalçar as sandálias.” (Mt 3, 11). Por

sua vez o Evangelista Marcos refere: “João Baptista apareceu no deserto, a pregar um

batismo de arrependimento para a remissão dos pecados. Saíam ao seu encontro todos os

Page 24: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

196

da província da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém e eram batizados por ele no rio

Jordão, confessando os seus pecados.” (Mc 1, 4-5).

Nestas passagens fica claro que o batismo praticado por João era ministrado

para conversão interior, para a remissão dos pecados. E todos quantos se aproximavam

para serem batizados sem que o seu interior mostrasse sinais de arrependimento e de

mudança de vida, o profeta vociferava intempestivamente contra eles com palavras

muito duras:

Vendo, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao seu batismo,

disse-lhes: «Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera que está

para vir? Produzi, pois, frutos dignos de conversão e não vos iludais a

vós mesmos, dizendo: ‘Temos por pai a Abraão!’ Pois, digo-vos: Deus

pode suscitar, destas pedras, filhos de Abraão. O machado já está posto

à raiz das árvores, e toda a árvore que não dá bom fruto é cortada e

lançada no fogo (Mt 3, 7-10).

Porém, o episódio algo controverso e que terá marcado os discípulos e as

primeiras comunidades cristãs terá sido o batismo de Jesus descrito pelos quatro

Evangelistas 9

. Utilizaremos a versão de São Mateus:

Então, veio Jesus da Galileia ao Jordão ter com João, para ser batizado

por ele. João opunha-se, dizendo: «Eu é que tenho necessidade de ser

batizado por ti, e Tu vens a mim?» Jesus, porém, respondeu-lhe: «Deixa

por agora. Convém que cumpramos assim toda a justiça.» João, então,

concordou. Uma vez batizado, Jesus saiu da água e eis que se rasgaram

os céus, e viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre

Ele. E uma voz vinda do Céu dizia: «Este é o meu Filho muito amado,

no qual pus todo o meu agrado.» (Mt 3, 13-17)

9

Não pretendemos esclarecer aqui aspetos teológicos que não têm qualquer relevância para a Iconografia.

Contudo, referimos que ao assemelhar-se aos que se dirigiam ao batismo praticado por João, Jesus que em

determinado período da sua vida terá sido discípulo de João, identifica-se com os pecadores e, por outro

lado, apresenta-se numa posição inferior em relação a João, pois mostra necessitar dele para receber o

batismo.

Page 25: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

197

Jesus entrou no rio Jordão e colocou-se junto com os pecadores que recorriam a

João para serem batizados e, assim, receberem o perdão dos seus pecados. O Batista sabe

que Jesus não possui qualquer mancha de pecado e, como tal, não necessita de receber o

batismo. Uma vez justificada pela Igreja esta identificação de Jesus com os pecadores, o

Batismo de Jesus tornou-se um exemplo do dever de quem se quer tornar cristão em

receber este sacramento para ser considerado membro da Igreja. Se a esta motivação,

agregarmos o fato deste episódio marcar o início da vida pública de Jesus, entenderemos

os motivos pelos quais foi extremamente representado pelos artistas ao longo dos

séculos, em particular nos ícones da Igreja Oriental, ou como parte integrante dos

programas iconográficos cristológicos.

Antes de analisarmos algumas pinturas convém referir que a Iconografia do

Batismo não teve os relatos bíblicos como a única fonte de inspiração para os artistas,

pois também recebeu uma forte influência do rito batismal da liturgia oriental. As

caraterísticas Iconográficas do Batismo de Jesus resultaram, assim, de uma síntese entre

os relatos dos Evangelhos e o ritual do batismo dos fiéis na tradição bizantina, aspeto

que iremos esclarecer.

A prática inicial do batismo na Igreja Oriental começa por ser um batismo de

imersão pois se assemelhava ao Batismo de Cristo, considerado o protótipo do Batismo

cristão. Neste ritual estavam presentes os diáconos que ajudavam no sacramento

segurando a túnica branca que os neófitos vestiam depois da imersão na água. Este aspeto

marcará a iconografia do Batismo, de forma muito forte e terá influência sobre os

pintores orientais que, mesmo não tendo conhecimento desta influência da Igreja

oriental, seguiam certos modelos iconográficos, embora esvaziados de significado.

Por questões práticas e pelo crescente batismo de crianças e doentes começa a

praticar-se e a impor-se o batismo por aspersão. Assim, entre os séculos VI e XII a arte

bizantina, ou por ela influenciada, representa Jesus completamente nu imerso nas águas

do Jordão podendo a água chegar à cintura, às axilas ou aos ombros. Porém, a partir do

século XII, a iconografia vai começar a alterar a fórmula antiga substituindo-a pelo

batismo por aspersão, mas que só se estabelecerá definitivamente na arte ocidental no

seculo XIV, com Taddeo Gaddi (1290-1366) e Andrea Pisano (1290-1348).

Page 26: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

198

Importa, ainda, clarificar que, com base nos relatos bíblicos, a representação do

Batismo de Cristo integra sempre dois elementos diferenciados:

- A Purificação (imersão de Jesus na água do rio Jordão)

- A Teofania (a descida do Espírito Santo e, por vezes, a presença de Deus-Pai)

Começamos por analisar algumas representações do Batismo de Cristo que

receberam influências da iconografia bizantina como é o caso da figura 12, uma

reprodução do Hortus Deliciarum (c.

1176-1196) de Herrad de Landsberg e

hoje disperso em várias cópias.

Constatamos a completa imersão de

Cristo, totalmente despido, na água

que o envolve até aos ombros

(Purificação). Do seu lado direito está

a figura de João Batista que apesar de

colocar a mão sobre a cabeça de Jesus,

não segura qualquer recipiente nem

derrama água sobre Cristo, pois ainda

não estava estabelecido o batismo por

aspersão. João ostenta vestes muito rudimentares e apresenta o cabelo e a barba em

desalinho dando a entender a vida austera do profeta no deserto. A seus pés um machado

encontra-se à raiz de uma árvore, numa interpretação literal dos textos bíblicos acima

transcritos. Do lado oposto ao de João estão três anjos segurando túnicas brancas

(influência da liturgia oriental) destinadas a receber Jesus depois da sua saída das águas,

como sucedia com os neófitos no rito oriental. Os anjos cobrem as mãos em sinal de

respeito.

O curso do rio é representado com linhas que se elevam em vez de afastarem

numa perspectiva «infantil» e algumas ondulações junto das mãos e dos pés de Jesus. A

necessidade de representar o curso do rio deve-se ao facto de primitivamente se

considerar que o batismo para ser eficaz teria de ser praticado em águas vivas, portanto

Figura 12

Batismo de Jesus - Hortus Deliciarum (1176-1196)

Page 27: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

199

em águas correntes. Aos pés de Jesus encontra-se dentro do rio uma figura masculina que

representa a personificação do rio Jordão. O cruzeiro ao seu lado mais que um presságio

da Crucificação é uma marca de peregrinação no rio Jordão, pois para assinalar aos

peregrinos o local do Batismo de Cristo, fora erguida uma cruz no alto de uma coluna 10

.

Envolvendo a cabeça de Cristo está um nimbo crucífero, sobre o qual se situa a

pomba do Espírito Santo (Teofania). Ao alto, um círculo envolve a representação de

nove anjos que identificamos como uma alusão à nova hierarquias celestes segundo a

concepção de Pseudo Dionísio Areopagita, significando a presença de toda a corte celeste

neste acontecimento, ampliando, assim, a Teofania assinalada pela presença da pomba.

Outra representação do batismo, mais simplificada, mas ainda recebendo

influências bizantinas é a que ilustramos na figura 13, da autoria de Giotto di Bondone

(c. 1267-1337), pertencente aos afrescos da Capella degli Scrovegni, em Pádua. Esta obra,

distanciada no tempo cerca de dois séculos depois da anterior, foi muito mais

simplificada, ficando apenas reduzida aos elementos mais importantes. Jesus continuou a

ser representado completamente

despido, imerso nas águas do rio

Jordão, que o envolvem até pouco

acima da cintura (Purificação). Ainda

se representa o batismo por imersão,

apesar de João, do lado direito da

pintura, acompanhado de dois

discípulos, colocar a mão direita sobre

a cabeça de Jesus. Quatro anjos,

situados no lado oposto, seguram nas

mãos não já as túnicas brancas

próprias dos neófitos, mas as vestes

10

As informações fornecidas sobre a Iconografia do Batismo tiveram como fonte, essencialmente a obra:

RÉAU, Louis. Iconografía del arte cristiano. Barcelona: Ediciones del Serbal, 1996, Tomo 1/Vol. 2, p.

307-316.

Figura 13

Batismo de Jesus (c. 1303-1305).

Giotto di Bondone. Padova, Capella degli Scrovegni

Page 28: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

200

coloridas de Jesus, o que mostra que já se começara a perder o sentido inicial que

justificava a presença destas figuras na Iconografia do Batismo. Sobre a figura de Jesus

está representado Deus-Pai cuja voz se fez ouvir e a pomba do Espírito Santo que

completa a referida Teofania. A paisagem é inóspita e reduzida aos elementos

estritamente necessários para contextualizar o episódio: o rio Jordão e duas montanhas

simetricamente dispostas.

Passado mais de um século, uma pintura de Fra Angelico (1395-1455) mostra

como a iconografia já se tinha alterado

começando a fixar-se o batismo por

aspersão como podemos ver na figura 14

que reproduz o afresco da cela 24 do

Convento de São Marcos em Florença.

Também aqui se representa uma

paisagem agreste com enormes rochedos e

montanhas entre as quais corre o rio

Jordão que é assinalado mediante uma

forte presença, salientando, assim, a sua

importância para o tema. Este

despojamento iconográfico fica a dever-se

ao fato da pintura ser destinada

unicamente a ser contemplada pelo frade

que habitava a cela. Jesus envergando

somente o perizonium branco entra no

rio que apenas lhe cobre apenas metade das pernas para receber o batismo por aspersão.

Estamos perante uma iconografia muito distante da representação de Jesus

completamente imerso no rio Jordão.

Próximo de Jesus encontra-se João Batista que segura um recipiente na mão

direita, derramando água sobre a cabeça de Cristo, sinal de que já era comum o batismo

por aspersão. Estão também dois anjos, de joelhos, que aguardam a saída de Jesus

sustentando nas mãos as suas vestes e não a túnica branca como era hábito na liturgia

Figura 14

Batismo de Jesus (início séc. XV). Fra Angelico.

Firenze, Convento di San Marco

Page 29: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

201

bizantina. Dominando superiormente a composição encontra-se a pomba do Espírito

Santo envolvida por um imponente conjunto de nuvens dispostas em círculo e da qual

sai um feixe de raios luminosos de modo a dar a impressão da grandiosidade da Teofania

ocorrida nesse momento. O Batismo de Jesus é contemplado por duas personagens

situadas à direita da composição: a Virgem Maria e São Domingos de Gusmão, fundador

da Ordem dos Pregadores (Dominicanos) à qual pertencia Fra Angelico.

Piero della Francesca (1415-1492) mostra-nos uma conhecida, mas enigmática

representação do Batismo de Jesus [figura 15]. O abundante rio da pintura de Fra

Angelico deu aqui lugar a um quase inexistente curso de água. A composição, fortemente

marcada por uma rigorosa geometria, apresenta Cristo situado no eixo central, de frente

para o observador. Ao seu lado João Batista derrama água sobre a sua cabeça. Do lado

esquerdo, separados pelo tronco de uma árvore estão três anjos sem qualquer relação

com a anterior função dos diáconos e sem sustentarem as vestes de Jesus. Piero

Figura 16

Batismo de Jesus (c. 1452). Piero della Francesca.

Esquema geométrico.

Figura 15

Batismo de Jesus (c. 1452). Piero della Francesca,

London, National Gallery.

Page 30: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

202

seguramente os utiliza para simbolizar a Santíssima Trindade. Em segundo plano um dos

peregrinos despe a roupa para se preparar para o batismo.

A pomba do Espírito Santo situa-

se na confluência de vários elementos

geométricos: o eixo horizontal que separa

o quadrilátero inferior do semicírculo que

sobrepuja a pintura e a linha vertical que

serve de eixo de simetria do painel, como

se ilustra na figura 16. Na verdade toda a

obra é um tratado de geometria o que era

uma situação frequente nos trabalhos

artísticos de Piero della Francesca, pintor e

matemático. Podemos apreciar uma

pequena parte do cuidadoso estudo

geométrico subjacente através da definição

do «Triângulo de Ouro» que delimita o

tronco de Jesus e orienta a colocação dos

antebraços. Este triângulo é definido por

diversas linhas geométricas próprias do esquema de composição e que aqui não foram

consideradas, dada a complexidade do estudo. A extensão das asas da pomba situada

sobre a cabeça de Jesus coincide com dimensão da base deste «Triângulo de Ouro» 11

.

A evolução do tema do Batismo de Jesus fica bem patente com as duas próximas

pinturas. Na figura 17, da autoria de Gerard David (1460-1523), assistimos à

representação do batismo inserido numa paisagem trabalhada com todo o realismo e

detalhe próprios da pintura dos Países Baixos. Trata-se do painel central do tríptico do

11

Piero della Francesca foi o autor de um importante tratado de geometria denominado De Prospectiva

Pingendi terminado por volta de 1482. Os complexos estudos relacionados com o esquema geométrico de

composição da pintura o “Batismo de Jesus” foram apresentados por nós diversas vezes e sob formas

variadas, sendo a última no Minicurso de Iconografia que decorreu entre 19 e 21 de Outubro de 2015, na

Unicamp (Campinas/SP), no âmbito do XI- Encontro de História da Arte. A complexidade deste esquema

e as explicações que o justificam não permitem a sua inclusão nesta publicação.

Figura 17

Batismo de Jesus (c. 1505). Gerard David. Bruges,

Groenige Museum

Page 31: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

203

“Batismo de Jesus” no qual os doadores são representados nos volantes laterais que não

reproduzimos.

Cristo ocupa o eixo central da composição, o qual é utilizado para a colocação

da Teofania Trinitária. Com efeito, tal como referem os textos bíblicos, além de Cristo,

está presente a pomba do Espírito Santo e, ao alto, a presença majestosa de Deus-Pai cuja

voz se fez ouvir depois de Jesus ter sido batizado. A figura de João deixou de ser a de um

profeta marcado pela dureza da vida austera do deserto, para passar a ser um burguês de

ricas vestes.

De igual modo, os anjos das

pinturas bizantinas, que ocupavam o

lugar dos diáconos no ritual da

liturgia oriental e envergavam

simples túnicas, deram lugar aqui a

um único anjo, de cabelos louros,

vestido com uma suntuosa capa de

asperges, de longos panejamentos e

trabalhada minuciosamente como

era próprio da pintura flamenga. O

anjo, genufletindo, segura nas mãos a veste de Jesus, aguardando a sua saída da água.

A cena tem lugar no meio da natureza, com a presença obrigatória do rio

Jordão, mas em que a povoação que se vislumbra ao fundo representa a cidade de Bruges.

Em segundo plano, do lado esquerdo está representada a pregação de João Batista e, do

lado oposto, entre as árvores da floresta, alguns dos discípulos em torno de uma

personagem vestida de vermelho que poderá ser, novamente, João Batista. A obra

transparece o grande cuidado do pintor que, como era próprio da pintura flamenga do

seu tempo, procurava representar tudo com o maior realismo possível capaz de rivalizar

com a própria natureza. Prova disso é o detalhe que ilustramos na figura 18 onde se pode

ver a difícil representação das pernas de Jesus vistas através da transparência das águas do

rio Jordão. Do mesmo modo se percebe o trabalho minucioso que define as plantas, as

Figura 18

Batismo de Jesus (c. 1505). Gerard David. Pormenor da

figura anterior

Page 32: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

204

flores, as rochas, o brocado da capa de asperges e as carnações. Naturalmente que, para a

época, o tema era também um pretexto para evidenciar os dotes artísticos e o

virtuosismo técnico do seu autor que com a sua capacidade artística representava a

natureza e outros elementos com a maior perfeição.

Por fim, apresentamos a figura 19 que continua a revelar a imensa evolução do

tema. Nesta pintura de Guido Reni (1575-1642), Jesus, coberto apenas com o perizonium,

está imerso num minúsculo curso de água. Situado a nível inferior a João Batista e

inclina-se para a frente numa atitude que transparece humildade e submissão, o que está

de acordo com os textos bíblicos. A rigidez dos corpos de outrora deu lugar ao

contraposto de Jesus e aos movimentos delicados de todas as personagens representadas.

Por sua vez, a injustificada nudez de João não encontra suporte em termos

históricos, mas explica-se pelo fato dos temas

religiosos, conhecerem uma intensa

secularização e, como tal, terem começado a

perder o seu profundo significado espiritual e

serem usados como pretexto para expor o

virtuosismo técnico do artista. O profeta segura

na mão direita um pequeno recipiente metálico

e derrama água sobre a cabeça de Jesus

cumprindo o ritual de Purificação. Três anjos

de cabelos louros e segurando nas mãos as

vestes de Jesus, ocupam o segundo plano. O

significado da sua presença está longe do que

encontrámos nas representações ligadas à

tradição bizantina, mas a sua figuração

permaneceu como uma caraterística

iconográfica do tema. A atenção dos anjos situa-

se na figura do Filho de Deus sobre o qual se vê a pomba do Espírito Santo vinda do alto

(Teofania), de um espaço dourado, símbolo da divindade, que se abre entre as nuvens. A

vegetação presente tenta reproduzir a que o pintor imaginou existir nas margens do

Figura 19

Batismo de Jesus (c. 1623) Guido Reni.

Vienna, Kunsthistorisches Museum.

Page 33: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

205

Jordão. Nesta pintura, ao invés de outras anteriores, a água apesar de fundamental para o

tema, torna-se um elemento de reduzida importância e fraca presença na composição.

A última das alusões simbólicas a que nos referimos apresenta a água como

sendo o elemento que materializa o milagre. Para ilustrar esta situação recorremos a dois

episódios: um do Antigo e outro do Novo Testamento. Em primeiro lugar analisaremos

a cura de Naamã, um general dos exércitos do rei da Síria, guerreiro valente e um

homem respeitado por todos e que contava imensas vitórias. Porém estava marcado por

uma doença terrível e temível no seu tempo: a lepra. O episódio está descrito do seguinte

modo:

Naamã, general dos exércitos do rei da Síria, gozava de grande prestígio

diante do seu amo e era muito estimado, porque, por meio dele, o

Senhor salvou a Síria; era um homem robusto e valente, mas leproso.

[…] Eliseu mandou dizer-lhe por um mensageiro: «Vai, lava-te sete vezes

no Jordão e a tua carne ficará limpa. […] Naamã desceu ao Jordão e

lavou-se sete vezes, como lhe ordenara o homem de Deus e a sua carne

tornou-se como a de uma criança e ficou limpo. (2 Rs 5, 1-14).

Neste caso, a água não é

referida como fator de limpeza externa,

já que, por si só, não seria suficiente

para promover a cura da lepra, mas sim

como sinal exterior, visível, de uma

ação extraordinária de Deus que realiza

a cura de Naamã e a regeneração do seu

corpo mediante a imersão nas águas do

rio Jordão. As figuras 20 e 21 ilustram

este milagre.

Na figura 20, uma iluminura

do século XII, mostra como a cura de

Naamã se fica a dever à ação de Deus: do

alto, entre um cirro de nuvens surge a mão de Deus símbolo do poder divino que através

Figura 20

Cura de Naamã (séc. XII) iluminura.

London, British Museum.

Page 34: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

206

da Palavra (o gesto da mão corresponde ao gesto oratório) realiza o milagre, curando

Naamã, depois deste se ter lavado sete vezes no rio Jordão, identificado pela inscrição

latina «IORDANEM». O artista fez sobressair da mão de Deus três raios que se dirigem

para Naamã e o envolvem completamente reforçando a presença da Santíssima Trindade

nesta ação curadora, tal como indica a inscrição latina «CVRATIO NAMAM».

Ocupando o lado esquerdo encontram-se três personagens servos do general sírio,

identificados pela inscrição latina «FAMVLI».

Na imagem não existe qualquer alusão à paisagem circundante além do rio,

também ele identificado por uma inscrição latina e representado com forte presença

estando o movimento das suas águas assinalado mediante linhas onduladas. Naamã é

representado completamente despido e imerso nas águas do Jordão até á cintura,

olhando para o alto e erguendo as mãos em sinal do reconhecimento da sua cura.

A figura 21 também reproduz uma iluminura, neste caso do Speculum Humanae

Salvationis, (século XV), na qual a iconografia da cura se apresenta mais detalhada nos

seus pormenores, mas não se verifica a presença de Deus. Assim, voltamos a presenciar a

figura de Naamã, que, deixando as roupas na margem se lava no rio, tendo diante de si

dois dos servos que o acompanhavam. Na margem oposta uma figura solene com vestes

dignas sustenta um cajado na mão

direita e com a esquerda aponta na

direção do general sírio. Poderá tratar-

se do próprio profeta Eliseu que

indicou a Naamã o que deveria fazer

para ser curado da lepra.

A cena tem lugar numa

paisagem com abundantes pormenores:

o rio Jordão que se bifurca e ocupa

todo o eixo central do espaço, as

árvores nas suas margens, os campos

verdejantes a perder de vista e mesmo a

Figura 21

Cura de Naamã (séc. XV). Miniatura do Speculum

Humanae Salvationis (Ms139-folio 14r) Chantilly,

Musée Condé.

Page 35: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

207

representação de uma cidade, provavelmente a cidade da Samaria onde vivia o profeta

Eliseu.

O episódio do Novo Testamento selecionado para ilustrar a dimensão simbólica

da ação da água é o milagre de Jesus nas Bodas de Caná. O relato consta apenas no

Evangelho de São João e o texto apresenta-se do seguinte modo:

Ao terceiro dia, celebrava-se uma boda em Caná da Galileia e a mãe de

Jesus estava lá. Jesus e os seus discípulos também foram convidados para

a boda. Como viesse a faltar o vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: «Não têm

vinho!» Jesus respondeu-lhe: «Mulher, que tem isso a ver contigo e

comigo? Ainda não chegou a minha hora.» Sua mãe disse aos serventes:

«Fazei o que Ele vos disser!» Ora, havia ali seis vasilhas de pedra

preparadas para os ritos de purificação dos judeus, com capacidade de

duas ou três medidas cada uma. Disse-lhes Jesus: «Enchei as vasilhas de

água.» Eles encheram-nas até cima. Então ordenou-lhes: «Tirai agora e

levai ao chefe de mesa.» E eles assim fizeram. O chefe de mesa provou a

água transformada em vinho, sem saber de onde era - se bem que o

soubessem os serventes que tinham tirado a água; chamou o noivo e

disse-lhe: «Toda a gente serve primeiro o vinho melhor e, depois de

terem bebido bem, é que serve o pior. Tu, porém, guardaste o melhor

vinho até agora! (Jo 2, 1-10)

A água neste episódio é também

o meio pelo qual Jesus realiza uma ação

extraordinária, convertendo-a em vinho

e, segundo indicação do texto, o melhor

vinho servido na boda. O texto permite

imaginar alguns detalhes específicos: a

presença dos noivos, o ambiente de festa

próprio de um casamento, a sala ou o

espaço onde decorre o banquete, a

presença dos convidados, os serventes

e, naturalmente a figuração de Jesus,

sua mãe e os apóstolos que o relato indica terem sido convidados juntamente com seu

Figura 22

Milagre de Jesus nas Bodas de Caná. (1303-1305)

Giotto di Bondone. Padova, Capella degli Scrovegni.

Page 36: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

208

mestre. O texto refere pormenorizadamente que o prodígio envolveu seis vasilhas,

aspeto importante a ter em conta na análise das pinturas.

O milagre ganhou importância por ter sido o primeiro realizado por Jesus após

ter iniciado a sua vida pública. No episódio sobressai a recusa inicial de Jesus perante a

informação dada por sua mãe e, depois, a sua anuência à realização de um feito

extraordinário perante a firme certeza de Maria de Nazaré numa ação extraordinária de

seu Filho que viesse a livrar os noivos de uma grande humilhação por falta de vinho. Por

isso, apesar da resposta fria e distante de Jesus, ela se dirige aos serventes com a

recomendação de estarem atentos ao que lhes vai ser pedido por Jesus. A Igreja também

entende que este episódio constitui uma alusão à Eucaristia, motivo pelo qual igualmente

se justifica a sua imensa difusão nas artes plásticas ao longo dos séculos.

A ação de Jesus foi muito simples e

discreta: mandou encher de água seis vasilhas que

estavam destinadas à purificação dos judeus e pede

que sejam levadas ao chefe da mesa o qual era o

responsável para que nada faltasse. Sem que este

soubesse o que tinha acontecido provou o vinho

para autorizar que fosse servido e mostra a sua

admiração por estará ser servido em segundo lugar

o melhor vinho.

As opções dos artistas são muito variadas

tanto na composição, quanto no ambiente criado

ou na quantidade de pormenores representados. Na

inúmera variedade de obras selecionámos apenas

quatro para analisar.

A primeira é o afresco de Giotto da

Capella degli Scrovegni ilustrado na figura 22. Numa sala de reduzidas dimensões,

desenhada com evidentes dificuldades perspécticas, são representadas somente onze

pessoas. Entre elas encontra-se, do lado esquerdo, Jesus e alguns apóstolos, os noivos ao

Figura 23

Milagre de Jesus nas Bodas de Caná

(séc. XV). Bernat Martorell Catedral de

Barcelona Altar da Transfiguração.

Page 37: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

209

centro e ao lado da Virgem Maria, os serviçais e, por fim, o chefe da mesa que se

encontra a provar o vinho e se converte, em parte, num dos centros de atenção, dada a

sua importância para a confirmação do milagre. O conhecimento das escrituras levou o

pintor a representar seis talhas, mantendo-se, assim, fiel ao relato. Na extremidade

direita, um dos serviçais, a três quartos voltado de costas para o observador derrama água

com um cântaro diretamente para as seis vasilhas. A água das vasilhas já não serve para a

purificação, mas tornou-se o meio pelo qual se consumou o milagre.

A figura 23 ilustra o mesmo tema no qual o pintor procurou chamar a atenção

para a dimensão e importância deste primeiro milagre de Jesus através da forte presença

das seis talhas na composição. O seu tamanho, a cor clara e a colocação tornam evidente

que o artista pretende destacar as vasilhas e, portanto, o milagre. A pintura, altamente

descritiva, como era próprio da arte medieval, ilustra diferentes momentos do

acontecimento. Assim vemos por detrás das talhas a figura da Virgem Maria que fala

com seu Filho pedindo a sua intervenção. Jesus, com nimbo crucífero tem atrás de si os

apóstolos que, com Ele, foram convidados para as Bodas. Os seus gestos são a expressão

da pergunta que coloca à sua mãe e, ao mesmo tempo da sua ligação com os momentos

seguintes e o iminente milagre. Com efeito do lado direito da pintura uma das serviçais,

colocada ao centro da composição e em grande plano, verte a água de um recipiente de

madeira para o interior de uma das vasilhas, enquanto a sua companheira transporta

água para o mesmo fim, o que mostra que Jesus já teria dado a ordem para encher de

água as talhas.

Nos planos de fundo, sentados à mesa, estão seis personagens. Chama à atenção

a figura de um homem idoso, de barbas brancas vestido de negro. Na sua mão esquerda

segura o cálice com que acabou de provar a água transformada em vinho e elogia a

qualidade do vinho. É, portanto, o chefe da mesa. Diante dele outro serviçal explica de

onde provém aquele vinho, apontando com a mão esquerda para a figura de Jesus. Os

noivos ao cimo e ao centro do espaço pictórico, mediante os seus gestos, parecem estar

surpreendidos com as explicações dadas pelo chefe da mesa e o fato de estar a ser servido,

agora, o melhor vinho. As duas figuras da esquerda parecem também conversar entre si

de algo que os deixou admirados.

Page 38: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

210

Numa composição muito condensada de personagens e de significado o artista

conseguiu reunir uma grande parte da narrativa do milagre da transformação da água em

vinho que pretendeu tornar bem visível ao colocar em primeiro plano á agua derramada

para as vasilhas de enormes proporções e de cor apelativa.

Uma representação muito diferente da anterior é a que ilustramos na figura 24.

De uma complexidade extrema, esta famosa pintura de Véronèse incorpora tantos

elementos, personagens, arquiteturas, atividades, perspectiva, animais e outros

pormenores que o episódio que motivaria esta pintura: o milagre de Jesus nas Bodas de

Caná, passa quase despercebido e absorvido pelo ambiente envolvente. Na verdade o

pintor representa uma verdadeira festa veneziana na qual incorporou o tema do primeiro

milagre de Jesus. Com alguma dificuldade, nesta composição magistral, consegue-se

vislumbrar a figura de Cristo e sua mãe, ao centro por baixo da linha horizontal formada

pela balaustrada. Também o ato de encher as talhas e a prova do vinho pelo chefe da

mesa se encontram representados no lado direito da pintura, mas quase absorvidos pelas

personagens e atividades envolventes. A ação simbólica da água ao ser transformada em

vinho, não é o motivo que se destaca de imediato nesta pintura, o que mostra que, por

vezes, os temas são meros pretextos para grandiosas composições.

Figura 24

Milagre de Jesus nas Bodas de Caná (1562-63). Véronèse.

Paris, Musée du Louvre.

Page 39: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

211

Por fim, ilustramos na figura 25, a grandiosa pintura de Julius Schnorr von

Carolsfeld (1794-1872), a qual consegue um grande equilíbrio entre as duas obras

anteriores. Com efeito, são múltiplas as personagens, os espaços, as arquiteturas, os

detalhes, porém não lhes confere o domínio da obra de modo a diluir o tema principal.

O milagre de Jesus fica bem evidenciado porque ocupa o primeiro plano, sendo dada à

água o merecido destaque. Diante de Jesus, encontram-se as seis vasilhas de pedra que são

o centro de atenção de diversas pessoas, entre elas da mãe de Jesus e do apóstolo João que

se encontram detrás de Jesus e também de outras figuras do primeiro plano. A fonte de

água e a sua relação com as talhas é muito clara e o gesto de Jesus indica a iminência do

milagre, estabelecendo, assim, o simbolismo da água enquanto elemento que materializa

o milagre.

Considerações finais

Depois de esclarecermos a importância da água para o povo hebreu, dada a

relativa aridez do seu território, comprovámos que são imensas as referências à água nos

textos bíblicos, tanto no Antigo como no Novo Testamentos. Ela é referida sob as mais

diversas utilizações e para variados fins que procurámos sintetizar em apenas três

Figura 25

Milagre de Jesus nas Bodas de Caná (1820) Julius Schnorr von Carolsfeld.

Hamburg, Hamburger Kunsthalle

Page 40: A ÁGUA NOS RELATOS BÍBLICOS E SUAS … ÁGUA NOS... · PALAVRAS-CHAVE – Bíblia, relatos bíblicos, iconografia, iconografia da água. ABSTRACT –This article aims to bring attention

REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789

VOL. VII Nº 15 MARÇO/2016

Luís Alberto Casimiro

212

categorias, conforme a sua ação era positiva, negativa ou simbólica. Para cada uma destas

variantes apresentámos alguns episódios das Sagradas Escrituras que serviram de base aos

artistas e foram imprescindíveis para entender a iconografia da água que lhes estava

associada.

As pinturas que incorporam a água, tal como as passagens bíblicas que lhe

deram origem são muito numerosas e a presença da água encontra-se assinalada com

graus de importância diferenciados, de acordo com a fonte literária, o seu significado, e a

imaginação e criatividade de cada pintor. Verificamos que os artistas interpretam os

textos com certa fidelidade e os ilustram segundo a cultura e os conhecimentos da época,

servindo-se do tema da água para criar composições mais simples ou grandiosas que

servem não só como representação dos textos, mas também a função pedagógica e

catequética da Igreja junto dos crentes, atitude soube conservar ao longo dos séculos.

A vastidão do tema levar-nos-ia a um trabalho demasiado extenso, que não se

enquadrava no âmbito da presente publicação, pelo que foi necessário apresentar,

somente, uma breve síntese, deixando por referir nomes e obras de arte muito

importantes, mas que serão devidamente tratados em futuros trabalhos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bíblia Sagrada. Lisboa/Fátima: Difusora Bíblica, 2002.

CHISESI, Ino. Dizionario Iconografico. Milano: RCS Libri, 2000.

CIRLOT, Juan-Eduardo. Diccionario de Símbolos. Barcelona: Editorial Labor, SA.

1992

Concordância Bíblica. [S.l.]: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997.

ESTEBAN LORENTE, Juan Francisco. Tratado de Iconografía. Madrid: Ed. Istmo,

1998.

OLIVEIRA, Oséias Gomes. Concordância Bíblica Exaustiva – Joshua. Rio de janeiro:

Ed. Central Gospel, [s. d.], 4 vols.

RÉAU, Louis. Iconografía del arte cristiano. Barcelona: Ed. del Serbal, 1996, Tomo

1/Vol. 2.